Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Gleice Nunes I @amedicadofuturo Caso clínico Um homem de 52 anos chega a seu consultório para uma consulta por demanda livre devido à tosse e à falta de ar. Você o conhece muito bem, devido a múltiplas consultas nos últimos anos por motivos similares. Ele tem uma "tosse de fumante" crônica, mas relata que nos últimos dois dias sua tosse aumentou, a cor do escarro mudou de branco para verde e teve de aumentar a frequência de uso do seu inalador de salbutamol. Nega ter febre, dor torácica, edema periférico ou outros sintomas. Sua história clínica é significativa por hipertensão, vasculopatia periférica e duas hospitalizações por pneumonia nos últimos cinco anos. Tem uma história de fumar 60 maços/ano e continua a fumar dois maços de cigarro por dia. Ao exame, apresenta-se em sofrimento respiratório moderado. Sua temperatura é 36,9ºC, sua pressão arterial é 152/95 mmHg, pulso de 98 bpm, frequência respiratória de 24 mpm e saturação de oxigênio de 94 % em ar ambiente. Seu exame pulmonar é significativo por sibilos expiratórios difusos e uma fase expiratória prolongada. Não há sinais de cianose. O restante de seu exame é normal. Uma radiografia de tórax feita no consultório mostra um diâmetro anteroposterior aumentado e cúpulas diafragmáticas achatadas, mas fora isso os campos pulmonares estão limpos . 1. Qual é a causa mais provável da dispneia deste paciente? Exacerbação aguda de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) 2. Que tratamento(s) agudo(s) é(são) mais apropriado(s) nesse momento? Antibióticos, broncodilatadores, corticosteroides sistêmicos 3. Que intervenções seriam mais úteis para reduzir o risco de exacerbações agudas dessa condição? Parar de fumar, broncodilador de ação prolongada, corticosteroides inalatórios, vacina contra a influenza e vacina polissacarídica contra o pneumococo Objetivos do caso 1. Ser capaz de diagnosticar e determinar o estágio da DPOC em adultos 2. Conhecer o manejo da DPOC estável e de exacerbações da DPOC Considerações Duas das causas mais comuns de dispneia e sibilos em adultos são asma e DPOC. Pode haver uma sobreposição substancial entre as duas doenças, pois pacientes com asma crônica podem com o tempo desenvolver doença obstrutiva crônica. Como na maioria das situações clínicas, a história do paciente em geral fornece as informações-chave para o diagnóstico apropriado. → A asma frequentemente se apresenta mais cedo, pode ou não estar associada ao tabagismo, e caracteriza-se por exacerbações episódicas com retorno a um funcionamento pulmonar basal relativamente normal. → A DPOC, por outro lado, tende a se apresentar na meia-idade ou mais tarde, costuma ser resultado de uma longa história de tabagismo, e é uma patologia lentamente progressiva, na qual o funcionamento pulmonar medido nunca retorna ao normal. Gleice Nunes I @amedicadofuturo No contexto de uma exacerbação aguda, a diferenciação entre uma exacerbação de asma e uma exacerbação de DPOC não é necessária para determinar o manejo imediato. A avaliação do paciente que chega com dispneia deve sempre começar pelos ABCs - Vias aéreas, respiração (breathing) e circulação. Deve-se fazer intubação com ventilação mecânica quando o paciente for incapaz de proteger sua própria via aérea (p. ex., quando há redução do nível de consciência), quando está ficando cansado devido ao volume de trabalho necessário para superar a obstrução das vias aéreas ou quando não for possível manter uma oxigenação adequada. Tanto para exacerbações de asma quanto DPOC, os pilares da terapia médica são oxigênio, broncodilatadores e esteroides. Todos os pacientes dispneicos devem fazer uma avaliação de seu nível de oxigenação. Ao exame, devem-se notar a presença de sinais clínicos de hipoxemia, como cianose perioral ou digital. Também deve-se obter níveis objetivos de oxigenação, usando oximetria de pulso ou gasometria arterial. A hipoxemia deve ser abordada pelo fornecimento de oxigênio suplementar. Os beta-2-agonistas inalados, mais comumente o salbutamol, podem rapidamente resultar em broncodilatação e redução da obstrução da via aérea. A adição de um agente anticolinérgico inalado, como o ipratrópio, pode funcionar em sinergia com um beta-agonista. Os corticosteroides administrados por via sistêmica (oral, intramuscular ou intravenosa) agem para reduzir a inflamação das vias aéreas subjacente à exacerbação aguda. Os efeitos clinicamente significativos dos esteroides demoram horas; consequentemente, eles devem ser usados com broncodilatadores, porque esses últimos agem rapidamente. Os esteroides usados em combinação com broncodilatadores melhoram de forma significativa os resultados em curto prazo no manejo de exacerbações agudas da asma e DPOC. DEFINIÇÕES BRONQUITE CRÔNICA: Tosse e produção de escarro na maioria dos dias por pelo menos três meses durante pelo menos dois anos consecutivos. ENFISEMA: Falta de ar, causada pelo aumento dos bronquíolos respiratórios e alvéolos, secundário à destruição de tecido pulmonar. DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA CRÔNICA → Define-se DPOC como obstrução das vias aéreas que não é totalmente reversível, em geral progressiva e associada à bronquite crônica, ao enfisema, ou a ambos. → A etiologia mais comum é o tabagismo, que está associado a aproximadamente 90% dos casos de DPOC. Outras etiologias da DPOC incluem exposição passiva à fumaça de cigarro (''fumante secundário'') e exposições ocupacionais a poeiras ou a produtos químicos. → Uma causa rara de DPOC é a deficiência genética de a1-antitripsina, mais comum em brancos, que deve ser considerada quando há desenvolvimento de enfisema em faixas etárias mais baixas (< 45 anos), especialmente em não fumantes. → A DPOC é uma patologia de inflamação das vias aéreas, tecido pulmonar e vasculatura. → As alterações patológicas incluem hipertrofia de glândulas mucosas com hipersecreção, disfunção ciliar, destruição do parênquima pulmonar e remodelagem das vias aéreas. → Os resultados dessas alterações são um estreitamento das vias aéreas, causando uma obstrução fixa destas, clearance deficiente de muco, tosse, sibilos e dispneia. → O sintoma inicial mais comum da DPOC é a tosse, a príncipio intermitente e que mais tarde tende a Gleice Nunes I @amedicadofuturo se tornar uma ocorrência diária. A tosse com frequência produz um muco branco espesso. Os pacientes se apresentam com episódios intermitentes de tosse cada vez pior, com mudança na cor do muco, de transparente para amarelo/verde, muitas vezes com sibilância. Essas exacerbações costumam ser causadas por infecções virais ou bacterianas. → À medida que a DPOC progride, a função pulmonar continua a se deteriorar e a dispneia se desenvolve. A dispneia é o sintoma primário de apresentação da DPOC. A dispneia também tende a piorar com o tempo - inicialmente ocorrerá somente a esforços significativos, depois com qualquer esforço e finalmente em repouso. Quando há desenvolvimento de dispneia, a função pulmonar (medida pelo volume de expiração forçada no primeiro segundo [VEF 1]) já está reduzida para cerca da metade e a DPOC está presente há anos. O exame de um paciente com DPOC leve ou moderada fora de uma exacerbação costuma ser normal. À medida que a doença progride, com frequência os pacientes apresentam ''tórax em barril'' (aumento do diâmetro anteroposterior do tórax) e bulhas cardíacas distantes, em resultado da hiperinflação pulmonar. O murmúrio vesicular também pode estar distante, sendo possível notar sibilos expiratórios com uma fase expiratória prolongada. Durante uma exacerbação aguda, os pacientes frequentemente parecem ansiosos e taquipneicos; podem usar a musculatura respiratória acessória, em geral têm sibilos ou crepitações e podem apresentar sinais de cianose. → Raios X de tórax em pacientes com DPOC costumam ser normais até que a doença esteja avançada. Em casos mais graves, pode-se verhiperinflação pulmonar com um aumento do diâmetro AP e achatamento das cúpulas diafragmáticas. Bolhas (áreas de destruição do parênquima pulmonar) também podem ser vistas à radiografia em casos mais avançados da doença. → O teste diagnóstico primário da função pulmonar é a espirometria. No processo normal de envelhecimento, tanto a capacidade vital forçada (CVF - medida do volume total de ar que pode ser expirado após uma inspiração máxima) quanto o VEF 1 sofrem uma redução gradual ao longo do tempo. Em pulmões com funcionamento normal, a razão VEF 1 /CVF é maior do que O, 7. Na DPOC, tanto a CFV quanto o VEF1 estão reduzidos, e a razão VEF1 /CFV é menor do que 0,7, indicando uma obstrução das vias aéreas. Define-se reversibilidade como um aumento de VEF 1 maior que 12o/o ou 200 mL. O uso de um broncodilatador pode resultar em alguma melhora tanto da CVF quanto do VEF1 , mas nenhum dos dois voltará ao normal, estabelecendo o diagnóstico de obstrução fixa. Usando essas medidas, podemos avaliar a gravidade da D POC, o que pode auxiliar a determinar o tratamento. MANEJO DA DPOC ESTÁVEL As metas do manejo da DPOC são aliviar sintomas, prevenir/retardar a progressão da doença, reduzir/prevenir/tratar exacerbações e complicações. Vários componentes do tratamento são comuns a todos os estágios da DPOC, enquanto o tratamento farmacológico é orientado pelo estágio da doença. Todos os pacientes com DPOC devem ser estimulados a abandonar o tabagismo. A função pulmonar de fumantes diminui mais rapidamente que a de não fumantes. Embora deixar de fumar não leve a uma melhora significativa na função pulmonar, torna a velocidade da deterioração posterior igual à de um não fumante. O abandono do tabagismo também reduz os riscos de outras comorbidades, incluindo doenças cardiovasculares e neoplasias. Todos os pacientes com DPOC devem receber as Gleice Nunes I @amedicadofuturo vacinas apropriadas. Os pacientes com pneumopatias crônicas e todos os fumantes devem receber a vacina contra o pneumococo. A vacinação contra a influenza, indicada anualmente para todas as pessoas acima de 6 meses, reduz a frequência e as complicações de exacerbações. Deve-se encorajar o exercício regular e os esforços para manter o peso corporal normal. O uso de broncodilatadores de ação curta, usados conforme necessário, é o tratamento recomendado no estágio 1 da DPOC. Incluem beta-2-agonistas (salbutamol) e anticolinérgicos (ipratrópio). Preferem-se as medicações inaladas às orais, pois tendem a ter menos efeitos colaterais. A escolha do agente específico baseia-se na disponibilidade, na resposta individual e nos efeitos colaterais. No estágio II da DPOC, deve-se acrescentar um broncodilatador de ação prolongada. Os agentes comumente usados nos EUA são salmeterol (um beta-2-agonista inalado) e tiotrópio (um anticolinérgico inalado). Outras opções são as metilxantinas orais (aminofilina, teofilina), mas elas apresentam janelas terapêuticas mais estreitas (alta toxicidade) e múltiplas interações medicamentosas, tornando seu uso menos comum. O uso de broncodilatadores de ação prolongada é mais conveniente e mais efetivo que o de agentes de ação curta, mas são muito mais caros e não substituem a necessidade de agentes de ação curta para a terapia de resgate em exacerbações. Os esteroides inalatórios (fluticasona, triamcinolona, mometasona, etc.) não afetam a velocidade da queda da função pulmonar na DPOC, mas reduzem a frequência de exacerbações. Por essa razão, recomendam-se esteroides inalatórios para os estágios III e IV da DPOC com exacerbações frequentes. O manejo em longo prazo com esteroides orais não é recomendado, pois não há evidências de benefícios e eles podem causar múltiplas complicações (miopatia, osteoporose, intolerância à glicose, etc.). Recomenda-se a oxigenoterapia no estágio IV da DPOC, se houver evidências de hipoxemia (Pao2 ~ 55 mmHg ou Sao2 ~ 88o/o em repouso) ou quando a Pao2 for menor ou igual a 60 mmHg e houver policitemia, hipertensão pulmonar ou edema periférico, sugerindo insuficiência cardíaca. A oxigenioterapia é a única intervenção que demonstrou diminuir a mortalidade, devendo ser usada por pelo menos 15 h/dia. MANEJO DE EXACERBAÇÕES DA DPOC As exacerbações agudas da DPOC são comuns, e geralmente apresentam-se com alterações no volume ou na coloração do escarro, tosse, sibilos e aumento da dispneia. As infecções virais e bacterianas são um fator precipitante comum de exacerbações agudas de DPOC. Devem-se excluir diagnósticos que possam causar sintomas similares (como embolia pulmonar, insuficiência cardíaca congestiva, infarto do miocárdio), a fim de instituir a terapia apropriada. Deve-se avaliar a gravidade da exacerbação pela anamnese, exame físico, determinação da oxigenação e testes focalizados. Deve-se administrar oxigênio, a fim de manter a saturação acima de 90o/o ou níveis de Pao2 por volta de 60 mmHg. Os pacientes com sintomas mais graves, comorbidades, alteração do estado mental, incapacidade de autocuidados em casa ou cujos sintomas não respondem imediatamente a tratamentos no consultório ou na emergência hospitalar devem ser internados. Todas as exacerbações agudas devem ser tratadas com broncodilatadores de ação curta. Podem-se usar combinações de agentes de ação curta com diferentes mecanismos de ação (i.e., beta-agonistas e anticolinérgicos) até a melhora dos sintomas. Esteroides sistêmicos encurtam o curso da exacerbação Gleice Nunes I @amedicadofuturo e podem reduzir o risco de recidiva. Recomenda-se uma dose de esteroides de 40 mg de prednisolona (ou equivalente) por 10 a 14 dias. Exacerbações associadas a um aumento do volume de escarro ou escarro purulento devem ser tratadas com antibióticos. As bactérias mais comumente envolvidas são Pneumococcus, Haemophilus influenzae e Moraxella catarrhalis. Em exacerbações mais leves, é apropriado um tratamento com agentes orais dirigidos contra esses agentes patogênicos. Em exacerbações graves, bactérias gram-negativas (Klebsiella, Pseudomonas) também podem ter um papel, de modo que a cobertura antibiótica deve ser mais ampla. Referências: CASOS CLÍNICOS EM MEDICINA DE FAMÍLIA E COMUNIDADE – 3ª EDIÇÃO TOY – BRISCOE - BRITTON
Compartilhar