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Freud Skinner Wallon Lacan Piaget V ygotsky Introdução à Psicologia da Educação c' sAbordagens Kester Carrara (organizador) Adrián Oscar Dongo Montoya Elena Etsuko Shirahige José Sterza Justo Kester Carrara Maria Letícia B. P. Nascimento Marília Matsuko Higa Suely Amaral Mello Avkrcamp. 11)1 I O H A Introdução à da importância da Psicologia no processo eductl j cional é tão evidente quanto polêmica. Não d sem razão que, em dado momento histórico, apenas esln ou aquela abordagem, dc acordo com o prestígio ulcunçn do, constitui preferência - às vezes verdadeiro modls- j mo - entre os educadores e/ou órgãos oficiais que patrocinam o modelo de educação a ser adotado. () falo é que a formulação de cada abordagem, quer pela concepção de homem que contém, quer pelos pressti postos teóricos adotados ou pelos seus desdobramentos práticos, necessariamente implica uma estrutura de * política educacional, um conjunto de objetivos cspecíl í ' cos na formação acadêmica e um projeto socioculltual típico. As abordagens psicológicas, nessa perspectiva, são muitas, mas nem todas com repercussão significai! va no contexto educacional. Nesta obra os autores apresentam caminhos diferentes e i igualmente importantes a serem conhecidos pelos | educadores. Propostas de estudiosos são examinadas do modo abreviado e em linguagem acessível, todavia evitando-se qualquer superficialidade desnecessária Os textos, que também podem ser utilizados separada mente, são indicados para professores que queiram i compreender melhor as diferentes abordagens, hem como para graduandos de Pedagogia e cursos afins com i interesse em iniciar um contato com alguns dos princi pais enfoques da Psicologia da Educação. Avkrcamp. EDITORA Psicologia Educação Introdução à Psicologia da Educação CncAbordagens Kester Carrara (organizador) Adrián Oscar Dongo Montoya Elena Etsuko Shirahige José Sterza Justo Kester Carrara Maria Letícia B. P. Nascimento Marília Matsuko Higa Suely Amaral Mello Av e r c a m p , E D I T O R A COPYRIGHT © 2004 by I DITORA AVERCAMP LTDA. Av Ir,ií, 79 -c j. 35B 04082-000 - São Paulo - SP Tel./Fax.: (11) 5042-0567 Tel.: (11) 5092-3645 E-mail: avercamp@terra.com.br Site: www.avercamp.com.br TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida sejam quais forem os meios empregados sem a permissão, por escrito, da Editora. Aos infratores aplicam-se as sanções previstas nos artigos 102, 104, 106 e 107 da Lei n° 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Impresso no Brasil. Printed in Brazil. 1'1 edição 2004 1J reimpressão 2005; 2a reimpressão 2006; 3a reimpressão 2007; 4a reimpressão 2008; 5'1 reimpressão 2010; 6a reimpressão 2010; 7a reimpressão 2012; 8- reimpressão 2014 (PLT); 9a reimpressão 2014 Capa: e Assessoria Ltda. Este livro contempla ̂ Nova Qftnprnfin rln I ím^n-rTmilIfjnr-~i de acordo com o Decreto no 6.583, de 29 de setembro de 2008. Este livro contempla a Nova Ortografia da Língua Portuguesa, de acordo com o Decreto nô 6.583, de 29 de setembro de 2008. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 148 Introdução à psicologia da educação: seis abordagens / Kester Carrara (organizador). — São Paulo: Avercamp, 2004. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-89311-13-7 1. Psicologia educacional. 2. Educação. 2 Psicanálise. I Carrara, Kester. LUMMI Produção Vifcrat e Assessoria Ltda. Composição: LUMMI Produção Visual Prc dução: *A44ana Mauro CD D -370 .1 5 S o br e ^ ' S0b,sos \ -■.....O s Sobre os Autores V . / ° Sjqos . A drián O scar Dongo M ontoya - Livre-docente do Departamento de Psicologia da Educação e professor do Programa de Pós-Gra duação em Filosofia da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, Marília-SP. Elena Etsuko Shirahige - Psicóloga clínica e educacional, doutora pela Faculdade de Educação da USP, docente do Curso de Pós- -Graduação em Psicopedagogia da Universidade Presbiteriana Mackenzie. José Sterza Justo - Professor-assistente doutor do Departamento de Psicologia Evolutiva, Social e Escolar da Faculdade de Ciên cias e Letras da UNESP, Assis-SP. K ester Carrara - Livre-docente do Departamento de Psicologia da Faculdade de Ciências da UNESP, Bauru-SP e professor do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da FFC/UNESP, Marília-SP. (e-mail: kester.carrara@uol.com.br) M aria Letícia B. P. N ascimento - Pedagoga, doutora em Educação pela Faculdade de Educação da USP, professora do Curso de Pe dagogia da Universidade Presbiteriana Mackenzie na área de Educação Infantil. 6 • Introdução u Psicologia da Educação M arília M atsuko H iga - Psicóloga, doutoranda em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP, professora-assistente do De partamento de Psicologia da Educação da Faculdade de Filo sofia e Ciências da UNESP, Marília-SP. Suely A maral M ello - Professora-assistente, doutora do Departamen to de Didática e docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, Marília-SP. t p^ pr es en taç $0 ' % . ________________________________________________________ 2 Apresentação v^ t \ l a ç âo . Há diversas maneiras pelas quais pode ser organizado um texto introdutório de Psicologia da Educação. Pode-se adotar um enfoque teórico específico, abordado por um único autor; pode-se apresentar um material orientado pelos parâmetros teóricos direta ou indireta mente sugeridos pelos órgãos oficiais; pode-se também organizar um texto centrado nas questões candentes que permeiam o debate no ce nário atual da Educação. Respeitados os variados contextos, as alter nativas são igualmente válidas e possíveis, até mesmo pelo fato de que, excedido o limite imposto pelos objetivos do material, um texto que pretenda responder a todas as possibilidades perde a condição de introdutório e passa a exigir do leitor um esforço que vai além da conotação didática do contato inicial com determinado assunto. Não foi diferente com este livro. Deparamo-nos com a incum bência preliminar de eleger a forma de apresentação do material. Es colhido apenas um enfoque teórico, qualquer que fosse, estaria esta belecido o primeiro viés da apresentação de um texto introdutório de Psicologia da Educação. No presente trabalho, porém, ainda que al gumas óticas importantes precisassem ser deixadas de lado, a possi bilidade de escolher apenas um viés teórico foi minimizada face à liberdade de convidar alguns colegas para discorrerem sobre o assun to à luz de diferentes abordagens. Assim se procedeu, reunindo ao menos seis entre diversas formas relevantes (e, por vezes, polêmicas) 8 • Intiodu^uo à Psicologia da Educa^ao de abordar as contribuições da Psicologia à Educação. Os autores con vidados são profissionais reconhecidos pela sua identificação com os assuntos de que tratam e pelo trabalho de ensino e pesquisa que têm conduzido ao longo dos últimos anos. Sabe-se, adicionalmente, que quaisquer conceitos tratados, ain da que em texto de interesse genérico, ensejam a possibilidade de interpretações e leituras diferentes. Talvez constitua uma deficiência deste trabalho a concisão dos textos, que, embora justificada pela na tureza do livro, pode semear indagações ao leitor incipiente. Por ou tro lado, é visível uma certa irregularidade quanto ao nível de dificul dade das leituras: optou-se por ir e vir entre o conceituai e o cotidia no, entre os exemplos e a teoria, entre as polêmicas e o consenso. Por isso, o leitor pode ter, às vezes, a impressão de uma leitura densa, e, em outros momentos, ter a sensação de uma apresentação simplificada do material. O importante, para que o texto seja produtivo, é que ele proporcione um cotejamento transparente das abordagens, tomando como pressuposto que nenhuma delas se pretende melhor ou pior, e também que esteja disponível à apreciação inaugural do leitor que pensa aprofundar suas incursões à Psicologia da Educação. Pela característica introdutória dostextos, o leitor encontrará pela frente um material apresentado de forma sintética (mas razoavelmen te estruturada) e simples (mas não superficial). Apreendidos os con teúdos, por certo estará preparado para leituras mais densas, recomen dadas ao final dos textos pelos próprios autores. Os textos apresentam teorias de certo modo clássicas, porém si nalizam para um debate atualizado de conceitos e dão margem, para o leitor atento, à escolha de um entre vários caminhos que, em tese, podem levar à educação emancipadora. Sem dúvida, o leitor deve considerar não ser passível nem recomendável nenhuma aplicação asséptica dos pressupostos apresentados, uma vez que a Psicologia, de fato, ainda que amparada em cuidados com eventuais cânones de cientificidade, não pode prescindir da compreensão da complexa na tureza ético-política das práticas educacionais. Kester Carrara (organizador) . S um ári o m x<\o • Surriá «ar r,0 . Sumário Capítulo I - A Contribuição da Psicanálise à Educação 13 Elena Etsuko Shirahige • Marília Matsuko Higa 1.1 O Que É Psicanálise? 13 1.2 Como Surgiu a Psicanálise? 13 1.3 A Estrutura da Personalidade 17 1.3.1 Oid 17 1.3.2 O ego 18 1.3.3 O superego 19 1.4 Processos Mentais: o Inconsciente, o Consciente e o Pré-Consciente 19 1.4.1 O inconsciente 20 1.4.2 O consciente 20 1.4.3 O pré-consciente 20 1.5 A Dinâmica da Personalidade 21 1.5.1 O instinto (impulso instintivo ou pulsão) 21 1.5.2 Quantos instintos existem? 23 1.5.3 Distribuição da energia psíquica 24 1.5.4 Mecanismos de defesa do ego 24 1.6 Fases do Desenvolvimento da Sexualidade Infantil 27 1.6.1 Fase oral 28 1.6.2 Fase anal 28 1.6.3 Fase fálica 29 1.6.4 Período de latência 34 1.6.5 Fase genital 34 1.7 Contribuição da Psicanálise à Educação 35 10 • Introdução à Psicologia da Educação 1.7.1 A revolucionária teoria de Freud contribuiu de alguma forma para a aducação? 35 1.7.2 A educação e o conceito de transferência 1.7.3 A educação e o processo de sublimação 1.7.4 A educação e a sexualidade 38 1.7.5 A educação e os impulsos parciais 38 1.7.6 Psicopedagogia e psicanálise 40 Exercícios 42 Glossário 42 Referências 45 36 37 Leituras Recomendadas 46 Capítulo II - A Criança Concreta, Completa e Contextualizada: a Psicologia de Henri Wallon 47 Maria Letícia B. P. Nascimento 11.1 Constituição da Subjetividade e Construção do Conhecimento: o Desenvolvimento Infantil 49 11.2 A Consciência de Si: Integração e Conflitos Eu-Outro 52 11.3 Emoção: Simultaneamente Orgânica e Social 56 11.4 O Movimento e suas Dimensões 58 11.5 O Pensamento: Origens e Uso da Linguagem 60 11.6 Psicologia e Educação 63 Exercícios 65 Obras 67 Referências 68 Bibliografia de Apoio 68 Capítulo III - A Psicanálise Lacaniana e a Educação 71 José Sterza Justo III.1 A Linguagem e a Cultura na Constituição do Sujeito 75 II 1.2 A Importância do Espelho na Constituição do Sujeito 83 III.3 Sobre as Fundações 89 II 1.4 Espelhismos, Heranças e Desejos na Educação 92 Exercícios 103 Glossário 104 Referências 107 Capítulo IV - Behaviorismo, Análise do Comportamento e Educação 109 Kester Car rara IV.l Princípios Básicos da AEC 114 1V.1.1 Distinção operante-respondente 114 IV. 1.2 Reforçamento e punição 115 S u m á rio I 11 IV.1.3 Tipos de reforçadores 116 IV.1.4 Controle de estímulos 117 IV.1.5 Esquemas de reforçamento 118 IV. 1.6 Aproximações sucessivas 119 IV.1.7 Reforçamento diferencial 119 IV. 2 AEC e Educação: Controvérsias e Novas Perspectivas 120 Exercícios 132 Referências 132 Leituras Recomendadas 133 Capítulo V - A Escola de Vygotsky 135 Suely Amaral Mello V. l Introdução 135 V.2 O Ser Humano Constrói sua Natureza 137 V.3 Educação e Desenvolvimento Humano 139 V.4 Aprendizagem e Desenvolvimento 142 V.S Alguns Elementos para Compreender a Aprendizagem 143 V.5.I As zonas de desenvolvimento e o papel do educador 143 V.S.2 Em que circunstâncias as crianças aprendem? 145 V.5.3 O conceito de atividade e a atividade principal 146 V.5.4 A aprendizagem como processo compartilhado 148 V.5.5 A criação de novos motivos, interesses e necessidades 149 V.6 A Criança Competente 152 V. 7 A Guisa de Conclusão 153 Exercícios 154 Leituras Recomendadas 154 Capítulo VI - Contribuições da Psicologia e Epistemologia Genéticas para a Educação 157 Adrián Oscar Dongo Montoya VI. 1 A Psicologia e a Epistemologia Genéticas: Noções Gerais 158 VI.2 Pesquisas sobre o Conhecimento Lógico-Matemático e suas Implicações Educacionais 161 VI.3 Pesquisas sobre o Conhecimento Físico e suas Implicações Educacionais 163 VI.4 Pesquisas sobre os Conhecimentos Sociais e Culturais e suas Implicações Educacionais 172 VI.5 Pesquisas sobre o Desenvolvimento Moral e suas Implicações Educacionais 175 VI.6 Pesquisas sobre as Origens e Desenvolvimento da Linguagem e suas Implicações Educacionais 179 VI.7 Outras Pesquisas 182 Exercícios 182 Referências 183 • C ap itu lo. c<?~ Elena Etsuko Shirahige • Marília Matsuko Higa — ------------------------------------------- ------------- — -----------------------— - - ■ — ■■■— - ................. ............... - T f % S A Contribuição da Psicanálise f ' s°-%,e0 à Educação 1.1 0 Q ue É Psicanálise? A Psicanálise é Psicologia? Um psicólogo pode ser psicanalista? O que é analista? O termo Psicanálise costuma suscitar confusões e vale a pena fazer um esclarecimento inicial a respeito dele. A expressão Psicanálise designa uma ciência, uma área de co nhecimento, uma escola psicológica que busca penetrar na dimensão profunda do psiquismo humano para conhecê-lo. Enquanto ciência, possui um método, um conjunto de procedimentos para o estudo dos fenômenos humanos. Assim, com o termo Psicanálise podemos nos referir também ao método que lhe é peculiar, neste caso, o método de associação livre, que é um método interpretativo. Podemos ainda nos referir à forma do próprio tratamento psicológico, utilizando as expressões Psicoterapia, Terapia Analítica ou Psicanalítica ou simplesmente Psicanálise. 1.2 Como Surgiu a Psicanálise? Em meados do século XIX, na Alemanha, a Psicologia surgiu como ciência independente, cujo objeto de estudo consistia na análise da consciência. Esta era concebida como se fosse composta dc ele- 14 • IntioduMio á Psicologia da Educação inentos estruturais em estreita ligação com os órgãos dos sentidos. Por exemplo: a sensação visual da cor era correlacionada com mu danças fotoquímicas na retina do olho. Várias críticas com argumentos diferentes foram dirigidas a essa concepção e as grandes polêmicas da época diziam respeito aos ele mentos básicos da consciência e sua forma de composição. Sigmund Freud, um dos críticos dessa visão tradicional, alegava que a análise da consciência era limitada e inadequada, pois a compreensão dos motivos fundamentais do comportamento humano requeria um outro elemento: o inconsciente. Ele comparou a mente a uma montanha de gelo flutuante, cuja parte visível da superfície representava a consciên cia e a submersa, a parte maior, representava o inconsciente. Nessa vasta região do inconsciente encontram-se os impulsos, as idéias e os sentimentos reprimidos, enfim as forças vitais e invisíveis que exer cem controle sobre os pensamentos e ações conscientes do homem. Assim, coube a ele o mérito da descoberta do nível inconsciente da personalidade, o que revolucionou e ampliou o horizonte do estudo do homem. Por essa razão, sua teoria é chamada Psicologia Profunda. Sigmund Freud nasceu em 6 de maio de 1856, na Morávia, e morreu em 23 de setembro de 1939, em Londres. Viveu a maior parte de sua vida em Viena, deixando a cidade apenas durante a ocupação nazista. Em 1873, matriculou-se na Escola de Medicina da Universidade de Viena, graduando-se oito anos depois. Embora nunca tivesse pen sado em clinicar, as oportunidades acadêmicas, escassas para um ju deu, forçaram-no a exercer sua profissão. Seu interesse pela Neurolo gia levou-o a especializar-se no tratamento de doenças nervosas. Seus pressupostosbásicos surgiram não só dos estudos em Neurologia como também de sua preocupação terapêutica com os doentes men tais, o que o levou a focalizar o aspecto anormal da personalidade. Foram mais de 40 anos de um longo caminho de descobertas até chegar ao vasto acervo que constitui, hoje, a teoria psicanalítica. Para isso, foram importantes e decisivas algumas parcerias das quais Freud pôde extrair pontos que, paulatinamente, foram moldando seu pensamento. Podemos citar, dentro dessa perspectiva, o seu estudo, em Paris, com Jean Charcot, famoso psiquiatra francês que utilizava hipnose no tratamento de histeria, cujos sintomas variam desde vômitos persis C a p ítu lo I * A Contribuição da Pskanàliso à Educaçao I IS tentes até alucinações visuais contínuas, passando por contrações, paralisias faciais, perturbações da visão, ataques nervosos e convul sões. Durante a hipnose, Charcot provocava o aparecimento e o desa parecimento desses sintomas histéricos. Isso mostrou para Freud que não havia comprometimento físico ou neurológico dos pacientes, como se acreditava naquela época. A partir dessa experiência, Freud concebeu o primeiro postulado de sua teoria, qual seja, a natureza psí quica da histeria. Outro fato relevante foi observar os pacientes após a hipnose, pois eles adotavam as condutas que lhes eram sugeridas durante o sono hip nótico. Freud concluiu que não apenas os conteúdos conscientes influen ciavam o comportamento humano, mas também os inconscientes. Essas descobertas quanto à natureza psíquica das neuroses e à possibilidade de o inconsciente influenciar a conduta foram cruciais e constituíram ponto de partida para o desenvolvimento da teoria freu diana sobre o psiquismo do homem. Outra experiência decisiva foi seu trabalho com Breuer, um mé dico vienense que utilizava um método pelo qual o paciente ficava curado de seus sintomas pelo processo de falar sobre si próprio. Freud encontrou nesse método catártico (cura pela fala - a palavra catarse vem do grego e significa purificação) um caminho para alcançar os conteúdos inconscientes que havia postulado. No tratamento de pa cientes histéricos, Freud observou que, durante o sono hipnótico, quan do os pacientes respondiam a perguntas, algumas palavras lhe pareciam mais significativas, carregadas de conteúdo emocional. Pediu, então, que os pacientes contassem tudo o que lhes viesse à mente ao serem mencionadas novamente essas palavras. Os pacientes relatavam his tórias cujos conteúdos apresentavam ligação estreita com os fatos ocorridos na vida deles. Surpreendentemente, após essas sessões, Freud e Breuer observaram uma melhora significativa nos pacientes, como se eles tivessem se purificado dessas lembranças. Dessas experiências, Freud concluiu que os fatos ou aconteci mentos que ficavam aparentemente esquecidos eram cruciais na de terminação do atual comportamento manifesto do indivíduo. Além disso, mediante o uso do método catártico de Breuer, Freud desenvol veu seu método de associação livre. Neste método, solicita-se ao pa ciente que relate tudo o que lhe venha à mente, sem restrições e sem preocupação com a lógica e significação. A utilização desse método possibilitou a Freud enfatizar a importância das ocorrências da pri meira infância sobre a formação da personalidade do indivíduo e sua 16 • Introdução ó Psicologia da Educação posterior evolução e descobrir a associação de cada ocorrência com outras, formando uma cadeia. Freud e Breuer trabalharam juntos no estudo de alguns casos de histeria; no entanto se separaram por causa de divergências quanto à origem da doença. O argumento de Freud era que conflitos sexuais causavam a histeria, mas Breuer mantinha uma visão tradicional, o que os levou ao distanciamento. Assim, Freud passou a trabalhar sozinho, desenvolvendo suas idéias, o que resultou na publicação de sua primeira grande obra A interpretação dos sonhos, em 1900. Outras obras se seguiram, cha mando a atenção dos médicos e cientistas de várias partes do mundo. Dentre elas, Psicopatologia da vida cotidiana (1904), Instintos e suas vicissitudes (1915), Introdução geral à Psicanálise (1917), Novas li ções introdutórias sobre a Psicanálise (1933) e, sua última obra, Esbo ço de Psicanálise (1940). As obras completas de Freud foram publicadas postumamente e constam de 24 volumes na edição inglesa de 1953. É importante lembrar a relevância dos estudos de Freud com pacientes histéricas para a elaboração da teoria psicanalítica. Nesses estudos há, segundo o autor, uma supervalorização da história de se dução relatada pelas pacientes. No entanto, por meio deles descobriu- -se a importância das fantasias na vida mental dos pacientes. Por trás dessas fantasias, desvelou-se o material que permitiu a Freud traçar o desenvolvimento da função sexual. Dessa descoberta resultou o tra balho intitulado A sexualidade infantil, que chocou a sociedade da época e serviu de pretexto às resistências contra a Psicanálise. A con sequência mais importante da obra foi colocar por terra um dos pila res da teoria da sexualidade, ou seja, a constituição da sexualidade como própria do período da puberdade. Mas, como veremos adiante, o conceito de sexualidade empregado por Freud é um pouco diferente daquele que marca o senso comum em torno do assunto. Freud teve vários seguidores, destacando-se entre tantos Emest Jones, da Inglaterra, que redigiu, mais tarde, uma biografia de três vo lumes de seu mestre; Carl Gustav Jung, de Zurique; Karl Abraham, de Berlim; Alfred Adler, de Viena etc. Jung e Adler separaram-se posterior mente do grupo e desenvolveram pontos de vista particulares. Freud criticou as práticas educacionais de sua época. No entan to, não há em sua obra tratado sobre educação. Esse assunto foi en globado em outro, mais geral, o das relações entre o indivíduo e o que ele chamou de “civilização”. Enquanto seus contemporâneos atri C a p ítu lo I • A Contribuição da Psicanálise à Educaçao I 17 buíam o aumento do número de doenças mentais aos danos produzi dos pela civilização industrial moderna, Freud dirigiu suas críticas à moral sexual civilizada. Para ele, a atitude moral diante da sexualida de era responsável pelas neuroses. A educação, enquanto veícúlo des sa moral, era seu agente propagador; portanto, sua reforma constitui ría uma via mais curta para a transformação da moral sexual. Caberia aos educadores, munidos de conhecimento sobre a Psicanálise, a tare fa de prevenir as neuroses. Mais tarde, porém, Freud abandonou essa esperança depositada em tal função profilática da educação. Relataremos, em seguida, as idéias de Freud acerca da teoria da personalidade, mais especificamente, os conceitos básicos de sua teo ria, o desenvolvimento do indivíduo e sua contribuição à educação. 1.3 A Estrutura da P ersonalidade A Psicanálise, ao estudar o aparelho psíquico do indivíduo, divi- de-o em regiões e instâncias: o id, o ego e o superego. A personalida de é composta desses três sistemas e o comportamento é resultante da interação entre eles. Embora cada um desses sistemas tenha suas pró prias funções, princípios operantes, dinamismos e mecanismos, os três atuam de uma forma tão estreita que é difícil determinar os seus efei tos separadamente. 1 .3 .1 O i d O id é a instância original da psique, é a matriz dentro da qual o ego e o superego se diferenciam. É um substrato contendo tudo o que é psicologicamente herdado, de onde provêm os impulsos ou pulsõcs (tradução mais comum em português). Seus conteúdos são as repre sentações psíquicas dos instintos, ou seja, representações do mundo interno da experiência subjetiva, a verdadeira realidade psíquica como Freud o chamou. Está intimamente relacionado com os processos corporais, dos quais retira sua própria energia; portanto, é o reserva tório da energia física que põe em funcionamento os outros sistemas. Podemos dizer que é o componente biológico da personalidade. Quando ocorreuma estimulação externa ou uma excitação inter na, o nível de tensão do organismo se eleva e o id funciona de tal IH • Intioiluçuo ò Psicologia da Educação maneira visando a descarregar imediatamente essa tensão, pois não tolera energias muito intensas. Procura fazer com que o organismo retorne e permaneça num nível de conforto e baixa tensão. Esse prin cípio de redução da tensão é denominado princípio do prazer. Para realizar esse objetivo, o id dispõe de dois processos: a ação reflexa e o processo primário. O organismo é equipado por ações re flexas, que são reações automáticas e inatas, como tossir, espirrar, piscar etc., que reduzem imediatamente as tensões. Já no processo primário a redução da tensão se dá pela formação da imagem mental do objeto desejado. Por exemplo, quando uma pessoa está faminta, ela forma a imagem mental da comida como uma maneira de satisfa zer seu desejo. Para Freud, um outro exemplo ilustrativo do processo primário é o sonho, que representa sempre a satisfação ou a tentativa de satisfação de desejos. Ocorre que a imagem mental da comida para uma pessoa famin ta não reduz sua tensão ou sua fome. Ela precisa procurar, encontrar e consumir alimento para satisfazer, de fato, sua fome. Dessa forma, entra em ação a segunda estrutura do sistema: o ego. Este opera no nível da consciência, fazendo o indivíduo partir em busca da realiza ção concreta do seu desejo. Podemos dizer que, ao nascer, o indivíduo é puro id e é puro in consciente. Mediante o contato com a pressão da realidade, a massa indiferenciada vai se estruturando e formando o ego. 1 .3 .2 O EGO E o responsável pelo contato com o ambiente, com a realidade externa, e constitui a sede de quase todas as funções mentais. Pode mos dizer que é o componente psicológico da personalidade. Enquan to o id conhece apenas a realidade subjetiva da mente, o ego é capaz de diferenciar entre ela e a realidade do mundo externo. No exemplo da pessoa faminta, o ego é capaz de diferenciar a imagem mental da comida (realidade subjetiva) e a percepção real dela como existe no mundo externo (realidade externa). Para o id interessa apenas saber se uma experiência é agradável ou desagradável (princípio do prazer). Já o ego quer se certificar se uma experiência é falsa ou real, se tem existência externa ou não. C a p ítu lo I • A Contribuição da Psicanálise o Edutaçao I 19 Enquanto isso, retém a descarga imediata da tensão até que seja encon trado o objeto apropriado para a satisfação da necessidade, suspenden do, temporariamente, o princípio do prazer. Por essa razão, dizemos que o ego é regido pelo princípio da realidade e opera, em função dis so, por meio do processo secundário. O ego, por meio desse processo secundário, elabora um plano para satisfazer a necessidade e depois o testa a fim de verificar a fun cionalidade de sua ação. Cabe a ele controlar as direções da ação, bem como selecionar a quais aspectos do meio deverá reagir e quais instintos devem ser satisfeitos. O ego, por ser a parte organizada do id e por possuir a função de realizar os objetivos dessa instância primá ria, desempenha, assim, a difícil tarefa de integrar as exigências, muitas vezes antagônicas, do id, do meio ambiente e do superego. E o intermediário entre as exigências instintivas do organismo e as con dições do ambiente. 1 .3 .3 O SUPEREGO Último sistema a se desenvolver, o superego nada mais é do que uma parte bastante diferenciada do ego, a tal ponto que podem se con trapor frontalmente. É o censor das funções do ego e decide se algo é certo ou errado, de modo a garantir que uma pessoa aja em harmonia com os padrões sociais vigentes. E o árbitro moral internalizado, ou seja, o representante interno dos valores e ideais da sociedade transmi tidos e reforçados pelo sistema de punições e recompensas impostas à criança pelos pais. Portanto, representa mais o ideal do que o real, tende mais à perfeição do que ao prazer e, podemos dizer, é o compo nente social da personalidade. Dessa forma, bloqueia os impulsos do id, principalmente os de natureza sexual e agressiva, pois são os impul sos mais condenados pela sociedade quando exteriorizados. 1.4 P rocessos M entais: o Inconsciente, o Consciente e o P ré-C onsciente Segundo Freud, o conteúdo da mente pode ser: inconsciente, consciente ou pré-consciente. VO • In troduzo ò Psicologia da Educação 1.4.1 O IN C O N S C IE N TE No modelo freudiano, o inconsciente é o lugar teórico dos im pulsos instintivos ou pulsões e das representações reprimidas ou da quelas que nunca puderam chegar à consciência. No inconsciente há energia instintiva livre e representações que podem ser carregadas com essa energia e influir no funcionamento da consciência. Há uma série de forças impulsionando a vida mental. Essas forças ou impulsos instintivos representam as necessidades do organismo humano e de seu psiquismo, como a fome, o sexo, a curio sidade etc. Há, porém, necessidades ou impulsos instintivos antagôni cos, frontalmente contrários às normas da socialização, como certos desejos sexuais e agressivos, cujo acesso à consciência é proibido pela censura interna, não permitindo que cheguem a ser representados cons cientemente. Esse mecanismo de proibição denomina-se repressão ou recalque. O id, modelo estrutural da psique desenvolvido por Freud, é puro inconsciente. 1.4.2 O C O NSCIENTE Tudo o que conhecemos é consciência: a percepção do mundo objetivo, as lembranças, os sentimentos, o pensamento e a percepção do mundo subjetivo, ou seja, como concebemos as lembranças, os sentimentos, os sonhos, os devaneios. Um conteúdo mental para ter acesso à consciência precisa ser um acontecimento perceptível. 1.4.3 O PR É-C O N SCIEN TE E o sistema psíquico que serve de intermediário entre o incons ciente e a consciência. Nele estão as representações que podem se tor nar conscientes, desde que o sujeito se interesse por elas, e as represen tações de fatos esquecidos, incômodos, mas não censurados no âmbito do inconsciente, em que se verifica uma proibição que dificulta sua evocação, uma força para afastá-los da consciência. Esse mecanismo denomina-se supressão. A pré-consciência tem a função de selecionar os atos motores e as vias de pensamento para a consciência. Vimos que a consciência exige que o conteúdo mental seja perceptível. No entan to, a maioria dos acontecimentos mentais não possui essa qualidade, C a p itu lo I • A Contribuição da Psicanálise à Educaçao I 71 mas pode ser representada na consciência por estar ligada a lembran ças verbais ou sensoriais que têm essa qualidade necessária. Essas representações verbais ou sensoriais, por pertencerem ao sistema pré- -consciente, são facilmente acessíveis à consciência. O pré-consciente está separado do sistema inconsciente pela cen sura, que não permite a passagem de seus conteúdos para o pré-cons- ciente sem sofrerem transformações. O ego, uma das estruturas da personalidade, liga-se estreitamen te ao sistema pré-consciente/consciente, mas há também funções in conscientes do ego, os mecanismos de defesa. 1.5 A D inâmica da Personalidade Dada a apresentação das estruturas (o id, o ego e o superego) que compõem a personalidade e as qualidades dos conteúdos men tais, como elas atuam no funcionamento de uma pessoa? Embora cada estrutura tenha denominação particular e opere se gundo princípios distintos, em circunstâncias habituais, esses sistemas trabalham como uma unidade completa sob o gerenciamento do ego. Bem, para algo funcionar há necessidade de um elemento que o faça se mover. Nessa perspectiva, Freud sofreu a influência da filoso fia positivista e determinista da época. O homem era visto como um sistema complexo de energia, a qual se originava da alimentação e era gasta tanto nos processos fisiológicos como respiração, circula ção, digestão etc. quanto nas atividades como pensamento, memória etc., enfim, a energia era definida em termosda ação que ela desenca deava. Para Freud, então, era pertinente referir-se à energia psíquica se a ação traduzisse uma atividade psicológica. E essa energia, segun do o princípio da conservação, jamais poderia ser subtraída do total da energia cósmica, embora pudesse passar de um estado ao outro. A energia psíquica, portanto, podia ser convertida em energia física e vice-versa. O id, com seus instintos, era o ponto de contato entre es sas duas energias, a do corpo e a da personalidade. 1 .5 .1 O IN S T IN T O (IM P U L S O IN S T IN T IV O OU P U LS Ã O ) Trata-se de uma representação psicológica inata de uma fonte de excitação corpórea. A representação psicológica chama-se desejo e a 22 • Intioduuio ò Psicologia da Educação excitação corpórea que o causa denomina-se necessidade. Por exem plo, no caso de uma pessoa faminta, ao afirmarmos que os tecidos do organismo apresentam deficiência nutritiva, estamos nos referindo ao estado fisiológico. Há, portanto, necessidade de alimentação. A re presentação psicológica desse estado é o desejo de alimentar-se. A pessoa faminta procura alimento, ficando mais sensível a estímulos que o sugerem, como o cheiro. Quer dizer, então, que os instintos são propulsores da personalidade, impulsionam o comportamento e de terminam a direção que ele deverá tomar. O instinto é a quantidade de energia psíquica necessária para movimentar as diferentes operações da personalidade. Os instintos tomados como um todo compõem a soma total de energia psíquica de que dispõe a personalidade. Têm sua sede no id e originam-se do pro cesso metabólico. Falamos acima que a excitação corpórea causa uma representação psicológica. Essas excitações podem surgir em diferentes partes do corpo e a região em que surgem constitui a fonte do impulso ou do instinto; trata-se, portanto, de uma condição ou necessidade do corpo. O objetivo primordial do instinto é reduzir a excitação, sendo essa re dução sentida como satisfação (princípio do prazer). Para satisfazer os impulsos instintivos é necessária a participação de algum objeto ou de alguma pessoa, que não são simplesmente a coisa específica ou as con dições que satisfaçam a necessidade, mas todo comportamento que visa a assegurar a coisa ou condição. No caso da pessoa faminta, ela tem que realizar certas ações para conseguir o que deseja, isto é, comer. Segundo a teoria freudiana, a fonte e o objetivo ou a finalidade do instinto permanecem constantes durante toda a vida, exceto quan do a fonte é mudada ou eliminada pela maturidade física ou quando surgem novos instintos, na medida em que aparecem novas necessi dades orgânicas. Por outro lado, o objeto ou os meios pelos quais a pessoa procura satisfazer seus impulsos variam no decorrer da vida como veremos no tópico sobre o desenvolvimento da personalidade. Isso é possível gra ças à capacidade de deslocamento da energia psíquica. Caso um objeto não esteja ao alcance da pessoa, devido à sua ausência ou à existência de barreiras na própria personalidade do indivíduo, a energia psíquica pode ser aplicada a outro. Dessa forma, os objetos podem ser substituí dos até que seja encontrado um que satisfaça o sujeito. C a p ítu lo I * A Contribuição da Psicanálise à Educaçao | 73 Esse deslocamento de energia de um objeto a outro é que asse gura a plasticidade da natureza humana e a versatilidade do compor tamento. Os interesses, os hábitos, as preferências e as atitudes dos adultos nada mais são do que deslocamentos de energia das escolhas objetais. Podemos afirmar ainda que o instinto tem uma força que é deter minada pela intensidade da necessidade subjacente. Por exemplo, no caso da pessoa faminta, quando a deficiência alimentar se torna maior, a força do instinto também aumenta. Em suma, os instintos apresentam quatro aspectos: uma fonte, um objetivo ou finalidade, um objeto e um impulso. 1 .5 .2 Q u a n t o s in s t i n t o s e x i s t e m ? Freud não se preocupou em enumerar os instintos existentes, mas classificou-os em dois grandes grupos: os instintos de vida e os de morte. Os instintos de vida são instintos que servem tanto para autocon- servação (fome, sede e fuga à dor) como para preservação da espécie (sexo). Freud atribuiu grande importância à sexualidade, um dos as pectos que caracteriza sua teoria, como um impulso básico e funda mental para o ajustamento da personalidade e chamou de libido a forma de energia pela qual os instintos de vida realizam sua tarefa. Trata-se, na verdade, de uma designação para a energia sexual. Mais adiante, no tópico sobre o desenvolvimento, veremos as maneiras pelas quais se satisfaz a sexualidade e que o objeto de interesse sexual varia muito ao longo da vida. Os instintos de morte são instintos destrutivos, menos evidentes do que os de vida, mas que cumprem sua função. Para Freud, a morte é a finalidade de toda vida e, portanto, toda pessoa tem desejo incons ciente de morrer. No entanto, ele não se referiu às fontes orgânicas dos instintos de morte, tampouco atribuiu nome à energia pela qual eles cumprem sua tarefa, mas desenvolveu argumentos em favor do desejo de morte. Para isso, apoiou-se no princípio de constância de Fechner, qual seja, que todos os processos vivos tendem a retornar à estabilidade do mundo inorgânico. Considerou que o desejo de morte nada mais é do que a representação psicológica do princípio de cons tância e que os impulsos agressivos são derivados dos instintos de 74 • Introdução à Psicologia da Educação morte. A agressividade é a manifestação de morte (autodestruição) contra objetos substitutivos. Os instintos de vida e de morte e seus derivados entram em ação agrupando-se, neutralizando-se ou ainda trocando de posição. Por exemplo, a alimentação representa a fusão da fome (instinto de vida) e da agressividade (instinto de morte), pois o comer envolve o mor der, mastigar e triturar a comida. O amor, derivado do instinto de vida, portanto sexual, pode tanto neutralizar o ódio, que é instinto de mor te, bem como tomar seu lugar. 1 .5 .3 D i s t r i b u i ç ã o d a e n e r g i a p s íq u ic a Dissemos que os instintos contêm toda a energia psíquica que os três sistemas da personalidade (o id, o ego e o superego) utilizam para realizar seu trabalho. Sabemos também que a quantidade de energia disponível é limitada. Como se dá, então, a distribuição e a utilização dessa energia por eles? Como há um limite de quantidade de energia disponível, os dife rentes sistemas a disputam. Quando há maior quantidade de energia em um sistema, este se torna preponderante sobre os demais, a não ser que nova energia seja acrescentada ao sistema todo. 1 .5 .4 M e c a n is m o s d e d e f e s a d o e g o O mundo contemporâneo leva as pessoas a viverem situações com altas doses de ansiedade. Mas a função da ansiedade é alertar o ego ou o “eu” para situações de perigo, controlando ou inibindo os desejos que vão ao encontro dessas situações. E, portanto, uma fun ção necessária ao desenvolvimento psíquico. O que se questiona hoje é o excesso de situações que provocam ansiedades a que estamos expostos. Sabe-se, no entanto, que o ego pode empregar e emprega real mente a qualquer momento todos os processos de sua formação e função para sua defesa. () objetivo do presente item é apresentar algumas atividades es pecíficas de defesa do ego. São processos que se referem principal- mcntc às defesas do ego contra o id. E importante assinalar que esses mecanismos de defesa são inconscientes. C a p ítu lo I • A Contribuição da Psicanálise á Educação I 25 □ Repressão - é um mecanismo de defesa básico pelo qual os senti mentos, as lembranças e os impulsos proibidos são expulsos da consciência. Exemplo: o funcionário embriagado demonstra hosti lidade em relação ao chefe a quem sempre trata amistosamente quando sóbrio. □ Negação - trata-se de um mecanismo primitivo que consiste em negar um fato evidente. É geralmenteuma defesa contra a angús tia, negando a realidade. Exemplo: um fumante insiste em dizer não haver evidência empírica convincente de que fumar faz mal à saúde. □ Formação reativa - neste mecanismo expressam-se sentimentos opostos ao sentimento que produz ansiedade. Uma maneira de deter minar a natureza da formação reativa é responder às questões: de que ameaça o psiquismo, ou o ego, está se defendendo? Quais são os impulsos ameaçadores para o ego? Se a ameaça for o ódio, este aparecerá sob o disfarce do amor; se o sentimento temido é o amor, este estará disfarçado em ódio. Assim, o amor pode aparecer substituindo o ódio, a gentileza pode substituir a crueldade, a ordem e a limpeza podem substituir o pra zer da sujeira etc. Na formação reativa, a conduta expressa o con flito entre o senso moral e um comportamento inaceitável. Um aluno pode abandonar atitudes que não são socialmente aceitas pelos professores, como também apresentar atitudes inversas. As sim, um adolescente pode mostrar-se hostil a uma colega, objeto de amor não correspondido. □ Projeção - mecanismo de defesa que consiste em atribuir incons cientemente ao outro, e, de forma mais geral, em perceber no mun do exterior, suas próprias pulsões e conflitos interiores. Na proje ção, é possível liberar afetos intoleráveis. Um marido extremamen te ciumento pode não ter consciência de seus impulsos de infideli dade. Um professor, crítico ácido da incompetência dos alunos, pode, inconscientemente, esconder o medo de sua própria incom petência. Na projeção, quando se diz “ele me ama”, o significado é “eu o amo”, quando se diz “ela me ofendeu”, pode-se entender “eu a ofendi”. A projeção é um mecanismo que desempenha um papel importan te nos primeiros estágios da infância. Assim, uma criança, quando acusada de ter quebrado algum objeto, pode atribuir a outra crian 26 • Introdução à Psicologia da Educação ça o seu ato. Um indivíduo preconceituoso também pode justificar suas ações com base em experiências negativas anteriores. Na patologia mental, a projeção adquire uma importância particu lar. Ocorrem, muitas vezes, acusações graves do tipo “fulano me violentou”. No caso, esse comportamento pode ser denominado como paranoico. □ Racionalização - justificação de um comportamento cujas razões verdadeiras são ignoradas, ou melhor, apresentação de explicações que justifiquem certas ações. Em geral, essas explicações não são convincentes, mas o indivíduo acredita nelas. Exemplo: um escri tor magoado por ter sido preterido pela namorada fica sabendo que ela se casara e partira com o marido em viagem de núpcias, num navio. Escreve, então, a história do naufrágio de um navio em que um jovem casal, em viagem de núpcias, morre. Dessa forma, leva a cabo seu sentimento de vingança, de revanche, por meio de uma ação racional. Usa racionalmente a lógica da emoção. Na raciona lização, usam-se explicações racionais para uma razão de ordem emocional. Assim, um político que perdeu a eleição explica aos eleitores que houve fraude. □ Fixação - é a permanência num estágio primitivo de desenvolvi mento. Como veremos adiante, o desenvolvimento da sexualidade passa por fases bem definidas até se alcançar a maturidade. Essas passagens, no entanto, não são indolores. A ocorrência de frustra ções e ansiedades pode acarretar uma parada temporária ou per manente do desenvolvimento. A pessoa pode, enfim, fixar-se em um dos estágios da sexualidade. Um exemplo clássico desse me canismo é o prazer voyeur, ou seja, o prazer provocado pela visão de órgãos ou atos sexuais. No caso em questão, a fixação remonta à fase fálica do desenvolvimento, à curiosidade infantil de ver os órgãos genitais alheios. □ Regressão - o mecanismo da regressão consiste em retornar a um estágio anterior de desenvolvimento. A fixação, às vezes, e a regres são, em particular, constituem mecanismos de defesa que ocorrem em condições relativas, pois raramente acontecem de uma forma completa. Isso significa que ambas surgem em determinadas situa ções e desaparecem com a resolução do conflito que as originou. Exemplos clássicos de regressão denotam certos traços infantis de conduta. E o caso da criança que em seu primeiro dia escolar pode C a p ítu lo I • A Contribuição da Psicanálise à Educaçao I 27 voltar a chupar o dedo, urinar etc., ou da aluna de 5a série em busca da “tia” única. □ Deslocamento - mecanismo psíquico inconsciente pelo qual uma descarga afetiva (emoção, impulso) é transferida de seu objeto ver dadeiro para um elemento substituto. Desloca-se a ação ou senti mento para um outro objeto, diferente do original. Exemplos: me ninos inconformados por terem perdido o jogo de futebol chutam furiosamente as traves do campo; humilhado pelo patrão, o mari do bate na esposa. □ Sublimação - é, possivelmente, o mecanismo de defesa do ego mais importante para os nossos propósitos, ou seja, para a relação entre a Psicanálise e a educação. Introduzido por Freud, esse ter mo designa o mecanismo de defesa pelo qual certos impulsos in conscientes são desviados de seus objetos primitivos para fins so cialmente úteis e integram-se à personalidade. A sublimação tem um papel importante na adaptação do indivíduo a seu meio, per mitindo seu ajustamento social sem, contudo, inibir o seu desen volvimento pessoal. Na sublimação é possível canalizar pulsões destrutivas para fins socialmente úteis. O exemplo clássico é a ca nalização da agressividade para determinadas atividades profissio nais socialmente valorizadas, como no caso dos cirurgiões. 1.6 Fases do D esenvolvimento da Sexualidade Infantil No trabalho citado anteriormente, A sexualidade infantil, Freud postula a existência na sexualidade humana de impulsos presentes desde a infância, os chamados impulsos ou pulsões parciais, que de sempenham importante papel na educação. Esses impulsos ou pulsões parciais seriam aspectos perversos da sexualidade infantil. Perversos por serem desvios do impulso sexual em relação ao seu objeto e ao seu fim. Freud percebeu que existe na vida sexual infantil uma organização entre esses impulsos ou pulsões sexuais. Agrupou-os então em fases de desenvolvimento. Alguns au tores denominam fases de desenvolvimento da libido. Libido, é im portante lembrar, é o nome usado na Psicanálise para designar a ener gia sexual. As fases ou estágios do desenvolvimento são: fase oral, fase anal, fase fâlica, período de latência e fase genital. 28 • Introdução a Psicologia da Educação 1 .6 .1 F a s e o r a l Nesta fase, que dura aproximadamente o primeiro ano da vida da criança ou um ano e meio, a zona oral desempenha o papel princi pal - o prazer advém da sucção. A boca e sua extensão, como os lábios e a língua, constituem a zona erógena (zona de prazer). Os ob jetos escolhidos são os seios ou seus substitutos, como os dedos, a chupeta, alimentos etc. As crianças, no estágio oral, levam qualquer objeto à boca, mordendo-o ou sugando-o. O mundo, nessa fase, tem características de boca. Assim, o “gostar” ou “não gostar” da criança poderia ser expresso como “quero colocar na boca” ou “quero tirar da boca”. Daí advêm expressões usuais como “uma leitura gostosa”, “quero morder o bebê” etc. O prazer de fumar, beber, beijar, declamar poesia, fazer discursos e, de forma mais agressiva, morder prova que a fase oral não desaparece total mente. A medida que o desenvolvimento da criança prossegue, impõe- -se a necessidade de desmame, surgem as tentativas de uso da lingua gem e a percepção de outras pessoas. Esses fatos precipitam a perda da primazia da boca e a criança passa para a segunda fase do desen volvimento da libido, a fase anal. 1 .6 .2 F a s e a n a l A duração da fase anal pode ser estimada em aproximadamente um ano e meio. Nessa fase, o ânus constitui a zona privilegiada das tensões e gratificações sexuais. A sensação de prazer ou desprazer está associada à expulsão (defecação) ou à retenção das fezes.O prazer advém também da ma nipulação das mesmas. Nesse estágio aparece a oposição, presente na vida sexual, entre o ativo e o passivo, mas ainda não caracterizada, segundo Freud, pelo masculino e feminino. Na passagem da fase oral para a fase anal, a educação esfincteriana, ou seja, o controle da eva cuação, tem papel relevante. Ao conseguir controlar seus esfíncteres a criança tem a sensação de poder controlar também seus impulsos. Os resquícios da fase anal podem ser percebidos na idade adulta na forma como os indivíduos administram sua vida econômica, tornan do-se perdulários ou generosos (a expulsão), parcimoniosos ou mesmo C a p ítu lo I • A Contribuição da Psicanálise à Educação I 29 avarentos (retenção), ávidos em dominar ou que se satisfazem retendo... Esses resquícios aparecem também no desejo passivo de sempre rece ber do mundo (retenção) ou na intolerância às frustrações e limites, no desejo de expulsá-los. Na repressão aos impulsos anais, o indivíduo poderá tornar-se obcecado por limpeza. São considerados substitutos prazerosos para as fezes a massa de modelar, o barro, a massa de pão, entre outros. A fixação ou perma nência do impulso sexual nessa fase pode ser encontrada de forma sublimada nos escultores, pintores etc. Observa-se, portanto, que os selos ou marcas características de cada estágio permanecem, não desaparecendo totalmente. Após as colocações acima, é possível imaginar como as desco bertas de Freud devem ter sido chocantes em sua época, já que ainda hoje elas nos perturbam, deixando-nos momentaneamente incrédulos! 1 .6 .3 F a s e f á l i c a No entanto, a terceira fase do desenvolvimento da libido, a fase fálica, deve ter provocado um escândalo maior ainda! O estágio fálico ocorre por volta dos três ou quatro anos de idade e as zonas erógenas localizam-se nos órgãos genitais. Denomina-se fase fálica porque o pênis (= falo) é o principal objeto de interesse da criança de ambos os sexos. Na menina, o clitóris é o correspondente feminino do pênis. O desejo de ver os órgãos genitais de colegas e de exibir os pró prios são manifestações características da fase fálica, assim como o desejo de manipulação dos órgãos genitais. O voyeur seria o adulto fixado na primitiva curiosidade infantil de contemplar o outro. A vi são seria sua única via de obter prazer, sendo refém desse sentido. Também o exibicionista em sua ânsia de mostrar seus órgãos genitais e ser visto estaria fixado no estágio fálico. É importante observar que as fases de desenvolvimento sexual não são, como já foi dito, realmente abandonadas. A passagem de uma fase à outra significa integração, mas não o desaparecimento total da ante rior. Portanto, em várias situações pontuais da vida ou até mesmo de maneira mais persistente, as pessoas podem apresentar as marcas de uma determinada fase. 30 • Introdução à Psicologia da Educação As fases configuram práticas perversas, isto é, desvios da sexuali dade que acontecem tanto no indivíduo normal como no chamado neu rótico durante o desenvolvimento da sexualidade. Apesar das marcas ou selos, elas estão, no entanto, submetidas ao domínio da genitalidade. Complexo de Édipo É na fase fálica, também denominada estágio edipiano, que Freud localiza o aparecimento de uma relação triangular singular entre pai, mãe e filho, que configura o complexo de Édipo. Trata-se de uma relação de amor que tem como objeto o proge- nitor do sexo oposto - mãe, no caso do menino; pai, no caso da me nina - e impulsos de rivalidade e ciúme do progenitor do mesmo sexo. O nome complexo de Édipo origina-se na tragédia grega Édipo - rei, escrita por Sófocles. A história de Édipo, o rei mítico de Tebas que mata seu pai e se casa com a mãe, aparece assim resumida por Freud em seu livro A interpretação dos sonhos (parte I, p. 277): Édipo, filho de Laio, Rei de Tebas, e de Jocasta, foi en- jeitado quando criança porque um oráculo advertira Laio que a criança que ainda não nascera seria o assassino de seu pai. A criança foi salva e cresceu como príncipe numa corte estran geira, até que, em dúvida quanto à sua origem, ele também interrogou o oráculo e foi advertido que evitasse o seu lar, vis to que estava destinado a assassinar seu pai e receber a mãe em casamento. Na estrada que o levava para longe do local que ele acreditava ser seu lar, encontrou-se com o Rei Laio e o matou numa súbita rixa. Em seguida, dirigiu-se a Tebas e re solveu o enigma apresentado pela Esfinge que lhe barrava o caminho. Por gratidão, os tebanos fizeram-no rei e lhe deram a mão de Jocasta em casamento. Ele reinou por muito tempo com paz e honra, e ela que, sem que ele soubesse, era sua mãe, lhe deu dois filhos e duas filhas. Foi quando, então, irrompeu uma peste e os tebanos interrogaram mais uma vez o oráculo. É neste ponto que tem início a tragédia de Sófocles. Os mensa geiros trazem de volta a resposta de que a peste cessará quan do o assassino de Laio tiver sido expulso do país. Mas ele, C a p ítu lo I * A Contribuição da Psicanálise á Educaçao I 31 onde está ele? Como encontrar agora os vestígios desse crime tão antigo? A ação da peça consiste em nada mais do que o processo de revelar, com pausas engenhosas e sensação sem pre crescente - um processo que pode ser comparado ao traba lho de uma psicanálise que o próprio Édipo é o assassino de Laio, mais ainda, que ele é o filho do homem assassinado e de Jocasta. Apavorado com a abominação que ele inadvertidamen- te perpetrara, Édipo cega-se a si próprio e abandona seu lar. A predição do oráculo foi cumprida. Explica Freud que o destino de Édipo nos comove porque pode ría ser o nosso. É como se o oráculo tivesse lançado sobre nossa ca beça igual maldição antes de nascermos: É o destino de todos nós, talvez, dirigir nosso primeiro impulso sexual no sentido de nossa mãe e nosso primeiro ódio e nosso primeiro desejo assassino contra nosso pai. O Rei Édipo, que assassinou seu pai Laio e casou com sua mãe Jocasta, simplesmente nos mostra a realização de nossos pri meiros desejos de infância. Assim, o amor infantil dirigido ao progenitor do sexo oposto car rega também impulsos de ciúme e rivalidade dirigidos ao progenitor do mesmo sexo, representando a situação edipiana. Essa situação suscita sentimentos ambivalentes, ou seja, sentimentos de amor e ódio. Simul taneamente, a criança teme ser punida por seus desejos proibidos, o que gera nela sentimento de culpa. Enfim, vencida pelo sentimento de culpa e medo diante de um rival superior e poderoso (pai e mãe), a criança aceita renunciar ao seu objeto de amor. Transforma a rivali dade em identificação, isto é, em desejo de ser como o pai ou a mãe, antigos rivais. Mãe e pai transformam-se, dessa forma, em modelos constitutivos: a mãe para a filha, o pai para o filho. Essa situação edipiana constitui um ensaio geral dos amores futuros da criança. O estágio de vida que abrange o complexo de Édipo, a fase fálica, é de importância crucial para o psiquismo. Para o antropólogo Lévi-Strauss, a passagem da natureza para a cultura ocorre com a proibição do incesto. Segundo ele, a passagem pela fase edipiana enquadraria a criança à lei do incesto, integrando-a à ordem humana universal da cultura. 32 • Introdução à Psicologia da Educação Foi no inconsciente de seus pacientes que Freud descobriu as fantasias de incesto com o genitor de sexo oposto, associadas a ciú mes e rancores homicidas em relação ao genitor do mesmo sexo. No entanto, é importante assinalar que o complexo de Edipo encontra-se presente na vida mental tanto dos chamados neuróticos como das pessoas normais. A apresentação extremamente esquemática desse complexo constitui apenas um contato inicial com o assunto. Complexo de Castração No desenvolvimento do complexo de Edipo, o desejo sexual do menino pela mãe e sua rivalidade com o pai geram ressentimentos em relação à figura paterna. Dessa situação, origina-se no garoto o temor de que, enciumado,o pai possa puni-lo, castrando-o. Renuncia então aos seus desejos eróticos pela mãe, identificando-se com o pai, antigo rival. A esse choque afetivo, o temor à castração, denomina-se complexo de castração. Trata-se, na realidade, de um sistema incons ciente de emoções relacionadas ao valor simbólico do falo. A menina descobre no decorrer de seu desenvolvimento que o menino possui pênis, o qual não lhe foi dado pela mãe. A inveja do pênis corresponde, na menina, ao complexo de castração no menino. Enquanto o menino teme perder um objeto de valor, o pênis, a meni na sente-se prejudicada por não possuí-lo, buscando compensar essa falta no desejo pelo pênis paterno. Observa-se a angústia da castração em várias situações de perda e de separação do objeto, como no des mame e na defecação. Os complexos de Edipo e de castração fundamentam psicologi camente as diferenças sexuais. Narcisismo Uma das concepções de Freud bastante utilizadas na atualidade é o conceito de narcisismo. Em virtude de sua complexidade, o pre sente texto restringir-se-á à apresentação de algumas noções básicas sobre o tema. O narcisismo é caracterizado desde a Grécia antiga como o amor do indivíduo por si próprio. O poeta latino Ovídio imortalizou em seu livro Metamorfoses a lenda de Narciso, cuja síntese apresentamos a seguir: C a p ítu lo I • A Contribuição da Psicanálise à Educaçao I 33 Filho de Deus Céfiso, protetor de rio de mesmo nome, e. da Ninfa Liriope, Narciso era de uma beleza ímpar. Atraiu o desejo de mais de uma Ninfa, dentre elas Eco, a quem repeliu. Desesperada, esta adoeceu e implorou à Deusa Nêmesis que a vingasse. Durante uma caçada, o rapaz fez uma pausa junto a uma fonte de águas claras: fascinado por seu reflexo, supôs estar vendo um outro ser e, paralisado, não mais conseguiu desviar os olhos daquele rosto que era o seu. Apaixonado por si mesmo, Narciso mergulhou os braços na água para abraçar aquela imagem que não parava de se esquivar. Torturado por esse desejo impossível, chorou e acabou por perceber que ele mesmo era o objeto de seu amor. Quis então se separar de sua própria pessoa e se feriu até sangrar, antes de se despedir do espelho fatal e expirar. Em sinal de luto, suas irmãs, as Náiades e as Díades, cortaram os cabelos. Quando quiseram instalar o corpo de Narciso numa pira, constataram que havia se trans formado numa flor. O termo narcisismo, segundo Freud, encontra-se na descrição fei ta por Paul Nãcke (1899) para denotar a atitude de urna pessoa que rata seu próprio corpo como trata o corpo de um objeto sexual: contem plando-o, afagando-o. Freud remonta a compreensão do narcisismo à primeira infância, ao chamado narcisismo primário. Inicialmente, a li- bido do bebê não se relaciona com o mundo externo. O bebê não dis tingue o “eu” e o “não eu”. Sua única realidade é seu próprio corpo, com suas sensações físicas de frio, calor, sede, sono. A criança é para si mesma o objeto de amor. Gradativamente, porém, ela se percebe separada da mãe, do mundo externo. Ao perceber o mundo externo com suas normas e regras, transforma o seu narcisismo original em amor objetai. Segundo Freud, o indivíduo evolui do narcisismo abso luto para a capacidade de raciocínio e amor objetai. A pessoa normal, comum, amadurecida, é aquela cujo narcisismo atingiu um grau so cialmente aceitável. Todo indivíduo conserva, no entanto, um certo grau de narcisismo. Nas alucinações e nos delírios paranóicos a situação é semelhan te à do bebê. A diferença é que nelas o mundo exterior deixa de ser real, ao passo que para o bebê o mundo exterior não existe. Na aluci nação, a percepção não registra os fatos do mundo externo, apenas as experiências subjetivas. Foi por intermédio desses mecanismos de ruptura com a realida de exterior que Freud pôde desvendar a natureza do narcisismo. Nes 34 • Introdução à Psicologia da Educação te não se percebe a realidade de outra pessoa como diferente de sua realidade interna. Ocorre, assim, uma ausência de interesse genuíno pelo mundo externo. 1 .6 .4 P e r ío d o d e l a t ê n c ia O período fálico é de muita tensão e dificuldade para a criança, pois ela vive sentimentos edipianos. E quando ocorre também o de senvolvimento do superego. Após essa fase, a criança passa por um período mais calmo, denominado período de latência. Corresponde ao primeiro período de escolarização do ensino fundamental ( l â a 4a série) que antecede a adolescência. Segundo Freud, trata-se de um período de relativa estabilidade, mas fundamental para a aquisição de habilidades, valores e papéis culturalmente aceitos. O superego torna-se mais organizado, pois a convivência com outras pessoas, além dos pais, contribui não só para a formação do sistema de valores, mas também para confrontar diferentes sistemas, o que torna a criança mais flexível e tolerante. Embora o termo latência traga a ideia de calmaria, não significa que nesse período não haja dificuldades, mas apenas que nele não surgem novos problemas básicos de relações próximas. Essa fase é a mera consequência lógica da situação edipiana vivida anteriormente como desenvolvimento dos papéis sexuais e resultante da identifica ção da criança com o pai ou com a mãe e da acentuação do seu papel sexual, seja masculino ou feminino. Alguns autores afirmam que a teoria freudiana não capta o que ocorre nesse período com a mesma riqueza e profundidade que o faz em relação ao período pré-escolar ou aos problemas da adolescência. 1 .6 .5 F a s e g e n it a l Segundo a teoria freudiana, a estrutura básica da personalidade forma-se no fim da fase fálica. A adolescência seria a fase de reativação dos impulsos sexuais adormecidos durante o período de latência. Os períodos pré-genitais que antecedem essa fase são caracteri zados pelo narcisismo ou amor a si mesmo, isto é, o indivíduo tem C a p ítu lo I • A Contribuição da Psicanálise à Educação I 35 satisfação ao estimular e manipular o próprio corpo. Na fase genital, esse narcisismo é canalizado para escolhas objetais genuínas. O ado lescente estabelece uma relação de amor mais altruísta, um amor que tem como objetivo a felicidade do objeto amado e, simultaneamente, a sua própria, numa relação mútua satisfatória. Sob certos aspectos, o adolescente revive o período edipiano quando se sente atraído por uma pessoa do sexo oposto, deixando apenas de ser incestuoso o objeto do amor. Os impulsos libidinosos que antes se voltavam para figuras parentais podem ser dirigidos para pessoas que apresentam certas semelhanças com elas. Por exemplo, um rapaz pode sentir-se atraído por uma moça explicitamente seme lhante à mãe ou, ainda, pode haver semelhanças entre o pai da moça e seu namorado. Além da atração sexual, a socialização, as atividades grupais, a escolha profissional, a preparação para constituir uma família carac terizam essa fase do desenvolvimento, na qual o indivíduo, da criança narcisista em busca de prazer, torna-se um adulto socializado e orien tado para a realidade. Não significa, no entanto, que os impulsos das fases anteriores (oral, anal e fálica) sejam substituídos pelos da genital, mas eles se fundem e se sintetizam nos impulsos genitais. A reprodu ção é a principal função biológica dessa fase e os aspectos psicológi cos ajudam na realização desse objetivo. Quanto ao desenvolvimento da personalidade, Freud o vincula a quatro fontes principais de tensão: processo de crescimento fisiológi co, frustrações, conflitos e perigos. O indivíduo é obrigado a desen volver formas de reduzir tensões que emanam dessas fontes, o que o leva ao crescimento, à evolução. 1.7 Contribuição da Psicanálise à Educação 1.7.1 A REVOLUCIONÁRIA TEORIA DE FREUD CONTRIBUIU DE ALGUMA FORMA PARA A EDUCAÇÃO? Freud nutria esperança de que a Psicanálise, uma teoria explica tiva da natureza, do funcionamento e da forma de desenvolvimento do psiquismo, pudesse contribuir para reformar os métodos e objeti vos educacionais,exercendo, assim, uma ação profilática. 36 • Introdução à Psicologia da Educação Autoras como Catherine Millot, em Freud antipedagogo, e Ma ria Cristina Kupfer, em Freud e a Educação - o mestre do impossível, mostram que a Pedagogia e a Psicanálise caminham em sentidos opos tos. Enquanto a primeira tem como meta a estabilidade e a previsibi lidade, a segunda trabalha com um ferramental altamente imprevisível. Millot é mais categórica em sua posição, afirmando que a desco berta do inconsciente invalida qualquer tentativa de construir uma ciência pedagógica que evite recalques e neuroses. Embora a Psica nálise tenha esclarecido os mecanismos psíquicos em que se funda o processo educacional, tal esclarecimento não aumentou o domínio so bre esse processo. Para Kupfer, se como psicanalista Freud foi um antipedagogo, no sentido de não conseguir fundar sobre as descobertas da Psicanálise uma Pedagogia que prevenisse as neuroses, foi também um mestre da teoria psicanalítica ao difundir suas idéias alterando o panorama da cultura e da ciência de seu tempo até a contemporaneidade. Ele fundou o movimento psicanalítico, proferiu inúmeras conferên cias, provocando debates e polêmicas acirradas, e formou um círculo de discípulos envolvidos intelectual e emocionalmente em torno dele. Foi, portanto, um mestre. 1.7.2 A EDUCAÇÃO E O CONCEITO DE TRANSFERÊNCIA Por meio de suas análises, Freud elaborou o conceito de transfe rência, fenômeno presente em toda situação em que duas pessoas se relacionam frente a frente. Esse fenômeno foi observado inicialmente no tratamento analítico: formava-se entre o paciente e o médico uma relação emocional especial muito além dos limites racionais. Sabe-se hoje que essa relação pode variar entre a devoção e a admiração mais afetuosas até a inimizade e a hostilidade mais acirra das. Deriva das relações afetivo-sexuais anteriores e inconscientes do paciente. A transferência tanto positiva quanto negativa pode se trans formar em poderoso instrumento terapêutico desempenhando um pa pel relevante no processo de cura. A transferência encontra-se também presente na relação profes- sor-aluno e nos permite refletir sobre o que possibilita ao aluno acre ditar no professor e chegar a aprender. E, portanto, um poderoso ins trumento no processo de aprendizagem. Constitui-se, assim, numa contribuição essencial da Psicanálise à educação. C a p ítu lo I • A Contribuição da Psicanálise à Educação I 37 1.7.3 A EDUCAÇÃO E O PROCESSO DE SUBLIMAÇÃO E importante lembrar, para compreensão do assunto em pauta, que o conceito de sexualidade para a Psicanálise é bastante amplo. Em seu livro Dois verbetes de enciclopédia (p. 297), Freud escreve o seguinte: Tornou-se necessário ampliar o conceito do que era sexual, até abranger mais que o impulso no sentido da união dos dois sexos no ato sexual ou da provocação de sensações agradáveis específicas nos órgãos genitais. Essa ampliação foi, porém, re compensada pela nova possibilidade de apreender a vida sexual infantil, normal e perversa, como um todo único. Podemos dizer, enfim, que a sexualidade se refere a tudo aquilo que pode provocar prazer e que se encontra em toda atividade humana. Mesmo a amamentação é uma experiência prazerosa, tanto para o bebê que suga o seio como para a mãe que o amamenta. Observa-se com isso a visão ampliada da sexualidade, caracteri zando sua plasticidade e flexibilidade. Assim, apesar de o desenvolvimento da sexualidade pressupor, na idade adulta, práticas genitais, isso nem sempre ocorre. Na perver são adulta, por exemplo, o impulso parcial recusa a submeter-se ao domínio genital. Há fixação numa fase infantil, como no exemplo clássico do voyeur, que só encontra prazer pela visão das práticas ou dos órgãos sexuais alheios. Do mesmo modo como acontece na crian ça, o impulso sexual não está associado a um objeto definido, poden do ser atingido por diversas vias. Dessa forma, observam-se novamente aspectos flexíveis na sexua lidade humana, como a possibilidade de se passar do domínio genital para os estágios anteriores de desenvolvimento. Observa-se, sobretudo, que o impulso sexual não possui uma fixação, como ocorre com o instinto. O objeto pelo qual se satisfaz lhe é indiferente, podendo ser tanto uma mulher como uma parte de seu corpo, os pés, por exemplo. Ele é desviante, intercambiável e pode ser direcionado para fins não propriamente sexuais, como na sublimação. A sublimação implica no desvio de uma pulsão do desejo direta mente sexual para um fim socialmente útil. Por intermédio do meca 38 • Introdução à Psicologia da Educação nismo da sublimação os indivíduos podem dedicar-se a atividades “espiritualmente elevadas” como as relacionadas com a arte, a ciên cia, a promoção de valores humanos e de melhores condições de vida. Por serem impulsionadas pela energia sexual, embora sua finalidade não seja diretamente o sexo, é possível perceber a presença da libido nessas atividades. O prazer na realização de uma tarefa, mesmo de natureza tênue, traz a marca de sua origem sexual no empenho e na paixão com que alguns indivíduos dedicam-se a ela. 1.7.4 A EDUCAÇÃO E A SEXUALIDADE Inicialmente Freud associou a doença nervosa a uma educação moral repressora. As noções de pecado, pudor, vergonha inibiríam os impulsos sexuais limitando seu desenvolvimento. A doença nervosa poderia ser, então, resultado das restrições morais excessivas. No en tanto, Freud chegou à conclusão de que existiría no interior da sexua lidade um componente de desprazer que reforçaria a moralidade. Além disso, percebeu que uma satisfação plena dos impulsos é impossível e até mortal. A preservação da vida tanto do indivíduo como do grupo implica no recalque - repressão sexual profunda e inconsciente - da sexualidade. A Psicanálise, enfim, pode contribuir com a educação delimitan do uma de suas tarefas: conseguir o equilíbrio usando sua autoridade na correção educativa necessária, mas não de forma excessiva. O presente espaço é evidentemente exíguo para um debate mais aprofundado dessa questão. Aliás, uma questão que pela sua comple xidade e importância merecería um olhar mais atento dos estudiosos, seja da Psicanálise, seja da Educação. 1.7.5 A EDUCAÇÃO E OS IMPULSOS PARCIAIS Uma vez que a possibilidade de suprimir os impulsos parciais, além de inútil, pode levar à neurose, é importante que o educador saiba utilizar a energia desses impulsos. No caso do olhar do voyeur, é preciso conduzi-lo para que possa contemplar o mundo e os objetos a sua volta, compreendê-los e estabelecer um novo saber que permita C a p ítu lo I • A Contribuição da Psicanálise à Educação I 39 transformar sua curiosidade em desejo de conhecimento, em curiosi dade intelectual. Em relação à pulsão da sucção, é fundamental que o professor não recrimine a criança por levar à boca qualquer objeto, mas que lhe forneça “alimentação” por meio de bons objetos, como conhecimento, e de atividades lúdicas e artísticas, a fim de nutri-la intelectualmente. Ao mostrar a existência de uma sexualidade infantil constituída por aspectos perversos, a Psicanálise aponta também para a existência de um mal inato no ser humano. Todavia, em vez de exor cizá-lo, a Psicanálise propõe o desvio desse “mal” para fins úteis à sociedade mediante a sublimação. Esta parece ser a proposta da Psicanálise para a educação: que o educador possa buscar com o educando o justo equilíbrio entre o pra zer individual e as necessidades coletivas. Também o professor colombiano Américo Calero expressa em seu texto “Notas sobre a concepção de Educação de Freud” sua preo cupação com as relações entre a Psicanálise e a educação. Diz o autor que na extensa obra de Freud não se encontra uma teoria sistemática e integrada sobre educação e assinala uma evolução nas concepções de Freud sobre o papel do educador. Nos seus primeiros trabalhos, quando abordava a repressão so bre a criança para que ela se adaptasseà vida social, Freud considera va secundário o papel do educador. Em 1918, colocou que a dissi mulação dos adultos no trato com a sexualidade levava as crianças à neurose ou à perversão. Defendeu a educação sexual da criança, ressal tando que se deveria responder a todas as suas perguntas, e assinalou que um dos erros mais prejudiciais, pelo perigo de levar à neurose, é ocultar da criança a realidade sobre a sexualidade e amedrontá-la com argumentos religiosos. Embora tenha privilegiado a educação em função da sexualida de, segundo Calero em 1911 Freud começa a insistir em uma “educa ção para a realidade”. Ou seja, a Educação deveria ser considerada um estímulo para a submissão do princípio do prazer ao princípio da realidade. Uma educação para a realidade teria como objetivo impe dir o homem de permanecer na infância levando-o a enfrentar a vida, a dura “vida inimiga”. Outra tarefa do educador seria conseguir um equilíbrio justo en tre a permissão e a proibição, isto é, sacrificar o mínimo de prazer sem entrar em choque com as exigências da sociedade. 40 • Introdução u Psicologia da Educação 1.7.6 PSICOPEDAGOGIA E PSICANÁLISE O termo Psicopedagogia é usado, comumente, em português, francês e espanhol para referir-se à psicologia dos processos ligados à aprendizagem e ao ensino. Não há um termo correspondente em in glês, apenas designações como Psicologia Educacional, Psicologia do Ensino, Psicologia da Aprendizagem etc. Segundo a Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp), esta é entendida como a área que estuda e lida com o processo de apren dizagem e suas dificuldades. A Psicopedagogia tem sua origem, no Brasil, na fragmentação da educação - a Pedagogia de um lado e a Psicologia do outro - em decorrência da própria extensão do processo educacional, o que levou ao surgimento de diferentes ciências aplicadas à educação, como So ciologia da Educação, Psicologia da Educação etc. Seu objeto de estudo é a pessoa a ser educada, seus processos de aprendizagem e as alterações de tais processos, visando a resolver proble mas de aprendizagem mediante o atendimento individual e terapêutico, tendo o profissional uma atuação remediativa. Ampliou-se, porém, seu objeto de estudo para uma realidade institucional, como a escolar, a hos pitalar e a da comunidade, atingindo diferentes faixas etárias e de escolarização, tanto em atuação remediativa quanto preventiva. Em seu campo teórico, há inúmeras abordagens acerca das difi culdades de aprendizagem. Nesse contexto, visualizamos a contribui ção da Psicanálise em algumas delas. Citaremos dois autores, repre sentantes da abordagem afetivo-cognitiva, talvez os mais difundidos e discutidos, que buscam na Psicanálise subsídios para a compreen são dos problemas de aprendizagem: Jorge Visca e Sara Pain. Jorge Visca elaborou a abordagem teórico-técnica denominada Epistemologia Convergente, uma integração das teorias de Piaget, da Psicanálise e da Psicologia Social de Enrique Pichon-Rivière, para conceituar aprendizagem e suas dificuldades. Por meio dela procura compreender a participação dos aspectos afetivos, cognitivos e do meio que convergem no processo de aprendizagem do ser humano. Ou seja, articula as dimensões afetiva e cognitiva como constituintes de um sis tema único, no qual há constante interjogo entre essas duas dimensões C a p itu lo I • A Contribuição da Psicanálise à Educação I 41 e no contato com o meio ocorre a evolução de cada uma e do sistema estabelecido. Para ele, a análise do interjogo construído pelas duas di mensões é fundamental, pois fornece subsídios para a compreensão da singularidade dos processos de aprendizagem de cada indivíduo. Sara Pain, por sua vez, apresenta uma proposta de trabalho sobre problemas de aprendizagem fundamentada e articulada sobre três teo rias: a Psicanálise, a teoria piagetiana e o materialismo dialético. Considera a participação do inconsciente na construção do conheci mento. Essa participação constitui nada mais que a articulação do de sejo e do conhecimento, um mecanismo afetivo que o indivíduo põe em funcionamento. A dificuldade de aprendizagem é vista como sin toma e, dessa forma, cumpre uma função positiva e integrativa dentro da estrutura total da situação pessoal. O não aprender, portanto, não se configura como o oposto do aprender. Para lidar com a dificuldade de aprendizagem, sua proposta é inter-relacionar os aspectos orgâni cos, intelectuais e o desejo do sujeito, este visto como um ser históri co. Busca nos esquemas propostos pela teoria psicogenética de Piaget auxílio para estudar as operações lógicas e na Psicanálise, subsídios da ordem de significação. As descobertas psicanalíticas como o inconsciente e a pulsão de morte são incompatíveis com a Pedagogia. Na medida em que o in consciente implica o imprevisível, o imponderável e a falta de con trole, impede a criação de uma metodologia pedagógico-psicanalíti- ca, a qual requer ordem, estabilidade e previsibilidade. A noção de inconsciente nos mostra que, embora o educador possa organizar seu conhecimento, ele não tem controle sobre o efeito que produz sobre seus alunos, mais especificamente, não tem acesso às repercussões inconscientes de tudo que ensina. Contudo, podemos dizer que a Psicanálise abre um novo olhar sobre o aluno, um ser que tem subjetividade e desejo, um ser cujas manifestações, muitas vezes de difícil aceitação, têm seus significa dos, da mesma forma que seus sintomas de não aprender. Além disso, a Psicanálise possibilita compreender certas dificuldades do aluno, na medida em que dá a conhecer o processo de desenvolvimento de sua personalidade. Ao educador ela possibilita reavaliar suas atitudes, suas práticas do cotidiano da sala de aula e sua concepção acerca da aprendizagem 4 2 • Introdução à Psicologia da Educação e serve para lembrá-lo de que possui os mesmos aparatos psicológicos do aprendiz. O processo de aprendizagem envolve, assim, um en contro do desejo de ensinar do professor com o desejo de aprender do aluno. Nessa perspectiva, a transferência que ocorre na relação aluno- -professor é fundamental. Exercícios 1) Quais são os pressupostos básicos da teoria psicanalítica? 2) Qual a função das três estruturas (o id, o ego e o superego) da personalidade? 3) Explique as relações entre id, ego e superego. 4) Observe uma criança nas fases oral e anal e apresente suas consi derações. 5) Dê dois exemplos dos seguintes mecanismos de defesa: projeção, repressão e formação reativa. 6) Extraia da relação entre o id, o ego e o superego, bem como das tensões e conflitos produzidos pela libido, situações que podem ser aplicadas na concepção e prática educacionais. G lossário Agressividade - em sentido restrito designa o comportamento hostil, destrutivo. Para a Psicanálise é a manifestação do instinto de morte. Consciente - é uma qualidade mental e envolve todos os conteúdos que são perceptíveis. E tudo aquilo que é conhecido. Deslocamento - consiste em deslocar o sentimento ou a ação para outro objeto diferente do original. Exemplo: a hostilidade em relação ao chefe pode ser deslocada para um funcionário subalterno. Ego - é uma das estruturas da personalidade que se origina do id mediante o contato com o meio externo. E o segundo sistema a se desenvolver na personalidade da pessoa e age como intermediário entre o id e as exigências do superego e do ambiente. C a p ítu lo I • A Contribuição da Psicanálise à Educação I 43 Fase anal - segunda fase da organização da libido, na qual a prima zia do prazer se encontra no ânus. Fase fálica - terceira fase da organização da libido, na qual o pênis é o objeto de interesse das crianças de ambos os sexos. Fálico origi- na-se de falo, que significa pênis. Fase oral - primeira fase da organização da libido, na qual a zona oral (boca, lábios, língua) desempenha o papel principal. Fim sexual - ato a que o impulso conduz. Fixação - permanência de
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