Buscar

Xenotransplante e suas Implicações Bioéticas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 8 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 8 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO 
INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS 
 
 
 
 
 
 
Sarah Stephanie Maurício de Abreu 
 
 
 
 
 
 
XENOTRANSPLANTE E SUAS IMPLICAÇÕES BIOÉTICAS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SÃO PAULO 
2021 
1. INTRODUÇÃO 
Ao decorrer dos anos, a biotecnologia se sujeitou a um elevado desenvolvimento e 
aprimoramento, que permitiram-na confeccionar novos mecanismos, instrumentos e 
medicamentos para atribuir ao ser humano uma qualidade de vida caracterizada, sobretudo, pela 
presença de saúde. Diante desse acréscimo científico, o âmbito médico de transplante adquiriu 
notoriedade por meio dos êxitos obtidos na realização de transplantes de órgãos, tecidos e partes 
do corpo humano. No entanto, inevitavelmente, impasses relacionados a carência de órgãos 
humanos se originaram, submetendo diversos pacientes, em estado débil de saúde, à espera 
durante um longo período nas filas de transplante, almejando a disponibilidade do órgão 
compatível requerido. 
Perante a essa restrição, cientistas iniciaram pesquisas referentes à doação de órgãos 
advindos de outras espécies animais para os seres humanos, devido a possibilidade de preparar 
e manipular previamente os órgãos. Denomina-se xenotransplante essa atuação, que na 
definição de Marcelo Coelho é “o transplante de um órgão, ou tecido, ou células de um animal 
a outro de espécie distinta, e é uma das grandes promessas da medicina para suprir as 
necessidades de órgãos, tecidos e células transplantáveis” (COELHO, 2004, p. 56). 
O comportamento humano, independentemente de sua natureza, seja ela boa ou má, 
sujeita-se às perspectivas éticas e, por meio do desenvolvimento técnico-científico, 
especialmente no âmbito biomédico e biotecnológico, houve o surgimento de diversas 
perplexidades éticas. O xenotransplante, como técnica biomédica empregada a fim de melhorar 
ou prolongar a vida do ser humano, também originou tais hesitações, tanto no seu 
desenvolvimento inicial quanto na aplicação de seus artifícios. O presente ensaio filosófico 
objetiva apresentar a temática da xenotransplantação, analisando-a sob a perspectiva dos 
princípios bioéticos. 
 
2. XENOTRANSPLANTE 
O ser humano, desde os primórdios, se atentava e presentemente ainda se atenta para a sua 
qualidade e perspectiva de vida. O artigo 22 do Código de Ética Médica (Resolução CFM, n. 
2.217 de 27/09/2018) admite que é vetado ao médico: “Deixar de obter consentimento do 
paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, 
salvo em caso de risco iminente de morte.”. Segundo esse artigo, o prolongamento da vida se 
sobrepõe a liberdade do paciente. 
O desenvolvimento da ciência, em diversos âmbitos, permitiu que avanços fossem 
realizados a fim de consolidar esses dois almejos da humanidade – aumento da qualidade e 
perspectiva de vida – por meio de variadas técnicas. Tem-se como exemplo dessas técnicas o 
transplante de órgãos, tecidos e partes do corpo humano, assim como a modificação genética, 
tanto de animais quanto de plantas. O xenotransplante, cujo prefixo “xeno” deriva da palavra 
grega “estranho”, refere-se ao transplante de órgãos, tecidos e células de animais, 
geneticamente modificados ou não, entre espécies distintas. 
 No início do século XVII, consolidou-se, na Inglaterra e França, ensaios de transfusões 
de sangue animal em humanos. O primeiro caso documentado de xenotransplante ocorreu em 
1902, a partir da utilização de um rim de porco em um receptor humano que apresentava 
insuficiência renal terminal. Diante da rejeição imunológica observada em diversas 
experimentações, a xenotransplantação presenciou um período de declínio. No entanto, o 
descobrimento de drogas imunossupressoras nos anos 50, e a sua utilização, posteriormente, 
permitiu o ressurgimento do interesse pelo xenotransplante. 
 Em 1964, Keith Reemtsma realizou o xenotransplante de rins de chimpanzés em seis 
indivíduos doentes. Ademais, nesse ano havia sido realizada a primeira transplantação cardíaca 
no homem por meio de um coração de um chimpanzé. No ano de 1982, em Loma Linda, no 
estado da Califórnia nos Estados Unidos, uma equipe de cirurgiões transplantou o coração de 
um babuíno em um paciente pediátrico, que ficou conhecido vulgarmente de Baby Fae. Os 
médicos apresentavam conhecimento de que a técnica não solucionaria a enfermidade, tendo o 
paciente falecido após 20 dias do transplante. 
A técnica do xenotransplante, ainda que apresente um número considerável de 
realizações, configura-se como experimental e suscita diversos questionamento bioéticos. O 
caso Baby Fae, por exemplo, gerou duas principais altercações, referindo-se elas à utilização 
de um bebê como objeto de experimentação em humanos e o sacrifício de um bebê babuíno 
para a consolidação do experimento. 
 
3. BIOÉTICA 
3.1. CONCEITO DE BIOÉTICA 
A Bioética originou-se no início da década de 1970, a partir da publicação de duas 
relevantes obras do pesquisador e professor norte-americano do âmbito oncológico, Van 
Rensselaer Potter. 
Van Potter se atentava para a dimensão que os avanços da ciência, sobretudo no 
segmento da biotecnologia, estavam adquirindo, e propôs um novo ramo do conhecimento para 
auxiliar os indivíduos a compreender e analisar as possíveis implicações, sejam elas positivas 
ou negativas, desses desenvolvimentos sobre a vida de todos os seres vivos. Ele sugeriu que se 
estabelecesse uma “ponte” entre duas culturas, a científica e a humanística, alegando que “Nem 
tudo que é cientificamente possível é eticamente aceitável”. 
Para Potter, “a proposição do termo bioética enfatizava os dois ingredientes 
considerados os mais importantes para alcançar uma prudência que ele julgava necessária: o 
conhecimento biológico associado a valores humanos. Essa proposta de Potter de associar 
biologia (entendida, em sentido amplo, como o bem-estar dos seres humanos, dos animais não 
humanos e do meio ambiente) e ética é o que, hoje se mantém como o espírito da bioética.” 
(DINIZ, 2017). Presentemente, a Ética é compreendida como uma teoria que estuda o 
comportamento moral, relacionando a moral como uma prática, entendida por Cortella (2007) 
como o “exercício das condutas”. 
A ciência Bioética objetiva indicar os limites e as finalidades da intervenção do ser 
humano sobre todas as formas de vida, identificar os valores de referência racionalmente 
proporíeis e denunciar os riscos das possíveis aplicações. 
 
3.2.PRINCÍPIOS BIOÉTICOS 
Os princípios bioéticos foram propostos, primeiramente, no Relatório de Belmont, de 1978, 
a fim de orientar as pesquisas envolvendo seres humanos e, em 1979, o filósofo utilitarista Tom 
Beauchamps e o teólogo deontologista James Childress, em sua obra denominada Principles of 
biomedical ethics, estenderam o emprego desses princípios para a atuação médica. 
Quatro são os princípios bioéticos, a saber: Beneficência, Não-maleficência, Respeito à 
Autonomia e Justiça. Comumente há a utilização desses princípios objetivando facilitar a 
defrontação de temas éticos e nesse ensaio filosófico, isso será realizado, analisando-os 
juntamente com a atuação do xenotransplante. 
 
3.2.1. Respeito à Autonomia 
De acordo com a concepção kantiana, o valor absoluto conferido ao ser humano, faz 
dele um fim em si mesmo, atribuindo-lhe dignidade, uma vez que não pode ser usado como 
instrumento e/ou objeto para o conseguimento de vontades de terceiros, devendo haver respeito 
um em relação ao outro. Essa concepção influencia o princípio do Respeito à Autonomia, que 
objetiva estabelecer o direito de o paciente determinar a decisão mais adequada para a sua vida 
e a obrigação do profissional de respeitar a sua autonomia. 
Algumas indagações podem ser realizadas considerando a abordagem bioética e o 
xenotransplante: “É ético modificar uma espécie para que esta sirva ao homem?” “Para 
melhorar o corpo humano, pode-se modificaro da outra espécie?” “É ético sacrificar um animal, 
sem seu “consentimento”, a fim de auxiliar o ser humano?” 
Progressivamente defende-se que os animais possuem dignidade, assim como o ser 
humano. No entanto, se o homem não pode ser utilizado como meio, objeto, instrumento, por 
que os animais poderiam? Diante do livre arbítrio, é certo que a humanidade apresenta 
possibilidade de escolha, segundo sua própria vontade, para fornecer, ou não, órgãos, tecidos e 
partes de seu corpo, tendo em vista que não se obriga indivíduos a se admitirem doadores. 
Entretanto, quanto a essa possiblidade de escolha, nota-se, considerando o animal, um não 
consentimento para a realização do transplante, uma vez que não se obtém resposta por sua 
parte para a pergunta: “Você é doador de órgãos? Outrossim, pode-se admitir que a vida de 
todos os seres vivos possui mesmo valor? Há distinções quanto a priorização? 
Ao Superior Tribunal de Justiça foi direcionado um habeas corpus em favor da liberdade 
de dois chimpanzés: HC 96344/SP. O ministro Castro Meira indeferiu o mandato liminarmente, 
porém, em sede de agravo regimental, o também ministro Herman Benjamin solicitou vista. 
Contudo, o julgamento não foi concluído devido a desistência do recurso. Existem diversos 
casos jurídicos relacionados aos animais, e não é raro, obter-se a mesma conclusão: “pedido 
denegado”. Nota-se que, comumente, nega-se a condição de sujeito de direitos aos animais, 
negando-lhes também, dignidade. 
O filósofo francês René Descartes (1596-1650) alegava que os animais seriam como 
“máquinas sem alma”, ou seja, suas atuações se baseariam em instintos, não possuindo caráter 
consciente. A sua admissão foi amplamente difundida, direcionando os indivíduos a pensarem 
do mesmo modo. O também filósofo Jeremy Bentham (1748-1832) defendeu que para 
determinar o modo adequado de tratar os animais, deve-se considerar a sua capacidade de sofrer 
e não se eles são dotados de razão ou linguagem. 
Posteriormente, Charles Darwin (1809-1882) admitiu que a atividade mental dos 
animais deve ser semelhante àquela dos humanos, indicando assim que os animais seriam seres 
com ao menos algum grau de consciência. Essa ponderação é primordial, tendo em vista que, a 
priori, o artigo 82 do Código Civil assume os animais como coisas: “São móveis os bens 
suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância 
ou da destinação econômico-social”. Salienta-se que, de objetos para a satisfação humana, 
instrumentos, os animais seriam vistos como fins para si mesmo, expandindo-se, segundo a 
definição da filosofia kantiana, para além do antropocentrismo. Expandindo-se, pois, “Na 
concepção kantiana, apenas, o homem teria o atributo da dignidade, valor absoluto de possuir 
vontade própria e autoconsciência com a capacidade de agir de maneira distinta de um mero 
espectador e de tomar decisões, perseguindo seus próprios interesses” (SILVA, 2009). Só o 
Homem teria, portanto, nessa visão limitada, valor absoluto. 
Devido a influência da colocação de Descartes, alguns pesquisadores e uma porção 
considerável da população ainda apresenta dificuldade em assumir que alguns grupos de 
animais são seres sencientes. Ramiro Délio Borges de Meneses, por exemplo, sustenta que o 
animal não possui direitos, no entanto, o ser humano possui deveres para com o animal, 
especialmente o de evitar o seu sofrimento (MENESES, 2010). 
A senciência pode compreendida como o nível basilar da consciência, ou seja, é a 
capacidade de sentir, conscientemente, as sensações mais básicas. O doutor Gilson Volpato 
define senciência como a “habilidade de subjetivamente experimentar dor, frio, conforto, 
desconforto, e conscientemente diferenciar estados internos como bons ou ruins, agradáveis ou 
desagradáveis”. Esse conceito é fundamental para as considerações de bem-estar animal, pois 
ao considerar os animais como seres sencientes, assume-se que eles são seres capazes de, 
conscientemente, sofrer em situações dolorosas, desconfortáveis ou frustrantes. Portanto, os 
seres humanos se responsabilizam, de acordo com o viés ético e moral, pelas condições nas 
quais os animais são mantidos, sejam eles domesticados ou não, após a isenção de sua condição 
natural, situando-se sob os cuidados humanos. 
Diante do exposto, pode-se inferir que o conceito atribuído ao princípio bioético do 
Respeito à Autonomia não tem se aplicado aos animais, especificamente no exercício do 
xenotransplante, uma vez que eles são infringidos e submetidos a situações que desrespeitam o 
seu consentimento. É evidente que, ainda que se alegue que o animal não apresenta consciência, 
devendo se submeter a tutela humana e, consequentemente, às suas decisões para o seu bem-
estar, o seu grau “primitivo” de consciência o atribui o direito de se isentar de qualquer atividade 
que o ocasione dor. Em face ao xenotransplante, a senciência animal permite que os indivíduos 
animais sintam dor, pois são expostos a circunstâncias de extremo dano mental e físico, as quais 
claramente na natureza não se sujeitariam e se obtivesse o mesmo grau de consciência humana, 
não escolheriam, segundo sua própria vontade, presenciá-las. Esse dano mental e físico advém 
dos experimentos que são requeridos para a realização do xenotransplante. Ademais, a depender 
do requerimento do órgão da espécie, essa presencia também a morte, que não é livre de dor e 
sofrimento. 
 
3.2.2. Não-maleficência e beneficência 
O princípio bioético da beneficência confere aos médicos e profissionais que lidam com 
a vida o dever de empregar o tratamento para o bem do enfermo, enquanto o da não-
maleficência impõe a obrigação de não acarretar dano intencional ao doente, ocasionando o 
agravamento de seu caso. 
Diante da definição desse princípio, pode-se indagar: Vale a pena transgredir os direitos 
dos animais, a sua dignidade? Vale a pena adiantar a “morte natural” do animal? Não seria 
melhor ele estar diante da morte de outro modo? Vale a pena o ser humano ser receptor de 
órgãos advindos de outra espécie? Vale a pena o ser humano se “lançar” em uma possibilidade 
de prolongamento de vida, ainda que não haja certezas, decretando a morte a outro animal? 
Para a ocorrência do alotransplante – transplante de órgãos, tecidos, células e partes do 
corpo advindos de uma mesma espécie – é necessário que o receptor se sujeite aos 
imunossupressores, pois eles auxiliam para que os órgãos não sejam rejeitados. No entanto, 
esses imunossupressores fragilizam o organismo, tornando-o suscetível a adquirir diversas 
doenças. Os imunossupressores requeridos para a realização da xenotransplantação são 
ministrados em doses ainda maiores a que as utilizadas no alotransplante, tornando o organismo 
ainda mais frágil e sujeito a doenças. Além disso, enfermidades que caracteristicamente 
somente afetam os animais podem atingir os seres humanos por meio do xenotransplante. 
Ante da xenotransplantação e o uso dos imunossupressores requeridos para a sua 
realização, por exemplo, pode-se ponderar que há a presença de mais malefícios a que 
benefícios, ainda que alegações do tipo “Ao menos há a possibilidade de salvar uma vida” 
possam se originar. 
A vida humana é tão mais importante a que de outros animais? Haveria coerência em 
atribuir maior significância a uma espécie? Não. Ela não é mais importante e não há sentido em 
atribuir maior relevância a uma espécie, tendo em vista que todas elas derivam de um mesmo 
ancestral comum e são, em grande parte, seres sencientes, podendo buscar se isentar de qualquer 
atividade que, de modo direto ou indireto se relacione a intensão, e os ocasione dor. Assim, não 
é válido adotar o princípio bioético da Beneficência, promovendo o prolongamento da vida de 
um paciente humano a partir do xenotransplante, se o princípio da Não-maleficência for 
violado, pois para que o paciente tenha sua vida prolongada, um danointencional em um 
paciente animal será acarretado, envolvendo a sua morte. 
 
3.2.3. Justiça 
O princípio da justiça estabelece como condição fundamental a equidade, admitindo a 
obrigação ética de tratar cada indivíduo conforme o que é moralmente correto e adequado, 
atribuindo a cada um o que lhe é devido. Perante a esse princípio e ao requerimento necessário 
para a atuação do xenotransplante, surge a pergunta: é moralmente adequado e correto alterar a 
essência de um animal somente para a realização dessa técnica? 
O xenotransplante requer para a sua realização a ocorrência de uma modificação genética 
no animal que atuará como doador de órgãos, por meio da introdução de um ou diversos genes 
humanos a fim de evitar a rejeição posterior dos órgãos, transformando-o em um transgênico. 
Segundo Pietro Alarcón, “o conjunto de genes de uma espécie ou de um indivíduo 
particularmente considerado denomina-se Genoma. Cada espécie tem o seu número ou padrão 
genômico próprio” (LORA ALARCÓN, 2004, p. 120). Alterar o gene, o Genoma, implica na 
modificação do ser ou da espécie. 
Logo, pode-se afirmar que o xenotransplante modifica a natureza do animal, uma vez 
que combina materiais genéticos interespécies – animal humano e não humano. Essa atuação 
estabelece em situação de risco não apenas os animais como toda a humanidade e o ecossistema, 
pois pode ocorrer a recombinação gênica de fatores maléficos, como vírus, por exemplo, entre 
o ser humano e o animal. 
Atentando-se para a admissão do princípio bioético da justiça de que é uma obrigação 
ética tratar os indivíduos conforme o que é moralmente correto e adequado, é possível assegurar 
que não é correto, nem muito menos adequado, infringir o patrimônio genético de uma espécie 
que é digno de tutela do Direito Penal, somente para que haja a realização do xenotransplante. 
Essa possibilidade de novas formas de seres vivos requer uma profunda reflexão antes da 
experimentação e da prática, que certamente aconselhará a moderação, evitando a criação de 
seres híbridos, quimeras, a partir da modificação do patrimônio genético (SOUZA, 2004). 
A recombinação gênica interespécies possui a capacidade de modificar seres e as 
próprias espécies podem resultar em um desiquilíbrio ecológico, já que cada espécie exerce 
uma função no equilíbrio do ecossistema. Portanto, em vista das pontuações, se o ecossistema 
como um todo já se encontra em equilíbrio, por que alterá-lo? A espécie humana, como ser 
senciente e consciente, deve buscar minimizar impactos e maximizar o bem de todos ao invés 
de se isentar da empatia e bom senso, sujeitando espécies próximas a ela (como os chimpanzés, 
que são amplamente usados no xenotransplante) à morte somente para que haja o 
prolongamento de sua vida. Se a bioética foi desenvolvida por homens, que ao menos seus 
princípios sejam seguidos, além do mais, qual seria o sentido em criar “regras” se elas não serão 
adotadas? 
 
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 
Baseando-se na análise realizada em vista da atuação do xenotransplante e sua confrontação 
pelos princípios bioéticos, conclui-se que a técnica não apresenta o mesmo grau de 
desenvolvimento e aceitação do alotransplante, por exemplo, tendo permitido que diversas 
altercações tanto éticas quanto clínicas tenham se originado. 
Torna-se necessário ainda muito esforço e dedicação científica para que o 
xenotransplante seja aceito pelas diversas abordagens, especialmente, a bioética. No entanto, se 
o mesmo critério de sacrificar animais continuar sendo utilizado para que haja o prolongamento 
e melhoramento da vida da espécie humana, as mesmas discussões éticas serão novamente 
apontadas. Uma reforma nesse pensamento, buscando alternativas, poderia permitir o emprego 
dessa técnica. Procurar auxílio nos órgãos, tecidos e partes do corpo de outras espécies não-
humanas pode ocorrer, desde que não haja o sacrifício intencional do animal. Assim como 
indivíduos falecidos podem doar órgãos, sem serem sacrificados intencionalmente para salvar 
a vida de outra pessoa, o mesmo rumo pode ser considerado pela xenotransplantação. Criado 
por homens e para homens, os princípios bioéticos são usados para defrontar determinadas 
situações e, principalmente, para instigar a reflexão e a análise acerca de determinados 
comportamentos e, evidentemente, o exercício do xenotransplante deve ser revisado. 
 
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
Bioética. Natalia Reinecke. Youtube. 26 jan. 2021. 5min30s. Disponível em: 
https://www.youtube.com/watch?v=E2RLyt_T3No. Acesso em: 16 jun. 2021. 
 
BRASIL. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da 
União: seção 1, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 22 jun. 
2021. 
 
COELHO, Mário Marcelo. Xenotransplante: ética e teologia. São Paulo: Edições Loyola, 
2004. 
 
DINIZ, Debora; GUILHEM, Dirce. O que é bioética. Brasiliense, 2017. 
 
GONÇALVES, Luciana Helena. Habeas corpus em favor de chimpanzé: o possível 
reconhecimento de um “outro alguém”. Disponível em: 
http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=38ba51573e7ad3ef#:~:text=Em%20um%20do
s%20habeas%20corpus,Mui%C3%B1os%20Pi%C3%B1eiro%20Filho%20argumentou%20q
ue%3A&text=Nos%20tr%C3%AAs%20habeas%20corpus%2C%20os,de%20nome%20cient
%C3%ADfico%20Pan%20Troglodytes%E2%80%9D. Acesso em: 20 jun. 2021. 
 
KANT, Immanuel. Lições de ética. SciELO-Editora UNESP, 2018. 
 
FERRER, Jorge José; ÁLVAREZ, Juan Carlos. Para fundamentar a bioética: teorias e 
paradigmas teóricos na bioética contemporânea. Edições Loyola, 2005. 
 
LEONE, S.; PRIVITERA, S.; CUNHA, J.T. (Coords.). Dicionário de bioética. Aparecida: 
Editorial Perpétuo Socorro/Santuário, 2001. 
 
LORA ALARCÓN, Pietro de Jesús. Patrimônio genético humano e sua proteção na 
Constituição Federal de 1988. São Paulo: Método, 2004. 
 
MEIRA, Castro. DESIS no AgRg no HC 0293646-50.2007.3.00.0000 SP 2007/0293646-1. 
Jusbrasil. Brasília, 23 ago. 2012. Disponível em: 
https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/899785182/desis-no-agrg-no-habeas-corpus-desis-
no-agrg-no-hc-96344-sp-2007-0293646-1. Acesso em: 20 jun. 2021. 
 
Meneses, Ramiro Délio Borges de. Questões ética em xenotransplantação: fundamentos e 
orientações jurídicas. Revista de Bioética y Derecho, Barcelona, mai. 2010. Disponível em: 
https://revistes.ub.edu/index.php/RBD/article/view/7712/9615. Acesso em: 20 jun. 2021. 
 
SOUZA, Paulo Vinícius Sporleder de. Bem jurídico-penal e engenharia genética humana, 
São Paulo: RT, 2004. 
 
SILVA, Tagore Trajano de Almeida. Animais em juízo, Salvador, 2009. Disponível em: 
https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/10744/1/Tagore.pdf. Acesso em: 20 jun. 2021.

Continue navegando