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História Medieval Professor Dr. João Paulo Pacheco Rodrigues EduFatecie E D I T O R A Reitor Prof. Ms. Gilmar de Oliveira Diretor de Ensino Prof. Ms. Daniel de Lima Diretor Financeiro Prof. Eduardo Luiz Campano Santini Diretor Administrativo Prof. Ms. Renato Valença Correia Secretário Acadêmico Tiago Pereira da Silva Coord. de Ensino, Pesquisa e Extensão - CONPEX Prof. Dr. Hudson Sérgio de Souza Coordenação Adjunta de Ensino Prof.ª Dra. Nelma Sgarbosa Roman de Araújo Coordenação Adjunta de Pesquisa Prof. Dr. Flávio Ricardo Guilherme Coordenação Adjunta de Extensão Prof. Esp. Heider Jeferson Gonçalves Coordenador NEAD - Núcleo de Educação a Distância Prof. Me. Jorge Luiz Garcia Van Dal Web Designer Thiago Azenha Revisão Textual Kauê Berto Projeto Gráfico, Design e Diagramação André Dudatt UNIFATECIE Unidade 1 Rua Getúlio Vargas, 333, Centro, Paranavaí-PR (44) 3045 9898 UNIFATECIE Unidade 2 Rua Candido Berthier Fortes, 2177, Centro Paranavaí-PR (44) 3045 9898 UNIFATECIE Unidade 3 Rua Pernambuco, 1.169, Centro, Paranavaí-PR (44) 3045 9898 UNIFATECIE Unidade 4 BR-376 , km 102, Saída para Nova Londrina Paranavaí-PR (44) 3045 9898 www.unifatecie.edu.br/site/ As imagens utilizadas neste livro foram obtidas a partir do site ShutterStock https://orcid.org/0000-0001-5409-4194 2021 by Editora EduFatecie Copyright do Texto © 2021 Os autores Copyright © Edição 2021 Editora EduFatecie O conteúdo dos artigos e seus dados em sua forma, correção e confiabilidade são de responsabilidade exclusiva dos autores e não representam necessariamente a posição oficial da Editora EduFatecie. Permitido o download da obra e o compartilhamento desde que sejam atribuídos créditos aos autores, mas sem a possibilidade de alterá-la de nenhuma forma ou utilizá-la para fins comerciais. EQUIPE EXECUTIVA Editora-Chefe Prof.ª Dra. Denise Kloeckner Sbardeloto Editor-Adjunto Prof. Dr. Flávio Ricardo Guilherme Assessoria Jurídica Prof.ª Dra. Letícia Baptista Rosa Ficha Catalográfica Tatiane Viturino de Oliveira Zineide Pereira dos Santos Revisão Ortográ- fica e Gramatical Prof.ª Esp. Bruna Tavares Fernades Secretária Geovana Agostinho Daminelli Setor Técnico Fernando dos Santos Barbosa Projeto Gráfico, Design e Diagramação André Dudatt www.unifatecie.edu.br/ editora-edufatecie edufatecie@fatecie.edu.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP R696h Rodrigues, João Paulo Pacheco História medieval / João Paulo Pacheco Rodrigues . Paranavaí: EduFatecie, 2021. 97 p. : il. Color. ISBN 978-65-87911-38-0 1. Idade Média - História. 2. História – Período medieval. I. Faculdade de Tecnologia e Ciências do Norte do Paraná - UniFatecie. II. Núcleo de Educação a Distância. III. Título. CDD : 23 ed. 909.07 Catalogação na publicação: Zineide Pereira dos Santos – CRB 9/1577 https://doi.org/10.33872/edufatecie.formsociocultural.2019 AUTOR Prof: João Paulo Pacheco Rodrigues • Doutor em História Social pela Universidade Estadual de Maringá (2019), Mestre em História Cultural pela mesma (2012), Especialista em História do Brasil pela Universidade Cândido Mendes-RJ (2015). Graduado em História pela Univer- sidade Estadual de Maringá (2007). Tem experiência na área de História , com ênfase em História do Brasil, História do Paraná e Patrimônio Cultural. • Autor dos livros: • AS ARTES DA HISTÓRIA: Memórias, Fontes e Métodos.. 1. ed. Maringá: Diá- logos, 2019 • Estudos de História Regional no Vale do Ivaí. 1. ed. Maringá: Unicorpore, 2017. • Ivatuba: História, Memória e Tradição Paranaense. 1. ed. Maringá: Unicorpore, 2014. Link do Currículo na Plataforma Lattes. http://lattes.cnpq.br/1673126629080517 APRESENTAÇÃO DO MATERIAL Bem-vindo, caro aluno (a), nas próximas páginas vamos mergulhar no período me- dieval da história da humanidade e discutir questões importantes e que influenciaram todas as sociedades do mundo moderno e contemporâneo. Através de documentos, imagens e outras fontes históricas faremos uma reflexão sobre esses mil anos de História e o legado deixado para o homem. Antes de iniciar a nossa discussão vamos levantar algumas questões! Muitos co- nhecem a Idade Média como a Idade das Trevas. Mas será que realmente esse período foi uma época das trevas, de escuridão, em que não houve produção de conhecimento? Outra questão importante, qual era o papel da figura do rei nesse período? Será que esse rei foi tão absoluto como vimos nos filmes de Hollywood? Por último, quando nos lembramos da Idade Média, sempre associamos a Igreja e o cristianismo como os maiores influenciadores desse período, porém o poder estava apenas na mão dessa instituição? Visando responder essas dúvidas, dividimos o nosso material em quatro partes. Na unidade I vamos definir o que foi o termo idade Média e o principal modo de produção desse período, o feudalismo. Na unidade II você ira saber mais sobre o Islamismo e os Impérios Bizantinos e Otomanos que marcaram esse período seja com sua forma de expressão, domínio, arte e religião, na terceira unidade focamos na questão da produção do conhecimento e na consolidação do saber, falando sobre movimentos como a “escolástica” e a “patrísticas” e grandes pensadores como Santo Agostinho e São Tomaz de Aquino, por ultimo encerramos as nossas discussões, conhecendo sobre a arte na Idade medieval, des- de a românica até a gótica, passando por práticas culturais como as tapeçarias, iluminuras medievais, pinturas, e romances”. Dessa forma, pretendemos mostrar uma nova vertente da Idade Média e que esse conhecimento contribua na formação de cada novo historiador. Tenham bons estudos e muito obrigado! SUMÁRIO UNIDADE I ...................................................................................................... 3 O que foi a Idade Média ? UNIDADE II ................................................................................................... 25 O Oriente UNIDADE III .................................................................................................. 47 O Saber Medieval UNIDADE IV .................................................................................................. 68 A Cultura Medieval 3 Plano de Estudo: • Periodização de uma época – Ocidental; • A alta idade média e o surgimento do feudalismo. Objetivos da Aprendizagem: • Contextualizar o que foi a Idade Média; • Examinar a visão renascentista desse período; • Analisar o principal modo de produção. UNIDADE I O que foi a Idade Média ? Professor Doutor João Paulo Pacheco Rodrigues 4UNIDADE I O que foi a Idade Média ? INTRODUÇÃO Quem inventou o nome Idade Média? Esse termo, assim como outras denomina- ções históricas, foi criado depois que ela ocorreu. Imagina que você está com seus amigos, discutindo a vida e vocês começam a pensar que o momento que vocês estão vivendo é muito mais bacana que o momento em que seus pais viveram. Então você pode dizer que você é um cara moderno e que quem veio antes de você é um mediano, um tempo das trevas. 5UNIDADE I O que foi a Idade Média ? 1. O QUE FOI A IDADE MÉDIA? E assim, por muito tempo a Idade Média foi classificada como a idade das trevas! Mas será que esse período foi sempre escuro? Não havia luz? Isso que vamos descobrir nessa unidade. Os humanistas da Renascença observam a Idade Média apoiados em um fator de medo, gerado pela peste, fome e constantes guerras entre os mouros e cristãos. Eles partem desse princípio para homogeneizar a Idade Média em um período obscurecido pelas mazelas produzidas pelas instituições. Tem- -se, nesse aspecto, uma clara amostragem do dispositivo. Os renascentistas escrevem a história a partir de seus preceitos morais, condenando ou elo- giando os acontecimentos.(BARBOSA e SILVA, 2018, p,5) O termo idade das trevas é discriminatório e preconceituoso, essa visão deturpada deve-se justamente por conta dos homens que viveram posteriormentea Idade Média, principalmente os renascentistas que criticavam a Idade Média como uma época de muita superstição, crença apenas na Igreja e ignorância por parte da sociedade. Qualificações como “Período em que a humanidade não tomou banho” (BESSELAAR, 1970 p. 89-95), “Idade das Trevas” (FRANCO JÚNIOR, 1988, p. 17-19), “Civilização da Barbárie” (INÁCIO & LUCA, 1988, p.7), foram utilizadas por adeptos do renascimento na tentativa de denegrir a Idade Média. Esses intelectuais, acreditavam que o período mais fascinante na história da hu- manidade, teria sido a Antiguidade, com sua filosofia, artes plásticas, ciência e também a maneira de produzir História e preservar a memória. 6UNIDADE I O que foi a Idade Média ? De acordo com Jérôme Baschet, a Idade Média recebia este nome pois: Media aetas, medium aevum, em latim, e as expressões equivalentes nas línguas européias significam a idade do meio, um intervalo que não poderia ser nomeado positivamente, um longo parêntese entre uma Antiguidade presti-giosa e uma época nova, enfim, moderna. (BASCHET, 2006, p. 25 - grifos no original). A Reforma protestante, o surgimento da filosofia Iluminista e a Revolução Francesa são os eventos históricos que caracterizam a modernidade e que fizeram com o que o sentido dos acontecimentos fosse encontrado nas ações humanas e não no divino. É o sujeito que produz a História, foi dito desde então e esse fazer histórico era resultante das ações humanas, da razão, da consciência dos homens, era um fazer-se ao longo do tempo, um processo evolutivo. Por isso, a História tinha que ser governada pela razão, uma razão na qual se acreditava que todos os aspectos da vida caminhavam em direção à perfeição futura. Essa seria obtida por meio da acumulação de conhecimentos sobre o mundo. Os passos para esse modo de compreender as ações humanas e a explicação histórica para esses atos são encontrados no Renascimento, na qual compreende o movimento de renovação cultu- ral ocorrido na Europa entre os séculos XIV e XVI. Os historiadores desse período passaram a discutir o sentido da História e a bus- car as razões do ser no mundo, não mais com implicações teológicas, mas em prol do alcance da perfeição moral no mundo profano. Para isso, havia que se encontrar outra lógica explicativa para as ações humanas, diferentes das postergadas durante a Idade Média, constituída em um conhecimento que se defendia anti-teológico, ou estabelecida pela razão. A base para esse pensamento foi formulada pelos filósofos Iluministas. Podemos dizer que o pensamento Iluminista se sustenta em três pilares comuns à maioria de seus pensadores, são eles: 1) a fé na razão; 2) a permanência da natureza humana ao longo do tempo; 3) a capacidade racional do homem de realizar na História as metas universais do inexorável progresso (BERLIN, 1997, p. 47). Segundo essas bases, a tradição e a igreja não mais respondiam aos seus anseios de entender e explicar o mundo, havendo que encontrar respostas fundadas na experiência e na observação. 7UNIDADE I O que foi a Idade Média ? 1.1. Periodização de uma época - Ocidental Para compreendermos a forma como os renascentistas analisavam o período medieval, precisamos pontuar conceito de história e historicidade, desde a antiguidade até o período moderno, uma vez que as suas transformações foram responsáveis pela forma como o historiador examinou os fatos do passado e como eles criaram o conceito de Idade Média. Um elemento básico do conhecimento histórico é a historicidade, ou seja, o olhar crítico lançado para a História é passado por diversas transformações e retificações de tem-pos em tempos, o que acarreta em uma ampliação do conhecimento teórico metodológico da disciplina. Dessa forma, tanto na História como na historiografia existe uma historicidade, o que demonstra que ela ao decorrer dos anos ela se transforma ex- pressando peculiarida-des na maneira de conceber o conhecimento do passado. E nesse sentido percebemos que as formas de escritas históricas apresentam características distintas, desde a antiguidade até o renascimento, é o que veremos adiante. Uma característica básica do conhecimento histórico é a sua própria historicidade. A historiografia é compreendida como o conjunto de estudos históricos; o conjunto das variadas formas de escrever e pensar a História. Assim como a História, a historiografia tem uma historicidade. Isso denota que ela muda de tempos em tempos, expressando as diferentes formas de conceber o conhecimento do passado. Quando se olha para os textos históricos produzidos na Antiguidade, constata-se que entre os gregos e os romanos, por exemplo, havia muita semelhança entre a literatura e a História. O que diferenciava ambas (e continua a diferenciar) era a preocupação com a verdade. Para os historiadores desse período, fazer História implicava no trabalho do escri- tor em usar de seu talento para elaborar uma oratória que explicasse o passado. O orador era o homem mais capacitado para essa função e cabia a ele esclarecer e dar ‘exemplos’ de vida aos homens públicos e instruir o homem particular (HARTOG, 1998, p. 197). A função do historiador era a de explanar o que ocorria entre os mortais; cabia a ele explicar, traduzir para o outro o ocorrido. A divulgação dos grandes exemplos históricos era considerada um modo de incentivar a imitação e a repetição das ações. A missão do historiador era a de preservar aquilo que deve sua existência aos homens, para que o tempo não o oblitere, e prestar aos extraordinários e gloriosos feitos de gregos e bárbaros, louvor suficiente para assegurar-lhes evocação pela posteridade, fazendo assim sua glória brilhar através dos séculos (ARENDT, 1988, p. 70). 8UNIDADE I O que foi a Idade Média ? Por volta do século XII a.C. A escrita foi baseada nas tradições orais, transmitidas de geração em geração e nela se vê a exaltação das virtudes como a honra, o patriotismo, o heroísmo, o amor, a amizade, a fidelidade e a hospitalidade (DOSSE, 2003). Heródoto de Halicarnasso (485 a.C. e 430 a.C) considerado o ‘pai da História’’ procurou fazer uma es- crita sobre o passado com o menor recurso possível aos conteúdos mitológicos presentes, por exemplo, em Ilíada e na Odisséia. Sua narrativa era repleta de oráculos, adivinhações e da interferência de mitos na explicação do acontecimento (REIS, 2006, p. 18). Para os gregos, a vida se movia sempre em repetições, pois tinham um entendi- mento cíclico do universo. Isso fazia da História um conhecimento necessário, através do qual se retiravam ensinamentos. Eles concebiam a História como uma forma de imortalizar os feitos humanos. A narrativa histórica devia convencer os leitores pela beleza, forma, estruturação e ordenação dos argumentos (FUNARI, 2005). Conhecer os preceitos retóricos e ser dotado de grande erudição eram condições fundamentais para o historiador, o que fazia da historiografia antiga, uma escrita funda- mentada na arte da demonstração, por isso o apreço por parte dos Renascentistas e a crítica ao período medieval. A História ensinava como aprender com a desgraça e como ser moderado na prosperidade (REIS, 2006, p. 17). O trabalho dos historiadores nesse período implicava em usar seu talento para elaborar uma oratória que explicasse o passado. E o orador era o homem mais capacitado e incumbido de esclarecer e “dar exemplos” de via vida dos homens públicos e instruir o homem particular (HARTOG, 1998, p. 197, apud ZANIRATO, 2011, p. 31). De acordo com Zanirato (2011), o tempo nesse período era visto de forma circular, sujeito a se repetir de tempos em tempos, e o papel da História, era de elaborar uma narrativa que buscava a explicação dos acontecimentos em um dado período nesse tempo. A História se encarregou de produzir uma narrativa sobre os feitos oriundos da ação do homem, e registar acontecimentos que não eram sujeitos a imortalidade, mas que deveriamser recordados para ficarem na eternidade. E nesse cenário, o historiador era incumbido de explanar o que ocorreria entre os mortais, e assim o historiador, explicava e traduzia para outro o ocorrido e com essa divulgação dos grandes feitos históricos era visto como uma forma de incentivar a imitação e repetição das ações. Segundo Dosse (2003, p.17, apud Zanirato, 2011, p.36), com a dissolução do mun-do romano, a Igreja Católica ganhou força e se tornou a instituição mais poderosa entre os séculos IV e XIV (Idade Média), e ela detinha o controle absoluto do saber. A História nesse cenário torna-se um gênero inferior, a serviço da teologia, que era vista como o verdadeiro saber. 9UNIDADE I O que foi a Idade Média ? Zanirato (2011), discorre que a escrita histórica no mundo medieval passou a ser orientada por normas definidas pela Igreja, e a História humana era vista como sendo resultante da intervenção divina, de forma que todos os fatos acontecidos eram efeitos da relação de Deus com o mundo. Na Idade Média, o tempo e a História eram vistos como uma sucessão iniciada com a Criação e predestinada a terminar com o Juízo Final, o que fez o tempo ser visto como linear e progressivo, seu movimento era direcionado para o fim. Nesse período, a História passou a expressar um caráter pessimista, providencialista e apocalíptico. Deus estava no centro de todas as ações humanas, e a providência guiava as ações humanas e o mundo caminhava para o fim, uma vez que os homens o mesmo iam para o céu ou inferno, dependendo do que faziam na Terra. O estudo da História servia ao cristianismo com uma confirmação da fé (ZANIRATO, 2011). E a tarefa principal do historiador era de decifrar profecias e guiar os diversos relatos históricos ( FONTANA, 1998, p.29, apud ZANIRATO 2011). Ou seja, na Idade Média, com a dissolução do mundo romano, a Igreja Católica adquiriu força que a tornou a mais poderosa instituição entre os séculos IV e XIV. Coube a ela o controle absoluto do saber, aí incluído as diferentes escritas, que passaram a ser controladas pelo poder eclesial constituído. A História, nesse contexto, tornou-se apenas um gênero menor, a serviço da teologia, considerada o grande e verdadeiro saber (DOSSE, 2003, p. 217). Com isso, a escrita histórica passou a ser orientada pelas normas definidas pela Igreja, sempre afirmando que a História humana era resultante da intervenção divina; de forma que os fatos ocorridos eram efeitos das relações de Deus com o mundo. O estudo da História servia ao cristianismo como confirmação da fé. Por um lado, era uma forma de confirmar as profecias anunciadas na Bíblia, ou de explicar porque não se cumpriram os enunciados; por outro, era uma forma de incluir toda a História não cristã,‘nas pautas marcadas pelo esquema bíblico’. A tarefa do bom historiador era a de ‘decifrar as profecias e coordenar os diversos relatos históricos’ (FONTANA, 1998, p. 29). Santo Agostinho (354 – 430), por exemplo, compreendia o sentido da História que essa não originava dos atos particulares dos homens, mas sim das intenções divinas. Para ele, havia duas ordens históricas: uma História sagrada, que narra os eventos reveladores da presença de Deus e uma História secular, produto da vida dos homens, das ações causadas pelos homens. A História sagrada era obra dos profetas diretamente inspirados por Deus e a História secular era aquela que registrava os atos destinados a conduzir os 10UNIDADE I O que foi a Idade Média ? homens ao paraíso, ou ao inferno, às ações que mostravam a submissão ou a desobediên- cia dos homens às determinações bíblicas (BIGNOTO, 1992, p. 180-182). Mas essa forma de pensar a História mudou, Zanirato (2011), relata que no período que compreende os séculos XIII e XVI, ou seja no final da Idade Média e início da Idade Moderna, a Europa ocidental viveu a chamada Revolução Cultural, com o surgimento da burguesia constitui-se uma nova ordem política e econômica. Essa mudança acarretou a valorização da riqueza material, dos prazeres terrenos, a defesa do lucro e a possibilidade de salvação. Com a descoberta da América, vieram questionamentos às formas de explicar o mundo, e a religião já não estava dando conta de dar sentidos a todas as esferas do mundo. Nesse período os historiadores passaram a discutir o real sentido da História, e buscar as razões do ser no mundo, sem as implicações teológicas. No Renascimento temos uma mudança na forma de compreender a História. Com isso o homem passa a buscar respostas para suas perguntas, e a entender seu papel no mundo sem a intervenção Divina. E para encontrar as respostas, os homens precisavam de um conhecimento pautado no estabelecimento da razão, diferente da Idade Média, na qual a Igreja determinava essa produção de saber. A escrita da História nesse período, feita por filósofos, buscava abandonar as explicações centradas nos deuses, em mitos e superstições. Essa crítica se estende até o século XIX, quando a partir de 1850, um grupo de pesquisadores ligados ao movimento do Romantismo irão se atentar a elementos, símbolos e signos até então ignorados por historiadores renascentistas. Reconhecendo as belezas do mundo medieval através das suas práticas artísticas e da arquitetura gótica, como veremos nas unidades a seguir. Os historiadores que se dedicaram aos estudos sobre a Idade Média, pontuavam que não houve apenas uma Idade Média, mas sim variáveis, distintas, de múltiplas inter- pretações e diversas ocorrências. Ele era flutuante, um período movimentado, marcado pelo poder da Igreja, pelas graves epidemias como a Peste Negra na qual assolou grande parte da população e de inúmeras batalhas que cruzaram a Europa. Porém este período nos apresentou além da arquitetura gótica já citada, o surgimento das universidades e do desenvolvimento da agricultura em grande escala. Assim, a Idade Média deve ser pesquisada no seu conjunto, ou cerca no arco de quase mil anos, atentando para suas singularidades, Le Goff, destaca que a Idade Média é “de longa duração na história, mas um período de elaboração, de construção do mundo 11UNIDADE I O que foi a Idade Média ? moderno [...]. A Idade Média é a nossa juventude; talvez a nossa infância” (LE GOFF, 2008, p. 33),além disso o pesquisador pontua que: Eu diria que a Idade Média não é o período dourado que certos românticos quiseram imaginar, mas também não é, apesar das fraquezas e aspectos dos quais não gostamos, uma época obscurantista e triste, imagem que os humanistas e os iluministas queriam propagar. É preciso considerá-la no seu conjunto.” (LE GOFF, 2007, p.18) Antes de adentramos na discussão sobre a Idade Média, cumpre destacar alguns pesquisadores que com seus estudos contribuíram para o entendimento histórico desse período e posteriormente foram objetos de pesquisa de historiadores, como por exemplo: Gregório de Tours (538-594) que escreveu sobre a sociedade cristã franca, em suas obras o autor relata a trajetória desses povos. As narrativas abordaram ações dos reis e dos san- tos. Outro historiador foi Flodoardo de Reims (894-966) a qual a reconstituição foi feita nos arquivos eclesiásticos pelos Bispos Reims. O objetivo de sua pesquisa era compreender a instituição da Igreja no início da Idade Média. (DOSSE, 2003, p.221). Jacques Bossuet (1627-1704), afirmava que a escrita era a fonte divina e ninguém tinha o direito de banalizá-la, pois toda a explicação histórica ali se encontrava. Compete ao historiador demonstrar, em sua escrita, o desígnio providencial. Por último, lembramos de Giambattista Vico (1668-1744), preocupado em restituir a particularidade da sociedade humana e, ao mesmo tempo, inseri-la no quadro da providência. Seus estudos cruzavam as etapas primitivas do homem à época da ciência e da filosofia, de modo a mostrar que houve uma evolução e essa se explicava pela vontade divina, que ensinará osbárbaros pagãos de épocas primitivas, a fazer uso da razão e compreender assim os ensinamentos de Deus (DOSSE, 2003,p.228). A Idade Média, tem início no ano 476 d.c, ou seja mais de 1500 anos atrás e termina em 1453. E por que ela começou justamente nesse ano? A data marca a invasão da cidade ocidental de Roma, até então principal centro da Europa e consequentemente o fim do Império Romano e o término desse período é marcado pela tomada de Constantinopla pelos turcos. Essas duas balizas temporais não são unanimidades entre os pesquisadores. De acordo com Marcelo Candido da Silva: Os historiadores nunca entraram em consenso sobre os marcos precisos do início e do fim da Idade Média: para uns, seria a queda de Roma, em 476, e a queda de Constantinopla, em 1453; para outros, o Edito de Milão, em 313, e a chegada dos espanhóis à América, em 1492. No entanto, esse período é mais do que uma convenção cronológica. Desde o surgimento do termo, no final do século XIV, não apenas eruditos e historiadores, como também historiadores da arte, filósofos e sociólogos, buscaram identificar as carac- terísticas que diferenciariam “os tempos médios” da Idade Antiga e da Idade Moderna. As divergências nesse ponto são ainda maiores do que na escolha das datas que marcariam o início e o fim do período. ( CÂNDIDO, 2019, p .8). 12UNIDADE I O que foi a Idade Média ? Além disso, Le Goff reforça que: Da Antiguidade ao século XVIII desenvolveu-se, ao redor do conceito de de- cadência, uma visão pessimista da história, que voltou a apresentar-se em algumas ideologias da história no século XX. Já com o Iluminismo afirmou-se uma visão otimista da história a partir da ideia de progresso, que agora co- nhece, na segunda metade do século XX, uma crise. (LE GOFF, 1990, p. 8) De fato, o importante é compreender as transformações que ocorreram na Idade Média, os historiadores que pesquisam esse período, costumam relacioná-lo como a tran- sição entre a Antiguidade para a Idade Moderna. O autor continua: “Existe, é verdade, uma Idade Média “má”: os senhores oprimiam os campo- neses, a Igreja era intolerante e submetia os espíritos independentes (que eram chamados de hereges) à Inquisição, que praticava a tortura e mata- va os revoltosos nas fogueiras... Havia muita fome e muitos pobres (...). No entanto, existe também a “bela” Idade Média, presente, principalmente, na admiração das crianças: diante dos cavaleiros, dos castelos fortificados, das catedrais, da arte românica e da arte gótica, das cores (dos vitrais, por exem- plo) e da festa. Também esquecemos quase sempre que, na Idade Média, embora as mulheres ainda tivessem um lugar inferior aos dos homens, ad- quiriram ou conquistaram uma posição mais justa, mais igual, de mais pres- tígio na sociedade – posição que nunca tinham tido antes, nem mesmo em Atenas, na Antiguidade.” (LE GOFF, 2007, p.18-19) Nesses quase mil anos de História, a Europa foi palco de profundas mudanças em toda sua esfera política, econômica, social, cultural e religiosa, como destaca Durkheim na obra “A evolução pedagógica” lançada em 1995. Nada mais inexato, porém, do que essa concepção da Idade Média e, portan- to, nada mais impróprio do que a palavra com a qual essa época é designada. Muito longe de ter sido um simples período de transição, sem originalidade, entre duas civilizações originais e brilhantes, é, ao contrário, o momento em que se elaboraram os germes fecundos de uma civilização inteiramente nova. E isso nos é mostrado notadamente pela história do ensino e da pedagogia. A Escola, tal como a encontramos no início da Idade Média, constitui com efeito uma grande e importante novidade; distingue-se por traços cortados de tudo quanto os antigos chamavam com o mesmo nome. É claro, já o dissemos, que ela retira da civilização pagã a matéria do ensino; mas essa matéria foi elaborada de uma maneira totalmente nova, e dessa elaboração nasceu algo inteiramente novo. É o que acabo de mostrar. Mas pode ser dito que nesse momento é que apareceu a Escola, no sentido próprio do termo. Pois uma escola não é apenas um local onde o professor ensina; é um ser moral, um meio moral, impregnado de certas idéias [sic], de certos sentimentos, um meio que envolve tanto o professor quanto os alunos. Ora, a Antigüidade [sic] não conheceu nada semelhante. Teve professores, mas não teve Escolas de verdade. Na pedagogia, pois, a Idade Média foi inovadora. Durkheim (1995, p. 37). 13UNIDADE I O que foi a Idade Média ? 2. A ALTA IDADE MÉDIA E O SURGIMENTO DO FEUDALISMO A Idade Média também pode ser dividida em duas partes, os primeiros 500 anos são conhecidos como Alta Idade Média, na qual as sociedades passaram lentamente a viver um novo modo de vida, uma nova organização social (o feudalismo) e o apogeu da Igreja, a sua grande influência em boa parte da Europa. Já a segunda parte, conhecida como Baixa Idade Média, é marcada pela crise do feudalismo, as cruzadas, a expansão comercial, e o surgimento das cidades e núcleos urbanos. A Alta Idade Média, período que se estende desde a queda do Império Romano, no século V, até aproximadamente o século X, foi marcada por um processo contínuo de declínio urbano e de ruralização do Ocidente europeu. Durante esse período o campo gradativamente se fortaleceu, organizando-se na forma de feudos, que se espalharam por grande parte da Europa. Podemos caracterizar o feudalismo como um modo de produção, na qual o principal polo aglutinador seria o feudo, e desses procedem relações senhores e camponeses e suseranos e vassalos. O pesquisador Pierre Bonnassie destaca como “época arcaica” do feudo o período entre os últimos decênios do século IX e os primeiros do século XI, e o situa na Europa meridional – Languedoc e Catalunha (1999, p. 96). Como veremos a seguir, no regime feudal, o senhor era o detentor de uma grande extensão territorial, em que ele exercia o poder sobre seus servos e escravos. Um senhor feudal poderia ser vassalo de outro; porém, nos limites de suas terras ele tinha poder absoluto: era o senhor, protetor, 14UNIDADE I O que foi a Idade Média ? juiz, chefe de polícia e administrador. Essa primeira fase da Idade Média, marcada pelo processo de ruralização, sofreu alterações significativas a partir do século XI, através do ressurgimento e fortalecimento das cidades. Os novos espaços urbanos que se constituíram desde o início desse século se apresentaram extremamente diferenciados das antigas aglomerações urbanas, sobretudo no seu aspecto econômico. Houve um processo de acentuada migração dos homens do campo para as cida-des. A superfície urbana aumentou significativamente, as construções cresceram de forma irregular e a aglomeração passou a exigir, cada vez mais, uma melhor organização e uma forte fiscalização das atividades exercidas em seus domínios. Ao longo dos séculos XI e XII houve um aumento significativo do número de ci- dades e, consequentemente, da população urbana no Ocidente medieval. Nesta unidade iremos abordar mais as questões conceituais, as características que definem esse período chamado de Alta Idade Média. Lembrando que essa é uma divisão tradicional, existem historiadores que discor-dam dessa ordem e apresentam o visões mais contemporâneas como Jacques Le Goff na obra “Para Uma Outra Idade Média: Tempo, Trabalho e Cultura no Ocidente” lançada em 1977, que compreende a Idade Média desde o século III, quando inicia a crise do Império Romano até o século XVIII no final do que denominamos de absolutismo. Se se pode identificar na crise do mundo romano do século 3º o ponto de partida que dará origem ao Ocidente medieval, parece legítimo considerar as invasões bárbaras do século 5º como o acontecimento que precipitou as transformações, dando-lhes um aspecto catastrófico e modificando-lhe pro- fundamente o aspecto. [...] As invasões deixaram chagas mal cicatrizadas – campos destruídos, cidades arruinadas -, precipitoua evolução econômi- ca – declínio da agricultura, recuo urbano -, a retração demográfica e as transformações sociais. Os camponeses viram-se obrigados a se colocar sob dependência cada vez maior dos grandes proprietários, estes passaram tam- bém a ser chefes de grupos armados, e a situação do colono tornava-se cada vez mais próxima da do escravo. (LE GOFF, 2005, p. 21-22) Nos nossos estudos as discussões permeiam a Alta Idade Média entre o século V ao X com forte presença do feudalismo e a Baixa Idade Média do século X até o XV, período marcado pela crise desse sistema. Quando pensamos no sistema político vigente durante a Alta Idade Média, de- notamos como um conjunto fragmentado e descentralizado, fruto do declínio do Império Romano do ocidente. Paulatinamente deixa de existir a figura de uma entidade reconheci- da legitimamente e também legalmente como a autoridade de poder, centralizado, ou seja, 15UNIDADE I O que foi a Idade Média ? como uma autoridade dotada de um monopólio do uso da força capaz de se impor sobre autoridades inferiores. Esse tempo marca a ascensão e fortalecimento das autoridades locais, dos cha- mados poderes locais. Dentro do feudalismo ainda vai existir a figura do rei, mas este enfraquecido. Temos a ausência de uma centralização política devido a uma insuficiência do uso da força militar por parte do rei. Nesse caso, os poderes regionais são muitas vezes mais relevantes do que o poder central, o servo não é considerado um escravo, porém não é um trabalhador livre e vive sob a tutela do senhor. Para le Goff, o feudalismo se caracteriza como : Um sistema de organização econômica, social e política baseada nos víncu- los de homem a homem, no qual uma classe de guerreiros especializados – os senhores – subordinados uns aos outros por uma hierarquia de vínculos de dependência, domina uma massa campesinata que explora a terra e lhes fornece com que viver. (LE GOFF, 1980, p. 82). Esse sistema tinha como consequência a ausência do monopólio do uso da força. Como era durante o Império Romano, o poder estava fragmentado e descentralizado, na mão dos suseranos. Isso não significava que o rei não exercia em momento algum o seu poder de autoridade máxima. Em momentos de crise, de invasão de outros povos, era função do rei comandar os exércitos na defesa dos seus territórios. No início do século VI, verificam-se fenômenos políticos significativos. De um lado, alguns reinos romano-bárbaros já se implantavam firmemente em territórios do Império do Ocidente, onde a única autoridade política autentica- mente romana é a Igreja e especialmente o papado; de outro lado, o Império do Oriente conserva ainda a sua unidade e a sua força, o que lhe permitirá tentar a reconquista do Ocidente. Estes três centros de poder, tão diferentes entre si, se enfrentarão numa complexa luta ideológica e militar. (MANACOR- DA, 2006, p. 111). Portanto a sua autoridade não era uma constante, ela era flutuante. Lembrando que por legitimidade entendemos de forma bem genérica a aceitação de um poder. Nesse âmbito, a nobreza, muitas vezes durante as guerras, emanava uma liderança mais har- monizada e equilibrada. Era comum algum nobre ser mais poderoso e com um exército maior, enfrentar o rei em questão e se colocar contra essa figura, como diversas vezes aconteceu ao longo do feudalismo, como veremos nos outros capítulos. Por isso é importante saber diferenciar e não confundir o rei medieval com o rei absolutista. O rei absoluto é uma outra categoria de monarca com outros atributos de poder que levam este a exercer um poder centralizado e não fragmentado. Já o monarca feudal é diferente daquele exibido nos filmes de Hollywood, em que é representado como uma figura muito poderosa, uma vez que os filmes tendem a transportar o poder do Rei absolutista dos séculos XV e XVIII para a realidade política do rei feudal do século V ao XX. “Seus recursos 16UNIDADE I O que foi a Idade Média ? econômicos provinham quase exclusivamente de seus domínios pessoai enquanto senhor, enquanto de seus vassalos pedia contribuições militares(ANDERSON, 1991, p. 147). Outro fator importante para compreender o contexto histórico da Alta Idade Média, trata-se da produção material e econômica na Europa. Primeiro ponto: a principal atividade era agricultura de subsistência, o feudo era a unidade produtiva do feudalismo. E você, aluno (a) se recorda como era esse feudo? Trata-se de um latifúndio, uma grande propriedade rural e que visava ser autossuficiente. Ele tem como seu objetivo primeiro produzir para o seu próprio sustento, tornando-se uma agricultura de subsistência. Mais do que isso, seria um: Modo de produção no qual as relações sociais de produção estão basea- das na servidão; a propriedade dos meios de produção está dividida entre a classe dominante, a nobreza feudal, e a classe dominada, os servos, cujo objetivo fundamental da produção é o valor de uso. (MONTEIRO, 1987, p. 5). A propriedade territorial era concedida aos indivíduos por um poderoso senhor (membro da alta nobreza) em troca de fidelidade e ajuda militar. O direito feudal é aquele conjunto de costumes (e mais tarde, mas secun- dariamente, de algumas leis imperiais, sentenças de cúrias feudais, teoriza- ções doutrinais) que pouco a pouco se acumularam durante todo o período medieval e que disciplinam aquele universo de relações entre senhores e vassalos, entre superiores e inferiores, que é a ordem feudal: relações pes- soais que consistem em homenagem e fidelidade por parte do vassalo e em proteção por parte do senhor. Um universo jurídico exclusivo, que desenvol- veu suas próprias regras e que tem seus próprios tribunais para aplicá-las; Grossi (2014, p. 275) Esse modo de produção esteve presente principalmente em estados do antigo do Império Carolíngio: França, Bélgica, Suíça, Alemanha, na região da Gália entre os riachos Loire e Reno, como podemos observar no mapa a seguir. 17UNIDADE I O que foi a Idade Média ? Figura 1: Atlas by William R. Shepherd (Shepherd, William. Historical Atlas. New York: Henry Holt and Company, 1911) Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Reino_Franco#/media/Ficheiro:Frankish_Empire_481_to_814-pt.sv Pierre Anderson, destaca que as bases para o feudalismo foram fundadas na região da Gália e posteriormente difundidas entre os outros centros europeus. Foi entre o Loire e o Reno que apareceu pela primeira vez a servidão, onde se desenvolveu um sistema senhorial, onde a justiça foi mais profunda e, por fim, a subenfeudação foi mais acentuada. Nessa região, as vilas conviviam com numerosas aldeias camponesas, reduto de mão-de-obra em potencial. Entre os séculos VII e IX observa-se a tendência à ampliação da vila através do desbravamento de novas áreas para a exploração agrícola como também a incorporação do vicus, suas terras e seus habitantes. (ANDERSON, 1991, p. 153). Cumpre lembrar que nenhum feudo se originou do nada, esses foram foram con- sequências das invasões tardias que culminaram na descentralização do poder do rei e da ascensão da nobreza e do seu arsenal militar, dessa forma o Feudalismo pode ser entendido também como uma forma de sociedade que surge em consequência do colapso do governo central (FRANCO JUNIOR, 1988, p. 87). O feudo era constituído por três espaços: o primeiro tratava-se do Manso Senhorial: que era o local onde ficavam as terras do senhor feudal e os mecanismos de produção como o moinho, além de abrigar o castelo, residência do senhor feudal. Havia outras modalidades de mansos, como a destinada aos servos, que era o espaço na qual eram produzidos a agricultura de subsistência dos camponeses, também chamados de servos. E por último, havia as propriedades denominadas de Mansos Comunais: espaço em que os camponeses poderiam coletar matéria prima para a produção de casa, arma- zém. Esse local ficava próximo aos rios e eram conhecidos como áreas comuns.A estrutura social era composta por três categorias, ou classes: o clero, os nobres e servos, sendo 18UNIDADE I O que foi a Idade Média ? que organização era imutável. Devido a influência e poder da Igreja, o clero desfrutava de posição privilegiada durante o feudalismo, uma vez que a Instituição pregava que o homem já nasce predestinado a viver em uma classe definida por Deus, sendo ela a representação da figura divina na terra A Igreja possuía uma grande quantidade de terras e ao mesmo tempo que esse número crescia, o seu poder militar aumentava a sua supremacia política e cultural. Outra questão importante, em um primeiro momento, no seu surgimento, os feudos eram de ordem pública, como afirma o historiador Pierre Bonnassie: Bem público, concedido a um agente da autoridade pública, em troca de ser- viços públicos a serem prestados. Consistia quase sempre em uma terra so- bre a qual incidiam direitos fiscais. O outorgante era geralmente um duque ou um conde, e o beneficiário, um alcaide, que deveria, como contrapartida, administrar e defender o território concedido (BONNASSIE, 1999, p. 96). No entanto, ao passar a ser de propriedade da aristocracia, o feudo mudou a sua natureza e deixou de ser um bem público para um bem privado. Assim, podemos definir os feudos como uma propriedade voltada para a autossuficiência na qual emergem autorida- des locais como duques e condes que exercem um poder sobre as cidades próximas. Além dessas figuras, temos também a autoridade da Igreja, tema da nossa terceira unidade. Na figura 2 podemos observamos como era a estrutura de um feudo durante a Alta idade Média: Figura 2: O Feudo. Fonte: http://www.apoioescolar24horas.com.br/cf/salaaula/estudos/historia/610_feudo/images/estudo/indice.png A principal mão de obra no feudo era a servidão, como podemos defini-la? Quem seria o servo? Como surgiu essa relação? O servo não teria direito à terra no modo de produção feudalista, ou seja, o direito de propriedade. Dificilmente ele não seria um dia proprietário e também não teria o direito http://www.apoioescolar24horas.com.br/cf/salaaula/estudos/historia/610_feudo/images/estudo/indice.png 19UNIDADE I O que foi a Idade Média ? à terra, pois o servo está inserido em uma condição de submissão em uma sociedade que é essencialmente agrícola. O apogeu das relações servo e vassalo têm suas origens relacionadas ao cres- cimento agrícola, que ocasionou em um número alto de terras e títulos para os nobres, aumentando ainda mais as suas riquezas. Nesse modo de produção, o servo teria as suas obrigações como o trabalho na terra e o senhor feudal, por outro lado, tinha por obrigação garantir a eles proteção militar. Além do trabalho no campo, os camponeses eram obrigados a cuidarem dos animais, pomares, piscicultura e até a confecção de vinhos para os seus senhores. Ao receber a terra do senhor feudal, o servo deveria pagar uma quantidade razoá- vel de tributações, na qual denominamos de “obrigações”, que seriam variáveis formas de impostos. Os tributos variavam conforme a necessidade do senhor feudal, como por exemplo a corveia, a talha e a banalidade. Exemplificando: a corveia, um dos mais famosos tributos da Idade Média, consistia em uma série de serviços prestados na propriedade agrícola do senhor feudal. Em um nú- mero determinado de dias, o servo era obrigado a desempenhar funções como a limpeza do castelo, a construção de muros além de trabalhar nas lavouras durante o período do plantio e da colheita. Observem abaixo um exemplo das obrigações que eram impostas aos camponeses. Walafredus, um colono e sua mulher, uma colona, [...] homens de Saint Ger- main, têm dois filhos, [...]. Ele detém dois mansos livres com sete bunuaria (um quarto de acre) de terra arável, seis acres de vinha e quatro de prados. Devem por cada manso uma vaca por ano, um porco no ano seguinte, quatro denários pelo direito de utilizar a madeira, dois módios (18 a 26 litros) de vi- nho pelo direito de usar as pastagens, mais uma ovelha e um cordeiro. Deve ainda lavrar quatro varas para um cereal de inverno e duas varas para um cereal de primavera. Devem corvéias, carretos, trabalho manual, cortes de árvores quando para isso receber ordens. (GUÉNARD e MONTEIRO, 1987, p. 47) Outro imposto conhecido desta época, era a talha, na qual o servo era obrigado a repassar para o senhor feudal, 50% de sua produção, considerando todo o lucro bruto. Haviam também as banalidades, impostos em que o servo era forçado a pagar ao senhor feudal caso ele utilizasse de alguns dos serviços ou instalações do castelo. Enfim, tudo que o servo produzia era passivo de tributação. E essa é a grande questão, quando falamos sobre a relação de Servo e senhor feudal, pois o servo ao rece- ber a terra, já começava devendo inúmeras obrigações, que ele dificilmente conseguiria pagar essa dívida . 20UNIDADE I O que foi a Idade Média ? Figura 3: Ilustração medieval de homens colhendo trigo com ganchos, em uma página do calendário. Fonte : Queen Mary’s Psalter (Ms. Royal 2. B. VII) Nesse caso, qual a relação do servo com a escravidão? Ele era escravo? Existiu escravidão durante o feudalismo? A resposta é que de certa forma existiu. Há vários histo- riadores que mencionam a existência da escravidão em pequeno número nas sociedades feudais. Pois historicamente não houve a abolição da escravidão na Europa durante esse período o fim da escravidão. Quando o Império Romano tem a sua derrocada no ocidente, a escravidão não foi proibida então. Ela poderia continuar existindo, no entanto esse sistema não era mais viável, no caso rentável. Então gradativamente aquele processo do colonato romano foi substituindo a mão de obra escrava pela mão de obra servil, que foi trabalhar nos feudos durante a Alta Idade Média. Essa é uma pergunta muito importante. Pois devido os altos impostos, o servo aca- bava vivenciando uma relação de escravidão, no entanto ele não era uma propriedade do Senhor feudal. Este, não poderia vendê-lo, servir como moeda de troca, pois o camponês não era o seu escravo, embora viva uma relação escravista. Para Karl Marx, o feudalismo como “modo de produção” difere do sistema escravis- ta pois nele “o produtor direto se encontra na posse de seus próprios meios de produção, as condições de trabalho objetivas necessárias à realização de seu trabalho e à geração de seus meios de subsistência; ele exerce de modo autônomo sua agricultura, bem como a indústria rural caseira ligada a ela” (1985, p. 251), ao passo que no regime escravista “o escravo trabalha com as condições de produção alheias e não de forma autônoma” (1985, p. 251). 21UNIDADE I O que foi a Idade Média ? Cumpre ressaltar que existem estudos que divergem da narrativa em que o feudo era um espaço onde o senhor impregnava as suas vontades aos seus vassalos, Marc Bloch destaca, que há registros em quem o vassalo concedia ao senhor a sua terra em troca de proteção militar. Muitos proprietários de alódios1 entregavam a sua propriedade a um senhor de condição mais elevada. Esses nobres, depois de terem prestado homena- gem ao novo senhor, recebiam seu antigo patrimônio na qualidade de honro- so feudo vassálico (BLOCH, 1987, p. 185). Para o historiador Jaime Estevão dos Reis “servidão implica, portanto, que a rela- ção de propriedade deve estabelecer-se como uma relação entre senhores e servos, de forma que o produtor direto não seja livre”. Trata-se de uma ausência de liberdade “que pode variar desde a servidão com trabalho pessoal até a mera obrigação tributária” (MARX, 1985, p. 251). SAIBA MAIS A Idade Média foi um período com muitas peculiaridades, desde a forma com os seus castelos eram concebidos, os duelos entre membros da nobreza, o papel da mulher nessa sociedade na qual tinham direito de escolher com quem e quando casar; a pro- fissão que gostaria de seguir. Enfim, ao citar esses exemplos observamosmesmo que os costumes e ordens desse período ficaram para trás, mas ainda é comum em alguns lugares do oriente essas designações ainda persistirem. Fonte: LE GOFF, Jacques. A Civilização do Ocidente Medieval. Lisboa: Editorial Estampa, 1983, 02 volumes. REFLITA O monarca, em outras palavras, era um suserano feudal de seus vassalos, aos quais estava ligado por laços de feudalidade, e não um soberano supremo colocado acima de seus súditos. Seus recursos econômicos provinham (ANDERSON, 1991, p. 147). . 1Alódio refere-se a um direito imobiliário 22UNIDADE I O que foi a Idade Média ? CONSIDERAÇÕES FINAIS Após essa explanação, pontuamos nesta unidade alguns conceitos e características importantes para compreender o que foi a Idade Média. A primeira de que diferentemente do que ela já foi limitada, não trata-se da “idade das trevas”, dos tempos da escuridão. Houve sim um período controlado por ações da Igreja que buscavam sedimentar e ampliar os seus poderes políticos, no entanto nesses quase mil anos de História, assistimos o nascimento e o despertar da arquitetura gótica, das relações comerciais nas cidades, do surgimento das primeiras universidades. O feudalismo trata-se de uma tema inesgotável de investigações e possibilidades, a seguir indicaremos uma série de livros e produções cinematográficas que podem instigar novas pesquisas ao campo da história. 23UNIDADE I O que foi a Idade Média ? LEITURA COMPLEMENTAR A influência da Idade Média em nossos dias: cultura, representações e festi- vidades. O período medieval apesar de representar a gestação do mundo moderno, nas identidades sociais, políticas, religiosas e também culturais, foi por muito tempo negligenciado e erroneamente chamado de Idade das Trevas. Disponível em : http://www.faculdadedondomenico.edu.br/revista_don/artigos8edicao/11ed8.pdf Fonte: VAZ, Angela Omati Aguiar. A influência da Idade Média em nossos dias: cultura, representações e festividades. REVISTA DON DOMÊNICO. 8º edição. 2016. http://www.faculdadedondomenico.edu.br/revista_don/artigos8edicao/11ed8.pdf 24UNIDADE I O que foi a Idade Média ? MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO Título: A Idade Média e o Dinheiro – ensaio de antropologia histó- rica. Autor: Jacques Le Goff Editora: Civilização Brasileira, 2014. Sinopse: Nesta obra, Le Goff revela uma das grandes particu- laridades da Idade Média, a lida com o dinheiro, as moedas, em uma sociedade dominada pela religião, o cristianismo ensinou aos cristãos a atitude que deveriam adotar ante o dinheiro e quais as consequências para essas atitudes. FILME/VÍDEO Título: Rei Arthur: A lenda da Espada. Ano: 2017 Sinopse: Essa história já recebeu diversas adaptações do cinema, porém em “Rei Arthur - A Lenda da Espada”, Arthur vivido pelo ator Charlie Hunnam é um jovem das ruas que controla os becos de Londinium e desconhece sua predestinação até o momento em que entra em contato pela primeira vez com a lendária espada a Excalibur. Desafiado pela espada, ele precisa tomar difíceis deci- sões, durante a Idade Média. WEB O Cerco Medieval Através dessa reportagem da revista Super Interessante você será transportado para o mundo medieval e a forma como os feudos arquitetaram os seus castelos na incum- bência de se proteger de ataques dos povos invasores. MARTON, Fabio. Cerco Medieval. Super Interessante. 10 abril de 2020. Disponível em https://super.abril.com.br/historia/cerco-medieval/. Acesso em 17 de agosto de 2020. https://super.abril.com.br/historia/cerco-medieval/ 25 Plano de Estudo: • O Islã e o Império Otomano; • O Império Bizantino; • A Reconquista ibérica. Objetivos da Aprendizagem: • Examinar a gênese do Islamismo; • Analisar o desenvolvimento do Império Otomano; • Compreender a importância do Império Bizantino; • Estabelecer e contextualizar o processo de Reconquista Ibérica. UNIDADE II O Oriente Professor Doutor João Paulo Pacheco Rodrigues 26UNIDADE II O Oriente INTRODUÇÃO Nessa unidade convido você caro aluno (a) a mergulhar no mundo Medieval, um mundo não apenas marcado pelo domínio da igreja Católica mas também com fortes in- fluências do Oriente. Seja ele através do islamismo, da ascensão do Império Otomano, a conquista de Constantinopla e o grande conflito de quase oito séculos entre Mouros e Cristãos que marcaram a reconquista da Península Ibérica. 27UNIDADE II O Oriente 1. ISLAMISMO E O IMPÉRIO OTOMANO Ao estudar o islamismo existe uma diferença fundamental que muitas pessoas confundem entre o que é ser árabe e o que é ser praticante da religião islâmica. Os árabes tratam-se de etnia da antiguidade que habitava inicialmente o que podemos chamar de Península Arábica no Oriente Médio. O Islamismo é atualmente uma religião de mais de 1,4 bilhão de seres humanos, “caracterizada por monoteísmo estrito e síntese entre fé e organização sociopolítica” (HOU- AISS, 2001, p.1655), aparentada com o monoteísmo judaico, religião também parente do cristianismo, a partir do século VII. Quais as propostas dessa religião tão importante? Por que nós falamos tanto hoje de muçulmanos e de islamismo? O que pensavam os islâmicos no primeiro século da sua existência. Quem foi o profeta que recebeu uma revelação de Deus Allah e transformou em uma série de preceitos e ensinamentos? Podemos afirmar, que o islamismo, trata-se uma das religiões mais importantes e mais fundamentais do mundo contemporâneo, surgida durante a Idade Média. Islã é o aportuguesamento da palavra em árabe islam. Essa pala- vra, nesse idioma, significa submissão, assim, “o verdadeiro ‘muçulmano’ é aquele que se declara perfeitamente ‘submisso’ a Deus” (PIAZZA, 1991, p. 384). No século V da Alta Idade Média, na Península Arábica cujo hoje há vários países como a Arábia Saudita, naquela região os árabes eram politeístas ou seja acreditavam em vários Deuses. Os islâmicos chamam a esse período anterior a revelação do Profeta 28UNIDADE II O Oriente de “era da ignorância”. Quase todos eram comerciantes, nômades ou seminômades, a Península Arábica não era politicamente importante, não era religiosamente unificada, e os árabes estavam um pouco a parte desse mundo que os cercavam, como o Império Bizantino , o Império Persa e outras unidades contemporâneas deste século VII. Ou seja, não havia ainda nesse período uma unidade religiosa e política no território. Em 570, em um ramo pobre de uma família de Meca, teria nascido aquele que mudaria toda essa história, Maomé Mohamed, profeta que de acordo com o Alcorão, te- ria receberia no futuro a revelação de Deus, para transformar toda a Península Arábica, para unificar a religião, para ensinar um novo conceito, o verdadeiro conceito de Deus, um entidade única, que deveria ser espalhado, ser empregado e expandido para todas as pessoas. O futuro profeta trabalhava como líder de caravanas, um mercador que realizava viagens. Durante todo o seu exercício de comércio à longa distância, ele estudava a religião dos judeus o monoteísmo, posteriormente, conhecendo o cristianismo, foi conhecendo monoteísmos que tornavam a judeus e a cristãos tão diferentes dos árabes politeístas. Refletia muito sobre isso , na sua inteligência privilegiada e na sua ética que era conhecida no local. Aos 21 anos, passou a trabalhar para uma viúva rica chamada Khadija e aos 25 anos se casou com ela, com quem teve vários ilhos, dos quais somente Fátima sobreviveu (MATOS, 2009, p. 455). Aos 40 anos, retirado em uma caverna no Monte- Hira, isolado e re letindo sobre os conhecimentos e preceitos religiosos, teria recebido a visita do arcanjo, Gabriel, o mesmo que na tradição cristã teria anunciando a vinda de Jesus na terra para Maria. Então o Arcanjo dá a ele a obrigação de recitar e de aprender decorar as revelações sobre Deus que seriam agora a posse de uma nova verdade. Esse acontecimento ficou conhecido como Noite do Destino e deu início às revelações de Allah para Muhammad.Essas palavras serviram como base estrutural pra as características do islamismo. De acordo com Piazza (1991, p. 384), o islamismo apresenta-se como uma religião • “sem dogmas, a não ser o seu absoluto monoteísmo, que faz de Alá um deus inteiramente transcendente e solitário...”; • “sem sacramentos, pois o islamismo não reconhece a separação entre Sa- grado e Profano...”; • “sem sacerdotes, pois não admite intermediários entre Deus e os homens...”; • “sem liturgia, sem sacrifícios, sem imagens...”; • “sem estrutura eclesial (estrutura hierárquica); no entanto, tem os seus teó- logos (ulema: conhecer), os seus pregadores (khatib), os seus mestres de oração (irmã), os seus pregoeiros de oração () (PIAZZA, 1991, p. 384). 29UNIDADE II O Oriente Retornando a casa, ele teria confessado a seu círculo íntimo o que teria ocorrido, temendo estar louco, o aconselharam a ter paciência e a receber com tranquilidade essa revelação. A partir desse momento o profeta teria sido iluminado, recebendo diretamente do Arcanjo Gabriel, os ideais divinos, o principal era de que só existe um Deus, Alá, aquele que distribuiu misericórdia, aquele que é clemente e misericordioso. Esse Deus não admitiria nenhuma imagem, não permitiria que fosse feita nenhuma representação dele , esse código de conduta, buscava reforçar a submissão do homem a Deus, por isso ser devoto do Islã é ser aquele que se submete apenas a Deus, diferente do cristianismo. Nessa região não era comum a figura de um rei oponente, não havia uma tradição monárquica majestosa como o Império Bizantino ou Persa, portanto, os islâmicos não tinham o costume de se ajoelharem, a partir das revelações a Maomé, foram instruídos a colocar seu rosto no chão cinco vezes ao dia, voltados inicialmente para Jerusalém e depois em um segundo momento voltados para a cidade de Meca, onde o profeta vai continuar sua pregação. Para Regina Teresa e Silva (201), em suas peregrinações não havia a presença de imagens e isso foi desagradando alguns comerciantes da região que viviam comércio, prin-cipalmente dos mercadores de Meca, onde havia uma grande pedra composta por diversas representações de Deuses, inclusive uma representação de Nossa Senhora. Essa escultura era muito conhecida na região e para lá a luíam caravanas religio- sas. No entanto para Maomé, essa veneração tratava-se de um pecado mortal, sendo uma de suas missões extinguir a idolatria e a veneração desses retratos feitos pelos homens. Outro mandamento advindo do Alcorão seria a abstenção de álcool, além de guar-dar o jejum em um mês especial chamado Ramadã. O islâmico deveria orar cinco vezes como já mencionado anteriormente à Jerusalém, posteriormente a Meca. E também doar uma parte daquilo que ganhasse como uma esmola obrigatória, pois a pobreza deveria ser amparada e se puder, uma vez na vida, o islâmico deveria peregrinar a Meca. Essas seriam as obrigações básicas de um islâmico e Maomé começou a difundir essas ideias primeiramente na sua família na cidade de Meca, o movimento passou a ga-nhar força e naturalmente foi recebendo oposição de grandes comerciantes que temiam essa nova ideia, um ideário de monoteísmo, que afastava as imagens, consequentemente enfraquecia o comércio dessas. As peregrinações de Maomé, também criticavam os altos lucros que Meca obtinha devido aos iéis que por ali chegavam e isso começou a incomodar ainda mais as autoridades locais. 30UNIDADE II O Oriente De acordo com Jacques Jomier (2002) em 622 a perseguição a Maomé e aos seus seguidores fizeram com que esses, peregrinassem para a cidade de Medina, localizada no oeste da Arábia Saudita., denominada de Hégira, evento que inaugurou o calendário islâmico, essa jornada, posteriormente ficou conhecida como “Grande Fuga” e teria sido acompanhada por cerca de duzentos islâmicos. Nesse espaço foi construída a primeira mesquita, o primeiro local de adoração de Allah, o primeiro local de pregação dessas ideias que passaram a fazer mais sucesso. A influência do profeta também o transformou em um grande líder militar, uma das conquistas mais marcantes realizadas por seus seguidores foi a “Batalha de Badr”, em 624 d.C na região ocidental da Arábia, contra os seus opositores, conhecidos como coraixitas. Em 630 a cidade de Meca é conquistada pelos mulçumanos, Maomé e seus dez mil seguidores, decidem por purificar o local, retirando todas as imagens, cobrindo-a com pano verde, que mais tarde seria um símbolo do Islã. Dois anos após a conquista de Meca, o grande líder do islamismo acaba falecendo, porém seus seguidores deram continuidade aos seus ideias, formando posteriormente um dos maiores impérios da Idade Média, o Império Otomano, é também após a sua morte que o Alcorão começa ser escrito, através de fragmentos deixados por ele. 1.1. O Império Otomano Em linhas gerais, podemos afirmar que o Império Otomano, ou Império Turco-O- tomano, foi um dos mais longos da história da humanidade, “incluía a maior parte dos territórios do Império Romano Oriental e controlava faixas do Norte dos Bálcãs e da costa norte do mar Negro, regiões que Bizâncio jamais dominara”(QUATAERT, 2008, p.13). Ofi- cialmente o período em atividade vai de 1299, data da sua criação pelo Osman de Segut (1280-1326), também conhecido como Osman I até 1923, após a I Guerra Mundial, na qual os otomanos foram obrigados a assinar o Armistício de Mudros, tratado que concedia aos vencedores da Guerra, direitos políticos e econômicos locais. Segundo Donald Quataert (2008), originário da tribo nômade de Oriundos da tribo de Ghuzz, hoje localizado no Cazaquistão, os otomanos, termo em que os adeptos desse império foram chamados, efetuaram um massivo processo de expansão territorial não so- mente na Europa, mas também em outros continente como a África e parte da Ásia, como podemos observar no mapa abaixo: 31UNIDADE II O Oriente Figura 1: O Império Otomano 1300-1512. Fonte: QUATAERT, 2008 Osman de Segut, uma das principais figuras desse império, pertencia a um grupo de nômades convertidos pelo Islã, ou seja, podemos afirmar que a undação desse reino oi fruto da expansão árabe, que discutimos no primeiro tópico dessa unidade. Aproveitando da desfragmentação territorial presente na Idade Média, a queda da dinastia Seljúcida e a divisão da Anatólia em distintos territórios, no século 13. Ottoman I foi paulatinamente conquistando estados importantes no Ocidente e Oriente. Os primeiros na região da Ásia Menor, até o seu apogeu com a conquista de a queda de Constantinopla em 1453, baliza temporal que muitos historiadores apontam como o final da Idade Média. Após sua morte em 1326, o exército otomano passou a ser liderado pelo seu filho Orkhan, dando início a uma nova era de conquistas, dessa vez englobando as regiões Nicéia (parte da Grécia e Turquia), a Bursa, também conhecida como Prusa e em “1354 a ocupação otomana de uma cidade (Type) situada no lado europeu dos Dardanelos, uma das três vias marítimas que dividem a Europa e a Ásia” (QUATAERT, 2008, p. 28). Além de líder militar, Orkhan também possuía habilidades administrativas que o alçaram à figura de grande Imperador. 32UNIDADE II O Oriente O êxito obtido pelos Otomanos na formação de um Estado deveu-se sem dú- vida à sua excepcional flexibilidade, à rapidez e a uma pragmática capacida- de de adaptação a condições variáveis. Na dinastia fundada, de ascendência turca, a descendência fazia-se pela linha masculina; ela nasceu numa zona profundamente heterogênea habitada por cristãos e muçulmanos e por povos que falavam grego e turco. (QUATAERT, 2008, p. 27). Pautados pelo Alcorão, os Otamanos foram responsáveis pela criação de um exér- cito conhecido como “janízaros”, esses eram frutos das conquistas feitas pelo grupo de Orkhan, que passava a doutriná-los e educá-los conforme os mandamentos ditados por Maomé. Muitos desses, eram compostospor crianças e jovens, que ao serem capturados, tornavam-se propriedades do Império Otomano. Os líderes do Império Otomano, foram em sua maioria sultões, quando esses che- gavam ao poder, era necessário que afirmassem a sua liderança, era preciso demonstrar a sua aptidão e designo de estar no comando e uma dessas formas, era através da conquista de territórios, de povos e da conversão desses em islâmicos. Nesse âmbito, o principal feito dos Otomanos foi a conquista de Constantinopla, em 29 de maio de 1453, até então centro do Império Bizantino. Assim, quando Mehmed, o Conquistador, ou Maomé II, chegou ao poder em 1541, detinha de um forte alicerce militar e ideológico em se espelhar. “Passados apenas dois anos, em 1453, concretizou o maior sonho otomano e muçulmano de sempre: a conquista da milenar Constantinopla, a cidade dos césares” (QUATAERT, 2008, p. 27). O domínio sobre Constantinopla foi veloz e intenso. Em um rápido período de tem- po, Mehmed, o Conquistador tratou de transformar a igreja de Santa Sofia em Mesquita. Posteriormente, o imperador dos otomanos adotou uma série de medidas como forma de expandir ainda mais a influência social, religiosa e cultural. Mehmed encarregou-se de imediato de devolver à cidade as antigas glórias; em 1478, o número de habitantes duplicou, passando dos 30.000 que po- voavam as aldeias dispersas cercadas por sólidas fortificações para 70.000. Um século mais tarde, esta grande capital vangloriar-se dos seus 400.000 habitantes. As conquistas deste sultão prosseguiram; entre 1459 e 1461 os derradeiros fragmentos bizantinos na Moreia (Grécia Meridional) e em Tre- bizonda, no Mar Negro, ficaram sob dominação otomana; Mehmed também anexou o Sul da Crimeia e estabeleceu laços duradouros com os khans da Crimeia, sucessores dos Mongóis que outrora se haviam apossado da região (QUATAERT, 2008, p. 27). 33UNIDADE II O Oriente 2. IMPÉRIO BIZANTINO Na primeira unidade do nosso livro, destacamos o marco temporal para o início da Idade Média, muitos historiadores definem como o fim do Império Romano, o começo do período medieval. No ano 476, quando esse império tem sua ruína, uma nova ordem ganhou destaque, dividido em duas partes, o lado oriental do Império Romano se tornou uma das supremacias do mundo. Mas por que o Império Romano do Oriente sobreviveu e o do Ocidente não? A resposta para essa pergunta deve-se a forma como essa sociedade estava organizada politicamente, socialmente e principalmente economicamente, uma vez que as despesas e necessidades desse grupo eram diferentes. O Império Romano do ocidente recebeu o nome de Império Bizantino durante a Idade Média, pelo fato de sua capital ser a cidade de Bizâncio, que posteriormente teve o nome alterado para Constantinopla, aquela mesma que falamos no primeiro capítulo e que também foi tema dessa unidade ao retratar o Império Otomano. A mudança de nome deveu-se também a uma forma de homenagear seu patrono, Constantino. A região foi fundada pelo Imperador romano Constantino, ainda no ano de 330 depois de Cristo, “Constantino tratou também de acautelar a segurança da nova cidade, ao edificar uma primeira muralha que cobria uma área de cerca de 750 hectares” (MONTEIRO, 1987, p.17). No ano de 395, depois de Cristo, o Imperador Romano Teodósio dividiu o 34UNIDADE II O Oriente império entre ocidente e oriente, como forma de aliviar as tensões políticas locais e salva- guarda dos territórios da região. E por que estudar o Império Bizantino é tão importante? Por quase mil anos, esse governo foi o eixo de ligação entre a Europa e Ásia, através do Estreito de Bósforo. Exem- plificando, você já ouviu falar que na Turquia, existe a parte asiática e a parte europeia? Ela é considerada geograficamente um país transcontinental. Localizada no Estreito de Bósforo, trata-se de um ponto estratégico, um ponto de passagem entre Europa e Ásia, na qual nos próximos séculos foram palcos de sociedades diferentes, principalmente no âmbito religioso, com o apogeu do Cristianismo e posterior- mente do Islamismo. Construída numa encruzilhada de importantes rotas marítimas e terrestres (via marítima entre o mar Negro e o mar Mediterrâneo, vias terrestres da Europa Continental ao Índico e do vale do Danúbio ao do Eufrates), estava fadada a tornar-se simultaneamente um centro político e econômico de pri- meira grandeza. Em virtude de sua situação geográfica, Constantinopla seria ao mesmo tempo potência marítima e continental. (GIORDANI, 1968, p. 38). Em relação a parte ocidental, a localização privilegiada da parte oriental ajudou no combate contra as invasões de outros povos durante a Idade Média, no mapa abaixo podemos observar a extensão territorial do Império Bizantino durante o seu apogeu, no século XI. Figura 2: extensão do Império Bizantino no ano 1025. Fonte: Ilustração: Cplakidas / Wikimedia Commons / CC-BY 3.0 A sua etnia era composta por povos gregos, egípcios e por moradores do leste europeu. Por conta disso, o idioma desse império foi o grego. Os países dessa região foram 35UNIDADE II O Oriente fortemente influenciados pela cultura grega., uma vez que o idioma russo é uma variação da língua falada nesse império. E como funcionava a política durante o Império Bizantino? Ela era centralizada nas mãos do Imperador, que governava através do Cesaropapismo. Ou seja, ele detinha influência política e também religiosa. O imperador recebia o título de basileu, Ao contato do Oriente, ele se tornou o auto crator, e, a partir do início do sécu- lo VII, o basileus, isto é, o imperador por excelência, o senhor que dispõe de autoridade absoluta. Enfim, o cristianismo fez dele o eleito de Deus, o ungido do Senhor, o representante de Deus sobre a terra, seu lugar-tenente à frente dos exércitos, e, como se diziam em Bizâncio, o príncipe igual aos apóstolos. (DIEHL, 1961, p. 82) Os historiadores apontam que o mais influente desse governo foi Justiniano, que governou entre os anos de 527 a 565. Ele foi responsável por criar um código de leis, chamado “código Justiniano”, que até os dias de hoje influencia o direito atual. Trata-se de um código de leis, inspirado no código Romano, aquele que definia o que era público e o que era privado, além da lei das doze tábuas, O trabalho foi dirigido por Triboniano, um fun- cionário da corte de Justiniano. Sobre o processo de criação do código, Lyvia Vasconcelos Baptista (2019) destaca: Logo nos primeiros anos de governo, Justiniano, que havia assumido o trono depois da morte do seu tio, Justino, em 527, iniciou a elaboração do material jurídico, ressaltando a importância da composição frente à situação caóti- ca em que se encontravam as leis, jurisconsultos e constituições imperiais emitidas até aquele momento. Intenta-se, desta forma, produzir uma obra compreensiva e sistematizada, baseada na herança legal do período clás- sico, que, certamente, conseguiu se transformar numa autorizada fonte de informação do Direito Romano (BAPTISTA, 2019, p. 90). O código Justiniano foi dividido em quatro partes essenciais, a primeira denomi- nada de Codex, que determinava o que pertencia ao estado, leis imperiais, que visavam substituir o Código Teodosiano, até então em vigor. A segunda parte, chamada de Digesto, seria as ramificações desta lei. Como por exemplo, hoje temos leis para a saúde, para a educação, para a cultura. Então o “digesto” seria a fragmentação desta lei, composta por mais de 1500 livros escritos por jurisconsultos da época clássica. A terceira parte, conhecemos como Institutas no qual professores de direito dentro do Império Bizantino vão reescrever as leis de forma didática para população ter acesso. E por fim e não menos importante, temos as Novelas que seriam a possibilidade de se criar novas leis de acordo com a necessidade política, econômica e social do império. No entanto, quanto mais centralizado é o poder, maior a chancede insatisfação da população, uma vez que não existia uma democracia neste império, o poder emanava ape- 36UNIDADE II O Oriente nas das mãos do imperador. No ano de 532 vai ocorrer uma grande manifestação contrária ao governo, a “Revolta de Nika”. Se no Império Romano, ainda no período da Antiguidade, os eventos foram realizados no Coliseu, no Império Bizantino, a grande diversão eram as corridas de cavalos, no hipódromo da cidade. Existia uma grande rivalidade entre dois grupos a “verde” e a “äzul”, sobre esses grupos, Na tentativa de explicar a separação entre os Verdes e Azuis no Império Bi- zantino muitos historiadores criaram teorias de diferenciação destas duas facções. Manojlović aponta para a separação entre duas classes sociais: sendo os aristocratas a cor azul, e o povo verde45. Manojlović também apon- ta para uma separação de cunho religioso, vinculado à própria questão so- cial. Assim, propõe que os Azuis seriam aristocratas, de Constantinopla, de províncias europeias, da elite intelectual de províncias da Ásia ou do Egito, sendo ortodoxos, enquanto os Verdes seriam o povo de classe mais baixa, dos fellahin do Egito, dos estrangeiros da Síria ou Antioquia, sendo monofisi- tas (NETE, 2012, p. 82). Havia muita violência entre esses dois grupos, e na tentativa de reduzir essa rixa, Justiniano decidiu punir os líderes de ambas, condenando-os à morte. A decisão do então imperador desagradou os dois grupos e durante uma das corridas, os mesmos se uniram e levantaram um motim contra Justiniano. Esse conflito foi apenas o estopim da insatisfação dos moradores da região contra o imperador. O levante durou cerca de três dias, aconselhado por sua esposa a Imperatriz Teodora, Justiniano resistiu aos ataques. Resultando no total de 30 mil mortos dentro do hipódromo. E quais as consequências da “Revolta de Nika”? Justiniano tornou-se ainda mais forte e as pessoas passaram a temê-lo, além disso o Império Bizantino começou a se expandir, aumentando as suas fronteiras para áreas da Ásia e Europa. Esse crescimento teve uma queda com a morte de Justiniano em 14 de novembro de 565 aos 83 anos. Sobre a economia do Império Bizantino, ela era pautada no comércio do Mar Me- diterrâneo, era uma economia baseada na produção de tecidos, na agricultura realizada pelos camponeses e pelo domínio das rotas comerciais do mar já citado. Existia uma gama de manufaturas, compostas por servos que trabalhavam nesse império e nessas rotas co- merciais, eram negociados produtos como trigo, o ouro e alguns condimentos e temperos. A existência milenar do Império Bizantino em boa parte foi resultado de uma economia estável, que lhe dava os recursos necessários para enfrentar os inúmeros inimigos externos e para sustentar os imensos gastos exigidos pela corte e pela Igreja. Quando as vigas mestras de sua economia foram enfra- quecidas, todo o império oscilou: a decadência econômica preparou o desa- parecimento político de Bizâncio (JUNIOR, 1977, p. 23) . De acordo com Giordani (1998), a religião do Império Bizantino era predominante cristã, no entanto devido às distintas diferenças culturais e sociais, existiam vertentes que pensavam o cristianismo de maneiras diferentes. Como por exemplo o “movimento icono- 37UNIDADE II O Oriente clasta” que eram aqueles que não aceitavam a adoração de imagens sagradas. Eles tinham o costume de invadir igrejas, templos religiosos e quebrar imagens, pois acreditavam que aquilo não representava a verdadeira fé. Afirmavam que você não poderia orar por aquela imagem e sim somente ter uma ligação direta com Deus. Os imperadores tentavam reprimir esse movimento, porém era muito difícil, pois agiam sempre às escondidas, na madrugada. Outro movimento de grande influência no Império Bizantino, eram os “monofisis- tas”, que acreditavam que Jesus não era formado pelo corpo e alma, ou seja pelo divino e humano mas sim apenas pela parte sacra, nesta visão, Jesus teria apenas uma natureza e não duas como defendido pelo cristianismo. Sobre essa ordem, Maria Regina da Cunha Rodrigues (1963) destaca que: O Monofisismo, heresia cristológica do V século provocada pelo arquimandri- ta Eutíquio, ao ensinar que em Cristo havia uma só natureza, foi condenado no Concílio Ecumênico de Calcedônia em 451. As decisões dogmáticas deste Concílio — dualidade das naturezas divina e humana unidas pelo mistério da união hipostática na pessoa de Jesus Cristo, Filho de Deus feito homem, — foram pacificamente recebidas no Ocidente Cristão; recusadas, desvirtuadas, criticadas, entretanto o foram no Oriente, com a cumplicidade dos Patriarcas do Egito e Constantinopla. ( RODRIGUES, 1963, p. 1). E haviam os opositores a esse grupo, os chamados “arianos ”que negavam a existência da consubstancialidade entre Jesus e Deus, ou seja, eram contra o dogma da Santíssima Trindade (Deus seria ao mesmo tempo o pai, filho e o espírito santo). O “aria- nismo” foi um movimento presente desde os primórdios da Igreja Católica, ainda no ano de 319, defendido por Ário, em Alexandria e acreditavam que a única natureza de Jesus era corporal. Então existiam diversas correntes do cristianismo na Europa oriental, e a Igreja Católica de Roma sempre procurou reprimir esses movimentos, ela julgava que todos aqueles que seguiam essas vertentes eram infiéis, hereges. Assim, as disputas de caráter teológicos e eclesiásticas culminaram no desgas- tes entre as duas igrejas e na separação de poderes religiosos da capital do berço do cristianismo no ocidente (Roma) e do Império Romano do Oriente (Constantinopla). Ao longo dos séculos, os conflitos de ordem política entre as duas aumentaram, e a Igreja de Constantinopla deixou de ser subordinada a Roma, em 867. No início do século XI, a crítica dos romanos centrava-se no “Cesaropapismo” e em outros usos de objetos e símbolos durante as celebrações, como o pão não fermentado. Sobre a crítica da figura patriarcal na Igreja, Maria Leonor Ferreira (2019) ressalta que : Em Bizâncio exercia-se ainda o cesaropapismo, um “sistema político em que se encontram fundidos o poder civil e o religioso” (Moderna Enciclopédia Uni- versal, 1985), ou seja, o soberano político, o imperador, tinha poder sobre a 38UNIDADE II O Oriente Igreja, escolhendo os patriarcas e demais cargos eclesiásticos dentro dos seus favoritos, dentro da sua livre vontade, tendo também o poder de de- por quem havia sido eleito por si. Em Roma a situação não era idêntica. No Ocidente, o Papa ganha maiores poderes e lutava por uma cada vez maior teocracia Papal, ou seja, um sistema em que o Papa estava acima dos reis, podendo destituí-los, coroá-los imperadores ou excomunga-los. Assim, a di- ferenciação entre o exercer do poder era ainda considerável, na medida em que, a Oriente o Patriarca se havia tornado num peão do imperador, e a Oci- dente o Papa podia tornar os imperadores seus peões. (FERREIRA, 2019, p. 4). Portanto, a relação cada vez mais irregular culminou no rompimento entre as duas instituições, chegando ao ponto do Papa Leão IX e o Patriarca Miguel I Cerulário se ex- comungarem mutuamente. Esse evento, ficou conhecido como o Cisma do Oriente, ou Grande Cisma e tornou-se um marco importante nos estudos das Histórias das Religiões pois data o rompimento e a divisão da Igreja Católica, entre a Igreja comandada pelo pontí- fice de Roma, e a Igreja chefiada pelo patriarca, em Constantinopla no ano de 1054. Essa ruptura, originou a Igreja Católica Ortodoxa, assim, o cristianismo passou a se constituir em dois centros, os Ortodoxos e a Igreja Católica Apostólica Romana, com sede em Roma. Existem diferenças substanciais entre as duas Igrejas, a de rito ortodoxo acredita que a salvação é resultado apenas da fé, já a de Roma além da fé, o fiel necessita realizar obras em prol da instituição. Outro aspecto que distingue as duas Igrejas, é a crença no purgatório, uma vez que este foi instituído por
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