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Brasília Med 2012;49(4):267-278 • 267 influência de excipientes farmacêuticos em reações adversas a medicamentos Ana Carolina Fernandes Araujo e Maria de Fátima Borin Recebido em 2-11-2012. Aceito em 5-12-2012. As autoras declaram não haver potencial conflito de interesses. rEsUMO Excipientes são substâncias adicionadas às for- mulações farmacêuticas, excluindo-se os fárma- cos, e têm a função de garantir a estabilidade e as propriedades biofarmacêuticas dos medica- mentos, além de melhorarem as características organolépticas e, assim, a aceitação dos medica- mentos pelos pacientes. Porém, diversos estudos têm demonstrado que esses compostos não estão isentos do risco de causar reações adversas. O ob- jetivo deste estudo é abordar algumas das reações adversas já descritas para excipientes comumente utilizados na indústria farmacêutica. Observa-se que o aspartame e a sacarina estão relacionados ao aparecimento de tipos de câncer, como linfo- mas e hiperplasias do urotélio em ratos, respec- tivamente. O sorbitol e a lactose podem produzir reações no trato gastrointestinal, como diarreia e flatulências e, assim, dificultar a absorção do fár- maco. O cloreto de benzalcônio, muito utilizado em formulações oculares e descongestionantes nasais, pode causar prolongada broncoconstri- ção e o aumento progressivo de lesões córneas. Já o corante amarelo de tartrazina e os parabe- nos, por serem estruturalmente semelhantes ao ácido acetilsalicílico, estão relacionados a reações de hipersensibilidade, pois pessoas sensíveis a es- se fármaco também podem apresentar reações alérgicas a tais excipientes. Em conclusão, apesar de conceitualmente inertes, não existe ausência de risco comprovada na utilização de adjuvantes farmacêuticos. Apesar de alguns estudos apre- sentarem resultados controversos com relação à promoção de efeitos adversos relacionada à utili- zação de alguns excipientes, pode-se concluir que, quando possível, a adição desses compostos deve limitar-se à estritamente necessária para manter a qualidade do medicamento e a função do fárma- co, para evitar possíveis reações adversas. Ana Carolina Fernandes Araujo – farmacêutica clínica e industrial, espe- cialista em Vigilância Sanitária pela Universidade Católica de Goiás, mes- tranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade de Brasília, Distrito Federal, Brasil Maria de Fátima Borin – farmacêutica industrial, doutora em Ciências Farmacêuticas pela Universidade de São Paulo, professora do Curso de Ciências Farmacêuticas da Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade de Brasília, Distrito Federal, Brasil Correspondência. Ana Carolina Fernandes Araujo. Faculdade de Ciências da Saúde, sala B1- 146/10, Universidade de Brasília, Campus Universitário Darcy Ribeiro, Asa Norte, CEP 70.910- 900. Telefone: (61) 3107-2004. internet: anacarolinaaraujo@gmail.com Palavras-chave. Excipientes; medicamentos; rea- ções adversas; hipersensibilidade. ABSTRACT Influence of pharmaceutical excipients on adverse reactions to drugs Excipients are substances added to pharmaceutical for- mulations, with the exclusion of drugs, which have the function of guaranteeing the stability and biopharma- ceutical properties of the drug, in addition to improving its organoleptic characteristics and, thus, acceptance of the medication by patients. However, several studies have shown that these compounds may cause adverse reactions. The objective of this study is to discuss the ArTiGO dE rEVisÃO ARTIGO DE REVISÃO 268 • Brasília Med 2012;49(4):267-278 adverse effects caused by excipients commonly used by the pharmaceutical industry. It is possible to notice that aspartame and saccharin are associated with the onset of cancers, such as lymphomas and hyperplastic urothelium in rats, respectively. Sorbitol and lactose may produce reactions in the gastrointestinal tract such as diarrhea and flatulence and, thereby, hinder drug absorption. Benzalkonium chloride, often used in ocular formulations and nasal decongestants, can cause pro- longed bronchoconstriction and a progressive increase in corneal injury. Because they are structurally similar to aspirin, the yellow dye tartrazine and parabens are associated with hypersensitivity reactions, as individu- als sensitive to this drug may also have allergic reactions to these excipients. In conclusion, although conceptually inert, we cannot rule out the risks associated with the use of pharmaceutical adjuvants. Even though some studies have presented conflicting results regarding the adverse effects caused by the use of certain excipients, it is possible to conclude that the use of these compounds must be limited to that strictly necessary. This way,the quality of the product and the function of the drug are maintained and possible adverse reactions are avoided. Key words. Excipients; drugs; adverse reactions; hypersensitivity. iNTrOdUÇÃO Os excipientes são substâncias, por definição, desti- tuídas de poder terapêutico, usadas para assegurar a estabilidade, a eficácia e as propriedades físicoquí- micas, farmacológicas e organolépticas dos produ- tos farmacêuticos.1 São dotados de diversas funções, como solubilizar, suspender, espessar, diluir, emul- sificar, estabilizar, colorir, flavorizar entre outras.2 Essas substâncias podem ser classificadas em três tipos de acordo com a origem: 1) animal, como a gelatina e a lactose; 2) vegetal, como a celulose e os açúcares; 3) sintéticos, como o polietilenoglicol, polissorbatos e povidona.3 Os excipientes são materiais quimicamente hete- rogêneos, podendo ser moléculas muito simples ou misturas de complexos naturais, sintéticos ou semissintéticos.3,4 Da mesma forma que os fármacos, os excipientes possuem propriedades termodinâmicas próprias e, assim, podem interagir com o fármaco, com outros medicamentos ou até com outros excipientes.3,5 Essas interações podem ser físicas e químicas. As interações físicas, que podem modificar, por exem- plo, o tempo de dissolução de uma forma farma- cêutica sólida, são devidas às forças de atração entre o fármaco e os excipientes ou à adsorção de excipientes na superfície de fármacos. Já as intera- ções químicas podem causar a degradação do fár- maco ou o aparecimento de impurezas. As reações de degradação mais frequentes são a hidrólise, a oxirredução, a fotólise, a isomerização e a polime- rização.3 Assim, esses aditivos podem aumentar ou diminuir a solubilidade de um fármaco, interferin- do em sua liberação e absorção, podem alterar sua taxa de dissolução5 ou induzir o aparecimento de reações de decomposição do fármaco, o que pode produzir medicamentos com doses subterapêuti- cas de fármaco ou mesmo promover a produção de substâncias tóxicas. A toxicidade causada pelos excipientes pode ocor- rer em toda a população ou em grupos específicos. Na população em geral, a toxicidade é devida ao excesso da dose desses compostos, o que pode cau- sar imunotoxicidade, alergia e intolerância. Já em grupos específicos, a toxicidade pode ser devida à presença de doenças crônicas, à predisposição ge- nética ou à idade dos pacientes.2,5 De acordo com a Instrução Normativa nº 3, de 2008, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa),6 excipientes são substâncias presentes na formulação dos medicamentos, diferentes dos fármacos, que não exercem ação farmacológica ou toxicológica.6 Entretanto, efeitos adversos relacio- nados a excipientes existem e são relatados desde 1930.3 A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 47 da Anvisa, 2009,7 estabelece que as bulas dos medicamentos contenham a concentração de cada fármaco ou ativo cosmético; porém, em relação aos excipientes, exige-se apenas composição qualita- tiva conforme aDenominação Comum Brasileira. Assim, as indústrias farmacêuticas não são obri- gadas a discriminar, nas bulas dos medicamentos, as quantidades de aditivos nas formulações, o que Brasília Med 2012;49(4):267-278 • 269 Ana Carolina Fernandes Araujo e col. • Reações adversas a excipientes farmacêuticos dificulta a verificação da adequação da concen- tração dos excipientes aos limites especificados nas farmacopeias. Muitos excipientes são utiliza- dos em formulações de venda livre ou pediátrica. Dessa forma, o risco de desenvolvimento de rea- ções adversas fica ainda mais grave, principalmen- te quanto a alguns aditivos. Isso pode ser devido à sua maior utilização nos medicamentos ou mesmo à sua alta toxicidade ou caráter alergênico. O objetivo deste estudo é descrever as classes de excipientes que apresentam maior probabilidade de causar reações adversas. EdUlCOrANTEs Os edulcorantes são substâncias doces utilizadas nos medicamentos com finalidade de mascarar o sabor desagradável de alguns fármacos e, assim, permitir maior adesão do paciente ao tratamen- to. Nos últimos quinze anos, houve aumento no consumo de adoçantes em várias áreas da saúde, com o intuito de prevenir o aparecimento de cá- ries dentárias, obesidade e diabetes, causados pela ingestão excessiva de açúcar.4 Normalmente, os medicamentos são compostos por combinações de vários edulcorantes. Os principais utilizados nas in- dústrias farmacêuticas são o aspartame, o sorbitol, a lactose, a sacarina e o ciclamato de sódio. Balbani e colaboradores1 mostraram que 28,7% dos fármacos analisados por eles continham dois tipos de adoçantes, 9,5% continham três tipos e 4,1% continham quatro tipos de edulcorantes. Os mais encontrados na composição dos medi- camentos foram a sacarose, a sacarina sódica, o sorbitol, o ciclamato de sódio e o aspartame, em ordem decrescente. Aspartame O aspartame é um excipiente sintético empregado em mais de noventa países e em aproximadamen- te seis mil produtos.8 Quando administrado por via oral, o aspartame não é absorvido, mas sim com- pletamente hidrolisado por esterases no intestino em um dipeptídeo de ácido aspártico (40%), um metil éster de fenilalanina (50%) e metanol (10%), aí sim são absorvidos.5,9 O ácido aspártico é o pre- cursor de alguns neurotransmissores excitatórios, como o glutamato, a asparagina e a glutamina. A fenilalanina participa da estruturação de prote- ínas e, no organismo, é convertida em tirosina. Esta é transformada em dihidroxifenilalanina (DOPA) que, posteriormente, formará a dopami- na. Assim, a fenilalanina exerce uma importante função na regulação de neurotransmissores. Já o metanol pode ser convertido em formaldeído, que é uma substância carcinogênica.9 Existem controvérsias sobre a segurança no uso do aspartame. Como esse altera a concentração de alguns neurotransmissores, as principais re- ações adversas causadas por esse excipiente são cefaleia e distúrbios psiquiátricos, como ataque do pânico, mudanças de humor, alucinações vi- suais e episódios maníacos.10,11 Pacientes com distúrbios afetivos ou de humor têm mais risco de desenvolver efeitos neuropsiquiátricos.12,13 Porém, Shaywitz e colaboradores,14 em estudo envolvendo crianças com déficit de atenção que receberam, em média, 34 mg/kg/dia de asparta- me por duas semanas, não observaram diferença significativa no comportamento, cognição e me- tabolismo da amina em relação às crianças que receberam placebo, exceto aumento esperado de fenilalanina e tirosina plasmática. Os autores concluíram que o consumo dez vezes maior que o usual de aspartame não causou alterações cog- nitivas ou comportamentais nessas crianças. Os mesmos autores discutiram, em seu trabalho, que vários outros estudos prévios a este avaliaram o efeito do aspartame no comportamento e cogni- ção de adultos, avaliando-se humor, desempenho cognitivo, tempo de reação, memória e compor- tamento alimentar, após administrações de do- ses que variaram de quatro a mais que 100 mg por quilo de peso corpóreo, e o aspartame não apresentou efeito em nenhum desses estudos.14 Resultados similares foram obtidos por Spiers e colaboradores15 em estudo realizado com indiví- duos jovens saudáveis que receberam doses de 15 ou 45 mg/kg/dia, por dez ou vinte dias, sem que fossem observados efeitos comportamentais, neuropsicológicos ou neurofisiológicos. ARTIGO DE REVISÃO 270 • Brasília Med 2012;49(4):267-278 Christian e colaboradores16 observaram em ratos que receberam doses de aspartame de 250 mg/kg/ dia, durante um período de três a quatro meses, alteração no desempenho no labirinto em cruz, su- gerindo um possível efeito negativo do aspartame na memória desses animais. Além disso, nos ratos tratados com o aspartame, houve aumento signi- ficativo da densidade de receptores muscarínicos em regiões do cérebro, como no córtex frontal, midcortex, córtex posterior, hipocampo, hipo- tálamo e no cerebelo, aumentos estes de 80%, 60%, 61%, 65%, 66% e 60% respectivamente. Os autores concluíram que a administração crônica de aspar- tame pode resultar em efeitos neurológicos em ra- tos,16 o que corrobora com os achados de Collison e colaboradores,17 os quais também concluíram que a exposição ao aspartame pode resultar em deficiên- cia de memória em roedores. Com relação aos efeitos carcinogênicos, Soffritti e colaboradores (2005)18 demonstraram que o aspar- tame aumentava, de forma significativa, os casos de linfomas e leucemias em ratos fêmeas.18 Já em 2007, Soffritti e colaboradores19 concluíram que o aspartame é um agente carcinogênico multipoten- cial em doses próximas às consumidas diariamente por pessoas e que, se a exposição a esse excipiente se iniciasse na fase fetal, havia o aumento do risco de desenvolvimento de câncer. AlSuhaibani,20 com o objetivo de determinar se, e em qual nível, o aspartame era capaz de induzir aberrações cromossômicas e trocas de cromátides irmãs em células da medula óssea de camundon- gos, tratou camundongos Swiss com dose única de aspartame, por administração intraperitoneal de uma entre três concentrações distintas, 3,5, 35 ou 350 mg/kg de peso corpóreo, e analisou as células da medula óssea femoral 24 horas após a adminis- tração da dose. O autor concluiu que o aspartame induzia a formação de aberrações cromossômicas num efeito dose-dependente, mas não induzia as trocas de cromátides irmãs. Por outro lado, o as- partame não aumentou o índice mitótico. Apesar da análise estatística dos dados terem mostrado que o aspartame não era genotóxico a baixas con- centrações, o autor concluiu que o aspartame apre- sentava risco genotóxico.20 Segundo Ursino e colaboradores, pacientes com fenil- cetonúria, com deficiência genética na enzima feni- lalanina hidroxilase, devem ser cautelosos no consu- mo de aspartame, pois acumulam fenilalanina e seus metabólitos, podendo desenvolver ataques epiléticos, hipertonicidade muscular, hipercinesia e retardo no crescimento.5 Os indivíduos heterozigotos para fenil- cetonúria aparentemente não apresentam aumento significativo de fenilalanina após a ingestão de altas doses de aspartame, porém os homozigotos com dieta restrita devem evitar seu consumo.13 A partir desses dados, a Anvisa lançou um infor- me técnico em 2006 reafirmando que os alimen- tos com esse edulcorante em sua composição de- vem ter no rótulo a advertência de que o produto “contém fenilalanina”.21,22 Reações de hipersensibilidade são raras e podem estar relacionadas às substâncias de degradação formadas após o armazenamento dos produtos a altas temperaturas.23 Sorbitol e lactose Os efeitos adversos apresentados pelo consumo tan- to de sorbitol quanto de lactose são relacionados ao trato gastrointestinal, como diarreia, dores abdomi- nais e flatulências.2,24O sorbitol é um poliálcool iso- mérico ao manitol e, quanto maior a concentração consumida, maior é a gravidade dos efeitos gastroin- testinais.5,25 Pelo fato de o sorbitol causar diarreia osmótica, ele pode dificultar a absorção do fármaco presente no medicamento. O sorbitol é absorvido pelo trato gastrointestinal e metabolizado pelo fíga- do em frutose e glicose.5 Pacientes pediátricos com intolerância hereditária à frutose podem desenvol- ver, em casos graves, danos no fígado, coma e até morte se consumirem esse excipiente.5 A lactose pode também ser usada como diluente na formulação de medicamentos.24 Ela sofre hidrólise por meio de reação catalisada pela ação da enzima lactase, que é produzida pelos enterócitos, e forma monossacarídeos de glicose e galactose. Nowak-Wegrzyn (apud Szefler) reportou re- ações alérgicas ocorridas após a ingestão de Brasília Med 2012;49(4):267-278 • 271 Ana Carolina Fernandes Araujo e col. • Reações adversas a excipientes farmacêuticos medicamentos contendo lactose em pacientes com alergia ao leite e atribuiu esse fato à possibilida- de da contaminação dos medicamentos com pro- teínas do leite.26 Segundo Stefani e colaboradores, pacientes com alergia às proteínas do leite de va- ca geralmente não apresentam reações adversas à lactose pura. Normalmente, esta pode ser extraída de forma segura do leite de vaca, com uma sepa- ração eficaz de suas proteínas, para que pessoas com alergia à proteína do leite possam consumir os medicamentos que contêm lactose sem riscos. Apesar deste cuidado, já foram descritos casos de sibilância e anafilaxia em pacientes que consumi- ram medicamentos contaminados com proteína do leite de vaca.27 Pessoas com deficiência de lactase devem ser cau- telosas quanto ao consumo de fármacos com esse excipiente. Nessas pessoas, a lactose provoca efei- tos adversos devido à formação de ácido láctico por bactérias no intestino, ou à formação de dióxido de carbono e gás hidrogênio por bactérias fermen- tadoras, provocando dores estomacais, diarreia, flatulência, dor de cabeça e cãibras musculares.5,13 A lactose não absorvida pode, ainda, impedir a rea- bsorção de água e causar efeito laxante.5 Em crian- ças, a intolerância à lactose é mais grave e pode estar associada à diarreia grave, proliferação de bactérias no intestino delgado, desidratação e aci- dose metabólica.13 Outra reação descrita após o uso de lactose é o aparecimento de eritema fixo.27 Sacarina A sacarina, sintetizada em 1878, é um adoçante com baixo teor de caloria usado em preparações sólidas e líquidas.13 Tem poder adoçante quinhen- tas vezes maior que a sacarose.5 O consumo diário recomendado de ácido acetilsalicílico ou acetami- nofen representa, aproximadamente, a ingestão da mesma quantidade de sacarina contida em uma lata de refrigerante.13 Muitos estudos relacionam o consumo excessivo de sacarina ao câncer de bexiga. De acordo com Hicks, os efeitos da sacarina in vitro em células de bexiga humana, são comparáveis aos encontrados em ex- perimentos feitos com ratos, causando hiperplasia do urotélio. Assim, se a sacarina for administrada antes do desenvolvimento do câncer, ela poderia funcionar como cofator em seu desenvolvimento e influenciar a resposta celular a outros agentes carcinogênicos. Já se ela for administrada após o aparecimento do câncer, poderia estimular a pro- liferação de células pré-neoplásicas.28 Alguns estu- dos defendem, porém, que não ocorre essa relação, argumentando que esses resultados foram encon- trados em experimentos realizados em ratos, e que as alterações na bexiga são espécie-específicas.29 A sacarina também pode causar outras reações ad- versas, incluindo-se reações cutâneas, tais como prurido, urticária e reações de fotossensibilida- de, além de náusea, diarreia, taquicardia, cefaleia, diurese e neuropatia.13 Pode ocorrer sensibilidade cruzada da sacarina com as sulfonamidas, ou seja, a alergia a sulfas pode ser estendida à sacarina. COrANTEs Os corantes são utilizados na indústria farmacêuti- ca para distinguir e melhorar a aparência dos me- dicamentos. Podem ser:30,31 1) orgânicos sintéticos, que são aqueles obtidos por síntese orgânica; 2) orgânicos naturais, obtidos por extração de fontes vegetais ou, eventualmente, animais; 3) inorgâni- cos, obtidos de substâncias minerais e submetidos a processos de elaboração e purificação adequados para seu emprego; 4) caramelo, corante natural ob- tido pelo aquecimento de açúcares à temperatura superior ao seu ponto de fusão; 5) caramelo (proces- so amônia), corante orgânico sintético, idêntico ao caramelo natural, obtido pelo tratamento térmico controlado de hidratos de carbono, na presença de compostos contendo íons amônio. O corante orgânico sintético pode, ainda, ser sub- dividido em artificial, não encontrado em produtos naturais, e idêntico ao natural, quando sua estrutura química é semelhante à estrutura do corante orgâ- nico natural.30,31 Os corantes não são excipientes essenciais na com- posição dos medicamentos, pois apenas melho- ram o aspecto visual do produto. Assim, quando ARTIGO DE REVISÃO 272 • Brasília Med 2012;49(4):267-278 possível, essas substâncias devem ser evitadas pa- ra minimizar o risco do aparecimento de efeitos adversos. Os principais corantes descritos como responsáveis por causarem reações adversas são o amarelo de tartrazina, o amarelo crepúsculo, a eritrosina, o carmim entre outros. Amarelo de tartrazina A tartrazina é um corante orgânico sintético artifi- cial, pertencente ao grupo azo. Este grupo é respon- sável por reações adversas em até 2% da população.27 Ele tem estrutura química similar à dos benzoatos, salicilatos e indometacina. Portanto, pode ocasio- nar reações adversas cruzadas com esses fármacos. A principal reação adversa causada por esse corante é devido à hipersensibilidade. Esta ocorre em 0,6 a 2,9% da população, está associada a pessoas com hi- persensibilidade a salicilatos (ácido acetilsalicílico) e suas principais manifestações são anafilaxia, bron- coconstrição, urticária, dores abdominais, vômitos, dermatite de contato, rinite e angioedema.1,3,22,27 Aproximadamente 2% a 20% dos pacientes asmáti- cos são sensíveis ao ácido salicílico e, pela similari- dade com a estrutura química, também podem ser sensíveis ao amarelo de tartrazina, com reações que podem causar broncoespasmos. Porém, a incidência dessas reações cruzadas é de apenas 2,4%.24,27 Esse corante não altera a síntese de prostaglandinas e não possui atividade anti-inflamatória, como ocorre com o ácido acetilsalicílico. Pode, entretanto, oca- sionar púrpura não trombocitopênica, o que indica inibição da agregação plaquetária.13,20,22,27 Em estudo realizado com três gerações de ratos, a tartrazina produziu poucos efeitos adversos rela- cionados a parâmetros neurocomportamentais.32 Da mesma maneira, na revisão de Elhkim e colabo- radores se concluiu ser difícil mostrar relação clara entre a tartrazina e o desenvolvimento de reações de intolerância, pois os mecanismos patogênicos são ainda mal compreendidos.33 Foi, porém, observado aumento da hiperatividade de ratos machos após a administração do corante amarelo de tartrazina.34 Esse corante pode, ainda, estar relacionado ao aparecimento de neoplasias. Ele altera o turno- ver de células normais ou durante a hiperplasia regenerativa, o que favorece o desenvolvimento de câncer.34 Foi observado que doses maiores que 10 mg por kg de peso corpóreo, administradas por via oral em ratos, induziram danos ao DNA de células do estômago e do cólon.34 Desde 1980 – para medicamentos de uso oral – e 1981 – para alimentos – a Food and Drug Administration (FDA) exige que o corante tartra- zina seja listado no rótulo de todos os produtos que ocontenham. Em 2001, a FDA exigiu que os produtos com esse corante tivessem a seguinte advertência: “Este produto contém FD&C Yellow nº 5 (tartrazina), que pode causar reações do tipo alérgica (incluindo-se asma bronquial) em certas pessoas susceptíveis. Embora a incidência de sen- sibilidade a FD&C Yellow nº 5 (tartrazina) na po- pulação em geral seja baixa, esta é frequentemen- te observada em pacientes que também possuem hipersensibilidade à aspirina”. No Brasil, em 2003, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária exigiu, por meio da Resolução nº 137, o uso da seguin- te advertência: “Este produto contém o corante amarelo de TARTRAZINA que pode causar reações de natureza alérgica, entre as quais asma brônqui- ca, especialmente em pessoas alérgicas ao ácido acetilsalicílico”.35 Como na maioria dos estudos não é possível, porém, afirmar que essas reações sejam causadas devido apenas à tartrazina e não a outros produtos, o Brasil passou a exigir, me- diante a RDC nº 340, de 13 de dezembro de 2002, da Anvisa, a declaração do nome tartrazina por extenso nos rótulos dos produtos e não mais a ad- vertência citada.36 CONsErVANTEs Conservantes são substâncias adicionadas a pro- dutos farmacêuticos e cosméticos para prevenir ou retardar a deterioração microbiana. São im- portante meio de limitar o crescimento micro- biano em vários tipos de produtos farmacêuticos, cosméticos e alimentos.37 Alguns dos conservan- tes que podem causar reações adversas são os parabenos, o cloreto de benzalcônio, o benzoato de sódio e o álcool benzílico. A maioria dos medi- camentos contém combinações de conservantes Brasília Med 2012;49(4):267-278 • 273 Ana Carolina Fernandes Araujo e col. • Reações adversas a excipientes farmacêuticos para melhorar sua eficácia de conservação e am- pliar o espectro de ação. Parabenos Os parabenos são alquil ésteres de ácido p-hidroxi- benzoico, como metil, etil, propil, isobutil e butilpa- rabenos. Agem por inibição do transporte da mem- brana celular ou da função mitocondrial de leveduras, tanto na fase germinativa quanto na fase vegetativa de microrganismos.38 Eles são incolores, inodoros, hi- drossolúveis e têm amplo espectro de ação. Têm sido utilizados em alimentos, cosméticos e medicamentos tópicos e sistêmicos desde 1930.39 Geralmente, são usados em baixas concentrações, não ultrapassando 1% da composição do medicamento.1 Balbani e colaboradores1 analisaram as fórmulas de diversos medicamentos e observaram que 45,2% continham metilparabeno e, 35,6%, propilparabeno. A principal reação causada por esse conservante é a de hipersensibilidade, pois uma parte dele é metabolizada a ácido p-hidroxibenzoico, que é es- truturalmente semelhante ao ácido acetilsalicílico.2 Assim, as reações de hipersensibilidade são pareci- das com as desse composto. Esses efeitos são leves e relacionados a dermatites de contato, principal- mente em cosméticos.2 O primeiro caso de derma- tite de contato por parabenos foi identificado em 1940.39 Minamoto mostrou que 1,9% de 805 pacien- tes ambulatoriais atendidos no Japão apresentaram alergia a parabenos.40 Pessoas com mais de 60 anos de idade são mais propensas a desenvolver reações alérgicas a esses excipientes.41 Os parabenos foram classificados como os alérgenos mais comuns (43%) em crianças indianas com dermatite de contato.42 Os parabenos podem provocar diversos efeitos adver- sos em seres humanos. Recentemente, eles estão sen- do considerados como genotóxicos, estrogênicos, co- mo produtos que afetam o sistema endócrino e existe relação entre a maior utilização de protetores solares com parabenos e o aumento da taxa de aparecimento de melanomas.43 Sugere-se, ainda, que os parabenos são iniciadores ou promotores do câncer de mama.44,45 Em ratos machos, os parabenos provocaram dimi- nuição dose-dependente do peso do epidídimo e da próstata e redução na produção de esperma, indican- do distúrbios no sistema reprodutor masculino.46 Já foram encontrados parabenos, na forma conju- gada ou livre, na urina de pessoas que não sabiam que tinham exposição a esse conservante. Na for- ma livre, 99%, 96%, 58%, 69% e 39% das amostras de urina dessas pessoas continham metilparabe- no, propilparabeno, etilparabeno, butilparabeno e benzilparabeno, respectivamente. Já foram rela- tados, também, a presença de parabenos no leite materno, o que indica exposição precoce a esse conservante em bebês.47 Cloreto de benzalcônio O cloreto de benzalcônio é muito usado em descon- gestionantes nasais e em soluções oftálmicas.48 Esse conservante pode causar diminuição da função pul- monar, reações de hipersensibilidade em pacientes asmáticos e pode agravar a rinite medicamentosa causada por descongestionantes nasais.24 A inala- ção de cloreto de benzalcônio puro causa prolonga- da broncoconstrição, proporcional à dose inalada, tosse e prurido.13 A administração de 124 a 159 µg de cloreto de benzalcônio pode reduzir em 20% a força de expiração de um paciente asmático.13 Em 1980, Burstein49 observou, em estudo conduzi- do em coelhos e gatos, que o cloreto de benzalcô- nio em concentrações de 0,001% e 0,01% produzia aumento progressivo nas lesões de córnea. Porém, Lewis e colaboradores50 observaram que a presen- ça desse conservante em medicamento para glau- coma é tão segura e eficaz quanto a sua ausência. Já Kahook e colaboradores51 mostraram que altas concentrações de cloreto de benzalcônio em medi- camentos para glaucoma podem causar mais efei- tos oculares deletérios que os medicamentos sem conservantes. Assim, ainda são necessários estudos para determinar definitivamente o risco desse con- servante para a saúde humana. Benzoato de sódio O benzoato de sódio é um conservante muito utili- zado em alimentos, bebidas e em preparações far- macêuticas líquidas, como os xaropes. As principais ARTIGO DE REVISÃO 274 • Brasília Med 2012;49(4):267-278 reações adversas relacionadas a este conservante são erupções cutâneas, dermatite de contato, ecze- ma atópico e reações anafiláticas.2 Todavia, essas reações são raras. Segundo Nettis e colaboradores52 em estudo retrospectivo entre pacientes que apre- sentaram urticária após o consumo de alimentos ou produtos com benzoato de sódio, apenas 2% ti- veram a reação após o consumo de 75 mg do exci- piente e não tiveram reação ao placebo, ou seja, a reação a esse composto é muito baixa. Álcool benzílico O álcool benzílico é um conservante que compõe soluções, cosméticos e medicamentos injetáveis. Além de suas características antibacterianas e an- tifúngicas, em altas concentrações ele pode ser usado como anestésico e antipruriginoso.53 Normalmente, o álcool benzílico é oxidado a álcool benzoico, que no fígado é conjugado com glicina e depois é excretado na forma de ácido na urina.54 Os recém-nascidos não são ainda dotados dessa rota de metabolização completamente formada e, por isso, os principais efeitos adversos estão associados a esses pacientes.54 Os medicamentos usados para esses pacientes que contêm o álcool benzílico são as soluções salinas bacteriostáticas de uso intravenoso ou as soluções para lavagem do tubo traqueal, que dependendo da quantidade utilizada, podem causar complicações metabólicas, respiratórias graves, paralisia cere- bral, retardo do desenvolvimento e até óbito.13,24 Formulações injetáveis com álcool benzílico podem causar, ainda, colapso cardiovascular neonatal asso- ciado à acidose metabólica e anormalidades hema- tológicas.24 A utilização de álcool benzílico em bai- xas concentrações nos medicamentos é segura em neonatos, porém seu uso em infusão contínua pode ultrapassar os valores diários aceitáveis em crianças, que é de 5 mg/kg/dia.13,55 Portanto, o consumo des- se conservante deve ser evitado em recém-nascidos. Em1997, foi publicado um estudo sobre medicamen- tos parenterais que continham álcool benzílico em suas formulações, mostrando a quantidade desse excipiente administrada diariamente, em média, em crianças.13 Esses dados são apresentados na tabela, junto à avaliação de algumas bulas desses medica- mentos, ou de seus similares, de acordo com os da- dos atuais. Pode-se observar que houve significativa diminuição na utilização do álcool benzílico como excipiente em vários dos medicamentos analisados. Tabela. Medicamentos parenterais que contêm álcool benzílico MEdiCAMENTOs dAdOs PUBliCAdOs EM 1997* PrEsENÇA dE álCOOl BENzíliCO (%) NOs MEdiCAMENTOs EM 2012 sEGUNdO iNFOrMAÇÕEs dAs BUlAs QUANTidAdE dE álCOOl BENzíliCO (%) MédiA EsTiMAdA dE AdMiNisTrAÇÃO diáriA dE álCOOl BENzíliCO EM CriANÇAs Aminofilina 2 2-4 mg/kg 0 (Aminofilina Sandoz, solução injetável 240 mg/10 mL) Vitamina K neonatal – injetável (Aquamephyton®) 0,9 4,5 mg 0 (Vikatron®, Kanakion® MM) Presença de fenol (Kavit®) Água bacteriostática 1,5 99-234 mg/kg 0,9 (solução bacteriostática de cloreto de sódio a 0,9% USP) Dexametasona – injetável 1 2,5 mg 0 (Decadron® Injetável 2 ou 4 mg) Doxapram (Dopram®) 0,9 21,6-32,4 mg/kg - Folato de sódio 1,5 0,6-0,9 mg 0 (Endofolin®, Folacin®, Folin®) Heparina (1.000 U/mL) – injetável 1 1,2 mg 0 (Venalot® H cumarina, heparina) Infusão de multivitaminas 0,9 45 mg 0 (em 10 multivitaminas orais) † Netromicina‡ – injetável 1 0,4-0,65 mg/kg - Pancurônio (Pavulon®) – injetável 1 2-3 mg/kg 0 (Pancuron®) Atracúrio multidose (Tracrium®) 0,9 3,6 mg/kg 0 (Tracrium®) Enalapril (Vasotec®) – injetável 0,9 0,1-0,5 mg/kg 0 (Renitec® e Eupressin®) *Fonte: referência 13. †Multivitaminas orais analisados: Ad-til®, Adefort® e Plennit®, Oligovit®, Vitaminerals plus®, Vitergan master®, Vitergan® pré- natal, Matertabs®, Artrotabs®, Femitabs®. ‡A netromicina neonatal não contém álcool benzílico.13 Brasília Med 2012;49(4):267-278 • 275 Ana Carolina Fernandes Araujo e col. • Reações adversas a excipientes farmacêuticos Os efeitos adversos comuns em adultos incluem as reações de hipersensibilidade caracterizadas por dermatite de contato e urticária de contato. O álcool benzílico também pode sofrer reações cruzadas com os parabenos, bálsamo do Peru e benzil cinamatos.56 ANTiOXidANTEs Antioxidantes são substâncias utilizadas na indús- tria farmacêutica e de alimentos para impedir que os produtos sofram processos oxidativos e, assim, per- cam sua função. Em medicamentos, esses compostos impedem ou retardam a oxidação do fármaco e de outros excipientes.57,58 De acordo com o mecanismo de ação, os antioxidantes podem ser classificados em primários, sinergistas, que se ligam ao oxigênio, agentes quelantes e antioxidantes mistos. Polifenois, butil-hidroxianisol (BHA) e butil-hidroxitolueno (BHT) são exemplos de antioxidantes primários, que são capazes de doar um átomo de hidrogênio ou um elétron às espécies reativas, impedindo a propaga- ção da cascata oxidativa. Os sinergistas são compos- tos que aumentam a atividade dos antioxidantes primários. Alguns ácidos orgânicos, como o ácido ascórbico, atuam sequestrando o oxigênio presente do meio, por meio de reações químicas estáveis e, assim, tornando-o indisponível para as reações de autoxidação. As substâncias quelantes, que formam complexos com metais, como o ácido etilenodiami- notetra-acético (EDTA), atuam como antioxidantes por retirarem do meio os metais, como o ferro, que catalisam reações de oxidação lipídica.59 Alguns exemplos de antioxidantes usados frequen- temente na indústria farmacêutica e de alimentos são os sulfitos, entre eles sulfito de sódio, meta- bissulfito de potássio, metabissulfito de sódio, bis- sulfito de potássio e bissulfito de sódio, o BHA e o BHT. Os principais antioxidantes responsáveis por efeitos adversos são os sulfitos.57,58 Sulfitos Medicamentos, cosméticos e alimentos que conte- nham sulfitos podem causar reações adversas quan- do administrados por via oral, inalatória, parenteral e oftálmica. As manifestações mais frequentes dessas reações são diarreia, náuseas, vômito, cólicas abdo- minais, tontura, urticária, edema local, cefaleia, alte- rações na frequência cardíaca, inconsciência, coma e, principalmente, as relacionadas ao trato respiratório, como sibilos e dispneia.2 O grupo de risco para esses excipientes são os asmáticos, que podem apresentar diminuição da função pulmonar e hipersensibilidade. A American Academy of Pediatrics, em 1997,13 mostrou que 66% das crianças asmáticas apresentaram hi- persensibilidade aos sulfitos e esta aumentava com a idade, ou seja, 31% das crianças com até 10 anos de idade e 71% das crianças mais velhas apresentaram sensibilidade aos sulfitos.13,24 Existem alguns possíveis mecanismos de ação pro- postos para explicar a hipersensibilidade aos sul- fitos em pacientes asmáticos. Entre eles, estão as seguintes hipóteses: 1) esses excipientes podem causar broncoespasmo após sua inalação por meio de reflexos colinérgicos; 2) a sensibilidade cutânea pode ser devida a mecanismo mediado por IgE; 3) pode ocorrer diminuição da atividade da enzima sulfito oxidase. Assim, ainda são necessários mais estudos para identificar a real causa de hipersensi- bilidade aos sulfitos nesse grupo de pessoas.58 Já o antioxidante BHA pode ocasionar danos e promover mutações no DNA, o que favorece o aparecimento de neoplasias.34 Observou-se que a administração oral de BHA e BHT em ratos in- duziu danos no DNA de células do estômago, do cólon, da bexiga e do cérebro.34 CONsidErAÇÕEs FiNAis De acordo com a Resolução da Diretoria Colegiada n.o 157 da Anvisa, de 31 de maio de 2002,60 os exci- pientes são substâncias farmacêuticas auxiliares que, do ponto de vista farmacológico, são inativas e permitem que o fármaco apresente estabilidade e biodisponibilidade quando administrado em deter- minada forma farmacêutica, ou seja, esses compos- tos têm a finalidade de favorecer a manipulação do produto, garantir maior estabilidade, disponibilida- de e melhorar a adesão do paciente ao tratamento. Entretanto, não se pode considerar que esses com- postos sejam completamente inertes, pois, como foi ARTIGO DE REVISÃO 276 • Brasília Med 2012;49(4):267-278 descrito ao longo desse trabalho, eles podem causar diversas reações adversas e com diferentes mecanis- mos de ação. Os efeitos tóxicos causados pelos adju- vantes farmacêuticos afetam uma pequena parcela populacional, mas seus efeitos podem ser graves, co- mo hipersensibilidade cutânea ou até câncer e óbi- to. Os grupos de maior risco quanto a esses efeitos são as pessoas alérgicas, que desenvolvem resposta imunitária, e os pacientes com algumas predisposi- ções genéticas, como os fenilcetonúricos e diabéti- cos.3 Podem ser incluídos nesses grupos os pacientes pediátricos que, habitualmente, são mais sensíveis a esse tipo de reação adversa. Muitas vezes, a aplicação de excipientes em for- mulações farmacêuticas é de extrema importância, como o uso dos conservantes e antioxidantes. No entanto, outras vezes, eles exercem função mera- mente estética, como os corantes e, em algumas situações, os flavorizantes e as essências. Assim, quando possível, o emprego desses compostos em formulações destinadas a grupos de risco deve li- mitar-se aos estritamente necessários para manter a qualidade do medicamento e a função do fárma- co, de forma a evitar possíveis reações adversas. Efeitos adversos relacionados a excipientes são relatados desde 1930.3 Em 1999, o consumo de excipientes correspondeu a seiscentas mil tone- ladas de material para as indústrias alimentícia, cosmética, química e farmacêutica.3 Em um le- vantamento realizado na Inglaterra, uma amos- tra de 12.132 medicamentos possuíam 3.816 exci-pientes.1 Dessa forma, pode-se concluir que esses adjuvantes são muito utilizados no mundo todo e cabe às Agências Reguladoras regulamentarem e fiscalizarem sua correta utilização. Pifferi e colaboradores3 apresentaram dados rela- tando que Estados Unidos, Japão e Europa usavam uma média de mil excipientes de diversas origens, estruturas mais ou menos complexas e de diferen- tes classes químicas. O mesmo estudo mostrou que apenas um quinto desses compostos estava descrito em Farmacopeias. Estas são compêndios oficiais que definem os parâmetros mínimos para a fabricação e o controle da qualidade de insumos e especialida- des farmacêuticas.61 No Brasil, quando não houver a monografia oficial do excipiente na Farmacopeia Brasileira, as agências reguladoras instruem a adoção das monografias de uma das seguintes farmacopeias: alemã, americana, argentina, britânica, europeia, francesa, internacional (OMS), japonesa, mexicana ou portuguesa.62 Porém, mesmo que o insumo utili- zado não esteja presente nas farmacopeias citadas, seu uso nos medicamentos e cosméticos é aprovado pela Anvisa, bastando a apresentação das especifi- cações e os métodos analíticos adotados no controle de qualidade dessa matéria-prima.63 De acordo com a RDC 47/20097 que estabelece regras para elabora- ção das bulas de medicamentos para pacientes e para profissionais de saúde, as bulas dos medicamentos devem conter as informações relativas à quantida- de e à qualidade dos fármacos e apenas à qualidade dos excipientes, ou seja, as indústrias farmacêuticas não são obrigadas a discriminar a quantidade desses insumos em suas bulas, mas devem descrever quais substâncias estão utilizando. No entanto, para regis- trar um medicamento na Anvisa, as empresas devem apresentar a quantidade e as funções dos excipien- tes utilizados nas formulações.64 Assim, cabe apenas às agências reguladoras verificarem se a quantidade desses excipientes está de acordo com as especifica- ções determinadas nas farmacopeias. Aos médicos e outros profissionais de saúde esta regra da Anvisa dificulta o cálculo de administração diária de um excipiente específico a um paciente com pre- disposição de risco, como uma criança, por exemplo. Outro aspecto frágil em relação à identificação dos excipientes nas bulas é relativo ao segredo indus- trial. A população tem o direito de saber o que e quanto de cada matéria-prima está consumindo ao usar um medicamento, para que pessoas sen- síveis possam se prevenir de possíveis reações adversas. Por outro lado, os grandes laboratórios devem guardar seus segredos relativos à fórmula do medicamento, para impedir que qualquer outra indústria farmacêutica possa copiar seu produto. Balbani e colaboradores1 avaliaram a bula de setenta e três medicamentos. Uma dessas bulas, de um fár- maco de venda livre e uso pediátrico, não tinha a lis- ta dos excipientes utilizados. Em 77% das bulas dos medicamentos não havia descrito o teor de açúcar Brasília Med 2012;49(4):267-278 • 277 Ana Carolina Fernandes Araujo e col. • Reações adversas a excipientes farmacêuticos empregado e duas bulas de medicamentos que con- tinham aspartame não apresentaram as informações referentes aos fenilcetonúricos. Entre esses medica- mentos, os conservantes mais usados foram o me- tilparabeno, em 45,2%, e o propilparabeno em 35,6% dos casos. Com relação aos edulcorantes, os mais frequentes foram a sacarose, a sacarina sódica e o sorbitol, em, respectivamente, 53,4%, 38,3% e 36,9% das bulas dos medicamentos analisados.1 Como ex- plicado ao longo desse artigo, os excipientes mais utilizados nesses medicamentos estão propensos a causarem diversas reações adversas. Mesmo com todo o rigor das legislações da Vigilância Sanitária, ainda existem medicamentos com pouca ou nenhu- ma informação em suas bulas referente aos exci- pientes que compõe o medicamento. Atualmente, a preocupação com a qualidade e a segurança dos excipientes vem aumentando no mundo todo. Em 2009, o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo – Sindusfarma – participou de um congresso em Washington, nos Estados Unidos65 para discutir temas como as normas e legislações sobre exci- pientes, a necessidade de haver uma adequada auditoria dos fornecedores e a introdução, no País, de uma regulamentação para boas práticas de fabricação quanto a excipientes no contexto da indústria farmacêutica. A perspectiva é que se de- senvolvam métodos de fiscalização e análise mais eficazes em relação aos excipientes para garantir a segurança de sua utilização. Outro aspecto importante, em relação às rea- ções adversas aos excipientes, é o despreparo das equipes de saúde para lidar com esse problema. Muitos profissionais não sabem que tanto os fár- macos quanto os outros compostos da formula- ção podem originar reações adversas e, assim, esses casos são subnotificados. A identificação e a análise dessas reações são complexas, gerando diversos estudos controversos quanto ao fato de o excipiente ser ou não o causador do efeito ad- verso. Essas informações devem ser disseminadas no ambiente hospitalar, para que, no futuro, essas reações sejam identificadas e resolvidas o mais ra- pidamente possível, de forma que seja garantido menor desconforto aos pacientes. rEFErÊNCiAs 1. Balbani APS, Stelzer LB, Montovani JC. Excipientes de medicamentos e as informações da bula. Rev Bras Otorrinolaringol. 2006;72(3):400-6. 2. Tonazio L, Vilela MMP, de Jesus RR, Pinto MAO, Amaral MPH. Reações adversas dos adjuvantes farmacêuticos presentes em medicamentos para uso pediátrico. HU Revista. 2011;37(1):63-8. 3. Pifferi G, Restani P. The safety of pharmaceutical excipients. Farmaco. 2003;58(8):541-50. 4. Baldrick P. Pharmaceutical excipient development: the need for preclinical guidance. Regul Toxicol Pharmacol. 2000;32(2):210-8. 5. 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Estabelece as condições gerais de elaboração, classi- ficação, apresentação, designação, composição e fatores essenciais de qualidade dos corantes empregados na produção de alimentos(e bebidas). Brasília: Resolução – CNNPA nº 44, de abril de 1977. 32. Tanaka T, Takahashi O, Oishi S, Ogata A. Effects of tartrazine on exploratory behavior in a three-generation toxicity study in mice. Reprod Toxicol. 2008;26(2):156-63. 33. Elhkim MO, Héraud F, Bemrah N, Gauchard F, Lorino T, Lambré C, et al. New considerations regarding the risk assessment on Tartrazine: an update toxicological assessment, intolerance re- actions and maximum theoretical daily intake in France. Regul Toxicol Pharmacol. 2007;47(3):308-16. 34. Polônio MLT, Peres F. Consumo de aditivos alimentares e efeitos à saúde: desafios para a saúde pública brasileira. Cad Saúde Pública. 2009;25(8):1653-66. 35. Brasil. Anvisa. Resolução da Diretoria Colegiada nº 137, de 29 de maio de 2003. 36. Brasil. Anvisa. 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