Prévia do material em texto
A BIOGEOGRAFIA NA GEOGRAFIA ESCOLAR: UMA REFLEXÃO A PARTIR DE LIVROS DIDÁTICOS DE ENSINO MÉDIO1 Ivan de Matos e Silva Junior2 Davi Santos Araújo3 Odicleide Coutinho do Nascimento4 GT2 – Educação e Ciências Humanas e Socialmente Aplicáveis Resumo: Nos cursos superiores de formação de professores de Geografia, as práticas de ensino de biogeografia têm empreendido leituras cientificistas e dicotômicas, o que tem reverberado na educação geográfica escolar. Compreendendo a Geografia como componente curricular que integra as análises integradas entre natureza e a sociedade, tendo como foco o espaço geográfico, o presente artigo pretende apresentar as abordagens dos conteúdos de biogeografia veiculados em livros didáticos de Geografia de Ensino Médio, afim de identificar as perspectivas adotadas, e sobretudo, se as mesmas dão conta de uma leitura socioambiental. Trata-se de um estudo teórico, pautado em levantamento bibliográfico concernente à Geografia escolar. Dentre alguns resultados, constatou-se, ao longo das publicações didáticas, uma significativa incorporação de temas e conceitos de biogeografia filiados às questões ambientais, embora não incorporem fundamentalmente uma abordagem socioambiental. Palavras-chave: Geografia escolar. Biogeografia. Livro didático. Ensino médio. BIOGEOGRAPHY IN SCHOOL GEOGRAPHY: A REFLECTION ON SECONDARY SCHOOL TEXT BOOKS Abstract: In higher education courses that qualify geography teachers, the teaching of biogeography has taken on scientisic and dichotomous attitudes and practices, which then reverberate in geography education in schools.Understanding geography as a school curriculum subject which integrates an analysis of both nature and society, with a focus on geographic space, this article aims to identify and present the perspectives concerning biogeography found in secondary school geography textbooks, in order to identify whether a social-environmental approach is used.This is a theoretical study based on the literature concerning school geography. The results demonstrate that throughout the textbooks, although there is significant incorporation of biogeography themes and concepts aligned with environmental issues, a socio-environmental approach has not been fundamentally incorporated. Keywords: School geography. Biogeography. Text book. Secondary school. 1 O presente artigo é fruto de pesquisa em nível de iniciação científica em Geografia, financiada pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia. 2 Doutorando em Ensino, Filosofia e História das Ciências (UFBA/UEFS). Mestre em Geografia (UFBA), Especialista em Gestão Ambiental (FACCEBA) e Licenciado em Geografia (UEFS). Professor de Geografia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia campus Salvador, além de líder do grupo de pesquisa Geopraxis – A Prática do Ensino e da Pesquisa em Geografia do IFBA. Email: ivan.matos@ifba.edu.br 3 Estudante do curso de Licenciatura em Geografia da UFBA. É integrante do grupo de pesquisa Geopraxis – A Prática do Ensino e da Pesquisa em Geografia do IFBA - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia, campus Salvador. Email: davi.araujo@gmail.com. 4 Estudante do curso de Licenciatura em Geografia do IFBA. É integrante do grupo de pesquisa Geopraxis – A Prática do Ensino e da Pesquisa em Geografia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia, campus Salvador. Email: odicleide@ifba.edu.br. Introdução A biogeografia é o campo do saber que historicamente estuda a distribuição das espécies vegetais e animais na superfície terrestre, sendo que sua abordagem na geografia escolar aparece, na maioria das vezes, atrelada aos conteúdos da geografia física, fato que aponta a dicotomização do saber geográfico, resultado dos problemas epistemológicos da Ciência Geográfica. De acordo com Capel (1980) apud Figueiró (2011), o percurso epistemológico da Geografia deu-se a partir de um movimento semelhante ao de um pêndulo, entre posicionamentos positivistas e historicistas, em que as abordagens partiam desses extremos e não se conectavam. Mas nem sempre foi assim. Dentro da história da biogeografia, aconteceram várias tentativas de integrar a perspectiva dos fenômenos naturais aos fenômenos sociais. Segundo RATZEL(1990) apud Albuquerque, E.S .et al (2004, p.144): Foi com F. Ratzel, na obra Antropogeografia, escrita ainda em fins do séc. XVIII, que surgiu uma das primeiras tentativas de propor um estatuto científico para a Biogeografia, assentado justamente numa visão integrada ao social. Ratzel entendia que a Geografia teria como tema principal a influência que as condições naturais exercem na humanidade e, consequentemente, na história dos povos. Para o “pai da geopolítica”, o estudo da ação dos elementos naturais sobre a evolução da sociedade seria o objeto primordial da pesquisa antropogeográfica; em seguida, viria o estudo da distribuição das sociedades humanas no globo para, finalmente, ser então possível o entendimento da formação dos territórios. (2004, p. 144) Apesar do seu pensamento, Ratzel não alcançou esse objetivo, pois o método científico da época impusera a ideia positivista de distanciamento entre sujeito e objeto, acontecimento que, na biogeografia, ocasionou um maior distanciamento entre as temáticas físico-naturais e as sociais. Entretanto, na atualidade, esse paradigma científico vem sendo questionado, pois já não é possível conceber o conhecimento de forma fragmentada, e todo esse processo tem ressoado na Geografia em que: os problemas contemporâneos produzidos pelo acelerado processo de globalização da natureza (Porto Gonçalves, 2006), pautado pela ‘crise de saberes’ e práticas científicas fragmentadas(Riojas,2003) tem levado a geografia a um debate ontológico, recuperando o sentido original do fazer geográfico enquanto prática de uma ‘ciência aberta’( Reybaud,1976), ou seja, uma ciência capaz de dialogar com a complexidade, articulando aportes de diferentes naturezas na busca do entendimento do seu objeto ( FIGUERÓ, 2011,p.18). E, dentro desse contexto, a biogeografia deve aproximar-se mais de uma perspectiva geo-bio- sociocultural (FIGUEIRÓ, 2011), uma vez que já não cabe à biogeografia apenas analisar a distribuição espacial das espécies, como tem feito historicamente, pautada apenas em abordagens físico-naturais. O espaço globalizado e de relações extremamente flexíveis requer da biogeografia um posicionamento que acolha o fator antrópico em suas análises, como elemento decisivo nos padrões distributivos de biodiversidade, o que qualificaríamos como biogeografia cultural, ou seja, a Biogeografia passa a inserir o homem e suas ações como objeto de estudo, não prescindindo do meio físico (FIGUEIRÓ, 2015, SIQUEIRA, 2012). A partir desses pressupostos, a geografia escolar e o livro didático não podem estacionar no paradigma científico que está sendo questionado, eles devem remodelar-se e trazer dentro de seus escopos uma abordagem integradora da Ciência Geográfica e do ensino de temáticas biogeográficas. Sabe-se que, na educação brasileira, o recurso didático mais utilizado é o livro didático, e no ensino de Geografia essa realidade não é diferente. Segundo Pina (2009), a história do livro didático no Brasil aparece entrelaçada com a história das disciplinas escolares. À medida que a disciplina avançava, os livros didáticos eram criados. Ainda de acordo com Choppin (2004) apud Pina(2009), o livro didático exerce 4 funções essenciais: a de referência, a de instrumento, a ideológica ou cultural e a função documental. Dessa forma, o livro didático tinha a função de currículo, de definir os conteúdos das aulas, e, sobretudo, assumir a função guia ou o manual do professor, bem como a função de incutir nos usuários,uma cultura, uma ideologia proveniente das classes dominantes, assumindo, dessa forma, o papel de controlar o processo de ensino-aprendizagem. Assim como também tem a função de documento, pois pode documentar o currículo e a ideologia vigente de uma época. A partir desse referencial, é possível perceber todas as relações abstratas e complexas que envolvem o processo de produção, escolha e uso dos livros didáticos. Em se falando de intencionalidades, não é possível deixar de pensar no grande enfoque da Geografia Escolar em determinados conteúdos e no quadro dicotômico que ela reflete. Inúmeras coleções didáticas empreendem setorizações, a partir de referenciais teóricos da Geografia Tradicional de forte tradição positivista, apesar das inúmeras iniciativas e esforços de renovação de seu ensino na atualidade; esforços esses tributários da década de 1970, com a incorporação da Geografia Crítica na década de 1970, de forte alinhamento com pressupostos teóricos de cunho marxista (MORAES, 2002). Desse modo, a produção do material didático para o ensino de Geografia no Brasil ainda continua dentro do paradigma tradicional cartesiano, o que tem reverberações nas práticas de ensino de conteúdos, especialmente aqueles considerados de geografia física, a exemplo da biogeografia, climatologia, geomorfologia, geologia, geomorfologia, hidrogeografia e pedologia. É a partir da necessidade de discutir e enfatizar o encaminhamento integrado do ensino de Biogeografia na Geografia Escolar que se torna fundante a análise de livros didáticos. Sabe-se que o ensino de temáticas biogeográficas ocupa a parte das abordagens físico-naturais estanques que não levam em consideração a importância do fator humano nos processos de distribuição e conservação das espécies animais e vegetais (FIGUEIRÓ, 2015). Logo, torna-se oportuna a transição do ensino de uma biogeografia físico-natural para uma biogeografia que incorpore a dimensão socioambiental, própria da Geografia, e de criar as condições de problematizar o ensino de geografia, a partir de abordagens de natureza interdisciplinar. No entanto, longe de trazer um aprofundamento da querela antiga entre a geografia física e humana, o presente artigo propõe-se a apresentar e trazer alguns elementos que, de alguma forma, tensionam, internamente, tal querela, a partir da análise de uma biogeografia em livros escolares, que se apresenta anacrônica e filiada ainda ao paradigma cartesiano. Metodologia O presente artigo é resultado da pesquisa intitulada “A natureza da biogeografia no ensino de geografia: uma análise a partir dos livros didáticos do ensino médio”, realizada no período de 2013-2014, que teve como propósito avaliar o panorama atual dos estudos da natureza na geografia escolar, a partir dos conteúdos de biogeografia veiculados nos livros didáticos. Atendendo às orientações sinalizadas ao longo da pesquisa de iniciação científica, o presente artigo traz uma análise de livros didáticos, a partir dos conceitos e temas levantados que tenham aderência com a biogeografia. Para tanto, a presente reflexão baseou-se fundamentalmente na leitura de livros e artigos tanto no campo do ensino da Geografia como nos aspectos teórico-conceituais de biogeografia. Após o conhecimento e aprofundamento das referências, partiu-se para seleção dos livros de análise, atendendo o critério da temporalidade da publicação. Após seleção, procurou-se diagnosticar os conteúdos de geografia física, especialmente da biogeografia, empregados nos livros didáticos. Além disso, diante desse levantamento qualitativo, procurou-se investigar o conceito de biogeografia e a importância da mesma no ensino de geografia, bem como investigar se os livros didáticos selecionados criam condições ou possibilidades didático-pedagógicas de diálogo da biogeografia com os demais conteúdos da chamada geografia física e humana. Além disso, foi investigado o currículo dos autores, a fim de perceber se há correlação entre a trajetória acadêmica dos mesmos e a trajetória de constituição dos livros didáticos em apreço. 1 A biogeografia no livro didático de geografia Entendendo que todo livro didático se configura como uma produção cultural, que apresenta em si uma concepção curricular de sujeito e de sociedade (PONTUSCHKA, 2009), procurou- se realizar a escolha por década e autores diferentes. Esse resgate temporal foi entendido como algo necessário, no intuito de perceber se há permanências de conteúdos e temas, como também se houve mudanças teórico-conceituais. Vale ressaltar que, no caso brasileiro, a escolha do livro didático está condicionada aos critérios adotados pelo MEC, através do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Desse modo, foram selecionados livros da década de 1980, 1990, 2000 e 2010, conforme indicação abaixo: Título: O espaço geográfico: geografia geral e do Brasil. Ano de publicação: 1980 Autoria: Igor Antônio Gomes Moreira. Título: Geografia: uma análise do espaço geográfico Ano de publicação: 1990 Autoria: Pedro Coimbra e José Tibúrcio. Título: Conexões: estudos de geografia geral e do Brasil. Ano de publicação: 2000 Autoria: Lygia Terra et al. Título: Geografia Geral e do Brasil: espaço geográfico e globalização. Ano de publicação: 2012. Autoria: Eustáquio de Sene e João Carlos Moreira. Figura 1: Livros didáticos adotados na pesquisa Antes mesmo da apresentação sucinta de cada publicação didática assinalada acima, faz-se necessário trazer algumas considerações gerais das obras estudadas, especialmente quanto à formação dos autores e, por consequência, à produção regional dessas obras didáticas. Esses aspectos são igualmente relevantes, uma vez que apresentam reverberações significativas quanto à abordagem da Natureza e, especialmente, dos conteúdos de biogeografia nos livros didáticos. Uma primeira consideração diz respeito à formação dos autores. Todos apresentam formação em Geografia, uns com inclinações de pesquisa voltadas para a geografia humana, outros com predileções endereçadas à geografia física. Embora toda publicação didática deva atender às prerrogativas do MEC, ainda assim, é possível identificar prioridades relacionadas às grandes subáreas de pesquisa em Geografia. Nesse sentido, os conteúdos físico-naturais, especialmente os de natureza biogeográfica, ficam, em parte, à mercê dos campos temáticos dos autores. Outro aspecto importante, que reflete na proposta curricular desses livros, está relacionado ao espaço de formação desses profissionais, sendo a maioria proveniente do Centro-Sul do país, correspondendo fundamentalmente à localização dessas editoras. Em poucas ou raras vezes, reconhece-se o resgate de outras realidades regionais, de forma mais aprofundada. Os livros procuram resgatar, de forma geral, a realidade brasileira e mundial, mas não criam satisfatoriamente abordagens que resgatem as particularidades regionais, especialmente quanto às fitofisionomias dos lugares de vivência dos estudantes, tornando-os distantes de seus contextos de vida. Tal fato recai na questão das abordagens físico-naturais, a partir da problematização das peculiaridades locais até particularidades regionais, nacionais e mundiais (MATOS, 2013). Além disso, tais abordagens físicas, sob tratamento didático-pedagógico, devem atender a noção de que “só é possível entender as temáticas físico-naturais como natureza apropriada e transformada quando compreendemos como são a gênese e a dinâmica físico-natural desse ambiente e como ela e a sociedade formam uma totalidade” (MORAIS, 2013, p. 22). Deste modo, a descrição e análise dos livros, que se apresentam a seguir, refletem, no âmbito dos conteúdos de biogeografia, esse quadro desigual da produção do livro didático no país, embora admita-se que importantes avançossurgiram em sua apresentação, a forma como aborda os conteúdos, facilitando a compreensão de temas e conceitos próprios da Geografia. O livro “O espaço geográfico: geografia geral e do Brasil”, publicado na década de 1980, de autoria do professor Igor Antônio Gomes Moreira, resgata, em sua parte introdutória, a compreensão da Geografia enquanto ciência, identificando conceitos, concepções e princípios metodológicos aplicados no campo da Geografia. Seguindo uma corrente tradicional da Geografia, o livro expressa, em primeiro plano, todos os conteúdos da geografia física, depois os conteúdos da geografia humana. Essa dicotomização está presente nessa publicação didática, tendo em vista a influência do cartesianismo na Geografia acadêmica e especialmente reproduzida nas instituições escolares. Desse modo, é possível identificar os conteúdos de biogeografia inclusos, em sua maioria, no bloco da geografia física, ganhando destaque especial na abordagem das paisagens naturais. Além disso, os conteúdos de interesse biogeográfico encontram-se em outros capítulos relacionados aos demais fatores naturais. Ainda que situado do contexto das temáticas físico- naturais, não assinala diálogos internos com essas temáticas. A biogeografia, vez ou outra, aponta algumas relações pontuais, mas pouco significativas com a pedologia (estudo dos solos) e das rochas (geologia). O diálogo interno da biogeografia com os demais campos da geografia física é confirmado com a climatologia, especialmente quando se aborda a temática das coberturas vegetais, assinalando como algo importante para o equilíbrio bioclimático. No âmbito da chamada geografia humana, a única possibilidade de interface com a biogeografia é sugerida quando o tema do desmatamento e da queimada resgata a importância da preservação e conservação desses recursos naturais. O livro “Geografia: uma análise do espaço geográfico”, publicado na década de 1990, de autoria dos professores Pedro Coimbra e José Tibúrcio, resgata, na introdução da obra, a compreensão da Geografia enquanto ciência, identificando especialmente o compromisso socioambiental do geógrafo na atualidade. Diferentemente do livro anterior, quanto à distribuição dos conteúdos das temáticas físico-naturais e humanas, percebe-se estruturalmente que os autores procuram problematizar primeiro os conteúdos da geografia humana, sendo que as temáticas que dizem respeito à natureza são apresentadas ao final e de forma segmentada. Ainda que fragmentada, uma contribuição diferente desse livro quanto às temáticas de interesse biogeográfico está atrelada à sinalização de temáticas da zoogeografia, enquanto um dos capítulos do livro. Isso é importante pontuar, porque não há uma tradição da Geografia, especialmente da geografia física, em dar visibilidade às temáticas de interesse zoogeográficos, ficando a cargo da Biologia. Isso é verdade, pois a tradição geográfica em biogeografia está vinculada às questões das distribuições espaciais das coberturas vegetais, ou seja, da fitogeografia, dentro de uma visão mais macroscópica (SIQUEIRA, 2012). Essa dicotomização entre geografia física e humana, como fica assinalada nesta obra, reserva para a biogeografia sua abordagem mais incisiva nas temáticas físico-naturais, situadas ao final da publicação didática. Ainda assim, nas questões de interesse da geografia humana, são abordadas, ainda que timidamente, temáticas de interesse ambiental, em que a biogeografia é apresentada quanto se refere às práticas de fitocídio, tais como supressão vegetal via queimadas e desmatamento. Além disso, os conteúdos de interesse biogeográfico encontram-se em outros capítulos relacionados aos demais fatores naturais. Ainda que predominantemente situada do contexto das temáticas físico-naturais, a biogeografia dialoga, fundamente, entre si e especialmente com a climatologia. A biogeografia, vez ou outra, aponta algumas relações pontuais, mas pouco significativas, com a pedologia e a geologia. O diálogo interno da biogeografia com os demais campos da geografia física diz respeito à climatologia, especialmente quando a temática das coberturas vegetais é assinalada como algo importante para o equilíbrio bioclimático, como ficou assinalado pela obra anterior. A obra “Conexões: estudos de geografia geral e do Brasil”, publicada na década de 2000, de autoria dos professores Lygia Terra et al, apresenta uma abordagem do espaço geográfico, a partir do entendimento das técnicas, uma particularidade que distingue das outras publicações didáticas assinaladas anteriormente. Isso é importante ressaltar, uma vez que a temática da técnica assume uma centralidade fundante no tocante às novas formas e meios utilizados pelas sociedades para instrumentalizar-se e se apropriar da Natureza. As temáticas físico-naturais são apresentadas no meio do livro e dialogando com questões ambientais. Outro aspecto importante diz respeito à inserção mais ampliada das temáticas físico-naturais na geografia humana, por vezes, aparecendo no molde de boxes informativos, incluindo textos de jornais de circulação nacional, infográficos, gráficos e demais recursos visuais. Das publicações estudadas, esta última é a que apresenta um número maior de situações didático-pedagógicas que se aproximam de abordagens integradas em Geografia. Outro aspecto que merece destaque é que essa obra didática, da mesma forma que as outras, não aborda temas de interesse biogeográfico em contextos urbanos. A biogeografia, ainda nesse contexto, reporta-se ao recorte dos espaços rurais que vão desde a escala global à regional. A biogeografia abordada está atrelada predominantemente às temáticas da fitogeografia difusa nos aspectos naturais do espaço geográfico. Esse dado corrobora o fato de que, em geografia, há uma tradição de estudo aos aspectos fitogeográficos, enquanto a zoogeografia está mais amparada na biologia. Ainda assim, nas questões de interesse da geografia humana, são abordadas, ainda que timidamente, temáticas de interesse ambiental, em que a biogeografia é apresentada quanto se refere às práticas de supressão vegetal, via queimadas e desmatamento. Ainda que predominantemente situada do contexto das temáticas físico-naturais, a biogeografia dialoga de forma difusa com os conceitos e temas com aspectos da geografia física e geografia humana. A coleção didática “Geografia Geral e do Brasil: espaço geográfico e globalização”, publicada no ano de 2012, de autoria conjunta de Eustáquio de Sene e João Carlos Moreira, trata-se de uma publicação didática em 3 volumes. Fica evidente, mediante consulta ao sumário e a partir da análise do conteúdo dos volumes, que a geografia física e, particularmente, a biogeografia são bem representadas no primeiro volume da coleção, junto com conteúdo de cartografia e demais geotecnologias. As temáticas biogeográficas são apresentadas no diálogo com questões ambientais, especialmente relacionadas ao desmatamento e queimadas. A publicação didática apresenta boxes informativos, incluindo textos de jornais de circulação nacional, infográficos, gráficos e demais recursos visuais, que auxiliam na compreensão dos conteúdos, o que contrasta fundamentalmente com a primeira obra, restringindo-se apenas, por sua vez, em exercícios de fixação e glossário informativo. Da mesma forma que as publicações didáticas anteriores, essa obra não aborda temas de interesse biogeográfico em contextos urbanos; o que exigiria a inclusão desse tema em livros didáticos, dada sua importância socioambiental. Os outros dois volumes da coleção enfatizam os temas de interesse da chamada Geografia Humana. A natureza, ao longo desses volumes, é vista como recurso e, portanto, assume a condição de fator primordial para o desenvolvimento das nações. Esse posicionamento dos autores fica claro, especialmente nas questões de natureza energética,em que a biomassa e os biocombustíveis são colocados no âmbito do discurso como recursos alternativos. Nas questões de natureza agrária-rural, resgata-se a Revolução Verde e a questão da biorrevolução como signos de modelos agrários que repercutem negativamente os sistemas ecológicos e ambientais, especialmente nas coberturas vegetais e na biodiversidade. Como nas outras obras, a biogeografia reporta-se ao recorte dos espaços rurais que vão desde a escala global à regional. A biogeografia abordada está atrelada predominantemente às temáticas da fitogeografia difusa nos aspectos naturais do espaço geográfico. Esse dado corrobora o fato de que, em geografia, há uma tradição de estudo aos aspectos fitogeográficos, enquanto a zoogeografia está mais amparada na biologia. De forma semelhante à publicação anterior, é possível reconhecer o uso de infográficos e demais recursos imagéticos como recursos facilitadores da aprendizagem. Na perspectiva temporal, ou seja, observando a evolução de conceitos e temas biogeográficos ao longo das 4 publicações didáticas, reconheceu-se que houve um avanço na exposição de conceitos mais filiados às questões ambientais, mas ainda muito filiadas às perspectivas físico-naturais. O conceito de conservação e biodiversidade aparece aos poucos. O que significa um avanço do ponto de vista teórico-conceitual, uma vez que a temática da conservação, em especialmente da conservação da biodiversidade, sempre estive ancorada no campo das ciências biológicas. Esse dado sugere a necessidade de estudos no campo da biogeografia cultural em espaços urbanos e a ampliação do tema da conservação da biodiversidade nos estudos geográficos, já que este apresenta uma abordagem, por vezes, incipiente nos livros didáticos. Faz-se necessário, sobretudo, introduzir nas publicações didáticas, especialmente em livros do Ensino Médio, a temática da biogeografia urbana, atrelada aos riscos de desastres associados às práticas de supressão vegetal, dada sua inexistência na proposta curricular dessas obras. 2 Considerações finais O estudo dos livros didáticos indicou uma significativa abordagem de temas e conceitos de interesse biogeográfico tanto na subárea da geografia física quanto na geografia humana, sendo que há uma predominância dos conteúdos no campo da geografia física. A biogeografia é apresentada de forma transversal no campo da geologia, geomorfologia, hidrogeografia e especialmente da climatologia. Um aspecto importante diz respeito à veiculação dos conteúdos de paleobiogeografia tão somente na abordagem geológica, em que tais conteúdos são explicitados especialmente na escala geológica do tempo. A biogeografia ecológica ainda que perpasse os demais campos da geografia física, ganha corpo de forma mais explicita nas questões ambientais, em que são abordados os impactos de natureza antropogênica em espaços rurais. Na perspectiva temporal, ou seja, observando a evolução de conceitos e temas biogeográficos ao longo das 4 publicações didáticas, reconheceu-se que houve um avanço na exposição de conceitos mais filiados às questões ambientais, mas ainda muito filiadas às perspectivas físico-naturais. O conceito de conservação e biodiversidade aparecem aos poucos. O que significa um avanço do ponto de vista teórico-conceitual, uma vez que a temática da conservação e, especialmente da conservação da biodiversidade, sempre estiveram ancoradas no campo das ciências biológicas. Os livros não sinalizaram ou problematizaram conteúdos de biogeografia urbana, o que a priori, indica a necessidade de inserção de temas e conceitos, especialmente a temática da arborização urbana e das florestas urbanas e suas implicações bioclimáticas e socioambientais. Desse modo, surge a necessidade de estudos no campo da biogeografia em espaços urbanos e a ampliação do tema da conservação da biodiversidade nos estudos geográficos, já que este apresenta uma abordagem, por vezes, incipiente nos livros didáticos. Faz-se necessário, sobretudo, introduzir nas publicações didáticas, especialmente em livros do Ensino Médio, a temática da biogeografia urbana, atrelada aos riscos de desastres associados às práticas de supressão vegetal, dada sua inexistência na proposta curricular dessas obras. Referências ALBUQUERQUE, E.S et al. A nova natureza do mundo e a necessidade de uma Biogeografia social. Geosul, v.19, n.38, 2004. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/geosul/ Acesso em: 15 de ago. 2015. FIGUEIRÓ, A. S. Tradição e mudança em geografia física: apontamentos para um diálogo interno. In: FIGUEIRÓ, A. S.; FOLETO, E. (Orgs.). Diálogos em Geografia Física. Santa Maria: Editora UFSM, 2011. ______. Biogeografia: dinâmicas e transformações da natureza. São Paulo: Oficina de Textos, 2015. MATOS, I. A biogeografia vista do lado de cá. In: SEABRA, G (Org.). Educação ambiental: conceitos e aplicações. João Pessoa: UFPB, 2013. MORAES, A.C.R. Geografia: pequena história crítica. 18. ed. São Paulo: Hucitec, 2002. MORAIS, E.M.B. de. As temáticas físico-naturais como conteúdo de ensino da geografia escolar. In: CAVALCANTI, L. de S. (org.). Temas da geografia na escola básica. Campinas, SP: Papirus, 2013. PINA, P. P. G. do N. A relação entre o ensino e o uso do livro didático de Geografia. Dissertação de Mestrado em Geografia. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2009. Disponível em: http://www.geociencias.ufpb.br/posgrad/dissertacoes.html#2007 Acesso em: 10 nov. 2013. PONTUSCHKA, N. N. et al. Para ensinar e aprender geografia. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2009. SIQUEIRA, J.C. Abordagens biogeográficas. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 2012.