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TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA ALÉM DA INFÂNCIA UNIASSELVI-PÓS Autoria: Valéria Becher Trentin Indaial - 2021 1ª Edição CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Jairo Martins Jóice Gadotti Consatti Marcio Kisner Norberto Siegel Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Marcelo Bucci Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2021 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: T795t Trentin, Valéria Becher Transtorno do espectro autista além da infância. / Valéria Becher Trentin. – Indaial: UNIASSELVI, 2021. 134 p.; il. ISBN 978-65-5646-347-6 ISBN Digital 978-65-5646-346-9 1. Espectro autista. – Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vin- ci. CDD 370 Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................5 CAPÍTULO 1 Transtorno do Espectro Autista (TEA) na Adolescência e na Vida Adulta ..............................................................................7 CAPÍTULO 2 Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Autonomia e Independência ........................................................53 CAPÍTULO 3 A Inclusão e a Pessoa com TEA ..................................................85 APRESENTAÇÃO Caro pós-graduando, neste livro, daremos continuidade à trajetória de estudos, tendo, como foco, o Transtorno do Espectro Autista Além da Infância. O conteúdo aqui apresentado visa subsidiar a construção de conhecimentos acerca desse transtorno na adolescência e na vida adulta. Com base na abordagem, o livro está organizado em três capítulos. No Capítulo 1, você compreenderá o conceito de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Segundo a DSM-5, abarca limitações especificas na aprendizagem ou no controle de funções executivas a prejuízos em habilidades sociais. Após essa compreensão, você identificará os tratamentos e as terapias para o TEA na adolescência e vida adulta TEA. No Capítulo 2, você compreenderá a sexualidade da pessoa com TEA. A partir dessa compreensão, você conhecerá a diferença entre autonomia e independência no desenvolvimento da pessoa com TEA. No Capítulo 3, você conhecerá o processo de inclusão da pessoa com TEA na sociedade e, por meio desse conhecimento, você analisará o processo de inclusão da pessoa com TEA no ensino superior e no mercado de trabalho. Excelente estudo! CAPÍTULO 1 Transtorno do Espectro Autista (TEA) na Adolescência e na Vida Adulta A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: • Compreender o conceito do termo e alguns dos tratamentos e terapias que envolvem o TEA na adolescência e na vida adulta. • Conhecer o conceito de Transtorno do Espectro Autista (TEA), o qual, segundo a DSM-5, abarca limitações específicas na aprendizagem ou no controle de funções executivas a prejuízos em habilidades sociais. • Identificar alguns dos tratamentos e terapias para o TEA na adolescência e na vida adulta. • Conhecer os tratamentos e as terapias para o TEA. 8 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância 9 Transtorno do Espectro Autista (TEA) Transtorno do Espectro Autista (TEA) na Adolescência e na Vida Adultana Adolescência e na Vida Adulta Capítulo 1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Neste capítulo, faremos breves reflexões acerca do Transtorno do Espectro Autista (TEA), pois é fundamental termos conhecimentos científicos e informações claras das patologias que acometem o desenvolvimento humano. Para tecermos algumas reflexões a respeito do transtorno, a base dos nossos estudos será o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM- 5), no qual se contemplam os aspectos clínicos, estatísticos e epidemiológicos dos transtornos mentais. Vale destacar que esse manual serve como ferramenta para compreender os padrões de doenças mentais, sendo utilizado em avaliações diagnósticas realizadas por profissionais da saúde (APA, 2014). Além do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM- 5) aprenderemos a respeito da importância das intervenções terapêuticas para pessoas com TEA, pois estas poderão ajudar a desenvolver interesses e competências que permitam a independência. Vale destacarmos que as abordagens utilizadas nas intervenções, para pessoas com TEA, necessitam ser definidas por equipe multidisciplinar, seguindo as práticas baseadas em evidências, sendo fundamentadas em pesquisas científicas, na expertise profissional e na singularidade da pessoa a ser atendida, descaracterizando-se a aplicação do senso comum nas abordagens terapêutica e educacional da pessoa com TEA (BRITO, 2017). As intervenções terapêuticas necessitam possibilitar estratégias que valorizem a interação e a vivência/experiência, pois estas auxiliarão no desenvolvimento das potencialidades de pessoas com TEA. Vamos nos aventurar? Desejamos, a você, um excelente estudo! 2 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA): BREVES REFLEXÕES Iniciaremos este capítulo buscando fazer breves reflexões do Transtorno do Espectro Autista (TEA) no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM). 10 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância Para conhecermos o DSM, apresentaremos um trecho da pesquisa de Araújo e Neto (2014), intitulada A Nova Classificação Americana para os Transtornos Mentais - o DSM-5, a qual ressalta, em um contexto histórico, o percurso do DSM (ARAÚJO; NETO, 2014). Em 1840, os EUA empreenderam um censo que contava com a categoria “idiotia/loucura”, procurando registrar a frequência de doenças mentais. Já no censo de 1880, as doenças mentais eram divididas em sete categorias distintas (mania, melancolia, monomania, paresia, demência, dipsomania e epilepsia). Observa- se, assim, que as primeiras classificações norte-americanas de transtornos mentais, aplicadas em larga escala, tinham objetivo primordialmente estatístico. No início do século XX, o exército norte-americano, com a Associação de Veteranos, desenvolveu uma das mais completas categorizações para a aplicação nos ambulatórios que prestavam atendimento a ex-combatentes. Em 1948, sobre forte influência desse instrumento, a Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu, pela primeira vez, uma sessão destinada aos Transtornos Mentais, na sexta edição do sistema de Classificação Internacional de Doenças (CID-6). A primeira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) foi publicada pela Associação Psiquiátrica Americana (APA), em 1953, sendo o primeiro manual de transtornos mentais focado na aplicação clínica. O DSM-I consistia, basicamente, em uma lista de diagnósticos categorizados, com um glossário, que trazia a descrição clínica de cada categoria diagnóstica. Apesar de rudimentar, o manual serviu para motivar uma série de revisões de questões relacionadas às doenças mentais. O DSM-II, desenvolvido paralelamente com a CID-8, foi publicado em 1968, e era similar ao DSM-I, trazendo discretas alterações na terminologia. Você já ouviu falar do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM)? Vamos conhecer um pouquinho da história do DSM? 3 A HISTÓRIA DO DSM 11 Transtorno do Espectro Autista (TEA) Transtorno do Espectro Autista (TEA) na Adolescência e na Vida Adultana Adolescência e na Vida Adulta Capítulo 1 Em 1980, a APA publicou a terceira edição do manual, introduzindo importantes modificações metodológicase estruturais que, em parte, mantiveram-se até a recente edição. A publicação representou um importante avanço em termos de diagnóstico de transtornos mentais, além de facilitar a realização de pesquisas empíricas. O DSM-III apresentou um enfoque mais descritivo, com critérios explícitos de diagnóstico organizados em um sistema multiaxial, com o objetivo de oferecer ferramentas para clínicos e pesquisadores, além de facilitar a coleta de dados estatísticos. Revisões e correções foram promovidas para o manual, levando à publicação do DSM-III-R, em 1987. A proliferação de pesquisas, revisões bibliográficas e testes de campo permitiram que, em 1994, a APA lançasse o DSM-IV. A evolução do manual representava um aumento significativo de dados, com a inclusão de diversos novos diagnósticos descritos com critérios mais claros e precisos. Uma revisão dessa edição foi publicada em 2000, como DSM-IV-TR, e foi formalmente utilizada até o início de 2013. FONTE: ARAÚJO, C. A.; NETO, A. A nova classificação americana para os transtornos mentais - O DSM-5. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. 16, n. 1, p. 1, 2014. Para conhecermos o DSM, apresentaremos um trecho da pesquisa de Araújo e Neto (2014), intitulada A Nova Classificação Americana para os Transtornos Mentais - o DSM-5, a qual ressalta, em um contexto histórico, o percurso do DSM (ARAÚJO; NETO, 2014). Em 1840, os EUA empreenderam um censo que contava com a categoria “idiotia/loucura”, procurando registrar a frequência de doenças mentais. Já no censo de 1880, as doenças mentais eram divididas em sete categorias distintas (mania, melancolia, monomania, paresia, demência, dipsomania e epilepsia). Observa- se, assim, que as primeiras classificações norte-americanas de transtornos mentais, aplicadas em larga escala, tinham objetivo primordialmente estatístico. No início do século XX, o exército norte-americano, com a Associação de Veteranos, desenvolveu uma das mais completas categorizações para a aplicação nos ambulatórios que prestavam atendimento a ex-combatentes. Em 1948, sobre forte influência 12 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância desse instrumento, a Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu, pela primeira vez, uma sessão destinada aos Transtornos Mentais, na sexta edição do sistema de Classificação Internacional de Doenças (CID-6). A primeira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) foi publicada pela Associação Psiquiátrica Americana (APA), em 1953, sendo o primeiro manual de transtornos mentais focado na aplicação clínica. O DSM-I consistia, basicamente, em uma lista de diagnósticos categorizados, com um glossário, que trazia a descrição clínica de cada categoria diagnóstica. Apesar de rudimentar, o manual serviu para motivar uma série de revisões de questões relacionadas às doenças mentais. O DSM-II, desenvolvido paralelamente com a CID-8, foi publicado em 1968, e era similar ao DSM-I, trazendo discretas alterações na terminologia. Em 1980, a APA publicou a terceira edição do manual, introduzindo importantes modificações metodológicas e estruturais que, em parte, mantiveram-se até a recente edição. A publicação representou um importante avanço em termos de diagnóstico de transtornos mentais, além de facilitar a realização de pesquisas empíricas. O DSM-III apresentou um enfoque mais descritivo, com critérios explícitos de diagnóstico organizados em um sistema multiaxial, com o objetivo de oferecer ferramentas para clínicos e pesquisadores, além de facilitar a coleta de dados estatísticos. Revisões e correções foram promovidas para o manual, levando à publicação do DSM-III-R, em 1987. A proliferação de pesquisas, revisões bibliográficas e testes de campo permitiram que, em 1994, a APA lançasse o DSM-IV. A evolução do manual representava um aumento significativo de dados, com a inclusão de diversos novos diagnósticos descritos com critérios mais claros e precisos. Uma revisão dessa edição foi publicada em 2000, como DSM-IV-TR, e foi formalmente utilizada até o início de 2013. FONTE: ARAÚJO, C. A.; NETO, A. A nova classificação americana para os transtornos mentais - O DSM-5. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. 16, n. 1, p. 1, 2014. 13 Transtorno do Espectro Autista (TEA) Transtorno do Espectro Autista (TEA) na Adolescência e na Vida Adultana Adolescência e na Vida Adulta Capítulo 1 Fisiopatologia: Estuda os distúrbios funcionais e o significado clínico. A natureza das alterações morfológicas e a distribuição nos diferentes tecidos influenciam o funcionamento normal e determinam as características clínicas, o curso e o prognóstico da doença (ANDRADE, 2017). Características fenotípicas: a expressão de características no organismo decorrente da relação entre genes e ambiente (ANDRADE, 2017). A partir do contexto anunciado por Araújo e Neto (2014), ressaltamos que o DSM-5 foi publicado em 18 de maio de 2013, sendo um dos principais sistemas de classificação. O manual foi gerado através das pesquisas de profissionais de diferentes áreas, os quais revisaram evidências da validade dos critérios diagnósticos, tornando-se, assim, o DSM-5, “uma fonte segura e cientificamente embasada para a aplicação em pesquisas e na prática clínica” (ARAÚJO; NETO, 2014, p. 68). FIGURA 1 – DSM-5 - MANUAL DIAGNÓSTICO E ESTATÍSTICO DE TRANSTORNOS MENTAIS FONTE: <https://www.google.com.br/search?q=dsm+v&rlz=1C1GCEB_ enBR832&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwi8yKv4uPL fAhUHfZAKHYMYC4gQ_AUIDygC&biw=984&bih=647#imgrc=Fty6MozqFe406M>. Acesso em: 28 maio 2020. O DSM-5, no seu texto, evidencia os transtornos do neurodesenvolvimento, os quais são apoiados por características fisiopatológicas, as quais são caracterizadas por um atraso ou desvio no desenvolvimento do cérebro, influenciando características fenotípicas. 14 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância A partir do anunciado, emerge um questionamento: O que significam os transtornos do neurodesenvolvimento? Os transtornos do neurodesenvolvimento, segundo o DSM-5, tratam-se de um conjunto de condições que se inicia no período de desenvolvimento do sujeito, geralmente, antes do ingresso na escola. Assim, vale destacarmos que os déficits característicos desses transtornos vão de limitações específicas na aprendizagem ou no controle de funções executivas a prejuízos em habilidades sociais ou, até mesmo, deficiência intelectual, transtornos da comunicação, transtorno do espectro autista, transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, transtorno específico da aprendizagem, transtornos motores e outros transtornos do neurodesenvolvimento (APA, 2014). Os transtornos do neurodesenvolvimento se tratam de um conjunto de condições que se inicia no período de desenvolvimento do sujeito, geralmente, antes do ingresso na escola. Os déficits característicos desses transtornos vão de limitações específicas na aprendizagem ou no controle de funções executivas a prejuízos em habilidades sociais ou, até mesmo, deficiência intelectual, transtornos da comunicação, transtorno do espectro autista, transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, transtorno específico da aprendizagem, transtornos motores e outros transtornos do neurodesenvolvimento. A seguir, destacaremos os transtornos que compõem o capítulo do DSM-5 de transtornos do neurodesenvolvimento. QUADRO 1 – TRANSTORNOS QUE COMPÕEM O CAPÍTULO DO DSM-5 DE TRANSTORNOS DO NEURODESENVOLVIMENTO TRANSTORNO DO NEURODESENVOLVIMENTO DSM-5 Deficiência Intelectual Transtornos de Comunicação Transtorno do Espectro Autista Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade Transtorno Específico da Aprendizagem Transtornos Motores Outros Transtornos do Neurodesenvolvimento FONTE: Adaptado de APA (2014) A partir do exposto, ressaltamos que o Transtorno do Espectro Autista (TEA), nosso objeto de estudo, classifica-se, de acordocom o DSM-5, como transtorno do neurodesenvolvimento. 15 Transtorno do Espectro Autista (TEA) Transtorno do Espectro Autista (TEA) na Adolescência e na Vida Adultana Adolescência e na Vida Adulta Capítulo 1 Quer conhecer mais do DSM-5? Acesse http://www.niip.com. br/wp-content/uploads/2018/06/Manual-Diagnosico-e-Estatistico-de- Transtornos-Mentais-DSM-5-1-pdf.pdf. Partindo do que estudamos, você pôde refletir a respeito do que significa o transtorno do neurodesenvolvimento. A partir dessas reflexões, chegou a hora de você formular o seu conceito. 1 - Com base no que estudamos, explique, com as suas palavras, o que é transtorno do neurodesenvolvimento. Após conhecermos o DSM-5 e o que significa transtorno do neurodesenvolvimento, vamos nos aprofundar no nosso objeto de estudo, no Transtorno do Espectro Autista (TEA)?! 4 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA FIGURA 2 – TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) FONTE: <https://neuroconecta.com.br/tea-da-adolescencia- para-vida-adulta/>. Acesso em: 21 dez. 2020. 16 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância Para tecermos reflexões acerca do Transtorno do Espectro Autista (TEA), o primeiro passo é começarmos a entender o que é esse transtorno. O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma nova categoria do DSM-5, a qual foi introduzida com o conceito de “espectro”, para reforçar a dimensão que o envolve. Espectro (spectrum) envolve situações diferentes em níveis de gravidade, que vão da mais leve até a mais grave. No entanto, independentemente do grau, estão relacionadas com dificuldades de comunicação e relacionamento social. Assim, podemos inferir que, a partir da classificação do DSM-5, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento, o qual se baseia na presença de determinados padrões de comportamento. Assim, para o diagnóstico do TEA, o paciente deve preencher alguns critérios: Déficits de comunicação social e interação social e Comportamento, interesses e atividades restritos e repetitivos (APA, 2014). Acerca dos déficits de comunicação social e interação social, a DSM-5, no seu texto, destaca alguns exemplos: • Déficits na reciprocidade socioemocional, variando, por exemplo, de abordagem social anormal e dificuldade para estabelecer uma conversa normal a compartilhamento reduzido de interesses, emoções ou afeto. Ainda, dificuldade para iniciar ou responder a interações sociais. • Déficits nos comportamentos comunicativos não verbais usados para interação social, variando, por exemplo, de comunicação verbal e não verbal pouco integrada à anormalidade no contato visual e linguagem corporal, ou déficits na compreensão e no uso de gestos, além da ausência total de expressões faciais e da comunicação não verbal. • Déficits para desenvolver, manter e compreender relacionamentos, variando, por exemplo, da dificuldade de ajustar o comportamento a se adequar a contextos sociais diversos ou fazer amigos, além da ausência de interesse por pares (APA, 2014). Frente aos exemplos expostos que envolvem os déficits de comunicação social e interação social, o DSM-5 ainda destaca exemplos que envolvem o comportamento, interesses e atividades restritos e repetitivos • Movimentos motores, uso de objetos ou fala estereotipada ou repetitiva (p. ex., estereotipias motoras simples, girar objetos, ecolalia, frases 17 Transtorno do Espectro Autista (TEA) Transtorno do Espectro Autista (TEA) na Adolescência e na Vida Adultana Adolescência e na Vida Adulta Capítulo 1 idiossincráticas) (APA, 2014). • Insistência nas mesmas coisas, adesão inflexível à rotina, padrões ritualizados de comportamento verbal ou não verbal (p. ex., sofrimento extremo em relação a pequenas mudanças, dificuldades com transições, padrões rígidos de pensamento, rituais de saudação, necessidade de fazer o mesmo caminho ou ingerir os mesmos alimentos diariamente) (APA, 2014). • Interesses fixos e altamente restritos que são anormais em intensidade ou foco (p. ex., forte apego ou preocupação com objetos incomuns, interesses excessivamente circunscritos ou perseverativos) (APA, 2014). • Reatividade a estímulos sensoriais ou interesse incomum por aspectos sensoriais do ambiente (p. ex., indiferença aparente a dor/temperatura, reação contrária a sons ou a texturas específicas, cheirar ou tocar objetos de forma excessiva, fascinação visual por luzes ou movimento) (APA, 2014). Os déficits de comunicação social e interação social, apresentados no DSM- 5, evidenciam a gravidade do TEA, baseando-se em prejuízos na comunicação social e em padrões restritos ou repetitivos de comportamento, dividindo-se em três níveis: QUADRO 2 - NÍVEIS DE GRAVIDADE PARA TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) NÍVEL DE GRAVIDADE COMUNICAÇÃO SOCIAL COMPORTAMENTOS RESTRITOS E REPETITIVOS Nível 3 “Exigindo apoio muito sub- stancial” Déficits graves nas habilidades de comunicação social, verbal e não verbal causam prejuízos graves de funcionamento, grande limitação em dar início a interações sociais e resposta mínima a aberturas sociais que partem de outros. Por exemplo, uma pessoa com fala inteligível de poucas pala- vras que, raramente, inicia as interações e, quando faz, tem abordagens incomuns, apenas para satisfazer necessidades, reagindo somente a abordagens sociais muito diretas. Inflexibilidade de compor- tamento e extrema dificul- dade em lidar com a mudança ou outros comportamentos restritos/ repetitivos interferem acentuadamente no fun- cionamento em todas as esferas. Grande sofrimen- to/dificuldade para mudar o foco ou as ações. 18 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância Nível 2 “Exigindo apoio substan- cial” Déficits graves nas habilidades de comunicação social, verbal e não verbal; prejuízos sociais aparentes mesmo na presença de apoio; limitação em dar início a interações sociais e resposta reduzida ou anormal a abertu- ras sociais que partem de outros. Por exemplo, uma pessoa que fala frases simples, cuja interação se limita a inter- esses especiais reduzidos e que apresenta comunicação não verbal acentuadamente estranha. Inflexibilidade do compor- tamento, dificuldade de lidar com a mudança ou outros comportamentos restritos/repetitivos que aparecem com frequência suficiente para serem óbvios ao observador casual e interferem no funciona- mento em uma variedade de contextos. Sofrimento e/ou dificuldade de mudar o foco ou as ações. Nível 1 “Exigindo apoio” Na ausência de apoio, déficits na comunicação social causam prejuízos notáveis. Dificuldade para iniciar interações sociais e exemplos claros de respostas atípicas ou sem sucesso a aberturas sociais dos outros. Pode parecer apresentar interesse reduzido por inter- ações sociais. Por exemplo, uma pessoa que consegue falar fras- es completas e se envolver na comunicação, embora apre- sente falhas na conversação com os outros e cujas tentativas de fazer amizades são estranhas e, comumente, mal-sucedidas. Inflexibilidade de compor- tamento causa interferên- cia significativa no funciona- mento em um ou mais contextos. Dificul- dade de trocar de ativi- dade. Problemas para organi- zação e planejamento são obstáculos à inde- pendência. FONTE: Adaptado de APA (2014) Os níveis apresentados evidenciam que a compreensão de algumas características comuns às pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo pode auxiliar muito a agir em diferentes situações (na escola, em casa, na terapia). No entanto, torna-se pertinente lembrarmos que cada pessoa é única e precisa 19 Transtorno do Espectro Autista (TEA) Transtorno do Espectro Autista (TEA) na Adolescência e na Vida Adultana Adolescência e na Vida Adulta Capítulo 1 ter as suas particularidades (idade, escolaridade, aspectos sociais, linguísticos, cognitivos, motores, familiares e socioculturais, grau de autismo, síndromesou transtornos associados etc.), aspectos que necessitam ser levados em consideração. Frente ao entendimento, vamos aprofundar nossos conhecimentos?! Agora que compreendemos o TEA, assista ao vídeo Autismo - Graus e Desenvolvimento na Adolescência: https://www.youtube. com/watch?v=s7npm6bJAU0. Assista, também, ao seguinte filme: Apresenta a história de um menino de nove anos autista, que, sem o menor esforço, desvenda um "indecifrável" código do governo americano. O filme revela uma relação cheia de desafios, conquistas e aprendizado. Confira! 20 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância Leia, com atenção, o relato de caso que segue, e, depois, responda. RELATO DE CASO João tem 16 anos e apresenta laudo com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Mediante esse laudo, podemos inferir que, segundo o DSM-5, João pode apresentar domínios de sintomas principais: déficits de comunicação social e interação social e comportamento, interesses e atividades restritos e repetitivos (APA, 2014). Descreva o que envolve comportamento, interesses e atividades restritos e repetitivos. Você respondeu e descobriu respostas para as inquietações que envolvem o TEA. A partir dessas descobertas, estudaremos os tratamentos e as terapias para o TEA na adolescência e na vida adulta. 5 TRATAMENTOS E TERAPIAS PARA O TEA NA ADOLESCÊNCIA E NA VIDA ADULTA Aprendemos que os critérios de diagnóstico do TEA, segundo o DSM- 5, envolvem domínios de sintomas principais: déficits de comunicação social e interação social e comportamento, interesses e atividades restritos e repetitivos. Mediante o aprendizado, vale ressaltarmos a importância das intervenções terapêuticas para pessoas com TEA, pois estas poderão ajudar a desenvolver interesses e competências que permitam a independência. Diferentes abordagens podem ser utilizadas nas intervenções para pessoas com TEA. No entanto, as intervenções necessitam ser definidas pela equipe multidisciplinar, seguindo as práticas baseadas em evidências, as quais são fundamentadas em pesquisas científicas, na expertise profissional e na singularidade da pessoa a ser atendida, descaracterizando-se a aplicação do senso comum nas abordagens terapêutica e educacional da pessoa com TEA (BRITO, 2017). 21 Transtorno do Espectro Autista (TEA) Transtorno do Espectro Autista (TEA) na Adolescência e na Vida Adultana Adolescência e na Vida Adulta Capítulo 1 Ao selecionar e utilizar estratégias de intervenção para indivíduos com TEA, deve-se levar em consideração que adolescentes e adultos com TEA apresentam dificuldades e habilidades com graus variáveis em relação aos desenvolvimentos social, linguístico, cognitivo, motor e emocional. Portanto, o chamado “espectro de características do autismo” também é observado no que se refere às habilidades e dificuldades nesses aspectos, podendo variar (BRITO, 2017). Vale lembrarmos que os primeiros passos para a intervenção se referem à identificação de alguns desses padrões: • Ecolalias (repetição da fala das outras pessoas). • Rigidez de significados (por exemplo, dificuldade de compreender metáforas, piadas, sarcasmo e expressões com duplo sentido). • Ausência de ou pouco contato visual durante situações de comunicação. • Dificuldades para iniciar a comunicação com outra pessoa. • Dificuldades para expressar vontades por meio de gestos representativos. • Dificuldades na atenção compartilhada durante interações e conversações (BRITO, 2017). A fala ecolálica pode ser entendida como uma repetição imediata de uma ou mais palavras que acabaram de ser ditas por outra pessoa, já a ecolalia tardia é caracterizada por uma repetição de expressões que são armazenadas e faladas após certo tempo, e que, muitas vezes, podem ser ditas de forma descontextualizada ou inadequadas às situações presentes (FIORINI, 2017). 22 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância A partir do diagnóstico estabelecido, pode-se iniciar a intervenção. Assim, torna-se imprescindível que cada profissional envolvido no processo realize, com a família, investigações do adolescente ou do adulto com TEA nos diferentes contextos de vida (em casa, na escola etc.). Essa parceria, entre os que já convivem com a pessoa com TEA, é imprescindível para a compreensão das necessidades do adolescente ou do adulto com TEA (BRASIL, 2015). Não é recomendável que a intervenção fique restrita ao contexto da terapia. O contexto familiar é o principal pilar da intervenção. Frente ao anunciado, podemos ressaltar que algumas abordagens podem ser utilizadas no processo terapêutico da pessoa com TEA, podendo ser mediadas por diferentes profissionais que compõem a equipe. No entanto, algumas abordagens são específicas de determinada área profissional (BRITO, 2017). Agora que aprendemos a importância das intervenções no TEA, exploraremos algumas abordagens a seguir. Vamos lá?! 6 ABA (APPLIED BEHAVIOR ANALYSIS/ANÁLISE DO COMPORTAMENTO APLICADA) FIGURA 3 – ABA (APPLIED BEHAVIOR ANALYSIS/ ANÁLISE DO COMPORTAMENTO APLICADA) FONTE: <https://nucleojinsei.com/category/infantil-e- adolescente/>. Acesso em: 21 dez. 2020. A ABA é um modelo de intervenção, caracterizado pela análise criteriosa do comportamento humano para o desenvolvimento de estratégias de intervenção 23 Transtorno do Espectro Autista (TEA) Transtorno do Espectro Autista (TEA) na Adolescência e na Vida Adultana Adolescência e na Vida Adulta Capítulo 1 com vistas a prevenir e a remediar comportamentos não adaptativos, lidar com excessos comportamentais e aprender comportamentos que ampliem a funcionalidade. ABA: Um método completamente baseado na observação e na investigação. Vale reforçar que a aplicação é dinâmica. Muitos médicos estão optando pela ABA, pelo fato de o tratamento mostrar uma tendência a descobrir novos princípios comportamentais, o que contribui, de forma efetiva, para o desenvolvimento de estudos. Os métodos baseados na ABA dispõem dos princípios do comportamento para formar repertórios socialmente consideráveis (comportamentos desejáveis), como contato visual; habilidade de se relacionar com outros alunos; habilidade de conversar; habilidades acadêmicas, como ler, escrever; e atividades da vida diária, como usar o banheiro e reduzir repertórios problemáticos (comportamentos indesejáveis), como agressão, estereotipia, autolesões e outros, que trazem dificuldades ao convívio social e à aprendizagem do indivíduo (DIAS, 2017). Assim, a proposta básica da ABA se resume em estimular comportamentos funcionais e fortalecer as habilidades existentes, além de promover aquelas que ainda não foram desenvolvidas, de forma que o indivíduo aprenda a interagir com a sociedade, estendendo o atendimento a todos os ambientes em que indivíduo vive. Os profissionais utilizam técnicas para o desenvolvimento da comunicação, das habilidades sociais, das atividades acadêmicas e das atividades de autocuidados. São utilizados reforçadores após a emissão de comportamentos ou respostas adequadas, além de considerarem os antecedentes das respostas emitidas pelo indivíduo, para que a função do comportamento seja observada e estudada (FIGUEREDO, 2014). 24 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância FIGURA 4 – INTERVENÇÕES E ABA (APPLIED BEHAVIOR ANALYSIS/ANÁLISE DO COMPORTAMENTO APLICADA) FONTE: <https://www.autismoemdia.com.br/blog/metodo-aba-conheca-uma-das- terapias-mais-eficazes-no-tratamento-do-autismo/>. Acesso em: 21 dez. 2020. No entanto, a intervenção na ABA, segundo Windholz (1995), deve ser dividida em fases: • A primeira fase é a avaliação comportamental, na qual se busca apontar as variantes que a controlam. • A segunda fase é a seleção de metas e objetivos, em médio prazo, adequando os comportamentos sociais e generalizando os comportamentos aprendidos. • A terceira fase é a do desenvolvimento dos programas de tratamento,no qual se determinam, com clareza, os comportamentos que devem ser ensinados, sendo necessário que se faça um diagnóstico prévio do que a criança já sabe, para que, no decorrer do programa, seja percebida a evolução. • A quarta fase se refere à efetivação da intervenção. No processo, destacamos que, para o indivíduo com TEA alcançar o critério de aprendizagem estabelecido, torna-se essencial que se repitam, por diversas vezes, as tentativas de ensino, sendo que cada comportamento manifestado pelo indivíduo necessita ser registrado, precisamente, em forma de gráficos, que evidenciem os avanços em cada atividade, possibilitando a correção de possíveis erros (FIGUEREDO, 2014). Destacamos que as principais publicações da ABA recomendam que a terapia seja realizada de 15 a 40 horas semanais, sendo feita em programas educacionais ampliados ou terapia individual (DIAS, 2017). 25 Transtorno do Espectro Autista (TEA) Transtorno do Espectro Autista (TEA) na Adolescência e na Vida Adultana Adolescência e na Vida Adulta Capítulo 1 Benefícios da ABA para a vida É interessante dizer que o método exerce influência na aprendizagem dos pacientes. Seu benefício não está somente na vida familiar do indivíduo, mas em todos os outros aspectos, como na escola, na interação social. Tudo isso devido ao avanço na comunicação e ao desenvolvimento comportamental. A ABA propõe intervenções pontuais e que trazem, para a vida do autista e da sua família, os progressos tão necessários para o cotidiano. Todos nós sabemos que a pessoa com autismo pode ser independente (casos de Asperger) ou depender, de forma integral, de alguém, para executar funções simples, como escovar os dentes, tomar banho, vestir roupas etc. Ressaltamos que a Análise do Comportamento Aplicada (Applied Behaviour Analysis – ABA) pode ser aplicada por profissionais que conheçam a abordagem, sendo os responsáveis pela elaboração do planejamento das técnicas que serão aplicadas. Esses profissionais, na maioria, são formados em psicologia, e possuem especialização voltada para terapia comportamental, análise do comportamento ou psicologia experimental (DIAS, 2017). Frente ao contexto apresentado, vale destacar que os processos de modificação comportamental têm apresentado resultados eficazes em indivíduos com TEA, auxiliando para a inserção nas instituições de ensino, proporcionando que eles desenvolvam comportamentos mais desejáveis para um bom relacionamento dentro da sala de aula. Importante ressaltar que incluir esses alunos com TEA não se resume, unicamente, à inserção no ensino regular, mas a uma prática inclusiva, que, no caso do TEA, pode ser relacionada à utilização do método Análise do Comportamento Aplicada (Applied Behaviour Analysis – ABA), o que facilita o processo educacional desses alunos (DIAS, 2017). Agora que compreendemos a ABA (Applied Behavior Analysis/Análise do Comportamento Aplicada), fazemos reflexões acerca dos benefícios dessa terapia para jovens e adultos com TEA. Vamos lá?! 26 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância O que todos desejam: autonomia de jovens com autismo O método vem, justamente, para trabalhar com essas questões que envolvem o desenvolvimento da autonomia. Outra premissa da ABA é induzir ao aprendizado de conhecimentos complexos. A palavra mais esperada por especialistas, que aplicam a ABA nos pacientes, é a autonomia. Nada mais desejado para profissionais e pais de autistas. O importante de tratar o adolescente com TEA está na possibilidade de ele conseguir desempenhar funções do dia a dia. Sabia que autistas trabalham, estudam, exercem atividades diversas e têm vida social? Sim, isso pode acontecer, principalmente, com aqueles pacientes que são levados por seus pais, quando ainda são bem novos. A ABA tem tido, cada vez mais, um lugar de destaque, devido à eficácia oferecida aos pequenos e aos resultados mostrados. Portanto, procure auxílio médico o quanto antes e veja a diferença que o método pode exercer na vida do indivíduo. Vale destacar que o adolescente com autismo requer muita atenção, sendo, o acompanhamento, mais metódico. Veja algumas dicas: – ESTABELEÇA UM ROTEIRO O desenvolvimento do adolescente autista depende muito dos estímulos para a relação interpessoal e outras atividades que envolvem o ambiente no qual está inserido. Quando chega a adolescência, é preciso continuar atento aos comportamentos e elaborar uma comunicação efetiva, assim como na infância, com o jovem. É importante lembrar que, a essa altura, o adolescente também deve estar sob os acompanhamentos de profissionais, que o ajudarão a ter uma vida muito mais proveitosa em casa e na escola. 27 Transtorno do Espectro Autista (TEA) Transtorno do Espectro Autista (TEA) na Adolescência e na Vida Adultana Adolescência e na Vida Adulta Capítulo 1 – ADOLESCENTE AUTISTA NA ESCOLA O adolescente com autismo é tão singular quanto a criança. Isso significa que não dá para falarmos por todos eles, pois cada um apresenta um comportamento (embora existam alguns pontos de semelhança entre os autistas). Na escola, quando o adolescente autista apresenta sinais da Síndrome de Asperger, e, além disso, tem bom rendimento, ele pode abstrair determinados conteúdos através do próprio intelecto. É notável salientar que um autista pode desenvolver habilidades verbais, por exemplo, que sejam superiores aos demais colegas de turma, porém, essa capacidade excessiva de desenvolvimento não é parte da maioria deles. O mais recomendável é que, na escola, seja disponibilizado algum programa que acompanhe o jovem. Um dos mais comuns é o Plano de Educação Individualizado (PEI), responsável pela adaptação da criança ou adolescente no ambiente acadêmico. Adolescente autista e a puberdade A puberdade é um importante período de transição da fase infantil para a adolescência. No entanto, no autismo ou em qualquer outro transtorno, ela deve ser acompanhada de perto, por especialistas, que ficam responsáveis pelo direcionamento do jovem nessa ‘nova’ vida. É preciso que os pais tenham muita paciência, visto que essa fase é de transformação. Pode ser que o jovem manifeste o lado mais retraído ou consiga desenvolver melhor o comportamento no ambiente no qual está inserido. Tudo depende dos estímulos. FONTE: https://institutoneurosaber.com.br/metodo-aba-para- tratamento-de-autismo/. Acesso em: 21 dez. 2020. 28 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância Leia, com atenção, e responda. A ABA é um modelo de intervenção, caracterizado pela análise criteriosa do comportamento humano para o desenvolvimento de estratégias de intervenção com vistas a prevenir e remediar comportamentos não adaptativos, lidar com excessos comportamentais e aprender comportamentos que ampliem a funcionalidade. Acerca da ABA (Applied Behavior Analysis/Análise do Comportamento Aplicada), classifique V para verdadeira e F para falsa: ( ) A proposta básica da ABA se resume em estimular comportamentos funcionais e fortalecer as habilidades existentes, além de promover aquelas que ainda não foram desenvolvidas, de forma que o indivíduo aprenda a interagir com a sociedade, estendendo o atendimento a todos os ambientes em que vive. ( ) As principais publicações da ABA recomendam que a terapia seja realizada de 15 a 40 horas semanais, sendo feita em programas educacionais ampliados ou terapia individual. ( ) A Análise do Comportamento Aplicada (Applied Behaviour Analysis – ABA) não necessita ser aplicada por profissionais que conheçam a abordagem. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA. a) V-V-F. b) F-F-F. c) V-F-V. d) F-F-V. Quer saber mais da TEA na adolescência? Assista ao vídeo Autismo na Adolescência, em https://www.youtube.com/ watch?v=anx7VH6jvDs. 29 Transtorno do Espectro Autista (TEA) Transtorno do Espectro Autista (TEA) na Adolescência e na Vida AdultanaAdolescência e na Vida Adulta Capítulo 1 Agora que já tecemos reflexões acerca do que é a ANÁLISE DO COMPORTAMENTO APLICADA (APPLIED BEHAVIOUR ANALYSIS – ABA), investigaremos o PICTURE EXCHANGE COMMUNICATION SYSTEM (PECS)? 7 PICTURE EXCHANGE COMMUNICATION SYSTEM (PECS) A dificuldade na comunicação persiste na maioria dos casos de TEA, o que demanda intervenções específicas (GOLDSTEIN, 2002; OLIVEIRA; JESUS, 2016), pois alguns jovens e adultos podem não desenvolver a habilidade da comunicação oral, o que pode tornar as vidas cotidiana e acadêmica extremamente limitadas (OLIVEIRA; JESUS, 2016). Emerge o Picture Exchange Communication System (PECS), o qual consiste em um sistema de comunicação que ressalta a relação interpessoal, em que ocorre um ato comunicativo entre o indivíduo com dificuldades de fala ou ausência dela e um adulto, por meio de trocas de figuras (OLIVEIRA; JESUS, 2016). Por meio do Picture Exchange Communication System (PECS), o jovem e o adulto aprendem a requisitar objetos ou atividades de interesse por meio da troca de figuras pelos itens (potenciais reforçadores) (OLIVEIRA; JESUS, 2016). 30 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância FIGURA 5 – PICTURE EXCHANGE COMMUNICATION SYSTEM (PECS) FONTE: <https://salamultiespecialdaandrea.blogspot.com/2011/10/ pecs.html?m=1>. Acesso em: 21 dez. 2020. A partir da visualização, podemos ressaltar que, ao aprender a requisitar por meio da figura, o jovem ou adulto, com dificuldade na fala, adquire a habilidade funcional para conseguir a atenção de outras pessoas e pedir pelo que deseja com o auxílio de figuras (JURGENS; ANDERSON; MOORE, 2009; OLIVEIRA; JESUS, 2016). Destacamos que o método do PECs visa estimular a comunicação e diminuir problemas de comportamento por meio de um contexto estruturado e concreto. Esse é um sistema de comunicação expressiva, no qual o indivíduo pode solicitar, de forma 31 Transtorno do Espectro Autista (TEA) Transtorno do Espectro Autista (TEA) na Adolescência e na Vida Adultana Adolescência e na Vida Adulta Capítulo 1 funcional e adequada, necessidades e desejos, utilizando referências, com fotos, materiais concretos ou figuras (RIBEIRO; BLANCO, 2016). A aprendizagem, por meio da troca de figuras, demonstra avanços nas capacidades de comunicação, diminuição de comportamentos inapropriados e oportuniza melhoras nas relações interpessoais das pessoas que utilizam (VIEIRA, 2013; RIBEIRO; BLANCO, 2016). Acerca da aprendizagem, Ramos (2011, p. 37) destaca que, “utilizando os PECS, os jovens e os adultos podem aprender a se comunicar, primeiramente, com figuras isoladas, mais tarde, porém, aprendem a combinar imagens para assimilar diversas estruturas gramaticais, relações semânticas e funções comunicativas”. No contexto que envolve a aprendizagem, Macedo (2011) e Ribeiro e Blanco (2016) corroboram, ao destacarem que o PECS é constituído por seis fases: • Fase I - Troca Física – Geralmente, realizada na presença de dois técnicos: o técnico facilitador (posicionado atrás do aluno) deverá ajudar fisicamente o aluno a fazer a troca de figura pelo item desejado, já o técnico comunicativo deverá estar de mãos abertas para receber a figura, e, com a outra mão, deverá, imediatamente, entregar o item desejado ao aluno, nomeando-o (MACEDO, 2011; RIBEIRO; BLANCO, 2016). • Fase II - Distância e Persistência - Nesta fase, os técnicos provocarão o aluno a trocar, de forma espontânea, o item desejado, aumentando, progressivamente, a distância entre o aluno e o “dossier” comunicativo (MACEDO, 2011; RIBEIRO; BLANCO, 2016). • Fase III - Discriminação entre Figuras - Nesta fase, colocam-se duas figuras no “dossier” comunicativo: uma desejada e outra não desejada, reforçando o desejo de escolha do aluno. Quando o aluno faz a opção pela figura de desejo, naquele momento, o profissional deverá repetir a tarefa, aumentando, progressivamente, o número de figuras semelhantes, para que o aluno aprenda a fazer escolhas entre objetos igualmente desejados (MACEDO, 2011; RIBEIRO; BLANCO, 2016). • Fase IV - Aumentar a Estrutura da Frase - Nesta fase, o aluno interagirá, colocando a sequência de figuras em uma tira, para formar uma frase simples. Primeiramente, fixa-se a referência “eu quero” à esquerda, e, ao lado, coloca-se o objeto de desejo, fazendo a entrega ao técnico, que deverá, simultaneamente, ler a frase (MACEDO, 2011; RIBEIRO; BLANCO, 2016). • Fase V - Respondendo - O que Queres? - Nesta fase, a criança é provocada a solicitar os objetos de desejo, respondendo à questão apontada pelo técnico “O que queres?”, colocada no “dossier” comunicativo. Inicia-se a comunicação espontânea por meio da troca de figures (MACEDO, 2011; RIBEIRO; BLANCO, 2016). 32 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância • Fase VI – Respondendo Espontaneamente - Nesta fase, a criança aprende a compor sentenças, respondendo, espontaneamente, à questão “O que você quer?”/“O que você ouve?”, colocando a figura “eu quero”/”eu ouço” na tira do “dossier” comunicativo e a imagem do objeto aprendido (MACEDO, 2011; RIBEIRO; BLANCO, 2016). Com o auxílio do PECS, poderá ser incorporada uma rotina ao dia do jovem e do adulto para os ajudar a compreenderem o que precisa ser alcançado, entenderem o que os outros esperam que eles façam. FIGURA 6 – EXEMPLO DE ROTINA COM O USO DO PECS FONTE: <https://www.assistiva.com.br/ca.html>. Acesso em: 21 mar. 2020. 33 Transtorno do Espectro Autista (TEA) Transtorno do Espectro Autista (TEA) na Adolescência e na Vida Adultana Adolescência e na Vida Adulta Capítulo 1 Para a confecção da rotina, podem ser usados cartões com figuras plastificados, indicando as atividades fixados no mesmo local todos os dias, uso de velcro para movimentar as imagens com facilidade. Por meio dos exemplos da utilização do Picture Exchange Communication System (PECS), podemos destacar que os benefícios deste para jovens e adultos com TEA são discutidos na literatura, e demonstram o bom aprendizado do método. Ainda, é baseado na melhoria do comportamento sociocomunicativo, no aumento da linguagem verbal e complexidade gramatical, até a generalização de habilidades comunicativas aprendidas (MACEDO, 2011; RIBEIRO; BLANCO, 2016 ). Agora que já descobrimos o que é o Picture Exchange Communication System (PECS), investigaremos o que significa o Treatment and Education of Autistic and Comunication Handicapped Children (TEACCH). 8 TREATMENT AND EDUCATION OF AUTISTIC AND COMUNICATION HANDICAPPED CHILDREN (TEACCH) O programa TEACCH pode ser aplicado a pessoas de todas as faixas etárias, envolvendo diferentes serviços e abordagens, como fonoaudiologia, pedagogia, terapia ocupacional, educação especial, psicologia, equoterapia etc. (RIBEIRO; BLANCO, 2016). TEACCH, em português, significa Tratamento e Educação para Autistas e Crianças com Déficits Relacionados com a Comunicação. Acerca do programa, Fernandes e Amato (2010) destacam que as teorias behaviorista e psicolinguística são as bases epistemológicas. Assim, na terapia comportamental (behaviorista), a estruturação do ambiente se torna indispensável, utilizando reforçadores que aumentem a frequência de comportamentos desejáveis. Na psicolinguística, o uso da imagem visual gera a comunicação. No processo, a linguagem não verbal vai incorporando significados por meio da interiorização das experiências, desenvolvendo, progressivamente, a comunicação, que poderá se manifestar de forma oral, gestual ou escrita (RIBEIRO; BLANCO, 2016). TEACCH, em português, significa Tratamento e Educação para Autistas e Crianças com Déficits Relacionados com a Comunicação. 34 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância No TEACCH, faz-se o uso de cartões, com fotos, desenhos, símbolos ou objetos concretos, os quais necessitam prever as ações a serem desenvolvidas,além da estrutura física. Cabe destacar que, no decorrer do tempo, com o desenvolvimento da habilidade de executar uma determinada atividade, esta passará a fazer parte da rotina da criança de forma sistemática. O Picture Exchange Communication System (PECS), o qual consiste em um sistema de comunicação, pode ser utilizado no programa TEACCH para estabelecer comunicação com a criança com TEA (RIBEIRO; BLANCO, 2016). O método TEACCH faz uso de recursos visuais na busca da independência, utilizando a avaliação para determinar os pontos de interesse, assim como as dificuldades, a fim de montar um programa individualizado, adaptando o ambiente para facilitar a compreensão da criança em relação ao local de trabalho, além do que se espera dela. FIGURA 7 – EXEMPLO ROTINA PROGRAMA TEACCH UTILIZANDO PECS FONTE: <http://www.blogin.com.br/2018/03/29/sugestoes-estruturar- rotina-nos-casos-tea/>. Acesso em: 21 dez. 2020. Outro aspecto a ser destacado, no programa TEACCH, é a necessidade de estrutura física bem delimitada, com cada espaço para uma função; atividades com sequência para que o jovem e o adulto saibam o que se exige deles, e o uso direto de apoio visual, como cartões (RIBEIRO; BLANCO, 2016). Podemos observar que a estrutura do programa TEACCH envolve: 35 Transtorno do Espectro Autista (TEA) Transtorno do Espectro Autista (TEA) na Adolescência e na Vida Adultana Adolescência e na Vida Adulta Capítulo 1 • a organização da área física, na qual a disposição dos móveis oferece pistas visuais de maneira que a pessoa com TEA consiga se deslocar dentro do espaço, evitando, assim, a distração, e oportunizando o reconhecimento da função de cada área disponibilizada; • a programação diária e o uso de rotinas incorporadas em agendas, que indicam, visualmente, a rotina programada, auxiliando na transição independente entre as atividades que devem ser realizadas (RIBEIRO; BLANCO, 2016). O principal objetivo do programa é ajudar a pessoa com TEA a se desenvolver com autonomia e independência. A aplicação deve ser adaptada a diferentes níveis de funcionamento e levar em consideração as necessidades individuais de cada pessoa. Podemos inferir que o TEACCH é um modelo de intervenção que, por meio de uma “estrutura externa”, organização de espaço, materiais e atividades, permite criar, mentalmente, “estruturas internas”, que devem ser transformadas pela própria pessoa em estratégias e, mais tarde, automatizadas. Uma das abordagens mais recomendadas para ensinar pessoas com TEA é aquela que usa apoios visuais. Figuras, objetos e pistas escritas podem ajudar o aluno a aprender a comunicar e a desenvolver autocontrole, orientando-o na organização e na previsibilidade (FONSECA; CIOLA, 2016). Para que o programa se efetivo, torna-se necessário o apoio recíproco entre pais e profissionais envolvidos, para que, juntos, possam fixar as prioridades de um programa individualizado, de acordo com a avaliação, que contemple habilidades atuais e prioritárias e possíveis formas de desenvolvimento (FONSECA; CIOLA, 2016). Agora que já descobrimos o que é o Treatment and Education of Autistic and Comunication Handicapped Children (TEACCH), descobriremos outras terapias que auxiliam jovens e adultos com TEA. 36 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância FIGURA 8 – FONOAUDIOLOGIA APLICADA PARA AUTISMO FONTE: <https://www.autismoemdia.com.br/blog/tratamentos-para-autismo- 5-terapias-essenciais-para-o-tea/>. Acesso em: 21 dez. 2020. Como sabemos, os jovens e os adultos com TEA podem apresentar dificuldades na comunicação, alguns desenvolvem a linguagem verbal (fala), outros não. Muitos podem ter dificuldades, até mesmo, para utilizar ou interpretar a linguagem não verbal. A fonoaudiologia é uma terapia fundamental para ajudar no processo de desenvolvimento da linguagem. O primeiro passo é avaliar quais são os recursos linguísticos e comunicativos utilizados pelo jovem e pelo adulto, além de construir um plano de tratamento para desenvolver as áreas que apresentam dificuldades. Em alguns casos, pode ser necessário utilizar métodos alternativos de comunicação, como os PECS, aprendendo a trocar o símbolo pelo objeto desejado. Por isso, a avaliação fonoaudiológica é importante para que se desenvolva um trabalho específico. FIGURA 9 – FISIOTERAPIA APOIANDO O TRATAMENTO DO TEA FONTE: <http://www.espacoemmovimento.com.br/atividades/ fisio-adolescentes.html>. Acesso em: 21 dez. 2020. 37 Transtorno do Espectro Autista (TEA) Transtorno do Espectro Autista (TEA) na Adolescência e na Vida Adultana Adolescência e na Vida Adulta Capítulo 1 O profissional de fisioterapia atua diretamente nas habilidades motoras da pessoa com TEA. Ainda, trabalha para desenvolver e aprimorar as funções básicas, como andar, sentar, ficar de pé, jogar, rolar, tocar objetos, engatinhar e se locomover, de maneira geral. O fisioterapeuta trabalha com toda a coordenação motora grossa e se concentra no desenvolvimento da força muscular. O profissional pode informar, aos pais, a respeito dos exercícios que são fundamentais. Dessa forma, pais e responsáveis podem gerenciar a execução dos exercícios feitos em casa, caso o terapeuta passe alguns deles para serem realizados no ambiente doméstico. O fato de fazer as atividades em casa pode dar mais confiança à pessoa com TEA. A familiaridade com o local é sempre um ponto positivo para o autista. A fisioterapia tem um papel fundamental entre os tratamentos para o TEA, pois as habilidades aprendidas também ajudam na interação. Ao ter pleno domínio das habilidades motoras, é capaz de se envolver com jogos e brincadeiras, com mais segurança e confiança. FIGURA 10 – TERAPIA OCUPACIONAL NO TRATAMENTO DO TEA FONTE: <http://www.minutofisioterapia.com.br/postagens/2020/10/08/o- papel-da-fisioterapia-para-o-autismo/>. Acesso em: 21 dez. 2020. A terapia ocupacional, também conhecida como TO, é uma área do conhecimento voltada à prevenção e ao tratamento de indivíduos com alterações cognitivas, afetivas, perceptivas e psicomotoras, incluindo o transtorno do espectro autista. Um terapeuta ocupacional busca trabalhar com as atividades da vida diária, com o objetivo de ajudar o indivíduo com TEA a se tornar mais independente e a melhorar a qualidade de vida em casa e na escola. O terapeuta ajuda a introduzir, manter e melhorar as habilidades para que as pessoas com TEA possam chegar à independência e fazer parte da sociedade. 38 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância Habilidades que a terapia ocupacional pode promover: • Habilidade para ir ao banheiro, vestir-se, escovar os dentes, pentear os cabelos, calçar os sapatos, comer sozinho etc. • Apoiar o desenvolvimento da coordenação motora fina necessária para a realização da caligrafia ou cortar com uma tesoura, por exemplo. • Estimular a coordenação motora ampla e o equilíbrio, usados para andar de bicicleta. • Ensinar o sentar adequado. • Ajudar na percepção de competências, como dizer as diferenças entre cores, formas e tamanhos. • Consciência corporal e a sua relação com os outros. • Habilidades visuais para leitura e escrita. • Brincar funcional, resolução de problemas e habilidades sociais. • Integração dos sentidos, realizada através da abordagem da integração sensorial com o objetivo de diminuição de estereotipias. 9 VOCÊ SABE O QUE SÃO ATIVIDADES DE VIDA DIÁRIA (AVD)? As Atividades de Vida Diária (AVD) são metodologias que proporcionam o desenvolvimento de habilidades intelectuais, emocionais e senso, perceptivas necessárias para a solução de problemas e de situações práticas e rotineiras enfrentadas, inevitavelmente, pelas pessoas durante a vida. As Atividades de Vida Diária (AVD) envolvem: • a mobilidade funcional, ou seja, deslocamentos significativos em ambientes restritos, e amplo uso de escadas e elevadores, localização no espaço etc.; • os cuidados pessoais:higiene, vestuário, hábitos comportamentais etc.; • a administração doméstica: preparo de alimentos, organização e limpeza da casa, segurança doméstica etc.; • a capacidade para a vida em comunidade: relacionamento com parentes, amigos e colegas, trabalhos cooperativos etc.; • uso dos talheres, das tesouras, do telefone, do computador etc. Podemos inferir que a aprendizagem das AVDs se relaciona à experiência das ações cotidianas supracitadas. Nessa perspectiva, a aprendizagem das AVDs ocorre, muitas vezes, por transferência do grupo familiar, amigos ou professores, 39 Transtorno do Espectro Autista (TEA) Transtorno do Espectro Autista (TEA) na Adolescência e na Vida Adultana Adolescência e na Vida Adulta Capítulo 1 acerca de como se vestir, tomar banho, preparar o lanche, arrumar a cama etc. Agora que já sabemos o que significa AVD, vale questionar: Quais os motivos para ensinar e aprender Atividades de Vida Diária? Ensinar, ao aluno com deficiência/transtorno, as AVD, é muito importante, pois as atividades abarcam as relações afetivas, emocionais, intelectuais e sociais, as quais desenvolvem: • A autonomia. • O desenvolvimento das habilidades sociais. • A solução de problemas nas situações do cotidiano. • A articulação dos conteúdos pedagógicos desenvolvidos na escola, facilitando a compreensão e a assimilação. • A autoestima. • O estabelecimento de relacionamentos fundamentados na afetividade, e não na dependência. Diante dos benefícios apresentados, vale destacar que as AVDs, ao serem trabalhadas de forma lúdica, ou seja, por meio da experiência vivenciada, podem trazer, à pessoa com TEA, várias contribuições para o desenvolvimento humano. A partir do contexto apresentado, ou seja, do que significa AVD e por que ensinar e aprender essas atividades, destacaremos, a seguir, algumas atividades que podem ser trabalhadas. QUADRO 3 – ALGUMAS ATIVIDADES COM OBJETIVO E ESTRATÉGIAS PARA AVD OBJETIVOS ESTRATÉGIAS Acender e apagar luzes. • Mostrar, ao aluno, como se acende a luz, estimulando-o a imitar a sua ação. • Caso o aluno não seja capaz de executar a tarefa, colo- car a mão do aluno sobre o interruptor, fazendo-o apertar. • Quando já for capaz de executar a tarefa, retirar a ajuda e dar apenas ordem verbal. • Usar o mesmo processo para a atividade de apagar a luz. Jogar papel no cesto de lixo. • Solicitar, ao aluno, que pegue o papel, faça-o se aprox- imar do cesto do lixo, incentivando-o a jogar o papel no cesto. • Ajudá-lo até que ele seja capaz de executar a tarefa sem auxílio. Separar peças de roupa. • Trabalhar, inicialmente, com a identificação de peças de roupa, como shorts, camiseta, toalha. • Quando o aluno for capaz de identificar, realizar, com ele, as atividades de separar e guardar. 40 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância Guardar material pedagógico. • Mostrar, ao aluno, onde se guarda o material pedagógi- co, convidando-o a realizar essa atividade. • Fazer com que o aluno pegue o material, ajudando-o e o guiando até o local onde se guarda. • Retirar a ajuda progressivamente, até que ele seja ca- paz de realizar a atividade apenas com a ordem verbal. • Diversificar a atividade, levando-o a guardar material de uso pessoal, como pente, escova de dente, creme dental. Ajudar a arrumar a mesa na hora das refeições. • Inicialmente, ensina-se o aluno a arrumar a própria mesa para o lanche (Lanche servido individualmente, na sala ambiente-cozinha). • Ao executar a tarefa, ensina-se o aluno a colocar na mesa, e, posteriormente, os demais utensílios. •Diminuir a ajuda até que ele execute a tarefa através de ordem verbal, na colocação dos pratos, copos, talheres, guardanapos na mesa. Abrir e fechar janelas, cortinas, portas e gavetas • Inicialmente, mostrar, ao aluno, como se abre a janela; estimulá-lo a fazer a mesma tarefa. • Se necessário, colocar a mão do aluno na janela, e, com a sua mão sobre a mão dele, fazê-lo abrir a janela. • Retirar a ajuda progressivamente. • Usar o mesmo processo para o ensinar a abrir portas, gavetas, cortinas. • Como estímulo, colocar um objeto interessante dentro do armário, e pedir que o aluno pegue. • Posteriormente, ensiná-lo a fechar portas, gavetas e janelas. Servir-se de líquidos. • Para ensinar o aluno a se servir de líquido, use uma jarra pequena com pouco líquido. • Faça o aluno segurar o copo, pegar a jarra e apoie sua mão, direcionando-a até o copo. • Retire a ajuda progressivamente. Usar pouco líquido para evitar derramamento. Servir-se do lanche, dentro das suas possibilidades. • Colocar a vasilha com o alimento perto do aluno; estimulá-lo a se servir. • Usar colher grande ou concha para apoiar a sua mão. • Retirar a ajuda progressivamente. • Possibilite, ao aluno, também, servir-se de pão ou bo- lacha, dando orientação verbal, para que ele pegue uma quantidade adequada. 41 Transtorno do Espectro Autista (TEA) Transtorno do Espectro Autista (TEA) na Adolescência e na Vida Adultana Adolescência e na Vida Adulta Capítulo 1 Alimentar-se sem auxílio, us- ando talher. • Ensinar o aluno a pegar a colher. • Retirar o alimento do prato. • Levar a colher até a boca. • Repor a colher no prato. Escovar os dentes. • Ensinar o aluno a abrir a torneira. • Pegar o copo e o encher com água. • Colocá-lo no lugar e pegar a escova (já com pasta). • Levar a escova até a boca e escovar os dentes. • Colocar a escova sobre a pia. Pegar o copo e colocar água na boca. • Cuspir a água. • Colocar o copo no lugar. • Pegar a escova, lavá-la e a colocar no lugar. • Lavar a boca. • Secar a boca e as mãos. • Retirar a ajuda gradativamente, até que o aluno realize a atividade somente com ordem verbal. Levar bilhetes. • Pedir para que o aluno leve bilhetes até a secretaria. • No início, acompanhar o aluno, depois, apenas super- visionar. Lavar e secar as mãos. • Ensinar a abrir a torneira. • Molhar as mãos. • Pegar o sabonete. • Passar o sabonete nas mãos. • Colocar o sabonete no lugar. • Friccionar as mãos. • Enxaguar as mãos e fechar a torneira. FONTE: <www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/ arquivos/1068-2.pdf>. Acesso em: 21 dez. 2020. Frente ao apresentado, cabe destacar que, ao proporcionarmos essas experiências por meio de atividades, possibilitamos relações, elaborações e novas vivências. Essas novas vivências, influenciadas pelo meio socialmente construído, tornam-se imprescindíveis para uma abordagem pedagógica que possibilite novas experiências aos sujeitos. Assim, as reflexões apresentadas nos 42 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância Para elucidarmos a importância das terapias apresentadas, traz- se, para reflexão, o artigo de Oliveira et al. (2018), o qual apresenta, como título: Intervenção Fonoaudiológica em uma Adolescente com Transtorno do Espectro Autista: Relato de Caso. Para iniciarmos as reflexões, destacamos que a pesquisa de Oliveira et al. (2018) teve o objetivo de caracterizar a percepção dos pais sobre a gravidade do Transtorno do Espectro do Autismo em uma adolescente, pré e pós-terapia fonoaudiológica, além de descrever o processo de intervenção fonoaudiológica, utilizando, como modelo de intervenção, o sistema de troca de figuras, aliado aos princípios da análise comportamental aplicada à linguagem. Foi aplicado o questionário Autism Treatment Evaluation Checklist com os pais. Em seguida, foi desenvolvido um programa terapêutico de 14 sessões de 50 minutos, sendo uma por semana, e, então, o questionário foi reaplicado. RELATO DE CASO Este estudo se baseia no relato de caso da terapia fonoaudiológica a uma adolescente de 13 anos, sexo feminino, com diagnóstico realizado por um neuropediatra, de Transtorno do Espectro Autista (TEA) grave. remetem ao processo de autonomia, o qual é essencial para a pessoa com TEA. Esse processo de autonomia é chamado de Atividadesde Vida Diária (AVD), o qual apresenta razões para ensino e aprendizagem, fazendo a pessoa com TEA se aventurar e se desafiar a experienciar atividades cotidianas que, até então, eram desconhecidas Faça uma reflexão acerca do que aprendemos a respeito da Atividade de Vida Diária (AVD), e, com base nas suas próprias experiências como professor e/ou aluno, descreva a importância da vivência/experiência no processo que envolve a aprendizagem. 43 Transtorno do Espectro Autista (TEA) Transtorno do Espectro Autista (TEA) na Adolescência e na Vida Adultana Adolescência e na Vida Adulta Capítulo 1 A gravidez foi sem intercorrências, nasceu pré-termo, não precisando de oxigênio, e foi amamentada até os dois anos de idade. Segundo relato dos pais, até um ano e dois meses, a criança apresentou desenvolvimento normal, por exemplo, falava /valo/ para cavalo e interagia bem, porém, a partir dessa idade, ela regrediu significativamente em relação à fala, comportamento e interação, não apresentando mais interesse em compartilhar atividades e situações com os interlocutores. O diagnóstico de TEA foi realizado quando tinha três anos, e, desde então, realizou atendimentos semanais com fonoaudióloga, terapeuta ocupacional e equoterapia, entretanto, a mãe relata ter observado poucos ganhos durante todo o período. Atualmente, faz uso do medicamento neuroléptico Risperidona, para a hiperatividade; frequenta escola regular, está no 9º ano do ensino fundamental, apenas como forma de socialização; não realiza, com independência nenhuma, atividades de vida diária, dependendo, sempre, de um cuidador, e se comunica apenas com gestos indicativos do que deseja. Iniciou atendimento no ambulatório de linguagem de uma clínica-escola de fonoaudiologia, em uma universidade federal, no dia 16 de setembro de 2016, sendo, a queixa principal dos pais, a dificuldade de comunicação, devido ao pouco progresso apresentado até o momento com as intervenções anteriores. RESULTADOS Inicialmente, para avaliar o nível de gravidade do autismo e medir os efeitos do tratamento, a mãe preencheu o questionário Autism Treatment Evaluation Checklist (ATEC), que é uma escala desenvolvida, especificamente, para avaliar a efetividade de tratamentos para autismo, e que abrange quatro áreas do desenvolvimento e do comportamento: I. Linguagem, II. Sociabilidade III. Consciência cognitiva/sensorial; e IV. Comportamento, sendo que, quanto maior a pontuação, mais grave é o quadro apresentado. Para o estabelecimento do vínculo e da avaliação por meio da observação comportamental, foram utilizados, como recursos, brinquedos interativos, blocos de encaixe, livros de pop-up e exploração do ambiente terapêutico. A paciente apresentou estereotipias verbais, em especial, a ecolalia, e não verbais, como 44 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância o flapping (movimentos repetitivos de mão). Ainda, um repertório de atividades restrito, demonstrando interesse exacerbado por música e celular. Foi observado que a paciente anda na ponta dos pés frequentemente, mantém pouco contato visual, apresenta inquietude, hipersensibilidades auditiva (tapando sempre os ouvidos) e tátil. Com relação ao aspecto pragmático da linguagem, apresentou comunicação intencional com funções primárias, por meio de gestos não simbólicos elementares e algumas palavras isoladas (fala tchau /ى au/ e beijo /bezu/ quando solicitado, com associação ao gesto, além de chamar o nome do irmão e da babá), com restrita participação na atividade dialógica. Compreende ordens com até duas ações, quando ligadas ao contexto imediato. Devido ao grave déficit no aspecto pragmático, os demais aspectos da linguagem, como fonologia, morfossintaxe e semântica, não são possíveis de serem avaliados. Foi realizada uma tentativa de avaliação audiológica, no entanto, a paciente não permitiu a realização dos exames. Em seguida, foi desenvolvido um programa terapêutico de 14 sessões de 50 minutos cada, sendo uma por semana, tendo, como meta terapêutica principal, ampliar as habilidades comunicativas, visando melhoria nas inserções social e familiar da adolescente. Os objetivos específicos foram promover o ensino da PECS; criar um ambiente de treinamento estruturado; incentivar a interação; e promover autonomia nas atividades de vida diária (AVDs). Para a identificação dos vocábulos a serem utilizados no período inicial de intervenção terapêutica fonoaudiológica com PECS, utilizou-se a Planilha de Seleção de Vocabulário, proposta pelo próprio manual do sistema. Nessa planilha, os familiares listaram de 5 a 10 itens mais utilizados em cada uma das categorias: comidas, bebidas, atividades, brincadeiras sociais, lugares frequentados, atividades de lazer, pessoas familiares e atividades não prazerosas. Após a seleção dos reforçadores da adolescente, as figuras foram impressas, plastificadas e fixados velcros na parte posterior, para que pudessem ser colocadas e destacadas facilmente na pasta de comunicação. Posteriormente, observou-se que a paciente se incomodava com o barulho do velcro, diante disso, optou-se por utilizar folha de imã (manta magnética), sendo bem aceita pela paciente. A pasta contendo folhas coloridas plastificadas para classificação dos tipos de reforçadores (alimentos, objetos, 45 Transtorno do Espectro Autista (TEA) Transtorno do Espectro Autista (TEA) na Adolescência e na Vida Adultana Adolescência e na Vida Adulta Capítulo 1 brinquedos, verbos, como eu quero) possibilitou a fixação e o destacamento das figuras de comunicação com facilidade. Antes de iniciar o ensino das fases da PECS, foi realizada uma linha de base nas sessões iniciais, cujo objetivo foi verificar se a paciente tinha ou não a habilidade de requisitar um item, utilizando troca de figuras. Durante essa fase, foram utilizadas estratégias que facilitassem a familiaridade da paciente com a PECS, como fichas com representação pictóricas, acerca de como se despir e se vestir, bonecos para vestir (autocolante na prancha) e brinquedos interativos. Durante todas as fases, foi utilizada a hierarquia de dicas baseada na ABA, para facilitar a aprendizagem. As dicas são retiradas gradualmente, ou seja, deve-se começar com uma dica mais intrusiva (ajuda física, pegar na mão da paciente e descolar e entregar ou apontar a foto com ela), e se deve passar, gradualmente, para dicas mais leves (ajuda gestual, só direcionar a mão da paciente para a foto ou apenas apontar para a foto que a paciente deve pegar). Na fase I, o comportamento ensinado “trocar a figura” foi composto por um encadeamento de três respostas: 1- pegar a figura, 2- estender o braço em direção ao terapeuta; e 3 - colocar a figura na mão do terapeuta. Cada resposta foi ensinada separadamente, de acordo com a habilidade da paciente. O estímulo reforçador desta fase foi o celular, visto que, dentre as possibilidades, foi o que apresentou maior valor reforçador para a paciente. Na fase II, o objetivo foi trabalhar a espontaneidade para a adolescente interagir com o terapeuta na troca. Três etapas foram necessárias para o ensino da fase, como será possível verificar a seguir. Aumenta-se, aos poucos, a distância entre o terapeuta e a adolescente, e, posteriormente, aumenta-se a distância entre a adolescente e o fichário. A fase termina quando a paciente realiza 80% das tentativas de maneira independente. Na fase III, o objetivo era escolher a figura de um item, tendo disponibilizado, ao mesmo tempo, dois ou mais estímulos (discriminação). Os estímulos disponíveis para a escolha iam sendo modificados: primeiramente, estavam disponíveis um estímulo reforçador e um estímulo neutro, depois, dois estímulos reforçadores, e, por último, a resposta de escolha deveria ocorrer 46 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância entre vários estímulos neutros e reforçadores. As figurasdispostas tiveram, portanto, a quantidade aumentada e o tamanho diminuído ao longo da fase. Para incentivar a autonomia nas atividades de vida diária, foi utilizada uma imagem, mostrando uma sequência de figuras de um passo a passo de como escovar os dentes, por ser essa a atividade que a família considerava prioridade. O procedimento foi explicado e realizado na sala de terapia e, posteriormente, essa figura foi entregue aos familiares, com a orientação de que fosse posicionada no banheiro, em um local de fácil visualização, para que o treino também fosse realizado em casa. Ao fim de cada sessão, a família era orientada quanto ao que foi trabalhado e a como dar continuidade ao aprendizado desenvolvido no ambiente familiar, além de passar informações precisas do desenvolvimento da adolescente e acolher possíveis dúvidas. No decorrer do processo terapêutico, pôde-se perceber um aumento do número de trocas de figuras de maneira independente, ampliação do número de vocalizações com intenção comunicativa ou fala funcional, maior tempo de contato visual e sorriso social, redução de comportamentos inadequados, com uma melhora significativa na pontuação do questionário ATEC, pois, após 14 sessões de intervenção, a mãe respondeu, novamente, ao questionário, e os resultados foram os seguintes: I=19, II=13, III=15 e IV=20, total= 67, indicando redução do nível de gravidade para 50 a 59%. 47 Transtorno do Espectro Autista (TEA) Transtorno do Espectro Autista (TEA) na Adolescência e na Vida Adultana Adolescência e na Vida Adulta Capítulo 1 DISCUSSÃO O principal objetivo, no início da terapia, com um paciente com autismo, é estabelecer o setting terapêutico, entrar em contato com a singularidade, estabelecendo vínculo e relação terapêutica, e, aos poucos, trabalhar com as barreiras impostas pelo espectro. É indispensável considerar as iniciativas primitivas de interação e comunicação e vagos indícios de novidade em um mundo estereotipado e rígido. Durante as primeiras sessões, a paciente apresentou comportamento agitado e com muitos movimentos estereotipados, frequentemente chorava durante o atendimento, apresentando pouca intenção comunicativa. Diante disso, buscou-se identificar os fatores que estavam interferindo, por meio de mudanças no ambiente, como desligar o ventilador, reduzir a intensidade da voz do terapeuta, tornar o ambiente mais atrativo e colorido e não restringir a paciente a ficar sentada, incentivando-a a explorar a sala de terapia. Estudo recente, realizado pela American Speech Language Hearing Association, com o objetivo de determinar a intervenção utilizada por fonoaudiológos em crianças com TEA, assim como técnicas de intervenção usadas com diferentes faixas etárias e treinamento recebido antes de usar as técnicas de intervenção, demonstrando que o Sistema de Trocas de Figuras, o Treinamento de Habilidades Sociais, a Comunicação Aumentativa e Alternativa, e as Histórias Sociais são as técnicas mais utilizadas. Relatada, também, a importância do uso de práticas baseadas em evidências estabelecidas ou emergentes. O PECS é composto por seis fases, mas este trabalho descreve a aplicação das três primeiras fases: 1) troca física, 2) aumento da espontaneidade e 3) discriminação de figuras. O PECS tem, como objetivo, facilitar a aquisição de habilidades funcionais de comunicação, baseando-se nos princípios do comportamento verbal de Skinner, a partir do qual operantes verbais (unidades funcionais da linguagem) são ensinados sistematicamente, utilizam-se estratégias para ensinar a paciente a “requisitar” e a “comentar”. Os principais operantes ensinados são: tato (nomear), mando (pedir), intraverbal (responder perguntas), ou seja, o indivíduo não precisa ter linguagem oral para utilizar os princípios de ensino do comportamento verbal. Pode-se dizer que o mando é o operante verbal que beneficia diretamente o falante, porque a pessoa faz o pedido e é reforçada pela obtenção de algo em troca, por isso, é um operante naturalmente reforçador, sendo, então, a primeira forma de linguagem a ser adquirida. 48 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância O indivíduo está apto a passar da fase I para a fase II quando é capaz de pegar o cartão sozinho, sem pistas, e entregar na mão do interlocutor. Para passar para a fase III, ele deve ser capaz de encontrar a figura e o parceiro de comunicação, espontaneamente, em qualquer situação comunicativa. A fase III é finalizada quando o indivíduo é capaz de escolher o cartão referente ao item que corresponde aos desejos no momento, discriminando entre outros cartões, a fim de entregar ao parceiro de comunicação. Entretanto, é importante destacar que, para a efetividade e a garantia da implementação eficiente do sistema de PECS, é primordial o planejamento correto das ações pelo fonoaudiólogo, assim como a seleção adequada dos vocábulos preferenciais de cada indivíduo, visto que esses vocábulos serão os responsáveis por incentivar o comportamento comunicativo interpessoal. Após 10 sessões de ensino da PECS, aliada aos princípios da análise comportamental ABA, a paciente adquiriu os critérios de aprendizagem propostos nas fases I, II e III, estando na metade do ensino, demonstrando bom progresso, principalmente, na aquisição do operante mando. A literatura relata que um dos motivos para o sucesso do ensino do operante verbal “mando” no PECS é que os passos do protocolo criam situações que propiciam relações funcionais entre a resposta do paciente e o ambiente, por meio de contextos motivadores (operações estabelecedoras), o que incentiva os pacientes a aprenderem e a requisitarem. Outro resultado importante diz respeito aos ganhos com atenção compartilhada, contato visual, iniciações sociais e solicitações, além da redução dos problemas de comportamento. O PECS, além de promover a aquisição dos operantes verbais, também tem possibilitado a emergência de outros comportamentos que não seriam alvos do ensino, como sorriso social e contato visual, ainda que não diretamente ligados à comunicação funcional. Durante todo o processo da terapia, a música foi utilizada como estratégia, devido ao grande interesse da paciente. Notou-se que, ao utilizar a música durante a sessão, a paciente conseguia se comunicar pelo meio verbal, completando determinados trechos com uma palavra, além de estabelecer contato visual com a terapeuta por, aproximadamente, 12 segundos. Esses resultados condizem com a literatura, que afirma que, por meio da música, é possível ultrapassar determinadas barreiras presentes no TEA, para alcançar e desenvolver a atenção compartilhada, favorecendo, desse modo, um desenvolvimento mais efetivo de processos de comunicação e de interação social. A participação da família foi considerada, durante todo o processo terapêutico, sendo de grande contribuição para o sucesso, assegurando a generalização e a 49 Transtorno do Espectro Autista (TEA) Transtorno do Espectro Autista (TEA) na Adolescência e na Vida Adultana Adolescência e na Vida Adulta Capítulo 1 manutenção de todas as habilidades aprendidas pela adolescente no ambiente familiar. Diversos autores têm salientado a importância da assistência voltada para a criança e para as famílias, possibilitando, aos pais, uma participação ativa no processo terapêutico, já que engajamento da família ao tratamento garante que os objetivos terapêuticos sejam ampliados no contexto domiciliar, proporcionando sincronicidade e contingências comunicativa e social, entre a criança e interlocutores. Todos os ganhos descritos puderam ser constatados no resultado da escala ATEC respondido pela mãe. O ATEC é um instrumento válido, eficaz e de rápido preenchimento, uma vez que encontrou uma correlação significativa entre os escores total e os escores por domínios da escala ATEC, além da Childhood Autism Rating Scale (CARS), medida estabelecida poravaliação de um profissional. Além disso, a integração dos testes ATEC, na prática de cuidados de saúde, traz informações importantes quanto aos sintomas físicos e à saúde geral dos pacientes, informações essas negligenciadas na maioria das avaliações. CONSIDERAÇÕES FINAIS Pode-se concluir que, até o presente momento, o PECS, associado aos princípios da ABA, além da utilização da música, foram eficazes no ensino da comunicação funcional para essa adolescente, visto o aumento do número de trocas de figuras de maneira independente, a ampliação do número de vocalizações com intenção comunicativa, um maior tempo de contato visual e sorriso social e, até mesmo, a diminuição de comportamentos inadequados. Destaca-se a importância de utilizar escalas e testes padronizados que possam avaliar o progresso terapêutico e estimular a participação efetiva da família diante dos resultados obtidos. Cabe, ao fonoaudiólogo, realizar as orientações, mantendo-os cientes do processo terapêutico e incentivando que o trabalho seja contínuo em todos os ambientes frequentados pela adolescente. Além disso, é fundamental o estabelecimento do setting terapêutico, construindo o vínculo com o terapeuta e possibilitando que o paciente possa se ouvir por meio de um tratamento acolhedor e efetivo. OLIVEIRA, T. R. de S. et al. Intervenção fonoaudiológica em uma adolescente com transtorno do espectro autista: relato de caso. Rev. CEFAC, v. 20, n. 6, p. 808-814, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1516- 18462018000600808&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 6 fev. 2021. 50 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Neste primeiro capítulo, compreendemos o conceito do Transtorno do Espectro Autista (TEA), tendo, como base, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), contemplando-se os aspectos clínicos, estatísticos e epidemiológicos dos transtornos mentais. Por meio de reflexões acerca do DSM-5, apreendemos que o TEA abarca limitações específicas na aprendizagem ou no controle de funções executivas a prejuízos em habilidades sociais. Aprendemos algumas abordagens de intervenção: ABA (Applied Behavior Analysis/Análise do Comportamento Aplicada), Picture Exchange Communication System (PECS) e o Treatment and Education of Autistic and Comunication Handicapped Children (TEACCH). No entanto, vale destacar que a intervenção no TEA é um assunto complexo, pois envolve vários fatores. Assim, não há respostas absolutamente prontas para todo e qualquer caso, pois cada caso é único e deve ter particularidades respeitadas e analisadas. A partir das abordagens apresentadas neste capítulo, destacamos a importância destas, pois as intervenções realizadas em sujeitos com TEA podem determinar o prognóstico, incluindo rapidez na aquisição da linguagem, facilidade nos diferentes processos adaptativos e no desenvolvimento da interação social, aumentando a chance de inserção em diferentes âmbitos sociais. Frente às reflexões realizadas, no próximo capítulo, estabeleceremos discussões acerca da sexualidade e da diferença entre autonomia e independência no desenvolvimento da pessoa com TEA. REFERÊNCIAS ANDRADE, L. B. Psicopedagogia e distúrbios de aprendizagem: uma visão diagnóstica. Encontro: Revista de Psicologia, v. 13, n. 1, p. 1, 2017. APA. American Psychiatry Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - DSM-5. 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DIAS, S. N. Autismo: estratégias de intervenção no desafio da inclusão no âmbito escolar, na perspectiva da análise do comportamento. São Paulo: Portal dos Psicólogos, 2017. FERNANDES, F. D. M.; AMATO, C. A. L. H. Análise do comportamento aplicada e distúrbios de espectro do autismo: revisão de literatura. 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/codas/v25n3/16.pdf. Acesso em: 21 dez. 2020. FIGUEREDO, S. C. Um estudo sobre programas de intervenção precoce e o engajamento dos pais como coterapeutas de crianças autistas. Rio de Janeiro: PUC-RJ, 2014. FIORINI, S. B. O aluno com Transtorno do Espectro do Autismo na educação infantil: caracterização da rotina escolar. São Paulo: UNESP, 2017. FONSECA, M. E. G.; CIOLA, J. C. B. Vejo e aprendo: fundamentos do programa TEACCH: O ensino estruturado para pessoas com autismo. Ribeirão Preto: Book Toy, 2016. GOLDSTEIN, H. Communication intervention for children with autism: a review of treatment efficacy. 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CAPÍTULO 2 Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Autonomia e Independência A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: • Compreender a sexualidade na pessoa com TEA e a diferença entre autonomia e independência. • Analisar o desenvolvimento da sexualidade na pessoa com TEA. • Conhecer a diferença entre autonomia e independência no desenvolvimento da pessoa com TEA. 54 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância 55 Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Autonomia e IndependênciaAutonomia e Independência Capítulo 2 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Em continuidade aos nossos estudos, neste capítulo, compreenderemos a sexualidade na pessoa comTEA. Para tecermos reflexões acerca dessa temática, podemos destacar que a sexualidade, na sua dimensão ampla e complexa, desenvolve-se ao longo das nossas vidas por meio das interações com elementos sociais, culturais, históricos e biológicos (VIEIRA, 2016). No entanto, vale ressaltar que, para a pessoa com TEA, a sexualidade é permeada por mitos e preconceitos, o que gera a ausência de conhecimento a respeito do tema e das vivências afetivas. Evidenciamos, ainda, que, na adolescência, emergem esses conflitos. Nessa fase, há uma reconfiguração de identidade, a qual tem o TEA como fator constituinte, o que envolve, além das mudanças fisiológicas e do despertar da sexualidade, as relações familiares e sociais. Assim, emerge o papel da família no processo de desenvolvimento da pessoa com TEA, pois, no âmbito familiar, são constituídos valores e crenças, vivenciadas interações cotidianas e relações que permitem o desenvolvimento de competências sociais, como a autonomia e a independência. Desejamos, a você, um excelente estudo! 2 SEXUALIDADE E TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA: ALGUMAS REFLEXÕES FIGURA 1 – SEXUALIDADE FONTE: <https://www.esporteeinclusao.com.br/tea/sexualidade-do- autista-como-ela-acontece/>. Acesso em: 21 jan. 2021. 56 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância Ao iniciarmos reflexões acerca da sexualidade, podemos destacar que é considerada um dos aspectos fundamentais para a constituição da identidade dos indivíduos (TILIO, 2017). A sexualidade compreende a maneira pela qual os indivíduos vivenciam os corpos, prazeres e desejos a partir de orientações sociais (MOTTIER, 2011; TILIO, 2017). No entanto, vale destacar que, apesar da sexualidade ser vivenciada desde a infância, na adolescência, é exaltada nos indivíduos (CALLIGARIS, 2009; TILIO, 2017), pois, nessa fase, ocorrem as transformações físicas e psicológicas. Sexualidade é mais do que sexo. É a maneira como os jovens com TEA e sem o transtorno se sentem em relação ao corpo em desenvolvimento, às mudanças hormonais, às características da sexualidade, aos lutos de passagem da infância para adolescência, aos afetos e ao estabelecimento de vínculos amorosos. Podemos inferir que a sexualidade se constitui na descoberta do corpo com a interação com o outro. Portanto, a interação se torna preponderante nesse processo, por balizar o acesso e a vivência da sexualidade (TILIO, 2017). Nessa perspectiva, destacamos que a dificuldade do estabelecimento ou desenvolvimento das interações sociais da pessoa com TEA influencia no desenvolvimento e na vivência da sexualidade (FELIPE, 2009; TILIO, 2017). As dificuldades nas interações sociais podem afetar o desenvolvimento da sexualidade da pessoa com TEA, podendo, esta, muitas vezes, ser negada ou infantilizada por parte dos familiares/cuidadores, embora, em muitos casos, a família, os cuidadores e a sociedade esperem que a sexualidade de pessoas com TEA não se manifeste (BOSA; ZANON, 2016; TILIO, 2017), considerando-a, por vezes, inadequada. As pessoas com transtorno de espectro autista são, frequentemente, infantilizadas, além de não receberem educação sexual, o que gera falta de conhecimento a respeito do assunto. A sexualidade é uma parte normal do ser humano. O jovem com TEA, muitas vezes, tem dificuldades de entender questões da intimidade e da independência sexual, atração e afeição pelos outros, relacionamentos respeitosos, diferença entre público e privado, como abordar alguém, métodos contraceptivos e prevenção contra Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs). Cabe destacar que a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), aprovada em 2015, descreve os direitos das pessoas com deficiência em múltiplos contextos, incluindo aspectos importantes relacionados à sexualidade. O Art. 6º, especificamente, ressalta que: 57 Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Autonomia e IndependênciaAutonomia e Independência Capítulo 2 A deficiência nem afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive, para se casar e constituir união estável; exercer direitos sexuais e reprodutivos; exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas de reprodução e planejamento familiar; conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; exercer o direito à família e às convivências familiar e comunitária; e exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas (BRASIL, 2015). Mediante o anunciado na LBI (2015), a curatela, ou a atribuição, a algum adulto, da proteção e da administração de bens e direitos civis da pessoa com deficiência, passou a ser, a partir da LBI, uma medida excepcional. O adulto que receber a função de cuidador afeta somente atos relacionados aos direitos de naturezas patrimonial e negocial, não alcançando o direito ao corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto (BRASIL, 2015). No entanto, para que as pessoas com deficiência tenham oportunidade de acesso aos direitos da sexualidade, é importante: investir na educação sexual destas pessoas, na família e nas instituições. É preciso, também, orientar, e oportunizar, a essas pessoas, exteriorizarem desejos, afetos, dúvidas, medos etc., para que aprendam a manifestar adequadamente esses sentimentos e, se possível, efetivar relações sexuais saudáveis e com responsabilidade, prevenindo-se de doenças, abusos sexuais e violência. O anunciado faz compreender que as pessoas com TEA se desenvolvem sexualmente, como qualquer indivíduo. Para tanto, torna-se importante que a pessoa com TEA compreenda, desde cedo, os seus sentimentos, aprendendo a se comportar de maneira adequada em relação à sexualidade, principalmente, em público. Os adolescentes com TEA se desenvolvem sexualmente da mesma forma que os outros adolescentes, mas precisam de orientação sexual para lidar com as habilidades sociais e a maturidade, estas que acompanham a sexualidade. Sem a devida orientação, os adolescentes com TEA podem apresentar, em graus diferentes, alguns comportamentos indesejáveis, como agressividade, isolamento, tristeza, sofrimento, automutilação, adoecimento, afastamento afetivo e angústia (CONCEIÇÃO; SILVA; PEREIRA, 2019). Muitos adolescentes com TEA podem apresentar dificuldade para entender os sentimentos de intimidade, atração e afeto, em si mesmos e nos outros, além de ocorrerem problemas para expressar os sentimentos. Por conta disso, alguns podem ter atitudes inapropriadas. 58 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância Veja, a seguir, alguns pontos importantes a respeito da sexualidade em pessoas com TEA. • Relacionamento amoroso: as pessoas com TEA, na maioria das vezes, desejam ter um relacionamento romântico e manter intimidade com outras pessoas. Não há nada que impeça, quem está no espectro, de se apaixonar ou manter um compromisso, mas, obviamente, as pessoas com TEA podem encontrar dificuldades de se relacionar e, até mesmo, enfrentar preconceitos. Assim, destacamos algumas características do TEA que podem atrapalhar os relacionamentos: • dificuldade de se relacionar; • dificuldade de identificar sentimentos; • dificuldade para se comunicar; • dificuldade de reconhecer a linguagem corporal. Além disso, algumas pessoas com TEA sentem dificuldade de desenvolver uma conexão emocional profunda e duradoura com um parceiro. • Relações sexuais: é importante ensinar a pessoa com TEA o contexto de um relacionamento sexual. É necessário explicar com uma linguagem adequada e buscar ajuda profissional se não souber como conduzir a conversa. Ainda, é preciso falar das doenças sexualmente transmissíveis, do risco de gravidez e do abuso sexual. • Masturbação: o ato de se masturbar é algo natural para um jovem na puberdade, porém, a família e oscuidadores devem reforçar que é algo muito íntimo, pessoal e não deve ser praticado em lugares públicos. A masturbação é biológica, não se deve reprimir, mas deve ser orientada e ensinada em quais locais e quando fazer. Enfatizamos que não se deve fazer com que o adolescente se sinta culpado por praticar esse comportamento, mas deve ser falado e orientado que deve ser um ato privado. Pode ser útil comparar a masturbação com outras atividades que ele realiza sozinho, em particular, como tomar banho ou ir ao banheiro. Além disso, precisa ficar claro o que é o lugar público e o privado. Explique, claramente, que um lugar privado é onde outras pessoas não podem ver o que está sendo feito. Se for necessário, prepare uma lista de lugares privados, como o próprio quarto, o banheiro da casa e mostre imagens dos locais para facilitar o entendimento. 59 Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Autonomia e IndependênciaAutonomia e Independência Capítulo 2 • Mudanças no corpo: na puberdade, ocorrem grandes mudanças, surgindo dúvidas de como cuidar do corpo. As pessoas com TEA, geralmente, não gostam de mudanças. Alguns pré- adolescentes e adolescentes têm dificuldade com a ideia de que os corpos estão mudando. Por esse motivo, é importante informar, ao adolescente, com antecedência, a respeito das mudanças que ocorrerão quando ele atingir a puberdade. As meninas podem ter dificuldade para entender como funciona a menstruação, por exemplo, já os meninos podem ficar confusos em relação à ereção. Algumas dicas importantes na hora de conversar com o seu filho ou a sua filha com TEA acerca da sexualidade: • É importante esclarecer que o sexo e a sexualidade são partes saudáveis da vida. • As crianças e os jovens com TEA devem se sentir à vontade para procurar os pais e ter informações a respeito da sexualidade e dos sentimentos. • Explique sempre em um nível que as crianças e os jovens possam entender. • Use nomes corretos para as partes do corpo. • Explique a respeito da segurança e dos limites do corpo: isso inclui saber a diferença entre “toque bom” e “toque ruim”. Essa é uma forma de ensinar onde e quando seu corpo pode ser tocado, e sempre com a sua autorização. É uma forma de proteger e respeitar os corpos. • Mostre-se disponível para conversar e esclarecer as dúvidas. • Busque ajuda especializada, caso sentir receio ou não souber como orientar o jovem com TEA. FONTE: https://neuroconecta.com.br/sexualidade-no-tea-o-que-e- importante-saber-para-quebrar-preconceitos-e-tabus/#:~:text=O%20 primeiro%20passo%20%C3%A9%20saber,si%20mesmos%20 e%20nos%20outros. Acesso em: 6 fev. 2021. 60 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância Para conhecermos como os jogos podem auxiliar a pessoa com TEA a compreender a sexualidade, traremos um trecho da pesquisa de Conceição, Silva e Pereira (2019), intitulada A Construção de um Jogo Lúdico para Educação Sexual de Adolescentes com o Transtorno do Espectro Autista. Jogos lúdicos e TEA O jogo auxilia, de uma maneira lúdica, a aprendizagem de assuntos a serem desenvolvidos, através de uma forma divertida, buscando atrair a atenção dos jogadores. Entende-se que o lúdico é um contato educacional, para que o sujeito enfrente os obstáculos durante o processo do ensino-aprendizagem. A atividade lúdica contempla uma aprendizagem mais efetiva, pois chama a atenção de um determinado assunto, possibilitando uma discussão ampla entre todos os envolvidos. O jogo é integrador e auxilia nos aspectos motores, cognitivos, afetivos e sociais para o indivíduo, já o lúdico são atividades intelectuais, como memória e linguagem, sendo usufruídos por qualquer idade, pois funcionam como participativo e possibilitam o desenvolvimento. O jogo formulado pelas autoras desse artigo, denominado Aventura do Adolescente com TEA: Descobrindo a Sexualidade, teve, como público-alvo, adolescentes no nível 1 - grau leve do TEA, na faixa etária de 12 a 18 anos. O jogo teve, como objetivo, ensinar a sexualidade na adolescência. Para alcançar o objetivo, optou-se por construir um jogo de tabuleiro para auxiliar no desenvolvimento das relações interpessoais e no ensino da sexualidade, utilizando os seguintes assuntos: • descobrindo o corpo, a higiene íntima, a diferença entre homem e mulher; • o ciclo menstrual; Além dos pontos destacados que auxiliam a pessoa com TEA a compreender a sexualidade, Conceição, Silva e Pereira (2019) ressaltam que a utilização de jogos pode contribuir para explicar as regras sociais de uma maneira simples, estabelecendo um ponto de vista positivo a respeito da sexualidade. 61 Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Autonomia e IndependênciaAutonomia e Independência Capítulo 2 • o contraceptivo; • o namoro e o abuso sexual. Baseado nos dados descritos, foi necessário criar etapas e métodos para explicar os temas citados, de uma maneira lúdica e interativa para os adolescentes. As autoras destacam que a maior dificuldade encontrada para elaborar o jogo foi selecionar o meio de comunicação com os adolescentes com TEA mais eficaz. Após análise da literatura e temática do jogo, escolheu-se o PECS, para que o jogo tivesse uma forma fácil de comunicação e compreensão. FIGURA 2 – EXEMPLO PECS PARA CONFECCIONAR JOGO FONTE: <https://www.revistaautismo.com.br/artigos/pecs/>. Acesso em: 21 jan. 2021. 62 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância As autoras sugerem que sejam confeccionados materiais voltados à educação sexual de adolescentes com TEA, que possam ser utilizados pelos profissionais e pelos pais. Também sugerem a necessidade de materiais informativos para a família, a respeito da transição da fase infantil à fase adulta, desmistificando a respeito da sexualidade em adolescentes com TEA. FONTE: CONCEIÇÃO, C.; SILVA, J. V. A.; PEREIRA, M. C. S. S. A construção de um jogo lúdico para educação sexual de adolescentes com o Transtorno do Espectro Autista. Adolesc. Saúde, Rio de Janeiro, v. 16, n. 3, p. 111-120, 2019. Disponível em: https://cdn. publisher.gn1.link/adolescenciaesaude.com/pdf/v16n3a13.pdf. Acesso em: 6 fev. 2021. Frente a esse entendimento, vamos aprofundar nossos conhecimentos? Para complementar as reflexões a respeito da sexualidade e do TEA, assista ao vídeo Autismo e Sexualidade na Adolescência, Como Tratar?: https://www.youtube.com/watch?v=-FPefrQDPfM. Esse vídeo traz uma reflexão acerca da adolescência e da sexualidade das pessoas com TEA, temas muito polêmicos e pouco falados, mas é preciso lançar um olhar de amor e de muito respeito para tratar dessa fase e a tornar menos sofrida. 1 - Neste espaço, com base no que estudamos, explique, com as suas palavras, a importância de orientações a respeito da sexualidade para a pessoa com TEA. 63 Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Autonomia e IndependênciaAutonomia e Independência Capítulo 2 Após tecermos reflexões a respeito da sexualidade e do TEA, aprofundaremos nosso conhecimento realizando a leitura da pesquisa de Tilio (2017), a qual apresenta, como título: Transtornos do Espectro Autista e Sexualidade: Um Relato de Caso na Perspectiva do Cuidador. Para iniciarmos as reflexões, destacamos que a pesquisa de Tilio (2017) teve, como objetivo, investigar como uma cuidadora significa a sua vivência da sexualidade de um indivíduo com TEA. Os dados foram obtidos por meio de uma entrevista semiestruturada, gravada e transcrita na íntegra, com a irmã cuidadora de um adulto de 35 anos, diagnosticado, há menos de uma década, com TEA. Relato do caso L. (o nome real do acometido foi substituto por essa inicial) tem 35 anos de idade e é o filho mais velho dentre quatro irmãos (três homens e uma mulher),e, segundo a cuidadora (que é sua irmã e possui 30 anos), nasceu sem apresentar qualquer comprometimento aparente. Sua família de origem (pai e mãe) possui formação educacional de nível superior e condição financeira médio-alta. São profissionais liberais autônomos com renda e casa próprias, que lhes fornecem relativo conforto. Todos os irmãos de L. também são profissionais liberais autônomos financeiramente e independentes que, exceto a irmã cuidadora, não residem com os pais. A irmã-cuidadora de L. justifica que, devido às condições particulares de L., seria impraticável ela não residir na mesma casa que ele. Segundo a cuidadora, aos três anos de idade, L. começou a frequentar a escola regular, momento no qual as professores relataram que ele começou a dar sinais de atrasos cognitivos (não acompanhamento das atividades pedagógicas) e dificuldades de socialização (desinteresse pelas atividades lúdicas e recreativas, isolamento social, mutismo ocasional). Por isso, quando ele tinha quatro anos de idade, a direção da escola recomendou que ele frequentasse uma instituição municipal de caráter filantrópico, 64 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância especializada na educação de crianças com problemas de desenvolvimento e aprendizagem. L. frequenta a instituição até hoje, ou seja, há, praticamente, 30 anos. Por isso, apesar de alfabetizado, L. não possui comprovação de educação formal de qualquer nível e, tampouco, renda, trabalho ou moradia própria, sendo dependente dos pais e da cuidadora. A cuidadora relata que até, aproximadamente, sete anos atrás (quando L. tinha 28 anos de idade), apesar de, evidentemente, ele possuir algum tipo de transtorno mental e ter realizado, ao longo da vida, inúmeras consultas e exames com diversos profissionais (médicos, psiquiatras, psicólogos, fisioterapeutas e fonoaudiólogos), ninguém havia estabelecido diagnóstico preciso para a condição. Assim, tardiamente, e por iniciativa do psicólogo (recém-contratado) da instituição, L. passou por novos exames e investigações e foi diagnosticado com TEA. Após o diagnóstico, a cuidadora destacou significativa mudança (no que se refere às interações sociais), motivada pelo tratamento direcionado às demandas e às necessidades. Atualmente, segundo a cuidadora, mesmo diante desses avanços L. não se sente totalmente confortável e confiante para frequentar outros espaços sociais que não aquela instituição, estando sempre acompanhado pela cuidadora nessas ocasiões. O diagnóstico A primeira categoria temática congregou relatos da cuidadora acerca do diagnóstico de autismo (TEA) fornecido ao irmão. Assim, partes do relato estão relacionadas às percepções e às compreensões dos familiares a respeito do diagnóstico estabelecido. Relatou a cuidadora que: [...] O homem [o pai] se choca muito com a questão da deficiência, é como se ele não tivesse conseguido algo, e o sonho do meu pai era ter um filho homem. Então, assim, o filho que ia torcer pelo mesmo time que ele, o filho que ia o acompanhar nos encontros com os amigos, o filho que ia fazer tudo. Então, veio uma frustração muito grande do meu pai. Assim, eu, desde muito nova, tive que entender e ser esse apoio da minha mãe. 65 Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Autonomia e IndependênciaAutonomia e Independência Capítulo 2 A cuidadora destacou as dificuldades, por parte do pai, de aceitar o diagnóstico do irmão e as limitações doravante impostas à vida social de toda a família. Relatou, também, que, diante dessa limitação e das dificuldades do pai de aceitar o diagnóstico do filho, ela (a filha mais velha) se viu na obrigação de auxiliar a mãe para cuidar do irmão, dizendo que foi o suporte do irmão desde a infância e mesmo antes do diagnóstico ter sido realizado. A participante relatou que o diagnóstico de TEA do irmão, apesar de tardio e de difícil aceitação pelos familiares, pelo menos, ajudou a organizar as intervenções e os auxílios destinados a ele: [...] Onde ele estava, não tinha mais avanço, e deve ter mais ou menos isso (há seis ou sete anos) que o diagnóstico foi feito. Não sei precisar bem, mas quando eu penso na evolução que ele teve, é tão grande diante de seis, sete anos, parece muito mais tempo. Isso interferiu no próprio jeito da gente: você começa a perceber que tem alguma coisa... Você passa a ter uma diretriz. Segunda a cuidadora, uma das principais dificuldades, anteriores ao diagnóstico do irmão (mesmo sendo evidente que ele possuía algum tipo de problema que influenciava a conduta e a dinâmica familiar), era a inexistência de um direcionamento do tratamento. Ela destacou o quanto o irmão evoluiu comportamental e socialmente após o diagnóstico, gerando avanços individuais (para o irmão) e coletivos (para os familiares), a partir de um acompanhamento particularizado. Outro eixo de relatos esteve relacionado à aceitação do diagnóstico por parte dos familiares, além das consequências positivas para a dinâmica familiar. A cuidadora contou que, quando L. nasceu, houve grande dificuldade, por parte dos familiares, de lidarem com a não efetivação da expectativa de um filho totalmente saudável, mesmo que desejado. As limitações que L. apresentava geraram significativas mudanças nos planos de toda família. Então, quando ele nasceu, todos os irmãos dela [mãe] eram solteiros, era todo mundo por conta dele, ele era a atração, e foi muito rápido ele manifestar, ele retroceder no desenvolvimento, da minha mãe não saber o que é que vinha, o que ele tinha, então, foi muito rápido. Por exemplo, eu não amo a deficiência dele, eu o amo. 66 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância Alguns dizem ‘ah, é um presente ter um filho deficiente’, mas, se perguntar a alguém, qualquer um mudaria. Se tem uma mãe gestante, você pergunta se quer menino ou menina, e ela responde que tanto faz, mas que venha com saúde. Outro eixo de relatos se referiu às mudanças na rotina da família a partir do diagnóstico e do acompanhamento específico na saúde e na educação. A participante relatou que era mais cômodo para todos os familiares quando o irmão acometido por TEA não desenvolvia capacidades ou demonstrava interesses, em outras palavras, era mais fácil manejar, além de controlar o irmão. A participante desvelou uma contradição entre desejo de melhora, avanços do tratamento e mudanças versus comodismo na manutenção da rotina quando o irmão não tinha autonomia e não fazia questionamentos. Isso indica que, no caso, a expectativa da melhora, muitas vezes, entra em conflito com as dificuldades de permitir e/ou considerar o desenvolvimento e/ou independência do acometido por TEA. Bosa e Zanon (2016) destacam ser muito comum (porém inconsciente) as famílias significarem os acometidos por TEA como não ativos e incapazes de exercer vontades, retratando-os como eternas crianças dependentes que demandam proteção. Uma das respostas da participante pareceu corroborar com esse argumento: A deficiência causa, na gente, um misto de sentimentos muito doido, muito difícil de explicar, ao mesmo tempo em que você quer a pessoa evoluída, você quer por perto. Você o viu aqui: é aquele marmanjão de homem, mas ele é o meu pequeno, eu não vejo como meu irmão mais velho, é meu irmão mais novo. A sexualidade A segunda categoria temática versou, especificamente, a respeito das representações da cuidadora acerca da sexualidade do irmão acometido por TEA. Muitas são as subtemáticas que compõem essa categoria. Uma delas é referente aos sentimentos da própria participante em relação às expressões e às vivências da sexualidade do irmão, visto que ela relatou que os familiares ainda encontram dificuldades para lidar com a questão. A cuidadora expôs a perturbação e o incômodo de toda família ao ver L. no papel ativo, exercendo a sexualidade, principalmente,por o considerar uma eterna criança. Essa infantilização da sexualidade 67 Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Autonomia e IndependênciaAutonomia e Independência Capítulo 2 nos TEA é uma estratégia recorrente dos familiares/cuidadores para lidarem com sentimentos e sensações incômodas e angustiantes, minorando a sexualidade do acometido. Além da negação/depreciação da sexualidade, outra estratégia referida pela cuidadora foi a condenação, além da reprovação moral da sexualidade do irmão. Para a cuidadora, isso pode ser evidenciado quando a mãe recrimina L. pelas práticas masturbatórias (denominando-as, pejorativamente, de porcariadas): “Eu percebi que minha mãe condenou muito no início, porque ele [L.] usava termos [verbalizações das fantasias sexuais] que minha mãe não concordava e falava: ‘você tá fazendo porcariada’, ‘você tá fazendo coisa feia de novo’, ‘você não pode’”. A recriminação da sexualidade adquire sentido a partir da scientia sexualis, que considera a masturbação não como ato erótico normal, mas como desvio de conduta da sexualidade normal (heterossexual e adulto). Outro conjunto de falas da cuidadora se referiu às preocupações parentais relacionadas aos comportamentos sexuais do irmão. Para a cuidadora, essas preocupações envolvem, porém, não se limitam às apontadas por Bosa e Zanon (2016) (relacionadas ao medo de possíveis violências sexuais sofridas ou ocasionadas pelos portadores de transtornos mentais), incluindo o receio de que o irmão se machuque durante a masturbação, e considerando a intensidade e a forma como pratica esses atos. Infelizmente, a cuidadora, mesmo quando inquirida, especificamente, sobre esse quesito, não forneceu detalhes, dizendo sentir vergonha. Outra preocupação da cuidadora é a forma como terceiros interpretam as manifestações sexuais do irmão, e que, porventura, venham a agredir. Por exemplo, em uma situação na qual L. olhou fixamente para o decote e partes íntimas de uma mulher em um shopping center: Ele não tem o senso de olhar discreto, porque a gente olha, mas a gente é discreto, ele não. Então, minha mãe tem muito medo, e eu também, de que isso aconteça com alguém que não entenda e ele possa ser até agredido. No que tange à execução da própria higiene pessoal (incluindo a limpeza da genitália), a cuidadora apontou que o irmão sempre foi 68 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância estimulado pelo pai, para que o fizesse de maneira independente. Ela enfatizou que essa é uma preocupação que partiu do próprio pai desde a infância de L., visando à independência do filho. Assim, ela (cuidadora) auxiliava o irmão em outros âmbitos (alimentação, vestimentas, aprendizagem, acompanhamento nas consultas médicas etc.). Ao relatar a privacidade sexual que a cuidadora acredita que o irmão possua (por ela compreendida como a privatização da vivência/expressão da sexualidade), ela supõe que foi aprendida a partir das reiteradas correções e observações efetivadas pelos familiares em situações cotidianas, visto que o irmão nunca recebeu aprendizagem formal de educação sexual nas escolas que frequentou. Isso foi ilustrado pela cuidadora quando relatou um episódio acerca da capacidade de aprendizagem do irmão. Em uma ocasião, a irmã mais nova explicou a L. a necessidade de ele fechar a porta do próprio quarto e/ou bater na porta do quarto dos outros irmãos antes de entrar, para preservar a intimidade e a privacidade mútuas. A participante considerou que isso foi compreendido pelo irmão e aplicado às questões referentes à sexualidade, pois: Um dia, entrei no quarto dele pouco depois que ele tinha se masturbado, aí ele viu que o lençol estava sujo e tampou com o edredom, rápido. Aí eu percebi que ele está começando a perceber que isso é particular, que é individual. A principal manifestação aparente da sexualidade do irmão, segundo a cuidadora, é a masturbação. Tal consideração vai ao encontro da literatura científica do assunto, que compreende ser decorrente das limitações de interação social dos acometidos por TEA, logo, as manifestações sexuais serão prioritariamente autoeróticas. Assim, foram e são enormes os esforços dos familiares para disciplinar as práticas masturbatórias de L. A cuidadora relatou que percebeu que a excitação sexual do irmão se inicia a partir da visualização de mulheres (na rua, em fotos ou na televisão). Ela diz que se trata de uma excitação total e exclusivamente ligada às mulheres e apenas pela visualização. Acerca desses aspectos, Gesser e Nuernberg (2014) tecem interessantes comentários: quando a sexualidade das pessoas com deficiências não é negada, geralmente, ela é referida como heterossexual pelos familiares como tentativa de diminuir as estigmatizações já existentes devido às condições limitantes, pois 69 Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Autonomia e IndependênciaAutonomia e Independência Capítulo 2 seria duplamente estigmatizante, caso o acometido também fosse homossexual. A cuidadora supõe que a sexualidade de L. seja heterossexual e exclusivamente motivada pela excitação visual, porque ele nunca fica sozinho em casa (sempre está acompanhado por um familiar ou por ela) ou na escola (sempre está acompanhado por um educador). Assim, ela acredita que as práticas sexuais do irmão nunca, efetivamente, envolvem terceiros, e estão limitadas à imaginação e à masturbação. A cuidadora relatou que L. sempre verbaliza as cenas de excitação (que visualiza nas revistas ou que imagina) quando se masturba e/ou simula o ato sexual, esfregando-se na cama. Na maioria das vezes, esses relatos são escutados por todos os familiares: Porque a excitação dele se dá falando, e ele vai repetindo alguma cena, ele vai imaginando, vai reproduzindo isso na fala. Isso, para a gente, é incômodo, e quando começou [anos atrás], era mais [frequente]. A gente conversou que isso se faz no banheiro, com a porta fechada, pois ele não tinha o cuidado de fechar a porta, então, faz-se no quarto, com a porta fechada, mas ele não tem aquela masturbação normal... O que ele faz: ele se esfrega na cama e fala muito alto. Há uma evidente tentativa, por parte da cuidadora e dos familiares, de domesticarem a sexualidade de L. como se isso fosse suficiente para cumprir com as expectativas e as necessidades do próprio irmão e dos familiares. Tal estratégia familiar reitera o relatado por Bourgondiera et al. (1997) e Gesser e Nuernberg (2014), sendo a tentativa de controlar a ansiedade e o desconhecimento acerca de como lidar com a sexualidade das pessoas com TEA, quando ela necessitaria ser reconhecida como distinta. Ainda tratando da sexualidade manifestada pelo irmão, a cuidadora destacou que L. não exerce, ativamente, nenhum comportamento sexual fora do quarto, exceto os olhares incisivos que lança para as mulheres no espaço público. Ela percebe que a aprendizagem e a compreensão por parte do irmão ocorreram, principalmente, devido às condenações da mãe: 70 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância Não sei se, a partir do momento em que minha mãe parou de criticar tanto, ou se, justamente, porque ela criticou tanto, eu não percebo, na mente dele, quando isso aconteceu, mas ele já começou a perceber que isso [sexualidade e suas manifestações] é muito individual. Para finalizar essa categoria, a cuidadora destacou que o tema sexualidade é um tabu para toda a família (e não apenas para o irmão acometido por TEA), e sempre foi tratado com rigidez. Conforme apontam Santos e Ghazzi (2012), isso pode significar que alguns elementos (no caso, a repressão à sexualidade distribuída pelos familiares) podem servir de esteio para práticas socializatórias naquela família (isto é, para todos os membros), e não apenas paraL. As ações educativas na sexualidade Essa categoria apresenta informações prestadas pela cuidadora relacionadas à participação de L. e dela própria em programas e/ ou instituições de saúde e educação que contemplem o tema sexualidade. Quanto à participação em ações/programas de educação sexual, a cuidadora apontou que L. nunca participou de algo específico ou especialmente direcionado para esse propósito. Segundo ela, L. recebeu, ao longo da vida, apenas orientações difusas da sexualidade, por parte do psicólogo da instituição educacional que frequenta. Ela relatou que, apesar de ser a cuidadora prioritária do irmão, e ser, a sexualidade (e suas manifestações), tema que gera incompreensões, dificuldades e conflitos entre os familiares e L., também nunca participou de capacitações acerca do assunto. Sua justificativa, para isso, é a inexistência, na sua cidade, de programas com esse objetivo: Agora, dúvida eu tenho de como lidar com a sexualidade dele. Falta muita orientação, eu acho que falta, na escola, um projeto de apoio para os pais. Precisa se sentar, precisa conversar, precisa entender como é que cada um faz e vive a sua sexualidade. Precisa de um apoio psicológico. Toda a atenção psicológica à pessoa com deficiência intelectual é dirigida ao paciente e à família. 71 Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Autonomia e IndependênciaAutonomia e Independência Capítulo 2 A fala deixa entrever, conforme argumentam Misquiatti et al. (2015), a necessidade de programas que ofereçam suporte e informações especializadas (de diversos assuntos) para as famílias de pessoas com TEA. Isso possibilitaria melhores condições (incluindo as emocionais) para lidar com as dificuldades que o transtorno distribui ao indivíduo e à rede de familiares e cuidadores. Para Bastos e Deslandes (2012) e Misquiatti et al. (2015), a sexualidade dos acometidos por TEA é tema dificultoso para os familiares e os cuidadores, e, justamente, por isso, as instituições escolares/educacionais destinadas a esses indivíduos deveriam desenvolver ações de auxílio e formação específica para os usuários e para os cuidadores diretos. Para a cuidadora, é fundamental falar da sexualidade, das manifestações de condutas sexuais e das (in) adequações social e sexual do irmão, mas ela considera que mesmo sendo isso necessário, não é suficiente, pois o acompanhamento das pessoas com TEA deve ser exercido pelos familiares e pelos educadores em um trabalho conjunto, entre a casa/família e instituições sociais, visando ao aumento da qualidade de vida de todos os envolvidos. FONTE: TILIO, R. Transtornos do espectro autista e sexualidade: um relato de caso na perspectiva do cuidador. Psicología, Conocimiento y Sociedad, v. 7, n. 2, p. 36-58, 2017. Disponível em: http://www.scielo.edu.uy/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S1688- 70262017000100036&lng=es&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 6 fev. 2021. A pesquisa de Tilio (2017) ressalta o desconforto dos familiares ao tratarem da sexualidade da pessoa com TEA, apesar das tentativas de aceitação e de normatização da sexualidade. Todavia, vale destacar que há dificuldade de percepção de que a pessoa com TEA é um indivíduo que se desenvolve sexualmente, havendo resistência ao aceitar que esse sujeito é possuidor de direitos, desejos e manifestações sexuais, o que não corrobora com a plena autonomia. A partir das reflexões realizadas a respeito da sexualidade da pessoa com TEA, estudaremos a diferença entre autonomia e independência no desenvolvimento da pessoa com TEA. Vamos lá?! 72 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância 3 AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA NO TEA: QUAL A DIFERENÇA? Compreendemos que a adolescência é composta por diversos conflitos, os quais são redefinidos por valores, atitudes, percepções de autonomia e independência. Nessa fase, ocorre a reconfiguração da identidade, uma nova construção de si, permeada por mudanças fisiológicas com o despertar da sexualidade. Na fase, destacamos o papel central da família no processo de desenvolvimento do adolescente, pois, no âmbito familiar, são constituídos valores e crenças, são vivenciadas as interações cotidianas e as relações que permitem o desenvolvimento de competências sociais, como a autonomia e a independência. No entanto, vale destacar que os familiares e os cuidadores, geralmente, possuem sentimentos de superproteção e cuidado excessivo, podendo, dessa forma, interferir no processo de obtenção de autonomia e de independência dos jovens e dos adultos com TEA. FIGURA 3 – ADULTO COM TEA FONTE: <https://neuroconecta.com.br/autismo-na-vida-adulta- o-que-e-preciso-saber/>. Acesso em: 21 jan. 2021. O que significam autonomia e independência? Segundo Burnagui, Rosa e Nascimento (2016), as definições de autonomia e independência são empregadas de maneiras distintas, a partir do referencial utilizado. O termo independência, no Manual de Orientação Funcional para a utilização da Medida de Independência Funcional (MIF), apresenta, como pessoa 73 Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Autonomia e IndependênciaAutonomia e Independência Capítulo 2 independente, aquela que não necessita de ajuda de alguém para desenvolver a atividade (BURNAGUI; ROSA; NASCIMENTO, 2016), ou seja, a independência é a capacidade de desempenhar atividades sem auxílio. FIGURA 4 – INDEPENDÊNCIA FONTE: <https://poupafarma.com.br/lavar-as-maos/>. Acesso em: 21 jan. 2021. No contexto da independência, emerge a importância das Atividades de Vida Diária (AVDs), as quais estudamos no Capítulo 1. As Atividades de Vida Diária (AVD) são metodologias que proporcionam o desenvolvimento de habilidades intelectuais, emocionais e senso, perceptivas necessárias para a solução de problemas e de situações práticas e rotineiras enfrentadas, inevitavelmente, pelas pessoas, durante a vida (HOFFMANN, 2010): • mobilidade funcional, ou seja, deslocamentos significativos em ambientes restritos e amplo uso de escadas e elevadores, localização no espaço etc.; • cuidados pessoais: higiene, vestuário, hábitos comportamentais etc.; • administração doméstica: preparo de alimentos, organização e limpeza da casa, segurança doméstica etc.; • capacidade para a vida em comunidade: relacionamento com parentes, amigos e colegas, trabalhos cooperativos etc.; • uso dos talheres, das tesouras, do telefone, do computador etc. (HOFFMANN, 2010). A aprendizagem das AVDs beneficia pessoas com TEA, pois as atividades abarcam as relações afetivas, emocionais, intelectuais e sociais, as quais desenvolvem: • A autonomia. • O desenvolvimento de habilidades sociais. • A solução de problemas nas situações do cotidiano. • A autoestima (HOFFMANN, 2010). 74 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância As AVDs, ao serem trabalhadas de forma lúdica, ou seja, por meio da experiência vivenciada, podem trazer, à pessoa com TEA, várias contribuições para o desenvolvimento humano (HOFFMANN, 2010). O que significa a experiência vivenciada? a vivência de uma situação qualquer, a vivência de um componente qualquer do meio determina qual influência essa situação ou esse meio exercerá no indivíduo. Dessa forma, não é esse ou aquele elemento tomado independentemente, mas, sim, o elemento interpretado pela vivência que pode determinar sua influência no decorrer do seu desenvolvimento futuro (VYGOTSKY, 2010, p. 683-684). Compreendemos que, na vivência, estão presentes, como uma unidade indivisível, a personalidade específica do sujeito e as particularidades da situação experienciada, ou seja, a microgênese. A microgênese corresponde à relação que se estabelece entre o psiquismo individual com os demais aspectos: biológico, histórico e cultural. Nesse plano, encontra-se a subjetividade, o que possibilitaque cada sujeito tenha uma experiência ímpar, mesmo diante de situações igualmente vivenciadas. Devido à singularidade de cada sujeito no processo psicológico, torna-se impossível que duas pessoas apresentem a mesma trajetória nos processos de desenvolvimento e aprendizagem. A experiência, segundo Vygotsky (2010), significa a vivência, ou seja, tudo que vai se compondo na coletividade e na formação da personalidade dos sujeitos. FIGURA 5 – VIVÊNCIA/EXPERIÊNCIA FONTE: <https://www.juicysantos.com.br/tema-da-semana/ autistas-adultos/>. Acesso em: 21 jan. 2021. 75 Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Autonomia e IndependênciaAutonomia e Independência Capítulo 2 Sob esse ângulo, Vygotsky (2014, p. 15) anuncia que “quanto mais o sujeito ouvir e experimentar, quanto mais aprender e assimilar, quanto mais elementos da realidade tiver à disposição na sua experiência, mais importante e produtiva será sua atividade imaginativa”. Assim, considera-se, a ampliação das vivências, uma condição essencial para o desenvolvimento da pessoa com TEA. Neste espaço, com base no que estudamos, explique, com as suas palavras, a importância das atividades de AVDs para a pessoa com TEA. Agora que aprendemos o que significa a independência, vamos compreender a autonomia?! A palavra autonomia pode ser definida como a capacidade de governar a si próprio, sendo considerado autônomo o indivíduo capaz de determinar as próprias normas de conduta, sem imposições (BURNAGUI; ROSA; NASCIMENTO, 2016), ou seja, a capacidade do sujeito de agir a partir das próprias regras, valores e crenças, sem controle ou interferência de outras pessoas. FIGURA 6 – AUTONOMIA FONTE: <https://www.portalacesse.com/autodefesa-da-pessoa-com-deficiencia- um-processo-de-autonomia-e-participacao/>. Acesso em: 21 jan. 2021. É a capacidade de o indivíduo assumir decisões a respeito da sua própria vida. Capacidade esta que emerge a partir da interiorização de regras e valores, seguida da negociação pessoal com as várias estruturas normativas da independência, 76 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância sendo um processo individual, pois o indivíduo alcança, sozinho, o código de conduta (BURNAGUI; ROSA; NASCIMENTO, 2016). Portanto, vale ressaltar que, por meio da convivência com os pares, o jovem desenvolve sentimentos de reciprocidade, estabelece relações de solidariedade e cooperação, apropria-se de sentimentos de identidade social e desenvolve a independência e autonomia em vários domínios. Os autores ainda destacam a importância de adquirir autonomia nos domínios cognitivo, emocional e funcional. No nível cognitivo, o jovem terá autonomia quando conseguir fazer as próprias escolhas, quando for capaz de refletir a respeito dos atos e quando souber definir as próprias metas. No nível emocional, o indivíduo terá autonomia quando conseguir traçar metas e objetivos, independentemente das ideias e opiniões dos outros. No nível funcional, o indivíduo terá autonomia quando conseguir tomar decisões, tratar de assuntos e concretizar os objetivos definidos, recorrendo às estratégias que considera ser adequadas, sem ajuda dos pais ou dos outros. Segundo Burnagui, Rosa e Nascimento (2016), esse processo se inicia na infância e se prolonga pela vida toda vida, estando associado não só ao domínio comportamental, mas, também, ao emocional, refletindo-se no dia a dia e nas decisões que o indivíduo toma, podendo alterar o rumo da vida. Frente ao anunciado por Burnagui, Rosa e Nascimento (2016), torna- se viável refletir acerca do termo empoderamento. O empoderamento, para Sassaki (2006), agrega valores à pessoa com TEA, pois o poder da escolha, de tomada de decisão é construído. Nessa construção, o sujeito assume o controle da sua vida. Ao encontro do evidenciado pelo autor, Cardozo (2017) denota que o empoderamento possibilita a aquisição da emancipação individual e da consciência coletiva necessária para a superação da dependência social. O empoderamento possibilita a aquisição da emancipação individual e da consciência coletiva necessária a superação da dependência social. O empoderamento possibilita a aquisição da emancipação individual e da consciência coletiva necessária a superação da dependência social. 77 Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Autonomia e IndependênciaAutonomia e Independência Capítulo 2 Para aprofundarmos nosso conhecimento a respeito da autonomia e do TEA, faremos a leitura de umas das seções do artigo de Lopes (2018), o qual apresenta, como título: Autismo e Família: O Desenvolvimento da Autonomia de um Adolescente com Síndrome de Asperger e a Relação Familiar. Para iniciarmos as reflexões, destacamos que a pesquisa de Lopes (2018) teve, como objetivo, trazer reflexões a respeito do envolvimento familiar e da autonomia de uma pessoa com Síndrome de Asperger (SA). Nesse artigo, serão tratadas questões que abordam a importância da família na construção da autonomia de um adolescente com Síndrome de Asperger. Sabemos da importância da autonomia em nossas vidas para que possamos fazer nossas próprias escolhas, refletir a respeito dos nossos atos, reconhecer erros e acertos e definir as nossas metas. Vamos iniciar a leitura? O adolescente com Síndrome de Asperger, a família e a construção da autonomia Na adolescência, várias regras familiares sofrem a necessidade de reajuste, desencadeando conflitos que poderão ser resolvidos através de negociações de transição, gerando crescimento a todos os membros. Para a pessoa com Síndrome de Asperger, chegar à adolescência pode ser mais difícil do que para outras crianças, isso porque interagir com outros da mesma idade é trabalhoso, uma vez que as pessoas com TEA, muitas vezes, não conseguem agir como o esperado para a idade. Assim, segundo Klin (2006), alguns conseguem conversar, mas, geralmente, a conversa gira em torno do tema de interesse e obsessão deste, causando afastamento dos demais ou, até mesmo, hostilização, o que pode levar esse adolescente a desenvolver depressão ou ansiedade, patologias fortemente encontradas nesses casos. 78 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância É importante que a família observe o adolescente, converse com ele, ou melhor, saiba escutar. Incentive-o a fazer pequenas tarefas (enxugar louça, varrer um cômodo da casa etc.), descubra atividades que ele goste de realizar, trabalhe com autoestima, autorrespeito e autoconhecimento, respeitando o tempo dele sempre. Para descobrir nossas habilidades ou talentos, cometemos erros e acertos, o que nos ajuda a aprimorar e a escolher aquilo que nos dará resultados satisfatórios. Ajudar um adolescente com SA a entender os talentos é primordial para o processo de construção da autonomia. Fazer com que ele perceba que toda a pessoa tem tarefas que gosta de realizar, que trazem satisfação e felicidade no resultado, que tem facilidade em fazer e fazer bem, que provocam elogios, que são fáceis de explicar ou ensinar a outros, que prendem a atenção etc., porém, forçá-lo a fazer algo tornará a atividade uma obrigação e, consequentemente, o adolescente perderá a vontade de realizar. A família, ao apoiar, fará a diferença na vida do adolescente com SA. Para que esse apoio seja efetivo e essa diferença realmente ocorra, é necessário que a família seja calorosa, aprenda com ele, respeite-o, deixe claros os limites e as expectativas, seja coerente, desenvolva estratégias para superação das dificuldades e dos desafios, promova atividades apropriadas à idade e ao comportamento, que o auxiliarão na autonomia e nas habilidades para a vida. Deixe-o fazer escolhas, dar opinião, expressar-se, enfim. A família deve se educar, aprender a respeito da síndrome, estar aberta à aprendizagem. A famíliadeve trabalhar com os profissionais que atendem, pois pais bem informados são grandes parceiros de médicos e terapeutas. A abordagem em equipe, para o tratamento, é benéfica para a obtenção de progressos na construção da autonomia. Reforçar comportamentos adequados, ensinar e elogiar, solicitar ou oferecer tarefas, comunicar-se com clareza e modificar o ambiente são atitudes e ações que ajudam na tarefa de construção da autonomia de um adolescente com SA. Muitas vezes, a obsessão da pessoa com SA poderá se transformar em uma carreira ou profissão. É importante que a família incentive, dentro das habilidades, e explique o diagnóstico para a auxiliar na autoaceitação, compreensão e questionamentos. 79 Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Autonomia e IndependênciaAutonomia e Independência Capítulo 2 O progresso da pessoa com SA depende muito da família, porém, a tarefa não é fácil. É necessário, então, que essa tarefa seja aceita como um desafio. Os pais de uma pessoa com Síndrome de Asperger devem ser tolerantes e humildes, ou seja, pedir e aceitar ajuda, procurar especialistas, conversar com outras famílias de autistas e partilhar vitórias e fracassos, para que possam aprender e crescer com o filho. Os pais devem ser dinâmicos e flexíveis, ter a mente aberta para conseguir se colocar no lugar do filho, não trabalhar sozinhos, mas com especialistas. Para funcionar como um verdadeiro apoio, é preciso que a família seja estável e consistente, com limites claros, possibilitando um acordo entre regras, limites, tarefas, direitos e deveres, conseguindo preservar uma boa relação entre todos os membros do grupo familiar. FONTE: LOPES, C. N. Autismo e família: o desenvolvimento da autonomia de um adolescente com Síndrome de Asperger e a relação familiar. Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 5, n. 1, p. 53-66, 2018. Disponível em: https://revistas. marilia.unesp.br/index.php/dialogoseperspectivas/article/view/6727. Acesso em: 21 jan. 2021. Após a leitura, ressaltamos algumas sugestões para estimular a autonomia da pessoa com TEA desde a infância. A preocupação recorrente de pais e cuidadores de crianças com TEA é que estas não consigam atingir a devida autonomia em um futuro próximo. Realmente, um dos grandes desafios é capacitar as crianças com TEA, pois estas apresentam dificuldades sensoriais, atos repetitivos e estereotipados e atrasos na comunicação, que restringem o desenvolvimento de habilidades que são essenciais para autonomia. Portanto, o primeiro passo em direção à autonomia é o diagnóstico, o qual possibilita a intervenção precoce. A intervenção precoce têm fundamentos na neuroplasticidade, a qual pode ser definida como a capacidade de reorganização do mapeamento cerebral em resposta ao uso e à experiência. A neuroplasticidade ou plasticidade neural é definida como a capacidade do sistema nervoso de modificar a estrutura e a função em decorrência dos padrões de experiência (HAASE; LACERDA, 2004) 80 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância Ressalta-se que a utilização de figuras, desenhos e/ou fotos (PECs), como instrumentos visuais de comunicação, pode facilitar a aprendizagem de sequências e a compreensão de rotinas e conceitos. Pessoas com TEA costumam ter excelente memória para rotinas quando as aprendem visualmente, podendo adquirir capacidade autônoma cumprir com precisão. O principal objetivo da estratégia é permitir que a criança, o jovem e o adulto com TEA consigam cumprir atividades de vida diária (AVDs) comuns e rotineiras, sem que os pais estejam constantemente presentes. Saber se vestir, despir-se, alimentar-se, banhar-se, organizar o quarto, escovar os dentes podem ser poucos atraentes para pessoas com TEA. No entanto, torna-se importante A neuroplasticidade, apesar de permanecer por toda a vida do indivíduo, é mais expressiva durante o desenvolvimento cerebral infantil, ou seja, quando os neurônios estão mais aptos a formar novas conexões a partir da experiência e do aprendizado (BRITO, 2017). Podemos destacar que os primeiros dois anos de vida da criança são marcados por rápidas mudanças e pelo surgimento de habilidades sociais, cognitivas e de linguagem, o que torna esse período especialmente importante para a intervenção. Esse fato reforça a necessidade de atenção para os sinais de risco para o TEA e a importância da detecção precoce A detecção precoce dos sinais do TEA se torna fundamental, pois, o quanto antes a intervenção for iniciada, melhores serão os resultados, em termos de desenvolvimento cognitivo, linguagem e habilidades sociais. A intervenção precoce é um fator fundamental na evolução de crianças com TEA. Esse fator está diretamente relacionado à neuroplasticidade ao longo da primeira infância. Portanto, quanto mais precoce a intervenção, melhores os resultados para a criança e para a família. Mediante a importância da detecção e da intervenção, ressaltamos que as literaturas científicas nacional e internacional destacam a importância do respaldo de uma abordagem interdisciplinar colaborativa, que envolva uma equipe de profissionais, como fonoaudiólogos, psicólogos, pedagogos e terapeutas ocupacionais (BRITO, 2017). 81 Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Autonomia e IndependênciaAutonomia e Independência Capítulo 2 apresentar essas atividades de uma forma agradável, para que haja o engajamento espontâneo. FONTE: <https://institutoneurosaber.com.br/ensinando-autonomia- ao-seu-filho-autista/>. Acesso em: 5 fev. 2021. Agora que você já aprendeu o que significa independência e autonomia, complete o quadro que segue, apontando o que você compreende a respeito desses dois termos. INDEPENDÊNCIA AUTONOMIA ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Neste capítulo, compreendemos que a sexualidade, na sua dimensão ampla e complexa, desenvolve-se ao longo das nossas vidas por meio das interações com elementos sociais, culturais, históricos e biológicos. No entanto, vale ressaltarmos que, para a pessoa com TEA, a sexualidade é permeada por mitos e preconceitos, o que gera a ausência de conhecimento a respeito do tema e das vivências afetivas. Todavia, vale destacar que há dificuldade, por parte dos familiares, de compreenderem que a pessoa com TEA é um indivíduo que se desenvolve sexualmente, havendo resistência a aceitar que esse sujeito é possuidor de direitos, desejos e manifestações sexuais, o que não corrobora com a plena autonomia. Aprendemos que a família, no processo de desenvolvimento da pessoa com TEA, torna-se fundamental, pois, no âmbito familiar, são constituídos valores e crenças, são vivenciadas interações cotidianas e relações que permitem o desenvolvimento de competências sociais, como autonomia e independência. 82 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância No contexto que abarca independência e autonomia, conseguimos aplicar significados a esses termos, sendo que a pessoa se torna independente ao não necessitar de auxílio para desenvolver a atividade, ou seja, a independência é a capacidade de desempenhar atividades sem auxílio. Acerca da autonomia, podemos inferir que esta pode ser definida como a capacidade de governar a si próprio, sendo considerado autônomo o indivíduo capaz de determinar as próprias normas de conduta, sem imposições, ou seja, a capacidade de o sujeito agir a partir das próprias regras, valores e crenças, sem controle ou interferência de outras pessoas. A partir das reflexões realizadas, no próximo capítulo, compreenderemos o processo de inclusão e, por meio dessa compreensão, analisaremos a inclusão da pessoa com TEA no ensino superior e no mercado de trabalho. REFERÊNCIAS BOSA, C. A.; ZANON, R. Autismo: vivências e caminhos. São Paulo: Bluche, 2016. BRASIL. Lei n° 13.146, de 6 de julhode 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato20152018/2015/Lei/ L13146.htm#art98. Acesso em: 21 jan. 2021. BRITO, M. C. Estratégias de intervenção nos transtornos do espectro autista. São Paulo: PubliFolha, 2017. BURNAGUI, J. G.; ROSA, M. P.; NASCIMENTO, G. C. C. Autonomia e independência: percepção de adolescentes com deficiência visual e de seus cuidadores. São Paulo: PubliFolha, 2016. CALLIGARIS, C. Adolescência. São Paulo: PubliFolha, 2009. CARDOZO, P. J. A trajetória de educação e trabalho de jovens e adultos com Síndrome de Down: sentidos, desafios e a metodologia do emprego apoiado. Santa Catarina: Universidade do Vale do Itajaí, 2017. CONCEIÇÃO, C.; SILVA, J. V. A.; PEREIRA, M. C. S. S. A construção de um jogo lúdico para educação sexual de adolescentes com o Transtorno do Espectro 83 Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Transtorno do Espectro Autista (TEA): Sexualidade, Autonomia e IndependênciaAutonomia e Independência Capítulo 2 Autista. Adolesc. Saúde, Rio de Janeiro, v. 16, n. 3, p. 111-120, 2019. Disponível em: https://cdn.publisher.gn1.link/adolescenciaesaude.com/pdf/v16n3a13.pdf. Acesso em: 6 fev. 2021. FELIPE, C. N. A sexualidade na Síndrome de Asperger. Revista Diversidades, v. 23, n. 1, p. 23-26, 2009. HAASE, G. V.; LACERDA, S. S. Neuroplasticidade, variação interindividual e recuperação funcional em neuropsicologia. São Paulo: Temas em Psicologia da SBP, 2004. HOFFMANN, B. S. Atividades de Vida Diária: um processo de emancipação. 2010. Disponível em: http://www.portaldeacessibilidade.rs.gov.br/s/128318 7124ATIVIDADESxDExVIDAxDIARIAxumxprocessoxdexemancipacao.doc. Acesso em: 21 maio 2020. LOPES, C. N. Autismo e família: O desenvolvimento da autonomia de um adolescente com Síndrome de Asperger e a relação familiar. Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 5, n. 1, p. 53-66, 2018. Disponível em: https://revistas.marilia.unesp.br/index.php/dialogoseperspectivas/article/ view/6727. Acesso em: 6 fev. 2021. MOTTIER, V. Sexuality: a very short introduction. Oxford: University Press, 2011. SASSAKI, R. K. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: Editora Albatroz, 2006. TILIO, R. Transtornos do espectro autista e sexualidade: um relato de caso na perspectiva do cuidador. Psicología, Conocimiento y Sociedad, v. 7, n. 2, p. 36-58, 2017. Disponível em: http://www.scielo.edu.uy/scielo.php?script=sci_ abstract&pid=S1688-70262017000100036&lng=es&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 6 fev. 2021. VIEIRA, A. C. Sexualidade e Transtorno do Espectro Autista: relatos de familiares. São Paulo: UNESP, 2016. VYGOTSKY, L. S. Imaginação e criatividade na infância. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. VYGOTSKY, L. S. Quarta aula: a questão do meio na pedologia. Rev. Psicologia USP, São Paulo, v. 21, n. 4, p. 681-701, 2010. 84 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância CAPÍTULO 3 A Inclusão e a Pessoa com TEA A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: • Compreender o processo de inclusão da pessoa com TEA. • Analisar o processo de inclusão da pessoa com TEA no ensino superior. • Conhecer o processo de inclusão da pessoa com TEA no mercado de trabalho. 86 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância 87 A Inclusão e a Pessoa com TEAA Inclusão e a Pessoa com TEA Capítulo 3 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Com a promulgação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), a qual destaca o estreitamento entre a educação e a educação especial, destaca-se o movimento de inclusão que se expandiu na educação básica nos últimos anos, alcançando, também, o ensino superior, subsidiado por normativas legais que tratam da garantia de direitos, tornando-se expressiva a ampliação do número de pessoas com TEA que reivindica os direitos de ingressar e de permanecer nas universidades, o que tem provocado mudanças conceituais e atitudinais, além das condições de acessibilidade no ensino superior. Nesse contexto, pode-se destacar que o ingresso, no ensino superior, é um elemento na vida da pessoa com TEA, que permite o empoderamento, uma vez que, para ela, a chegada nessa etapa de ensino significa que precisou superar diversas barreiras sociais e que apresentou capacidade não só de estar ali, mas de, futuramente, atuar no mercado de trabalho. Ao se falar do trabalho, cabe destacar a necessidade de entendê-lo como elemento central no processo de transição para a vida adulta da pessoa com TEA. Nesse contexto, evidencia-se a relação existente entre educação e trabalho. Mediante essa relação, ao longo deste capítulo, compreenderemos o processo de inclusão da pessoa com TEA no ensino superior e no mercado de trabalho. Por meio das abordagens relatadas, pretendemos destacar que as pessoas com TEA buscam, na escolarização, a certificação, uma formação crítica-reflexiva que envolva a capacitação para o mercado de trabalho, para as realidades social e cultural e para a emancipação. Desejamos, a você, um excelente estudo! 2 ENSINO SUPERIOR INCLUSIVO E O TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA Para iniciar as discussões acerca da inclusão no ensino superior, faz-se necessária, primeiramente, uma breve contextualização histórica, pontuando alguns elementos referentes à modalidade da educação especial no contexto brasileiro. 88 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância A inclusão escolar, no Brasil, têm sido um dos principais temas de discussão no âmbito educacional, especialmente, após a promulgação, em 2008, da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008). O desencadeamento dessa política, nesses doze anos passados, promoveu avanços nas pesquisas na área da educação, abarcando diferentes níveis e modalidades de atendimento, como educação infantil, ensino fundamental, educação especial, educação de jovens e adultos e ensino superior. Mediante o contexto, podemos iniciar reflexões, destacando que a inclusão escolar ganhou, no cenário nacional brasileiro, força, a partir da década de 1990, com os movimentos internacionais em prol da educação para todos. Tais movimentos geraram a organização da Conferência Mundial de Educação para Todos, em Jomtien, Tailândia, e, posteriormente, da Conferência Mundial de Educação Especial, em Salamanca, Espanha, organizada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Podemos ressaltar que as conferências se consolidaram nos documentos Declaração Mundial Sobre Educação para Todos: Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem (1990) e Declaração de Salamanca Sobre Princípios, Políticas e Prática em Educação Especial (1994), que passaram a representar o consenso internacional a respeito das futuras orientações da educação das crianças e dos jovens com necessidades educativas especiais, proclamando a necessidade de criação de políticas públicas direcionadas à igualdade de oportunidades e de um sistema educacional inclusivo (TRENTIN, 2018). Sob a influência dos consensos assinados nas referidas conferências, o Brasil, a partir desse período, da década de 1990, instituiu uma ampla reforma na educação. Na reforma educacional, os princípios dos acordos internacionais foram incorporados à legislação brasileira, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei n° 9.394/96, e das resoluções, dos pareceres e dos decretos que decorreram dessa lei. No contexto da reforma, a educação especial foi contemplada como uma possibilidade de democratização do ensino. Prevista na Constituição Federal de 1988, a educação especial foi regulamentada pela LDBEN Nº 9.394/96, no Capítulo V, como uma modalidade de educação que perpassatodos os níveis de ensino e deve ser oferecida, preferencialmente, na rede regular de ensino (BRASIL, 1996). Além disso, os sistemas de ensino foram orientados a assegurar currículos, métodos e profissionais para atender às necessidades do público (TRENTIN, 2018). 89 A Inclusão e a Pessoa com TEAA Inclusão e a Pessoa com TEA Capítulo 3 A reforma educacional proporcionou o reconhecimento da educação especial como modalidade educacional com finalidade distinta. Essa modalidade, a partir da promulgação da LDBEN Nº 9.394/96, passou a constituir o sistema escolar, demandando estruturas administrativas e organizacionais vinculadas ao Estado, representando um avanço na educação brasileira. A partir desse contexto, em 2001, a Resolução n° 2, do Conselho Nacional de Educação (BRASIL, 2001), com o intuito de regulamentar o Capítulo V, da LDBEN Nº 9.394/96, instituiu, no Art. 1º, as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica para a educação de alunos que apresentam “necessidades educacionais especiais na educação básica, em todas as etapas e modalidades” e, no parágrafo único desse mesmo artigo, foi determinado que o atendimento escolar desses alunos terá início na educação infantil, nas creches e pré-escolas, assegurando-lhes os serviços de educação especial sempre que se evidencie, mediante avaliação e interação com a família e a comunidade, a necessidade de atendimento educacional especializado (BRASIL, 2001). A resolução, no Art. 2º, determinou que “os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo, às escolas, organizarem-se, para o atendimento aos alunos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos” (BRASIL, 2001). Acerca da educação de qualidade para todos, o texto da Declaração de Salamanca (1994) reafirmou o compromisso com a educação para todos, reconhecendo a necessidade e a urgência da educação para as crianças, os jovens e os adultos com necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino. Com a necessidade e a urgência da inclusão afirmada no texto da Declaração de Salamanca (1994), o MEC/SEESP implantou, em 2004, o Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade, cujo objetivo foi compartilhar novos conceitos, informações e metodologias no âmbito da gestão e, também, da relação pedagógica em todos os estados brasileiros. No mesmo ano, ou seja, em 2004, com o intuito de universalizar a escolaridade, o MEC criou a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD). 90 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância Apesar da criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), em 2004, cabe destacar que as iniciativas voltadas para a pessoa com deficiência, no Brasil, foram intensificadas somente em 2006, a partir dos compromissos assumidos na Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, que estabeleceu que os estados-partes devem [...] assegurar um sistema de educação inclusiva em todos os níveis de ensino, em ambientes que maximizem os desenvolvimentos acadêmico e social compatíveis com a meta da plena participação e da inclusão, adotando medidas para garantir que: a) As pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do ensino fundamental gratuito e compulsório, sob alegação de deficiência. b) As pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino fundamental inclusivo, de qualidade e gratuito, em igualdade de condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem (BRASIL, 2007, p. 5-6). A partir da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, foi evidenciado, no Brasil, o compromisso com a inclusão, ocorrendo investimentos em programas e projetos educacionais e sociais voltados para as pessoas público-alvo da educação especial. Decorrente desse compromisso, o Brasil, em 2009, promulgou a referida convenção, considerando que os atos internacionais em apreço entrariam em vigor no país. Cabe destacar que, anteriormente, o governo brasileiro nomeou uma comissão de profissionais da área da educação especial para discutir e para elaborar o texto da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008). A comissão realizou várias discussões e, em 2008, entregou o texto, segundo o qual a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva objetiva o acesso, a participação e a aprendizagem dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas regulares, orientando os sistemas de ensino para promoverem respostas às necessidades educacionais especiais, garantindo: -Transversalidade da educação especial desde a educação infantil até a educação superior [...] (BRASIL, 2008, p. 8). 91 A Inclusão e a Pessoa com TEAA Inclusão e a Pessoa com TEA Capítulo 3 Podemos destacar que a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva afirma não só que a Educação Especial deve transversalizar todos os níveis, etapas e modalidades de ensino, mas, também, disponibilizar recursos e o Atendimento Educacional Especializado (AEE) para complementar e/ou suplementar a formação escolar dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação matriculados na rede regular de ensino (BRASIL, 2008). Assim, ressaltamos que a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) orienta os sistemas de ensino a garantirem: • Acesso ao ensino regular, com participação, aprendizagem e continuidade nos níveis mais elevados do ensino. • Transversalidade da modalidade de educação especial desde a educação infantil até a educação superior. • Oferta do atendimento educacional especializado. • Formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais profissionais da educação para a inclusão. • Participação da família e da comunidade. • Acessibilidade arquitetônica nos transportes, nos mobiliários, nas comunicações e na informação; • Articulação intersetorial na implementação das políticas públicas. Vale destacar que, em 2020, foi promulgada a Política Nacional de Educação Especial, a qual objetiva dar mais flexibilidade aos sistemas de ensino, na oferta de alternativas como classes e escolas comuns inclusivas, classes e escolas especiais, classes e escolas bilíngues de surdos, segundo as demandas específicas dos estudantes. No entanto, essa política foi revogada pelo Superior Tribunal Federal (STF), por entender que a nova política pode servir de base para políticas que fragilizam o ‘imperativo da inclusão’ de alunos com deficiência. No que concerne às resoluções, aos pareceres, aos decretos e às políticas nacionais, que têm, como foco, a inclusão escolar, vale frisar que estes pressupõem o estreitamento entre a educação especial e a educação comum, para atender à diversidade presente nas salas de aula da educação infantil, do ensino fundamental, da educação de jovens e adultos e do ensino superior, decorrente do acesso de pessoas com deficiência, síndromes, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades. Tratando-se do estreitamento entre a educação especial, consideramos importante destacar que o movimento de inclusão, que se expandiu na educação básica nos últimos anos, alcança, também, o ensino superior, subsidiado por normativas legais que tratam da garantia de direitos, tornando-se expressiva a ampliação do número de pessoas 92 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância com deficiência que reivindica os direitos de ingressar e de permanecer nas universidades, o que tem provocado mudanças conceituais e atitudinais dos professores e das condições de acessibilidadeno ensino superior. Dados do Censo da Educação Superior apontam um aumento de 113% no número de alunos com deficiência matriculados em cursos de graduação entre 2009 e 2018. Deficiências físicas são as mais frequentes, seguidas de baixa visão, deficiência auditiva, deficiência intelectual, cegueira e surdez. Pode-se ressaltar que o aumento de matrículas do público-alvo na educação especial, no ensino superior, pode ser explicado pela implementação de programas governamentais de educação inclusiva voltados, especificamente, ao ensino superior. Podem ser citados o Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), o Programa Universidade para Todos (PROUNI) e, especificamente, o Programa de Inclusão no Ensino Superior (INCLUIR), que tem, por finalidade, assegurar o direito da pessoa com deficiência à educação superior, fomentando a criação e a consolidação de núcleos de acessibilidade nos Institutos Federais de Ensino Superior. O programa INCLUIR 04/2008 pretende viabilizar ações institucionais nas universidades para integrar as pessoas com deficiência à vida acadêmica e eliminar as barreiras pedagógicas, comportamentais, arquitetônicas e de comunicação que possam existir. Podemos evidenciar a educação especial com atuação no Atendimento Educacional Especializado (AEE). A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva determina que o atendimento seja ofertado no turno inverso ao da escolarização, tendo, “[...] como funções, identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando as necessidades específicas” (BRASIL, 2008). Nos termos legais, o AEE deverá ser garantido pelos sistemas de ensino e ofertado, prioritariamente, em espaços definidos como Sala de Recursos Multifuncional (SRM). 93 A Inclusão e a Pessoa com TEAA Inclusão e a Pessoa com TEA Capítulo 3 Acerca do Atendimento Educacional Especializado (AEE), o Decreto nº 7.611/11 dispõe sobre esse serviço na educação especial e reconhece que o público-alvo da educação é constituído pelas pessoas com deficiência, com transtornos e com altas habilidades ou superdotação. O decreto anuncia, no Art. 1º, o dever do Estado com a educação das pessoas público-alvo da educação especial (BRASIL, 2011). O Atendimento Educacional Especializado (AEE) “tem, como função complementar ou suplementar, a formação do aluno por meio da disponibilização de serviços, recursos de acessibilidade e estratégias que eliminem as barreiras para a plena participação na sociedade e o desenvolvimento da aprendizagem” (BRASIL, 2009, p. 5). Em 2011, podemos destacar que, no Brasil, o panorama foi de tensão, pois o governo reestruturou o MEC (BRASIL, 2011). Com a reestruturação, a Secretaria de Educação Especial (SEESP) foi extinta e substituída pela SECADI. Convém assinalar que a SECADI surgiu da reestruturação realizada na ex-Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), sendo “acrescentado” o eixo da inclusão (BRASIL, 2011). A SECADI, em articulação com os sistemas de ensino, implementou políticas educacionais nas áreas de alfabetização e educação de jovens e adultos, educação ambiental, educação em direitos humanos, educação especial, educação do campo, educação escolar indígena, educação quilombola e educação para as relações étnico-raciais. Responsável pelas áreas relacionadas à diversidade, a SECADI tem, como objetivo, contribuir para o desenvolvimento inclusivo dos sistemas de ensino, voltado à valorização das diferenças e da diversidade, à promoção da educação inclusiva, dos direitos humanos e da sustentabilidade socioambiental, visando à efetivação de políticas públicas transversais e intersetoriais. Essas políticas orientam os estados e os municípios na transformação dos sistemas educacionais em sistemas educacionais inclusivos em todos os níveis, etapas e modalidades. 94 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância 1 - A concepção da educação especial na perspectiva da educação inclusiva busca superar a visão do caráter substitutivo da educação especial ao ensino, além da organização de espaços educacionais separados para alunos com deficiência/transtornos. Dessa forma, a oferta da educação especial, em todas as etapas, níveis e modalidades do ensino, tem caráter: a) Suplementar, de interdisciplinaridade. b) Complementar, de transversalidade. c) Agregador, de transversalidade. d) Complementar, de excepcionalidade. e) Suplementar, de excepcionalidade. Você respondeu e fez breves reflexões a respeito do contexto histórico referente à modalidade da educação especial no contexto brasileiro. A partir dessas descobertas, estudaremos, a seguir, o que significa inclusão escolar. 2.1 O QUE É INCLUSÃO ESCOLAR? Iniciamos reflexões acerca da inclusão escolar destacando que a educação, na história, traz marcas da segregação e do olhar indiferente perante as pessoas com deficiência. Em meio a essas marcas e indiferenças que compõem a história das pessoas com deficiência, cabe destacar que o processo de inclusão escolar, muitas vezes, é considerado pela inserção dessas pessoas no ambiente. Assim, podemos destacar que a inserção da pessoa com deficiência/transtornos no contexto educacional se remete, muitas vezes, à integração, a qual designa o agrupamento desses alunos em diferentes ambientes escolares. A respeito da integração, Mantoan (2003) explica que: O processo de integração ocorre em uma estrutura educacional que oferece, ao aluno, a oportunidade de transitar no sistema escolar, da classe regular ao ensino especial, em todos os tipos de atendimento: escolas especiais, classes especiais em escolas comuns, ensino itinerante, salas de recursos, classes hospitalares, ensino domiciliar etc. Trata-se de uma inserção parcial, porque o sistema prevê serviços educacionais segregados (MANTOAN, 2003, p. 15). 95 A Inclusão e a Pessoa com TEAA Inclusão e a Pessoa com TEA Capítulo 3 Em contraposição à integração, que possibilita, à pessoa com deficiência/ transtornos, apenas transitar em vários atendimentos educacionais com serviços segregados, evidenciamos a inclusão escolar. A inclusão escolar pressupõe que sejam criadas condições desafiadoras em sala de aula que contemplem as diferenças no processo de aprender, para que cada aluno possa explorar a aprendizagem e as possibilidades (TRENTIN, 2011). No entanto, trabalhar com as diferenças convida a entender as diferenças. O que são? O conceito de diferença apresenta várias perspectivas nas práticas sociais e alguns “marcadores”, como gênero, classe social e características físicas, mentais e culturais. A diferença também pode ser construída negativamente, por meio da exclusão ou da marginalização. Por outro lado, pode ser celebrada como fonte de diversidade e heterogeneidade, sendo vista como enriquecedora (SILVA, 2003). Para Mantoan (2003, p. 20), as diferenças abarcam “a ética nas dimensões crítica e transformadora, que referendam nossa luta pela inclusão escolar”. Ainda, de acordo com a autora: A posição é oposta à conservadora, porque entende que as diferenças estão sendo constantemente feitas e refeitas, já que vão diferindo, infinitamente. Elas são produzidas e não podem ser naturalizadas, como pensamos, habitualmente. Essa produção merece ser compreendida, e não apenas respeitada e tolerada (MANTOAN, 2003, p. 20). Mantoan (2003), ao se referir às diferenças, alerta que a pessoa com deficiência/transtorno não deve ser rotulada como um indivíduo imutável, bastando, no contexto escolar, o respeito e a tolerância, mas que as diferenças precisam ser compreendidas pelo professor. As palavras de Mantoan (2003) nos remetem à ideia de que o posicionamento do professor perante o aluno está atrelado ao modo como este compreende a deficiência/transtorno. Mediante o anunciado pela autora,destacamos a 96 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância importância do que aprendemos no primeiro capítulo deste livro, pois se torna de extrema importância nós termos conhecimentos científicos e informações claras das patologias que envolvem o processo de aprendizagem. Ainda, a respeito das diferenças, Beyer (2006, p. 28) destaca que “precisamos entender que as pessoas são diferentes entre si. Elas são únicas nas formas de pensar e de aprender. Todas, não apenas as que apresentam alguma limitação ou deficiência, são especiais”. Beyer (2006), ao explicar as diferenças, leva-nos a ponderar que a afirmação que comumente ouvimos, de que pessoas com o mesmo tipo de deficiência/ transtorno têm as mesmas dificuldades e possibilidades, é equivocada, pois as características não as determinam e, muito menos, determinam as experiências delas. Para elucidar os dizeres de Beyer acerca das diferenças, trazemos Carvalho (2008), que esclarece: Não será o conhecimento intelectual teórico acerca das especificidades das deficiências em si mesmas, nem a descrição das limitações que acarretam, que contribuem para a formação dos indivíduos, além das experiências individuais, que são únicas para cada sujeito, deficiente ou não (CARVALHO, 2008, p. 16). Carvalho (2008) afirma que as capacidades e os desempenhos de cada indivíduo não são delimitados pela deficiência, mas por meio das experiências propiciadas a partir das deficiências. Portanto, a inclusão escolar pressupõe a estruturação nos aspectos pedagógicos, na formação de professores e nos aspectos físicos, para que as experiências propiciadas por meio do ensino sejam inclusivas. Torna-se fundamental que a escola proporcione, à pessoa com deficiência/ transtorno, condições para a igualdade de direitos e a permanência na escola, além de apoio pedagógico, que atenda às especificidades e às necessidades, focando, sempre, na aprendizagem de todos. Destacamos Santos (2011), que ressalta a necessidade de que a pessoa tenha o direito de ser diferente quando a igualdade a descaracteriza, e o direito de ser igual, quando a diferença a inferioriza. Assim, entender as diferenças está entre os desafios da educação, pois os alunos são singulares, e tratá-los de forma homogênea é restringir as expectativas que cada um traz consigo na busca do conhecimento. 97 A Inclusão e a Pessoa com TEAA Inclusão e a Pessoa com TEA Capítulo 3 Para completar os dizeres de Santos (2011), elucidamos Ropoli et al. (2010), que destacam: A educação inclusiva concebe a escola como um espaço de todos, no qual os alunos constroem o conhecimento segundo as capacidades, expressam ideias livremente, participam ativamente das tarefas de ensino e se desenvolvem como cidadãos nas diferenças. Essas escolas reúnem, nos espaços educacionais, os alunos, como eles são: únicos, singulares, mutantes, compreendendo-os como pessoas que diferem umas das outras, que não conseguimos conter em conjuntos definidos por um único atributo, o qual elegemos para diferenciá-las (ROPOLI et al., 2010, p. 9). A escola, ao entender as singularidades de cada indivíduo, tem meios de reconhecer as principais necessidades. Assim, a inclusão escolar constrói bases na individualidade de cada sujeito, que busca, na escola, ampliar conhecimentos e experiências, sendo essencial que o professor conheça a realidade dos alunos para fazer parte da construção de conhecimentos e participar efetivamente dos processos de ensinar e de aprender. Portanto, valorizar as diferenças exige, ao mesmo tempo, alteridade, ou seja, mudar, transformar, criar, construir novos jeitos de ensinar e de aprender nas escolas, promovendo o ensino para a diversidade, presente em sala de aula. Acerca da diversidade presente em sala de aula, Beyer (2006, p. 27) se manifesta da seguinte forma: Educar é se confrontar com essa diversidade. O professor que transita entre os alunos conhece muito bem tal diversidade. Dificilmente, aceitaria qualquer premissa de homogeneidade dos alunos, pois sabe que são diferentes entre si, assim como não há ser humano igual ao outro. Uma educação pautada na cidadania, comprometida com ela e com a formação de uma sociedade democrática, promove o convívio com a diversidade, objetivando as culturas, os hábitos e as particularidades de cada sujeito. No contexto, vale destacar que o professor inclusivo conhece a diversidade que compõe a sala de aula, e compreende a importância de valorizar as peculiaridades dos alunos, desprendendo-se de rótulos e de concepções segregativas. 98 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância FIGURA 1 – INCLUSÃO ESCOLAR FONTE: <https://querobolsa.com.br/revista/saiba-como-colaborar-para-a- inclusao-da-pessoa-com-deficiencia-na-faculdade>. Acesso em: 9 fev. 2021. Podemos inferir que a inclusão escolar visa a uma educação para todos, sendo que essa educação se efetiva a partir do comprometimento de todos os profissionais, envolvendo gestores, professores e pais. Temos a compreensão de que esse comprometimento com uma educação para todos, aliado ao entendimento da diversidade no âmbito escolar e às reflexões da essência nos processos de ensinar e de aprender, promove transformações, e que essas transformações possibilitam, aos professores, reconhecerem cada aluno como ser único, respeitando as diferenças na aprendizagem e proporcionando a inclusão de todos no contexto escolar (TRENTIN, 2011). Mediante o contexto, ressaltamos que estudiosos da educação inclusiva apresentam a inclusão escolar como uma proposta de revolução na educação. Essa revolução desestabiliza concepções e transforma a escola em um espaço para todos, pressupondo o reconhecimento das diferenças e a promoção do desenvolvimento intelectual. No que concerne às propostas da inclusão escolar, destacamos que elas se fundamentam nos ideais democráticos e se orientam nos princípios de [...] igualdade de oportunidades, respeito às necessidades individuais, qualidade no processo de ensino-aprendizagem, melhoria das condições de trabalho dos educadores, mais participação das famílias e da sociedade em geral, remoção das barreiras para aprendizagem e participação (CARVALHO, 2004, p. 79). Compreendemos que a proposta inclusiva, ao se referir aos processos de construção de conhecimentos, tem, como objetivo, a formação de indivíduos críticos e autônomos. Dessa forma, para que se concretize esse objetivo, torna- se necessário que os professores compreendam o seu papel frente ao processo inclusivo, pois atuam ativamente no processo de ensino e de aprendizagem dos alunos que compõem a sala de aula. 99 A Inclusão e a Pessoa com TEAA Inclusão e a Pessoa com TEA Capítulo 3 Frente a essa perspectiva de inclusão escolar, apreendemos que “[...] a inclusão implica uma mudança de perspectiva educacional, pois não atinge apenas alunos com deficiência e os que apresentam dificuldades de aprender, mas todos os demais, para que obtenham sucesso na corrente educativa geral” (MANTOAN, 2003, p. 16). A autora também concebe a inclusão escolar como [...] uma inovação que implica um esforço de modernização e de reestruturação das condições atuais da maioria de nossas escolas (especialmente, as de nível básico), ao assumirem que as dificuldades de alguns alunos não são apenas deles, mas são geadas, em grande parte, do modo como o ensino é ministrado e de como a aprendizagem é concebida e avaliada (MANTOAN, 2003, p. 32). Para Mittler (2003), a exemplo do que menciona Mantoan (2003), a inclusão escolar provoca mudanças: [...] Provoca uma reforma radical nas escolas em termos de currículo, avaliação, pedagogia e formas de agrupamento dos alunos nas atividades de sala de aula. Ela é baseada em um sistema de valores que faz com que todos se sintam bem- vindos e celebra a diversidade que tem, como base, o gênero, a nacionalidade, a raça, a linguagem de origem, o backgroundsocial, o nível de aquisição educacional ou a deficiência (MITTLER, 2003, p. 34). Assim, a inclusão escolar, com base em Mantoan (2003) e em Mittler (2003), emerge, para romper com o paradigma educacional de homogeneidade dos alunos no âmbito escolar, promovendo uma nova visão educacional. Os dois autores mencionados apresentam consonância nas ideias a respeito do processo de inclusão escolar, com destaque para a necessidade de mudanças nas perspectivas educacionais, para que as escolas consigam contemplar não só o desenvolvimento social, mas, também, o cognitivo e o emocional, assegurando, a todos os alunos, o acesso às oportunidades educacionais e sociais oferecidas. Compreendemos que o paradigma da inclusão escolar propõe transformações na prática pedagógica, no papel do professor, na compreensão das singularidades de cada aluno e, consequentemente, na reestruturação da escola, que passa a possibilitar, aos alunos, uma educação que propicie condições de aprendizagem para todos. Por meio dessas ações, a inclusão escolar busca romper com as discriminações que permeiam os alunos com deficiência/transtornos, possibilitando novos olhares para as singularidades (MANTOAN, 2003). 100 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância Inclusão Escolar Acesse https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/211/o/ INCLUS%C3%83O-ESCOLARMaria-Teresa-Egl%C3%A9r-Mantoan- Inclus%C3%A3o-Escolar.pdf?1473202907. Escrito por uma das maiores especialistas em inclusão escolar no Brasil, essa obra aborda o assunto de maneira clara e didática. Baseando-se na legislação do tema, Maria Teresa Eglér Mantoan explica o que é educação inclusiva, discute os passos necessários para implantá-la e ressalta as vantagens. Livro fundamental para educadores que desejam saltar da teoria para a prática. 1 - Neste espaço, com base nas suas experiências e no que estudamos, explique o que significa, para você, singularidade no processo de aprendizagem. Agora que você expôs o seu entendimento a respeito do que significa a singularidade no aprender, podemos inferir que, em uma escola inclusiva, o professor precisa trabalhar com todos os alunos e com as diferenças, propiciando oportunidades de aprendizagens, utilizando recursos e estratégias que viabilizem o processo de construção do conhecimento. Assim, a partir do exposto nas concepções de inclusão escolar dos autores mencionados, como Mantoan (2003) e Mittler (2003), compreendemos que a inclusão escolar desafia a escola, porque promove mudanças gradativas, como de concepções acerca do processo de ensino e de aprendizagem, concepções estas que necessitam visar a uma educação de qualidade para todos. 101 A Inclusão e a Pessoa com TEAA Inclusão e a Pessoa com TEA Capítulo 3 Para elucidarmos a importância da inclusão escolar, traz-se, para reflexão, o artigo de Oliveira e Abreu (2019) o qual apresenta, como título, A Percepção do Aluno com Transtorno do Espectro Autista sobre o Processo de Inclusão na Universidade Federal de Goiás (UFG). Para iniciarmos as reflexões, destacamos que a pesquisa de Oliveira e Abreu (2019) teve, como objetivo, analisar a percepção de um aluno com Transtorno do Espectro Autista sobre o processo de inclusão na Universidade Federal de Goiás (UFG). Participante da pesquisa: Participou, da pesquisa, um aluno com autismo, graduando do último período de Jornalismo, da UFG. O aluno em questão foi selecionado, primeiramente, por fazer parte do Programa Saudavelmente, da UFG, que contempla, especificamente, alunos com TEA, no grupo denominado Grupo Asperger. Ademais, esse 1 - Você observou que, ao longo das reflexões realizadas acerca da inclusão escolar, encontramos algumas palavras grifadas, dentre elas, podemos destacar: diferença, diversidade, compreensão da singularidade e educação de qualidade. Com base nas palavras grifadas, nas reflexões realizadas e nas suas experiências enquanto professor (a) e/ou aluno (a), disserte a respeito do que significa a inclusão escolar. 102 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância aluno foi selecionado por ser voz ativa na defesa dos direitos das pessoas com autismo na instituição. Instrumentos de coleta de dados: Como principal instrumento de coleta de dados, foi elaborado um roteiro de entrevista semiestruturada, contendo informações preliminares e importantes, como apoio do Núcleo de Acessibilidade aos alunos com TEA, relação professor-aluno e aluno-aluno, aspectos pedagógicos e físicos da UFG e inclusão dos alunos com autismo. Discussão e resultados: A atuação do Núcleo de Acessibilidade na inclusão dos alunos com TEA Essa categoria é fundamental para evidenciar a atuação do Núcleo de Acessibilidade com os alunos autistas, tendo em vista ser um lugar privilegiado de apoio, acolhimento e adequação às necessidades dos alunos PAEE. É preciso ressaltar que, de acordo com o Decreto nº 7.611/2011, os núcleos de acessibilidade têm, como objetivo, “eliminar barreiras físicas, de comunicação e de informação que restringem a participação e os desenvolvimentos acadêmico e social de estudantes com deficiência” (BRASIL, 2011). Por Núcleo de Acessibilidade, entende-se: [...] A constituição de espaço físico, com profissional responsável pela organização das ações, articulação entre os diferentes órgãos e departamentos da universidade para a implementação da política de acessibilidade e efetivação das relações de ensino, pesquisa e extensão na área. Os núcleos deverão atuar na implementação da acessibilidade às pessoas com deficiência em todos os espaços ambientais, materiais, ações e processos desenvolvidos na instituição. As ações desenvolvidas pelo núcleo deverão integrar e articular as demais atividades da instituição, como projetos de pesquisa, estudo, intercâmbio, cooperação técnico-científica e extensão e ensino para inclusões educacional e social das pessoas com deficiência (BRASIL, 2008). Nesse sentido, o relato de experiência evidencia a importância de assegurar a formação do pessoal dos núcleos das instituições de ensino superior para a compreensão do autismo e das especificidades, a fim de que as necessidades também sejam contempladas. 103 A Inclusão e a Pessoa com TEAA Inclusão e a Pessoa com TEA Capítulo 3 Uma questão que gostaria de pontuar em relação ao núcleo é a importância de que os profissionais que integram a equipe recebessem formação específica em relação ao autismo, tendo em vista que, embora eu perceba a disponibilidade da coordenação e dos técnicos do referido órgão, constato, também, um desconhecimento em relação ao TEA (Aluno com TEA, 2019). É preciso que os profissionais que ali atuam compreendam que os problemas vivenciados em sala de aula, na universidade, não são exclusivos dos alunos surdos ou dos alunos com deficiência física, visual ou múltipla. A formação se faz necessária e urgente, pois o desconhecimento das bases teóricas, que sustentam a proposta de inclusão dos alunos com TEA na universidade, aliado à própria inexperiência dos órgãos gestores das instituições de ensino superior, favorece o estabelecimento de um olhar estereotipado sobre o autismo, como podemos observar no excerto a seguir: Esse desconhecimento ficou nítido quando percebi que tentavam estruturar ações baseadas num olhar padronizado sobre o autismo. O pessoal do núcleo tentava buscar um padrão em relação aos autistas, mas perceberam que somos diferentes. Então, acredito que a melhor coisa não é padronizar procedimentos para autistas, mas compreender o perfil de cada um, conversar com cada aluno e buscar compreender necessidades (Aluno com TEA, 2019). Ademais, esse olhar estereotipado é perigoso, já que a compreensão desses sujeitos, a partir de um olhar padronizado, pode fazer com que a diferença seja explicitada como algo categorial ou seja vista de uma maneira estática. Nessa perspectiva, apaga-se o sujeito com autismo,não levando-se em consideração a própria identidade. No que diz respeito aos estereótipos, Larrosa (1994, p. 83) afirma que “são os lugares comuns do discurso, o que todo mundo diz, o que todo mundo sabe”. Assim, algo é um estereótipo quando é imediatamente compreendido e quando não há nem o que dizer. O autor salienta: [...] É grande o poder dos estereótipos, tão evidentes e tão convincentes ao mesmo tempo. Os preconceitos são os tópicos da moral, o que todo mundo valoriza igualmente, as formas do dever que se impõem como óbvias e indubitáveis. É grande, também, o poder dos preconceitos. Os procedimentos que fabricam os estereótipos do nosso discurso, os preconceitos da nossa moral e os hábitos da nossa maneira de nos conduzir nos mostram que somos menos livres do que pensamos, quando falamos, julgamos ou fazemos coisas (LARROSA, 104 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância 1994, p. 75). Em vista disso, o relato do estudante com TEA nos mostra que o importante não é padronizar procedimentos, mas compreendê-los a partir de uma relação dialógica. De fato, os autistas querem “que os escutem, e não que se contentem em estudar o seu comportamento. Eles querem poder fazer reconhecer que são seres inteligentes, [...] que não há ninguém melhor do que eles para falar do funcionamento” (MALEVAL, 2017, p. 18). A análise das narrativas desse universitário deixa explícito que é por meio da escuta desse outro com autismo que podemos compreender qual é o caminho possível para o incluir no espaço universitário, tendo em vista não haver modelo ou tipo único de autista, pois, como aponta Maleval (2017, p. 24): As performances cognitivas do autista são extremamente variáveis, podendo ir de aptidões excepcionais, utilizadas socialmente, a déficits maiores, tornando-se necessário um acompanhamento constante. Em uns, os sintomas desvanecem ou desaparecem; noutros, vão ao encontro do quadro clínico. É inútil apreender o autismo pelo somatório de sintomas: não é uma doença, é um funcionamento subjetivo singular. O estudante ainda pontua questões referentes ao ambiente do Núcleo de Acessibilidade para receber os estudantes com TEA na universidade, evidenciando a necessidade do controle do excesso de estímulos sensoriais. Sinaliza que o contato do Núcleo por meio de telefonemas deve ser observado, tendo em vista que os ruídos da ligação e a obrigação de dar resposta imediata podem se transformar em um verdadeiro transtorno para esses sujeitos. Em virtude disso, proponho que a recepção de um estudante autista seja meticulosa e feita seguindo alguns cuidados. Primeiramente, quando o núcleo for atender dentro do espectro autista, a situação, como um todo, deve ser agradável, isso diz respeito, principalmente, ao cuidado no excesso de estímulos sensoriais. O núcleo precisa pensar, também, na forma de entrar em contato com os alunos autistas. Eu tenho pavor de ligação e, no início da graduação, o núcleo me ligava para marcar reuniões ou ter atualizações. Tenho a noção de que ligações resolvem questões mais rapidamente, mas é exatamente esse imediatismo que faz autistas, como eu, não se darem bem com o uso de chamadas. Há os ruídos da ligação, a obrigação de responder rapidamente, estímulos que ativam a sensibilidade sensorial do estudante no espectro. Assim, seria melhor entrar em contato conosco 105 A Inclusão e a Pessoa com TEAA Inclusão e a Pessoa com TEA Capítulo 3 via e-mail ou uma mensagem de texto por WhatsApp. Essa é uma ação que já vem sendo realizada pelo núcleo atualmente, o que torna a relação mais agradável (Aluno com TEA, 2019). De fato, é comum observar, em pessoas autistas, respostas sensoriais e perceptuais diferenciadas ou peculiares, o que inclui hiper ou hipossensibilidade a estímulos sonoros, visuais, táteis, olfativos e gustativos, além de alto limiar para dor física e medo exagerado de estímulos ordinariamente considerados inofensivos. De acordo com Grandin e Panek (2016, p. 99): [...] A internet está cheia de relatos de autistas a respeito de problemas com todo tipo de sons altos e súbitos, estouro de balões, sirenes, fogos de artifício, mas alguns sons problemáticos são considerados mais prosaicos: não suporto o som do miojo sendo mexido na panela [...]. Ás vezes, porém, a hipersensibilidade envolve não um som específico, mas uma riqueza de sons: “talvez você precise pedir à pessoa com quem conversa para repetir o que disse algumas vezes, porque estava tentando superar o barulho dos carros passando, o cão latindo a três quarteirões e o inseto que zuniu ao lado do seu ouvido”. Diante desse mundo intenso, marcado por excesso de estímulos sensoriais, é interessante que os núcleos, que funcionam como lócus privilegiado de atendimento educacional especializado para os estudantes com TEA, pensem numa forma de adaptar o ambiente de modo a atender às especificidades sensoriais dos alunos. Não é apenas o excesso de estímulos sensoriais que incomoda, mas a falta de previsibilidade, o enfrentamento do novo e o ter que lidar com o desconhecido podem, também, ser angustiantes para esses sujeitos, tendo em vista que “o sujeito autista está imerso num mundo incoerente, desorganizado, de modo que se sente submetido a um trabalho constante e de difícil ordenação do caos que o cerca, do qual a imutabilidade é muito cedo a testemunha” (MALEVAL, 2017, p. 231). Tais incômodos são corroborados pelo depoimento a seguir: Apesar de ter ido atrás da acessibilidade, sei que esse não é o modelo ideal. Nesse sentido, proponho que a recepção de um estudante autista deva ser meticulosa. Quando o núcleo for atender dentro do espectro autista, a situação como um todo deve ser agradável. Isso diz respeito, principalmente, ao cuidado no excesso de estímulos sensoriais. O fato de ser uma situação nova e com pessoas inéditas é um fator que põe em risco grande parte da previsibilidade que mantém autistas afastados da ansiedade. Assim, creio que o ideal não 106 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância fosse a burocracia de um espaço novo: o núcleo poderia ir no lugar onde o autista já está acostumado. Demandar que o estudante, dentro do TEA, desloque-se, para uma situação nova, diretamente a um lugar novo, é assumir o risco de não vê-lo nunca mais (Aluno com TEA, 2019). Outrossim, uma vez que o estudante autista apresenta dificuldades para se adaptar a situações desconhecidas, como ir em busca de ajuda no próprio Núcleo (um local desconhecido), talvez, essa dificuldade possa ser atenuada ou minimizada se o núcleo for em um lugar em que esse estudante estiver acostumado, localizado na própria unidade em que estuda. UNIVERSIDADE ACESSÍVEL PARA ALUNOS COM TEA O ambiente físico das instituições de ensino superior tem importância fundamental na inclusão dos estudantes com TEA, uma vez que, devido à hipo ou hipersensibilidade, o comportamento desses alunos pode sofrer alterações, prejudicando os processos de ensino e aprendizagem. Ao tratar da importância de uma universidade acessível para pessoas com autismo, faz-se necessário ressaltar a necessidade de se pensar na adequação de todos os espaços físicos frequentados por esses discentes na instituição. No caso específico do aluno com TEA, é possível perceber a insatisfação em relação ao Restaurante Universitário (RU), como constatamos: O excesso de barulho no ambiente do RU, as filas e a quantidade de pessoas transformam o almoço em uma experiência desagradável. As bandejas são muito ruins se pensarmos que autistas, geralmente, são prejudicados nas habilidades motoras. Os artefatos são tortos e o tamanho é insuficiente para a quantidade de comida ofertada. Além disso, os copos balançam com o risco de cair e o líquido derramar no meio da comida. A solução seria um tipo de bandeja que provesse uma base forte para copos, como uma espécie de fundo protetor. Pensamos que seria fundamentalum exercício de gestão que permitisse, aos autistas, terem atendimento prioritário, e que, por um processo de escolha, optassem por estar com outras pessoas ou em espaços mais reservados e calmos para as refeições (Aluno com TEA, 2019). Como podemos observar nos relatos, o aluno com TEA apresenta desconforto em relação ao excesso de ruídos, fazendo 107 A Inclusão e a Pessoa com TEAA Inclusão e a Pessoa com TEA Capítulo 3 com que a experiência de estar com muitas pessoas possa ser extremamente desagradável, devido ao barulho. Por conseguinte, iluminação, ventilação e barulhos externos também podem prejudicar a inclusão desses sujeitos, conforme relato: Apesar das minhas sensibilidades sensoriais serem consideravelmente sutis em comparação aos demais colegas autistas da UFG, percebo que o ambiente da instituição, especialmente, os prédios antigos não reformados, como o próprio RU de um dos campi, constitui um dos pontos de incômodo para alguns alunos. A Faculdade de Informação e Comunicação (FIC), onde estudo, é um dos maiores exemplos. O ambiente é escuro, mal iluminado e ventilado, os barulhos externos reverberam de forma significativa nas salas de aula e os próprios espaços de convivência são demasiadamente barulhentos e desinteressantes (Aluno com TEA, 2019). Ao se pensar na adaptação dos ambientes para esses estudantes, devemos considerar que uma das características claramente identificadas em pessoas autistas é a hipossensibilidade ou hipersensibilidade a experiências sensoriais específicas. Nesse sentido, Gaines et al. (2016) descrevem algumas das reações prováveis que indivíduos com autismo podem enfrentar, relacionadas ao processamento sensorial, classificando os sintomas como hipossensíveis ou hipersensíveis. QUADRO 1 – SINTOMAS DA HIPER E DA HIPOSSENSIBILIDADE EM AUTISTAS 108 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância As pessoas com TEA podem, também, apresentar uma sensibilidade visual a níveis especiais de iluminação ou a uma cor em especial. Certas experiências visuais podem gerar ansiedade, como a luz refletindo no quadro da sala de aula, podendo tornar o texto ilegível e fazer com que esse aluno se distraia. De acordo com Attwood (2012), os professores devem evitar colocar os estudantes com autismo em circunstâncias associadas a sensações visuais intensas e perturbadoras, como permitir que se sentem numa carteira iluminada por forte luz solar. Vogel (2008) adverte acerca da importância de diminuir a sobrecarga sensorial em sala de aula para que o aluno possa se concentrar na aprendizagem e desconsiderar os estímulos irrelevantes. Devem ser eliminados, então, materiais visuais não essenciais, como cartazes e sinalização desordenada, já as distrações temporárias podem ser bloqueadas com o uso de telas ou de persianas nas janelas. No processo de inclusão, os perfis cognitivo, social, motor e sensorial dos estudantes com TEA devem ser levados em consideração pela universidade. Isso significa que essa instituição tem que sofrer modificações para contemplar os alunos, ou seja, é preciso que essas instituições sejam acessíveis, também, às pessoas com TEA. De acordo com a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (2015): Art. 28. Incumbe, ao poder público, assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar: II – aprimoramento dos sistemas educacionais, visando garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena. De acordo com o Art. 1º, §2º, da Lei n. 12.764/2012, conhecida como Política Nacional de Proteção aos Direitos das Pessoas com Transtorno do Espectro Autista, a pessoa com autismo, para todos os efeitos legais, é considerada com deficiência. Por isso, da mesma forma que nos preocupamos com a acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida, para as pessoas com deficiência visual, para as pessoas surdas e para as demais pessoas que apresentam outro tipo de deficiência, faz-se necessário refletir a respeito das condições de acessibilidade da universidade para atender às necessidades dos alunos com TEA. 109 A Inclusão e a Pessoa com TEAA Inclusão e a Pessoa com TEA Capítulo 3 Em consonância com Corrêa e Manzini (2014), entendemos o conceito de acessibilidade para a educação como: Uma condição para utilização com, segurança e autonomia, total ou assistida, dos espaços escolares, dos mobiliários escolares, dos equipamentos escolares, das edificações escolares, dos serviços de transporte escolares e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação na escola, por aluno com deficiência ou não (CORRÊA; MANZINI, 2014, p. 25). Diante desse contexto, para incluir os estudantes com TEA na universidade, faz-se necessário identificar quais são as experiências sensoriais e perceptivas que causam desconforto. Nessa perspectiva, torna-se essencial que seja identificado se esses estudantes possuem alguma sensibilidade auditiva (sensibilidade a sons específicos), táctil (sensibilidade em áreas específicas do corpo, sensibilidade ao toque, ao grau de pressão), visual (níveis de iluminação, cores ou alguma distorção visual) etc. A identificação se faz necessária para que se possa adaptar o ambiente a esses alunos, uma vez que a pessoa com sensibilidade sensorial pode se tornar hipervigilante, tensa e distraída em ambientes sensoriais estimulantes, como a sala de aula, além disso, mostrar-se insegura a respeito de quando ocorrerá a próxima experiência sensorial dolorosa. Sem dúvida, a percepção sensorial invulgar pode ter consequência, trazendo efeito significativo para a qualidade de vida desses estudantes, prejudicando a inclusão nos espaços acadêmicos. A APRENDIZAGEM POR EIXOS DE INTERESSE NA UNIVERSIDADE Ao tratar das questões pedagógicas, é importante salientar a necessidade de que os professores dos cursos de graduação e de pós-graduação considerem ou aprendam a trabalhar, também, com os interesses específicos dos estudantes com TEA. Acreditamos que o professor universitário precisa aproveitar o nosso hiperfoco, que são os interesses específicos por determinados assuntos ou as nossas obsessões, o que poderia ser produtivo na academia. Em termos de curso, não fomos diretamente aproveitados por algum docente, mas produzimos artigos e conteúdos práticos na área de Jornalismo Cultural, que é o nosso interesse, com isso, 110 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância sentimo-nos incentivados a continuar na universidade e no curso (Alunos com TEA, 2019). O depoimento evidencia, claramente, a importância de o professor usar os interesses restritos e a fixação por determinados assuntos como possibilidade para favorecer a aprendizagem e o desenvolvimento desses alunos na universidade. No que diz respeito às obsessões, Grandin e Scariano (1999, p. 115) ressaltam que esses profissionais ganhariam mais “alargando o campo obsessivo e tentando orientar o interesse manifestado pelo autista para atividades construtivas”. A autoras apontam que “as fixações são um tipo de motivação. Leo Kanner declarou, um dia, que o caminho do sucesso, para certos autistas, consistia em transformar uma fixação em carreira profissional”. Certamente, quando o aluno autista está em condições que lhe permitam desenvolver fixações e interesses específicos na universidade, pode se sentir mais motivado para se engajar em projetos e desenvolver habilidades. Maleval (2017) salienta que foi notado, especialmente, por Asperger, que os interesses restritos, anormais, em intensidade ou foco, podem ser os componentes mais aptos a se abrir para o social, pela derivação dos centros de interesse. Ao invés de o professor universitário considerar os interesses restritos manifestados pelos autistas como anomalias comportamentais ou excentricidades,seria muito mais produtivo que apoiasse essas experiências, buscando orientar o interesse manifestado para atividades construtivas e significativas e para o desenvolvimento de pesquisas. Como destacado por Nunes e Araújo (2011), incentivar o autista pelo caminho da pesquisa é uma ótima forma de aproveitar características extremas, por vezes, encaradas como negativas. O aluno destaca que o interesse pela pesquisa também poderia ser bem aproveitado pelos docentes das instituições de ensino superior, sabendo que o estudante autista possui uma série de características que pode ser fortemente aproveitada pelos pesquisadores. Além do foco, autistas aprofundam temas, normalmente, possuem boa concentração e memória acerca de dados. Em termos de autismo, aos dos seus interesses, há uma vasta gama de temas e assuntos, especialmente, em perspectiva 111 A Inclusão e a Pessoa com TEAA Inclusão e a Pessoa com TEA Capítulo 3 brasileira, pendentes de abordagem. Trazer autistas para essas atividades é, certamente, possibilitar precisão e rigor nos dados e nas informações (Aluno com TEA, 2019). Como afirma Orrú (2016), os interesses específicos podem ser usados pelo docente como ponte para experiências de aprendizagem, portanto, segundo a autora, o hiperfoco precisa ser explorado de forma consciente, de modo que o professor perceba o potencial desse fator motivador para o processo de aprender do aluno com autismo. Diante disso, pensamos que a inclusão desses alunos na universidade pressupõe acreditar nas capacidades de aprender e de se desenvolver, valorizar as ilhas de competências e não as ver como obstáculos ao desenvolvimento. Por certo, numa perspectiva inclusiva, faz mister que o professor se aproxime desses alunos sem preconceito, disponibilizando-se a aprender coisas novas, a se abrir para o inesperado, assumindo os riscos de lidar com o não usual, trabalhando com habilidades, o que pode, de certa maneira, libertar do aprisionamento, a que muitos deles se referem. FONTE: OLIVEIRA, A. F. T. de M.; ABREU, T. F. de. A percepção do aluno com transtorno do espectro autista sobre o processo de inclusão na Universidade Federal de Goiás (UFG). Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 6, n. 2, p. 69- 86, 2019. Disponível em: https://revistas.marilia.unesp.br/index.php/ dialogoseperspectivas/article/view/8897. Acesso em: 21 fev. 2021. Após a leitura, discorreremos acerca da relação existente entre educação e trabalho. Ao se falar do trabalho, cabe destacar a necessidade de entendê-lo como elemento central no processo de transição para a vida adulta da pessoa com TEA. 112 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância 3 EDUCAÇÃO E TRABALHO E A INCLUSÃO DA PESSOA COM TEA NO MERCADO DE TRABALHO FIGURA 2 – EDUCAÇÃO E TRABALHO FONTE: A autora Ao observarmos a figura, podemos anunciar que a pessoa com TEA, assim como qualquer pessoa, almeja um lugar na sociedade, deseja obter bens de consumo, trabalhar e dar continuidade aos estudos. Esses sonhos e desejos são inerentes à pessoa, independentemente de possuir ou não um transtorno. No entanto, nessa busca pela realização dos sonhos e dos desejos, surge a instituição de ensino superior. Assim, Branco (2005) destaca os vínculos existentes entre a educação e o trabalho. O autor menciona “que três entre cada quatro jovens estão atribuindo, ao binômio educação e trabalho, o significado de assunto” (BRANCO, 2005, p. 140). Na relação existente entre educação e trabalho, os jovens depositam expectativas sempre relacionadas a um futuro imediato, mesmo que, muitas vezes, tais expectativas não sejam animadoras, sem negar que é mais difícil para os jovens com deficiência (TRENTIN; RAITZ, 2018). No entanto, devemos considerar os resultados de pesquisas que trazem à tona as dificuldades que os jovens enfrentam na busca por oportunidades de trabalho no cenário social contemporâneo. Ao se comentar a respeito da condição de vida dos jovens menos favorecidos, seja em função da situação econômica, seja pela deficiência, caracteriza-se o mercado de trabalho como restrito, exigente e, por isso, excludente. 113 A Inclusão e a Pessoa com TEAA Inclusão e a Pessoa com TEA Capítulo 3 Tratando-se da pessoa com deficiência/transtorno, ressalta-se que a educação exerce um papel fundamental na inserção e na permanência no mercado de trabalho, porém, na relação educação/trabalho, torna-se necessário um planejamento de transição para a vida pós-escolar, que envolva a família e o próprio jovem. A respeito da preparação da pessoa com TEA para o período após a escolarização, Araújo (2008) frisa que deve incluir o planejamento para o trabalho e para a vida na comunidade, de modo geral. A autora também menciona que, nos Estados Unidos, existe um documento legal denominado “Ato de Educação para Indivíduos com Deficiência”, que obriga as instituições educacionais a prepararem um planejamento para essa transição. De acordo com esse documento, O plano de transição deve focalizar a trajetória escolar das pessoas com deficiências e oferecer detalhes de como a instrução e as expectativas na comunidade possibilitarão preparar tais pessoas para a vida adulta e para sua empregabilidade no ambiente de trabalho. Nesse sentido, as escolas têm um papel decisivo no planejamento da transição das pessoas com deficiência (ARAÚJO, 2008, p. 76-77). Araújo (2008) também elucida que o plano de transição se torna possível por meio da elaboração de um currículo funcional com atividades selecionadas e desenvolvidas que incluam habilidades importantes para o futuro desempenho na sociedade e no trabalho. O currículo funcional teve início na década de 1970, na Universidade de Kansas (USA), e propôs desenvolver habilidades que levassem os alunos a atuarem da melhor forma possível no ambiente, tornando-os mais criativos e independentes. O funcional é no sentido de ensinar habilidades que tenham função para a vida atual e futura. Compreendemos que o currículo funcional se trata da estruturação de um ensino que visa oferecer oportunidades para que a pessoa com TEA aprenda habilidades importantes, tornando-o independente em diversas áreas da vida. Assim, aprendemos que o êxito do processo de transição da escolarização para o trabalho, sob essa perspectiva, está relacionado aos aspectos do plano de transição individual de cada jovem (TRENTIN; RAITZ, 2018). Mediante a experiência vivenciada nos Estados Unidos, pondera-se que, no Brasil, o desafio da profissionalização de pessoas com deficiência/transtornos suscita investigação em busca de caminhos possíveis que favoreçam, no contexto educacional, o desvelamento das problemáticas inerentes a esse processo. A respeito disso, a Declaração de Salamanca anuncia 114 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância que jovens com deficiência/transtornos deveriam ser auxiliados no sentido de uma transição efetiva da escola para o trabalho. Escolas deveriam auxiliá-los a se tornarem economicamente ativos e provê-los com as habilidades necessárias ao cotidiano da vida, oferecendo treinamento em habilidades que correspondam às demandas sociais, de comunicação e às expectativas da vida adulta [...]. O currículo, para estudantes mais maduros e com necessidades educacionais, deveria incluir programas específicos de transição, treinamento vocacional que os prepare, independentemente enquanto membros contribuintes nas comunidades e após o término da escolarização. Tais atividades deveriam ser levadas a cabo, como o envolvimento ativo de aconselhadores vocacionais, oficinas de trabalho [...] (UNESCO, 1994, p. 80). Dentre os documentos legais nacionais que revelam a preocupação com a inserção da pessoa com deficiência/transtornos no mercado de trabalho, encontra- se a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1998, que assegura o direito à educação profissional, visando integrar,socialmente, o adolescente e o adulto com deficiência. No que se refere à educação profissional, tem-se a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal nº 9394/96), que, no inciso IV, assegura: Educação especial para o trabalho, visando à efetiva integração na vida em sociedade, inclusive, condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, e para aqueles que apresentam uma habilidade superior na área artística, intelectual ou psicomotora (BRASIL, 1996). Outro documento a ser citado é o Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999 (BRASIL, 1999), que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. O Art. 28, § 1º, determina que a educação profissional da pessoa com deficiência deve ser oferecida nos níveis básico, técnico e tecnológico, em escolas regulares, em instituições especializadas e no ambiente de trabalho. É necessária a contratação de 2% a 5% de pessoas com deficiência em empresas com mais de 100 funcionários, e proíbe qualquer ato discriminatório em relação ao salário ou critério de admissão associado à deficiência da pessoa. No entanto, apesar do aparato legal, está distante a viabilização do acesso, além da permanência de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Niskier (2006) menciona que o Ministério do Trabalho e do Emprego publicou, em 2006, dados com um considerável aumento no número de contratação de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, ou seja, um percentual expressivo de 56% de pessoas com deficiência estaria inserido no 115 A Inclusão e a Pessoa com TEAA Inclusão e a Pessoa com TEA Capítulo 3 mercado de trabalho, o que equivale a 19.978 sujeitos. Esse fato se justifica em função da fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, em virtude da Lei de Inclusão Social em vigência desde 2004. Nos anos subsequentes à implantação da lei, ocorreu um significativo decréscimo desse percentual, passando para 4.151 o número de pessoas com deficiências que ocupam funções nos mais variados segmentos empresariais. Ainda, de acordo com Niskier (2006), esse decréscimo nas contratações decorre da ausência de qualificações e de formação educacional pelo mercado de trabalho, o que dificulta, e até mesmo impede, a inserção no mercado de trabalho, tanto de pessoas sem deficiência, quanto de pessoas com deficiência (TRENTIN; RAITZ, 2018). Ao encontro das ideias de Niskier (2006), destaca-se Araújo (2008), para quem as pessoas com deficiência têm sido excluídas do mercado de trabalho por vários motivos: falta de qualificação para o trabalho, baixa escolaridade e apoio insuficiente das famílias. Além das razões citadas, encontram-se o preconceito e as barreiras atitudinais, que dificultam ainda mais o processo (TRENTIN; RAITZ, 2018). Barreiras atitudinais: as atitudes se fundam em preconceitos, estereótipos, que produzem a discriminação. Em síntese, considera-se pertinente salientar a importância da educação na vida das pessoas com deficiência/transtornos, pois esta não cumpre apenas o ofício de preparar as pessoas com limitações para se adaptarem à sociedade e ao mundo do trabalho. Na medida do possível, a educação as prepara para que possam compreender a realidade que as cerca em complexidade e historicidade, atuando em prol de formas mais humanizadas de existência social (TRENTIN; RAITZ, 2018). A respeito do trabalho, podemos o destacar como uma transição para a vida adulta. Carrano (2007), ao apresentar resultados de uma pesquisa com jovens, identificou que o trabalho é visto como uma possibilidade de independência pessoal, pois trabalhar significa sair da esfera doméstica, significa se relacionar socialmente e ter renda própria. Corroborando com o autor, Santos (2011), ao descrever os confrontos sociais vivenciados pelas pessoas com deficiência, no que tange à subordinação e ao controle das vidas, destaca que o jovem com deficiência encontra, no trabalho, o processo de mudança para a aquisição da autonomia, das integrações social e econômica. Mediante a aquisição da autonomia, destacamos o empoderamento (TRENTIN, 2018). Barreiras atitudinais: as atitudes se fundam em preconceitos, estereótipos, que produzem a discriminação. 116 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância 1 - Na relação entre mercado de trabalho e educação, torna-se pertinente fazer reflexões acerca da temática do trabalho em sala de aula, tema relevante para ser discutido no âmbito escolar, principalmente, quando se trata da educação de pessoas com deficiência. Frente a esse contexto, podemos destacar que o trabalho é visto, por esses sujeitos, como: a) Uma transição para a vida adulta. b) Uma maneira de se ter dependência financeira. c) Um meio de se sentir inútil na sociedade. d) Uma possibilidade de aceleração dos estudos. O empoderamento agrega valores à pessoa com deficiência, pois o poder da escolha, de tomada de decisão é construído. Nessa construção, o jovem com deficiência assume o controle da sua vida. Segundo Cardozo (2017), o empoderamento possibilita a aquisição da emancipação individual e da consciência coletiva necessária para a superação da dependência social. Assim, compreendemos que os jovens com deficiência, notadamente, os jovens com deficiência intelectual, vivem uma contraditória convivência entre a subordinação à família e à sociedade e, ao mesmo tempo, fortes expectativas de emancipação (TRENTIN, 2018). Mediante a relação apresentada entre a educação e o trabalho, compreendemos que a escolarização de jovens e adultos com e sem deficiência/transtorno necessita estar pautada na compreensão dos sujeitos, no reconhecimento das identidades e na valorização das vivências, pois os jovens e os adultos com e sem deficiência buscam, na escolarização, a certificação, uma formação crítica-reflexiva, que envolva a capacitação para o mercado de trabalho, para as realidades social e cultural e para a emancipação (TRENTIN, 2018). O empoderamento agrega valores à pessoa com deficiência, pois o poder da escolha, de tomada de decisão é construído. Nessa construção, o jovem com deficiência assume o controle da sua vida. 117 A Inclusão e a Pessoa com TEAA Inclusão e a Pessoa com TEA Capítulo 3 Para elucidarmos a importância da educação e do trabalho para a pessoa com TEA, traz-se, para reflexão, o artigo de Leopoldino e Coelho (2017), o qual apresenta, como título: O Processo de Inclusão de Autistas no Mercado de Trabalho. Para iniciar as reflexões, destacamos que a pesquisa de Leopoldino e Coelho (2017) objetiva apresentar o panorama do processo inclusivo de autistas no mercado de trabalho. A partir da revisão da literatura, o presente ensaio teórico aborda as políticas públicas e o processo de inclusão de pessoas dentro do Transtorno do Espectro Autista (TEA), além das dificuldades e das oportunidades decorrentes do processo. INCLUSÃO DE AUTISTAS PARA O MERCADO DE TRABALHO O aumento na prevalência do TEA, que atingiu valor de 1% da população, medido em vários estudos, gera impactos substanciais na sociedade, consistindo em argumento motivador para a implementação de políticas públicas em relação ao autismo (CHRISTENSEN et al., 2016; WINGATE et al., 2014; OUELLETTE- KUNTZ et al., 2014; NEIK et al., 2014; BRUGHA et al., 2011). No Brasil, atualmente, inexiste índice ou avaliação oficial para o número de pessoas com autismo e, geralmente, assume-se que a prevalência é similar à verificada nos estudos internacionais. Também contribuíram para a difusão de políticas públicas fatores, como a pressão dos autistas, das famílias e de organizações da sociedade civil, além da ação de instituições internacionais (LEOPOLDINO, 2016; SHEPHERD; WADDELL, 2015; WORLD HEALTH ORGANIZATION; THE WORLD BANK, 2011). Podem ser citados, como exemplos de políticaspúblicas inclusivas, o acesso a diagnóstico precoce, a tratamentos e à educação de qualidade, com adaptação às necessidades e às potencialidades individuais. Entretanto, o baixo percentual de autistas com atividade profissional e a falta de suporte para a inclusão ensejam a aplicação de políticas específicas. Evidências apontam que intervenções bem-sucedidas podem ampliar muito as possibilidades de inclusão efetiva (WEHMAN et al., 2014), sobretudo, 118 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância através de políticas públicas direcionadas a esse grupo de cidadãos, o que será discutido a seguir. POLÍTICAS PÚBLICAS PARA INCLUSÃO DE AUTISTAS NO MERCADO DE TRABALHO A adoção de políticas públicas voltadas para facilitar o ingresso de autistas no mercado de trabalho é uma tendência global, em função do elevado percentual de indivíduos com TEA excluídos em diferentes países (SEAMAN; CANNELLA-MALONE, 2016; SMITH et al., 2015; BUESCHER et al., 2014; BURGESS; CIMERA, 2014; ROUX et al., 2013; BURKE et al., 2010; HENDRICKS; WEHMAN, 2009). Mundialmente, o grande marco para o reforço das políticas públicas foi a publicação da Convenção de Direitos das Pessoas com Deficiências, em 2007 (UNITED NATIONS, 2006). Apesar de países europeus, como a Suécia e a Alemanha, adotarem, desde a década de 1990, políticas públicas voltadas, especificamente, aos trabalhadores autistas (ROSQVIST; KEISU, 2012), a convenção, assinada, inclusive, pelo Brasil, abriu espaço para a formulação e o aprimoramento de políticas associadas à inclusão de autistas no mercado de trabalho. Anos após a assinatura, o Brasil reconheceu a necessidade de “estímulo à inserção da pessoa com transtorno do espectro autista no mercado de trabalho, observadas as peculiaridades da deficiência”, através da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (BRASIL, 2012). Entretanto, não foram estabelecidos, formalmente, os recursos e as estruturas de serviços para a implantação das políticas, o que limitou a operacionalização. Considerando-se as políticas adotadas e as necessidades das pessoas com autismo, podem ser vislumbrados quatro grandes eixos de políticas públicas relacionadas à inclusão no mercado de trabalho: Preparação para a atuação profissional; Incentivo à contratação; Fomento à produção científica; e Aquisição de Informações Precisas sobre a Questão (LEOPOLDINO, 2015). A seguir, apresentaremos uma descrição desses eixos/dimensões de políticas públicas e as práticas vinculadas a essas dimensões. 119 A Inclusão e a Pessoa com TEAA Inclusão e a Pessoa com TEA Capítulo 3 A partir do exposto, é possível constatar que os quatro eixos temáticos envolvem a adoção de uma série de práticas capazes de estimular a atuação profissional de autistas. Com relação à primeira dimensão, destaca-se que a preparação para a atuação profissional das pessoas com autismo envolve o acesso à educação efetiva, compreendendo ensino técnico profissionalizante inclusivo, preparo vocacional individualizado, incentivos ao estágio e ao primeiro emprego e o acompanhamento no período de busca pelo emprego, continuando após a contratação. Pressupõe-se que os indivíduos com TEA tenham acesso prévio às instâncias de educação básica. Assim, é preciso adquirir nível adequado de conhecimentos e funcionalidade para poderem ser preparados para o mercado, embora parte dessa população não atinja esse patamar em virtude da severidade do autismo (SEAMAN; CANNELLAMALONE, 2016). A segunda dimensão tem sido utilizada em vários países, como forma de tornar mais atraente a contratação de pessoas com autismo (SCOTT et al., 2017; ROSQVIST; KEISU, 2012). Essa dimensão compreende o incentivo financeiro a estágios e à contratação em organizações privadas, a abertura de vagas de estágio e emprego em organizações públicas, os programas de formação de mentores, gestores e empregadores, os programas de conscientização de empregadores e gestores/líderes, e o incentivo ao empreendedorismo, ao voluntariado e ao cooperativismo. A eficácia dessa medida é aumentada caso os indivíduos tenham acesso às estruturas de preparação para a atuação profissional, além do potencial para o aumento do número de entidades empregadoras. 120 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância O fomento à produção científica, por sua vez, permite a exploração de questões referentes à inclusão das pessoas com TEA no mercado de trabalho, com avaliação da efetividade e das práticas empregadas. Compreende a promoção da criação de grupos de pesquisas, o estímulo à realização de eventos, à pesquisa, à publicação e à extensão universitária (LEOPOLDINO, 2015). Por fim, a aquisição de informações precisas permite informações para a tomada de decisão relativa às políticas públicas, além de oferecer insumos informacionais do autismo para a sociedade (LEOPOLDINO, 2015). A obtenção de estatísticas das pessoas com TEA, a localização, o grau de funcionalidade e a qualidade de vida poderiam suprir lacunas substanciais no conhecimento a respeito do autismo. Algumas possibilidades a serem exploradas, nesse sentido, compreendem a criação do cadastro nacional de autistas, o censo socioeconômico dos autistas, o censo de inclusão dos autistas no mercado de trabalho, além da ampla divulgação dos dados obtidos, aliada ao incentivo à pesquisa. As políticas supracitadas devem ser operacionalizadas, não gerando gargalos e descontinuidades. A seguir, apresentaremos um processo contínuo e interativo para a inclusão laboral de pessoas com TEA. PROCESSOS OPERACIONAIS DE INCLUSÃO DE AUTISTAS NO MERCADO DE TRABALHO Em termos operacionais, a inclusão de autistas no mercado de trabalho pode ser vista como um processo composto por ações coordenadas de múltiplos atores, que transcorre de acordo com as políticas públicas concernentes ao tema. A interação entre as atividades permite que autistas sejam inseridos e recolocados no mercado, de acordo com a necessidade. As principais atividades desse processo compreendem preparar os indivíduos; encaminhar esses indivíduos para o mercado; ajustar o ambiente laboral; e acompanhar o processo. 121 A Inclusão e a Pessoa com TEAA Inclusão e a Pessoa com TEA Capítulo 3 A preparação dos indivíduos com TEA para o trabalho deve contemplar habilidades sociais, vocacionais e técnicas, permitindo empregabilidade e autonomia para os profissionais autistas que procuram posições no mercado de trabalho (MINATEL; MATSUKURA, 2015; GRACIOLI; BIANCHI, 2014). A inclusão prévia dos autistas no ambiente escolar é requisito importante para a obtenção de autonomia, facilitando a preparação para o trabalho. Adicionalmente, deve ser feita a preparação segundo os conteúdos do ensino acadêmico formal, que compõe requisitos para muitas das vagas oferecidas. O encaminhamento para o mercado é essencial, pois estabelece relacionamentos entre os potenciais trabalhadores e o mercado. As entidades que realizam esse serviço identificam que candidatos mais se aproximam dos requisitos que constam das vagas disponíveis pelos potenciais empregadores, e realizam o encaminhamento. Instituições públicas, privadas e não governamentais podem realizar esse papel, auxiliadas por tecnologias, como a de redes sociais e a dos aplicativos para dispositivos móveis. Salienta-se que o mercado de trabalho pode ser ampliado através da disponibilização de vagas em instituições não governamentais e entidades comunitárias, aumentando o leque de possibilidades. O ajuste do ambiente laboral, para acolher os profissionais com autismo, é outra necessidade a ser suprida. Esse processo é responsável pela construção dos suportes material e psicossocial à inclusão. Estação de trabalho, mobiliário, iluminação e nível de ruídos são algumas das variáveis que podem ser ajustadas, assim como a comunicação e a descrição de tarefas aserem realizadas. A designação de mentores tem sido relatada como prática 122 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância de suporte efetiva (HEDLEY et al., 2017; GARCÍA-VILLAMISAR; WEHMAN; NAVARRO, 2002). É importante que o processo conte com a colaboração de pessoas da entidade empregadora, envolvendo chefias e colegas de trabalho. O acompanhamento do processo funciona como elo entre as pessoas com TEA, as entidades empregadoras, formadoras e encaminhadoras. O processo de acompanhamento permite a avaliação de eficiência e de qualidade das práticas adotadas, além do aprimoramento contínuo. É igualmente importante mensurar a qualidade de vida dos indivíduos incluídos no processo, nas várias dimensões, assim como a satisfação e a produtividade. Da mesma forma, faz-se necessário medir os suportes fornecidos pelas entidades empregadoras. Em paralelo ao acompanhamento, devem ser oferecidos serviços, como assistências psicológica, médica e social. Caso o monitoramento encontre problemas, pode-se intervir de maneiras distintas, de acordo com a necessidade, encaminhando os indivíduos para as entidades que fazem a preparação, direcionando- os a uma outra entidade empregadora, ou podem ser feitos ajustes no suporte oferecido ao trabalhador no ambiente laboral atual. A responsabilidade pelo acompanhamento pode ser compartilhada entre entes públicos, privados, não governamentais, famílias e associações de pessoas com autismo e os próprios trabalhadores com TEA. Uma vez implementado, o processo inclusivo ajuda a mitigar os obstáculos à inserção no mercado. OBSTÁCULOS À INCLUSÃO DE AUTISTAS NO MERCADO DE TRABALHO A literatura aponta diversos obstáculos à inclusão de autistas no mercado de trabalho. A seguir, sumarizaremos as principais restrições identificadas. 123 A Inclusão e a Pessoa com TEAA Inclusão e a Pessoa com TEA Capítulo 3 O preconceito de potenciais empregadores consiste em obstáculo substancial, pois nega, totalmente, o acesso a vagas em um grande número de empresas (ROSQVIST; KEISU, 2012; ROBERTSON, 2009; VAN WIEREN; REID; MCMAHON, 2008). Caracteriza-se pelo não reconhecimento da capacidade dos profissionais que apresentam autismo e pela percepção exacerbada de inconveniências e potenciais riscos incorridos na contratação de empregados com TEA. O estigma do autismo é forte a ponto de certos empregadores abertos a pessoas com deficiências diversas manterem restrições a pessoas com transtorno do espectro do autismo. A disponibilização de subsídios ao emprego de pessoas com autismo apresenta potencial para o aumento das vagas oferecidas (ROSQVIST; KEISU, 2012). A discriminação ou o isolamento por parte de colegas ocorre de forma explícita ou implícita, restringindo a interação social substancialmente, e os laços com o trabalho decorrentes (ORSMOND et al., 2013; HENDRICKS, 2010). Esse tipo de ocorrência é mais grave pelo fato de ser o apoio dos colegas um dos 124 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância principais facilitadores na inclusão de autistas no trabalho (HEDLEY et al., 2017). A falta de suporte ou adaptação no trabalho afeta o desempenho dos indivíduos com TEA. A atuação da liderança da instituição empregadora, nesse sentido, pode ser determinante para o bom desempenho e atitudes mais positivas em relação ao trabalho (PARR; HUNTER, 2014). Condições ambientais, como o nível de iluminação e os ruídos, podem ser ajustadas, assim com a organização das tarefas para a construção de rotinas adaptadas, que permitam que pessoas com TEA trabalhem com produtividade e satisfação (HENDRICKS, 2010; ROBERTSON, 2009; BONTEMPO, 2009). O suporte psicossocial, oferecido pela chefia, por um coach e pelos colegas, é vital para a retenção de autistas nos empregos (PARR; HUNTER, 2014; ORSMOND et al., 2013). A predominância de vagas de baixa qualidade desestimula o ingresso, ao mercado, das pessoas com deficiência. No caso das pessoas com autismo, a oferta de vagas é composta, em boa parte, dos casos de empregos sub-remunerados, com menor carga horária e sem possibilidade de crescimento. A baixa remuneração consiste na utilização de pagamento com valor inferior ao que é oferecido no mercado, ou que não supre as necessidades e aspirações do indivíduo, e tem sido reportada em relação aos trabalhadores com TEA (SEAMAN; CANNELLA-MALONE, 2016; ROUX et al., 2013; CIMERA; BURGESS, 2011). Esse é um obstáculo significativo à inclusão efetiva, pois reduz a atratividade do trabalho, piora as condições de vida e a motivação dos trabalhadores (SEAMAN; CANNELLA- MALONE, 2016; SILVA, 2013). O fato de que os autistas tendem a trabalhar horas a menos também contribui para uma renda menor (ROUX et al., 2013; CIMERA; BURGESS, 2011). A falta de horizonte de crescimento ocorre em organizações que oferecem vagas para pessoas com autismo sem acreditar nas potencialidades. Nesses ambientes, não há preocupação em oferecer oportunidades de crescimento na carreira, levando à sensação de estagnação profissional. A falta de preparo vocacional suficiente e adequado reduz o potencial inclusivo (SEAMAN; CANNELLA-MALONE, 2016; SMITH et al., 2015). O preparo vocacional permite a reflexão acerca das necessidades e dos anseios individuais, a exploração de diferentes possibilidades de engajamento profissional e o bom planejamento de carreira (SILVA, 2013), além do desenvolvimento de habilidades 125 A Inclusão e a Pessoa com TEAA Inclusão e a Pessoa com TEA Capítulo 3 para a aplicação prática na procura e na retenção de posições no mercado de trabalho (SEAMAN; CANNELLA-MALONE, 2016). A realização de atividades, nesse sentido, está relacionada com a grande empregabilidade, mais retenção no trabalho e maiores salários (SMITH et al., 2015; HILLIER et al., 2007). A falta de formação técnica/profissional, apresentada por muitas pessoas com autismo, é um fator que restringe o acesso às profissões que exigem grande qualificação. Para superar essa questão, tudo depende da inclusão prévia dos indivíduos com TEA no sistema educacional, o que está longe de ocorrer universalmente, de acordo com diversos relatos (MINATEL; MATSUKURA, 2015; GRACIOLI; BIANCHI, 2014; TOLDRÁ, 2009). No Brasil, a exigência das formações secundária e técnica, para pessoas com deficiência, estabelece barreiras à contratação, impedindo a participação nos processos seletivos, sem geração de passivo legal (TOLDRÁ, 2009). A falta de incentivos financeiros à contratação de pessoas com autismo é um obstáculo importante. Tais incentivos têm sido empregados em países, como Austrália e Suécia, e fazem com que a contratação de autistas seja estimulada pela disponibilização de recursos (SCOTT et al., 2017; ROSQVIST; KEISU, 2012). Ao mesmo tempo em que os incentivos possibilitam, aos indivíduos com TEA, os benefícios da inclusão, reduzem a oposição dos prováveis empregadores. Por fim, a falta de efetividade das cotas para deficientes afeta a empregabilidade dos autistas brasileiros (ADORNO JÚNIOR; SALVATTO, 2014; TOLDRÁ, 2009). No Brasil, as cotas para deficientes foram criadas em lei promulgada em 1991. Essa lei estabelece percentuais de cotas de contratação de trabalhadores com deficiência, que variam entre 2 e 5%, de acordo com o porte da organização empregadora (BRASIL, 1991). As cotas só puderam ser utilizadas pelas pessoas com TEA após a promulgação da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, que atribuiu, aos autistas, os mesmos direitos previamente atribuídos aos deficientes em geral (BRASIL, 2012). 126 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância A literatura aponta a adoção intencional de atitudes, visando contornar, protelar ou minimizar a contratação de cotistas com deficiência e a adoção da seletividade em favor de pessoas com baixo grau de deficiência física (DOS ANJOS et al., 2016; DOSSANTOS et al., 2015; RIBEIRO; CARNEIRO, 2009; TOLDRÁ, 2009), o que exclui as pessoas com autismo do conjunto de beneficiados pela lei. A superação de obstáculos relacionados à inclusão dos autistas no mercado laboral permite a exploração de uma série de oportunidades, atreladas, inclusive, ao perfil desses profissionais, e serão apresentadas a seguir. OPORTUNIDADES RELACIONADAS À INCLUSÃO DE AUTISTAS NO MERCADO DE TRABALHO As potencialidades manifestadas pelas pessoas com TEA, que atuam no mercado de trabalho, já foram constatadas em diversos estudos (AUSTIN; SONNE, 2014; SCHALL; WEHMAN; MCDONOUGH, 2012; BURKE et al., 2010; HURLBUTT; CHALMERS, 2004). De fato, as limitações na comunicação, na socialização e os comportamentos repetitivos são traços do perfil da pessoa com autismo que não constituem obstáculo insuperável, levando-se em conta as características individuais e a adequação necessária. Alguns dos pontos fortes compreendem: serem amigáveis à rotina e ao cumprimento de regras; apresentarem menor taxa de atrasos e demoras nas pausas do trabalho; perderem menos tempo em conversas com colegas de trabalho ou chamadas telefônicas pessoais; poderem apresentar excelente memória para detalhes; preferirem ambientes visualmente organizados; gostarem de completar tarefas; pensarem de forma diferente; e poderem apresentar habilidades e conhecimento aprofundado em áreas pelas quais tenham um interesse especial. 127 A Inclusão e a Pessoa com TEAA Inclusão e a Pessoa com TEA Capítulo 3 Além dos benefícios advindos do perfil desse profissional, a integração de autistas, no mercado de trabalho, apresenta oportunidades aos indivíduos incluídos, às famílias, aos empregadores e aos governos (HEDLEY et al., 2017; LEOPOLDINO, 2015; BUESCHER et al., 2014; ROSQVIST; KEISU, 2012; KNAPP; ROMEO; BEECHAM, 2009; ROBERTSON, 2009; GARCÍA-VILLAMISAR; HUGHES, 2007; BRASIL, 1991). 128 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância Para os trabalhadores com TEA, a inclusão no mercado de trabalho apresenta retornos em ganho de autonomia, performance cognitiva, qualidade de vida, melhor situação financeira e aplicação de aptidões desenvolvidas nas terapias e nos estudos realizados (HEDLEY et al., 2017; LEOPOLDINO, 2015; ROBERTSON, 2009; GARCÍAVILLAMISAR; HUGHES, 2007; GARCÍA-VILLAMISAR; WEHMAN; NAVARRO, 2002). Os ganhos supracitados se refletem na família dos autistas, frequentemente, sujeita aos estresses emocional e financeiro, ao preconceito e a situações de isolamento social (OBEID et al., 2015; GOMES et al., 2015; MCSTAY et al., 2014; HORLIN et al., 2014; ORSMOND et al., 2013; DIVAN et al., 2012). Para as empresas, existem o ganho potencial em marketing e o acesso a incentivos governamentais, caso existam, além da possibilidade de cumprirem requisitos legais, como cotas para deficientes, e de utilizarem do potencial de autistas para atividades específicas (SCOTT et al., 2017; LEOPOLDINO, 2015; AUSTIN; SONNE, 2014; ROSQVIST; KEISU, 2012; ROBERTSON, 2009; BRASIL, 1991). No que se refere aos governos, a inclusão de autistas no mercado de trabalho apresenta potencial para reduzir a necessidade de gastos com assistência social para as pessoas com TEA e as famílias, amenizando a perda de produtividade oriunda da exclusão de potenciais trabalhadores (BUESCHER et al., 2014; KNAPP; ROMEO; BEECHAM, 2009; GANZ, 2007). Esse argumento ganha força ao se constatar que os custos associados à assistência e a tratamentos de pessoas com TEA são considerados superiores aos relacionados a pessoas com outras deficiências (CIMERA; COWAN, 2009; SHIMABUKURO; GROSSE; RICE, 2008). A literatura atesta, empiricamente, a relevância da inclusão de autistas no mercado de trabalho. Adicionalmente, evidências eloquentes podem ser obtidas nos textos em que os próprios indivíduos relatam o entusiasmo e as conquistas obtidas (AYDOS, 2016). Acredita-se que o processo de inclusão de autistas apresentaria menos descontinuidades e mais eficiência com o aumento da participação dos envolvidos no processo, o que compreende, também, atores do universo empresarial. Dessa forma, as oportunidades identificadas poderiam ser oferecidas mais amplamente e ser mais bem aproveitadas pelos interessados. 129 A Inclusão e a Pessoa com TEAA Inclusão e a Pessoa com TEA Capítulo 3 CONCLUSÃO Discussões relativas à inclusão de pessoas com autismo no mercado de trabalho são escassas, principalmente, na área da Administração. A despeito da representatividade desse grupo de cidadãos e dos recentes avanços legais, a maioria das organizações brasileiras ainda não oferece condições mínimas para a inclusão de profissionais autistas nos quadros de funcionários. Em função disso, este estudo objetivou apresentar o panorama do processo inclusivo de autistas no mercado de trabalho, através do debate de políticas públicas voltadas para a sua inclusão e do processo de inclusão de pessoas com TEA, além dos obstáculos e das oportunidades para o processo inclusivo. A partir da problematização apresentada nos tópicos anteriores, baseada, primordialmente, em estudos estrangeiros das áreas da saúde e da educação, alguns pontos merecem ser destacados. Primeiramente, os recentes avanços na legislação brasileira, voltados à inclusão de pessoas com transtorno do espectro autista, não foram acompanhados de recursos e de estruturas para a implantação. Dessa forma, o Estado ainda não parece capaz de mitigar a exclusão desses profissionais no mercado de trabalho. As barreiras em relação ao ambiente laboral podem ser amenizadas com a atuação dos agentes públicos em quatro eixos principais: preparação para a atuação profissional; incentivo à contratação; fomento à produção científica; e aquisição de informações precisas acerca da questão. Com relação ao processo inclusivo, é necessário destacar que é operacionalizado por diferentes indivíduos e organizações, podendo ser particionado em quatro grandes atividades: preparação dos indivíduos; encaminhamento para o mercado; ajuste do ambiente laboral; e acompanhamento do processo. O percurso apresenta dificuldades para a consecução. Parte dos entraves é manifestada pelos empregadores, como a falta de suporte no ambiente de trabalho e a oferta de vagas de baixa qualidade. Outras restrições geram a falta de preparo vocacional das pessoas com autismo e da ineficácia das cotas para deficientes. Esses entraves, contudo, podem ser amenizados com a exploração das potencialidades das pessoas com TEA, como a facilidade em executar funções repetitivas e memorizar detalhes, além do foco que 130 Transtorno do Espectro Autista Além da Infância possuem para completar tarefas e cumprir regras estabelecidas no ambiente de trabalho. Além dos benefícios advindos do perfil do profissional, a integração de autistas no mercado de trabalho apresenta oportunidades para os indivíduos incluídos, os empregadores e o Estado. No que diz respeito à contribuição acadêmica deste estudo, ressalta-se que, diferentemente da maioria dos trabalhos brasileiros anteriores acerca da temática, que observam a inclusão de pessoas com autismo sob o olhar dos profissionais de saúde e de educação, esta pesquisa amplia a discussão a respeito do assunto sob a perspectiva da Administração, abordando os desafios e as potencialidades da inclusão para gestores públicos e privados. Os resultados apresentados oferecem, sobretudo, insights para o desenvolvimento de futuros estudos empíricos do assunto. A eficácia de políticas públicas voltadas para pessoas com TEA e os desafios para a inclusão são lacunas de pesquisa que podem ser exploradas em contextos nacionais diversos, visto que estudos abordando a temática em Administração são escassos. FONTE: LEOPOLDINO, C. B.; COELHO, P. F. da C. O processo de inclusão de autistas no mercado de trabalho. E&G Economia e Gestão, Belo Horizonte, v. 17, n. 48,p. 1, 2017. Disponível em: https://periodicos.pucminas.br. Acesso em: 21 fev. 2021. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Neste capítulo, compreendemos que o direito à educação para todos tem sido um dos principais temas de discussão nas últimas décadas. Discussões acerca da temática no Brasil emergiram a partir da década de 1990, década esta em que ocorreram movimentos internacionais, que tinham como slogan “A educação para todos”, como a Declaração Mundial Sobre Educação para Todos: Plano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem (1990) e a Declaração de Salamanca Sobre Princípios, Políticas e Prática em Educação Especial (1994), que proclamaram a necessidade de criação de políticas públicas educacionais direcionadas à igualdade de oportunidades. 131 A Inclusão e a Pessoa com TEAA Inclusão e a Pessoa com TEA Capítulo 3 Os princípios dos acordos começam a ser incorporados à legislação brasileira, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN nº 9.394/96) e das resoluções, pareceres e decretos que decorreram dessa lei, emergindo, assim, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), que aponta para novas possibilidades no ambiente escolar e define a função da educação especial no contexto da escola comum. No contexto da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), discute-se a INCLUSÃO ESCOLAR, a qual devemos compreender como uma proposta de revolução na educação. Revolução desestabiliza concepções e transforma a escola em um espaço para todos, pressupondo o reconhecimento das diferenças e a promoção do desenvolvimento intelectual. Assim, a educação exerce um papel fundamental na inserção e na permanência, no mercado de trabalho, da pessoa com deficiência/transtornos, emergindo o empoderamento. O empoderamento agrega valores à pessoa com deficiência/transtornos, pois o poder da escolha, de tomada de decisão é construído. Nessa construção, o jovem com deficiência/transtorno assume o controle da sua vida. Ao finalizar este livro, desejamos, a você, sucesso, pois “a inclusão acontece quando... se aprende com as diferenças e não com as igualdades" (Paulo Freire). REFERÊNCIAS ARAÚJO, E. A. C. 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