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O abortamento é uma síndrome hemorrágica da primeira metade da gravidez, definida pela OMS como a interrupção da gravidez antes de 22 semanas (FEBRASGO) / 20 semanas (OMS) ou com um feto até 500g ou de 16,5 cm, ou seja, antes de atingida a viabilidade. Os termos abortamento e aborto algumas vezes são empregados como sinônimos, porém abortamento refere-se ao processo e aborto ao produto eliminado. O abortamento representa a quarta causa de mortalidade materna no Brasil, diferentemente do que ocorre em países desenvolvidos, onde essas taxas de morte, especificamente por aborto, são reduzidas. Mulheres jovens e em plena idade produtiva e reprodutiva são as que estão mais sujeitas às complicações, como hemorragias, infecções, perfurações de órgãos e infertilidade, levando-as desnecessariamente à morte ou acarretando sequelas à sua saúde física, mental e reprodutiva. Aliás, as complicações do abortamento representam a terceira causa de ocupação dos leitos obstétricos no Brasil. Ao lidar com o atendimento ao abortamento, a equipe de saúde deve refletir sobre a influência de convicções pessoais na prática profissional, para que tenha uma atitude livre de julgamentos arbitrários e rotulações. O abortamento pode ser: • SUBCLÍNICO: quando ocorre antes da próxima falha menstrual. • CLÍNICO: quando ocorre após gravidez confirmada pela dosagem de beta-hCG ou ultrassonografia. Ocorre entre 10 e 15% das gestações diagnosticadas. Em torno de 80% das gestações são interrompidas até a 12a semana. É descrito que o risco para abortamento espontâneo diminui para menos de 10% quando os batimentos cardiofetais são identificados à USG. ANORMALIDADES CROMOSSÔMICAS São as causas mais comuns de abortamento, respondendo por cerca de 50 a 80% dos abortamentos espontâneos clínicos ou subclínicos, sendo as aneuploidias a causa mais frequente. As trissomias são as aneuploidias mais encontradas em casos de abortamento (cerca de 50%) e as mais frequentes são as do cromossomo 16, seguida pelas trissomias do 22, 21, 15, 13, 2 e 14. Após as trissomias, a segunda causa de alteração cromossômica mais relacionada ao abortamento é a monossomia do cromossomo X, presente em 7 a 10% dos abortamentos de primeiro trimestre. DESORDENS ANATÔMICAS As principais anormalidades anatômicas citadas como causadoras do abortamento são: INCOMPETÊNCIA ISTMOCERVICAL: causa de abortamento tardio. O feto não é retido até o fim da gestação, pois o colo não se mantém fechado. MIOMAS: especialmente os do tipo submucoso. MALFORMAÇÕES UTERINAS: útero unicorno, bicorno, didelfo ou septado. O útero bicorno tem uma taxa de insucesso gestacional maior que o didelfo e nos dois casos há uma incidência maior de incompetência istmocervical. O útero septado, malformação uterina mais prevalente, embora seja a de melhor prognóstico, deve ser corrigido previamente à gestação. SINÉQUIAS UTERINAS: síndrome de Asherman. Normalmente decorre de agressões às camadas mais profundas do endométrio, como curetagens vigorosas e repetidas; o diagnóstico é feito por histeroscopia e o tratamento é a lise endoscópica. A inserção temporária de DIU após o procedimento é preconizada por alguns autores. A B O R T O DOENÇAS ENDÓCRINAS As principais doenças endócrinas que se associam ao abortamento são: INSUFICIÊNCIA LÚTEA: definida por uma produção insuficiente de progesterona pelo corpo lúteo e, consequentemente, por inadequado desenvolvimento do endométrio. O corpo lúteo é o maior responsável pela produção do hormônio e pela manutenção endócrina da gravidez nas primeiras 6-7 semanas. Desta forma, qualquer falha na sua produção hormonal poderia levar ao abortamento. O tratamento se baseia na complementação exógena de progesterona. Embora muitos serviços e profissionais utilizem de rotina a reposição de progesterona em casos de ameaça de abortamento, os critérios diagnósticos que definem a insuficiência lútea e a eficácia da reposição hormonal nestes casos ainda necessitam ser validados. DOENÇAS DA TIREOIDE: o hipotireoidismo e a presença de anticorpos antitireoperoxidase são considerados fatores de risco para abortamento, embora estudos recentes não confirmem esta associação. DIABETES MELLITUS INSULINODEPENDENTE: principalmente se a doença estiver mal controlada no período da concepção. SÍNDROME DE OVÁRIOS POLICÍSTICOS: a incidência de abortamento em pacientes com SOP é de 20 a 40%. O mecanismo pelo qual o abortamento ocorre ainda não está bem definido, mas parece haver relação com os altos níveis de Hormônio Luteinizante (LH), testosterona e androstenediona presentes na síndrome, e, também, com a resistência insulínica geral- mente associada a estes casos. DISTÚRBIOS IMUNOLÓGICOS Neste grupo, destacamos a Síndrome do Anticorpo Antifosfolipídeo (SAF), que é uma trombofilia autoimune associada a tromboses arteriais e venosas. Ela consiste em uma causa autoimune de abortamento de repetição, presente em 15 a 20% das mulheres com abortamento habitual. Outras desordens imunológicas incluem as causas aloimunes de abortamento recorrente, que podem estar relacionadas à resposta materna imune anormal aos antígenos presentes nos tecidos placentários e/ou fetais, como os antígenos de histocompatibilidade humana (HLA) paternos. INFECÇÕES As infecções são causas infrequentes de abortamento precoce. Os principais processos infecciosos que poderiam levar ao abortamento são: • Rubéola: quando adquirida no período próximo à implantação ovular. • Parvovirose: quando adquirida no período de diferenciação ovular inicial. • Citomegalovirose. • Listeriose. • Herpes-simples. • Hepatite B. • HIV. • Infecção do Trato Urinário (ITU). • Infecções ascendentes, principalmente vaginoses, clamídia e gonorreia. • Sífilis: a doença não tratada pode levar ao abortamento entre 9 e 12 semanas de gestação, em especial pela infecção placentária dela resultante. • Toxoplasmose. • Malária. • Presença de estreptococos do grupo B no trato genital inferior. • Idade materna avançada; • Uso de álcool; • Uso de gás anestésico; • Uso excessivo de cafeína; • Tabagismo materno e paterno; • Uso de cocaína; • Nova gestação nos primeiros três meses após o parto anterior; • Uso de DIU; • Radiação em altas doses; • Peso materno (IMC < 18,5 ou > 25); • Doença celíaca; • Abortamento espontâneo prévio PRECOCE OU TARDIO O abortamento pode ser precoce ou tardio, conforme a idade gestacional, ou seja, até a 12a semana e entre a 13a e a 20ª semana, respectivamente. Os abortamentos precoces, com menos de 12 semanas, respondem por 80% dos abortamentos e reconhecem uma multiplicidade maior de causas. Além da etiologia, os abortamentos precoces e tardios também apresentam condutas terapêuticas diferentes. ESPONTÂNEO OU PROVOCADO O abortamento espontâneo é aquele que ocorre sem nenhuma intervenção externa e pode ser causado por doenças da mãe ou por anormalidades do embrião ou feto. A incidência de abortamento espontâneo, clinicamente reconhecido na população em geral, é de 10% a 15%. No entanto, por meio de testes altamente sensíveis da gonadotrofina coriônica humana, evidenciou-se que a magnitude da perda gestacional após a implantação é da ordem de 62%. Quando não se dispõe de tais métodos, as gestações interrompidas precocemente acontecem sem diagnóstico de abortamento, e o fenômeno é encarado como atraso menstrual seguido de menstruação profusa. Por isso, o abortamento espontâneo é a complicação mais frequente da gravidez, e a grande maioria ocorreu no primeiro trimestre. A idade materna e o número de abortamento anteriores são os dois fatores de risco mais importantes para um novo abortamento. Com o avançar da idade, há declíniono número e na qualidade dos ovócitos, principalmente depois dos 35 anos. As anormalidades cromossômicas são as causas mais frequentes de abortamento espontâneo. Já o abortamento provocado refere-se à interrupção da gravidez causada por intervenção externa e intencional. Estima-se que são realizados em torno de 1 milhão de abortamentos provocados no Brasil por ano, a grande maioria de forma insegura, gerando custo de mais de 30 milhões de reais ao SUS em consequência de suas complicações. Conforme pesquisa de 2010, 22% das mulheres brasileiras de 35 a 39 anos, residentes em áreas urbanas, já provocaram aborto. No levantamento, o aborto se mostrou mais frequente entre mulheres com menor nível de escolaridade, independentemente da filiação religiosa. SEGURO E INSEGURO Abortamento seguro e abortamento inseguro são dois termos frequentemente usados em documentos internacionais da OMS. Um aborto seguro é aquele realizado por médico bem treinado, com os meios necessários e em ambiente adequado, o que implica risco extremamente baixo para mulher. Em contraste, o aborto inseguro é procedimento de risco para interromper uma gravidez indesejada, realizado por pessoas que não têm as habilidades necessárias ou em ambiente que não tem os padrões médicos mínimos, ou ambos. É importante que, diante de um caso de aborto inseguro ou provocado, do ponto de vista ético, não haja juízo de valor e nem julgamento, pois é dever de todos os profissionais de saúde acolher respeitosamente para não causar qualquer transtorno ou constrangimento. A prática vem demonstrando ser imprescindível que o Código Penal seja reformulado para que contemple uma ampliação dos permissivos legais referentes ao aborto. O elevado número de abortos inseguros realizados anualmente e suas consequências para a saúde reprodutiva das mulheres demonstram que a criminalização desse ato não tem sido suficiente para diminuir sua incidência. Assim, a atual legislação, bastante restritiva, está levando as mulheres a um itinerário de maior risco social em busca de medicamentos proibidos ou mesmo de práticas rudimentares, como a introdução de objetos na vagina e chás e preparados orgânicos aplicados no fundo do útero. Em países cujas leis foram flexibilizadas para estarem mais adequadas aos direitos sexuais e reprodutivos, evitando-se, assim, a clandestinidade do aborto inseguro, constatou-se redução da mortalidade materna pela melhora da qualidade e presteza do atendimento. HABITUAL Ocorrência de três ou mais episódios consecutivos de abortamento. Sua importância reside na etiologia, visto que se distingue daquela dos abortamentos esporádicos. O abortamento não se apresenta com roupagem clínica única. Pode-se diagnosticá-lo por meio de sinais e sintomas diversos que, agrupados aqui e acolá, caracterizam várias formas clínicas do abortamento: • Abortamento evitável ou ameaça de abortamento; • Abortamento inevitável; • Abortamento completo; • Abortamento incompleto; • Abortamento retido; • Abortamento infectado; • Abortamento habitual e abortamento previsto em lei. Há, também, o abortamento tubário e o molar, mas são entidades clínicas de características singulares, com entidades individualizadas na Obstetrícia. AMEAÇA DE ABORTAMENTO Como o nome sugere, é “quase” um abortamento, mas ele ainda não ocorreu e pode não acontecer. É o abortamento no qual há chances de reversão do quadro, isto é, existem perspectivas no que diz respeito à evolução da prenhez. A probabilidade de evolução para abortamento espontâneo é de 50%. Após a visibilização de atividade cardíaca à ultrassonografia, a taxa de abortamento cai consideravelmente, para menos de 10%. SINTOMATOLOGIA Dois grandes sintomas o caracterizam: o sangramento e a dor. Sangramento vaginal de pequena intensidade primeiro associado a cólicas leves ou ausentes. A cólica traduz a contratilidade do útero. DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS aborto inevitável e gravidez ectópica. O diagnóstico diferencial com gestação ectópica é imprescindível nesses casos. Quando não encontramos imagem de gestação intrauterina à ultrassonografia, devemos recorrer à dosagem de beta-hCG e USG seriadas para definir o diagnóstico. DIAGNÓSTICO Ao exame físico especular, podem-se encontrar: sangue coletado ou sangramento ativo de leve intensidade e colo uterino impérvio (sem modificação na cervical). Ao toque vaginal combinado, constatam-se útero com tamanho compatível com o atraso menstrual, colo impérvio e sangramento de pequena monta. Ao exame ecográfico transvaginal, observa-se saco gestacional regular, batimento cardíaco fetal regular e superior a 100 bpm, área de descolamento ovular inferior a 40% do diâmetro do saco gestacional. O colo persistentemente fechado, a vitalidade ovular está preservada e o tamanho uterino é compatível com a idade gestacional. Os valores do beta-hCG encontram-se dentro da normalidade. De uma forma geral, quando identificamos um saco gestacional intrauterino, as dosagens de beta-hCG são superiores a 1.000 mUI/ml. A dosagem seriada do beta-hCG também pode ser útil, já que observamos que em uma gravidez normal o valor sérico deste hormônio deve aumentar cerca de 66% a cada 48h. CONDUTA A conduta é expectante, não existindo indicação de internação hospitalar, mesmo na presença de hematoma retroplacentário. Não há conduta médica a ser tomada para alterar a evolução ou não de um quadro de abortamento. A recomendação de repouso no leito não demonstrou benefícios. Deve-se utilizar analgésico se apresentar dor, evitar relações sexuais durante a perda sanguínea e retornar em caso de aumento do sangramento. ABORTAMENTO INEVITÁVEL É o abortamento não mais compatível com o prosseguimento da gestação. Considera-se uma progressão da ameaça de abortamento. Não foi expelido ainda nenhum material pelo colo, mas é certo de ocorrer o abortamento. Caracteriza-se, portanto, pela presença de um ovo íntegro, porém inviável. DIAGNÓSTICO Traduz-se clinicamente pela dilatação da cérvice, que se deixa permear pelo dedo, que detecta, na maioria das vezes, as membranas ovulares ou o próprio embrião. Outra característica do abortamento inevitável é o sangramento profuso que compromete a hemodinâmica da paciente, mesmo com cérvice impermeável ao dedo. O volume uterino pode ocasionalmente ser incompatível com o período gestacional. O valor do beta-hCG normalmente encontra-se positivo, porém diminuído e decrescente. Há proporcionalidade entre as dimensões do útero e a idade gestacional estimada pela data da última menstruação DUM. À ultrassonografia, normalmente observa-se sinais de descolamento decidual com formação de hematoma retrocorial, saco gestacional irregular, com presença ou não de batimentos cardíacos fetais. Abortamento inevitável. CONDUTA Nas gestações com mais de 12 semanas, pelo tamanho uterino, a conduta consiste no uso do misoprostol para promover o esvaziamento uterino e em seguida, na maioria das vezes, complementa-se com curetagem uterina. Abaixo de 12 semanas, indica-se o esvaziamento uterino mecânico por meio da vácuo-aspiração ou aspiração manual intrauterina (AMIU). Em 70% dos casos que ocorrem até 8 semanas, a resolução é espontânea no prazo máximo de 72 horas. A paciente deve ser internada, submetida à hidratação venosa para correção dos distúrbios da volemia e, nos casos que não se resolveram espontaneamente, deve- se instituir o esvaziamento uterino. Quando não for possível, faz-se a curetagem uterina. Como medidas complementares, administram-se solutos fisiológicos ou glicosados ou, ainda, sangue, caso a dinâmica circulatória esteja comprometida. ABORTAMENTO INCOMPLETO Aqui se expulsa o concepto e permanece a placentaou restos placentários. O ovo é eliminado parcialmente. SINTOMATOLOGIA A sintomatologia é evidenciada por meio do sangramento, que é o sintoma maior; o útero se reduz em proporções e fica menor que o esperado para a idade gestacional e as dores assumem as características de cólicas no intento de expulsar o conteúdo refratário. A cérvice é dilatada, e o comprometimento do estado geral da paciente está na dependência do grau da hemorragia. É bem mais frequente após a oitava semana gestacional. DIAGNÓSTICO É a forma clínica mais frequente. O diagnóstico é eminentemente clínico, geralmente caracterizado por meio da sintomatologia esboçada. Dois quadros clínicos distintos são compatíveis com o diagnóstico: abortamento incompleto com colo fechado e abortamento incompleto com colo aberto. Em alguns casos, percebe-se a presença de material ovular ao toque e o colo aberto, com sangramento moderado e cólicas moderadas. É aquele caso em que a paciente chega ao atendimento eliminando o material, porém ainda não o fez por completo, também chamado por alguns de abortamento em curso. Contrariamente, em alguns casos, ocorre a eliminação quase total dos produtos ovulares. As cólicas e o sangramento regridem substancialmente e o diagnóstico é feito exclusivamente pelo encontro de restos ovulares à ultrassonografia. Em ambos os casos, o útero é menor do que o esperado para a idade gestacional e a conduta deve ser o esvaziamento uterino. A dosagem de beta-hCG é normalmente negativa. À ultrassonografia, visualizam-se ecos endometriais amorfos e mal definidos. Imagem de restos ovulares na cavidade uterina. CONDUTA A conduta consiste em “facilitar” o que já começou ou está em vias de começar. Assim, deve-se realizar o esvaziamento uterino. Opta-se pelo abortamento farmacológico ou mecânico por meio da vácuo-aspiração ou mesmo pela curagem digital complementada pela curetagem. Assim como no abortamento inevitável, no abortamento incompleto com menos de 12 semanas, pelo tamanho uterino, indica-se a AMIU e, quando não for possível, realiza-se a curetagem uterina. Nos casos com volume uterino maior de 12 semanas, a curetagem uterina deve ser utilizada após a eliminação do feto. ABORTAMENTO COMPLETO Diz-se do abortamento em que há eliminação integral do ovo. É uma forma clínica que segue a anterior, que não experimenta intervenção. SINTOMATOLOGIA A sintomatologia é representada pela diminuição ou mesmo parada do sangramento e das cólicas após a expulsão de ovo íntegro. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL O diagnóstico diferencial com gestação ectópica é imprescindível também nesses casos. DIAGNÓSTICO Se não se presencia o fenômeno, o diagnóstico é apenas por meio da anamnese, é de bom alvitre realizar ecografia pélvica, que ratificará ou não o diagnóstico. À ultrassonografia, podem-se observar imagens compatíveis com coágulos. A espessura endometrial inferior a 15 mm ao corte longitudinal da ultrassonografia transvaginal tem sido considerada indicativa de abortamento completo por alguns autores. CONDUTA A conduta é apenas expectante com monitoramento da hemorragia. A conduta se restringe ao encaminhamento da paciente para acompanhamento ambulatorial. Nas gestantes Rh negativo, deve-se administrar a imunoglobulina anti-Rh. ABORTAMENTO RETIDO O conceito clássico é aquele concepto que permanece na cavidade uterina sem vitalidade. Consiste na interrupção da gravidez com retenção do ovo morto por período prolongado. Também denominado missed abortion, ou seja, “gestação interrompida”. SINTOMATOLOGIA Os sinais gravídicos experimentam regressão, a ecografia mostra o coração inerte, diminui a altura do fundo uterino e míngua a circunferência abdominal, a turgescência mamária desaparece, bem como os sintomas ligados à presunção de gravidez. Pode ocorrer pequeno sangramento vaginal, o colo está fechado, mas em geral a paciente é assintomática. DIAGNÓSTICO O diagnóstico é sugerido pela sintomatologia e confirmado pela ecografia, que não falha. O diagnóstico é realizado pela USG de rotina no pré- natal. À ultrassonografia há irregularidade do saco gestacional, alterações da vesícula vitelínica e ausência de atividade cardíaca fetal. Deve-se repetir o exame 15 dias após a realização do primeiro para confirmação diagnóstica, caso a estimativa da idade gestacional seja menor que sete semanas. Em USG transvaginal, a ausência de batimento cardíaco em embrião com comprimento cabeça-nádega maior ou igual a 5 mm indica interrupção da gestação. CONDUTA O tratamento expectante é justificado baseando-se no fato de que, nas três semanas que se seguem ao decesso do ovo, a grande maioria redunda em trabalho de abortamento com expulsão do produto da concepção. No entanto, a intervenção, com o uso de misoprostol ou curetagem uterina ou vácuo-aspiração, é o procedimento mais adotado. Cabe ressaltar que nos casos de intervenção imediata os índices de uma segunda curetagem aumentam. Precedendo qualquer método terapêutico, o coagulograma se impõe quando a retenção é maior que quatro semanas. Portanto, para o abortamento retido em gestação no primeiro trimestre (precoce), poderemos aguardar naturalmente o início do trabalho de abortamento com controle clínico ou proceder ao esvaziamento uterino mecânica (AMIU ou curetagem) ou farmacologicamente (misoprostol). No esvaziamento mecânico, há utilização prévia (3 a 6 horas) de 400 μg misoprostol via vaginal para promover amolecimento do colo e facilitar a realização do procedimento. No entanto, quando o abortamento retido é tardio (segundo trimestre ou maior que 12 semanas), a melhor conduta é a promoção da expulsão do feto com uso de misoprostol, para em seguida completar o esvaziamento uterino, quase invariavelmente, por meio da curetagem uterina. ABORTO INFECTADO (OU SÉPTICO) Embora mais escasso hoje do que alguns há duas décadas, o abortamento infectado continua a responder por parte da morbidade e mortalidade materna, principalmente nos países em desenvolvimento. Inicia-se pela endometrite e, se não tratada adequadamente, pode progredir para peritonite, choque séptico, insuficiência renal, coagulopatia, síndrome de angústia respiratória e morte materna. A etiologia quase sempre resulta da tentativa de esvaziar o útero por meio do uso de técnicas inadequadas e inseguras (introdução de sondas, agulhas, laminárias e soluções variadas). A anamnese tem, portanto, valor muito grande na definição diagnóstica ao identificar na história o episódio provocador. O contexto clínico é multifacetário e a sintomatologia está na dependência direta do grau de evolução da entidade patológica. Geralmente, são infecções polimicrobianas apartir da ascensão de germes que normalmente fazem parte da flora que coloniza o trato genital inferior, produzindo infecção local ou sistêmica. Os agentes mais envolvidos são germes encontrados na flora genital e intestinal, como coco anaeróbios (peptococcos e peptoestreptococcos), Gram-negativos (E. coli), Clostridium perfingrens (ou welchii) e bacteroides. SINTOMATOLOGIA O sangramento, em geral, não é profuso. Costuma se manifestar por sangue aguado, escuro, tipo “lavado de carne”, costumeiramente com odor fétido. Nas formas iniciais, principalmente quando a infecção é limitada, em que apenas o endométrio e o miométrio estão comprometidos pelo processo infeccioso, além dos sintomas de abortamento incompleto, detectam-se aqueles outros que traduzem a infecção, principalmente a febre em torno de 38º C, dor média tipo cólicas intermitentes e bom estado geral, sendo o exame físico possível, com dor moderada à mobilização do colo uterino e à palpação abdominal. Se o processo progrediu para estágios mais avançados, injuriando o peritônio pélvico,a sintomatologia passa a ser mais enriquecida e, além da temperatura mais elevada (39 oC), a dor é mais intensa e o estado geral é comprometido com taquicardia, algum grau de desidratação com pele e mucosas descoradas. O útero encontra-se amolecido, com redução da mobilidade e colo entreaberto, estando o toque vaginal muito dificultado pela presença da dor. Os casos em que a infecção é generalizada geralmente ocorrem por bactéria Gram-negativa; no caso de infecção por Clostridium, o prognóstico é sombrio. Há presença de peritonite e choque séptico. A febre é elevada e ocorre taquisfigmia, hipotensão arterial, vômitos, desidratação e anemia. Em seu “Manual de Orientação: Assistência Pré-Natal” (2000), a Febrasgo classifica o abortamento infectado de acordo com a extensão da infecção: • Grau 1: É o mais frequente, a infecção está limitada ao conteúdo da cavidade uterina. • Grau 2: A infecção já se expande à pelve (pelviperitonite). • Grau 3: Peritonite generalizada e infecção sistêmica com grave comprometimento do estado geral com coagulação intravascular disseminada, insuficiência renal, falência de múltiplos órgãos e choque séptico. É difícil a palpação uterina devido à contratura dos retos abdominais resultante da dor e/ou reação peritoneal. No toque vaginal combinado, constata-se o colo uterino aberto, muitas vezes com saída de conteúdo purulento, no entanto a sua realização é bastante dolorosa devido a reação peritoneal, praticamente impossibilitando a mobilização do útero. Se a sepse se instala, a gravidade aumenta e o estado geral é fortemente deteriorado, com sinais tóxicos evidentes, altas temperaturas refratárias à medicação, calafrios, cianose, desidratação, hipotensão, taquicardia, pulso filiforme com distensão abdominal e vômitos. Com frequência, o próprio óbito materno é o desfecho desses casos, apesar de toda a terapêutica supostamente efetiva. Na sequência, o quadro pode evoluir para insuficiência renal aguda e formação de abcesso intraperitoneal. DIAGNÓSTICO O diagnóstico é fácil, embasando-se no quadro clínico já referido, ajudado pelo leucograma infeccioso e pela ecografia pélvica, ao evidenciar as coleções purulentas, porventura, acumuladas no fundo de saco de Douglas, ou mesmo no restante do abdome. CONDUTA O tratamento deve ser iniciado pela internação hospitalar, com monitoração dos sinais vitais, isolamento do agente etiológico através de hemoculturas e culturas de material do canal cervical, correção da volemia, avaliação do estado hemodinâmico, do sistema de coagulação e da extensão do processo infeccioso. Além disso, é importante realizar a profilaxia antitetânica, promover a perfusão de ocitocina (80 mUI/minuto) e antibioticoterapia adequada. O tratamento resume-se em administrar o antibiótico adequado e remover o foco infeccioso. Nas formas iniciais, opta-se pela clindamicina associada à gentamicina ou amicacina. Nos casos mais graves, associa-se a penicilina G ou a ampicilina. Segundo o Ministério da Saúde, a ampicilina ou penicilina só devem ser associadas ao esquema terapêutico em caso de falha de resposta ao tratamento. O esquema preferencial de tratamento é a associação da gentamicina com a clindamicina por 7 a 10 dias. Após instituição da antibioticoterapia, deve-se proceder ao esvaziamento uterino, sempre com administração de ocitocina antes e durante o procedimento, para diminuir o risco de perfuração uterina. Ainda como parte do tratamento clínico, deve-se equilibrar o estado geral da paciente com a administração de solutos e até mesmo sangue, se necessário. Não há necessidade de aguardar algum tempo de efeito do antibiótico (“esfriar a infecção”) para a realização do esvaziamento uterino. O tratamento definitivo, que é o cirúrgico após as providências já sugeridas, é representado pela curetagem uterina com remoção do foco infeccioso, quase sempre traduzido nos restos placentários infectados. Se as medidas mobilizadas não resultarem em melhora do quadro clínico ou quando houver suspeita de perfuração uterina, lesão de alça e abscesso pélvico, procedimentos mais radicais são exigidos, impondo-se laparotomia seguida de extirpação do foco, inclusive histerectomia, se for o caso. OVO ANEMBRIONADO Também denominado “ovo cego”. Consiste na ausência de embrião no saco gestacional íntegro em gestação com mais de seis semanas de evolução, idade gestacional na qual já se espera poder visualizá-lo. À ultrassonografia, caracteriza-se o ovo anembrionado quando não é possível identificar eco embrionário em saco gestacional de 20 mm ou mais de diâmetro. Outro parâmetro utilizado é a ausência de vesícula vitelínica em saco gestacional com mais de 10 mm. ABORTAMENTO HABITUAL OU RECORRENTE Caracterizado pela ocorrência de três ou mais episódios consecutivos de abortamento espontâneo. Corresponde a 0,5% de todas as gestações. Pode ser classificado em: • PRIMÁRIO: quando todas as gestações se interromperam. • SECUNDÁRIO: quando as interrupções consecutivas foram antecedidas por gestações a termo. Em mulheres com diagnóstico de abortamento habitual, o risco de abortamento na gravidez subsequente é de 30% para os casais que já tiveram pelo menos um filho vivo e de 46% para casais que não tiveram filhos vivos. Dentre as causas de abortamento, as que mais frequentemente levam ao abortamento habitual são: • doenças cromossomiais. • anormalidades anatômicas do útero, como útero septado, didelfo, bicorno etc. • incompetência istmocervical. • doenças da tireoide, especialmente pacientes com níveis séricos aumentados de anticorpo antitireoperoxidase. • diabetes mellitus. • insuficiência do corpo lúteo. • síndrome do anticorpo antifosfolipídeo. • trombofilias. • baixa reserva ovariana. • SOP. • hiperprolactinemia. O tratamento depende da causa ou conjunto de fatores que levam ao abortamento recorrente. O esvaziamento intrauterino é a remoção do conteúdo uterino. Esse procedimento está indicado no: • abortamento incompleto • abortamento inevitável • abortamento retido ou infectado • gestação anembrionada • mola hidatiforme • interrupção legal da gestação. O esvaziamento uterino pode ser realizado de forma farmacológica ou mecânica. No segundo trimestre da gestação, o abortamento farmacológico é o método de escolha, complementado, na maioria das vezes, com curetagem após a expulsão do feto. Em condições excepcionais, nas quais os demais procedimentos falhem, é possível a realização de uma microcesariana, como último recurso. A técnica farmacológica para tratamento do abortamento, tanto do retido e, mais recentemente, do incompleto, desponta como opção ao método cirúrgico a partir do uso do misoprostol em obstetrícia. A forma mais efetiva da promoção do abortamento farmacológico e com menos efeitos colaterais é a combinação de mifepristona seguida de misoprostol. No Brasil, infelizmente não temos ainda mifepristona, apenas o misoprostol em comprimidos para uso vaginal de 25, 100 e 200 μg para uso hospitalar. No entanto, além da via vaginal, o misoprostol pode ser utilizado pela via sublingual (por baixo da língua), oral e bucal (entre a bochecha). Misoprostol vaginal Como principais vantagens do uso do misoprostol, podemos elencar: • custo acessível • ausência da possibilidade de perfuração uterina e formação sinequial • redução dos riscos de sequelas inerentes à dilatação do colo uterino • eliminação do risco anestésico Como desvantagens, temos: • tempo de resolução, algumas vezes até sete dias • efeitos colaterais até a expulsão do conteúdo da cavidade uterina, como cólica, sangramento, náusea, calafrios, a necessidade eventual de complementação cirúrgica • principalmente, a ansiedadepela espera ABORTAMENTO RETIDO NO 1º TRIMESTRE Para mulheres internadas, recomendam-se duas a três doses de quatro comprimidos de 200 μg (800 μg) via vaginal no intervalo mínimo de 3 ou 12 horas. Até nona semana de gestação, não se faz necessária internação para o uso de misoprostol. No Brasil, como o misoprostol é de uso exclusivo hospitalar, recomendamos, para as mulheres que não desejam ficar internadas e com menos de nove semanas de gestação, a inserção do misoprostol na triagem, na dose de quatro comprimidos de 200 μg (800 μg) via vaginal, com intervalo entre as doses subsequentes de acordo com a disponibilidade da mulher para retornar à maternidade, variando de 3 horas até 24 horas. ABORTAMENTO RETIDO E INEVITÁVEL 2º TRIMESTRE A presença de ossos fetais no abortamento retido de segundo semestre torna o tratamento farmacológico seguido da curetagem altamente preferencial em relação ao tratamento cirúrgico puro. A dose preconizada de misoprostol é de 200 μg via vaginal a cada 4 a 6 horas ou 400 μg via vaginal, repetida a cada 3 horas com um máximo de cinco doses. Nos casos de aborto incompleto e inevitável, a mulher deve receber a dose de misoprostol de acordo com o tamanho uterino, e não com a idade gestacional determinada pela DUM. As pacientes deverão ser internadas em unidade hospitalar para evolução. Aguardar o início do trabalho de abortamento em domicílio é exceção, somente quando a paciente tiver extrema facilidade de comunicação e de locomoção para a unidade de assistência hospitalar. Em caso de cicatriz uterina anterior (cesárea ou miomectomia), a dose de misoprostol não deve ser maior que 200 μg vaginal a cada 6 horas. As mulheres com cicatriz uterina têm risco de 0,28% de rotura uterina durante o abortamento farmacológico no segundo trimestre. ABORTAMENTO INCOMPLETO Até o fim da década de 1980, o tratamento do abortamento incompleto era essencialmente cirúrgico. Em 1993, inicia-se a opção do tratamento farmacológico com o misoprostol. Em abril de 2009, a OMS incluiu o misoprostol na lista de medicamentos essenciais para o tratamento do abortamento incompleto. Devemos estabelecer algumas diretrizes para selecionar as pacientes que poderiam utilizar misoprostol para tratamento do abortamento incompleto. A primeira delas é informar claramente a paciente sobre as opções terapêuticas e, no caso de escolha do tratamento farmacológico com misoprostol, orientar sobre o tempo da possível resposta e dos efeitos colaterais do uso da droga. Na seleção, cabe ainda que somente às pacientes com úteros de dimensões iguais ou inferiores a 12 semanas, colo pérvio e sem sinais de infecção ou alterações hemodinâmicas pode ser oferecido o tratamento com misoprostol. Se a paciente está em uso de dispositivo intrauterino (DIU), este deverá ser retirado. Pode-se utilizar o misoprostol por via oral ou sublingual na dose de 400 a 600 μg. Na apresentação de misoprostol por via vaginal, adotam-se 400 a 800 μg, em dose única. A paciente deverá, ainda, ser informada dos possíveis efeitos colaterais do misoprostol e, se for necessário, deverá ser fornecidos medicamentos para aliviá-los. Assim poderão ser usados anti-inflamatórios se houver dor, antieméticos para náuseas e vômitos, e hidratação no caso de diarreia. Em caso de suspeita de infecção ou hemorragia, a paciente deverá procurar imediatamente o serviço hospitalar para tratamento cirúrgico. PREPARAÇÃO CERVICAL PARA O ABORTO MECÂNICO Usar 400 μg via vaginal 3 horas antes do procedimento. Os dois métodos mais utilizados para a remoção do conteúdo uterino são aspiração intrauterina (manual ou elétrica) e curetagem. De acordo com a OMS, a AMIU é o método preferido no primeiro trimestre e uma das estratégias para diminuir a morte materna. Embora a OMS recomende que a curetagem seja usada apenas se a aspiração intrauterina não for disponível, muitos estabelecimentos no Brasil ainda a usam para esvaziamento uterino no primeiro trimestre de gravidez como método de primeira escolha, diferente dos Estados Unidos da América, onde a AMIU é o método de esvaziamento uterino mais utilizado até idade gestacional ≤ 13 semanas e 80% a 90% desses procedimentos são realizados em ambulatórios. Para realização do esvaziamento mecânico com colo uterino fechado no primeiro trimestre, é de bom alvitre a utilização de 400 μg de misoprostol via vaginal algumas horas (em média 3 horas) antes do esvaziamento mecânico, no intuito de promover amolecimento e algum grau de dilatação do colo uterino. PROCEDIMENTOS INICIAIS Antes do esvaziamento intrauterino, todas as condições presentes que ameacem a vida da mulher devem ser tratadas imediatamente. O médico deve investigar sinais de choque, hemorragia, infecção pélvica ou cervical, sepse, perfuração ou injúria abdominal, que ocorrem comumente no aborto clandestino ou incompleto. O procedimento não deve ser realizado até que o tamanho e a posição do útero e da cérvix tenham sido determinadas. Fibromas grandes ou anomalias uterinas podem dificultar a determinação do tamanho do útero e a realização de procedimentos intrauterinos. Para diminuir o risco de danos, o colo uterino deve ser previamente dilatado, o que pode ser feito lentamente com o uso de misoprostol (ver capítulo de abortamento farmacológico) ou rapidamente com vela de Hegar, exigindo anestesia neste caso. Quando for necessária a dilatação mecânica em um procedimento, é recomendado que o profissional faça um bloqueio paracervical. Se o orifício já estiver aberto, o bloqueio paracervical pode não ser necessário. No entanto, a mulher ainda pode sentir dor quando a cânula passar pelo orifício, causando fricção ao longo dos nervos do canal cervical, e quando o orifício se contrair após o esvaziamento intrauterino. Uma vez que o bloqueio paracervical dificilmente causa algum dano, é geralmente recomendado como uma técnica de manejo da dor. ASPIRAÇÃO MANUAL INTRAUTERINA É o procedimento desenvolvido para ser realizado ambulatorialmente, sem necessidade de anestesia geral ou internação. Apresenta menor risco de perfuração uterina, de necessidade de dilatação cervical e risco de sinéquias. É o procedimento de eleição em gestações com até doze semanas. É menos traumática que a curetagem uterina, diminuindo o risco de sinéquias. O esvaziamento uterino por aspiração é uma opção mais segura e tão efetiva quanto a curetagem uterina no primeiro trimestre da gravidez. Apresenta as vantagens da substituição da anestesia geral por analgésicos ou, ainda, por bloqueio paracervical, encurtamento da permanência hospitalar pela maior agilidade no atendimento e precocidade da alta, o que contribuiria para a redução dos custos hospitalares para a instituição e do custo social para a paciente, que muitas vezes tem pressa para retornar ao seu domicílio, e finalmente aumenta o nível de satisfação das pacientes. Esse procedimento utiliza instrumento de fácil manuseio e sua técnica é de simples execução, destinando-se, portanto, também a serviços médicos de menor complexidade ou com menores recursos, como forma de melhorar os resultados e diminuir os riscos para as pacientes. A aspiração pode ser realizada tanto com uma bomba elétrica (aspiração a vácuo elétrica ou AVE) ou com um vácuo manual produzido por uma seringa (AMIU). Ambos os métodos utilizam o mesmo nível de sucção, podendo ser considerados equivalentes em termos de eficácia e segurança. ETAPAS ETAPA 1: Antibiótico profilático via oral até 12 horas antes do procedimento em dose única. Opções de esquemas de antibióticos: • 200 mg de doxiciclina; • 500 mg ou 1g de azitromicina; • 500 mg ou 1g de metronidazol. ETAPA 2: Preparar os instrumentos. Os kits para AMIU disponíveis no mercado sãocompostos por: • Oito cânulas (4 mm, 5 mm, 6 mm, 7 mm, 8 mm, 9 mm, 10 mm e 12 mm) (Figura 18.2); • Um aspirador (seringa) Aspirador de AMIU montado e desmontado. Aspirador acoplado com a cânula. • Um frasco de silicone. Deve ser sempre usada uma cânula de tamanho apropriado para o tamanho do útero e a dilatação cervical presente. O uso de uma cânula muito pequena pode resultar em tecido retido ou perda de sucção. Os limites de tamanhos de cânula sugeridos em relação ao tamanho do útero desde a DUM são: • tamanho uterino de quatro a seis semanas pela DUM: cânulas de 4 a 7 mm; • tamanho uterino de sete a nove semanas pela DUM: cânulas de 5 a 10 mm; • tamanho uterino de 9 a 12 semanas pela DUM: cânulas de 8 a 12 mm. ETAPA 3: Preparar a paciente. A percepção da mulher de sua dor é fortemente afetada por seu nível de ansiedade e pela quantidade de informação que ela tem sobre sua condição e sobre o procedimento. A paciente deve ser informada antecipadamente sobre o que acontecerá durante o procedimento, o tempo de demora e quando é possível que ela sinta dor. O profissional deve avisá-la que as cólicas que ela sentirá próximo ao fim do procedimento indicarão que a intervenção está terminando. Entre 30 e 60 minutos antes do procedimento, pode-se fazer uso de um agente anti-inflamatório não esteroide por via oral. ETAPA 4: Realizar a preparação antisséptica do colo uterino. ETAPA 5: Realizar o bloqueio paracervical. Para o controle da dor, as drogas mais utilizadas antes do procedimento são: • Diazepam – via oral, 10 mg 1 hora antes do procedimento, ou intravenoso, 2 a 5 mg 20 minutos antes do procedimento; • Meperidina – intramuscular, 100 mg 30 minutos antes do procedimento, ou intravenoso, 100 mg 5 a 15 minutos antes do procedimento, diluído em 100 mL de soro glicosado; • Lidocaína – 15-20 mL de solução a 0,5% a 1% no bloqueio paracervical. ETAPA 6: Dilatar a cérvix, se necessário. ETAPA 7:Realizar histerometria para confirmar o tamanho e a posição do útero. ETAPA 8: Inserir a cânula delicadamente através da cérvix para o interior da cavidade uterina até atingir o fundo do útero. ETAPA 9: Aspirar o conteúdo uterino. A válvula de ajuste da seringa deve ser aberta para transferir o vácuo, através da cânula, para o útero e, ao mesmo tempo, para aspirar o seu conteúdo por meio de movimentos de “vai e vem” firmes e cuidadosos da cânula. Sangue de aspecto espumoso ou de cor rosa, sem tecido, sensação granulosa sentida quando a cânula passa sobre a superfície do útero e contração uterina em torno da cânula, agarrando-a, indicando que o útero está se contraindo, são indícios de que o útero está vazio. Além disso, a paciente queixa-se de cólica ou dor. ETAPA 10: Examinar o tecido. A AMIU é contraindicada na gravidez com volume uterino maior que 12 semanas, dilatação cervical com mais de 12 mm e perfuração uterina diagnosticada. Biópsia endometrial não deve ser realizada em caso de suspeita de gravidez. CURETAGEM Curetagem, também conhecida como dilatação e curetagem (D&C), envolve a dilatação da cérvix por meio das velas de Hegar e o uso curetas metálicas para raspar as paredes do útero. Por ter diâmetro variável e ser de material rígido (aço), pode provocar acidentes, tal como perfuração do útero. Velas de Hegar e curetas metálicas. No primeiro trimestre, a curetagem uterina não deve ser utilizada para o esvaziamento uterino, a não ser quando não seja possível a utilização da AMIU. A indicação de curetagem uterina encontra-se nos casos de abortamentos incompletos do segundo trimestre. Já nas gestações com feto intrauterino após 12 semanas, deve-se promover a indução farmacológica com misoprostol e, após a expulsão fetal, faz-se a curetagem uterina. Antes de se iniciar a curetagem, devem ser tomados alguns cuidados: • Esvaziamento vesical; • Antissepsia rigorosa da genitália interna e externa; • Anestesia geral, raquidiana ou peridural, ou sedação, que pode variar de leve a intensa; • Administração de ocitocina ou misoprostol para promover maior retração do útero, diminuindo o sangramento e os riscos de perfuração uterina. • Exame ginecológico, definindo-se o tamanho do útero, sua posição e estado dos anexos. Após esses cuidados, segue-se a curetagem: ETAPA 1: inserção de espéculo. ETAPA 2: Exposição e tracionamento do colo uterino com pinça de Pozzi ou Museaux. ETAPA 3: Dilatação instrumental do colo, caso necessário, com velas de Hegar. ETAPA 4: Histerometria para confirmar tamanho e posição do útero. ETAPA 5: Remoção com pinça de Winter (pinça de ovos) do conteúdo uterino, retirando-se a maior quantidade de tecido possível. ETAPA 6: Raspagem do útero com cureta selecionada. A pinça de Winter e a cureta devem ser introduzidas suavemente até alcançarem o fundo do útero e devem ser removidas completamente após cada movimento. Deve-se realizar a raspagem até que se perceba que a cavidade uterina esteja limpa, com a sensação de aspereza ao passar a cureta. ETAPA 7: Examinar o tecido. Por ter diâmetro variável e ser de material rígido, a cureta pode provocar acidentes, tal como perfuração do útero. Na suspeita de perfuração uterina, a conduta mais adequada é parar imediatamente o procedimento e manter conduta expectante com infusão venosa de ocitocina. A paciente só deve ser submetida à laparotomia se houver sinais de irritação peritoneal (abdome agudo) por provável comprometimento de alça intestinal ou instabilidade hemodinâmica. Uma nova curetagem só deve ser realizada preferencialmente através de visão direta laparoscópica ou guiada por ultrassonografia. COMPLICAÇÕES DOS MÉTODOS DE ESVAZIAMENTO INTRAUTERINO Os efeitos colaterais mais comumente observados após procedimentos de esvaziamento intrauterino são cólicas abdominais, náuseas leves a moderadas, vômitos, dor e sangramento semelhante à menstruação. Outras complicações ocorrem raramente e incluem reação vagal em função da dor e do medo, esvaziamento incompleto, lesão cervical, perfuração uterina, embolia gasosa, infecção pélvica, sepse e hemorragia. Embora não existam evidências de boa qualidade, as mulheres Rh-negativas e teste de Coombs indireto negativo com abortamento espontâneo (incluindo ameaça de abortamento) ou induzido devem receber a imunoglobulina anti-Rh-D. No primeiro trimestre, a dose de 50 μg é efetiva, embora não haja contraindicação de fazer uso da dose- padrão de 300 mcgb. Após 12 semanas, geralmente se recomenda a dose de 300 μg. Os serviços de saúde que prestam esse atendimento precisam garantir o acolhimento adequado a essas mulheres, aproveitando a oportunidade para informar sobre a utilização de métodos anticoncepcionais, bem como garantir efetivamente o acesso a eles ainda no estabelecimento de saúde. Os esclarecimentos devem ser de tal ordem que garantam uma escolha informada e consciente. A oferta de métodos deve ser ampla, para que a mulher possa escolher o que melhor se adeque às suas condições clínicas, sociais, econômicas e pretensões reprodutivas. Deve-se ter em mente que o atendimento às mulheres em situação de abortamento não estará completo sem o aconselhamento reprodutivo. Esse aconselhamento deve contemplar a informação de que a fecundidade poderá ser restabelecida em torno de 15 dias após o abortamento, antes do advento de nova menstruação, podendo ocorrer nova gravidez nesse período. Dessa forma, a mulher deve ser orientada a iniciar a anticoncepção entre o primeiro ao quinto dia após o abortamento, ainda que informe não pretender ter relações sexuais em curto prazo. Nos casos de aborto induzido, provavelmente a mulher não deseje outra gravidez no momento. Nesse caso, todos os esforços da equipe de saúde devem terpor objetivo assegurar uma decisão consciente e tornar disponíveis todos os métodos contraceptivos legalmente aceitos no país. Nos casos de gravidez resultante de falha de um método contraceptivo devem-se discutir as causas do insucesso para os esclarecimentos necessários, de modo a evitar que tal fato se repita. Na eventualidade de o abortamento ter sido espontâneo, pode ser que a mulher manifeste desejo de engravidar imediatamente. Nesse caso é imprescindível informá-la da necessidade de se esclarecerem as causas do abortamento, antes de se tentar uma nova gestação, principalmente nos casos de abortamento de repetição. É também indispensável promover o conceito de dupla proteção: contra a gravidez e as doenças de transmissão sexual. Nesse sentido, paralelamente ao fornecimento de informações sobre contracepção, não se pode deixar de prover informação completa sobre o uso de preservativos e sobre como obtê-los. Nos casos de abortamento sem nenhuma complicação, não há restrições para uso de métodos contraceptivos. A mulher pode optar por qualquer deles. DISPOSITIVO INTRAUTERINO A inserção do DIU pode ser realizada imediatamente após o esvaziamento uterino (AMIU ou curetagem) nas mulheres sem nenhum sinal ou suspeita de infecção, antes da alta hospitalar, no retorno à unidade de saúde dentro dos primeiros dias pós-abortamento ou na primeira menstruação após o esvaziamento. Há restrição para o uso do DIU quando o abortamento foi infectado ou há dúvidas sobre essa situação, ou ainda se foi praticado em condições inseguras. CONTRACEPTIVOS HORMONAIS ORAIS, INJETÁVEIS, TRANSDÉRMICOS OU ANEL VAGINAL Os contraceptivos hormonais devem ser iniciados do primeiro ao quinto dia após o abortamento. Considerando que muitas mulheres terão dificuldades para comparecer à unidade de saúde dentro desse prazo, é imperioso que os métodos estejam disponíveis no hospital onde se dá o atendimento ao abortamento, para que se inicie o método escolhido dentro do prazo recomendado. ESTERILIZAÇÃO CIRÚRGICA A esterilização pode ser oferecida, entretanto, de acordo com a Lei no 9.263/96, que regulamenta as ações de planejamento familiar no Brasil, e com a Portaria no 048, de 11 de fevereiro de 1999, do Ministério da Saúde, só poderá ser realizada 42 dias após o abortamento e obedecendo aos demais pressupostos legais. ANTICONCEPÇÃO HORMONAL DE EMERGÊNCIA A orientação sobre AHE deve obrigatoriamente constar do portfólio dos serviços que atendem mulheres em condição de abortamento, principalmente porque sempre haverá mulheres convictas de que não voltarão a ter relações sexuais em curto espaço de tempo e, por esse motivo, não usarão proteção, expondo-se a uma nova gravidez não planejada. PRESERVATIVO MASCULINO E FEMININO As camisinhas devem sempre ser oferecidas, ressaltando-se a necessidade da dupla proteção contra gravidez e contra as doenças de transmissão sexual. MÉTODOS NATURAIS Os métodos naturais não são recomendados antes de restabelecidos os ciclos menstruais. É definida como a falência do sistema que mantém o colo uterino fechado, de tal forma que o colo se abre, impossibilitando a retenção fetal até o final da gravidez, o que geralmente culmina com a expulsão fetal após 16 semanas gestacionais. Na história clínica, geralmente há duas ou mais perdas gestacionais espontâneas no segundo trimestre, cada vez mais precoces, podendo ocorrer também amniorrexe inesperada. É um importante causa de abortamento tardio de repetição ou parto prematuro habitual. É responsável por 10 a 20% dos abortamentos de repetição. Há história de interrupção espontânea, sempre à mesma época da gestação e com amniorrexe inesperada. O trabalho de parto geralmente é curto e indolor, com o feto normalmente nascendo vivo e morfologicamente normal. É mais comum na multigesta. Podemos citar alguns fatores predisponentes: • Antecedentes de amputações altas do colo. • Dilatações rudes do colo para curetagens. • Partos anteriores laboriosos. • Fatores congênitos: o maior exemplo é a exposição intrauterina ao dietilestilbestrol, ocasionando a fraqueza dos tecidos regionais ou malformações da matriz. • Contrações uterinas anômalas.
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