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DOCÊNCIA EM SAÚDE TURISMO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL 1 Copyright © Portal Educação 2014 – Portal Educação Todos os direitos reservados R: Sete de setembro, 1686 – Centro – CEP: 79002-130 Telematrículas e Teleatendimento: 0800 707 4520 Internacional: +55 (67) 3303-4520 atendimento@portaleducacao.com.br – Campo Grande-MS Endereço Internet: http://www.portaleducacao.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - Brasil Triagem Organização LTDA ME Bibliotecário responsável: Rodrigo Pereira CRB 1/2167 Portal Educação P842t Turismo e desenvolvimento sustentável / Portal Educação. - Campo Grande: Portal Educação, 2014. 157 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-8241-756-0 1. Turismo. 2. Desenvolvimento sustentável. 3. Ecoturismo. I. Portal Educação. II. Título. CDD 338.4577 2 SUMÁRIO 1 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL .................................................................................... 4 1.1 CONCEITOS E DEFINIÇÕES .................................................................................................... 4 1.2 MARCO LEGAL ......................................................................................................................... 10 1.3. ORIGEM E HISTÓRICO ............................................................................................................ 15 1.4 RELAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E O TURISMO ................................... 18 2 TURISMO E RECURSOS NATURAIS ...................................................................................... 24 2.1 TURISMO NA ATUALIDADE ..................................................................................................... 24 2.2 TURISMO E MEIO AMBIENTE ................................................................................................. 28 2.3 IMPACTOS POSITIVOS E NEGATIVOS DO TURISMO NA NATUREZA ................................. 35 3 TIPOS DE TURISMO E NATUREZA ........................................................................................ 46 3.1 TIPOS DE TURISMO NA NATUREZA ...................................................................................... 46 3.2 ATRAÇÕES TURÍSTICAS: NATURAIS E PLANEJADAS ......................................................... 49 3.3 TURISMO EM ÁREAS PROTEGIDAS ...................................................................................... 57 3.4 USO PÚBLICO EM ÁREAS PROTEGIDAS ............................................................................. 65 4 PLANEJANDO O TURISMO EM ÁREAS NATURAIS ............................................................. 85 4.1. CONCEITOS E DEFINIÇÕES ................................................................................................... 85 4.2 DIRETRIZES PARA O PLANEJAMENTO ................................................................................. 89 4.3 INFRA-ESTRUTURAS MÍNIMAS ............................................................................................. 101 4.4 ZONEAMENTO ........................................................................................................................ 105 4.5 CAPACIDADE DE CARGA ....................................................................................................... 111 4.6 ASPECTOS GERAIS................................................................................................................ 118 4.7 RECURSOS HUMANOS/PROGRAMAS .................................................................................. 126 4.8 TURISMO NA NATUREZA – INTERPRETAÇÃO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL ....................... 129 4.9 TÓPICOS DA POLÍTICA NACIONAL DE ECOTURISMO ....................................................... 133 4.10 LEGISLAÇÃO BÁSICA ............................................................................................................. 139 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................. 145 ANEXO 1 FLUXOGRAMA DE PLANEJAMENTO ............................................................................. 148 3 ANEXO 2 PROGRAMA DE USO PÚBLICO DO PARNA DO IGUAÇU ............................................. 149 4 1 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL 1.1 CONCEITOS E DEFINIÇÕES Ao contrário do que ocorreu na origem do ambientalismo, o objeto de escolha do pensamento ecológico atualmente não se situa mais entre desenvolvimento ou proteção do meio ambiente. A escolha se coloca precisamente entre que tipo de desenvolvimento se deseja implementar de agora em diante, uma vez que após a criação das tecnologias limpas – a nova vantagem competitiva no mercado – desenvolvimento e meio ambiente deixaram de ser considerados como duas realidades antagônicas, e passaram a ser complementares. O Ecodesenvolvimento O conceito de ecodesenvolvimento, lançado por Maurice Strong em junho de 1973, consistia na definição de um estilo de desenvolvimento adaptado às áreas rurais do Terceiro Mundo, baseado na utilização criteriosa dos recursos locais, sem comprometer o esgotamento da natureza, pois nestes locais ainda havia a possibilidade de tais sociedades não se engajarem na ilusão do crescimento mimético. Com a Declaração de Cocoyoc no México, em 1974, também as cidades do Terceiro Mundo passam a ser consideradas no ecodesenvolvimento. Finalmente, na década de 80, o economista Ignacy Sachs se apropria do termo e o desenvolve conceitualmente, criando um quadro de estratégias ao ecodesenvolvimento. Parte da premissa deste modelo se baseia em três pilares: eficiência econômica, justiça social e prudência ecológica. O ecodesenvolvimento representa uma abordagem ao desenvolvimento, cujo horizonte temporal coloca-se há décadas ou mesmo séculos adiante. Entende que a satisfação das necessidades das gerações futuras deve ser garantida, isto é, deve haver uma solidariedade diacrônica sem que, no entanto, comprometa a solidariedade sincrônica com a geração presente, já por demais sacrificada pelas disparidades sociais da atualidade. Entre as condições para tornar o conceito operacional, destaca-se a necessidade do amplo conhecimento das culturas e dos ecossistemas, sobretudo, em como as pessoas se relacionam com o ambiente e como elas enfrentam seus dilemas cotidianos; bem como o 5 envolvimento dos cidadãos no planejamento das estratégias, pois eles são os maiores conhecedores da realidade local. Sachs sugere o pluralismo tecnológico como o esquema mais conveniente, envolvendo tanto a tradicional tecnologia mão-de-obra intensiva como a capital intensivo. Aproximando-se dos princípios do desenvolvimento endógeno, Sachs esclarece que o ecodesenvolvimento é um estilo de desenvolvimento que, em cada ecoregião, insiste nas soluções específicas de seus problemas particulares, levando em conta os dados ecológicos da mesma forma que os culturais, as necessidades imediatas como também aquelas a longo prazo. (...) Sem negar a importância dos intercâmbios, o ecodesenvolvimento tenta reagir à moda predominante das soluções pretensamente universalistas e das fórmulas generalizadas. Em vez de atribuir um espaço excessivo à ajuda externa, dá um voto de confiança à capacidade das sociedades humanas de identificar os seus problemas e de lhes dar soluções originais, ainda que se inspirando em experiências alheias. Afirma ainda, que “nada justifica o otimismo tecnológico ilimitado segundo o qual a sociedade encontra sempreuma solução técnica aos problemas econômicos, sociais ou ecológicos por mais difíceis que possam parecer”. Sachs promove um alerta com relação à atuação ilimitada do mercado, nem sempre capaz de atuar livremente sem a regulação estatal: “crescimento e modernização podem levar tanto ao mal desenvolvimento como ao desenvolvimento, sendo o primeiro um resultado muito mais provável na ocorrência de um processo impulsionado pelo mercado e que dê ênfase a sistemas técnicos complexos.” Devemos então, para implementar uma estratégia de desenvolvimento comprometida com a prudência ecológica e justiça social, impor-nos voluntariamente um teto do consumo material, procurando gratificação em esferas não-materiais da nossa vida, e desse modo enfatizando a dimensão cultural da natureza humana, ou ficaremos presos na corrida acelerada da aquisição de número cada vez maior de bens (LAYRARGUES, 1997). O Desenvolvimento Sustentável A Assembléia Geral do ONU, de 1983, criou a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, presidida por Gro Harlem Brundtland, cujo relatório intitulado Nosso Futuro Comum, tinha como objetivo: “Propor estratégias ambientais de longo prazo para se obter um Desenvolvimento Sustentável por volta do ano 2.000, e daí em diante recomendar maneiras para que a preocupação com o meio ambiente se traduza em maior cooperação entre os países em desenvolvimento e entre países em estágios diferentes de desenvolvimento econômico e social, 6 e leve à consecução de objetivos comuns e interligados que considerem as inter-relações de pessoas, recursos, meio ambiente e desenvolvimento (...). Para efeito de mensuração de resultados, gostaria de lembrar que estamos em 2008 e pouco se conseguiu de efetivo e pouca coisa precisaria ser atualizada neste documento hoje. A partir da já consolidada constatação de que o planeta é um só e finito, existiriam preocupações e desafios comuns à humanidade, que demandariam esforços também comuns a todos. Esta é a premissa básica defendida pela Comissão Brundtland: independente da existência de atores sociais implicados na responsabilidade da degradação ambiental, a busca de soluções seria uma tarefa comum a toda humanidade. Na tentativa de generalizar os fatos, omite um contexto histórico, e cria o “homem abstrato”, cuja conseqüência significa a retirada do componente ideológico da questão ambiental, que passa a ser considerada com certa dose de ingenuidade e descompromisso, frente à falta de visibilidade do procedimento histórico que gerou a crise ambiental. O destaque do Relatório é sem dúvida a elaboração de um novo conceito: o conceito de Desenvolvimento Sustentável tem, é claro, limites – não limites absolutos, mas limitações impostas pelo estágio atual da tecnologia e da organização social, no tocante aos recursos ambientais, e pela capacidade da biosfera de absorver os efeitos da atividade humana. Mas tanto a tecnologia quanto a organização social podem ser geridas e aprimoradas a fim de proporcionar uma nova era de crescimento econômico. Para a Comissão, a pobreza generalizada já não é inevitável. A pobreza não é apenas um mal em si mesma, mas para haver um Desenvolvimento Sustentável é preciso atender às necessidades básicas de todos e dar a todos a oportunidade de realizar suas aspirações de uma vida melhor. Um mundo onde a pobreza é endêmica estará sempre sujeito a catástrofes, ecológicas ou de outra natureza. Existem muitas semelhanças entre o ecodesenvolvimento e o Desenvolvimento Sustentável. Ambos consideram o direito das gerações futuras como um princípio ético básico, ambos afirmam que o componente ambiental deve entrar concomitantemente com o critério econômico no processo decisório, com o aval das comunidades envolvidas. A meta desejada tanto por Sachs como pela Comissão Brundtland é a criação de uma sociedade sustentável. Daí advém, certamente, as variadas interpretações, de que ambos os conceitos seriam um sinônimo, ou de que o Desenvolvimento Sustentável representaria o ecodesenvolvimento em um estágio de elaboração mais evoluído. 7 Mas a pergunta a ser tratada é: compartilhar de uma mesma meta – alcançar uma sociedade ecologicamente sustentável – significa compartilhar das mesmas estratégias de execução? Por que criar um novo conceito? Não seria suficiente apresentar o ecodesenvolvimento como a teoria contraposta às mazelas do desenvolvimento convencional? Entende-se haver diferenças entre os dois conceitos, no mínimo sutis, mas que traduzem ideologias diferentes, uma vez que podemos encontrar no Desenvolvimento Sustentável, traços de incompatibilidade entre a meta pretendida e seus meios utilizados. Pois bem, concomitante à crise ambiental, vivenciamos uma crise de produção, onde o liberalismo cede espaço ao neoliberalismo, que postula que o Estado, antes considerado necessário para impulsionar a competitividade no mercado, deve retirar-se completamente de cena. Assim, também para as questões ambientais, a resposta estaria no mercado total, como postula o Desenvolvimento Sustentável, e não em ação conjunta com o planejamento. Então, localizadas as diferenças existentes entre os conceitos do ecodesenvolvimento e Desenvolvimento Sustentável, o que diferencia o Desenvolvimento Sustentável do modelo convencional? A conclusão mais plausível é que este último – leia-se as forças do mercado – sob pressão da nova realidade ecológica e da necessidade de assumir uma nova postura desponta sob uma nova roupagem, sem que tenha sido necessário modificar sua estrutura de funcionamento. O mecanismo cujo funcionamento é dependente da lógica do mercado, sequer foi abalado, ou melhor, saiu até mais fortalecido. O Desenvolvimento Sustentável assume claramente a postura de um projeto ecológico neoliberal, que sob o signo da reforma, produz a ilusão de vivermos um tempo de mudanças, na aparente certeza de se tratar de um processo gradual que desembocará na sustentabilidade socioambiental. A partir das últimas décadas a questão ambiental tornou-se uma preocupação mundial. A grande maioria das nações do mundo reconhece a emergência dos problemas ambientais - destruição da camada de ozônio, acidentes nucleares, alterações climáticas, desertificação, armazenamento e transporte de resíduos perigosos, poluição hídrica, poluição atmosférica, pressão populacional sobre os recursos naturais, perda de biodiversidade são algumas das questões a serem resolvidas por cada uma das nações do mundo - segundo suas respectivas especificidades. 8 Entretanto, a complexidade dos problemas ambientais exige mais do que medidas pontuais que busquem resolver problemas a partir de seus efeitos, ignorando ou desconhecendo suas causas. A questão ambiental deve ser tratada de forma global, considerando que a degradação ambiental é resultante de um processo social, determinado pelo modo como a sociedade apropria-se e utiliza os recursos naturais. Não é possível pretender resolver os problemas ambientais de forma isolada. É necessário introduzir uma nova abordagem decorrente da compreensão de que a existência de uma certa qualidade ambiental está diretamente condicionada ao processo de desenvolvimento adotado pela nações. O modo como se dá o crescimento econômico, comprometendo o meio ambiente, seguramente prejudica o próprio crescimento, pois inviabiliza um dos fatores de produção: o capital natural. Natureza, terra, espaço, devem compor o processo de desenvolvimento como elementos de sustentação e conservação dos ecossistemas. A degradação ou destruição de um ecossistema compromete a qualidade de vida da sociedade, uma vez que reduz os fluxos de bens e serviços que a natureza pode oferecer à humanidade. Logo, um desenvolvimento centrado no crescimento econômico que relegue para segundo plano as questões sociais e ignore os aspectos ambientais não pode ser denominadode desenvolvimento, pois de fato trata- se de mero crescimento econômico. Em 1987 a Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas apresentou ao mundo um relatório (denominado de Relatório Brundland) sobre o tema desenvolvimento. Esse relatório apresentou o conceito de Desenvolvimento Sustentável, além de afirmar que um desenvolvimento sem melhoria da qualidade de vida das sociedades não poderia se considerado como desenvolvimento. O relatório Brundland definiu Desenvolvimento Sustentável como um desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações de satisfazerem as suas. Pode-se considerar, portanto, Desenvolvimento Sustentável como o desenvolvimento que, tratando de forma interligada e interdependente as variáveis econômica, social e ambiental, é estável e equilibrado garantindo melhor qualidade de vida para as gerações presentes e futuras. É certo que a implementação do Desenvolvimento Sustentável passa necessariamente por um processo de discussão e comprometimento de toda a sociedade, uma vez que implica 9 em mudanças no modo de agir dos agentes sociais. No processo de implementação do Desenvolvimento Sustentável a Educação Ambiental torna-se um instrumento fundamental. O sucesso das ações que devem conduzir ao Desenvolvimento Sustentável dependerá em grande parte da influência da opinião pública, do comportamento das pessoas, e de suas decisões individuais. Mesmo considerando que existe certo interesse pelas questões ambientais, há de se reconhecer a falta de informação e conhecimento dos problemas ambientais. Logo, a Educação Ambiental que tenha por objetivo informar e sensibilizar as pessoas sobre os problemas (e possíveis soluções) existentes em sua comunidade, buscando transformar essas pessoas em indivíduos que participem das decisões sobre seu futuro, exercendo desse modo o direito à cidadania, torna-se instrumento indispensável no processo de Desenvolvimento Sustentável. Uma das formas de levar Educação Ambiental à comunidade é pela ação direta do professor na sala de aula e em atividades extracurriculares. Através de atividades como leitura, trabalhos escolares, pesquisas e debates, os alunos poderão entender os problemas que afetam a comunidade onde vivem; refletir e criticar as ações que desrespeitam e, muitas vezes, destroem um patrimônio que é de todos. Os professores são a peça fundamental no processo de conscientização da sociedade dos problemas ambientais, pois buscarão desenvolver em seus alunos hábitos e atitudes sadias de conservação ambiental e respeito à natureza, transformando-os em cidadãos conscientes e comprometidos com o futuro do país, pois aqueles que lidam com a educação devem conhecer e difundir os três principais resultados das discussões realizadas na Conferência de Estocolmo, pautadas no relatório do clube de Roma, ressaltando que a data da Conferência originou o Dia Mundial do Meio Ambiente – 5 de junho. Os três aspectos principais da Conferência podem ser assim enumerados: A-) Criação de um organismo chamado PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) que está vinculado diretamente à ONU, tendo sua sede em Nairobi, capital do Quênia; B-) A Declaração da ONU foi assinada por mais de 113 países e seu artigo 19 traz as considerações sobre a educação em questões ambientais como já havíamos salientado anteriormente; C-) E a criação do PIEA (Programa Internacional de Educação Ambiental) que só teve maior expressão após a formulação dos seus princípios na Conferência de Belgrado, 10 mas já podemos adiantar que se trata de uma continuidade, ou uma ampliação, do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente). E saindo do prisma dos tratados e conferências é necessário que se faça uma avaliação sob o ponto de vista constitucional, pois a proteção dada pela Constituição Federal ao meio ambiente ainda é pequena, diante da infinidade de novas situações jurídicas que se apresentam, mesmo porque o direito não é estanque, mas sim a têm nos costumes como um dos princípios do direito, e segundo os costumes e a convivência entre os componentes certamente surgiram novas situações que precisam ser regradas em alguns casos e protegida em outros. 1.2 MARCO LEGAL Este tema, a questão ambiental, foi um dos mais polêmicos títulos ao longo do processo constituinte. Está organizado em quatro capítulos: Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica (artigo 170 a 181), da Política Urbana (182 e 183), Da Política Agrícola e Fundiária e Da Reforma Agrária (184 a 191) e Do Sistema Financeiro Nacional (192) - distribuídos na Constituição Federal. Declara a Constituição que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social. Repete-se aqui, pois, a declaração liberal com preocupações sociais, que marca o texto constitucional na dimensão sócio-econômica. São princípios da ordem econômica: soberania nacional, propriedade privada, função social da propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor, defesa do meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego e tratamento favorecido às empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte. A todos é assegurado o exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo os casos previstos em lei. De imediato é feita a distinção entre empresa brasileira, aquela constituída sob as leis do país e com sede e administração neste, e empresa brasileira de capital nacional, aquela cujo controle efetivo esteja, em caráter permanente, sob a titularidade direta ou indireta de pessoas físicas domiciliadas e 11 residentes no Brasil ou de entidades de direito público interno. Define-se que o controle efetivo é a titularidade da maioria do capital votante e o exercício, de fato e de direito, do poder decisório. À empresa de capital nacional, a legislação poderá conceder proteções e benefícios especiais temporários para desenvolver atividades estratégicas para a defesa nacional ou imprescindíveis ao desenvolvimento. No campo tecnológico, a concepção de controle poderá ser estendida às atividades de tecnologia da empresa. O poder público dará tratamento preferencial à empresa de capital nacional na aquisição de bens e serviços, na forma regulada em lei. O investimento estrangeiro será também regulado pela legislação, aliás, existente no país, há algumas décadas, a qual limita a remessa de lucros. A exploração direta da atividade econômica pelo Estado sofre limitações - segurança nacional ou relevante interesse coletivo - e as empresas públicas, sociedades de economia mista e entidades estatais que explorem atividades econômicas sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto à parte tributaria e trabalhista. Legislações estão previstas para regular o relacionamento da estatal com a sociedade, o controle do abuso do poder econômico e as manobras que visem controlar mercados ou eliminar a concorrência de parte das empresas privadas. A pessoa jurídica passará a ter responsabilidades e punições, além da responsabilidade individual dos dirigentes, nos atos praticados contra a economia popular e a ordem econômica. O Estado é proclamado agente normativo e regulador da atividade econômica, exercendo fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este último determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. O cooperativismo será estimulado pela lei. A atividade garimpeira será organizada em cooperativas. O ato cooperativo entre a entidade e seu filiado terá tratamento tributário especial. E o cooperativismo de crédito, que chegou a sofrer severas restrições em passado recente, é garantido.A Constituição regula a prestação de serviços públicos diretamente através do Estado ou sob regime de concessão ou permissão. A legislação disporá sobre o regime de concessões e permissões e o caráter especial dos contratos a respeito, sobre os direitos dos usuários, a política tarifária e a obrigação de manter serviço adequado. Os recursos minerais e os potenciais de energia elétrica constituem propriedade distinta do solo, e são bens da União para efeito de exploração e aproveitamento, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra. 12 O turismo deverá ser incentivado. Documentos ou informações comerciais requisitados por autoridade estrangeira à pessoa física ou jurídica nacional somente serão fornecidos com autorização do poder competente. O sistema financeiro nacional será organizado por uma lei complementar que tratará da autorização para o funcionamento das instituições financeiras, e dos estabelecimentos de seguro e capitalização, das condições de participação do capital estrangeiro neste tipo de empresas, do funcionamento e atribuições do Banco Central, da criação de fundo de garantia dos depósitos e aplicações populares, das restrições à transferência de poupança das regiões de menor renda e do funcionamento das cooperativas de crédito. As autorizações para agências bancárias e financeiras não mais serão comercializadas. As taxas de juros reais não poderão ser superiores a cobrança estipulada pelo Governo, ultrapassar este limite será conceituado como crime de usura e, como tal, punido pela lei. Após esse panorama geral, a linha principal deste material seguirá o disposto no art. 170, VI (defesa do meio ambiente) e por extensão VII da Constituição Federal (redução das desigualdades regionais e sociais), e a justificativa é simples, pois baseados em conceitos antropológicos o homem é fruto do meio, e mesmo que essa questão seja passível de discordância, ninguém poderá afirmar que o homem sobreviveria sem apoiar-se no meio ambiente, sem retirar dele matéria-prima para transformá-la em todas as benesses que nos cercam, porém como será exposto no decorrer do trabalho, nada é inesgotável, principalmente quando falamos em meio ambiente. E se o desenvolvimento da humanidade não for sustentado pelo meio ambiente o caos estará formado, pois vai influenciar negativamente a economia na maior parte dos seus segmentos, seja educacional, seja no tocante à saúde, à igualdade das pessoas, à segurança e também à propriedade privada. E feitas as considerações sobre o Título VII da Ordem Econômica e Financeira, e o Desenvolvimento Sustentável, segundo os parâmetros constitucionais e grifos pessoais, traz uma reflexão mais efetiva sobre a valia do ambiente, a importância de sua proteção e uma legislação mais severa sobre os crimes ambientais. A Declaração da ONU sobre o Meio Ambiente consigna em seu Princípio 17 (3): "Como parte de sua contribuição ao desenvolvimento econômico e social, devem ser utilizadas a ciência e a tecnologia para descobrir, evitar e combater os riscos que ameaçam o meio ambiente, para solucionar os problemas ambientais e para o bem comum da humanidade". 13 É importante ressaltar que se trata de conceito chave para a construção da proteção ambiental internacional, que já não opera com o instituto da prevenção do dano, mas com a avaliação do risco de dano ambiental como fundamento para a instituição de medidas positivas ou negativas. É vedado que se utilize da incapacidade econômica para que se postergue ou mesmo não se lance mão de medidas orientadas à prevenção da ameaça de agressividade ao patrimônio ambiental. É no custo ambiental da medida que será indispensável a vinculação à capacidade econômica estatal, que será obrigatoriamente discriminada e diferenciada em atenção à maior ou menor possibilidade do emprego de tecnologia adequada. “O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, e é portador solene da obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras". Pensar sobre o direito ambiental importa em refletir sobre o solo da vida - o ambiente em seus infinitos ecossistemas e correlações, em cuja totalidade insere-se a vida humana. É sobre a base da natureza que o homem desenvolve sua atividade cultural, segundo certos valores, na busca de múltiplos objetivos, cuja paulatina textura constitui a História. É a partir destes pressupostos do Direito Ambiental que conduziremos nossas reflexões sobre o Desenvolvimento Sustentável e as relações deste com o Turismo, cujo surgimento é contemporâneo de uma crise civilizatória sem precedentes, a tal ponto que um dos pioneiros na luta por uma consciência ambiental, no Brasil, já se perguntava, em 1978, se estaríamos em face do fim do futuro. O encobrimento do ambiente, nessa cisão entre ciência e natureza, essa quase substituição da natureza por sua formalização matemática, acham-se na origem do menosprezo com que se tem lidado com o solo da vida. É mera superstição científica a crença em um saber capaz de tudo realizar e dominar tecnicamente qualquer dificuldade. Dentre os efeitos nocivos da racionalidade científica e de suas resultantes tecnológicas, ressaltam aqueles adversos ao ambiente. A degradação inicial, atingindo campos, bosques, lagos, rios e conglomerados urbanos, foi sucedida, a partir dos anos 80, por grandes catástrofes locais com amplas conseqüências: Seveso, Bhopal, Three Mile Island, Chernobyl, secagem do Mar de Aral, poluição do lago Baikal, cidades no limite da asfixia (México, Atenas). 14 Revelando plena consciência do assunto, dispõe, com exemplar clareza, o art. 225, da Constituição de 05-10-88: todos têm o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. O dispositivo constitucional vem muito a propósito, nesta época de neoliberalismo, em que, pretendendo-se avançar em nome da modernidade, recobre-se o campo histórico com uma ideologia que já ocasionou grandes malefícios no século XIX, e que, agora, numa marcha à ré histórica, quer impor seu pensamento único, desrespeitoso da diversidade e agressivo às conquistas sociais integrantes do patrimônio político-jurídico da humanidade. Não é necessário ser particularmente perspicaz para perceber que a representação neoliberal da realidade, em que do caráter central e prescritivo do mercado decorrem a escala de valores e as regras segundo as quais os homens devem viver, constitui uma visão unilateral de determinada categoria de homens, que pretendem fazer passar seus interesses pessoais pelos interesses universais do gênero humano. Seu efeito mais terrível consiste em afastar da esfera da cidadania uma porção significativa da população. O desenvolvimento provou ser um mito global e uma concepção redutora, em que o crescimento econômico é o motor necessário e suficiente de todos os desenvolvimentos sociais, psíquicos e morais. Essa concepção técnico-econômica ignora os problemas humanos da identidade, da comunidade, da solidariedade, da cultura, mostrando-se a noção de desenvolvimento gravemente subdesenvolvida. Apesar de tudo, a idéia de desenvolvimento continua a permear a legislação e a influir na interpretação e aplicação do Direito Ambiental. Todavia, a idéia desenvolvimentista, em sentido econômico, permanece dominante, caracterizando a incidência da ideologia sobre o direito positivo. Já a Constituição de 1988, em seu art. 225, não alude à idéia de desenvolvimento. A expressão Desenvolvimento Sustentável resultou da percepção dos efeitos perniciosos, quando não irremissíveis,produzidos pelo núcleo econômico da idéia desenvolvimentista, de modo a compatibilizá-la com o imperativo da preservação do meio ambiente, consistindo na exploração equilibrada dos recursos naturais, nos limites da satisfação das necessidades e do bem-estar da presente geração, assim como de sua conservação no interesse das gerações futuras. Sendo impossível expungir a legislação ambiental da expressão desenvolvimento, mais vale, do ponto de vista hermenêutico, entendê-la como utilização sustentável do meio ambiente, uma vez que o desenvolvimento não é necessariamente um bem, ainda que sustentável. Jamais 15 se explicou satisfatoriamente porque se haveria de considerar o desenvolvimento uma necessidade permanente e inelutável. É impossível ver as normas ambientais como seres em si, sem confrontá-las com os fatos sociais a reclamar urgentes respostas é preciso desvendar os interesses e ideologias à base das normas e os objetivos que visam realizar. Assim, perceber-se-á sua vinculação com a política, de modo geral, e com os dados econômicos emergentes no jogo político ou dele propositadamente subtraídos. E, no entanto, temos uma Constituição Federal que aborda a questão ambiental com rara propriedade, apesar das dúvidas que pairam sobre a competência legislativa da União, dos Estados e dos Municípios, que, com o tempo, deverão ser dirimidas pelos nossos tribunais. A agressão egoística ou irresponsável deste, beneficiando apenas os predadores incapazes de antecipar o futuro, torna impossível cogitar da justiça social ou do bem comum, apontando para o fim do futuro. 1.3. ORIGEM E HISTÓRICO Ao longo dos séculos, a sociedade moderna vem privilegiando categorias, com a noção de progresso que condiciona a atribuição do sentido de Desenvolvimento. Este passou a ser visto como a redenção da humanidade, uma vez que a salvação não se encontrava mais em verdades divinas, ou em penitências e nem no subjugo dos sentimentos materiais, mas sim, na satisfação material, na aquisição de bens e no acúmulo de riquezas. A natureza passa a ser concebida como algo externo ao homem, que é aquele capaz de dominá-la, demonstrando a separação entre sujeito e objeto. O progresso passou a implicar em crescimento acelerado e constante da economia e a fé cega no progresso permitiu por um lado, eliminar as dúvidas e, por outro, ocultar as barbáries cometidas em sua busca. Na Revolução Industrial, a natureza passou a ser percebida a partir da racionalidade econômica, ou seja, tornar recursos naturais ou matérias-primas em produtos a serem apropriados ao processo de transformação. A preocupação da comunidade internacional com os limites do desenvolvimento do planeta data da década de 60, quando começaram as discussões sobre os riscos da degradação 16 do meio ambiente. Tais discussões ganharam tanta intensidade que levaram a ONU a promover uma Conferência sobre o Meio Ambiente em Estocolmo (1972). Das controvérsias deste documento e da realização da Conferência, aprofundaram-se os questionamentos sobre o processo de desenvolvimento e a necessidade de encontrar alternativas. Com a publicação no Brasil em 1987 de “O Nosso Futuro Comum” (ou Relatório Brundtland) da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD). Desenvolvimento Sustentável passa a ser conceituado como: “... Desenvolvimento Sustentável precisa atender às necessidades de todos e dar a todos a oportunidade de realizar suas aspirações de uma vida melhor... sem comprometer as possibilidades das gerações futuras atenderem às suas próprias”. Sachs (1994, apud ARAUJO, 2001), com base neste contexto, apresenta cinco dimensões da sustentabilidade necessárias para planejar o desenvolvimento, ou melhor, o ecodesenvolvimento: • Viabilidade social, baseada na consolidação de outro tipo de desenvolvimento e orientado por uma outra visão do que é a boa sociedade. Objetiva-se construir uma civilização do ser, em que exista maior eqüidade na distribuição do ter; • Viabilidade econômica, possibilitada por uma gestão mais eficiente dos recursos e por um fluxo regular do investimento público e privado. A eficiência econômica deve ser avaliada por critérios macro-sociais e não apenas em termos da lucratividade micro-empresarial; • Viabilidade ecológica, que pode ser incrementada pelo uso de algumas alavancas como: intensificação do uso dos recursos potenciais com um mínimo de dano aos sistemas de sustentação da vida; limitação do consumo de combustíveis fósseis e de outros produtos facilmente esgotáveis ou ambientalmente prejudiciais; redução da carga de poluição; auto-limitação do consumo material pelos países ricos; intensificação da pesquisa de tecnologias limpas; definição de regras para uma adequada proteção ambiental; • Viabilidade espacial, voltada para um equilíbrio urbano-rural, com melhor distribuição territorial de assentamentos humanos e atividades econômicas; • Viabilidade cultural traduz-se na busca do ecodesenvolvimento em uma pluralidade de soluções particulares que respeitem as especificidades de cada ecossistema, de cada cultura e de cada local. 17 No mesmo ano, Dennis Meadows e os pesquisadores do "Clube de Roma" publicaram o estudo Limites do Crescimento. O estudo concluía que, mantidos os níveis de industrialização, poluição, produção de alimentos e exploração dos recursos naturais, o limite de desenvolvimento do planeta seria atingido, no máximo, em 100 anos, provocando uma repentina diminuição da população mundial e da capacidade industrial. O estudo recorria ao neo-malthusianismo como solução para a iminente "catástrofe". As reações vieram de intelectuais do Primeiro Mundo (para quem a tese de Meadows representaria o fim do crescimento da sociedade industrial) e dos países subdesenvolvidos (já que os países desenvolvidos queriam "fechar a porta" do desenvolvimento aos países pobres, com uma justificativa ecológica). Em 1973, o canadense Maurice Strong lançou o conceito de eco-desenvolvimento, cujos princípios foram formulados por Ignacy Sachs. Os caminhos do desenvolvimento seriam seis: (1) satisfação das necessidades básicas; (2) solidariedade com as gerações futuras; (3) participação da população envolvida; (4) preservação dos recursos naturais e do meio ambiente; (5) elaboração de um sistema social que garanta emprego, segurança social e respeito a outras culturas; (6) programas de educação. Esta teoria referia-se principalmente às regiões subdesenvolvidas, envolvendo uma crítica à sociedade industrial. Foram os debates em torno do eco-desenvolvimento que abriram espaço ao conceito de Desenvolvimento Sustentável. Outra contribuição à discussão veio com a Declaração de Cocoyok, das Nações Unidas. A declaração afirmava que a causa da explosão demográfica era a pobreza, que também gerava a destruição desenfreada dos recursos naturais. Os países industrializados contribuíam para esse quadro com altos índices de consumo. Para a ONU, não há apenas um limite mínimo de recursos para proporcionar bem-estar ao indivíduo; há também um máximo. A ONU voltou a participar na elaboração de um outro relatório, o Dag-Hammarskjöld, preparado pela fundação de mesmo nome, em 1975, com colaboração de políticos e pesquisadores de 48 países. O Relatório Dag-Hammarskjöld completa o de Cocoyok, afirmando que as potências coloniais concentraram as melhores terras das colônias nas mãos de uma minoria, forçando a população pobre a usar outros solos, promovendo a devastação ambiental. Os dois relatórios têm em comum a exigência de mudanças nas estruturas de propriedade do campo e a rejeição pelos governos dos países industrializados. 18 No ano de 1987, a Comissão Mundial da ONU sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED), presidida por Gro Harlem Brundtland e Mansour Khalid, apresentou um documento chamado Our Common Future,mais conhecido por relatório Brundtland. O relatório diz que "Desenvolvimento Sustentável é desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as futuras gerações satisfazerem suas próprias necessidades". O relatório não apresenta as críticas à sociedade industrial que caracterizaram os documentos anteriores; demanda crescimento tanto em países industrializados como em subdesenvolvidos, inclusive ligando a superação da pobreza nestes últimos ao crescimento contínuo dos primeiros. Assim, foi bem aceito pela comunidade internacional. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, mostrou um crescimento do interesse mundial pelo futuro do planeta; muitos países deixaram de ignorar as relações entre desenvolvimento sócio-econômico e modificações no meio ambiente. Entretanto, as discussões foram ofuscadas pela delegação dos Estados Unidos, que forçou a retirada dos cronogramas para a eliminação da emissão de CO2 (que constavam do acordo sobre o clima) e não assinou a convenção sobre a biodiversidade. Segundo Hildebrando Accioly, no Manual de Direito Internacional Público: Tratado e Convenção podem ser usados como sinônimos, pois não diferem quanto à estrutura. Para os Estados que assinam o tratado, ele tem força de lei. Declaração serve para proclamar princípios de Direito Internacional ou para esclarecer e interpretar algum ato internacional anterior. 1.4 RELAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E O TURISMO Em termos globais, Turismo é o maior setor econômico no que se refere ao faturamento e número de pessoas empregadas. Hoje, um em cada dez postos de trabalho surge a partir do turismo. Os números relacionados a esta indústria são extraordinários e têm crescido ano após ano devido à globalização, estabilidade e crescimento econômico mundial. Além da grande movimentação de pessoas e de divisas entre os países, o setor movimenta outros 50 setores em sua cadeia produtiva. 19 Este cenário nos mostra que, ao mesmo tempo em que o turismo pode ser um importante instrumento transformador de economias e sociedades, promovendo a inclusão social, oportunidades de emprego, novos investimentos, receitas e empreendedorismo, se mal administrado e planejado, pode gerar impactos ambientais, sociais e econômicos irreversíveis para o planeta. A educação e conscientização do turista sobre estes impactos, somadas à implementação de práticas sustentáveis e socialmente responsáveis com a adoção de um código de conduta ética nos destinos turísticos, são ações imprescindíveis para que o turismo possa ter um Desenvolvimento Sustentável de longo prazo. O que é preciso para o Desenvolvimento Sustentável do turismo? • Utilizar da melhor forma os recursos ambientais do destino; • Respeitar a autenticidade sociocultural da comunidade local; • Assegurar a viabilidade econômica de uma operação de longo prazo, proporcionando benefícios sócio-econômicos igualmente distribuídos a todos os “stakeholders” do destino; • Promover a participação consciente de todos os “stakeholders” relevantes ao processo, assim como uma forte liderança política; • Manter o alto nível de satisfação do turista assegurando uma experiência significativa, elevando a conscientização sobre a sustentabilidade e promovendo práticas sustentáveis entre os turistas; • Turismo sustentável é um processo contínuo e requer monitoramento constante dos impactos no destino. O destino turístico que assume esta prática obtém: • Melhor utilização dos recursos naturais e culturais; • Melhora da qualidade de vida da população; • Justa e auto sustentada base comercial/econômica com foco no visitante; • Saudável parceria entre governo, iniciativa privada, terceiro setor e comunidade. 20 A gestão responsável e sustentada dos recursos naturais e o respeito à preservação da identidade cultural de populações nativas têm servido, às vezes, de instrumento de contenção dos anseios e necessidades desenvolvimentistas de muitos países. O simples reconhecimento de que algumas práticas adotadas na expansão das fronteiras em busca do crescimento econômico são nocivas ao meio ambiente e ao homem, não é suficiente. É preciso aceitar o desafio de promover mudanças nas políticas de desenvolvimento e encontrar alternativas para os modelos até agora adotados. Encontrar alternativas de desenvolvimento que tragam melhoria da qualidade de vida das populações locais aliadas à preservação do patrimônio ambiental e cultural tem sido um desafio para todos os envolvidos nesse processo. Aliar desenvolvimento e sustentabilidade dos recursos não é uma tarefa fácil de executar. Entre as diversas atividades econômicas que hoje se vislumbra como alternativa de Desenvolvimento Sustentável para comunidades inseridas em um contexto de necessidade de desenvolvimento em ambientes frágeis está a atividade do ecoturismo, tendo em vista ser uma atividade econômica que se caracteriza por promover o uso sustentável dos recursos, buscando a consciência ambiental e envolvendo no processo as populações locais. Este trabalho tem por objetivo orientar sobre o turismo em áreas naturais, como alternativa de Desenvolvimento Sustentável para pequenas comunidades, identificar quais são 21 os benefícios que podem trazer às populações envolvidas, sem esquecer-se dos impactos negativos que poderão causar se não houver um planejamento correto para a sua implantação. O turismo é uma das atividades sócio-econômicas de maior importância em vários países do mundo, chegando até a ser a de maior ênfase em muitos deles. As estimativas atuais são de que o turismo gera uma receita anual de US$ 3,4 trilhões, ou seja, 10,9% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial (Wearing e Neil, 2001). Esse crescimento tem implicações significativas para os países em desenvolvimento. Atualmente, as receitas obtidas do turismo representam mais de 10% da receita total em 47 países em desenvolvimento e mais de 50% do valor auferido com exportações em 17 países (Wearing e Neil, 2001). Por essas razões o turismo é muito valorizado por diversos países e, muitas vezes, desempenha um papel importante nas estratégias de desenvolvimento. O turismo é bastante promovido, e os seus representantes são cortejados pelos governos devido ao seu significativo potencial de sustentar o câmbio e os empregos locais. Este crescente fluxo turístico torna imperativa a adoção de ferramentas de preparação e controle da atividade nos pólos receptores, de forma a maximizar os pontos positivos que a atividade irá gerar na localidade e ao mesmo tempo minimizar os impactos negativos que esta atividade normalmente provoca na população autóctone. É baseado nisto que, diversos estudiosos vêm se preocupando em tornar pública a importância da preservação e do planejamento, de forma concreta e permanente. O turismo é uma atividade que, se bem planejada e desenvolvida, pode trazer às populações locais benefícios amplos, como oportunidade de diversificação e consolidação econômica, geração de empregos, conservação ambiental, valorização da cultura, conservação e/ou recuperação do patrimônio histórico, recuperação da auto-estima, entre outros (WWF, 2003). De todos os tipos de turismo praticados no mundo nenhum cresceu tanto nos últimos anos como o "ecoturismo". O número de ecoturistas que habitualmente visitam áreas naturais – em especial áreas naturais protegidas ou unidades de conservação – aumentou vertiginosamente em todo o mundo. Tentaremos esclarecer neste trabalho, além de repassar informações sobre atividades ecoturísticas, outros tipos de turismo de natureza, onde a “matéria- prima” seja o recurso natural. 22 Do ponto de vista mercadológico, o ecoturismo é um segmento que tem obtido um crescimento considerável ao longo dos últimosanos. Para os empresários do segmento, a estimativa é de que o crescimento do ecoturismo se situe em 20% ao ano. O faturamento anual do ecoturismo, a nível mundial, é estimado em US$ 260 bilhões, do qual o Brasil se apropriaria com cerca de US$ 70 milhões. A Organização Mundial do Turismo (OMT) estima que 10% das pessoas que viajam pelo mundo são ecoturistas. No Brasil, pressupõe-se que o ecoturismo alcance meio milhão de turistas, por ano. No Amazonas, Estado brasileiro que se destaca como pólo de ecoturismo, os turistas estrangeiros ainda são predominantes. Entretanto, calcula-se que a participação do turista nacional, na região, antes em torno de 10% do total, tenha triplicado, nos três últimos anos. De acordo com Costa (2003) para atender a essa demanda, muitos lugares semi- isolados, desabitados ou habitados apenas por umas poucas pessoas, foram rapidamente "civilizados" – ocupados por pousadas, bares, restaurantes e um comércio amplo e variado - que a partir de então passou a vender os produtos "típicos" do local. O aparecimento do ecoturismo e o seu acelerado crescimento têm suas raízes na insatisfação gerada pelo turismo convencional de massa, muito criticado pelo fato de dominar a atividade dentro de uma região, de sua orientação não-local, e o fato de que muito pouco do dinheiro gasto ali efetivamente permanece no local e gera mais recursos, associada ao 23 crescimento mundial da consciência ambiental, contribuindo para aumentar a demanda por experiências mais autênticas, baseadas na natureza e em aspectos culturais, tendo como destino países em desenvolvimento, possibilitando, inclusive, uma alternativa econômica a outras práticas como, por exemplo, a extração de madeira ou mono-cultura (soja, cana de açúcar, etc.). Devido às muitas formas em que as atividades do ecoturismo são oferecidas por uma grande diversidade de operadores, praticadas por uma variedade ainda maior de tipos de turistas, ainda não há um consenso sobre o seu significado. É um termo amplo e vago, sendo para alguns, um subconjunto de atividades turísticas baseadas na natureza; para outros, é um nicho de mercado. Apesar de a origem do termo ecoturismo ser controversa e não muito clara, especula-se que foi W. Hetzer que o utilizou pela primeira vez em 1965. Nos anos 70 e 80 outras referências foram feitas ao ecoturismo, onde o termo "ecotours" foi utilizado no Canadá para identificar roteiros interpretados de um corredor turístico ao longo da rodovia-cênica Trans-Canadá. Mais recentemente, em 2002, como parte das atividades do Ano Internacional do Ecoturismo, aconteceu a Conferência Mundial do Ecoturismo, em Quebec, com o objetivo de discutir políticas, práticas, impactos (sociais, econômicos e ambientais) e elaborar um conjunto de conclusões e recomendações para o planejamento, desenvolvimento, gestão, marketing e monitoramento de atividades ecoturísticas, com vistas a garantir sua sustentabilidade em longo prazo. 24 2 TURISMO E RECURSOS NATURAIS 2.1 TURISMO NA ATUALIDADE A palavra “Turismo” surgiu no século XIX, porém, a atividade estende suas raízes pela história. Certas formas de Turismo existem desde as mais antigas civilizações, mas foi a partir do século XX, e mais precisamente após a 2ª Guerra Mundial, que ele evoluiu, como conseqüência dos aspectos relacionados à produtividade empresarial, ao poder de compra das pessoas e ao bem-estar resultante da restauração da paz no mundo (Fourastié 1979, apud Ruschmann, 1997). Até recentemente, a participação do Turismo estava restrita a uma elite que dispunha de tempo e de dinheiro para realizar viagens. Atualmente, a maioria das pessoas dos países desenvolvidos, e um número cada vez mais significativo daquelas dos países em desenvolvimento, têm realizado viagens turísticas, pelo menos uma vez por ano. Assim, o Turismo já não é mais uma prerrogativa de alguns cidadãos privilegiados; sua existência é aceita e é fato, e constitui parte integrante do estilo de vida para um número crescente de pessoas em todo o mundo. O Turismo da atualidade apresenta-se sob as mais variadas formas. Uma viagem pode estender-se de alguns quilômetros até milhares deles, incluindo um dos vários tipos de transporte e estadas de alguns dias, semanas ou meses nos mais diversos tipos de alojamento, em uma ou mais localidades. A experiência da viagem envolve a recreação ativa ou passiva, conferências ou reuniões, passeios ou negócios, nas quais o turista utiliza uma variedade de equipamentos e serviços criados para seu uso e satisfação de suas necessidades. As regiões costeiras, os campos, as montanhas, os lagos e rios, juntamente com o clima, constituem recursos naturais para a realização da experiência turística e existem independentemente da presença de visitantes, mas poderão ter a sua disponibilidade e as suas características afetadas por eles (Bukart e Medlik 1986, apud Ruschmann, op.cit). As condições de vida têm se deteriorado nos grandes conglomerados urbanos e conduzem ao fato de que uma parcela crescente da população busca, durante as férias, nos fins de semana prolongados e nos feriados, as regiões com belezas naturais – longe das cidades. 25 Além disso, de acordo com Ruschmann (op.cit.), outros fatores contribuíram para o crescimento dos fluxos turísticos: • O aumento de tempo livre como conseqüência da racionalização e do aumento da produtividade das empresas; • A evolução técnica, que conduziu a um aumento na produtividade e a redução dos custos da produção, ou seja, a produção em massa de veículos aumentou o grau de movimentação das pessoas, que se utilizam cada vez mais destes para viagens de família nas férias; • O aumento da renda e capacidade de consumo de amplas camadas da população; • O desenvolvimento de empresas prestadoras de serviços que comercializam e organizam viagens de férias (operadoras); • A liberação das formalidades aduaneiras, a eliminação dos vistos, a unificação dos documentos de viagem, entre outros, estimularam as viagens internacionais; • O aumento da urbanização como conseqüência da industrialização; • A necessidade do homem urbano pelo “verde” da natureza. O crescimento da demanda e, conseqüentemente, da oferta turística, e as facilidades para as viagens tornaram o mundo inteiro acessível aos viajantes ávidos por novas e emocionantes experiências em regiões com recursos naturais e culturais consideráveis. Os anos de 1950 a 1970 caracterizaram-se pelo Turismo “em massa”, quando os vôos charters e os “pacotes turísticos” conduziram milhares de pessoas às partes mais remotas do planeta, além de conduzí-los a localidades dentro de seus próprios países (Turismo interno). Nos anos 80, a prosperidade econômica dos países desenvolvidos fez com que a grande maioria da sua população usufruísse de férias pelo menos duas vezes por ano e as mais diversas categorias profissionais tiveram acesso às viagens turísticas, empreendidas em grupos ou isoladamente. De acordo com Poon 1989 (apud Ruschmann, op. Cit.), esses movimentos são considerados “Turismo velho” e define-se como “Turismo novo”, aquele do futuro, caracterizado pela flexibilidade das atividades, pela segmentação dos mercados e por experiências turísticas mais autênticas. 26 O Turismo mundial sinaliza novos enfoques sociais, culturais, tecnológicos, ecológicos, econômicos e institucionais para a atividade, que surgem como conseqüência dos seguintes fatores influenciadores: • Difusão de sistemas de informatização; • Desregulamentação das tarifas aéreas; • Financiamento das viagens turísticas; • Impactos negativos do Turismo nas comunidades receptoras; • Câmbio dos movimentos turísticos voltados exclusivamente para usufruir do sol; • Pressões ambientais; • Competição tecnológica; • Mudanças nas preferências dos turistas; • Alteração nadistribuição do tempo livre, nos padrões laborais e nos rendimentos das pessoas. Os impactos sobre a cultura e sobre as paisagens nos locais visitados passaram a ser estudados em nível científico e têm sensibilizado a opinião pública quanto à necessidade de consideração dos aspectos ambientais nas viagens turísticas. Essa sensibilização levou à criação de normas que passaram a restringir o direito dos turistas ao consumo desmesurado dos valores culturais e dos recursos naturais locais, impondo-lhes até algumas obrigações em suas viagens de férias, mais responsabilidade como cidadãos do mundo. Atualmente, a qualidade de uma destinação turística vem sendo avaliada com base na originalidade de suas atrações ambientais e no bem-estar que elas proporcionam ao visitante. O marketing ambiental passa a constituir uma importante arma para os responsáveis pela oferta turística das localidades receptoras. Um dos temas que está crescendo também em termos de estudos científicos trata justamente da necessidade de controlar esse crescimento do fluxo turístico, à medida que os ecossistemas sensíveis são cada vez mais comprometidos, surge a necessidade de determinar a capacidade de carga dos ecossistemas. Este tema será levantado no Módulo IV novamente. O Turismo sustentável incrementará os custos de seu desenvolvimento, que se reverterão no aumento do preço das viagens para os turistas. A determinação da capacidade de 27 carga dos espaços turísticos limitará o acesso de pessoas em determinadas áreas, o que gerará uma demanda maior que a oferta que, conseqüentemente, aumentará os preços para os visitantes. Por isso, o Turismo de massa não terá acesso a esses espaços e o turista de elite voltará a predominar nesse contexto. A nova tendência do desejo dos turistas pelo famoso small is beautiful opõe-se radicalmente às viagens de massa, impessoais e realizadas nos gigantes de concreto, dos quais os equipamentos da costa francesa de Languedo/Roussilion e Cancún, no México são os exemplos mais marcantes. No Brasil, hoje, podemos citar Porto Seguro como um exemplo similar de Turismo de massa, impessoal e que envolve hotéis nada integrados à natureza. O Turismo “de baixo impacto”, ecológico, naturalista, personalizado e realizado em pequenos grupos (grupos vip), tende a caracterizar os fluxos turísticos do futuro. As atividades seletivas constituem o potencial dos movimentos turísticos para o próximo milênio. Na prática, a atividade turística restringe-se a uma camada economicamente favorecida e que constitui uma minoria desses países (inclusive no Brasil). Porém, as práticas recreativas mais baratas podem ser realizadas próximo às residências, desde que o Estado proporcione os espaços e os equipamentos necessários. Por isso, os governos devem preocupar-se em proporcionar à população que não têm acesso às viagens turísticas, os equipamentos e espaços recreativos para produzir satisfação individual, em família e na sua comunidade. Isso faz parte do processo democrático que vivemos e ainda estamos apreendendo a viver, onde o Estado deve oferecer espaços públicos para lazer e atividades recreativas, ao mesmo tempo em que a população deveria entender a importância de conservar e respeitar estes espaços públicos. O entendimento do que são “espaços públicos” é fundamental para a população, no trato dos equipamentos públicos. Em relação ao Turismo, que exige a posse de recursos financeiros para a viagem, o alojamento, a alimentação e para as atividades de entretenimento, ele deve ser incorporado às conquistas sociais fundamentais, que nesse caso, se relacionam com o Turismo popular social, praticamente inexistente nos países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos. Além disso, a qualidade de vida dos cidadãos deve alcançar níveis desejáveis em todos os campos: físico, biológico, cultural, social e psíquico. Historicamente, a preocupação com a proteção do meio ambiente teve início nos contextos urbanos, em que um planejamento equivocado do desenvolvimento colocou em risco, e em muitos lugares até aniquilou, a qualidade de vida de certos povos. 28 O Turismo é hoje uma das maiores atividades econômicas do mundo – uma forma de pagar pela conservação da natureza e de valorizar as áreas que ainda parecem naturais. De que forma os dólares dos turistas podem reverter para a conservação e torná-la auto-sustentável, ou como o valor não-monetário que as pessoas atribuem às regiões naturais pode ser qualificado, é uma questão central de um novo ramo da economia verde: o desenvolvimento sustentável. 2.2 TURISMO E MEIO AMBIENTE A palavra ecologia deriva do grego oikos, com sentido de “casa”, e logos que significa “estudo”. Assim, o estudo do ambiente da casa inclui todos os organismos contidos nela e todos os processos funcionais que a tornam habitável (Odum, 1993). Como meio ambiente “entende-se a biosfera, isto é, as rochas, a água e o ar que envolve a Terra, juntamente com os ecossistemas que eles mantêm” (Holder 1991, apud Ruschmann, op.cit.). Esses ecossistemas são constituídos de comunidades de indivíduos de diferentes populações (meio biótico), que vivem numa área juntamente com seu meio não- vivente (meio abiótico), e se caracterizam por suas inter-relações, sejam elas simples ou mais complexas. Essa definição inclui também os recursos construídos pelo homem, tais como casas, cidades, monumentos históricos, sítios arqueológicos, e os padrões comportamentais das populações – folclore, vestuário, comidas e o modo de vida em geral - que as diferenciam de outras comunidades. A inter-relação entre o Turismo e o meio ambiente é incontestável, uma vez que este último constitui a “matéria-prima” da atividade. A deterioração das condições de vida nos grandes conglomerados urbanos faz com que um número cada vez maior de pessoas procure, nas férias e nos fins de semana, as regiões com belezas naturais. O contato com a natureza constitui, atualmente, uma das maiores motivações das viagens de lazer e as conseqüências do fluxo em massa de turistas para esses locais – extremamente sensíveis, tais como as praias e as montanhas – devem necessariamente ser avaliadas e seus efeitos negativos, evitados, antes que esse valioso patrimônio da humanidade se degrade irremediavelmente. 29 A deterioração dos ambientes urbanos pela poluição sonora, visual e atmosférica, a violência, os congestionamentos e as doenças provocadas pelo desgaste psicofísico das pessoas são as principais causas da “fuga das cidades” e da “busca do verde” nas viagens de férias e de fim de semana. Nessas ocasiões, o homem urbano, agradecido em seu próprio meio, passa a agredir os ambientes alheios. Trata-se de um círculo vicioso que é preciso ser rompido por meio de planejamento dos centros urbanos e de medidas energéticas que visem à conscientização para a preservação dos meios naturais, promovendo a sua conservação e perenização. O Turismo e o Meio Ambiente não têm se caracterizado por um relacionamento harmonioso. Porém, atualmente, surgem indícios que sua interação seja crescente e profícua para ambos. O Ministério do (Meio) Ambiente e Turismo da França (1992 apud Ruschmann, op. cit.) apresentou quatro fases no relacionamento entre Turismo e meio ambiente. A primeira fase, pioneira, ocorreu no século XVIII, e se caracterizou pela “descoberta da natureza e das comunidades receptoras”. Os primeiros tinham muita curiosidade sobre os meios que visitavam e a leitura que faziam dessas áreas era bem diferente daquela dos visitantes atuais. Apesar de essas viagens contribuírem para o surgimento dos grandes centros de férias no Mar Mediterrâneo, os centros de interesse preponderantes correspondiam aos aspectos únicos das regiões que descobriram: eram os portos de pesca, o céu estrelado e o mar. Muitas vezes, ignoravam a costa e iam para o interior, apresentandouma sensibilidade diferente daquela da maioria dos turistas da atualidade. Suas motivações eram: a busca dos limites onde a industrialização ainda não havia chegado ou de centros turísticos desenvolvidos à beira-mar para bronzearem-se e banharem-se. Como ponto em comum eles apresentavam certa postura de “sociedade em férias”, cujos ritos se alteram com o tempo, sempre constituindo, porém, um “espetáculo”. Trata-se da fase do “relacionamento” e dos primeiros equipamentos turísticos. A segunda fase, caracterizada por um Turismo “dirigido” e elitista, ocorreu no final do século XIX e início do século XX. Não havia a preocupação com a proteção ambiental e a intensificação da demanda estimulou as construções e o boom imobiliário que atualmente caracteriza os centros turísticos mais antigos da Europa. Nessa época, chamada de Belle Époque, não hesitava em lançar ao mar cassinos flutuantes ou em construir audaciosas estradas de ferro nas montanhas, ao lado das quais as atuais e modernas rodovias são realizações sem brilho. Trata-se da fase na qual a natureza é domesticada, porém, não necessariamente 30 esquecida, pois as empresas turísticas limitavam seus produtos às estações e ao seu entorno, onde a natureza e as civilizações tradicionais tinham seus direitos garantidos. A terceira fase, que corresponde ao Turismo de massa, ocorre a partir dos anos 50 e tem seu apogeu no transcorrer dos anos 70 e 80. A demanda turística dos países desenvolvidos cresce em ritmo muito rápido e as localidades turísticas vivem uma expansão sem precedentes. Preenchem-se os vazios que ainda existem nas zonas litorâneas mais acessíveis, saturando-as. As urbanizações nos vales das montanhas da Europa se multiplicam para atender à demanda de esportes de inverno. Esse período é o mais devastador e se caracteriza pelo domínio brutal do Turismo sobre a natureza e as comunidades receptoras. Trata-se de uma fase de excessos, acentuada pela qualidade medíocre da arquitetura nas localidades turísticas. Predomina o concreto, o crescimento desordenado, a arquitetura urbana, a falta de controle de efluentes e esgotos, a criação de marinas, portos artificiais e de estações de esportes de inverno, onde várias construções ruíram por causa da falta de estudos geológicos. Em resumo, um período catastrófico para a proteção do meio ambiente. Atualmente, em muitos países entrou-se numa fase na qual o Turismo passa a considerar os problemas do meio ambiente. A partir dos anos 70, a qualidade do meio ambiente começa a construir elemento de destaque do produto turístico: a natureza e as comunidades receptoras ressurgem no setor dos empreendimentos turísticos, ainda massificadas, porém adaptadas à sensibilidade da época. Depois da metade dos anos 80, distingue-se um outro período, no qual as práticas turísticas e de lazer da fase precedente perde a sua amplitude. O Turismo de natureza ou o Turismo ecológico ocorre na maioria das localidades turísticas estabelecidas e, nas novas, evita-se a ocupação de todos os espaços. Caminhadas, ciclismo, rafting, mountain bike, motocross e toda uma série de esportes novos necessitam de uma natureza preservada. A natureza e todos os seus componentes tornam-se pretextos para a descoberta, a iniciação, a educação e o espírito de aventura e, dessa forma, dão origem a um novo mercado. Trata-se, portanto, da renovação do Turismo, cuja clientela busca a calma, as aventuras e o conhecimento mais profundo das regiões visitadas. 31 Os agentes do Turismo e o meio ambiente Os responsáveis pelo Turismo e pelo meio ambiente têm consciência dos problemas difíceis e conflitantes que têm em comum; e, por isso, devem criar também condições e proposições para melhor administrar essa situação no futuro. Os ambientes naturais conservados ganham força no contexto turístico internacional, no qual a concorrência é intensa, e constituirão a grande força mercadológica para os turistas dos anos 90 e 2000, cada vez mais sensíveis diante dos acidentes naturais e políticos do planeta. Como agentes do desenvolvimento do Turismo, consideram-se não apenas os responsáveis pela oferta turística (alojamentos, restaurantes, agentes/operadores, transportadores, etc.), mas também pelos turistas, pela população das localidades receptoras, pelo meio natural e sociocultural nos quais a atividade ocorre, e os responsáveis pela atratividade das destinações, além, evidentemente, do Estado – proprietários dos espaços. Esses componentes são estreitamente relacionados e altamente interdependentes, pois a falta ou o mau funcionamento de um deles pode inviabilizar a comercialização do produto (destino). Constatou-se que o Turismo de massa – que se caracteriza pelo deslocamento de grande número de pessoas para os mesmos lugares nas mesmas épocas do ano – e o conseqüente superdimensionamento dos equipamentos receptivos para atendê-los, não têm trazido a rentabilidade esperada, devido, principalmente, à sazonalidade desses fluxos. Além disso, o grande fluxo de pessoas tem contribuído para agressões socioculturais nas comunidades receptoras e para a origem de danos, às vezes, irreversíveis dos recursos naturais. Além disso, a falta de “consciência ecológica” e “cultura turística” dos visitantes fazem com que eles se comportem de forma alienada em relação ao meio que visitam – acreditam que não têm nenhuma responsabilidade na preservação da natureza e da originalidade das destinações. Entendem que seu tempo livre é sagrado, que têm direito ao uso daquilo pelo qual pagaram e que, além disso, permanecem pouco tempo – insuficiente, no seu entender, para agredir o meio natural. Por isso, outras formas de Turismo estão sendo propostas, a fim de conter os impactos negativos da atividade e, além do já falado Turismo brando e tranqüilo, recebem a denominação de alternativo, responsável, ecológico e, mais recentemente, Turismo Sustentável. Independente de sua designação, o que caracteriza estes tipos de Turismo, são as viagens individuais, em atividades relacionadas com a natureza, o alojamento em estabelecimentos pequenos, com serviços personalizados e, às vezes, até realizados pelos 32 próprios turistas. Por exemplo, os Albergues da Juventude hoje são muito mais procurados do que há 10 anos. Alguns estudiosos e pesquisadores têm mostrado certo ceticismo e não acreditam que, para preservar o meio ambiente, as pessoas deixem de viajar em grupos, controlem seus impulsos consumistas e deixem o desejo pelo conforto de lado, para se transformarem em turistas “bonzinhos”. De acordo com Wheller (1991, apud Ruschmann, op.cit.), deve-se considerar e debater as formas de evitar o Turismo irresponsável – que aumenta a olhos vistos – na proporção da melhoria dos rendimentos e do aumento do tempo livre das pessoas nos países desenvolvidos. Em seu entender, em nível mundial, o número de turistas continuará a crescer e as medidas que visam um Turismo “controlado” só poderão apresentar algum êxito em pequena escala, isto é, micro-soluções para um macro-problema. Os equipamentos e serviços instalados para atender o Turismo de massa provocam uma série de efeitos negativos sobre o meio ambiente: • A destruição da cobertura vegetal do solo; • A devastação das florestas; • A erosão das encostas; • A ameaça de extinção de várias espécies da fauna e da flora; • A poluição sonora, a poluição visual e a atmosférica; • Contaminação das águas, rios e lagos. Entretanto, é preciso ressaltar que o Turismo não é o único culpado pelas agressões à natureza. Os desastres ecológicos provocados pelo vazamento de petróleo nos oceanos, as queimadas das florestas realizadas para outros fins, os riscos potenciais das usinas nucleares, os gases tóxicos etc., põem em risco a sobrevivência do homem no planeta, tornando os efeitos negativos do Turismo até insignificantes. Porém,essa constatação não isenta a atividade e os profissionais do setor da responsabilidade de preservação ambiental, pois, caso não haja preocupação com os destinos da humanidade, haverá certamente com a matéria-prima da atividade: a natureza. 33 Por isso, torna-se imprescindível estimular o desenvolvimento harmonioso e coordenado do Turismo; se não houver equilíbrio com o meio ambiente, a atividade turística comprometerá sua própria sobrevivência. Grande parte dos serviços turísticos é prestada pelo setor privado da economia e os incentivos mercadológicos têm contribuído significativamente para o seu crescimento. Entretanto, os mecanismos do mercado, por si só, não impedem que a degradação ambiental ocorra - motivada pelos seguintes fatores: • O mercado geralmente funciona com uma visão de curto prazo, ao passo que as conseqüências ambientais se manifestam em longo prazo; • O mercado não tem condições de medir as modificações que ocorrem nos múltiplos componentes que garantem a qualidade do meio ambiente; e quando possui essas informações não as revela; • Existem bens materiais que devem ser preservados apesar do seu potencial para o Turismo; correspondem a ecossistemas valiosos, paisagens, sítios naturais únicos, monumentos naturais, cachoeiras, etc. O produto turístico natural baseia-se na venda se aspectos ambientais das localidades e a estrutura receptiva deve ser pequena, refinada, integrada e harmoniosa em relação ao meio. Diante disso, pergunta-se até que ponto os empresários do Turismo, que demonstram avidez pela rentabilidade, interessar-se-ão pelo desenvolvimento desse tipo de negócio, que, por causa de seu tamanho, nem sempre apresenta lucros imediatos. Quanto aos custos do “consumo da natureza” registram-se poucos casos em que essa questão é considerada. Os empresários constatam a existência de um mercado, classificam a demanda e adaptam a oferta a ela e, mercadologicamente, avaliam suas oportunidades dentro de uma concorrência bastante acirrada. Os profissionais do Turismo não se julgam responsáveis pelos danos ao meio ambiente, pois estão integralmente engajados na venda dos produtos e, no seu entender, já arcam com custos promocionais bastante elevados. Se as regiões ou localidades decidem investir no Turismo, elas devem considerar também a qualidade do meio ambiente, e cabe-lhes a decisão de estipular um custo de manutenção da natureza. Sugere-se a elaboração de um orçamento, considerando as receitas e 34 as despesas provenientes dos fluxos turísticos, assim como dos investimentos e de seu funcionamento – de forma similar às taxas aplicadas às indústrias. Em relação aos “custos” da natureza, discute-se também a integração entre as municipalidades receptoras nas quais os profissionais vendem a mesma característica natural. Como na Europa um dos grandes atrativos do Turismo de natureza se concentra na originalidade da agricultura e do pastoreio de montanha (Alpes), os governos, por meio da “lei da montanha”, pagam um determinado valor para que os agricultores e pastores não modernizem suas técnicas de trabalho, pois o abandono das práticas tradicionais diminuirá o interesse e o conseqüente fluxo de turistas. A diferença na lucratividade é paga por governos como, por exemplo, os da Suíça e da Áustria. Esse pagamento interessa aos moradores das montanhas que, dessa forma, não abandonam suas áreas, evitando o êxodo rural, e muito mais aos governos desses países, que têm no Turismo sua maior fonte de divisas. O Turismo de natureza caracteriza-se pelo envolvimento físico de seus participantes durante a viagem e é dividido em hard – com participação intensa – e soft – com participação leve, sem grandes esforços físicos ou utilização de técnicas específicas. Para o bom desenvolvimento desse tipo de Turismo, Eam (1992, apud Ruschmann, op. cit.) recomenda: • Informar os vendedores das agências sobre os produtos oferecidos; • Utilizar transportes coletivos (ônibus/trem) para diminuir problemas de barulho, de estacionamento e de acidentes; • Organizar serviço de ônibus nas destinações, utilizando os meios de transporte da localidade, ou de bicicletas, a fim de que os automóveis permaneçam nos hotéis; • Indicar os hotéis mais calmos e mais distantes das rodovias ou das estradas locais, dando preferência àqueles de pequeno porte, porém confortáveis; • Dar preferência a trabalhadores do turismo a profissionais da localidade, que conhecendo a região, prestarão informações confiáveis ao turista; • Verificar se os meios de hospedagem indicados agem de forma a proteger o meio ambiente, tais como reciclagem do lixo, sistemas de tratamento de esgotos, etc.; • Servir pratos típicos regionais; • Estimular os turistas a conhecer os habitantes da região, seus modos de vida, suas atividades profissionais (agricultura, artesanato, etc.) e oferecer oportunidade para isso; 35 • Oferecer cursos de fotografia, pintura, leitura da paisagem etc., para que os turistas posam retornar para suas casas com uma experiência significativa do país; • Capacitar os funcionários dos serviços turísticos em idiomas estrangeiros, a fim de melhor atender clientes de outros países; • Prestar atenção aos desejos, às necessidades, às queixas e aos problemas dos turistas – levando-os ao conhecimento de operadores turísticos, hoteleiros, comunidades e órgãos públicos do setor já que, geralmente, o turismo de natureza proporciona um contato maior entre prestadores de serviços e turistas. O turismo em espaços naturais não é apenas modismo de uma época, e a opinião pública tem se conscientizado, cada vez mais, da necessidade de proteger o meio ambiente. Se, pelo lado da demanda, a motivação, “contato com a natureza”, se torna cada vez mais intensa, a natureza intacta e protegida passa a ser um argumento comercial importante. Assim, o turismo de qualidade pode tornar-se economicamente viável, desde que associado à proteção dos espaços naturais e à excelência dos serviços e equipamentos oferecidos aos clientes. 2.3 IMPACTOS POSITIVOS E NEGATIVOS DO TURISMO NA NATUREZA Os impactos do Turismo referem-se à gama de modificações ou à seqüência de eventos provocados pelo processo de desenvolvimento turístico nas localidades receptoras. As variáveis que provocam os impactos têm natureza, intensidade, direções e magnitude diversas; porém, os resultados interagem e são geralmente irreversíveis quando ocorrem no meio natural. Os impactos têm origem em um processo de mudança e não constituem eventos pontuais resultantes de uma causa específica, como, por exemplo, um equipamento turístico ou um serviço. Eles são a conseqüência de um processo complexo de interação entre os turistas, as comunidades e os meios receptores. Muitas vezes, tipos similares de Turismo provocam impactos diferentes, de acordo com a natureza das sociedades nas quais ocorrem. O rápido crescimento do Turismo, a partir dos anos 50, resultou na degradação ambiental de inúmeros recursos turísticos em todo o mundo. Os indicadores apontam um 36 crescimento contínuo da atividade, de cerca de 4% a 5% ao ano, e, conseqüentemente, os impactos sobre o meio ambiente também se intensificam. Esse risco, reconhecido atualmente pela maioria dos governos dos países receptores de turistas, faz com que se tomem iniciativas que proporcionem tanto uma evolução dos aspectos favoráveis do Turismo como a proteção ambiental. Como o meio ambiente constitui um elemento fundamental do Turismo, sua “manutenção sadia” é essencial para a evolução da atividade. A avaliação dos impactos de toda ordem sobre o meio ambiente é extremamente difícil, por cinco razões (Mathieson e Wall, 1988 apud Rschmann, op. Cit.): • Primeiramente, o fato de o homem estar vivendo e modificando a Terra há milhares de anos torna difícil estabelecer uma base para medir as modificações.
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