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SUMÁRIO 1. Definição de morte ................................................... 3 2. Coma .............................................................................. 3 3. Etiologia ......................................................................... 4 4. Diagnóstico .................................................................. 5 5. Morte encefálica ........................................................ 5 6. Fisiopatologia .............................................................. 7 7. Preparação ................................................................10 8. Hipotermia, depressores do snc, ausência de dor ...............................................................................13 9. Intervalo entre as 2 avaliações clínicas ..........17 10. Quem pode dar o diagnóstico de morte encefálica? .........................................................17 11. Exames clínicos ....................................................18 12. Exames complementares ..................................26 13. Cuidados gerais .....................................................29 14. Doação de órgãos ................................................30 Referências bibliográficas ........................................32 3COMA E MORTE ENCEFÁLICA 1. DEFINIÇÃO DE MORTE “ A Morte Absoluta Morrer. Morrer de corpo e de alma. Completamente. Morrer sem deixar o triste despojo da carne, A exangue máscara de cera, Cercada de flores, Que apodrecerão - felizes! - num dia, Banhadas de lágrimas Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte. Morrer sem deixar porventura uma alma errante... A caminho do céu? Mas que céu pode satisfazer teu so- nho de céu? Morrer sem deixar um sulco, um ris- co, uma sombra, A lembrança de uma sombra Em nenhum coração, em nenhum pensamento, Em nenhuma epiderme. Morrer tão completamente Que um dia ao lerem o teu nome num papel Perguntem: “Quem foi?...” Morrer mais completamente ainda, Sem deixar sequer esse nome. “ Manuel Bandeira Após iniciarmos este Super Material com a morte pela visão literária, agora é necessário pontuarmos a morte na visão da medicina. Até pouco tempo, o critério utilizado para apontar que alguém havia morrido era a parada da respiração, juntamente com a parada cardíaca. Atualmente, o diagnóstico de morte é dado em casos de mor- te encefálica, que é quando ocorre a parada irreversível do funcionamen- to do organismo como um todo. Ape- sar disso, é complicado determinar o exato instante da morte, pois ela não é um acontecimento imediato, e sim um sequenciamento de fenômenos gradativos ocorridos nos diversos órgãos e sistemas do organismo que mantém a vida. Contudo, atualmente já é possível precisá-la prematura- mente, em consequência dos novos meios semiológicos e instrumentais existentes. 2. COMA O coma pode ser definido como a falência dos mecanismos de manu- tenção da consciência. Nesse senti- do, para compreender um pouco me- lhor o coma é necessário conceituar a consciência. A consciência representa um estado de perfeito conhecimento de si próprio e do ambiente. Há dois componentes da consciência que devem ser analisados. O primeiro deles, é o nível de consciência, que é o grau de alerta comportamental que 4COMA E MORTE ENCEFÁLICA o indivíduo apresenta. Durante o dia, temos oscilações fisiológicas do ní- vel de consciência. Um exemplo disso é o sono, que representa uma dimi- nuição fisiológica, da qual o indivíduo pode ser facilmente retirado. Durante um tempo, considerou-se o coma e o sono como situações neurológicas semelhantes. Contudo, posterior- mente, classificou-se o sono como um estado completamente distin- to do coma, não representando uma “falência transitória” dos mecanismos de vigília, mas um estado ativo e sim- plesmente diferente, do ponto de vis- ta comportamental, da vigília normal. O segundo componente da consci- ência é o conteúdo, que representa a soma de todas as funções cogniti- vas e afetivas do ser humano, como linguagem, praxia, memória, crítica, gnosias. O conteúdo de consciência é dependente da função do córtex cerebral. Desse modo, lesões restri- tas ao córtex levam a distúrbios do conteúdo de consciência. Já o nível de consciência, irá depender da região pontomesencefálica do tronco en- cefálico e do córtex cerebral como um todo. Admiti-se que para haver diminuição do nível de consciência por lesões corticais, deve-se possuir envolvimento difuso e completo do córtex. As lesões corticais, quando restritas, alteram o conteúdo de cons- ciência. Por isso que, em demências corticais, observa-se pacientes per- dendo progressivamente todas as suas funções cognitivas e afetivas, porém mantendo a vigília até está- gios terminais da doença. É pertinen- te ressaltar que, graus extremos de diminuição do nível de consciência e coma, jamais podem ser produzidos por lesões hemisféricas unilaterias isoladamente. 3. ETIOLOGIA A diminuição do nível de consciência implica em uma das seguintes possi- bilidades: lesão ou disfunção da FRAA (Formação Reticular Ativadora As- cendente), lesão ou disfunção intensa e difusa do córtex cerebral, ou am- bas. Dessa forma, o coma representa uma situação clínica de diminuição extrema do nível de consciência. Nos conceitos modernos de coma, inclusive como meio de diferenciá-lo de situações clínicas mais crônicas, torna-se obrigatória a presença dos olhos fechados. Isso acontece devi- do a contração tônica do músculo orbicular dos olhos, ou por desativa- ção do elevador da pálpebra superior. Contudo, a obrigatoriedade da pre- sença de olhos fechados para definir coma é discutível na prática clínica. Em alguns casos de coma, o pa- ciente pode ficar de olhos abertos, como ocorre normalmente no aciden- te vascular de tronco encefálico, is- quêmico ou hemorrágico. 5COMA E MORTE ENCEFÁLICA 4. DIAGNÓSTICO O método elaborado por Fred Plum e Jerome Posner procura localizar a lesão ou as lesões responsáveis pelo prejuízo na consciência, avaliando funções de estruturas neurológicas situadas nas proximidades do siste- ma reticular ativador ascendente. As lesões aqui referidas podem ser de qualquer natureza, como traumática, isquêmica, hemorrágica, neoplásica, farmacológica, bioquímica, térmica, elétrica e infecciosa. Quatro parâme- tros neurológicos são analisados: ritmo respiratório, pupilas, movimen- tos oculares e reações motoras. A avaliação do paciente em coma deve ser sistematizada. Portanto, algumas ações imediatas devem ser tomadas, após rápida caracterização do estado de coma. Estas medidas visam man- ter a viabilidade do tecido nervoso, enquanto deve ser procedida a inves- tigação clínica e laboratorial da causa do coma, devendo ser realizadas de forma rápida, pois o tecido nervoso depende basicamente de três subs- tratos para sua sobrevivência: oxigê- nio, glicose e cofatores. Estas medi- das, portanto, visam o fornecimento destes elementos, que permitirão que os neurônios mantenham sua capaci- dade funcional. MOMENTO CULTURAL: Que tal apren- der se divertindo? “Coma” é um filme estadunidense do gênero suspense di- rigido por Michael Crichton e lançado em 1978 para a Metro-Goldwyn-Mayer. O enredo do filme se desenrola em um grande hospital em Boston, onde a Dou- tora Susan Weleer começa a investigar o quadro de sua melhor amiga Nancy, que entra repentinamente em coma, sem explicação aparente, após uma ci- rurgia simples, descobrindo a seguir que muitos outros casos semelhantes tam- bém ocorreram. 5. MORTE ENCEFÁLICA A morte encefálica representa um estado clínico irreversível em que as funções cerebrais (telencéfalo e diencéfalo) e do tronco encefálico es- tão irremediavelmente comprometi- das por uma injúria que causa dano irreversível. Alguns fatores corro- boram para o diagnóstico da morte encefálica, como por exemplo, causa do coma conhecida. Por isso, é mui- to importante que o médico consiga constatar o porquê do paciente estar em coma, parapoder atestar que há morte encefálica. Além disso, a cau- sa não pode ser reversível, como em casos de intoxicação exógena, hipo- termia, bloqueio neuromuscular, cho- que e encefalite de tronco encefálico. O nível de consciência deve estar profundamente alterado, com esco- re na Escala de Coma de Glasglow igual a 3. Outro fator que pode cor- roborar no diagnóstico de ME, são as 6COMA E MORTE ENCEFÁLICA alterações nas funções do tronco encefálico, estando completamente ausentes, são elas: reflexofotomotor, corneano, oculocefálico, oculovestibu- lar, orofaríngeo e respiratório (apnéia). Ademais, exames complementares podem ser necessários, a exemplo do eletroencefalograma (EEG), arte- riografia convencional e arteriografia isotópica. O período de observação é variável. Assim, o diagnóstico clínico definido, EEG isoelétrico e observação de 6 horas, definem o diagnóstico de morte encefálica. Sem exames con- firmatórios, 12 horas de observação são necessárias. Em casos de lesão anóxica, 24 horas são necessárias para o diagnóstico de ME. Já a arte- riografia convencional com estudos dos 4 vasos, carótidas e vertebrais, abrevia o tempo de observação, des- de que demonstre ausência de circu- lação intracraniana. SAIBA MAIS! A história do conceito de ME tem seu início no surgimento e desenvolvimento da ventilação assistida por pressão positiva e dos primórdios de uma nova especialidade médica, a medi- cina intensiva, ocorrido principalmente devido aos esforços médicos militares na assistência aos soldados e a população atingida durante a Guerra da Coréia (1950-53). O grande fato desencadeador da construção, não do conceito, mas sim dos primeiros critérios e protocolos, foi sem dúvida alguma, a realização por Christiaan Barnard (1922-2001), na cidade do Cabo- África do Sul, em 5 de dezembro de 1967, do primeiro transplante cardíaco. Este aconteci- mento, por todas as implicações éticas vinculadas, principalmente a retirada do coração de uma doadora “viva”, levou a Universidade de Harvard de Boston a constituir uma comissão multidisciplinar, em 1968, composta não só por médicos, mas por juristas, religiosos e filó- sofos, que definiu os primeiros critérios de coma irreversível, e instituiu um novo conceito de morte. 7COMA E MORTE ENCEFÁLICA 6. FISIOPATOLOGIA de o paciente ser um possível doa- dor. A morte encefálica representa o processo final da evolução da isque- mia cerebral, que evolui no sentido rostrocaudal até envolver regiões do mesencéfalo, ponte e medula, culmi- nando com a herniação cerebral atra- vés do forame magno. O momento que precede a herniação cerebral é marcado por extremas elevações da pressão intracraniana, acompanha- da da tríade de Cushing, que repre- senta o esforço final do organismo na tentativa de manter a perfusão ce- rebral. A falência desse mecanismo promove a progressão da isquemia que, ao atingir a medula, interrompe FISIOPATOLOGIA DA MORTE ENCEFÁLICA FONTE: SANARFLIX Injúria neuronal PIC (?) PAM incompatível com a vida Edema cerebral Aumento da PIC Redução do fluxo sanguíneo cerebral Herniação A morte encefálica é um processo complexo que altera de modo sig- nificativo a fisiologia e a bioquí- mica celulare de todos os sistemas orgânicos. Uma sequência própria de eventos fisiológicos ocorre nos pacientes críticos que estão evoluin- do para morte encefálica, como por exemplo, disautonomia e disfunção miocárdica, disfunção endócrina, hipotermia, coagulopatia, apop- tose e inflamação sistêmica. Cada uma dessas etapas, se não adequa- damente identificada e tratada, levará a morte do corpo ou, na melhor das hipóteses, a dano e menor sobrevi- da do enxerto no receptor, no caso 8COMA E MORTE ENCEFÁLICA a atividade vagal, levando a respos- ta autonômica simpática maciça, cha- mada de “tempestade autonômica”. Essa estimulação simpática desen- freada tem curta duração e caracteri- za-se por taquicardia, hipertensão, hipertermia e aumento acentuado do débito cardíaco. Em paralelo a esses processos, uma diminuição do metabolismo basal reduz progressi- vamente o consumo de energia de cada órgão. Isso é útil porque protege o corpo de eventos adversos, como hipotensão ou hipoxemia, mas algu- mas vezes prejudica o diagnóstico de morte encefálica por conta da baixa produção de C02. A diminuição do metabolismo basal não permite que a PaC02 atinja níveis necessários para documentar lesão do centro res- piratório, mesmo após 10 minutos de desconexão do ventilador mecânico, fazendo com que vários testes de ap- neia sejam inconclusivos. HORA DA REVISÃO! A tríade de Cushing se relaciona com a hipertensão intracraniana grave. É com- posta por hipertensão arterial sistêmica, bradicardia e alterações do ritmo respi- ratório. A sua identificação é importante na medicina de urgência, já que a tríade sugere uma isquemia severa no cérebro. A tríade de Cushing está presente em menos de 25% dos pacientes com ele- vada pressão intracraniana, mesmo em casos de pressão intracraniana superior a 30 mmHg (maior que 15 mmHg já é considerada anormal). As alterações cardiovasculares en- volvem a intensa liberação de ca- tecolaminas durante a descarga autonômica, produzindo grande va- soconstrição, que acarreta em hiper- tensão arterial, taquicardia e aumento da demanda de oxigênio do miocárdio, podendo causar isquemia e necrose miocárdica, além de disritmias cardí- acas. A morte encefálica associa-se as disfunções sistólica e diastólica do coração. A maciça liberação de catecolaminas na circulação periféri- ca, após uma catástrofe neurológica, ocasiona uma resposta hiperdinâmica que mimetiza as crises hipertensivas do feocromocitoma. Algumas altera- ções eletrocardiográficas podem ser vistas, como depressão ou elevação do segmento ST, ondas T invertidas, alargamento dos complexos QRS e prolongamento do intervalo QT. Pode ocorrer também a diminuição da fra- ção de ejeção e um mosaico de anor- malidades de movimento da parede miocárdica. A morte encefálica leva a profundas alterações de pós-car- ga em decorrência da vasodilatação extrema, que repercute na pré-carga diminuída de forma relativa e absolu- ta, causando hipoperfusão coronaria- na. O colapso circulatório resultante desse mecanismo é, portanto, rever- sível, e a otimização da pré e pós-car- ga no doador resulta na melhora da contratilidade miocárdica, tornando viáveis para transplante, corações ini- cialmente considerados inviáveis. 9COMA E MORTE ENCEFÁLICA HORA DA REVISÃO! Que tal revisar alguns conceitos fisio- lógicos de cardiologia para compre- ender melhor esse fenômeno descrito acima? O primeiro conceito a ser revisa- do é o de débito cardíaco. O débito car- díaco (DC) é o volume de sangue ejeta- do por minuto pelo ventrículo esquerdo para a aorta, ou pelo ventrículo direito para o tronco pulmonar. É calculado do seguinte modo: DC (mℓ/min) = volume sistólico (VS) em mℓ/batimento×frequ- ência cardíaca (FC) em batimentos/min. Você sabe o que é fração de ejeção? É a fração do volume diastólico final (VDF) que é ejetada durante um batimento cardíaco médio, igual ao volume sistólico (VS) dividido pelo VDF. A partir desses dois conceitos, você já é capaz de com- preender o termo de pós e pré-carga. A pós-carga é a dificuldade enfrentada pelo ventrículo durante o processo de ejeção. O fator que mais costuma inter- ferir na pós-carga é a resistência vas- cular periférica, contudo, como esta não pode ser medida, utiliza-se a pressão arterial como parâmetro para avaliar a pós-carga. Já a pré-carga, é a pressão de sangue presente no ventrículo após seu enchimento passivo e contração do átrio. Em resumo, a pré-carga refere-se ao máximo de estresse da parede do ventrículo quando está cheio de sangue. As alterações pulmonares são de- correntes do aumento da permeabi- lidade vascular que também ocorre no território pulmonar, como respos- ta as alterações inflamatórias que cursam com a morte encefálica. Pa-cientes em coma podem ter lesão pulmonar por trauma, pneumonite de aspiração e embolia gordurosa. Uma vez excluídas essas possibilidades, edema pulmonar neurogênico, embo- ra infrequente, deve ser considerado. A estimulação simpática maciça pode levar a graus extremos de venocons- trição pulmonar, favorecendo escape capilar de fluidos ricos em proteínas. A venoconstrição intensa interfere nas forças de Starling no pulmão e não é detectável por alterações na mensuração da pressão de oclusão da artéria pulmonar (POAP). Em relação as alterações endócri- nas, ocorre a falência progressiva do eixo hipotalâmico-hipofisário, que evolui para um declínio gradual e inexorável das concentrações hor- monais, principalmente do hormô- nio antidiurético (ADH). A redução dos níveis do hormônio antidiuréti- co (ADH) é encontrada em cerca de 90% dos casos, desencadeando dia- betes insipidus central, que se carac- teriza por poliúria (> 250 mL/h por 4 horas consecutivas) e hipernatremia. Essa poliúria inicial pode passar des- percebida, fazendo com que o trata- mento da diabetes insipidus comece apenas quando o sódio sérico atingir valores tão altos quanto 165 mEq/ dL. Distúrbio tireoidiano também está presente. Diminuições bruscas nos níveis de triiodotironina (T3) são constatadas logo após a morte ence- fálica e têm sido implicadas na redu- ção da contratilidade cardíaca, com depleção de fosfatos de alta energia e mudança do metabolismo aeróbico 10COMA E MORTE ENCEFÁLICA para anaeróbico. Isso contribui para a piora da acidose metabólica e da per- fusão tecidual dos órgãos do doador. A função tireoidiana pode revelar re- sultados laboratoriais característicos da síndrome do paciente eutireóideo. Como em muitas doenças graves, os níveis séricos de T3 -T4 e T4 livre es- tão diminuídos ou no limite, mas os níveis de TSH estão normais. 7. PREPARAÇÃO PREPARAÇÃO PARA INICIAR O PROTOCOLO EM MORTE ENCEFÁLICA Informar a família sempre que houver suspeita, antes da abertura do protocolo1 Realizar testes diagnósticos conforme determinado pelo Conselho Federal de Medicina2 FONTE: SANARFLIX Antes de iniciar o protocolo de mor- te encefálica, o médico deve prepa- rar o paciente e os familiares. A pri- meira fase é a identificação da ME. Para isso, deve-se informar a família da suspeita, antes mesmo da aber- tura do protocolo. Nessa conversa com a família do paciente, o médico deve explicar todos os processos e o protocolo, fornecendo para eles todo o suporte. A partir disso, o profissio- nal deve iniciar os exames clínicos e complementares para confirmar a ME e a sua possível causa, lembrando que essa deve ser conhecida. SE LIGA! Após o primeiro exame ser conclusivo para ME, deve-se comunicar à comissão de transplante do Hospital. Após a confirmação por outro profissio- nal, deve-se comunicar família a confir- mação diagnóstica. A morte encefálica é de notificação obrigatória. O Termo de Declaração de Morte Encefálica deve ser preenchido, bem como o laudo do exa- me complementar confirmatório deve ser anexado ao prontuário do paciente, mesmo em pacientes não doadores. A cópia do termo deve ser encaminhada ao órgão controlador estadual. 11COMA E MORTE ENCEFÁLICA ETAPAS DO PROTOCOLO EM MORTE ENCEFÁLICA Identificar causa da morte: vascular (isquêmica ou hemorrágica), TCE, tumor, encefalopatia anóxica1 Afastar causas reversíveis de coma: drogas depressoras e hipotermia2 FONTE: SANARFLIX Exame clínico3 Exames complementares4 FLUXOGRAMA - COMA Coma SIM Evidência da causa do coma (clínica, neuroimagem ou exames) SIM Descartadas: hipotermia, intoxicação, drogas sedativas, bloqueadores neuromusculares, graves anormalidades eletrolíticas, graves distúrbios ácido-base, crises endócrinas SIM Reflexos do tronco cerebral ausentes/ resposta motora ausente / apneia PCO2 >= 55 mmHg SIM Elegível para a coleta de órgãos Prosseguir com o preparo para doação Desconectar o ventilador SIM NÃO FONTE: SANARFLIX 12COMA E MORTE ENCEFÁLICA É imprescindível a sistematização em etapas para confirmar a morte encefálica. A primeira etapa é iden- tificar a causa da morte. Antes de tudo, o paciente deve ter a causa da ME conhecida (trauma, AVC, hipo- xemia, entre outras) e não deve estar em condição que mascare ou interfira no exame clínico, como uso de drogas sedativas, distúrbios metabólicos ou hipotermia prévia. É de fundamental importância identificar a causa, pois segundo a definição de morte ence- fálica, a causa deve ser conhecida e irreversível. Após isso, adentramos na segunda etapa, que visa justa- mente afastar as hipóteses de cau- sas reversíveis de coma, como uso de drogas depressoras e hipotermia. Deve-se constatar a ausência de in- toxicação exógena, ausência de uso de medicamentos psicoativos (se- dativos, hipnóticos, anticonvulsivan- tes) ou bloqueadores musculares. Além disso, a informação do uso de sedação, curare ou opioide deve ser checada, confirmada e descrita em prontuário, devendo-se aguardar ao menos 24 horas após suspensão dos mesmos para seguir o protocolo. Se o paciente estiver sob o tratamento com barbitúrico, utilizando, na maio- ria das vezes, o tiopental, indicamos ao menos 48 horas de intervalo en- tre a suspensão e o início do proto- colo. Os anticonvulsivantes devem ser suspensos e o fenobarbital, mes- mo sendo da classe dos barbitúricos, quando usado somente como anti- convulsivante, deve-se aguardar ao menos 12 horas após sua suspensão para começar o protocolo. A terceira etapa, refere-se ao exame clínico. A essência de todo o diagnóstico de ME é a realização de um completo e mi- nucioso exame clínico, tanto é que em 46 estados americanos, na ausência de fatores conflitantes, não é neces- sário qualquer exame complementar para se estabelecer a ME, mesmo os estadunidenses acreditando e utili- zando, como nós, o conceito global de ME, ou seja, morte concomitante do cérebro e do tronco cerebral. Segundo a nova resolução do Conse- lho Federal de Medicina e decreto de lei de 2017, não é mais necessário que um dos examinadores seja neu- rologista ou neurocirurgião, mas de- vem ser dois médicos distintos, que tenham conhecimento e treinamento em morte encefálica, experiência com os atuais critérios e sem nenhuma re- lação com a equipe de transplante. Recomenda-se que pelo menos um dos médicos seja especialista em uma das seguintes especialidades médicas: medicina intensiva, medici- na de urgência, neurologia (adulto/pe- diátrico) ou neurocirurgia. É pertinente ressaltar que devem haver dois exa- mes clínicos que confirmem coma não perceptivo e ausência de função do tronco encefálico. A quarta etapa consiste na realização de exames complementares. No Brasil, desde 13COMA E MORTE ENCEFÁLICA os primeiros protocolos de morte en- cefálica, utiliza-se um exame com- plementar comprobatório a fim de demonstrar qualquer das seguintes disfunções difusas do encéfalo: au- sência de atividade elétrica cortical, utilizando o exame EEG; e ausência de perfusão cerebral, por meio de exames complementares, como a ar- teriografia dos 4 vasos cerebrais e o doppler transcraniano. É importante salientar que não existe o diagnósti- co de morte encefálica em pacientes que não forem submetidos a exames de imagem do encéfalo (TC crânio e/ ou Ressonância Magnética), muito menos naquele paciente sem identifi- cação formal, ou que se desconhece a causa do coma. Salvo em casos muito particulares, moradores de rua, indi- gentes, incapazes intelectualmente e fugitivos da justiça, se não identifi- cados corretamente, não devem ter o diagnóstico de morte encefálica. SE LIGA! Dentre as causas mais co- muns de morte encefálica estão o trau- ma cranioencefálico (TCE); a hemorragia cerebral espontânea, tanto intraparen- quimatosa, quanto subaracnóidea; e a encefalopatia hipóxico-isquêmica, que, na verdade, são as causas mais co- muns para o desenvolvimento da HIC (hipertensão intracraniana),seguida por coma profundo, culminando em ME. Ou- tras causas, como AVC, também foram constatadas em dados epidemiológicos. Vale ressaltar que a abordagem da ME para crianças é marcadamente diferen- te, principalmente em menores de 2 anos, uma vez que as causas são bem diferentes, enquanto nas crianças a en- cefalopatia hipóxico-isquêmica é res- ponsável por cerca de 70% dos diag- nósticos, no adulto este percentual não chega a 15%. 8. HIPOTERMIA, DEPRESSORES DO SNC, AUSÊNCIA DE DOR Hipotermia é definida como uma redução na temperatura central abaixo de 35ºC, sendo considerada hipotermia severa uma temperatu- ra central menor que 30ºC. Ao lon- go de todo o período de redução da temperatura corporal ocorre redução da frequência cardíaca, seguida de inversão da onda T e prolongamento do intervalo QT. De modo geral, pode-se analisar se o paciente está em hipotermia por meio da avaliação do quadro clínico. Em casos de hipotermia o paciente pode apresentar redução da contra- tilidade miocárdica que irá acarretar em função sistólica alterada. Outro fator que pode estar presente é a hi- potensão arterial, pois com a dimi- nuição da temperatura é comum que ocorra redução da pressão arterial. Arritmias cardíacas são comuns em casos de hipotermia, culminando, ini- cialmente, em bradicardia sinusal, se- guida de fibrilação atrial lenta. O ritmo terminal é frequentemente a fibrila- ção ou a assistolia. Além das arritmias que comumente podem ocorrer (bra- diarritmias e arritmias ventriculares), 14COMA E MORTE ENCEFÁLICA a hipotermia causa uma lentificação da condução do impulso através dos canais de potássio. Isso leva a prolongamento de todos os interva- los do ECG, incluindo o RR, PR, QRS e QT. Também pode ocorrer elevação do ponto J, produzindo a característi- ca onda J de Osborne, que representa uma distorção na fase mais precoce da repolarização. O tamanho da onda J é proporcional ao grau de hipotermia e ela é mais comumente encontrada nas derivações de V2 a V5. É perti- nente ressaltar ainda o papel de na termorregulação, desenvolvido pelo hipotálamo, sendo responsável por mediar uma resposta à exposição ao frio. Tal resposta é mediada por cate- colaminas e consiste em vasocons- trição periférica para diminuir as perdas, e tremores musculares para aumentar a produção de calor. Obvia- mente, o organismo humano não é ca- paz de se adaptar a qualquer tempe- ratura, sendo intolerável quando esta é muito baixa. Diversas manifesta- ções laboratoriais podem ocorrer na vigência de hipotermia. Logo que for feito o diagnóstico deve-se fazer uma pesquisa das principais complicações geradas pela queda de temperatura, a saber: acidose lática (por falência cardiopulmonar associada a insufi- ciência hepática), rabdomiólise (por abalos musculares na resposta ao frio) e diátese hemorrágica (inibição de fatores de coagulação pela hipo- termia). Além disso, o reaquecimento também pode gerar alterações, mais frequentemente eletrolíticas, além de alterações de hematócrito e das pro- vas de coagulação. LEVE (< 34OC) MODERADA (30-34OC) GRAVE (>30OC) Taquicardia Taquipneia Hipertensão Tremores Confusão Hiperreflexia Incoordenação Bradicardia Bradipneia Hipotensão Hiporreflexia Pupilas não reativas Torpor ou coma Arritmias Coma Bradicardia Apneia Alteração no EEG Arritmias graves Tabela 1. Tabela com classificação da hipotermia. Fonte: Sanarflix A hipotermia é considerada leve quando a temperatura do paciente está próxima dos 33ºC, em que sur- ge elevação do segmento ST (conhe- cida por “onda de Osborn” ou onda J). Esse achado é considerado patog- nomônico de hipotermia, porém não está sempre presente. Algumas ou- tras alterações podem ser constata- das nessa etapa, como taquicardia, taquipneia, hipertensão, tremores, confusão e hiperreflexia. A hipoter- mia passa a ser considerada modera- da quando a temperatura está entre 15COMA E MORTE ENCEFÁLICA 30 e 34 ºC. Proporcional à redução do débito ocorre a redução do consu- mo de oxigênio. O mesmo não ocor- re com o fluxo coronariano, pois entre 28 e 36ºC a oferta de oxigênio pelo fluxo coronariano é maior que o con- sumo do miocárdio, sendo este um dos pilares no emprego da hipotermia terapêutica em pacientes pós-parada cardiorrespiratória. Algumas outras alterações podem ser notadas nessa etapa, como bradicardia, bradipneia, hipotensão, hiporreflexia, pupilas não reativas, torpor ou coma, e arritmias. Abaixo dos 30ºC é considerada a hi- potermia grave, onde ocorre grande redução do número de leucócitos e plaquetas circulantes (atingindo cer- ca de 40% do total aos 25ºC e me- nos de 20% a 20ºC). Além disso, a hipotermia causa sequestro dos fato- res de coagulação pelo fígado, baço e microcirculação, além de causar aumento da afinidade da hemoglobi- na pelo oxigênio, fazendo com que a hemoglobina fixe o oxigênio em sua molécula, tornando mais difícil sua li- beração nos tecidos. Abaixo de 20ºC, o sangue começa a sofrer um impor- tante aumento da viscosidade devido ao efeito de aglutinação das hemá- cias, motivo pelo qual na hipotermia terapêutica é realizada hemodiluição do paciente. Quando a temperatura do paciente está abaixo de 18ºC, a resistência vascular periférica reduz bruscamente por exaustão do meca- nismo vasoconstritor, este estado é chamado de vasoplegia e causa uma hipovolemia relativa por sequestro na circulação esplâncnica de cerca de 500ml de sangue. Por fim, a hipo- termia leva ao aumento da glicemia devido aumento da produção e di- minuição da utilização da glicose. Os efeitos da hipotermia no SNC não são completamente conhecidos, porém são relacionados as variações do flu- xo sanguíneo cerebral. Por volta dos 15ºC, o coração para em diástole. MEDICAMENTO MEIA-VIDA Midazolam 1,7-2,6 h Diazepam 20-50 h Lorazepam 11-22 h Morfina 2-4 h Fentanil 2-4 h Alfentanil 1-2 h Droperidol 1,7-2, 2h Propofol 4-7 h Tiopental 6-60 h Tabela 2. Medicamentos depressores do SNC. Fonte: Sanarflix O uso recente de medicamentos de- pressores do sistema nervoso cen- tral inviabiliza a avaliação do coma, ou alteração da resposta reflexa. As principais drogas que interferem nessa avaliação são os barbitúricos, benzodiazepínicos, curares e opi- áceos. Quando essas drogas forem utilizadas terapeuticamente, deve-se aguardar um tempo de eliminação equivalente a quatro vezes a meia-vi- da da droga, mas não há como prever 16COMA E MORTE ENCEFÁLICA o tempo de eliminação de algumas drogas. No caso de suspeita de intoxi- cação por qualquer droga, o protocolo para ME não é iniciado enquanto tal possibilidade não for definitivamente afastada. SAIBA MAIS! Os Depressores da Atividade do Sistema Nervoso Central, referem-se ao grupo de substâncias que diminuem a atividade do cérebro, ou seja, deprimem o seu funcionamento. Os depresso- res mais usados geralmente entram em duas classes, barbituratos e benzodiazepinas. Outros depressores incluem álcool, narcóticos, sedativo-hipnóticos, anti-histamínicos de primeiro-ge- ração e alguns anestésicos. Os barbituratos são fisicamente viciantes e têm sério potencial para overdose. As benzodiazepinas medeiam muitos dos mesmos sintomas tratados pelos barbitu- ratos, mas são de longe menos tóxicos e têm um risco de overdose fortemente reduzido. Isto não quer dizer que elas não têm riscos. As benzodiazepinas apresentam um maior risco na possibilidade de habituação, dependência, e sintomas de retirada físicos e psicológicos sérios. A cessação imediata das benzodiazepinas, a longo prazo, pode ser perigosa. Um dos fatores que permite o diagnóstico da morte encefá- lica é a ausência da dor em res- posta aos estímulos dolorosos no côndilo da articulação tem- poromandibular, na região su- pra-orbitária ou no leito ungeal. Aliado a isso, no exame do nível da consciência, determina-se a Escala de Glasgow do pacien- te, sendo que este deverá estar em coma, irresponsivo a qual- quer estimulo doloroso.Deve- -se fazer a compressão do ramo supra- orbitário da divisão oftál- mica do nervo trigêmeo, depois comprimir látero-medialmente a cápsula da articulação tem- poromandibular, sendo estes os estímulos álgicos mais indi- cados, sutis e com menor chan- ce de causar dano ao corpo do paciente. PARÂMETRO RESPOSTA OBSERVADA PONTUAÇÃO ABERTURA OCULAR ESPONTÂNEA 4 AO ESTÍMULO VERBAL 3 AO ESTÍMULO DOLOROSO 2 NENHUMA 1 RESPOSTA VERBAL ORIENTADA 5 CONFUSA 4 PALARVAS INAPROPRIADAS 3 SONS INCOMPREENSÍVEIS 2 NENHUMA 1 RESPOSTA MOTORA OBEDECE COMANDOS 6 LOCALIZA A DOR 5 MOVIMENTO DE RETIRADA 4 FLEXÃO ANORMAL 3 EXTENSÃO ANORMAL 2 NENHUMA 1 Tabela 3. Tabela Escala de Glasgow. Fonte: Sanarflix 17COMA E MORTE ENCEFÁLICA SE LIGA! A escala de Glasgow é uma escala neurológica que visa constituir- -se de um método confiável e objetivo para registrar o nível de consciência de uma pessoa, na avaliação inicial e contí- nua após um traumatismo craniano. Seu valor também é utilizado no prognóstico do paciente e é de grande utilidade na previsão de eventuais sequelas. Agora você está pensando...como irá realizar essa leitura? É simples. A pontuação mínima total pode ser 3, sendo ela in- terpretada como coma profundo, com 85% de probabilidade de morte e es- tado vegetativo; 4 pontos como coma profundo; 7 pontos coma intermediário; 11 pontos coma superficial; e 15 pon- tos normalidade. Apesar da facilidade em aplicar, a ECG apresenta algumas deficiências, como a impossibilidade de avaliação da resposta verbal no pacien- te entubado, a falta de consideração dos reflexos do tronco cerebral e das altera- ções do ritmo respiratório, além de não detectar mudanças súbitas no exame neurológico. 9. INTERVALO ENTRE AS 2 AVALIAÇÕES CLÍNICAS Todo o protocolo deve ser repetido por outro médico, em intervalo míni- mo de 1 hora, se o paciente for adul- to, sendo que em crianças o tempo é maior, variando conforme a idade. Em lactentes de 1 a 2 anos incompletos, o tempo entre as avaliações clínicas deve ser de 12 horas, já em crianças com 2 meses a 1 ano incompleto, o intervalo entre os EEGs deve ser de 24 horas. E em casos de lactentes com 7 dias a 2 meses incomple- tos, o intervalo entre os exames deve ser de 48 horas. Uma vez realizado o segundo exame clínico, realiza- -se o teste da apneia, que devido a sua singularidade e suposto potencial para agravar o quadro clínico sistêmi- co, é sugerido para ser realizado so- mente após os dois exames neuroló- gicos e o exame complementar. Vale ressaltar que o diagnóstico de morte encefálica é tão definitivo como o de “morte cardíaca”, ou seja, ninguém morre duas vezes. Após o diagnós- tico aquele corpo trata-se como ca- dáver e existe ampla aceitação de que, na recusa ou impossibilidade de doação, o suporte artificial à vida, in- clusive suporte à respiração, deve ser suspenso. Uma vez em morte ence- fálica o paciente está definitivamente morto. No momento que se colhe o sangue arterial e constata-se PCO2 > 55mmHg na ausência total de in- cursões respiratórias, encerra-se o protocolo e esta hora exata é definida como a hora da morte. 10. QUEM PODE DAR O DIAGNÓSTICO DE MORTE ENCEFÁLICA? Um dos médicos deve ser especiali- zado, sendo intensivista, intensivista pediátrico, neurologista, neurocirur- gião, neuropediatra ou emergencista. Nenhum pode fazer parte da equipe de transplante. Nesse sentido, as di- retrizes estabelecem que o diagnós- tico deve ser dado por dois médicos 18COMA E MORTE ENCEFÁLICA que não participem das equipes de remoção e de transplante. Os pro- fissionais precisam ter, no mínimo, um ano de experiência no atendi- mento de pacientes em coma, além de terem realizado dez diagnósticos de morte encefálica. Após realizar todos os procedimentos necessários para confirmação da morte encefálica, é preciso continuar os tramites para liberação dos órgãos, em caso de do- ação, ou do corpo para o sepultamen- to. Nesse sentido, o primeiro passo é comunicar o resultado ao médico as- sistente, apontando os desfechos dos testes, as condições de realização e a presença de outros especialistas em casos mais complexos. 11. EXAMES CLÍNICOS São necessários três pré-requisitos para definir morte encefálica: coma com causa conhecida e irreversível; ausência de hipotermia, hipotensão ou distúrbio metabólico grave; e exclusão de intoxicação exógena ou efeito de medicamentos psicotrópicos. O diag- nóstico é estabelecido após dois exames clínicos, com intervalo de no mínimo 1 hora entre eles, realiza- dos por profissionais diferentes e não vinculados à equipe de transplantes. É pertinente ressaltar que a presen- ça de reflexos osteotendinosos (refle- xos profundos), cutaneoabdominais, cutaneoplantares em flexão ou exten- são, ereção peniana reflexa, arrepio, MAPA MENTAL INTERVALO MÍNIMO ENTRE EXAMES, QUEM PODE DAR O DIAGNÓSTICO Intensivista, intensivista pediátrico, neurologista, neurocirurgião, neuropediatra, emergencista Quem pode dar o diagnóstico? 2 MÉDICOS Critérios 1- < 10 diagnósticos de ME OU 2- Curso de capacitação INTERVALO MÍNIMO ENTRE AS 2 AVALIAÇÕES 7d-2meses incompletos: 24 horas 2m-24 meses incompletos: 12 horas Acima de 2 anos: 1 hora 19COMA E MORTE ENCEFÁLICA reflexos flexores de retirada dos mem- bros inferiores ou superiores, reflexo tônico cervical e outras manifestações de caráter medular espinal não inva- lida a situação de ME. Para confirmar o diagnóstico em casos de morte en- cefálica, o médico deve testar alguns reflexos, como os reflexos óculo-mo- tor, córneo-palpebral, óculo-cefálico, óculo-vestibular (vestíbulococlear) e o reflexo de tosse. Figura 1. Exame clínico, reflexo óculo-motor. Fonte: Sanarflix O reflexo pupilar à luz ou reflexo fo- tomotor é um reflexo que controla o diâmetro das pupilas em resposta a intensidade da luz que incide sobre a retina, auxiliando, desse modo, na adaptação a vários níveis de ilumi- nação. O reflexo fotomotor testa os nervos cranianos II e III. Nos exames clínicos para detectar morte encefáli- ca, as pupilas devem estar fixas, com dilatação média ou completa, na linha média ocular e que não devem apre- sentar qualquer resposta à estimula- ção por luz forte e direta sobre elas, por pelo menos 10 segundos. O re- flexo consensual deve estar ausen- te. Deve ser dada atenção especial a história de cirurgia oftalmológica, uso de midriáticos tópicos, atropina veno- sa e trauma ocular ou da face. SAIBA MAIS! Como testar esses nervos em casos que não sejam de morte encefálica? O II é o nervo óptico que corresponde a acuidade visual, sendo esta testada utilizando um quadro de Snel- len para visão a distância ou um quadro manual para visão de perto; cada olho é avaliado individualmente, com o outro olho coberto. A percepção de cores é avaliada utilizando placas pseudoisocromáticas de Ishihara ou Hardy-Rand-Ritter que têm números ou figuras dentro de um campo de pontos especificamente coloridos. Os campos visuais são avaliados por confrontação direta nos 4 quadrantes visuais. As respostas pupilares diretas e consensuais são avaliadas. Também é realizado exame fundoscópico. O III, IV e VI nervos cranianos cos- tumam ser testados juntos, e correspondem, respectivamente, ao nervo oculomotor, troclear e nervo abducente. Os movimentos extraoculares controlados por esses nervos são testados pedindo-se ao paciente para acompanhar um alvo em movimento, podendo ser o dedo do examinador ou sinal luminoso nos 4 quadrantes; esse teste pode detectar nistagmo e parali- sia de músculos oculares. Anisocoria ou diferenças nos tamanhos pupilares devem ser obser- vadas em um quarto com luz fraca. O reflexo pupilar à luz é testado para simetria e rapidez. 20COMA E MORTE ENCEFÁLICA O reflexo córneo-palpebral tem como via aferente o nervo trigêmeo (NC V), com seus núcleos localiza- dos na ponte e sua via eferente é o nervo facial, com núcleos de mesma localização. Para testar esse reflexo,estimula-se a córnea com a pon- ta de uma gase, algodão ou swab, sendo que, no paciente vigil, a res- posta é de piscamento bilateral, em decorrência de uma resposta pontina, enquanto no paciente em ME, o es- tímulo não produz nenhuma respos- ta de defesa. Evite exames repetidos ou com intensidade que possa lesar a córnea, uma vez que o paciente pode não estar morto ou, se estiver, as cór- neas poderão ser eventualmente uti- lizadas para transplante. SAIBA MAIS! Como testar esse nervo em casos que não sejam de morte encefálica? O V par craniano é o nervo trigêmeo. Para realizar a avaliação das 3 divisões sensoriais (oftálmica, maxilar e mandibular) do 5º nervo, o examinador usa um clipe para testar a sensibilidade facial e passa uma mecha de algodão na parte inferior ou lateral da córnea para avaliar o reflexo corneano. Quando há perda de sensibilidade facial, deve-se examinar o ângulo da mandíbula, uma vez que a preservação dessa área (inervada pela raiz espinal C2) sugere um déficit trigeminal. Um piscar fraco, decorrente de fraqueza facial, por exemplo, por paralisia do VII nervo craniano, deve ser distinguido de um reflexo corneano diminuído ou ausente, comum em indivíduos que usam lentes de contato. É válido lembrar ainda que a função motora do trigêmeo é testada palpando-se o músculo masseter enquanto o paciente cerra firmemente os dentes, e pede-se para que abra a boca contra resistência. Quando o músculo pterigoideo está fraco, a mandí- bula desvia-se para o lado desse músculo. O reflexo óculo cefálico tem como via aferente o nervo vestíbulococle- ar (NC VIII), que tem seus núcleos na ponte, mas sua via eferente se dá pe- los nervos da musculatura extrínseca do olho (NC III, IV e VI). Como este é um exame que demanda mobilização da cabeça, ele não deve ser realizado em casos de lesão cervical. A cabeça é movimentada, rodada rapidamente para os lados enquanto se observa se ocorre o movimento ocular na direção contrária (olhos de boneca). Testam- -se os movimentos no plano sagital, Figura 2. Exame clínico, reflexo óculo-cefálico. Fonte: Sanarflix 21COMA E MORTE ENCEFÁLICA fletindo e estendendo a cabeça, mas como a flexão do pescoço implica al- gum risco de extubação acidental, essa fase do teste não é considerada essencial. Os movimentos devem ser performados para ambos os lados. Na morte encefálica, ou seja, na au- sência do reflexo, o olhar do paciente acompanhará a movimentação cefáli- ca realizada. EXAME CLÍNICO, REFLEXO VESTIBULOCOCLEAR 50mL de SF0,9% gelado em cada lado CAE REFLEXO VESTIBULOCOCLEAR Cabeceira elevada a 30º 1 minuto de observação e 5 minutos de intervalo AUSÊNCIA DE MOVIMENTOS OCULARES POSITIVO NEGATIVO OTOSCOPIA: Certificar-se que não há obstrução CAE FONTE: http://www.vertigemedesequilibrio.com.br/wp-content/uploads/ sites/121404/2016/08/sistema-vestibular-semiologia.pdf O reflexo vestibulococlear tem sua via aferente através do nervo vesti- bulococlear (NC VIII), que tem seus núcleos na ponte e sua via eferente se dá pelos nervos responsáveis pela musculatura extrínseca do olho, ou seja, os nervos oculomotor (NC III), abducente (NC IV) e troclear (NC VI). Ele têm seus núcleos localizados no fascículo longitudinal medial, que se encontra na transição entre o me- sencéfalo e a ponte. Antes de iniciar o 22COMA E MORTE ENCEFÁLICA exame, deve-se certificar de que não há obstrução do canal auditivo por cerume ou qualquer outra condição que dificulte ou impeça a correta rea- lização do exame. Com a cabeceira do leito elevada a 30º, é realizada a infu- são de 50 mL de líquido no conduto auditivo externo. Deve-se observar por um minuto a ausência de movi- mentos oculares. O teste deve ser realizado bilateralmente e aguardar ao menos cinco minutos entre um ou- vido e outro. SAIBA MAIS! Como testar esse nervo em casos que não sejam de morte encefálica? O VIII par craniano é o nervo vestibulococlear, que é avaliado por meio de exames de audição e testes da função vestibular. A presença e características como, por exemplo, direção, duração e gatilhos, do nistagmo vestibular ajuda a identificar distúrbios vestibulares e, ocasionalmente, diferenciar vertigem central de periférica. A direção do nistagmo é definida pela direção do componente rápido, pois é mais fácil de observar. O nistagmo pode ser rotatório, vertical ou horizontal e pode ocorrer espontaneamente, com o olhar, ou com o movimento da cabeça. A audição é testada primeiro em cada ouvido sussurrando algo e ocluindo o ouvido oposto. Qualquer perda suspeita deve levar imediatamente a testes audiológicos para confirmar os resultados e ajudar a diferenciar perda auditiva condutiva de perda neurossensorial. Além do mais, os testes de Weber e Rinne podem ser realizados no leito para tentar diferenciar os dois tipos de perda auditiva. O reflexo de tosse também pode ser testado, pois este também se dá a nível do tronco encefálico. Ele tem como via aferente de reflexo o ner- vo glossofaríngeo (NC IX), que tem seus núcleos localizados no bulbo, e sua via eferente se dá via nervo vago (NC X), com seus núcleos também localizados no bulbo, ou seja, o teste verifica a função bulbar do pacien- te comatoso. Como esta é a porção mais baixa do encéfalo, em casos de lesões superiores, muitas vezes esse pode ser um dos últimos refle- xos a serem perdidos na evolução do paciente com morte encefálica. Não deve ser observada nenhuma reação de tosse, náusea, sucção, movimen- tação facial ou de deglutição ao tra- cionar e empurrar levemente o tubo endotraqueal ou com a realização de qualquer estímulo da faringe e larin- ge.Desse modo, pacientes com o re- flexo preservado terão como reação tosse, náuseas, movimentação facial e/ou movimento de deglutição. 23COMA E MORTE ENCEFÁLICA SAIBA MAIS! Como testar esses nervos em casos que não sejam de morte encefálica? O IX e o X são testados juntos e correspondem, respectivamente, ao nervo glossofaríngeo e nervo vago. Observa-se se há elevação simétrica do palato quando o paciente diz “ah”. Se um lado é paré- tico, a úvula é levantada e separada do lado parético. A parte posterior de cada lado da faringe pode ser tocada com um abaixador de língua para checar o reflexo faríngeo (de ânsia), e a assimetria do reflexo faríngeo é observada; a ausência bilateral do reflexo faríngeo é comum em pessoas saudáveis e pode não ser importante. Quando há rouquidão, inspeciona-se as pregas vocais. A rouquidão isolada, com reflexo faríngeo e elevação do palato normais, deve motivar a busca por lesões, a exemplo do linfoma mediastinal e do aneurisma de aorta, que possam estar comprimindo o nervo laríngeo recorrente. SAIBA MAIS! O Sinal de Lázaro (ou reflexo de Lázaro) é um movimento reflexo em pacientes com morte encefálica ou falência cerebral, que faz com que estes levantem brevemente os braços e os deixem cair cruzados em seus peitos (em posição similar à de algumas múmias egípcias). De modo similar ao reflexo patelar, o sinal da Lázaro é um exemplo de reflexo coordenado pelo arco reflexo, um caminho neural que passa por meio da coluna vertebral, mas não através do cérebro. Em decorrência disso, o movimento é possível em pacientes com morte cerebral cujos órgãos foram mantidos em funcionamento através de máquinas de suporte vital, excluindo a indicação de movimentos complexos involuntários como teste para atividade cerebral. Tem sido sugerido por neurologistas que estudam o fenômeno, que isto aumentou a conscien- tização de que este e outros reflexos podem impedir atrasos e interpretações erradas no diagnóstico de morte cerebral. A ocorrência do fenômeno foi observada vários minutos após a remoção dos respiradores usados para manter a oxigenação no sangue dos pacientes com morte cerebral. Também pode ocorrer durante os testes de apneia, isto é, a suspensão da respiração externa e do movimento dos músculos respiratórios. Colhe-se uma gasometria arterial, instala-se oxímetrode pulso e retira- -se o paciente da ventilação mecâ- nica, mantendo-se um cateter de 02 no interior da cânula com fluxo con- tínuo de 6 L/min. O paciente deverá permanecer assim por 10 minutos, com observação rigorosa a beira do leito quanto a presença de movimen- tos respiratórios. Decorridos os 10 minutos, colhe-se outra gasometria O teste de apneia deve ser realiza- do em temperatura corporal igual ou maior que 36ºC, pressão arterial sistólica maior que 90 mmHg (com ou sem uso de drogas vasoativas), e com a correção do diabetes insipidus, com uso de vasopressina e infusão salina. No passo seguinte, o pacien- te deve ser hiperoxigenado por 10 minutos com Fi02 de 100%, garan- tindo uma P02 acima de 200 mmHg. 24COMA E MORTE ENCEFÁLICA arterial e conecta-se novamente o paciente ao ventilador. O teste será positivo se a PaC02, no final do exame, for igual ou superior a 55 mmHg. O teste é dito negativo se houver movimento respiratório du- rante sua realização, e é inconclusivo se não houver movimento respira- tório durante a realização do exame, mas se também não forem atingidos os níveis esperados de PaC02. Caso o paciente apresente instabilidade hemodinâmica ou dessaturação, com hipoxemia e arritmia secundária, o teste deve ser interrompido, deve-se colher uma nova gasometria arterial e reinstituir a ventilação mecânica. Se o nível de PaC02 for maior ou igual a 55 mmHg, o teste é dito positivo, mesmo com sua interrupção. Caso contrário, o teste é inconclusivo. 25COMA E MORTE ENCEFÁLICA MAPA MENTAL EXAME CLÍNICO X EXAMES CLÍNICOS Teste de apneia Reflexo de tosse Reflexo fotomotor Reflexo óculo cefálico Reflexo córneo-palpebral Reflexo vestibulococlear Hiperoxigenar por 10 min Retira ventilação mecânica PO2 acima de 200mmHgFiO2 de 100% Observa-se por 10 min Colhe-se gasometria arterial Reconecta a ventilação mecânica Paciente vigil Paciente ME Testa o N.C V Piscamento bilateral Sem resposta Testa o N.C VIII Ausência de movimento ocular Testa o N.C IX Verifica a função bulbar Testa o N.C VIII Olhos de boneca ME: PaCO2 acima de 55mmHg Testa os N.C II e III Reflexo consensual ausente 26COMA E MORTE ENCEFÁLICA 12. EXAMES COMPLEMENTARES Após realizar os exames clínicos, é obrigatória, segundo a legislação brasileira, a realização de exames complementares, que devem ser so- licitados para confirmar o diagnóstico de morte encefálica. Figura 3. Exame complementar, EEG. Fonte: Sanarflix O eletrencefalograma, EEG, é indi- cado em caso de suspeita de lesões no SNC. O EEG é um registro gráfi- co das diferenças de potencial entre duas regiões e um eletrodo indiferen- te. O registro gráfico caracteriza-se por ondas que refletem a contínua variação das diferenças de potencial entre as diversas regiões, isso porque cada neurônio cortical está submetido a impulsos inibitórios e excitatórios. Geralmente, nos exames se utilizam 21 eletrodos que são divididos em F,T,C,P,O,A, que indicam as regiões frontal, temporal, occipital, e auricular, seguidas por números pares ou ímpa- res para os lados direito ou esquerdo, e pela letra “z” para eletrodos situados na linha média. O aparelho permite a verificação da diferença de potencial entre uma região e qualquer outra, mas existem montagens padronizadas em que determinadas regiões são compa- radas entre si. Nos resultados do EEG em um adulto normal, sem nenhuma alteração, em vigília, relaxado e com 27COMA E MORTE ENCEFÁLICA os olhos fechados, é possível cons- tatar o ritmo alfa que se caracteriza por ondas de frequência entre 8 a 13 ciclos por segundo (Hz), sendo esses resultados mais evidentes nas regiões parietoccipitais e occipitais. Nas re- giões anteriores é possível perceber a atividade beta, caracterizada por on- das de frequência entre 14 e 30 Hz. Além disso, pequena proporção de atividade teta, 4 a 7 Hz, nas regiões temporais, também pode ocorrer no EEG do adulto normal. Mas e os EEG anormais? A partir do entendimento do EEG normal, pode-se compreen- der o EEG anormal. O EEG anormal caracteriza-se, principalmente, por assimetria entres os hemisférios, pelo aparecimento de atividade lenta ou por mudanças bruscas e transitórias do ritmo fundamental durante a vigília. O aparecimento de sinais de sofrimento que se manifestam por ondas lentas contínuas, focais ou difusas, é pre- cedido por lesões cerebrais provoca- das por diversos eventos patológicos, como por exemplo, acidentes vascu- lares cerebrais, traumatismos cranio- encefálicos, neoplasias, enecefalites, abscessos, entre outros. Ocorrem também ondas lentas e difusas em casos específicos, como intoxicações e distúrbios metabólicos que afetam o nível de consciência. Já nos estados de coma profundo, pode haver desapa- recimento das ondas cerebrais, ocor- rendo o silêncio elétrico. E quando o EEG deve ser indicado? Nos casos de distúrbios do sono, definição etiológi- ca de algumas demências, encefalites, intoxicações, distúrbios metabólicos e no diagnóstico de morte encefálica. Nesta última condição, deve ser asso- ciado a outros critérios. Em casos de morte encefálica, o EEG é o único exa- me possível para pacientes abaixo de 1 ano de idade. Deve demonstrar au- sência de atividade bioelétrica cerebral (silêncio elétrico cerebral é definido como a ausência de atividade elétrica maior que 2 microV, por um mínimo de 30 minutos). Com fluxo Sem fluxoCom fluxo Sem fluxo Figura 4. Exame complementar, doppler transcraniano. Fonte: Sanarflix 28COMA E MORTE ENCEFÁLICA Doppler transcraniano é um exame médico diagnóstico ultrassonográfi- co, que avalia as velocidades de flu- xo do sangue nas principais artérias do cérebro. As artérias examinadas são: artérias cerebrais médias, arté- rias cerebrais anteriores e posteriores, artérias carótidas internas intracra- nianas, artérias vertebrais, artéria ba- silar e artérias oftálmicas. Quando é solicitado? É primariamente utilizado para ajudar na pesquisa e investiga- ção de doenças vasculares cerebrais, como acidentes vasculares cerebrais isquêmicos, hemorragias intracrania- nas devido a rotura de aneurismas cerebrais e pesquisa de vasoespas- mo intracraniano. A avaliação de pa- cientes com anemia falciforme, na presença de necessidade de trans- fusões sanguíneas, é outro exemplo de excelente indicação clínica deste exame. O uso como diagnóstico de morte cerebral, na avaliação do es- tado de parada circulatória cerebral, tem sido bastante difundido pela fa- cilidade de realização deste método diagnóstico em ambiente de UTIs, a beira do leito. Nesse exame, casos de morte encefálica irão apresentar al- guns sinais que não são visualizados quando o exame não constata ME. Nestes casos, demonstra ausência de insonação dos vasos cerebrais, em pacientes previamente insona- dos; ausência de fluxo diastólico ou reverberante; e pequenos picos sis- tólicos isolados. Com fluxo Sem fluxo Figura 5. Exame complementar, arteriografia cerebral. Fonte: Sanarflix Com o desenvolvimento da TC, a ar- teriografia cerebral passou a ser indicada, sendo quase que restrita a casos de patologia vascular. A angio- grafia (arteriografia) cerebral é uma técnica utilizada para a detecção de 29COMA E MORTE ENCEFÁLICA anomalias dos vasos sanguíneos cerebrais, como aneurismas, arteri- tes, malformações arteriovenosas e obstruções vasculares. Como é re- alizado? Tecnicamente a introdução do contraste iodado intra-arterial pode ser feita por meio da punção direta, contudo cada vez mais reco- menda-se que seja realizada através de cateterismo da artéria femoral, por profissionais devidamente capa- citados. Uma vez atingido o local de estudo apropriado, é injetado con- traste radiológico e são adquiridas imagens digitais. Estas imagens são processadas e trabalhadas, forne- cendo importantes informações e po- dendo ser armazenadas em películas ou em CD. A arteriografia é um méto- do que evolui de forma rápida,sendo atualmente um procedimento seguro e largamente utilizado nos grandes centros médicos. Quando é solicita- do esse exame? Em casos de hemor- ragias subaracnóideas este exame é fundamental para o diagnóstico de aneurismas e outras malformações vasculares que raramente são visíveis ou bem caracterizadas pela TC. O es- tudo angiográfico deve incluir ambos os territórios carotídeos e o território vértebro-basilar. Além disso, ser- ve para confirmar o diagnóstico da morte encefálica, quando há ausên- cia de fluxo sanguíneo, evidenciada por fatores como parada circulatória no polígono de Willis e enchimento lento, acima de quinze segundos, do seio longitudinal superior cerebral. SE LIGA! O artigo 13 da Lei nº 9.434/1997 determina ser obrigatório, para todos os estabelecimentos de saú- de, informar as centrais de notificação, captação e distribuição de órgãos das unidades federadas onde ocorrer diag- nóstico de morte encefálica, feito em pa- cientes por eles atendidos. 13. CUIDADOS GERAIS Após a confirmação do diagnóstico de morte encefálica, o médico deve tomar uma conduta diante do cadáver. A partir desse momento, as medidas terapêuticas não são mais empre- endidas em benefício do paciente, que já está morto e sem possibilida- de de reversão do quadro. A relação médico-paciente e o compromisso ético permanecem, pois mesmo sem vida o cadáver é um indivíduo por di- reito. Cabe a família e ao médico de- cidir sobre o destino a ser dado a este indivíduo, suspender o suporte e aguardar a parada cardiorrespiratória, ou mantê-lo. A manutenção do su- porte somático a pacientes em ME se justifica em duas situações: possibili- tar a boa homeostase dos órgãos de um potencial doador, ou possibilitar a maturação fetal de gestantes em ME. O processo de doação de órgãos já começou a partir do momento em que o intensivista notificou a provável ME, mas esse é o momento em que a fa- mília é informada sobre a possibilidade da doação dos órgãos de seu parente, pois não se deve abordar a questão da 30COMA E MORTE ENCEFÁLICA doação antes da certeza da morte. Até se obter uma posição da família e após a decisão, se a opção for por doação, o intensivista deve proporcionar a es- tabilidade e homeostase do paciente, mesmo sabendo que ele está morto. 14. DOAÇÃO DE ÓRGÃOS Após a parada cardiorrespiratória, pode ser realizada a doação de tecidos como córnea, pele, musculoesquelético, den- tre outros. A Lei 9.434 estabelece que doação de órgãos pós morte só pode ser feita quando for constatada a mor- te encefálica. A doação só poderá ser realizada, no caso de paciente em morte encefálica, se houver autori- zação de um fami- liar, como previsto em lei. Se os familia- res não autorizarem, a doação não pode- rá ser realizada. Pela legislação brasileira, não há como garantir efetivamente a von- tade do doador, no entanto, observa-se que, na grande maio- ria dos casos, quando a família tem conhe- cimento do desejo do parente falecido, esse desejo é respeita- do. Por isso, a infor- mação e o diálogo são absolutamente fundamentais e necessários. A previ- são legal concede maior segurança aos envolvidos, tanto para o doador quanto para o receptor e para os serviços de transplantes. A vontade do doador, ex- pressamente registrada, também pode ser aceita, caso haja decisão judicial nesse sentido. Em razão disso tudo, orienta-se que a pessoa que deseja ser doadora de órgãos e tecidos, comuni- que sua vontade aos seus familiares. Os órgãos doados vão para pacientes que necessitam de um transplante e estão aguardando em lista única, defi- nida pela Central de Transplantes da Secretaria de Saúde de cada estado e controlada pelo Sistema Nacional de Transplantes (SNT). FLUXOGRAMA COM PASSO A PASSO DO DIAGNÓSTICO DE ME Diagnóstico ECG – Abertura ocular. Resposta verbal. Resposta motora Identificação da ME1 Causas irreversíveis Nível de consciência (Escala de coma de Glasgow)2 Exame clínico neurológico e reflexos3 Teste de apneia4 Exame complementar confirmatório5 Segundo exame neurológico e reflexos (feito por outro especialista)6 Reflexo óculo-motor. Reflexo córneo-palpebral. Reflexo óculo-cefálico. Reflexo óculo-vestibular (vestíbulococlear). Reflexo de tosse EEG ARTERIOGRAFIA CEREBRAL DOPPLER TRANSCRANIANO 31COMA E MORTE ENCEFÁLICA MAPA MENTAL – RESUMO DO SM Alterações Tríade de cushing Fisiopatologia de ME Depressores do SNC MEHipotermia Disfunção ECG alterado Declínio gradual de ADH Distúrbio tireoidiano Lesão pulmonar Cardiovasculares Endócrinas Pulmonares Velocidade do fluxo sanguíneo Parada circulatória cerebral Ausência de fluxo sanguíneo Contraste iodado Silêncio elétrico Diastólica Sistólica ↓ Frequência cardíaca Arritmias cardíacas Leve T > 34 GRAUS Moderada T- 30 a 34 GRAUS Grave T < 30 GRAUS Barbitúricos Opiáceos Benzodiazepínicos Curares Mimetizam a ME Diagnóstico Estado clínico irreversível Exames clínicos Reflexo córneo-palpebral Teste de apneia Reflexo vestibulococlear Reflexo óculo cefálico Reflexo fotomotor Reflexo de tosse Abertura ocular Resposta motora Resposta verbal Escala de Glasgow Exames complementares Ausência de perfusão cerebral Doppler transcraniano Arteriografia cerebral EEG 32COMA E MORTE ENCEFÁLICA REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CASTELLI, Isabela. Comunicação de más notícias: a distância entre morte encefálica e a do- ação de órgãos. 2017. PINHEIRO, Erick Marques et al. Incidência de protocolos de morte encefálica, captações e fatores que influenciam o processo de doação de órgãos em um Complexo Hospitalar Re- gional. Revista Eletrônica Acervo Saúde, n. 39, p. e2274-e2274, 2020. YOUSSEF, Nazah Cherif Mohamad. DOCUMENTOS REFERENTES AO PROCESSO DE MORTE ENCEFÁLICA. Arquivos do CRM-PR, v. 35, n. 138, 2018. Pinto FCG. Manual de Iniciação em Neurocirurgia. 2a. Edição, Editora Santos, 2012. 33COMA E MORTE ENCEFÁLICA
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