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1 Marcela Oliveira - Medicina UNIFG 2022 CETOACIDOSE DIABÉTICA É a complicação metabólica aguda clássica do DM1, ou seja, ausência completa ou quase completa de insulina. Sem a insulina, o estado catabólico torna-se exagerado, e a lipólise lança na circulação uma quantidade enorme de ácidos graxos, que serão transformados em corpos cetonicos no fígado. Além disso, temos também por conta do catabolismo, liberação de glicerol, aminoácidos e lactato nos tecidos que serão usados na gliconeogenese hepática. O resultado será a ocorrência de níveis bem elevados de glicemia e produção exacerbada de corpos cetonicos, levando a cetoacidose diabética. A cetoacidose diabética é bem menos comum no DM2, embora possa ocorrer. Estes pacientes geralmente estão na fase insulinopênica da doença e apresentam algum tipo de estresse adrenérgico como infecção, IAM, AVE, cirurgias. CONSEQUÊNCIAS • AUMENTO DA OSMOLARIDADE: Uma hiperglicemia superior a 400 mg/dl aumenta significativamente a osmolaridade do plasma, o que acarreta a desidratação neuronal. Ou seja, a cetoacidose seria, de certa forma, uma “síndrome hiperosmolar”. • ESPOLIAÇÃO HIDROELETROLÍTICA: Quando a glicemia ultrapassa a faixa dos 200mg/dl surge glicosúria. A glicose urinaria, por sua vez, atua como diurético osmótico, provocando poliuria e depleção volêmica e eletrolítica. • ACIDOSE METABÓLICA: Dos 3 corpos cetonicos, dois são ácidos (cetoacidos): ácido acetoacetico e ácido beta- hidroxibutírico. Em altas concentrações no plasma, eles provocam uma acidose metabólica com anion gap aumentado. O terceiro ácido, que é a acetona, é inócua, mas manifesta-se pelo ácido acético. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Apenas uma minoria dos diabéticos tipo 1 abrem a doença de forma tão abrupta, com a cetoacidose. Em crianças e adolescentes isso já pode ser mais comum. É importante reconhecermos que a CAD costuma ter um fator desencadeante, geralmente por: • Condição de estresse metabólico agudo (infecção, cirurgia). Nessas situações, o nível sérico de catecolaminas (adrenalina) e de cortisol estimulam a lipólise e provocam cetoacidose diabética. • Suspensão inadvertida de insulinoterapia por um paciente DM1. • Distúrbios alimentares, drogas - corticoides, tiazidicos, simpaticomiméticos, pentamidina, antipsicoticos. SINAIS E SINTOMAS: • Sintomas gastrointestinais: dor abdominal, náuseas e vômitos; • Dispneia: devido à hiperventilação para compensar a acidose (respiração de Kussmaul); • Rebaixamento da consciência: desorientação, confusão, letargia, coma. O rebaixamento da consciência nem sempre ocorre. O seu mecanismo principal é a hiperosmolaridade levando à desidratação neuronal, quando os níveis glicêmicos estão muito elevados. Uma acidemia grave (pH < 7,00) pode contribuir para o distúrbio neurológico nestes pacientes; • Poliúria, polidipsia, emagrecimento e desidratação: muitas vezes estes sintomas não são relatados espontaneamente pelo paciente ou seu familiar, aparecendo apenas na anamnese dirigida. • Hálito de acetona: dado não confiável. Obs: todo paciente jovem que chega ao hospital com suposto “abdome agudo” deve ser avaliado em relação a possibilidade de cetoacidose diabética. DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS NA CAD A intensa poliúria osmótica que o paciente desenvolve leva a perda de uma grande quantidade de sódio + agua (expoliação volêmica), além de potássio e fosfato. Na cetoacidose, temos uma situação paradoxal em relação ao potássio e ao fosfato: apesar de uma grande perda urinária e grave espoliação 2 Marcela Oliveira - Medicina UNIFG 2022 corporal destes elementos, os seus níveis séricos mantêm-se normais ou elevados - HIPERCALEMIA E HIPERFOSFATEMIA. São basicamente três motivos: (1) a depleção de insulina predispõe à saída de potássio e fosfato das células; (2) a hiperosmolaridade extrai água e potássio das células; (3) a acidemia promove a entrada de H+ nas células em troca da saída de potássio. É fundamental saber que este "paradoxo" é logo desfeito após o início da insulinoterapia: a insulina promove a entrada imediata de potássio e fosfato nas células, fazendo a calemia e fosfatemia "despencarem" após as primeiras horas do tratamento!!! Daí a necessidade rotineira da reposição de potássio e fosfato logo após a introdução da insulinoterapia! A hiperglicemia, pelo seu efeito osmótico, “puxa” água das células diluindo o sódio plasmático, dessa forma, teremos uma hiponatremia. Estima-se que para cada aumento de 100 pontos acima de 100 mg/dl da glicemia, o sódio cai 1,6 pontos. Portanto, devemos corrigir o sódio sérico pela hiperglicemia, adicionando 1,6 ao sódio dosado para cada aumento de 100 da glicemia. A ureia e a creatinina podem se elevar em casos de hipovolemia grave, devido a insuficiência pré- renal (baixo fluxo sanguíneo para os rins). A cetoacidose diabética pode provocar leucocitose neutrofílica de até 25.000/mm³ (mesmo na ausência de infecção), hipertrigliceridemia e um leve aumento da amilase sérica, tomando-se o cuidado para não confundir com a pancreatite aguda. DIAGNÓSTICO Nos casos de cetonúria negativa ou levemente positiva, isso ocorre porque o corpo cetonico predominante na urina é o beta-hidroxibutirato. Porém, a fita mede o acetoacetato e a acetona. Nesses casos, recomenda-se repetir o exame de urina adicionando um pouco de agua oxigenada para promover a conversão em acetoacetato, revelando uma cetonuria diagnostica. Obs: pacientes com múltiplos episódios de vômitos podem se apresentar com CAD com gasometria normal. Nesses casos, o diagnóstico é através da história clínica, níveis glicêmicos, cetonuria francamente positiva e anio-gap elevado. TRATAMENTO 1. REPOSIÇÃO VOLÊMICA: O primeiro passo é infundir 1-1,5 L de soro fisiológico 0,9% 1ª hora (15-20 ml/kg/h), para iniciar a correção da hipovolemia. Esta medida deve ser realizada obrigatoriamente antes da insulina. Em seguida, o esquema de reposição volêmica dependerá dos níveis séricos corrigidos do sódio. • Sódio normal ou elevado (> 135 mEq/L) = utilizar salina 0,45% (misturar SF 0,9% + água destilada; meio a meio). • Sódio baixo (< 135 mEq/L) = utilizar NaCl 0,9% A taxa de reposição deve começar entre 250-500 ml/h (4-14 ml/kg/h) e se ajustar de acordo com o resultado dos exames e o estado clínico do paciente. 2. INSULINOTERAPIA Após entrar o primeiro litro de soro, a insulinoterapia é iniciada. Administra-se um bolus venoso de insulina regular na dose de 0,1 U/kg, seguido de imediato por 0,1 U/kg/h em infusão venosa contínua (bomba infusora). Obs: Uma solução muito usada é a de 100 U de insulina regular em 100 ml de SF 0,9%, no qual 1 ml = 1 U. O objetivo é uma queda média da glicemia de 50 a 75 mg/dl/h. A dose da infusão deve ser dobrada caso esta queda não ocorra. Quando a glicemia atinge valor ≤ 200mg/dl, a infusão de insulina deve ser diminuída (0,02- 0,05U/kg/h) e SG 5% deve ser adicionado à hidratação. O objetivo é manter uma glicemia entre 150-200 mg/dl até que a CAD se resolva. 3 Marcela Oliveira - Medicina UNIFG 2022 Os critérios de resolução da CAD são: pH > 7,3; bicarbonato > 18 mEq/l; e glicemia < 200 mg/dl. Quando isto é alcançado, é possível liberar a dieta e iniciar o esquema de insulinização subcutânea conforme valores de glicemia capilar a cada 3 ou 4h. A infusão contínua de insulina venosa só será suspensa após 1-2h da dose de insulina SC. 3. REPOSIÇÃO DE POTÁSSIO A reposição de potássio (na forma de KCL) pode ser iniciada caso os níveis séricos estejam < 5 mEq/l, na presença de um fluxo urinário adequado. Cada ampola de KCl 10% (10 ml) contém 1 g de KCl ou 13 mEq de K. Há também a ampola de KCl 19,1% com 25 mEq de K. O objetivo é manter o potássiona faixa normal de 4-5,0 mEq/L. 4. BICARBONATO DE SÓDIO A princípio, o bicarbonato de sódio não está indicado no tratamento da cetoacidose diabética!! Está indicado apenas quando o paciente tem pH < 6,9, pelos riscos da acidemia grave. A dose preconizada é de 100 mEq (100 ml diluídos em 400 ml de água destilada ou solução isotônica) com 20 mEq de KCl a uma taxa de infusão de 200 ml/h por duas horas, até que pH esteja acima de 7,0. COMPENSAÇÃO Se o tratamento for correto, a compensação da glicemia (Gli < 200 mg/dl) ocorrerá após uma média de 8h e a compensação da acidose metabólica (pelo menos dois desses: HCO₃> 15 mEq/L, AG ≤ 12 e pH > 7,30) ocorrerá após uma média de 16h. Nesse momento, geralmente o paciente torna-se assintomático e surge fome. O que não pode de jeito nenhum ocorrer é a suspensão da insulinoterapia por completo, pois isto acarretará certamente a recrudescência da cetoacidose em poucas horas!! A conduta ideal é começar insulina subcutânea (10 U insulina regular), cerca de 1-2h antes de parar o dripping de insulina venosa. 4 Marcela Oliveira - Medicina UNIFG 2022 Estado Hiperglicêmico Hiperosmolar (EHH) é a complicação metabólica aguda mais característica da DM2. Para que ela ocorra é necessária a presença de hiperglicemia e ingesta de líquidos inadequadamente baixa. Esses dois fatores associam-se com frequência no paciente com DM2 idoso, pois há uma diminuição da percepção de sede nesse paciente. O fator precipitante mais comum é infeccioso, principalmente de foco pulmonar ou urinário. Dentre os fatores não infecciosos, destacam-se AVC, IAM, quadros abdominais que cursem com vômitos ou diarreia e endocrinopatias (hipertireoidismo, Cuching e acromegalia). O consumo excessivo de bebidas alcóolicas, assim como a dialise peritoneal podem ser fatores precipitantes. PATOGÊNESE Ocorre um progressivo aumento da osmolaridade sérica consequente a HIPERGLICEMIA e a HIPERNATREMIA, sem uma elevação equivalente da osmolaridade intracelular. Resultado disso, ocorre o desvio de fluido do intra para o extravascular. A diurese osmótica provocada pela hiperglicemia leva a perda de agua em maior proporção que de eletrólitos, agravando a hiperosmolaridade sérica. Com a contração do volume intravascular, adicionado com um comprometimento prévio da função renal (componente pré-renal), diminui a eliminação de glicose elevando-a mais ainda a nível sérico. Tais eventos só são possíveis em um estado de hipovolemia persistente, pois a reidratação levaria à queda da osmolaridade sérica e ao aumento da eliminação da glicose pelos rins. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A presença de depressão do nível de consciência em um paciente idoso nos obriga apensar no diagnóstico de EHH. O paciente se apresenta com rebaixamento do nível de consciência, começando com desorientação e evoluindo com letargia, torpor e até mesmo o estado de coma. Sinais clínicos de desidratação intensa estão presente. Hipotensão e oligúria são manifestações de hipovolemia importante. Semelhante à cetoacidose, sonolência ou coma profundo só devem ser atribuídos à hiperosmolaridade se esta se encontrar acima de 320-350 mOsm/L, respectivamente. O estado de hemoconcentração e hiperviscosidade sanguínea predispõe a fenômenos tromboembólicos, evidenciados por empastamento e edema de membros ou, na presença de embolia pulmonar, Uma diferença marcante para a cetoacidose é a ausência dos sintomas gastrointestinais e da taquidispneia (respiração de Kussmaul). Eles também não apresentam hálito cetônico... DIAGNÓSTICO ■ Hiperglicemia extrema (glicemia > 600 mg/dl). ■ Hiperosmolaridade acentuada (Osm efetiva pl > 320 mOsm/L). ■ Ausência de acidose e cetose importante (pH > 7,30, HCO₃ > 18 mEq/L, cetonúria < +2). Lembre-se da fórmula da osmolaridade efetiva do plasma ("tonicidade plasmática"): O normal é até 295 mOsm/L. Todo paciente com Osm efet pl > 320 mOsm/L pode entrar em coma pela desidratação dos neurônios do SNC. Estado hiperglicêmico hiperosmolar 5 Marcela Oliveira - Medicina UNIFG 2022 TRATAMENTO O tratamento é muito parecido com o da cetoacidose diabética, baseando-se no conhecido "tripé": • Reposição hídrica. • Insulinoterapia. • Reposição de potássio. A estratégia terapêutica, a cronologia das medidas e os parâmetros ideais para a queda da glicemia são os mesmos que os da cetoacidose. A diferença seria o enfoque maior na hidratação. Estes pacientes precisam receber uma grande quantidade de solução salina e de água livre, pois o deficit estimado é maior. A salina 0,45% é o soro de escolha. Como a acidose não costuma estar presente, o parâmetro de melhora é a queda na osmolaridade abaixo de 310 mOsm/L. A complicação mais temida é o edema cerebral iatrogênico, causado pela correção rápida demais da glicemia, especialmente quando a glicemia baixa mais do que 100 mg/dl/h. MANEJO DAS HIPERGLICEMIAS: • Gasometria arterial inicialmente e depois venosa (repetir a cada 4 horas). • Glicemia e posteriormente glicemia capilar (de preferência a cada 1/1 hora). • Potássio, sódio, fósforo, cloro e outros eletrólitos (dosagem sérica de K inicialmente a cada 2 horas. Os outros, inclusive fósforo, a cada 12 horas). • Hemograma completo. • Urina tipo 1. • Cetonemia ou cetonúria: preferencialmente dosar o beta- hidroxibutirato, pois cerca de 80% da produção de corpos cetônicos é na forma de beta-hidroxibutirato, mas as fitas reagentes de urina só avaliam o ácido aceto-acético. Em situações de sepse associada, o beta-hidroxibutirato se torna 100% dos corpos cetônicos, assim as fitas reagentes de urina podem ter resultados falso-negativos para corpos cetônicos. • Eletrocardiograma. • Radiografia de tórax (procura de foco infeccioso associado). • Outros exames solicitados conforme suspeita clínica. O eletrocardiograma, além de servir para rastrear isquemia coronariana como fator precipitante do episódio de cetoacidose diabética, também permite verificar a presença de complicações da hipercalemia e outros distúrbios hidroeletrolíticos. Todos os pacientes com CAD e EHH devem ser internados.
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