Prévia do material em texto
Metafísica da Saúde Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Esp. Heloise Maragno de Oliveira Revisão Textual: Prof. Me. Luciano Vieira Francisco Metafísica da Saúde na Psicologia e Psicanálise Metafísica da Saúde na Psicologia e Psicanálise • Compreender a aproximação dos conceitos e das práticas das medicinas tradicionais com a Psicologia, Psiquiatria e Psicanálise. OBJETIVO DE APRENDIZADO • Psicossomática; • Hipócrates; • Galeno; • O Termo “Psicossomática” e Sua História; • Wilhelm Reich; • Bioenergética. UNIDADE Metafísica da Saúde na Psicologia e Psicanálise Psicossomática O que pensamos e sentimos tem reflexo no corpo e o que experienciamos no corpo reflete na mente. Tivemos a oportunidade de fazer um passeio pela história, percebendo que as antigas civilizações de indianos, chineses e egípcios já praticavam a Psicossomá- tica e apenas não utilizavam este nome. A partir deste ponto, já compreendemos que a evolução com relação à saúde-doença não se deu de forma linear e que pouco a pouco passamos a ter a oportunidade de, ao invés de separar os pontos de vista, integrá-los. Assim, nesta Unidade continuaremos os nossos estudos. Hipócrates Na Grécia, em 460 antes de Cristo (a.C.), especificamente na Ilha de Cós, nasceu Hipócrates, filho de Heraclides. Médico, considerado até os dias atuais como o “pai da Medicina”, procurou “[...] basear a Medicina na experiência clínica, introduzindo um tipo de racionalidade lógica e rompendo, deste modo, com a prática da medicina da sua épo- ca que se apoiava na magia e na religião [...]” (INFOPEDIA, 2021). Um de seus legados foi a formulação da teoria dos humores corporais, com o objetivo de explicar a saúde e doença (STRELAU, 1998 apud ITO; GUZZO, 2002). É válido esclarecer que os antigos gregos, quando utilizavam o termo humores, referiam-se a líquidos e fluidos. Posteriormente, humor passou a significar estado de espírito, fazendo sentindo, então, alguém com bons líquidos e fluidos em seu interior ser bem-humorado. Na teoria dos humores, Hipócrates partiu da observação dos quatro elementos for- madores do Universo – terra, fogo, água e ar –, correlacionados às suas características ou qualidades – calor, frio, úmido e seco –, dando origem aos quatro humores corporais: sangue, fleuma, bile branca e bile negra. Quando os quatro humores se encontram em equilíbrio, significa que há saúde, já o desequilíbrio leva à doença (CASTRO et al., 2006). Vemos, nesta teoria, a herança dos saberes médicos antigos com nova roupagem, por assim dizer. Galeno Algum tempo depois, mais precisamente no século II depois de Cristo (d.C.), o médico Galeno (129-210) nascido em Pérgamo, com base na medicina hipocrática, ampliou a teoria dos humores quando a relacionou “[...] à personalidade e às inclinações emocio- nais e comportamentais dos indivíduos [...]”, desenvolvendo a teoria dos temperamentos (AKKARI, [20--]). 8 9 Figura 1 – Cláudio Galeno Fonte: Wikimedia Commons A teoria dos temperamentos considera que cada pessoa é formada por uma combi- nação entre os quatro elementos – terra, água, ar e fogo. Quando algum dos elementos se sobressai aos demais, caracteriza a manifestação de um dos quatro temperamentos seguintes: s anguíneo, fleumático, colérico e melancólico (AKKARI, [20--]). Dentro da classificação adotada por Galeno, podem ser incluídos os qua- tro temperamentos básicos que foram adotados pela medicina ocidental durante os vários séculos que se seguiram e que enumeramos a seguir: • Temperamento sanguíneo: onde há predominância do sangue. Carac- terísticas: alegria, otimismo, confiança e extroversão; • Temperamento bilioso ou colérico: onde ocorre a predominância da bílis amarela. Características: irritabilidade, intensidade, impulsividade e rapidez; • Temperamento melancólico: onde há predominância da bílis negra. Características: inclinação artística, tristeza, medo e introversão; • Temperamento fleumático: onde ocorre a predominância do muco ou fleuma. Características: timidez, apatia, lerdeza, cansaço e coerência. (MARTINS et al., 2008; AKKARI, [20--]) Para a manutenção da saúde era recomendada atenção aos alimentos, ao ambiente em que se vivia, local para repouso e condições do sono. Tais classificações relacionando a constituição física ao temperamento permane- ceram guiando estudiosos, médicos e filósofos durante longo tempo, chegando ao século XIX, quando ainda se via a sua influência no trabalho de Immanuel Kant (1724-1804) e Wilhelm Wundt (1832-1920) (ITO; GUZZO, 2002). 9 UNIDADE Metafísica da Saúde na Psicologia e Psicanálise O Termo “Psicossomática” e Sua História Apesar de a questão mente-corpo ter estado presente em toda a história a qual temos acesso, a primeira pessoa a utilizar o termo psicossomática foi o psiquiatra alemão J. C. Heinroth (1773-1843), quem acreditava que paixões sexuais tinham participação na causa de algumas doenças, tais como tuberculose, epilepsia e câncer (CERCHIARI, 2000). Psicossomática consiste na impossibilidade de separação e da interdependência de soma (corpo biológico) de sua psiquê (alma, espírito, mente) (RAMOS apud CASTRO et al., 2006). Devolveu olhar holístico ao ser humano quando considerou os seus as- pectos físicos, mentais, emocionais e sociais para a manutenção de sua saúde ou como fatores de adoecimento. O termo soma tem origem no latim, summa, significando essência, que por sua vez deriva de summus, “o mais elevado”, ou “acima de”. O significado como “corpo” veio na chamada Grécia Moderna (BRANDÃO, 2008 apud REIS; GODINHO, 2018). Já o termo “psiquê” é uma palavra derivada do verbo psýkhein, que significa soprar, respirar. Etimologicamente, “psiquê” significa sopro vital, vida, essência ou personificação do princípio da vida, princípio que anima o Universo. (BRANDÃO, 2008 apud REIS; GODINHO, 2018). Ainda, a psicossomática pode ser a postura de trabalhar com os fatos objetivos e subjetivos do indivíduo. A postura do profissional aqui envol- vido é aquela de atenção aos fenômenos objetivos e subjetivos, conco- mitantemente. (REIS; GODINHO, 2018). A concepção holística foi reforçada com uma base fisiológica a partir do con- ceito de homeostase, desenvolvido em 1929 por Cannon, o qual afirmava que qualquer estímulo, inclusive o psicossocial, que perturba o organismo, o perturba em sua totalidade. (CALDER, 1970 apud CASTRO et al., 2006). Castro e colaboradores (2006) compreendem que a psicossomática, no século XX, veio como resposta integrativa à visão cartesiana no quesito saúde-doença. De qualquer forma, estudos e avanços nesta área permanecem ativos e atualmente temos a oportu- nidade de evoluir os modelos de correlação corpo-mente com o auxílio da tecnologia. É possível identificar três períodos distintos para a psicossomática: i) fase psicanalítica; ii) fase behaviorista; e iii) fase multidisciplinar ou atual (MELLO FILHO, 1992 apud CERCHIARI, 2000). Fase Psicanalítica Na primeira fase, a base do pensamento correspondia às descobertas na área da Psi- canálise, predominantemente os estudos de Freud (1856-1939) sobre as causas incons- cientes da histeria. Gabriel (2018) relata que, através da utilização da hipnose, Freud detec- tava, inclusive, as causas em traumas emocionais para questões como paralisia corporal. 10 11 Figura 2 – Sigmund Freud Fonte: Wikimedia Commons Terziz (2019) comenta que Freud colocava o inconsciente como regente da vida men- tal, fator preponderante para que as ocorrências nesta dimensão, que se traduziriam como traumas, afetassem algum aspecto do corpo físico. Coloca, ainda que os: [...] transtornos psicossomáticos estão relacionados à angústia em sujeitos inadaptados na vida. Por isso, uma vez inconsciente, esta angústia pode remeter-se à profunda dor mental e à dificuldade de tolerar o sofrimento que leva o paciente, muitas vezes, a utilizar seu próprio corpo para se defender. (TERZIZ, 2019) Fase Behaviorista I gualmente conhecida como intermediária, a fase behavioristafoi influenciada pelo movimento behaviorista, ou estudo do comportamento. Nesse período dava-se relevân- cia a pesquisas comportamentais, realizadas principalmente com animais e que tinham como propósito analisar o efeito do estresse nos órgãos do corpo biológico. De acordo com Grandi (2014), o behaviorismo não considera a natureza do homem como dualista, ou seja, corpo versus mente. Ao contrário, entende que o mental é parte integrante do físico – e vice-versa. Grandi (2014) coloca também que o homem não apenas sofre influências do meio em que convive, mas que com ele estabelece relação, sendo corresponsável pela forma- tação de seu próprio ambiente, cabendo a ele alterar o seu comportamento caso tenha a intensão de modificar o mundo ao seu redor. Colocadas estas considerações, o behaviorismo radical compreende que, tanto o que fazemos (nossos comportamentos) como as nossas emoções e sentimentos são produtos das contingências às quais estamos expostos. As doenças psicossomáticas estariam também diretamente relacionadas às contingências [...]. São as contingências aversivas presentes constan- temente, por um longo período, na vida de um indivíduo que não tem 11 UNIDADE Metafísica da Saúde na Psicologia e Psicanálise como delas escapar ou até mesmo contra-controlar aquele que as esta- belece, que geram as alterações fisiológicas que levam a essas doenças. (SIDMAN, 1989 apud GRANDI, 2014) GRANDI, P. Doenças psicossomáticas: o que a análise do comportamento tem a dizer. Comporte-se, 15/10/2014. Disponível em: https://bit.ly/2TrF4rA Fase Multidisciplinar ou Atual Esta etapa foca na relação e conexão do ser humano com o meio em que está inse- rido e traz a psicossomática como responsabilidade de profissionais de várias áreas da saúde, em conjunto (REIS; GODINHO, 2018). Os indivíduos tendem a produzir sintomas adaptados aos quadros nosoló- gicos vigentes e dissipados na cultura, assim como os médicos tendem a encaixar os sintomas relatados por seus pacientes nas entidades clínicas disponíveis. Destarte, padrões e formas de apresentação dessas doenças se baseiam em um suprimento culturalmente disponível de sintomas asso- ciados às ideias científicas vigentes sobre o corpo, às explicações cultu- ralmente válidas para certas doenças, à memória coletiva sobre como se comportar quando doente. Isso significa que, sob algumas circunstâncias sócio-históricas, interpretamos os sinais às vezes disparatados que o cor- po nos envia como evidência de certas doenças e não de outras, sendo os sintomas preferenciais aqueles que se enquadram no panorama legitimado pela ciência médica. (ZORZANELLI, 2011 apud REIS; GODINHO, 2018) Wilhelm Reich A fim de trazer algumas informações sobre o momento em que o trabalho corporal começou a fazer parte do tratamento psicológico, abordaremos algumas informações acerca de Reich e a sua psicologia corporal. Figura 3 – Wilhelm Reich Fonte: blog.sbpi.org.br 12 13 Wilhelm Reich (1897-1957) foi um médico, psicanalista, cientista natural e ativista político nascido na Ucrânia, antigo Império Austro-Húngaro. A trajetória de sua vida e as experiências pelas quais passou desde a infância nortearam o seu trabalho, que se baseava em ajudar as pessoas a se libertarem de suas prisões emocionais, psicológicas e sociais (ALBERTINI, 2011). E m 1919, quando cursava o segundo ano de Medicina em Viena, Áustria, organizou entre os alunos um seminário sobre sexologia, pois acreditava que o tema era pouco abordado. Tendo lido os artigos de Freud, com este entrou em contato, pedindo ajuda para a concretização do seminário e foi atendido. No ano seguinte, tornou-se membro da Sociedade Psicanalítica de Viena, fundada por Freud (VOLPI, 2004). “Em 1927, Reich publicou a primeira parte de seus escritos sobre a descoberta do orgônio. Tal publicação recebeu o título em português de Psicopatologia e sociologia da vida sexual e foi dedicada a Freud: “A meu mestre, o professor Sigmund Freud, como prova de profundo respeito” (REICH apud ALBERTINI, 2011). T eve envolvimento com movimentos políticos socialistas e comunistas da época porque tinha o interesse em devolver às pessoas o sentido de naturalidade e saúde que deveria ter a sexualidade, a qual era tão reprimida o que, segundo os seus estudos, levava a trans- tornos emocionais e psicológicos. Por conta disso foi perseguido, difamado e mal com- preendido por seus “adversários”, os quais sabiam do perigo de devolver a liberdade de expressão saudável da sexualidade para as pessoas – o que poderia levá-las a serem felizes. Apesar disso, dedicou-se a estudar a correlação fisiológica no psiquismo, empregando horas para “[...] descobrir a natureza física da energia ‘libido’, que Freud havia inicialmente postulado. No ano de 1935, passou a usar em suas pesquisas um aparelho que media o potencial elétrico da pele”. (SHARAFF, 1993 apud VOLPI, 2004). Avançando nessa linha de pensamento, Reich, nos anos seguintes, chegou à conclu- são, com base em seus experimentos, de que a energia do orgasmo produz o aumento de eletricidade no corpo; enquanto a ansiedade, ao contrário, tirava a eletricidade do corpo (VOLPI, 2004). Posteriormente, descobriu que a vida como um todo era regida pela energia do padrão orgástico, tal como o Universo, com expansão e contração, ten- são e descarga, levando-o a ampliar a sua técnica de análise do caráter e expandi-la com a descoberta das couraças caracterológicas que, segundo ele, aprisionavam a libido nos músculos (REICH, 1995 apud VOLPI, 2004). A essência e objetivo da terapia psicanalítica consistiam em tornar conscien- te a matéria inconsciente. A essência e objetivo da Vegetoterapia consistiam em restabelecer o equilíbrio biofísico libertando a potência orgástica, isto é, não só tornar consciente a matéria inconsciente, mas também libertar as energias vegetativas. O principal método da terapia psicanalítica é a “associação livre”, isto é, essencialmente falar e comunicar. O principal método da Vegetoterapia consiste na perturbação das atitudes vegetativas involuntárias (logo inconscientes). Ao contrário, na Vegetoterapia, não falar é um dos principais métodos para trazer à superfície sentimentos e afetos vegetativos, enraizados em processos orgânicos, antes que se tor- nem conscientes. [...] A liberação da energia dos organismos era objetivo constante do seu trabalho terapêutico, portanto nada mais natural que 13 UNIDADE Metafísica da Saúde na Psicologia e Psicanálise tenha chamado a sua técnica terapêutica de terapia orgônica ou orgono- terapia e o estudo da orgonoterapia de orgonomia. (VOLPI, 2004) Os avanços das descobertas que fez junto às pesquisas sobre a energia orgônica nos Estados Unidos, que incluíam a possibilidade de cura de algumas doenças e a interferên- cia no clima, rederam a Reich muitas perseguições políticas, processos jurídicos e mais difamação, culminando com a sua prisão em 1957, bem como a queima de todas as suas publicações sobre essa temática. Morreu na cadeia 2 anos depois, vítima de um ataque cardíaco, aos 60 anos de idade (VOLPI, 2004). Análise do Caráter, Vegetoterapia e as Couraças Reich foi o precursor da psicologia corporal, dedicando parte de sua vida ao estudo sobre as emoções expressas como sintomas físicos. Para ele, uma pessoa sadia deveria ter a maturidade de se expressar emocionalmente de forma a não reter energia em al- guma parte do corpo para não gerar bloqueios. No entanto, é sabido ser praticamente impossível uma pessoa não ter passado por algum tipo de trauma ou abuso em sua vida, sem a possibilidade de elaborá-lo. Esses acontecimentos geram acúmulos energé- ticos que, posteriormente, apresentam-se nas formas de doenças físicas e/ou psíquicas (FRAGOSO; VOLPI, 2019). Durante o desenvolvimento de uma pessoa, em seus primeiros anos de vida, o que se apresenta como repressão social, emocional e psicológica em sua trajetória causa imaturidade em algum aspecto. Quando há uma imaturidade nesse desenvolvimento,que acontece pelas fixações, situações estressantes e traumáticas vivenciadas das normas sociais e por falta de compensações de prazer e consequentemente uma dificuldade de autorregular a própria energia, então as patologias de cunho psicológico e fisiológico aparecem. (FRAGOSO; VOLPI, 2019) Tais constatações, bem como a observação dos corpos dos seus pacientes, levaram Reich a perceber que nos locais onde a energia estava represada, tensões musculares apareciam. Se esses bloqueios permanecem por largo tempo, formam-se as couraças. Couraças Graças às descobertas de Reich foi possível dar-se corpo à somatopsicodinâmica, que estuda a manifestação em soma (corpo) das reações emocionais (NAVARRO, 2013 apud FRAGOSO; VOLPI, 2019). Como já mencionado, Reich entendia que através do corpo circulava uma energia capaz de ser medida. Devido a traumas, repressões ou situações de estresse, essa energia pode ficar retida em uma ou mais partes do corpo. Quando isso se dá por muito tempo, formam-se as couraças, que se manifestam como tensões musculares em determinadas regiões do corpo humano. Essas couraças são as formas que o corpo encontra para proteger o ego de ter que repetir a situação/emoção que o “machucou”. 14 15 Para que esses bloqueios – couraças – sejam dissolvidos, foram desenvolvidas téc- nicas que incluem exercícios específicos, respiração e massagem, os quais vão, pouco a pouco, liberando as couraças; liberação esta que precisa ser feita com cautela, no ritmo de cada pessoa, principalmente porque muitas couraças são antigas e estão muito enraizadas, requerendo um trabalho mais lento. As manipulações são acompanhadas de análise, em processo de fala e escuta, já que as liberações das couraças inevitavelmente trazem à tona conteúdos emocionais que muitas vezes estão “escondidos” do consciente (PIMENTA, 2019). Pimenta (2019) comenta que Reich desenvolveu três formas terapêuticas para lidar com as couraças de modo a liberá-las: vegetoterapia, análise de caráter e orgonoterapia. Vegetoterapia consiste em “[...] intervenções corporais chamadas de actings da vege- toterapia, em conjunto com a análise do caráter/temperamento [...]”, (SOUZA; VOLPI, 2020) colaborando não apenas com a liberação das couraças, mas também com a com- preensão de o porquê de seu surgimento e manutenção. Outra técnica desenvolvida para liberar o inconsciente adormecido no corpo é a análise do caráter. Reich associou a formação do caráter ao encouraçamento, pois o fluxo natural de energia vital fica parado no corpo. Esse processo é tido como comum do desenvolvimento humano porque todos nós passamos por situações negativas as quais não conse- guimos lidar quando jovens. Dessa forma, guardamos as emoções ruins juntamente com as memórias de incidentes passados. (PIMENTA, 2019) A terceira técnica é a orgonoterapia, que envolve o contato físico (ou massagem) do terapeuta em seu paciente, com a intenção de investigar o conteúdo represado e pouco a pouco colaborar com a sua liberação. Reich reconheceu a existência de sete anéis ou segmentos de couraça muscular, a saber: • Olhos, ouvidos, nariz: » Emoção: i) alarme; ii) medo; iii) terror; iv) pânico; » Afeto: i) surpresa; ii) espanto; iii) embaraço; iv) desorientação. • Boca: » Emoção: i) comoção; ii) nojo; iii) gosto; iv) separação; 5) agressividade; » Afeto: i) depressão; ii) ressentimento; iii) raiva; iv) apego; v) dependência. • Pescoço: » Emoção: i) abandono; ii) medo de cair; iii) medo de morrer; iv) inibição; » Afeto: i) simpatia; ii) antipatia; iii) interesse; iv) orgulho; v) isolamento. • Tórax: » Emoção: i) nostalgia; ii) ira; iii) angústia; » Afeto: i) tristeza; ii) solidão; iii) felicidade; iv) amor-ódio; v) incerteza; vi) ambiva- lência. • Diafragma: » Emoção: i) angústia; ii) ansiedade; » Afeto: i) hostilidade; ii) serenidade. 15 UNIDADE Metafísica da Saúde na Psicologia e Psicanálise • Abdome: » Emoção: i) agitação; ii) desespero; » Afeto: i) dor; ii) cólera. • Pélvis: » Emoção: i) excitação; ii) apego; iii) prazer; iv) destrutividade; » Afeto: i) potência; ii) moralismo-repressão; iii) autoritarismo (NAVARRO, 1996 apud SOUZA; VOLPI, 2020). Vegetoterapia caractero-analítica: o desbloqueio energético e o amadurecimento do ser. Disponível em: https://bit.ly/3ioIeES Por fim, Pimenta (2019) informa que a terapia corporal reichiana funciona muito bem como prevenção de doenças e manutenção da saúde, já que a fluidez das emo- ções frente as adversidades inevitáveis da vida são sinônimos de maturidade, flexibili- dade e adaptabilidade. Bioenergética Bioenergética foi desenvolvida, em seu primeiro momento, em conjunto por Alexander Lowen (1910-2008) e John Pierrakos (1921-2001), alunos e pacientes de Wilhelm Reich. Alexander Lowen, nascido nos Estados Unidos em 1910, conheceu Reich em 1940, quando ingressou em seu curso de Análise de Caráter, em Nova Iorque. Após o curso, devido ao seu grande interesse em se aprofundar no conteúdo, continuou, juntamente com um pequeno grupo de alunos, a se encontrar mensalmente com Reich para aperfei- çoamento. Ao mesmo tempo, entre 1942 e 1945, foi paciente de Reich, fazendo terapia (MELO, 2010). Mudou-se para a Suíça em 1947 para estudar Medicina, seguindo o aconselhamento de Reich e, ao retornar, 5 anos depois, encontrou o mestre seguindo por outra trilha de estudos, dedicando-se à energia orgônica (MELO, 2010). Como Lowen tinha interesse em desenvolver-se na linha da análise corporal, seguiu ele mesmo estudando e se aprofundando, ainda tendo como base os aprendizados adqui- ridos com Reich (MELO, 2010). Em 1953 conheceu John Pierrakos, psiquiatra, terapeuta e aluno de Reich, travando com ele uma parceria, culminando na fundação do Instituto de Análise Bioenergética, em 1956 (MELO, 2010). A análise bioenergética, portanto, é uma terapia formulada nas bases dos ensi- namentos de Wilhelm Reich, atuando em níveis psíquicos e somáticos e tendo por objetivo devolver ao paciente o “si mesmo”, ou seja, através da consciência de sua trajetória de vida registrada no corpo é possível identificar os fatos com forte carga 16 17 emocional (ou traumas) que se solidificaram em forma de bloqueios e através do tra- balho em conjunto com o corpo, emoções e com a mente, ir pouco a pouco soltando esses bloqueios – ou couraças – para que a energia volte a fluir livremente (CENTRO REICHIANI, [20--]). Pierrakos e Lowen seguiram por vias distintas em seus trabalhos, porém, paralelas. Pierrakos fundou o Core Energetics com a sua esposa, Eva, que seguia uma linha ener- gética e espiritual; enquanto Lowen dedicava-se a basear a sua técnica nas pesquisas científicas (OLIVEIRA, 2019). Segundo Oliveira (2019), a bioenergética trabalha no sentido de ampliação da cons- ciência pessoal e percepção da realidade, através da utilização de técnicas que visam aumentar a capacidade respiratória, flexibilizar as couraças, liberando gradativamente as tensões musculares de modo a devolver ao paciente a capacidade de sentir – o mundo e a si –, empoderando-se de suas emoções. Para Lowen, a graça divina está na natureza, os animais têm graciosida- de em seu andar justamente porque não perderam a capacidade de au- toperceberem. A autopercepção existe nos animais e sua vida, integrada com os ritmos e fluxos da natureza, expressa a espiritualidade do corpo. Mas o que fez os seres humanos “perderem a graça”? (OLIVEIRA, 2019) Lowen manteve o pensamento não dualista de Reich, entendendo corpo e mente como unidade, sendo cada pessoa um universo complexo a ser considerado individual- mente, respeitando-se a sua trajetória de vida, as suas experiências e a forma de lidar com o sentir. A alegria era o resultado esperado, aplicando-se as técnicas da bioenergética, “[...] ou seja, o sujeito começa a se perceber como sendo o corpo e ocupando o corpo e se rende aos fluxos da vida. Essa rendição nada tem a ver com a passividade, mas sim com uma integração dos fluxos vitais [...]”. (OLIVEIRA,2019) Em bioenergética, Lowen ampliou o conceito de Reich sobre as couraças e os even- tos que culminam em sua formação e deixou campo aberto aos futuros pesquisadores. Oliveira Junior (2016) retoma a ideia sobre couraças, enfatizando que cada contração, localizada em ponto específico do corpo, advém de uma experiência relativa a certo período de desenvolvimento do paciente, ainda na infância. No entanto, todas têm em comum a promoção de contração corporal e afastamento do corpo em relação ao chão. No trauma de desenvolvimento, diferentemente de um trauma ocasionado por evento inesperado, a criança não possui os recursos adultos para lidar com situações de ameaça e o congelamento corporal promovido pelo medo a faz desconfiar do suporte de seus cuidadores ou pais e isso se projeta nas relações com o mundo. (O LIVEIRA JR., 2016) Assim, inconscientemente a criança entende que não pode confiar no chão sob os seus pés, sendo o mundo um local perigoso e desagradável, causando o medo da vida. Oliveira Junior (2016) complementa que Lowen não compreendia as couraças apenas como um sistema de proteção do corpo frente os traumas emocionais sofridos pelo 17 UNIDADE Metafísica da Saúde na Psicologia e Psicanálise indivíduo, mas também decorrentes de “[...] faltas e privações experienciadas por ele [...]”, trazendo a perspectiva de como ele é e de como lida com o seu ambiente externo. O interesse de Lowen pelo corpo surge, como apresentado, por um desejo de resolver a grande cisão mente-corpo que o acompanhou ao longo de sua história de vida. Em uma família na qual o racional devia prevalecer por exigência, principalmente, de sua mãe, o corpo não era estimulado a se expressar nos mais variados aspectos, embora seu pai o inspirasse a isso. (OLIVEIRA JR., 2016) Para esse mesmo autor a dedicação de Lowen em encontrar formas de reconectar corpo e mente foi impulsionada por uma busca pessoal em reconectar-se consigo e com a alegria de viver. A análise bioenergética está alicerçada em três pilares fundamentais: • a compreensão da estrutura do corpo, conectando-a à história de vida do paciente (estruturas do caráter); • o grounding (aterramento), que consiste na reconexão do sujeito com a terra; • a integração do processo de análise psíquica com os movimentos e as manipula- ções corporais. Análise bioenergética e a proposta das estruturas do caráter. Disponível em: https://bit.ly/3xXVGWL Oliveira Junior (2016) assim elucida sobre grounding: Portanto, o indivíduo está em grounding quando se encontra carregado e tem sua energia movimentando e fluindo ao longo do corpo, fazendo com que esteja “enraizado” na realidade. Assim, refere-se à interação do indivíduo com a sua própria realidade, intimamente ligado à sua respira- ção e ao contato com os próprios sentimentos. Na análise bioenergética, a bioenergia é compreendida como uma ener- gia fundamental que anima o corpo humano e que está presente tanto nos processos físicos quanto nos psíquicos. Lowen teve sempre a preocupação de manter o conceito de energia utilizado na bio- energética distante do misticismo. Em seu trabalho, buscou comprovação pelo método científico de todas as ferramentas de que se utilizava, sendo fator preponderante para o seu afastamento de Pierrakos que, sob a influência de Eva – a sua esposa – direcionou o seu trabalho para uma linha espiritualista. Oliveira Junior (2016) aponta que a bioenergia é conhecida por outras denominações em diferentes filosofias e técnicas, por exemplo, como energia vital utilizada no Reiki, Prana, pelos hindus, Qi ou Ki pelos orientais, além de vis medicatrix nature para Hipócrates. 18 19 Para Lowen saúde é sinônimo de plena fluidez da bioenergia pelo corpo, sendo o adoecimento corporal diretamente vinculado ao adoecimento psíquico emocional – e vice-versa (OLIVEIRA JR, 2016). Por fim, podemos entender que a bioenergética traz grande contribuição para a psi- cologia corporal por enfatizar a integralidade multidimensional do ser humano. Um tra- balho que abrange o coletivo que é cada indivíduo possibilita a retomada de consciência de quem somos, seres individuais com grande importância para a formação do coletivo. Enquanto procura reaproximar o indivíduo de si, a análise bioenergética traz à luz o quanto a humanidade está cindida, o quanto as pessoas se afastaram umas das outras e de si, elucidando a importância do olhar integrativo para a vida. Não há mais tempo para especializações excessivas. Tal como já encorajavam os mé- dicos do Egito Antigo, é preciso ser “puro de coração” para curar alguém. Portanto, é necessário buscar a mesma pureza para curar-se, ao passo que vamos desconstruindo as nossas máscaras e couraças e nos abrindo novamente para usufruir da energia que flui através de nós e de tudo, descobrindo, finalmente, que fomos feitos para a alegria. 19 UNIDADE Metafísica da Saúde na Psicologia e Psicanálise Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos Wilhelm Reich – atualidades de seu pensamento https://youtu.be/vAPaz1dmfcI No fluxo da análise bioenergética – episódio 1 a 9 https://youtu.be/VkUzJtBpFSQ Leitura O assassinato de Cristo https://bit.ly/3kG1Hn7 Na Psicanálise de Wilhelm Reich https://bit.ly/3zlKlQv 20 21 Referências AKKARI, P. F. Teoria dos humores. Infoescola, [20--]. Disponível em: <https://www. infoescola.com/medicina/teoria-dos-humores/>. ALBERTINI, P. Wilhelm Reich: percurso histórico e inserção do pensamento no Brasil. Bol. Psicol., São Paulo , v. 61, n. 135, p. 159-176, 06/2011. Disponível em: <http://pep- sic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0006-59432011000200004&lng= pt&nrm=iso>. ANÁLISE bioenergética. In: VOLPI, J. H.; VOLPI, S. M. (org.). CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOTERAPIAS CORPORAIS, 15., [20--]. Anais... [20--]. CASTRO, M. G.; ANDRADE, T. M. R.; MULLER, M. C. Conceito mente e corpo através da história. Psicologia Em Estudo, v. 11, n. 1, p. 39-43, 2006. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/pe/a/SbNh8XMXRgHQRthYPfDRmnJ/?lang=pt>. CERCHIARI, E. A. N. Psicossomática, um estudo histórico e epistemológico. Psicologia: Ciência E Profissão, v. 20, n. 4, p. 64-79, 2000. Disponível em: <https://www.scielo. br/j/pcp/a/sFTWHXWmXjvbmQcNjLcJ5Sz/?lang=pt>. GRANDI, P. Doenças psicossomáticas: o que a análise do comportamento tem a dizer. Portal Comporte-se Psicologia & AC, 15/10/2014. Disponível em: <https://compor- tese.com/2014/10/15/doencas-psicossomaticas-o-que-a-analise-do-comportamento- -tem-a-dizer>. HIPÓCRATES. Infopedia. [20--]. Disponível em: <https://www.infopedia.pt/$hipocrates>. ITO, P. C. P.; GUZZO, R. S. L. Diferenças individuais: temperamento e personalidade; importância da teoria. Estudos de Psicologia, Campinas, v. 19, n. 1, p. 91-100, 2002. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/estpsi/a/Jy8mzSg8hccYdhjByHvhhFK/?form at=pdf&lang=pt>. MARTINS, L. A. l. C. P.; SILVA, P. J. C.; MUTARELLI, S. R. K. A teoria dos tem- peramentos: do corpus hippocraticum ao século XIX. Memorandum, v. 14, p. 9 24, 2008. Disponível em: <https://periodicos.ufmg.br/index.php/memorandum/article/ view/6689/4262>. MELO, C. Conversando sobre Alexander Lowen e o desenvolvimento da análise bioe- nergética. Centro Reichiano, 2010. Disponível em: <http://www.centroreichiano.com. br/artigos/Anais-2010/MELO-%20Cynthia-Conversando-sobre-Alexander-Lowen.pdf>. OLIVEIRA, J. J. R. Corposofia: análise bioenergética para sensibilizar questões filosóficas. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2019. Disponível em: <http://repositorio.unicamp.br/bitstream/ REPOSIP/337109/1/Oliveira_JovinianoJoseRezendeDe_D.pdf>. OLIVEIRA JR., W. R. et al. Integração corpo/mente na análise bioenergética de Alexander Lowen: a relação entre o adoecimento corporal e as estruturas de caráter. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2016. Disponível em: <https://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/6255>.21 UNIDADE Metafísica da Saúde na Psicologia e Psicanálise PIMENTA, T. Terapia corporal reichiana: você conhece essa terapia energética? Vittude Blog, 2019. Disponível em: <https://www.vittude.com/blog/terapia-corporal- -reichiana/>. PSICOLOGIA corporal – análise bioenergética. Centro Reichiano, [20--]. Disponível em: <https://www.centroreichiano.com.br/psicologia-corporal-analise-bioenergetica/>. PSICOSSOMÁTICA: mente e corpo no adoecimento. M. A. GABRIEL. 24/10/2018. 1 vídeo (7 min.). Publicado pelo canal #Dicaspsi. Disponível em: <https://www.youtube. com/watch?v=lxkkxrmS-i0>. REIS, K. S.; GODINHO, L. B. R. Psicossomática: uma visão holística do homem. Ci- ppus, v. 6, n. 1, p. 1-14, 2018. Disponível em: <https://www.revistas.unilasalle.edu.br/ index.php/Cippus/article/view/3977>. SOUZA, K. D.; VOLPI, J. H. Vegetoterapia caractero-analítica: o desbloqueio ener- gético e o amadurecimento do ser. Psicologia Corporal, Curitiba, v. 21, 2020. Dis- ponível em: <https://centroreichiano.com.br/artigos/Artigos/Vegetoterapia-caractero- -anal%C3%ADtica-SOUZA-Kassia-Denise-VOLPI-Jose-Henrique.pdf>. TERZIS, A. Psicanálise e as doenças psicossomáticas. Cefas, 30/07/2019. Disponível em: <https://www.cefas.com.br/psicanalise-e-as-doencas-psicossomaticas/>. VIEIRA, D. R; VOLPI, J. H. Energia: união entre fé e ciência. In: ENCONTRO PA- RANAENSE, CONGRESSO BRASILEIRO, CONVENÇÃO BRASIL-LATINOMÉRICA DE PSICOTERAPIAS CORPORAIS, 19., 2014. Anais... Curitiba: Centro Reichiano, 2014. Disponível em: <https://www.centroreichiano.com.br/artigos/Anais_2014/VIEI- RA_Diuneia.pdf>. VOLPI, J. H. Um panorama histórico de Wilhelm Reich. [1. ed.]. Curitiba: Centro Reichiano, 2004. Disponível em: <http://www.centroreichiano.com.br/artigos/Artigos/ VOLPI-Jose-Henrique-Um-panorama-historico-de-Wilhelm-Reich.pdf>. 22