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Cultura Religiosa Autor Douglas Moacir Flor 2009 Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br © 2006 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais. Todos os direitos reservados. IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482 • Batel 80730-200 • Curitiba • PR www.iesde.com.br Capa: IESDE Brasil S.A. Imagem da capa: IESDE Brasil S.A. F632c Flor, Douglas Moacir. / Cultura Religiosa. / Douglas Moacir Flor. — Curitiba : IESDE Brasil S.A. , 2009. 160 p. ISBN: 85-7638-421-3 1. Religião. 2. Grandes Religiões do Mundo. 3. Cristianismo. 4. Reforma Luterana. 5. Ética Cristã. I. Título. CDD 291 Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br Sumário Cultura religiosa –um tema controverso ..................................................................................9 Resumo ........................................................................................................................................................9 A palavra religião ......................................................................................................................................10 Conhecimento religioso .............................................................................................................................10 Por que estudar as religiões? ......................................................................................................................12 Tolerância religiosa ....................................................................................................................................13 Sincretismo religioso .................................................................................................................................13 O fenômeno religioso .............................................................................................................17 Religião e Arte ...........................................................................................................................................17 Religião e Moral ........................................................................................................................................22 Religião e Ciência ......................................................................................................................................22 Religião e Filosoia ....................................................................................................................................23 Religião e Economia ..................................................................................................................................23 Religião e Educação ..................................................................................................................................24 As grandes religiões I .............................................................................................................27 Hinduísmo ..................................................................................................................................................27 Budismo .....................................................................................................................................................30 As grandes religiões II ...........................................................................................................35 Confucionismo ...........................................................................................................................................35 Xintoísmo .................................................................................................................................................41 Taoísmo .....................................................................................................................................................42 Conclusão .................................................................................................................................................48 As grandes religiões III ..........................................................................................................51 Judaísmo ....................................................................................................................................................51 Islamismo ...................................................................................................................................................57 Movimentos religiosos no Brasil ..........................................................................................69 Nova espiritualidade ..................................................................................................................................69 Como se caracterizam os movimentos religiosos ......................................................................................70 Religiões africanas ....................................................................................................................................70 Religiões afro-brasileiras ...........................................................................................................................72 Espiritismo .................................................................................................................................................75 O Cristianismo I .....................................................................................................................79 Conhecer Jesus é fundamental ...................................................................................................................79 O amor ágape ............................................................................................................................................79 A história ....................................................................................................................................................80 Jesus – o mestre .........................................................................................................................................81 Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br O Cristianismo II ....................................................................................................................87 A Bíblia – livro sagrado do Cristianismo .................................................................................................87 A Reforma do século XVI ......................................................................................................97 Introdução ..................................................................................................................................................97 Lutero .........................................................................................................................................................97 A Reforma Luterana – pensamento ......................................................................................103 A base de Lutero ......................................................................................................................................103 Pensamento de Lutero ..............................................................................................................................104 A Igreja tenta silenciar Lutero .................................................................................................................104 A excomunhão de Lutero .........................................................................................................................105 A bula papal .............................................................................................................................................107Declarado herege .....................................................................................................................................108 O exílio ....................................................................................................................................................108 A volta ......................................................................................................................................................109 O casamento de Lutero ............................................................................................................................109 A morte de Lutero ....................................................................................................................................110 A paz de Augsburgo .................................................................................................................................110 A Igreja Luterana e a Educação ...........................................................................................113 Lutero e a Educação .................................................................................................................................113 O Luteranismo pós-reforma .....................................................................................................................116 A Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) ......................................................................................117 Questões fundamentais de Ética ..........................................................................................125 Questões básicas ......................................................................................................................................125 Ética Social e Ética Religiosa ..................................................................................................................127 Princípios de Ética ...............................................................................................................131 Algumas questões ....................................................................................................................................131 Ética – algumas relexões de ordem geral ..............................................................................................131 Ética e Moral ............................................................................................................................................131 Consciência .............................................................................................................................................134 O direito positivo e o senso de justiça ....................................................................................................135 Responsabilidade .....................................................................................................................................135 O livre-arbítrio .........................................................................................................................................136 Ética – uma perspectiva cristã ..............................................................................................141 Ética – uma abordagem Religiosa e distinção da Social .........................................................................141 Ética – uma perspectiva religiosa cristã ...................................................................................................141 Ética Religiosa cristãe Moral Religiosa – os Dez Mandamentos ............................................................144 Ética Social cristã ....................................................................................................................................145 Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br Ética – assuntos práticos .....................................................................................................147 A ordem da vida: a Ética nas questões da vida .......................................................................................147 A Ética da corporeidade ...........................................................................................................................149 A ordem familiar: a Ética na família ........................................................................................................151 A ordem de justiça: a Ética nas questões legais ......................................................................................153 A ordem civil: a Ética na política ............................................................................................................154 Referências ...........................................................................................................................157 Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br Apresentação Caro amigo E stamos iniciando uma caminhada. Há mais de 15 anos trabalho com a disciplina de Cultura Religiosa. O começo sempre é difícil. Existe uma resistência natural do aluno em estudar os conteúdos. O “pré-conceito” ica claro quando se deine a disciplina como aula de religião. Outros ainda pensam em catequese. Mas não será este o nosso objetivo. Apenas quero caminhar com vocês no sentido de construir uma relexão madura sobre a vivência e o comportamento religioso das pessoas e a inluência que exercem sobre a vida de cada um de nós. Ao inal de cada semestre, ico surpreso com a reação dos alunos. A maioria considera a disci- plina muito interessante. É claro, que alguns resistentes icam indiferentes, pois não tiveram a cora- gem de abrir o coração e aceitar conceitos essenciais para se viver uma boa vida. Trabalho em uma Universidade Confessional, isso signiica que a mesma está ligada a uma Instituição Religiosa. Mas nem por isso queremos impor o que pensamos. Vamos apenas debater. Se puder ajudá-los com essa relexão, com certeza o farei. Você irá encontrar neste livro um panorama das maiores religiões do mundo. Notará a plurali- dade religiosa e terá uma idéia da riqueza de pensamento e valores das religiões estudadas. Também iremos estudar mais detalhadamente o Cristianismo e a Reforma Luterana, pois são movimentos que inluenciaram diretamente na existência da Universidade Luterana do Brasil. Por im, estudaremos ética. Particularmente, a ética cristã e os valores que ela pode acrescentar na vida de cada um de nós. Nesta caminhada, muitos dos textos têm a participação de professores de Cultura Religiosa que nesses 15 anos estão ao meu lado. Citamos aqui Ronaldo Steffen, Jonas Dietrich, Valter Kuchenbecker, Egon Seibert, Ricardo Rieth, Valter Steyer, Thomas Heimann, Nereu Haag e Bruno Muller. Além desses, não podemos deixar de citar o Capelão Geral da Universidade Luterana do Brasil, pastor Gerhard Grasel e o Diretor do curso de Teologia da Ulbra, pastor Leopoldo Heimann. São pessoas que têm ajudado não somente a construir esta trajetória em Cultura Religiosa, como têm colaborado com o aprofundamento da relexão e ajudado muitas pessoas. Douglas Moacir Flor Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br Cultura religiosa – um tema controverso Douglas Moacir Flor* Resumo V ocê já deve ter passado por alguma experiência religiosa. Se não passou, alguém ao seu lado já deve ter contado algo que o levou a reletir sobre o assunto. Aqui, vamos ver que a experiência religiosa é mais rica do que se imagina, além de ser universal. A religião está presente no cotidiano por meio de diferentes manifestações.Pode-se, sem entrar em detalhes por ora, mencionar algumas áreas, alguns even- tos e algumas práticas pessoais e sociais marcadas por idéias, ritos e símbolos consagrados ao campo religioso. Vamos utilizar alguns pontos trabalhados pelo colega Ronaldo Steffen (2003), estudioso do assunto e professor de Cultura Religiosa, publicado no site da universidade. De uma forma bem simples, podemos reportar o leitor a algumas práticas familiares ligadas à tradição religiosa como o casamento, batismo, morte e vela- mento. São cerimônias religiosas tão tradicionais que muitas pessoas, sem que se dêem conta, se envolvem. O que dizer de pessoas doentes ou com problemas mais sérios que buscam ajuda divina como alternativa para a cura? No esporte, estamos acostumados, marcadamente no futebol, com a cena de uma oração conjunta antes da entrada no campo. Numa decisão por pênaltis, por exemplo, é comum a imagem de jogadores ajoelhados, rezando ou beijando sua santinha. No campo musical não são raras as menções que se faz a personagens reli- giosos e até mesmo a sentimentos de ordem religiosa; no campo das artes somos conduzidos a milhares de imagens notadamente carregadas de simbolismo reli- gioso dos mais diversos matizes. A literatura não tem deixado por menos e tem sido o mercado que mais cresce em termos de editoria nos últimos anos. O cinema tem sido pródigo nas temáticas de ordem religiosa. As novelas, fenômeno brasilei- ro que ganha o mundo, jamais têm deixado de lado alguma alusão, personagem e até mesmo a temática central ligados a fatos eminentemente religiosos. A nossa alimentação está em grande parte determinada por elementos de or- dem religiosa; o modo de expressar nossas idéias por meio da linguagem é, igual- mente, em grande parte determinada por formas religiosas. O turismo religioso é hoje um grande ilão na arrecadação de divisas para um município. A Educação Mestrando em Educação pela Universidade Luterana do Brasil. Graduado em Teologia pelo Seminário Concórdia – Instituição da Igreja Luterana do Brasil – e em Jornalismo pela Unisinos. Professor de Cultura Religio-sa e Jornalis- mo na Ulbra. Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br Cultura Religiosa 10 é fortemente marcada pelos valores que ela prega, quase sempre idênticos aos de ordem religiosa. A área da saúde, o trato com a dor, a vida e a morte foram e ainda são construídos com suporte religioso. Nosso calendário, suas datas festivas e grandes eventos têm sua origem no meio eclesiástico. As diversas áreas do co- nhecimento humano, de uma ou de outra maneira, têm-se ocupado com a temática religiosa, como a Filosoia, a Psicologia, a Sociologia, a Antropologia, a História, a Medicina, a Física, a Arqueologia, a Geograia e assim por diante. A palavra religião Ainal, o que é religião? No texto a seguir temos uma deinição que poderá ajudá-lo a entender o sentido. Etimologicamente, o termo religião surge na história da humanidade através dos autores clássicos, como Cícero, Lactânio e Agostinho, respectivamente, nas palavras re-legere, que signiica reler, re-ligare, que signiica religar, e re-eligere, que signiica reeleger. To- dos os conceitos nos dão a idéia de voltar a uma situação anterior, ou seja, ligar novamente a criatura com o criador. É exatamente esta tentativa de religar com o Ser Superior, através de um conjunto de crenças, normas, ritos ou costumes, que dá origem às diversas religiões o fenômeno religioso propriamente dito. (KUCHENBECKER, 2000, p. 18). Apesar de seguidamente ouvir-se que religião é coisa do passado, as men- ções acima indicam uma direção contrária. Estão apontando para o fato de que o ser humano preocupa-se com o divino, aqui entendido no sentido daquilo que ocupa lugar de destaque ou o primeiro lugar na vida. Conhecimento religioso Batismo. Is to ck P ho to . Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br Cultura religiosa – um tema controverso 11 Peregrinos no rio Ganges. Jo hn F ri es . Monge budista. Is to ck P ho to . Celebração judaica. Ilo na M . L ac ho w sk i L oe w en . Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br Cultura Religiosa 12 Ainda tentando responder o que é religião, podemos dizer que religião é um batismo numa igreja cristã. É um ritual sagrado nas águas do rio Ganges. É a ado- ração num templo budista. Pode ser um muçulmano ajoelhado e orando para Alá. Ou os mesmos devotos do Islã peregrinando à Meca. Pode ser um judeu diante do Muro das Lamentações em Jerusalém. São tantas as menções que seria impossível citar todas. O que pretendemos fazer é ligar os fatos. As ciências da religião procuram responder o que as atividades citadas acima têm em comum. Nós procuramos, como pesquisadores, investigar os rituais de uma perspectiva externa. Buscamos semelhanças e diferenças. Queremos entender como se dá o processo historica- mente e o que isso representa para sociedade hoje. Por que estudar as religiões? Dependendo da experiência de cada um, as respostas serão diferentes. Tal- vez você seja um religioso e não precise de tantas explicações. Mas, com certeza, muitas pessoas não se atentaram para a importância do assunto. Jostein Gaarder, em seu O livro das religiões, nos ajuda a responder à per- gunta acima: Um rápido olhar para o mundo ao redor mostra que a religião desempenha um papel bas- tante signiicativo na vida social e política de todas as partes do globo. Ouvimos falar de católicos e protestantes em conlito na Irlanda do Norte, cristão contra muçulmanos nos Bálcãs, atrito entre muçulmanos e hinduístas na Índia, guerra entre hinduístas e budis- tas no Sri Lanka. Nos Estados Unidos e no Japão há seitas religiosas extremistas que já praticaram atos de terrorismo. Ao mesmo tempo, representantes de diversas religiões pro- movem ajuda humanitária aos pobres e destituídos do Terceiro Mundo. É difícil adquirir uma compreensão adequada da política internacional sem que se esteja consciente do fator religião. (GAARDER, 2000, p. 14). Além disso, explica Gaarder, um conhecimento religioso também pode ser útil num mundo que se torna cada vez mais multicultural. Ainda mais quando fala- mos em globalização, apesar de que o termo deva ser usado com cuidado. Muitos de nós viajamos pelo Brasil ou mesmo ao exterior, entrando em contato com as diversas culturas religiosas. Esses povos têm costumes diferentes que devem ser respeitados pelos seus visitantes. Se uma mulher estiver num país muçulmano, por exemplo, terá que observar o tipo de roupa que usará nas ruas. É claro que não pre- cisará andar com uma burca, mas terá que cobrir seu corpo com roupas decentes. Finalmente, acreditamos que o estudo das religiões pode ser importante para o desenvolvimento pessoal do indivíduo. As religiões podem responder várias das perguntas existenciais que fazemos, como: de onde viemos? o que somos? para onde iremos? Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br Cultura religiosa – um tema controverso 13 Tolerância religiosa Muçulmanas vestidas com a burca. St ev e Ev an s/ W ik ip ed ia . Este é um dos pontos mais importantes na nossa caminhada. Tolerância é o respeito pelas pessoas que possuem diferentes pontos de vista em relação à reli- gião. Não signiica que precisamos concordar com tudo o que as outras religiões praticam e seguir os mesmos rituais. Cada um tem o direito de seguir aquilo que é melhor para si, pode ter uma fé sólida. Mas a tolerância não é compatível com atitudes como zombar das opiniões alheias ou se utilizar da força e de ameaças. A tolerância não limita o direito de fazer propaganda, mas exige que esta seja feita com respeito pela opinião dos outros (GAARDER, 2000, p. 15). O respeitopela vida religiosa dos outros, pelas suas opiniões e pontos de vista, é um pré-requisito para a nossa aula de Cultura Religiosa. Sem isso, é im- possível começar, pois: Com freqüência, a intolerância é resultado do conhecimento insuiciente de um assunto. Quem vê de fora uma religião, enxerga apenas as suas manifestações, e não o que elas signiicam para o indivíduo que a professa. (GAARDER, 2000, p. 15). Sincretismo religioso No Brasil, é muito interessante falar sobre religião. Isto porque temos aqui uma pluralidade religiosa bem interessante. Além disso, encontramos o que cha- mamos de sincretismo religioso. Isso acontece quando misturamos elementos de várias religiões numa só. Sincretismo é o termo que os historiadores denomi- nam de fusão ou associação de religiões, ritos, crenças e personagens cultuais. Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br Cultura Religiosa 14 Os cultos afro-brasileiros são um exemplo comprovado de sincretismo religioso. Queremos mostrar como isso acontece através da fala de Riobaldo Tatarana, um personagem sertanejo do Grande Sertão: Veredas. Hem? Hem? O que mais penso, testo e explico: todo-o-mundo é louco. O senhor, eu, as pessoas todas. Por isso é que se carece principalmente de religião: para se desendoidecer, desdoidar. Reza é que sara da loucura. No geral. Isso é que é a salvação-da-alma... Muita religião, seu moço! Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio... Uma só, para mim é pouca, talvez não me chegue. Rezo cristão, católico, em- brenho a certo; aceito as preces de compadre meu Quelemém, doutrina dele, de Cardéque. Mas, quando posso, vou no Mindubim, onde um Matias é crente, metodista: a gente se acusa de pecador, lê alto a Bíblia, e ora, cantando hinos belos deles. Tudo me quieta, me suspende. Qualquer sombrinha me refresca. Mas é só muito provisório. Eu queria rezar – o tempo todo. Muita gente não me aprova, acham que lei de Deus é privilégios, invariável. E eu! Bofe! Detesto! O que sou? – o que faço, que quero, muito curial. E em cara de todos faço, executado. Eu? – não tresmalho! Olhe: tem uma preta, Maria Leôncia, longe daqui não mora, as rezas dela afamam muita virtude de poder. Pois a ela pago, todo mês – encomenda de rezar por mim um terço, todo santo dia, e, nos domingos, um rosário. Vale, se vale. Minha mulher não vê mal nisso. E estou, já mandei recado para uma outra, do Vau-Vau, uma Izina Calanga, para vir aqui, ouvi de que reza também com grandes meremerências, vou efetuar com ela trato igual. Quero punhado dessas, me defendo em Deus, reunidas de mim em volta... Chagas de Cristo! (ROSA, 1985). Quem sabe você conhece alguém que se identiica com este personagem. É comum a gente encontrar situações como esta. Nas aulas de Cultura Religiosa, quando perguntamos se nossos alunos têm alguma religião, muitos respondem: sou católico apostólico romano, não praticante. Isto signiica que eles são católicos por tradição, mas não vão à igreja aos domingos. Muitos são católicos, mas não deixam de ir ao terreiro ou ao centro espírita. É importante ressaltar aqui a questão da tolerância. Religião sem o devido respeito perde o sentido. Não é possível pregar algo e praticar outra coisa. Por outro lado, a experiência religiosa é importante na vida de todo o ser humano. Se você ainda não passou por isso, busque entender um pouco mais do assunto. Leia, relita sempre. 1. Como você analisa a experiência religiosa? Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br Cultura religiosa – um tema controverso 15 2. Como você vê a religião dos outros? Busque em jornais e revistas textos que o reporte a algum assunto relacionado à cultura religio- sa e relita sobre ele. Se possível, discuta com seus colegas. Recomendamos a leitura do primeiro capítulo do livro: KUCHENBECKER, Valter. O homem e o sagrado. Canoas: Editora da Ulbra, 2000. Você já passou por alguma experiência religiosa? Relate uma experiência que o tenha reportado ao mundo religioso. Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br Cultura Religiosa 16 Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br O fenômeno religioso É possível perceber a religião como um fenômeno religioso. Mesmo que nos dias atuais, a ciência cada vez mais ocupe o lugar da religião, são muitos os fatores que nos reportam à importância da religião na vida dos povos em todo o mundo. No passado, a religião era o centro do universo. Assim, é possível concordar que: [...] apesar desta mudança de prioridade, o homem sempre e em todos os tempos tem demonstrado a sua preocupa- ção com o divino. Existe no ser humano uma consciência natural que o impulsiona nesta direção. Tal preocupação tem se manifestado de formas diferentes através das diferentes culturas e civilizações. Esta busca e necessidade de relacionar-se com o Ser Superior, o Eterno e o Divino chamamos de fenômeno religioso. No entanto, este fenômeno precisa ser corretamente orientado e conduzido pelo próprio Criador. Caso contrário, levará o homem a falsos deu- ses. (KUCHENBECKER, 2000, p. 15). Essa assertiva remete a uma dimensão em que é possível perceber-se a religião como fenômeno humano, tais como os classiicados abaixo e expostos pelo Professor Martinho Lutero Hoffmann, em material não-publicado. Religião e Arte A religião, enquanto fenômeno humano, tem provocado as mais belas obras artísticas. Isso pode ser observado em qualquer religião desde os tempos mais antigos até os mais modernos. No antigo Egito, citamos as pirâmides, o templo de Karnac, a esinge de Gizé e uma quantidade enorme de estátuas. C or el /I E SD E . Esinge. Na Grécia Clássica, o Pathernon, as estátuas de Fídias e toda uma série de mitos que até hoje inluenciam as artes e até mesmo as ciências. Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br Cultura Religiosa 18 Is to ck P ho to . Pathernon. Na Palestina, o templo de Salomão, destruído na conquista babilônica do sé- culo VI a.C.; o de Herodes, também destruído pelos romanos no ano 70 d.C., mas que subsistem na memória do povo judeu como alguns dos grandes marcos da sua arte; e os livros sagrados, que levaram Augusto de Campos, um dos maiores escritores contemporâneos, a airmar que Deus é um grande poeta. Na Idade Média européia, as grandes catedrais, prodígios não só de concep- ção artística, mas também de engenharia e arquitetura; os vitrais dessas mesmas catedrais; a criação da música polifônica; esculturas; e pinturas. Catedral gótica. W ik ip éd ia . Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br O fenômeno religioso 19 Vitrais. W ik ip éd ia . Na Renascença italiana, a catedral de Florença; a basílica de São Pedro, em Roma. As pinturas sobre os mais variados assuntos religiosos, dentre as quais se sobressai o conjunto ímpar da Capela Sistina; as esculturas como a Pietá; a Divina Comédia escrita por Dante Alighieri. W ik ip éd ia . Basílica de São Pedro. Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br Cultura Religiosa 20 W ik ip éd ia . Pietá de Michelângelo. Em Portugal, os conjuntos de azulejos; os sermões de Antônio Vieira; o mo- numento monolítico erigido em louvor a Deus, mas cujos rescaldos são mais que suicientes para fazer da Língua Portuguesa uma língua de primeira grandeza. No Brasil, o mesmo Vieira, que nacionalizamos com muito amor, devido ao fato de aqui ter vivido muitos anos; as igrejas barrocas de Minas Gerais, Bahia e Pernambuco; as estátuas e pinturas desse mesmo período; e a catedralde Brasília projetada por Niemeyer. Igreja barroca de Ouro Preto. B en i J r. Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br O fenômeno religioso 21 A música alemã, por sua vez, se torna a mais importante por seus inúmeros gênios, entre os quais avultam Mozart, Beethoven, Buxtehude, Brahms e, princi- palmente, os 200 compositores da família Bach, um em especial que deu o supre- mo nome da história musical: Johann Sebastian Bach (1685-1750). W ik ip éd ia . Johann Sebastian Bach. Nos Estados Unidos, a música gospel e o negro spiritual. Outras regiões do mundo com outras religiões também contribuíram signiicativamente para as artes em geral, como os pagodes chineses, os jardins japoneses, os templos hindus, entre outros. Em suma: todo povo e toda religião forneceram à Arte alguma coisa de muito valor que não deve, sob nenhuma hipótese, ser relegada a segundo plano. C or el /I E SD E . Jardim japonês. Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br Cultura Religiosa 22 Religião e Moral A Moral vem a ser, num mundo que se vive em sociedade, um de seus pila- res imprescindíveis. A convivência de muitas pessoas dentro de um mesmo espa- ço físico exige regras e leis, deveres e obrigações, direitos e privilégios e, mais que tudo, virtudes e valores. A Moral nos diz o que é certo e o que é errado. Mas o que diz à Moral se algo é certo ou errado, ou qual a hierarquia dos valores e virtudes, é, na maioria das vezes, a religião que as pessoas aceitam. Há, evidentemente, religião sem moral e moral sem religião, mas, na grande maioria dos casos, moral e religião mantêm um casamento mais do que fechado. Quando isso acontece, é a religião que dita as normas e ainda fornece toda a motivação para que as normas sejam plenamente cumpridas. Religião e Ciência Se Religião, Arte e Moral formam um trio quase perfeito, Reli- gião e Ciência, há tempos descasados, brigam muito, continuamente. A briga realmente esquentou no século XIX. Auguste Comte (1798- 1857), o fundador do positivismo, airmou, na teoria dos três estágios do conhecimento, que a Religião era, dos três, o mais antigo e o mais simplório, devendo ceder lugar à Filosoia que, por sua vez, entregaria o posto à Ciência. O incrível de tudo isso é o próprio Comte, depois de haver levantado essa idéia, criar a religião da humanidade, um manual que, a partir da sua ilosoia positivista, defende o amor como causa, a ordem como meio e o progresso como im. O grande problema, no entanto, surge com Charles Darwin (1809-1882) e a Teoria Evolutiva. Até aí não se via nenhuma diicul- dade com o relato inicial do primeiro livro de Moisés. Acreditava-se, com toda a candura, na criação do mundo em seis dias e na idade do universo em torno de seis mil anos, como se o relato bíblico fosse uma reportagem dos tempos antigos. O universo icou mais velho, e a rápida mão do Criador cedeu lugar à lenta evolução. A imagem e a semelhança de Deus atribuída ao homem desmanchou-se em crânios simiescos datados de algumas centenas de milhares de anos. As perguntas que, pois, se impõem são estas: há no big-bang e na evolução alguma verdade que pode ser considerada inal, ou tudo gira no terreno arenoso das hipóteses e da especulação? As narrativas bíbli- cas têm a pretensão de ser uma airmativa de caráter cientíico tal e qual entendemos hoje a ciência com seu meticuloso método, ou foram desde o princípio concebidas na categoria de mitos, como verdades superiores que só podem ser expressas em lingua- gem sublime e igurada? Sendo assim, podemos abrir mão da literalidade da Criação para injetar nela as categorias da evolução? As respostas a cada uma dessas perguntas dependerão da fé e da compreensão ou ausência de fé tanto em relação à religião como também em relação à própria ciência, visto que essa, para muitos, constitui uma espé- cie de religião que, além de plantar certezas, garante safras de soluções. Auguste Comte. W ik ip éd ia . Charles Darwin. W ik ip éd ia . Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br O fenômeno religioso 23 Religião e Filosoia Religião e Filosoia são duas retas paralelas que ora divergem, ora se encon- tram, ora se complementam, ora se anulam. Pode-se airmar que o surgimento da Filosoia no Ocidente foi um ataque aos mitos gregos. Tales de Mileto (625/4-558/6 a.C.) procura uma explicação fora deles e diz que a origem de tudo é a água. Anaximandro (610/9 -547/6 a.C.) põe no lugar da água o indeterminado, e Anaxímenes (588-528/5 a.C.), o ar. Xenófanes de Cólofon (Jônia, Ásia Menor, 570-528 a.C.) critica a antropomorização de Deus na poesia de Homero e Hesíodo. Demócrito de Abdera (Trácia, 460-370 a.C.) é o pai do atomismo, airmando que tudo é formado por substâncias indivisíveis, as quais se combinam ou se separam, formando ou desfazendo uma pessoa ou um objeto. Os soistas, primeiros professores proissionais da história, tornam tudo relativo segundo a famosa frase de Protágoras: “O homem é a medida de todas as coisas; do ser enquanto existe e do não-ser enquanto não existe”. Sócrates (470-399 a.C.), reagindo ao relativismo soista, introduz a teoria das idéias inatas, às quais se poderia chegar pela maiêutica (partejamento de idéias). Com as idéias inatas, se pressupunha uma vida anterior, abrindo, assim, caminho para a religião. Platão (428-347 a.C.), aluno de Sócrates, continua na mesma trilha ao propor o mundo das idéias como a autêntica realidade (mito da caverna, corpo prisão da alma). A Idade Média, marcada profundamente pela religião cristã, desenvolve a tese de que a Filosoia é a serva da Teologia (ciência da religião). Vale notar que os eruditos cristãos primeiramente usaram as categorias platônicas e acabaram contaminando-se com um modo platônico de ver as coisas, mas em seguida se apropriaram das concepções aristotélicas, sendo igualmente inluenciados por elas (amor ordenado, provas racionais da existência de Deus etc.). Por outro lado, há quem visualize religião (ou teologia) e Filosoia não como concorrentes, mas como dois métodos diferentes, não opostos, para tratar e com- preender uma mesma realidade. Martin Heidegger (1889-1976), por exemplo, foi sepultado como católico romano. Edmund Husserl (1859-1938), expoente do feno- menalismo, converteu-se à Igreja Luterana. Em tempo: não se deve confundir religião e teologia. Embora sejam concei- tos ains, não são a mesma coisa. Religião é um conjunto de crenças que formam um sistema coeso. Teologia é a relexão crítica e sistemática sobre os dados ofere- cidos pela religião. Em outras palavras: teologia é a ciência, e religião é o objeto ou a matéria dessa ciência. Religião e Economia Toda crença, tão logo se institucionalize, passa a ter uma economia interna. Precisa manter suas propriedades (escolas, templos, creches, asilos, seminários etc.) e pagar seus funcionários. Para tanto, se utiliza de vários expedientes: co- Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br Cultura Religiosa 24 brança de uma taxa, estabelecimento de um percentual dos ganhos do iel (o dízi- mo, por exemplo), ofertas livres, doações ou subvenções do governo. A religião, no entanto, não se limita apenas a isso. Ela, para o bem ou para o mal, inluencia a economia da comunidade como um todo, embora nem sempre seja determinante. Max Weber (1864-1920) tentou mostrar que o surgimento do capitalismo se deveu ao protestantismo de cunho calvinista. Sabe-se, porém, que muito antes de Calvino já havia banqueiros e que até os papas se utilizavam dos seus monetários serviços. Certamente, o que se pode airmar é isto: certas ênfa- ses doutrinárias desta ou daquela religião podem motivar seus adeptos a ter uma ou outra resposta econômica. Contrastando-seo catolicismo medieval e contra- reformista com o luteranismo, é possível ver algumas diferenças: no catolicismo a forma de se adorar e servir a Deus passava pela veneração dos santos, orações, jejuns, penitências, peregrinações e culminava em tornar-se monge ou freira; no luteranismo, o servir e adorar a Deus começava pela fé (considerada o supremo culto, prosseguia na participação dos cultos, leitura da Bíblia, oração etc., e con- cretizava-se no trabalho diário, visto como vocação de Deus, razão pela qual todo trabalho, fosse ele qual fosse, deveria ser bem feito porque era, além de um culto a Deus, um serviço ao próximo). Partindo-se daí, é possível admitir que o progresso dos países luteranos em relação aos católicos tenha uma origem doutrinária. Contudo, pode-se também questionar se outros fatores não intervieram com peso igual ou até superior. Um deles seria o posicionamento assumido pela nobreza medieval em relação ao tra- balho, que era de franco desprezo – calcula-se que na Espanha, no século XVI, apenas 3% da população efetivamente se dedicava ao trabalho! Por não ter havido uma quebra de ordem cultural e social nos países em que a visão medieval perma- neceu irme, não poderia estar aí também uma resposta? Religião e Educação Por ser a Religião um conjunto de ensinamentos (note-se o termo), segue-se que ela, para sobreviver, precisa apelar para a Educação. Não é por outro motivo que os primeiros professores foram todos pessoas ligadas a um culto especíico. No entanto, o que se quer discutir aqui é se a religião consegue lançar os olhos para a Educação como um todo. Num primeiro exame, observa-se que a religião contribuiu com muito pouco ou mesmo nada nessa direção. Na China, país de cultura milenar, a Educação esbarrava nos milhares de ideogramas que um aluno precisava memorizar, pois era necessário tempo e di- nheiro. Ao que tudo indica, não havia nenhum plano de Educação abrangente. No primeiro projeto educacional conhecido, o confuciano (século VI a.C.), a ênfase não era popular, mas elitista, já que Confúcio queria restabelecer o império, o transformado quase numa obra de icção por causa do ínimo poder exercido pelo Confúcio. W ik ip éd ia . Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br O fenômeno religioso 25 imperador. O sistema idealizado pelo mestre visava a preparar os funcionários públicos, os mandarins, que seriam a base burocrática do império. Deve-se notar que, embora seja atualmente considerado uma religião, o confucionismo tinha a princípio uma função muito mais política e pedagógica do que propriamente religiosa. Num certo sentido, é a Reforma que ata o nó bem irme da religião com a educação. Lutero achava que ela poderia fazer de alguém um cidadão útil para o Estado. Já nos primeiros anos da Reforma, recomendava aos príncipes e gover- nantes que fundassem escolas e obrigassem os pais a enviar a elas os ilhos. Por outro lado, a im de pôr em prática a noção de sacerdócio universal de todos os crentes, advogava que todo cristão poderia ler a Bíblia e interpretá-la — não ale- atoriamente — de modo objetivo, levando em conta as regras da gramática e da retórica e todo o contexto geográico, histórico, social etc. Pode-se até airmar, sem nenhum receio, que a educação brasileira não seria hoje o que é sem as escolas confessionais, pois são milhares por toda parte. É interessante analisar a religião no intuito de abrir as lentes para um novo olhar. À medida que conseguimos nos despir de preconceitos, avaliamos de outra maneira e enriquecemos culturalmente. Você vai perceber isso quando se deparar com notícias de jornais e televisão. O assunto “religião” será percebido com mais atenção. 1. Em grupos formados com quatro pessoas, reletir e listar sobre a inluência da religião na vida diária da sua cidade. 2. Num segundo momento, os grupos apresentam suas respostas e abrem o debate com o grande grupo. A dica de estudo é prática. Busquem o diálogo. Pesquisem na internet sites que mostrem a rela- ção entre arte e religião. Ouçam músicas que tenham sido inspiradas pela religião. Pode ser música clássica, gospel ou mesmo popular. Muitos jovens, das mais diversas religiões, costumam compor músicas e gravá- las em CD. Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br Cultura Religiosa 26 Com quais aspectos desta aula você se identiicou? Escreva o relato sobre uma visita a algum museu, o ouvir de uma música etc., que o tenha reportado à religião. Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br As grandes religiões I V amos partir para uma longa viagem. A idéia é dar a volta ao mundo e estudar as grandes re-ligiões. Se fôssemos numerar todas as religiões existentes no mundo, possivelmente teríamos milhares. Portanto, vamos falar das principais, pois a partir dessas é que surgiram todas as outras. Cada uma das grandes religiões produziu milhares de seitas ou grupos menores que foram se subdividindo durante os séculos. Todas produziram uma grande riqueza cultural e valores fundamen- tais para a preservação do ser humano. Hinduísmo É uma religião intrigante em muitos aspectos. Não tem um fundador, apenas um livro sagrado ou regras singulares que nos ajudam a entender facilmente suas crenças e suas tradições. Nasceu há cerca de 4 mil anos, na Índia. É difícil falar dela como uma religião só. O Hinduísmo tem uma ininidade de ramos e divindades. A religião hindu passou por constantes transformações ao longo dos séculos – resultado das sucessivas invasões que marcaram a história deste povo. Apesar da di- versidade de deuses e formas de encontrar o caminho, um aspecto é comum entre todos: a vida na Terra é parte de um ciclo de nascimentos, mortes e renascimentos, do qual é preciso se libertar. A reencarnação, determinada pela Lei do Carma, talvez explique a resignação e a satisfação pela vida que levam, mesmo diante de costumes tão diferentes dos nossos e da “pobreza” (do nosso ponto de vista) em que vivem. Origem Não há uma precisão histórica sobre o início do Hinduísmo. Ele é resultado de um processo gradual, provém das religiões primitivas tribais da Índia e toma forma com a invasão deste país, por volta de 1500 a.C., pelos arianos indo-europeus. Seu sistema religioso está organizado em torno de quatro escritos sagrados, conhecidos como Vedas. As tradições religiosas eram inicialmente transmitidas oralmente. A partir de 800 a.C. é que surgem os primeiros escritos. O Rig-Veda é o livro principal. Aos Vedas são acrescentados dois outros livros: os Brahmanas e o Upanishads. As três obras contêm todo o Dharma, as obrigações da casta, uma espécie de lei. A melhor deinição é que [...] projeta-se como a religião eterna e se caracteriza por sua imensa diversidade e pela capacidade excepcional que vem demonstrando através da história de abranger novos modos de pensamento e expressão religiosa. (GA- ARDER, 2000, p. 40). Por outro lado, encontramos algumas pistas que nos levam a entender o processo de construção e consolidação do Hinduísmo: [...] A invasão dos árias levou à Índia um politeísmo já organizado, como mitos e cultos próprios, de caráter natu- ralista [...] Para assegurar o predomínio de sua casta, os sacerdotes arianos elaboraram uma doutrina sincretista, em que o conceito de brahman, de alguma forma equivalente ao mana dos melanésios, era elevado a uma ordem superior, absolutizada, que por vezes se identiicava com a própria divindade (donde o deus Brahma, personiica- do). Desta forma, valorizavam a sua mediação sacerdotal, pois pelos ritos sagrados podiam produzir e manipular o brahman (conceito mágico). (PIAZZA, 1991, p. 246). Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br Cultura Religiosa 28 Muitos entendemque os arianos usaram o Hinduísmo para exercer o poder e governar os hindus sem resistência, mas isso é apenas uma hipótese. O povo hindu Precisamos pensar nas pessoas, no povo hindu, e como a religião funciona no dia-a-dia. Olhando o Hinduísmo como um todo – sua grande literatura, seus rituais complexos, sua difundida cultura popular, sua arte opulenta – podemos resumir tudo numa única frase: “Você pode ter aquilo que deseja.” (SMITH, 1991, p. 30). Pense no que as pessoas buscam na vida: prazer, sucesso mundano (rique- za, fama e poder), serviço e libertação. Os hindus não proíbem nenhuma dessas buscas. Para eles tudo tem o seu momento na vida e se você desejar essas coisas deve buscá-las. Por outro lado também sabem que nem todas as buscas vão trazer os resultados esperados. Somos pessoas limitadas Sabem os hindus que somos pessoas limitadas na alegria, no conhecimento e na existência. Na alegria, por exemplo, existem restrições como a dor física, a frustração que surge dos impedimentos ao desejo e o tédio com a vida em geral. A dor física é a menos problemática. Como a intensidade da dor se deve, em parte, ao medo que a acompanha, dominar o medo reduzirá a dor. A segunda grande limitação da vida humana é a ignorância. Dizem os hin- dus que ela pode ser removida. Os Upanishads falam de “conhecer aquilo cujo conhecimento traz o conhecimento de todas as coisas”. Quanto à terceira grande limitação, a existência, o Hinduísmo leva essa idéia um pouco além, propondo um eu extenso, com vidas sucessivas, assim como uma única vida é feita de momentos sucessivos. A literatura hindu é rica em metáforas e parábolas destinadas a nos desper- tar para as “minas de ouro” que repousam ocultas nas profundezas do nosso ser. Somos como reis que, vítimas de um ataque de amnésia, vagueiam pelo reino vestindo andrajos, sem saber quem realmente são. Ou como um ilhote de leão, separado da mãe, que é criado por ovelhas e se acostuma a pastar e balir, acreditando ser também uma ovelha. Somos como o amante que, no sonho, corre o mundo, desesperado em busca da amada, esquecido de que ela está deitada ao seu lado. Os quatro estágios da vida Segundo a tradição hindu, a vida do homem está dividida em quatro está- gios, denominados asramas: Bramacarya – é o estágio da juventude. Fase em que o estudante deve aprender os ensinamentos dos Vedas com um professor mais velho ou com um sábio; Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br As grandes religiões I 29 Grihastha – fase adulta, em que ele assume o papel de chefe de família; Vanaprastha – é o estágio do homem idoso. Ele deve gradualmente afas- tar-se das coisas deste mundo e dedicar-se à relexão; Samnyasin – nesta fase, o indivíduo deve renunciar ao mundo. A vida da mulher não é dividida em etapas. Divindades O Hinduísmo possui uma tríade de grandes deuses – Brahma, o criador, Shiva, o destruidor, e Vishnu, o conservador. Além desses, os hindus possuem milhões de divindades, chamadas de divindades dos lares. É a religião no mundo com o maior número de deuses. A única regra universalmente aceita pelo hindu é a de seguir as normas de sua casta, na expectativa de um futuro feliz para si mesmo. Brahma, o criador Nascido de uma lor-de-lótus que brotava do umbigo de Vishnu, Brahma é o criador, o responsável pela construção do Universo. Ele é casado com Sarasvati, a deusa do conhecimento. Embora seja central na mitologia hindu, Brahma não é muito cultuado porque já realizou sua tarefa e só voltará na próxima criação do mundo. Shiva, o destruidor Esse possui dois aspectos principais, aterrorizante e benevolente, aparece sob muitas formas e recebe mais de mil nomes. O primeiro é Rudra, um deus violento, o deus das tempestades. Durante a dinastia Gupta, Shiva era ao mesmo tempo o deus do amor e da destruição. Suas manifestações podem ser divididas em cinco categorias: o jovem asceta, o dançarino cósmico, o senhor da destruição, o demônio Brairava e o marido amoroso. Ele é representado vestido ou nu, com o cabelo longo preso em um coque ou usando uma coroa. Vishnu, o protetor Conhecido como deus preservador, Vishnu representa a força criadora que une todo o universo e possibilita a luz e a vida. Ele incorpora o amor divino e controla o destino humano. Pode ser reconhecido pela sua cor azul-escura e pelos quatro braços, que sugerem sua capacidade de alcançar os quatro cantos do mundo. Vishnu é muito popular, principalmente sob a forma de avatares – suas diversas encarnações. Reencarnação Os hindus acreditam na reencarnação ou transmigração das almas. É um pro- cesso de ininitas encarnações com o im de ser absorvido o espírito pelo absoluto Brahma. Isto signiica que as almas nunca morrem, desde que façam parte do indes- trutível tudo, Brahma. A alma de um homem de baixa posição social poderá renascer como uma cobra ou até como um objeto não pertencente ao plano humano, depen- Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br Cultura Religiosa 30 dendo da segunda crença, a Lei do Carma. Entendem que o homem é hoje resultado de suas ações anteriores a esta vida. Os hindus dividem o povo em castas. O grupo de maior valor era formado pelos Brâmanes ou líderes religiosos, também chamados de videntes. Logo abaixo aparecem os príncipes ou administradores, depois os agricultores ou vassalos se- guidos dos servos. Fora das castas estão os párias, ou intocáveis, uma espécie de mendigos e miseráveis. Desta forma, para eles, é impossível questionar, duvidar ou aspirar a qualquer posição social nessa existência. Uma das explicações para a questão das castas é que os arianos (invasores europeus) mantinham ligação com algumas religiões, como a grega, a romana e a germânica. Eles davam importância signiicativa ao sacrifício e faziam diversas oferendas a seu panteão de deuses, a im de conquistar favores e manter sob con- trole as forças sobrenaturais. As crenças e os ritos, já existentes na região, foram incorporados ao sistema religioso dos invasores e originaram novos cultos. Aí está um exemplo de sincretismo religioso, como também aconteceu no Brasil com as religiões africanas. Animais sagrados Ouvimos muitas histórias sobre animais sagrados na Índia, especialmente sobre a vaca. Realmente existe o culto aos animais. A vaca é um animal sagra- do, simbolicamente vista como Alimentadora Sagrada. Não pode ser morta sob nehuma circunstância. A pessoa que toca a vaca ica ritualmente limpa, por isso o leite e todos os seus derivados, como a manteiga, são utilizados em cerimônias de puriicação. Até seus excrementos são sagrados e podem ser usados como agentes de puriicação. Também são considerados sagrados animais como a cobra, o cro- codilo e o macaco. Normalmente os hindus não gostam de tirar a vida dos animais e muito menos comer sua carne, o que tornou a maioria dos iéis vegetarianos. Para concluir, é importante ressaltar que extraímos apenas algumas partes importantes que nos dão uma idéia da religião. Mas entender em que os hindus acreditam é difícil, como nos conta o historiador: É difícil descrever o Hinduísmo. É preciso vivenciar. Os sábios hindus parecem mais sá- bios do que nós; têm mais força, mais alegria. Parecem ser mais livres no sentido de não se coninarem à ordem natural. Parecem serenos, até mesmo radiantes. Paciistas por na- tureza, seu amor lui para o mundo, para todos sem distinção. O contato com eles fortalece e puriica. (SMITH, 1991, p. 41). Budismo Um príncipe hindu rico, possuidor de todos os bens necessários para uma vida agradável, sem problemas e pertencente a uma das maiores castas. Bem que Siddartha Gautama poderia desfrutar tudo isso e viver sua vida com sua esposa, sua ilha recém-nascida, nos palácios de seu pai. Mas faltava alguma coisa. Os problemas existenciais o levaram a abandonar tudo em busca de uma solução paraEsse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br As grandes religiões I 31 superar o sofrimento humano. Passou a ser conhecido como Buda ou “Ilumina- do”. Espalhou suas descobertas por toda a Índia dando origem a uma das religiões mais inluentes do mundo. Hoje, são mais de 400 milhões de adeptos. Para se compreender o Budismo é necessário muita leitura. É uma religião complexa devido às muitas seitas, escolas e pensamentos existentes, sempre de caráter nacionalista regionalizado. O Budismo começou no século VI a.C. como uma dissidência do Hinduís- mo, nas proximidades do Himalaia. Siddartha Gautama, o fundador, foi um prín- cipe que não concordou com o poder salvador dos Vedas, com os rituais e com a ascendência dos sacerdotes nas questões religiosas. Deixou tudo o que tinha e durante seis anos procurou o verdadeiro caminho da salvação ou o sentido mais elevado e permanente da vida. Dentre as suas tentativas, buscou experiências que lhe respondessem aos anseios da vida. Tentou os caminhos dos sacerdotes e do ascetismo, chegando pró- ximo à morte por causa do sofrimento ao seu corpo. Não foi nesse momento que encontrou a paz de espírito. Como um ascético, testava-se a si mesmo, chegando ao extremo de comer suas próprias fezes para testar sua autodisciplina. Depois de várias tentativas, veio a resposta: a salvação pode ser conquistada por um ca- minho intermediário entre o desejo e a mortiicação. Assim chegamos à idéia do “caminho do meio”. As quatro verdades Buda desenvolveu o seu pensamento em torno de quatro verdades, como mostra Steffen (2000, p. 42): a primeira verdade é que o sofrimento é universal; a segunda identiica a causa do sofrimento (o desejo interno); a terceira indica a necessidade de dominar o desejo e aniquilar a ambição; a quarta verdade vai mostrar o caminho (os oito caminhos) para aniquilar a ambição. Os oito caminhos Fé justa Resolução justa Palavra justa Conduta justa Ocupação (trabalho) justa Esforço justo Pensamento justo Meditação justa Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br Cultura Religiosa 32 Com isso, alcança-se nirvana, que é o estado mental livre de paixões. Assim Gautama anulou todo o sistema de castas1 do Hinduísmo, os rituais brâmares e toda a concepção de divindade. Manteve, no entanto, a doutrina do carma e da reencarnação. A ilosoia budista pode ser resumida pela airmação de que há um caminho do meio. Buda dizia que os excessos, tanto de prazeres sexuais como de ascetis- mo, eram evidências externas do desejo latente – desejo de vida material ou desejo de glória espiritual futura. Os dez preceitos O Budismo é rico em preceitos, cuidados a serem adotados para uma vida equilibrada. Quem seguir determinadas regras vai encontrar benefícios no ca- minho com a inalidade de chegar à salvação. Os dez preceitos incluem desde ordenamentos para não se destruir a vida até a abster-se da promiscuidade, enfa- tizando a necessidade de só possuir o que for dado como presente, afastar-se da mentira, não beber álcool, fazer refeições apenas depois do surgimento da lua, além de regulamentar o uso de ornamentos e metais preciosos. Quando Gautama morreu, por volta dos 80 anos, o movimento já estava institucionalizado. No livro O homem e o sagrado, o autor do texto que fala sobre o Budismo, Professor Ronaldo Steffen, faz uma referência interessante de Buda. Diz ele: Buda era um humanista. Embora airmasse a existência de uma multidão ininita de deu- ses e espíritos menores, era seu parecer que essas divindades não tornavam os seres huma- nos melhores, pois eram seres initos e sujeitos a todas as fraquezas da natureza humana. Não acreditava num ser supremo nem em rituais puramente cerimoniais. Também não via importância no ato de orar e na existência de sacerdotes. Ensinava seus seguidores a de- penderem de si mesmos, mas permanecendo benevolentes e amorosos com a humanidade. Aceitava, no entanto, a crença da transmigração das almas e a lei do carma. Acreditava que os erros do passado poderiam ser superados por uma vida exemplar e que a alma nada mais era do que a inter-relação de cinco energias, que se desintegravam quando o ser físico morria. (STEFFEN, 2000, p. 43). O Budismo e suas diversas seitas O Budismo hoje é formado por diversas seitas. Com o passar do tempo seus seguidores foram introduzindo novos ingredientes nos rituais. Por este motivo, o Budismo não pode ser totalmente explicado sem uma leitura mais aprofundada. O paradoxo é que Gautama, que não acreditava em Deus, tornou-se um para seus seguidores. Três séculos após sua morte, já havia pelo menos 16 seitas distintas de Budismo. É necessário estudar um pouco da expansão territorial do Budismo para entender o surgimento destas seitas. Esta expansão ocorre no século III a.C., quando Asoka, talvez o mais importante imperador da Índia, envia missionários às nações estrangeiras para convertê-las ao Budismo. Desta forma, encontramos hoje o Budismo chinês, com ênfase no culto aos ancestrais; o Budismo japonês, que inclui o antigo deus Shinto em sua lista de divindades; e o Budismo tibetano, que enfatiza a vida monástica e o princípio da não-quebra do poder eclesiástico. 1Castas: derivam de quatro grandes classes da antiga Índia: Brâmares (sacerdotes), Kshatriyas (governantes), vaisyas (agricultores, comer- ciantes etc.) e Sudras (escra- vos, párias), que represen- tavam a instituição social e religiosa da sociedade hindu. Cada uma delas é presidida por um conselho com poder extraordinário. Nas escritu- ras hindus, o primeiro dever religioso é observar as regras da casta. Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br As grandes religiões I 33 Algumas seitas budistas Seitas da “Terra Pura”, que seguem tenazmente o objetivo último de atingir o paraíso. Ensinam que as obras não têm importância e que, para garantir os resultados desejados na vida, basta crer e executar os rituais. Seitas dos “Intuitivos”, que perseguem os benefícios da contemplação vivendo vida simples e autodisciplina. Seitas “Racionalistas”, que se utilizam de processo sincrético, alegando que não há um único caminho a ser observado. Seitas da “Palavra Pura”, que depositam sua fé em salvadores cuja boa vontade deve ser buscada em complexas observações ritualísticas. Seitas “Sociopolíticas”, que desenvolvem, como no Japão, um forte sentimento nacio- nalista como doutrina central. (STEFFEN, 2000, p. 44) O Budismo pode ser analisado a partir de suas duas maiores escolas de pen- samento: a Hinayana, predominantemente monástica e não-teísta, e a Mahayana, que ensina que o universo é habitado por numerosos espíritos e deuses ansiosos por ajudarem os homens em suas necessidades. As duas religiões têm algumas características bem deinidas. Mas é bom lembrar que o Hinduísmo é uma dissensão do Budismo. Buda não concordava com a situação de resignação, principalmente dos párias. Para ele, a vida não tinha sentido se fosse compreendida dessa maneira. Ao mesmo tempo ica claro que para Buda não há a necessidade de um deus que supra todas as necessidades do homem, pois o ser humano, por suas próprias forças, pode encontrar o caminho e chegar ao nirvana. 1. No que o pensamento hinduísta difere do pensamento ocidental? 2. Quais as lições que podemos tirar dos hindus para a nossa vida? Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br Cultura Religiosa 34 3. Qual a ligação de Sidharta Gautama com o Hinduísmo? 4. Quando falamos em reencarnação, qual religião da atualidade está relacionada a este pensa- mento e como isso acontece? Recomendo para estudo a leitura dos capítulos 2 e 3 do livro: SMITH, Huston. As religiões do mundo. São Paulo: Cultrix, 1991. Como vocêencararia a vida se tivesse que viver como os hindus e eles dissessem que você per- tencesse aos párias? Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br As grandes religiões II Confucionismo V amos caminhar por terras orientais. Uma volta pela China é o nosso compromisso neste mo-mento. Vocês já devem ter observado que a China está despontando em todo o mundo pelo seu crescimento econômico e aos poucos vem sendo reconhecida como uma grande potência mundial. Talvez, o que você não saiba é que, “até 1911, a China foi uma potência imperial, onde o imperador reinava acima de tudo. O imperador era considerado o representante do país diante do su- premo deus Céu”. (GAARDER, 2000, p. 77). O que havia por traz de tudo isso era uma ideologia confucionista. O conjunto de pensamentos, regras e rituais sociais confucionistas, foi desenvolvido pelo ilósofo K’ung-Fu-Tzu (551-479 a.C.). No Brasil, o conhecemos como Confúcio. Além disso, Confúcio formulou normas para a vida religiosa, para os sacrifícios e os rituais. Segundo Gaarder, o confucionismo era, na verdade, uma religião estatal praticada pela elite e pelas classes dominantes, a qual, no entanto, nunca se disseminou muito entre as massas, as camadas mais amplas da população. Da mesma forma que o imperador, em seu palácio em Pequim, icava remotamente afastado das pessoas comuns, o Céu era remoto e impessoal para a grande massa dos chineses pobres, trabalhadores e camponeses. A religião dos pobres era a adoração dos espíritos, particularmente dos antepassados, religiosidade carregada de magia e traços de outras religiões. (GAARDER, 2000, p. 77). Quem foi Confúcio Confúcio nasceu em 551 a.C., ilho de pessoas pobres, e desde cedo demonstrou um grande in- teresse no que se referia à vida. Diz a história que “após iniciar sua carreira pública como um oicial de segunda classe no estado de Lu, aos 18 anos, tornou-se professor e começou a ensinar História, Filosoia, Ética, Música, Poesia e boas maneiras” (STEFFEN, 2000, p. 48). A idéia era mostrar aos seus alunos os princípios necessários naquele momento de decadência da ordem feudal chinesa. Num outro texto, lemos o seguinte: Embora suas lembranças da infância contenham referências nostálgicas à caça, à pesca e ao arco, sugerindo com isso que ele foi tudo menos uma traça de livro, Confúcio dedicou-se cedo aos estudos e se saiu bem. Chegando aos quinze anos de idade, forcei a minha mente ao aprendizado.” Com vinte e poucos anos, depois de ter ocupado vá- rios cargos públicos insigniicantes, depois de ter feito um casamento não muito bem sucedido, ele se estabeleceu como professor particular. Essa era obviamente a sua vocação. A reputação de suas qualidades pessoais e sabedo- ria prática espalhou-se com rapidez, atraindo um Circulo de discípulos entusiasmados. (SMITH, 1991, p. 156). A carreira de Confúcio não foi um sucesso. Sua ambição era bem maior. Alguns biógrafos che- garam a criar a lenda de que, por volta dos 50 anos, Confúcio realizou uma brilhante administração durante cinco anos, avançando rapidamente de ministro de Obras Públicas para ministro da Justiça e primeiro-ministro, e fazendo de Lu uma província modelo. “A verdade é que os governantes da época tinham medo da franqueza e da integridade de Confúcio, tanto medo que nunca o designariam para qualquer posição de poder” (SMITH, 1991, p. 156). Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br Cultura Religiosa 36 Os escritos Confúcio compilou alguns materiais, os quais foram utilizados em sua i- losoia de vida. Dentre os materiais, encontramos: Shih Ching (Livro de poesias), Li Chi (Livro dos ritos), I Ching (Livro das transformações), Shu Ching (Livro de história) e Ch’um Ch’íu (os anais da primavera e do outono). A ilosoia de Confúcio A questão central na ilosoia de Confúcio está no termo li . Signiica cortesia, reverência, ritos e cerimônias e o posicionamento ideal na vida pública e privada. “O chinês mais moderno entende por ‘li’ uma ordem social ideal, com tudo em seu devido lugar e com todas as pessoas prestando respeito e reverência aos outros na hierarquia social”. (STEFFEN, 2000, p. 48). De uma certa forma, a idéia era estabelecer a ordem e acabar com a queda do respeito desencadeada pela ordem feudal. Confúcio acreditava que, se cada um soubesse o seu lugar, poderia haver um comportamento de reciprocidade como um guia de vida. É aqui que vai surgir o dito “não faças aos outros o que não queres que te façam”. Político fracassado, Confúcio foi, sem dúvida, um dos maiores professores do mundo. Preparado para ensinar história, poesia, governança, propriedade, ma- temática, música, adivinhação e esportes, ele foi, à moda de Sócrates, um homem Universidade. Seu método de ensino também era socrático. Sempre informal, ele não fazia preleções; preferia conversar sobre os problemas propostos pelos seus alunos, citando leitura e fazendo perguntas. Ele se apresentava aos alunos como um companheiro de viagem, comprometido com a tarefa de se tornar plenamente humano, mas modesto. Quanto ao ponto a que chegou no cumprimento dessa ta- refa, ele mesmo cita: Há quatro coisas no Caminho da pessoa profunda, nenhuma das quais fui capaz de fazer. Servir ao meu pai, como esperaria que um ilho me servisse. Servir ao meu go- vernante, como esperaria que meus ministros me servissem. Servir ao meu irmão mais velho, como esperaria que meus irmãos mais novos os servissem. Ser o primeiro a tratar os amigos como esperaria que eles me tratassem. Essas coisas não fui capaz de fazer. (CONFÚCIO). Homem simples e humilde Não havia nada de sobrenatural nele. Confúcio gostava de estar com as pes- soas, de jantar fora, de cantar em coro uma bela canção e de beber, mas não em ex- cesso. Seus discípulos relataram que, nas horas de folga, o Mestre tinha um com- portamento informal e alegre. Ele era afável, mas irme; digno, mas agradável. Estava sempre pronto para defender a causa das pessoas comuns contra a nobreza opressiva de sua época; nas suas relações pessoais, ele rompia escandalosamente as linhas de classe impostas pela sociedade e nunca menosprezava os alunos mais pobres, mesmo quando não podiam pagar as aulas. Era gentil, mas capaz de sar- casmos quando achava merecido. Falando daquele que começava a criticar suas Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br As grandes religiões II 37 companhias, Confúcio observou: “É evidente que Tzu Kung tornou-se perfeito. Ele tem tempo para esse tipo de coisa. Eu não tenho tempo livre”. Confúcio nunca lamentou a escolha que fez. Ele dizia que com alimento ordinário para comer, água para beber e o braço dobrado como travesseiro, ainda existia alegria em meio a isso e a tudo. As riquezas e honrarias adquiridas por meios iníquos não signiicaram para ele mais do que as nuvens lutuantes. A gloriicação veio após a sua morte. Entre seus discípulos, o gesto foi ime- diato. Disse Tzu Kung: “Ele é o sol, a luz, aos quais não há meios de se subir. A impossibilidade de igualarmos nosso Mestre é como a impossibilidade de alcan- çarmos o céu subindo por uma escada”. Em poucas gerações, Confúcio era visto em toda a China como o “mentor e modelo de dez mil gerações”. O que mais lhe teria agradado foi a atenção dada às suas idéias. Durante dois mil anos – até o século XX – toda criança chinesa chegou à sala de aula, toda manhã, e lavantou as mãozinhas postas na direção de uma mesa que tinha uma placa com o nome de Confúcio. Praticamente, todo estudante chinês estudou cuidadosamente os pro- vérbios de Confúcio, durante horas a io; o resultado é que eles se tornaram parte da mente chinesa, chegando até aos analfabetos na forma de provérbios. O gover- no chinês também foi inluenciado por essas idéias, mais profundamente do que qualquer outra pessoa.Alguns provérbios Verdadeiro ilósofo não será aquele que, mesmo sendo reconhecido, ja- mais guarda ressentimento? Não faças aos outros o que não queres que te façam. Não me entristece que os outros não me conheçam. Entristece-me não conhecer os outros. Não esperes resultados rápidos nem procures pequenas vantagens. Se buscares resultados rápidos, não alcançarás a meta inal. Se te deixares desviar por pequenas vantagens, nunca realizarás grandes feitos. As pessoas mais nobres primeiro praticam o que pregam e depois pregam de acordo com a sua prática. Se quando olhas dentro do teu coração não vês nada de errado, por que te preocupas? O que há para temeres? Quando conheces uma coisa, reconhecer que tu a conheces; e quando não a conheces, saber que tu não sabes – isso é conhecimento. Ir longe demais é tão mau quanto icar aquém. Quando vês um homem digno, pensa quando poderás emulá-lo. Quando vês um homem desprezível, examina o teu próprio caráter. Riqueza e posição, eis o que as pessoas desejam; mas se não as consegui- rem da maneira correta, nunca as possuirão. Sê bondoso com todos, mas íntimo apenas dos virtuosos. Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br Cultura Religiosa 38 Pano de fundo É claro que os provérbios, por si só, não explicam o sucesso de Confúcio. É necessário compreender o que havia de errado na sociedade em que ele vivia. A Antiga China não era nem mais nem menos turbulenta do que as outras terras. Do oitavo ao terceiro século a.C., porém, a China testemunhou o colapso da dinastia Chou, que foi um governo de paz e ordem. Baronatos rivais icaram em liberdade para fazer o que bem entendiam, criando uma situação idêntica à da Palestina no período dos juízes: “Naqueles dias não havia rei em Israel; cada homem fazia o que parecia certo a seus próprios olhos”. A guerra quase contínua desse período começou dentro dos padrões do ca- valheirismo. O carro de guerra era sua arma, a cortesia era o seu código e os atos de generosidade conferiam honra. Diante da invasão, o barão arrogante enviaria um comboio de provisões ao exército invasor. Ou, para provar que seus homens estavam além do medo e da intimidação, ele enviaria, como mensageiro, soldados que cortariam a própria garganta diante do invasor. Tal como na era de Homero, guerreiros de exércitos inimigos se reconheciam, trocavam desdenhosos cumpri- mentos do alto de seus carros de guerra, bebiam juntos e às vezes trocavam armas antes de entrar em combate. Na época de Confúcio, porém, a guerra interminável degenerava; de cava- lheiresca, tornara-se o terror desenfreado do período dos Estados combatentes. O horror chegou ao auge no século seguinte à morte de Confúcio. Os combatentes entre carros de guerra deram lugar à cavalaria, com seus ataques de surpresa e reides súbitos. Em vez do ato nobre de manter os prisioneiros até receber o resgate, os conquistadores promoviam execuções em massa. Populações inteiras, captura- das nos azares da guerra, eram decapitadas, incluindo velhos, mulheres e crian- ças. Lemos descrições de chacinas de 60 mil, 80 mil e até de 400 mil pessoas. Há relatos de vencidos atirados em caldeirões de água fervente e seus familiares forçados a beber aquela “sopa” humana. A pergunta, nessa época, era: por que continuamos nos destruindo? Talvez aí esteja a resposta para compreendermos o poder do Confucionismo. Confúcio viveu numa época em que a coesão social havia se deteriorado até o ponto crítico. Confúcio insistia que o amor ocupa um lugar importante na vida; mas tam- bém que o amor deve ser apoiado por estruturas sociais e por um etos coleti- vo. Bater exclusivamente na tecla do amor é o mesmo que pregar os ins sem os meios. Quando perguntaram à Confúcio certa vez, “devemos amar nossos inimi- gos, aqueles que nos causam mal?”. Ele respondeu: “De modo algum. Respondei ao ódio com a justiça e ao amor com a benevolência. Caso contrário, estaríeis desperdiçando vossa benevolência.” Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br As grandes religiões II 39 Respeito às tradições O que chama a atenção nas religiões orientais é o respeito que todos culti- vam pelos mais velhos. A idade não é um peso, mas uma bênção. A experiência é importante para os mais novos, que a buscam nas pessoas de maior vivência. As- sim também são conservadas as tradições, transmitidas pelos mais velhos. Sobre a socialização, o próprio Confúcio ensinou: Deve ser transmitida dos velhos para os jovens, enquanto os hábitos e as idéias devem ser conservados como uma teia ininterrupta de memória entre os portadores da tradição, geração após geração. [...] Quando a continuidade das tradições de civilidade se rompe, a comunidade é ameaçada. A menos que essa ruptura seja consertada, a comunidade se esfacelará em [...] guerras de facções. Isso porque, quando a continuidade é interrompida, a herança cultural não está sendo transmitida. A nova geração se defronta com a tarefa de redescobrir, reinventar e reaprender, por tentativa e erro, a maior parte daquilo que precisa saber. [...] Essa não é tarefa para uma única geração (CONFÚCIO). A tradição deliberada A tradição deliberada segue, no esquema de Confúcio, cinco termos chaves: Jen: Etimologicamente uma combinação dos caracteres correspondentes a “ser humano” e “dois”, designa o relacionamento ideal que deve existir entre as pessoas. Traduzido das mais variadas formas (bondade, fraterni- dade, benevolência e amor), talvez a melhor maneira de transmitir a idéia seja pela expressão: “sensibilidade do coração humano”. Jen envolve simultaneamente um sentimento de compaixão pelos outros e de respeito por si mesmo, um sentimento indivisível da dignidade da vida humana, onde quer que ela apareça. Chun Tzu: Se jen é o relacionamento ideal entre seres humanos, chun tzu refere-se ao termo ideal nesses relacionamentos. Esse conceito tem sido traduzido como homem superior e o melhor da humanidade. Talvez pessoa amadurecida seja uma tradução tão iel quanto qualquer outra. É o oposto de pessoa estreita, da pessoa mesquinha, da pessoa de espírito pequeno. So- mente quando aqueles que formam a sociedade se transformarem em chun tzus é que o mundo poderá caminhar na direção da paz. Se houver honra no coração, haverá beleza no caráter. Se houver beleza no caráter, haverá harmonia no lar. Se houver harmonia no lar, haverá ordem no país. Se houver ordem no país, haverá paz no mundo. Li: O terceiro conceito, li , tem dois signiicados. Seu primeiro signiicado é propriedade, a maneira pela qual as coisas devem ser feitas. As pessoas Esse material é parte integrante do Curso de Atualização do IESDE BRASIL S/ A, mais informações www.iesde.com.br Cultura Religiosa 40 precisavam de modelos, e Confúcio queria direcionar a atenção delas para os melhores modelos oferecidos pela sua história social. Proprieda- de é um conceito com amplo alcance, mas podemos perceber o âmago do interesse quando ele diz que: Se as palavras não forem correta [...] a linguagem não estará de acordo com a verdade das coisas. Se a linguagem não estiver de acordo com a verdade das coisas, os negócios não poderão ser concluídos com sucesso. [...] Portanto, um homem superior considera necessário que os nomes por ele utilizados sejam falados apropriadamente, e também que aquilo que ele fala possa ser transmitido apropriadamente. O que o homem supe- rior requer é que em suas palavras nada haja de incorreto. Todo o pensamento humano avança por meio de palavras; logo, se as pa- lavras forem oblíquas, o pensamento não conseguirá avançar em linha reta. Aí é importante aquilo que Confúcio chamava de “retiicação dos nomes”. A “retiicação dos nomes”, na doutrina do meio, nas relações constantes, no respeito pela idade e pela família, esboça importantes aspectos especíicos de li
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