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Ana Júlia Marques Oliveira / FIP-GBI Etiologia, fisiopatologia e apresentação As lesões características da DRGE ocorrem quando a mucosa do órgão é exposta ao refluxato gástrico que contém agentes agressores como ácido, pepsina, sais biliares e enzimas pancreáticas. Em condições normais, ocorrem episódios de refluxo de curta duração e rápida depuração, denominado refluxo fisiológico. Numerosos fatores podem contribuir para o refluxo se tornar patológico, merecendo destaque as aberturas transitórias ou relaxamentos transitórios do esfíncter inferior do esôfago (independente da deglutição). Em alguns casos, que não constituem maioria, pode ocorrer hipotensão esfincteriana, como principal mecanismo fisiopatológico. O DRGE, em particular aquele que ocorre no período pós-prandial, se origina de um reservatório gástrico de ácido, sobrenadando o conteúdo gástrico (BOLSA ÁCIDA) e é maior em pacientes com hiato esofágico. O refluxo gastroesofágico provoca diminuição da resistência do epitélio mucoso esofágico com dilatação do espaço intercelular (mais precoce) e presença de erosões (exceto na forma não erosiva da DRGE). A gravidade da esofagite é relacionada à duração, ao tempo de exposição ácida e ao pH do conteúdo gástrico refluído. A DRGE pode ser classificada em duas formas de apresentação, conforme a presença ou não de erosões ao exame endoscópico. Doença do Refluxo não erosiva (DRGE-NE) A forma mais frequente da enfermidade é definida pela presença de sintomas desagradáveis associados ao refluxo, com ausência de erosões ao exame endoscópico. pacientes com exposição ácida anormal (que têm resposta terapêutica semelhante à dos pacientes com esofagite endoscópica); pacientes com exposição ácida normal e com correlação positiva entre sintomas e episódios de refluxo (estimado pelo índice de sintomas, que é positivo) e resposta ao uso de inibidores da bomba de prótons (IBP). Doença do Refluxo Erosiva (DRGE-E) Apresentação clássica da enfermidade, com sintomatologia clínica e presença de erosões ao exame endoscópico, a qual, embora importante, não apre senta especificidade elevada. Helicobacter pylori Existem evidências demonstrando que a infecção por H. pylori não tem relação com a DRGE e que sua erradicação não agrava seus sintomas. Esôfago de Barret Esôfago de Barrett é a substituição do epitélio escamoso estratificado do esôfago por epitélio colunar contendo células intestinalizadas (metaplasia intestinal) em qualquer extensão do órgão. Ocasionada pelo DRGE crônico. Suspeita por exame endoscópico e diagnóstico pelo exame histológico de fragmentos de biópsia, o qual demonstra metaplasia intestinal incompleta com presença de células caliciformes. O dano maior ocorre mais pelo tempo prolongado de exposição ao pH ácido inferior a 4 do que pelo número de episódios de refluxo. Está mais relacionado com pacientes com DRGE-E. O esôfago de Barrett é uma condição pré-maligna que se acredita ser o maior fator de risco para o desenvolvimento de adenocarcinoma do esôfago distal. Trabalhos recentes tenham sugerido que a terapia com IBP está associada à redução significativa do desenvolvimento de displasia nesses pacientes. O risco de malignização (displasia a adenocarcinoma) parece estar relacionado com a extensão do epitélio metaplásico e é maior nos pacientes com o denominado esôfago de Barrett longo, maior que 3 cm. Recidivas Os pacientes com DRGE apresentam diferentes defeitos fisiopatológicos que não são efetivamente corrigidos com o tratamento, mas são atenuados pelo bloqueio do ácido que provém do estômago. Assim, é de se esperar que, após o tratamento da fase aguda da enfermidade, possam ocorrer recidivas com a suspensão do tratamento, particularmente nos casos mais graves. DRGE-E 80 a 90% em seis meses. Ana Júlia Marques Oliveira / FIP-GBI Mecanismo de depuração intraluminal A depuração do material refluxado presente na luz do esôfago decorre de uma combinação de mecanismos mecânicos (peristaltismo e da gravidade) e químicos (neutralização do conteúdo residual pela saliva ou pela mucosa). A alteração do peristaltismo pode ser primária (no caso dos distúrbios motores do esôfago, como na motilidade esofágica ineficaz) ou secundária (nas doenças do tecido conjuntivo, como esclerodermia, síndrome CREST ou doença mista do tecido conjuntivo). A diminuição do fluxo salivar pode ser secundária à síndrome de Sjõgren ou ao uso de diversos medicamentos. Episódios noturnos são piores por conta da gravidade e da diminuição da produção salivar. Resistência intrínseca do epitélio A resistência intrínseca da mucosa é constituída pelos seguintes mecanismos de defesa, normalmente presentes no epitélio esofágico: defesa pré-epitelial (composta por muco, bicarbonato e água no lúmen do esôfago, formando uma barreira fisico química); defesa epitelial (junções intercelulares firmes, características do epitélio estratificado pavimentoso, o que dificulta a retrodifusão de íons, e substâncias tamponadoras intersticiais); defesa pós-epitelial (suprimento sanguíneo, responsável tanto pelo aporte de oxigênio e nutrientes quanto pela remoção de metabólitos). O refluxo duodeno-gastresofágico é um fenômeno fisiológico, de composição variada, que lesa a mucosa esofágica pela ação das enzimas proteolíticas, potencializando a lesão provocada pelo ácido. O mecanismo responsável pelas manifestações extraesofágicas da DRGE, como tosse e broncospasmo, nem sempre é a aspiração com lesão da mucosa de vias respiratórias por contato direto. Pode ser via reflexo vagal por acidificação da mucosa esofágica distais. Barreira antirrefluxo A barreira antirrefluxo, principal proteção contra o RGE, é composta por: esfíncter interno (ou esfíncter inferior do esôfago - ElE - propriamente dito) e esfíncter externo (formado pela porção crural do diafragma). O ElE mantém-se fechado em repouso e relaxa com a deglutição e com a distensão gástrica. O relaxamento não relacionado com a deglutição é chamado relaxamento transitório do ElE (RTEIE), sendo considerado o principal mecanismo fisiopatológico associado à DRGE. Muitas substâncias afetam a pressão do ElE: a colecistocinina (CCK) é responsável pela diminuição da pressão de ElE observada após a ingestão de gorduras, o óxido nítrico (ON) e o peptídio intestinal vasoativo (VIP). A presença de hérnia hiatal contribui para o funcionamento inadequado da barreira antirrefluxo através da dissociação entre o esfíncter externo e o interno e do refluxo sobreposto. A distensão gástrica, principalmente após as refeições, contribui para o refluxo gastresofágico. O retardo do esvaziamento gástrico, o aumento da pressão intragástrica e a alteração da secreção gástrica podem influenciar também. Diagnóstico O diagnóstico da DRGE se inicia com uma anamnese cuidadosa (identificação de sintomas, intensidade, duração, frequência, fatores desencadeantes e de alívio, padrão de evolução e impacto na qualidade de vida). Sintomas típicos: Pirose: algumas vezes chamada de azia, que é a sensação de queimação retrosternal que se irradia do epigástrio à base do pescoço, podendo atingir a garganta. Regurgitação: definida como a percepção do fluxo do conteúdo gástrico refluído para a boca ou hipofaringe. Apresentam valor preditivo para o diagnóstico de DRGE, embora com baixa especificidade. Quando os dois sintomas ocorrem simultaneamente, a probabilidade de o paciente apresentar DRGE é elevada, ao redor de 90%. Por outro lado, quando os pacientes apre sentam sintomas típicos duas ou mais vezes por semana, por no mínimo 4 a 8 semanas, existe razoável probabilidade de serem portadores de DRGE. Associados aos sintomas típicos, também podem ocorrer sialorreia, eructação, sensação de opressão retroesternal. Condições que elevam a pressão intra-abdominal também podem exacerbar os sintomas, particular mente a obesidade. A ausência de sintomatologia típica não descarta a hipótese de DRGE. Ana Júlia Marques Oliveira / FIP-GBI A DTNC é particularmente importante: depois de afastada a etiologia cardíaca (que deveser considerada primeiramente na abordagem diagnóstica), a DRGE costuma ser a causa mais comum de dor torácica, podendo corresponder a 50% dos casos de DTNC. Os mecanismos causais para a tosse, laringite de refluxo e síndromes asmatiformes podem ser diretos (aspiração) ou indiretos (mediados neuralmente). Deve-se ter atenção à ocorrência dos sinais e/ou sintomas de alerta que, frequentemente, estão associados a complicações. São eles: anemia, hemorragia digestiva, emagrecimento, disfagia e odinofagia. Teste diagnóstico terapêutico No III Consenso da DRGE Brasileiro baseado em evidências, o teste diagnóstico terapêutico (IBP, administrado em dose plena por um período de quatro semanas) para os pacientes com menos de 45 anos e com manifestações típicas foi classificado como recomendação de grau A. Ainda assim, foi explicitamente recomendado que todo paciente com suspeita ou diagnóstico de DRGE realize a endoscopia digestiva alta (EDA) antes do início do tratamento. Permite a visualização direta da mucosa e aumenta a acurácia diagnóstica nos casos de DRGE erosiva. Determinados pacientes com DRGE eventualmente podem não apresentar resposta positiva ao teste, o porque necessitam de dose maior do medicamento ou de sua utilização por período mais prolongado. Exame endoscópico e biopsia de esôfago O exame endoscópico é o método de escolha para o diagnóstico das lesões causadas pelo refluxo gastroesofágico. Permite a caracterização da presença de erosões da mucosa esofágica (DRGE-NE ou DRGE-E) e possibilita a realização de biópsias (esôfago de Barret, úlceras de esôfago e estenose, além de caracterizar o adenocarcinoma esofágico). Ausencia de erosões e presença ou não de eritema e edema, mas presença de sintomatologia pode corresponder a DRGE-NE. Estadiamento da esofagite de refluxo pela classificação de Los Angeles: grau A: uma ou mais erosões inferiores a 5mm de extensão, restritas ao fundo das dobras da mucosa; grau B: pelo menos uma erosão superior a 5mm de extensão, sendo todas restritas ao fundo das dobras da mucosa; grau C: erosões contínuas que cruzam o topo das dobras da mucosa, acometendo menos do que 75% da circunferência luminal; grau D: erosões contínuas que acometem 75% ou mais da circunferência do esôfago. Raio X contrastado de esôfago (esofagograma ou seriografia) Para o diagnóstico de DRGE apresenta baixa sensibilidade e especificidade e, por conseguinte, raramente está indicado. O exame pode auxiliar na investigação de pacientes que referem disfagia e odinofagia (identificar estenoses). Cintilografia Pode demonstrar o refluxo do conteúdo gástrico após ingestão de contraste marcado com 99Tc. O exame é caro e pouco disponível, mas, por ser uma técnica não invasiva, tem sido utilizado amplamente para o diagnóstico da DRGE em crianças. Manometria convencional e manometria esofágica de alta resolução A manometria convencional tem valor bastante limitado na investigação diagnóstica inicial da DRGE. Entretanto, está indicada nas seguintes condições: Antes da realização do exame pHmétrico; No pré-operatório da DRGE para afastar acalasia e distúrbios importantes de motilidade esofágica; Na investigação complementar de disfagia, particularmente quando existe suspeita de alterações motoras de esôfago; pHmetria esofágica de 24 horas O advento de monitoramento prolongado do pH intraesofágico contribuiu muito para a compreensão da DRGE. O exame é realizado ambulatorialmente, utilizando equipamentos portáteis, sensores miniaturizados de pH e análise de dados computadorizados. A pHmetria prolongada permite o diagnóstico da DRGE por demonstrar a presença de refluxo ácido gastresofágico anormal. É o método padrão-ouro para confirmar DRGE. Suas principais indicações são sintomas refratários ao tratamento clínico, avaliação de sintomas atípicos (como tosse, rouquidão, dor torácica), documentação da real existência de DRGE antes de uma cirurgia antirrefluxo, reavaliação de pacientes ainda sintomáticos após cirurgia antirrefluxo. pHmetria sem fio: cápsula Bravo Impedância Trata-se de técnica que permite a identificação do refluxo gastresofágico independente de seu pH e de seu estado. Sendo assim, possibilita a avaliação qualitativa do tipo de refluxo (ácido ou fracamente ácido), seu alcance proximal, sua composição (líquido, gasoso ou misto), bem como do tem pode depuração (ou clareamento) esofágico. A principal indicação da impedância/pHmetria é na avaliação de pacientes com sintomas típicos ou Ana Júlia Marques Oliveira / FIP-GBI extraesofágicos atribuídos à DRGE, que não responderam de forma completa ao tratamento com inibidores de bomba protônica. Tratamento O tratamento da DRGE objetiva controlar os sintomas, cicatrizar as lesões e prevenir as complicações, podendo ser fundamentalmente clínico e cirúrgico. Tratamento clínico A grande maioria dos pacientes se beneficia com o tratamento clínico, que deve abranger medidas comportamentais e farmacológicas, as quais devem ser implementadas simultaneamente. As medidas comportamentais ou de correção de hábitos de vida visam prevenir condições e alimentos que promovam ou facilitem o refluxo. A inibição da secreção ácida gástrica é benéfica no tratamento dos pacientes com DRGE, haja vista ocorrer a melhora dos sintomas e a cicatrização da esofagite. No plano do tratamento farmacológico, os fármacos disponíveis são: Alcalinos (ou antiácidos) e sucralfato são empregados para neutralizar a secreção ácida gástrica, servindo apenas para controle imediato dos sintomas. Uma combinação de alginato-antiácido tem se mostrado efetiva em prevenir o refluxo originário da bolsa ácida, compondo, desse modo, o racional para sua utilização na DRGE. Bloqueadores dos receptores H2 da histamina (cimetidina, ranitidina, famotidina e nizatidina) - tratamento de esofagite leve; Procinéticos (metoclopramida, domperidona e bromoprida) são eficazes para o alívio da pirose quando comparados a placebo. Porém, devem ser considerados medicamentos de exceção, uma vez que não aumentam o índice de cicatrização da esofagite. Inibidores da bomba de prótons (IBPs) constituem a classe de fármacos mais indicada para o tratamento da DRGE, apresentando resultados significativamente melhores. Os índices de cicatrização são elevados, portanto, são seguras e eficazes para o tratamento prolongado. Os IBPs devem ser considerados medicamentos de escolha (em ciclo de 4 a 8 semanas de tratamento para a fase aguda). São indicados em dose plena para o tratamento inicial da DRGE não complicada ou em dose dobrada para pacientes com complicações (estenose, úlcera ou esôfago de Barrett) ou com manifestações atípicas (por período prolongado, em geral, de seis meses de tratamento). Tendo em vista que é necessária a ativação das bombas protônicas pelos alimentos para a estimulação da produção de ácido clorídrico, é recomendável a administração do IBP em jejum, 30 a 60 minutos antes da ingestão alimentar. Tratamento cirúrgico A indicação cirúrgica da DRGE tem opiniões controversas. Os consensos nacionais ou internacionais, que abordam o tema, sugerem a correção cirúrgica nas seguintes condições: • esofagites recidivantes após tratamentos bem conduzidos, de no mínimo seis meses; • pacientes que apresentem complicações da DRGE, inclusive as extraesofágicas; • perspectiva de uso de inibidores da bomba de prótons por longos anos; • hérnias de grande volume em pacientes com risco de volvo ou perfuração; • baixa idade. Operação antirrefluxo, quer pela via laparotômica quer pela videolaparoscópica, é desenhada para diminuir a exposição esofágica ao suco gástrico pela criação de um mecanismo antirrefluxo sobre o esfíncter esofágico inferior. Os procedimentos cirúrgicos mais utilizados são as fundoplicaturas totais e parciais feitas pela via Ana Júlia Marques Oliveira / FIP-GBI laparoscópica, nas quais o esôfago distal é envolvido pelo fundo do estômago em 360° e 270°, respectivamente. REFERÊNCIAS DAMIÃO, Adérson Omar Mourão Cintra et al. Tratado de Gastroenterologia - Da Graduaçãoà Pos-Graduação, Schilioma Zaterka, Jayme Natan Eisig, eds. 2ª ed, São Paulo: Editora Atheneu, cap39, 2016. DANI, Renato. Gastroenterologia essencial. In: Gastroenterologia essencial. 2006.
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