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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO IGREJAS ORGÂNICAS - MOBILIDADE E RECONFIGURAÇÃO RELIGIOSA: O CASO DO “CAMINHO DA GRAÇA” LIVAN CHIROMA São Bernardo do Campo 2014 LIVAN CHIROMA IGREJAS ORGÂNICAS - MOBILIDADE E RECONFIGURAÇÃO RELIGIOSA: O CASO DO “CAMINHO DA GRAÇA” Dissertação apresentada em cumprimento às exigências parciais do Programa de Pós Graduação em Ciências da Religião da Faculdade de Humanidades e Direito da Universidade Metodista de São Paulo para a obtenção do grau de mestre. Área de concentração: Religião, Sociedade e Cultura. Linha de Pesquisa: Religião e Dinâmicas Socioculturais Orientador: Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos. Universidade Metodista de São Paulo São Bernardo do Campo 2014 FICHA CATALOGRÁFICA C446i CHIROMA , Livan Igrejas orgânicas – mobilidades e reconfiguração religiosa: o caso do “Caminho da Graça” / Chiroma Livan -- São Bernardo do Campo, 2014. 138fl. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Faculdade de Humanidades e Direito, Programa de Pós-Graduação Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo Bibliografia Orientação de: Leonildo Silveira Campos 1. Trânsito religioso 2. Protestantismo 3. Cristianismo primitivo I. Título CDD 280 A dissertação de mestrado sob o título "IGREJAS ORGÂNICAS - MOBILIDADE E RECONFIGURAÇÃO RELIGIOSA: O CASO DO ´CAMINHO DA GRAÇA´", elaborada por LIVAN CHIROMA, foi apresentada e aprovada em 09 de Outubro de 2014, perante a banca examinadora composta por Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos (Presidente/UMESP), Prof. Dr. Paulo Ayres Mattos (Titular/UMESP) e Prof. Dr. Ronaldo Rômulo Machado de Almeida (Titular/UNICAMP). ____________________________________________ Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos Orientador e presidente da Banca Examinadora ____________________________________________ Prof. Helmut Henders Coordenador do Programa de Pós Graduação Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião Área de Concentração: Religião, Sociedade e Cultura Linha de Pesquisa: Religião e Dinâmicas Socioculturais AGRADECIMENTOS Ao CNPq pela concessão da bolsa. Sou grato à minha mãe Yasu Chiroma Veiga e ao meu pai, o qual não viu este texto concluído por conta de seu falecimento em agosto de 2012. A Francisco Ferreira Veiga (1936-2012) dedico este trabalho. Agradeço ao Professor Leonildo Silveira Campos, meu orientador, pelas sugestões, horas de orientação e conversas; sobretudo, por seu empenho para que esta dissertação se concretizasse na reta final. Sou privilegiado por ter sido orientado por um tão reconhecido pesquisador. À Profa. Dr. Sandra Duarte e ao Prof. Dr. Nicanor Lopes, pelas colaborações na banca de qualificação. Aos integrantes do GIPESP – Grupos de pesquisa interdisciplinar do Protestantismo. Aos professores do PPG em Ciências da Religião da UMESP, pela dedicação. A Caio Fábio D´Araújo Filho, Carlos Bregantim, Ana D´Araújo, Marcelo Quintela, Leonardo Silva, Gito Wendel, Wagner H. Silva e a todos das “Estações do Caminho” Campinas, São Paulo e diversos colaboradores participantes de “Igrejas Orgânicas” e do “Caminho da Graça” que generosamente foram solícitos aos meus questionamentos. A Alex Fajardo, que me cedeu seu acervo pessoal das Revistas VINDE; Aos amigos do curso de Ciências Sociais da Unicamp e aos participantes do Laboratório de Antropologia da Religião - LAR. Ali participei de diversos debates que colaboraram neste para este texto. Aos amigos e amigas que sentiram minha ausência, obrigado pela compreensão. À Dayana Façanha, pela amizade, paciência e incentivo por conta da produção desta dissertação, nos momentos de incertezas e distância. CHIROMA, Livan. Igrejas Orgânicas – mobilidade e reconfiguração religiosa: o caso do “Caminho da Graça”, dissertação de mestrado, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2014. RESUMO Este texto é a apresentação do resultado de uma pesquisa empreendida sobre o recrudescimento de um movimento que convencionamos denominar de “Igreja Orgânica” (IO). Para este estudo, diante de centenas de grupos encontrados durante o período da pesquisa, escolhemos a análise do “Caminho da Graça” (CdG), comunidade iniciada em meados de 2004, e que atualmente conta com cerca de 70 grupos no Brasil e no exterior. O grupo foi iniciado pelo (ex) reverendo Caio Fábio de Araújo Filho, ou simplesmente Caio Fábio, sustentados por uma mensagem de “contracultura evangélica” ou um “retorno da Igreja cristã tal como era no Novo Testamento”. Embora o CdG categoricamente não se auto declare uma IO, pudemos enquadrá-lo nesta tipologia observando as práticas e discurso das principais lideranças. Vemos na consolidação do Neopentecostalismo, especialmente nos anos de 1990, o início das suspeitas e decepções em massa com o universo evangélico, sobretudo advindas deste segmento do cristianismo; sendo assim estas comunidades alternativas vêm acolher dissidentes “decepcionados” e “feridos” por estas expressões religiosas. Fez-se necessário, portanto, compreender a morfologia das igrejas no período do cristianismo original, uma vez que um dos pontos de contestação destes grupos é o retorno às experiências comunitárias dos primeiros cristãos, tais quais narradas no Novo Testamento; evidenciar a biografia das principais lideranças do movimento e; enfatizar os conflitos e as motivações intracampo e extracampo existentes para compreender o êxodo e circulação dos fiéis em direção a uma experiência de fé mais pormenorizada e “pós moderna”; houve também necessidade de uma observação participativa, de inspiração etnográfica, para a condução de abordagens teóricas. Palavras-chaves: Protestantismo; Caminho da Graça, Igrejas Orgânicas, Trânsito Religioso, Evangélicos não Determinados, Cristianismo primitivo. CHIROMA, Livan. Organic Churches – mobility and religious rearrangement: the “Caminho da Graça” case, Master thesis, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2014. ABSTRACT This text is the presentation of the results of a study on the rise of a movement here conventionally called “Organic Church” (OC). For the present study, among hundreds of groups met during the research period, “Caminho da Graça” (CdG), a community founded by mid-2004 and currently numbering around seventy groups in Brazil and abroad, was chosen as the object of analysis. The group was started by the (ex-) Rev. Caio Fábio de Araújo, or simply Caio Fábio, backed by a message of “Evangelical counterculture” or a “return to the Christian Church as it was in the New Testament.” Although CdG categorically denies the OC label, we can fit them into the movement observing the practices and discourse of the main leadership. The consolidation of Neo- Pentecostalism, especially in the 1990s, is seen as the beginning of suspiciousness and mass disappointment with the Evangelical, and above all the Neo-Pentecostal, worldview. Thus, these alternative communities welcome dissidents “hurt” by these contexts. It was therefore necessary, firstly, to understand the morphology of churches in the original Christianity period, since one of these groups’ points of dispute is the return to community experiences lived in the New Testament; secondly, to expose the biographies of the main leaders of the movement; thirdly, to emphasize the conflicts and motivations both within the church context and outside ofit in order to understand the exodus and the movement of believers towards a more thorough faith experience; and lastly, to perform ethnographically-inspired participative observation in order to conduct theoretical approaches. Keywords: Protestantism; Caminho da Graça, Organic Churches, Religious Transit, Undetermined Evangelicals, Christian Unspecified, Primitive Christianity. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 09 CAPÍTULO I – Cristianismo orgânico ou institucionalizado? ..................................... 15 1.1 Em busca das experiências fundantes ................................................................ 20 1.2 Algumas questões teóricas preliminares ............................................................ 23 1.3 Identidades e comunidade no cristianismo original: sombras e luzes ............... 29 1.3.1 Movimento de Jesus ............................................................................... 31 1.3.2 O surgimento das Ekklésias ................................................................... 37 1.3.3 O papel das redes familiares na expansão do cristianismo .................... 39 1.3.4 Conflitos na Igreja “primitiva” .............................................................. 46 1.4 O início de uma igreja segundo o modelo imperial ........................................... 49 CAPÍTULO II - “Igreja Orgânica”: teoria e técnica ...................................................... 52 2.1 Igrejas orgânicas como construtoras de uma realidade “livre” .......................... 55 2.2 Análise dos produtores culturais ........................................................................ 65 2.2.1 Frank Viola e a denúncia do “Cristianismo Pagão” ............................... 65 2.2.2 Neil Cole - plantando a fé onde a vida acontece .................................... 71 2.2.3 Simson Wolfgang – “casas que transformam o mundo” ....................... 73 CAPÍTULO III – “CAMINHO DA GRAÇA: TRAJETÓRIA DE UMA IGREJA ORGÂNICA .................................................................................................................. 78 3.1 O fundador: Biografia, trajetória e peregrinações ............................................. 81 3.1.1 Do Amazonas ao Rio de Janeiro ............................................................ 83 3.1.2 No Rio de Janeiro uma nova fase: “A era Caio Fábio” ......................... 88 3.1.3 Controvérsias – Associação Evangélica Brasileira (AEVB) x Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) ................................................................. 91 3.2 Estrutura da Visão Nacional de Evangelização -VINDE .................................. 96 3.2.1 A VINDE na televisão ........................................................................... 97 3.2.2 VINDE Revista ...................................................................................... 99 3.2.3 A VINDE na área de assistência social: A Fábrica da Esperança ....... 99 3.3 A Queda de Caio Fábio ................................................................................... 102 3.4 História do “Caminho da Graça” ..................................................................... 103 3.5 Estações do Caminho – novo (não) lugares religiosos .................................... 113 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 128 BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................... 132 ANEXOS ..................................................................................................................... 141 9 INTRODUÇÃO O objetivo deste trabalho é analisar o fenômeno das “Igrejas Orgânicas” (IO)1, tomando-se como objeto de estudo o movimento “Caminho da Graça”, fundado pelo pastor Caio Fábio de Araújo Filho. Procurei trabalhar as biografias, as técnicas e teorias de alguns dos principais pensadores dessa forma de praticar o cristianismo, para sublinhar a recomposição das formas religiosas desenvolvidas pelos sujeitos dissidentes dos principais eixos denominacionais, em direção a uma experiência religiosa menos institucionalizadas. Desta maneira, é importante destacar a construção cultural que os principais líderes dessa tendência usam para recusar o modelo “Igreja Institucional”. Dentro desse esforço daremos enfoque especial ao chamado “Caminho da Graça”, aqui representado como modelo de uma das principais formas no Brasil de questionar a institucionalização da igreja cristã. As primeiras pesquisas que fiz sobre a religião começaram nos trabalhos para conclusão dos cursos nas faculdades de Comunicação e depois na de Teologia. Em ambos os casos tratei de temas que envolviam religião, sociedade e mercado numa perspectiva sociológica. Na primeira, realizei pesquisas sobre o marketing religioso em uma Igreja neopentecostal; na segunda fiz uma análise dos métodos de plantação de igrejas em áreas urbanas, destacando-se a alteridade e os aspectos “transculturais”, que normalmente são pensados nas missões evangélicas que se voltam a uma cultura exótica. Porém, neste caso, salientamos que as metrópoles possuem seu próprio mundo simbólico, que é traduzido pelo missionário ou pelo “plantador de igrejas” nas áreas urbanas, estabelecendo sua própria tradução Na época da graduação li o livro Teatro, templo e mercado de Leonildo Silveira Campos, que despertou interesse pelas pesquisas no campo das Ciências da Religião e da Sociologia. Ao iniciar o Mestrado, o interesse se concentrou na análise do trânsito religioso entre os jovens evangélicos, sob a influência da “pós-modernidade”. Este fenômeno tornou-se digno de atenção através de observações pessoais e intuitivas, ao notar que muitos dos meus conhecidos e amigos evangélicos estavam deixando o hábito de 1 Apesar de outras nomenclaturas, como “Igreja nos Lares”, Igreja Simples”, “Igreja doméstica”, “Igreja não denominacional”, neste trabalho usaremos a expressão “Igreja Orgânica” ou “IO”. 10 congregar em suas igrejas, sobretudo os mais jovens, demonstrando, com isso, um “desânimo religioso”. Porém, no decorrer das disciplinas cursadas no Mestrado, pude compreender o fenômeno dos “desigrejados” como fator subjacente da secularização, a atomização da religiosidade, a relativização institucional e a ação religiosa forjada em ambientes web, formando ”rebanhos virtuais”2 Logo, como parte do processo ao longo da pesquisa, o desafio inicial foi o de delimitar o objeto a ser analisado. Nesta fase guardamos a publicação que estimularia as primeiras indicações do que seria posteriormente pesquisado. Refiro-me à matéria no jornal Folha de S. Paulo, do dia 15/08/2011 cujo título era “cresce o número de evangélicos sem ligação com igrejas”. A reportagem, pautada nos dados estatísticos publicados pelo Instituto FGV, a partir dos dados de Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), dizia assim: “especialistas dizem que processo pode ser análogo ao de quem se identifica como 'católico não praticante'. Pesquisa mostra que, entre 2003 e 2009, fatia de fiéis que dizem não ter vínculo institucional saltou de 4% para 14%”.3 O aspecto que mais chamou atenção foi o recrudescimento dos “evangélicos não determinados”, ou seja, aqueles que se afirmam cristãos, mas optam por não se estabelecerem em uma denominação específica. Seria isso um sintoma do fenômeno do “desigrejamento”? Neste sentido, análise de Campos4 é oportuna: “O aparecimento de uma nova categoria, “evangélicos sem igreja” ou os “evangélicos não determinados”, foi uma novidade que já havia se manifestado em pesquisas anteriores, como a de 2009 (POF), que tomou por base osnúmeros da pesquisa dos orçamentos familiares. Esses “evangélicos não determinados” chegaram ao índice de 4,8%, acima dos 4% dos evangélicos de missão (ou tradicionais), porém, abaixo dos pentecostais, 13,3%”. 2 “Rebanho virtual” e o individualismo religioso. Entrevista especial com Leonildo Silveira Campos. <www.ihu.unisinos.br/entrevistas/512839-rebanho-virtual-e-o-individualismo-religioso-entrevista- especial-com-leonildo-silveira-campos> Acessado em 29/08/2014. 3 <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po1508201102.htm>. Acessado em 20/08/2014. 4 Idem. 11 Ora, a categoria dos “evangélicos não determinados” é uma vertente sobre a qual os especialistas estão ainda por desvendar suas tramas, levantando diversas hipóteses (TEIXEIRA & MENEZES: 2012). Por conseguinte, é oportuno lembrar da pesquisa de Regina Novais5 que não relaciona a aversão dos indivíduos às religiões institucionalizadas ao ateísmo ou no agnosticismo; ou seja, segundo Novais, há um tipo de fé que “circula”, porém desvinculada de uma agência. Seriam estes religiosos “circuláveis” praticantes de algum tipo de culto ou formato congregacional particular? Assim, caímos no problema principal – a formação de comunidades cristãs evangélicas de “margem”, constituídas por aqueles que optaram em deixar as fileiras das igrejas evangélicas “ institucionais”, normalmente motivados por infortúnios e decepções eclesiásticas variadas ou então movidos por um convencimento “teológico” de que as práticas das “igrejas tal qual a conhecemos” estão equivocadas, sendo necessário retornar as experiências religiosas tal qual eram encontradas no Novo Testamento. Neste trabalho, denominamos estes grupos de “Igrejas Orgânicas” (IO), movimento crescente na América do Norte6. Segundo o Jornal Fox News “Um estudo realizado pelo Barna Group, uma empresa especializada em dados sobre religião e sociedade, estima que 6 a 12 milhões de americanos frequentam igrejas domésticas”. 7 Logo, através de uma simples busca do termo “Igreja Orgânica” no Google ou no Facebook encontramos centenas destes grupos autônomos. São diversos os movimentos que, dentro do espectro cristão – evangélico, advogam pelos “grupos domésticos”, o sistema da “igreja simples”, o anticlericalismo, ou, como convencionamos chamar, a “Igreja Orgânica”. Porém, escolhemos delimitar nossas hipóteses pesquisando o movimento “Caminho da Graça”, pela ação expressiva de seu líder, Caio Fábio Filho. Cerca de 70 “Estações do Caminho” se espalham pelo Brasil e pelo exterior. Outro argumento para nossa delimitação é que, mesmo não havendo uma declaração clara de que o “Caminho” fosse uma “Igreja Orgânicas”, em nosso entender, analisando suas práticas, pudemos traçar algumas relações que tornaram esta comparação possível: 5 "Os jovens "sem religião": ventos secularizantes, "espírito de época" e novos sincretismos. Notas preliminares".www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000300020. Acessado em 28/08/2014. 6 "Cresce o movimento de cristãos que ´pulam o sermão´, adoram em pequenos grupos em seus lares" [tradução livre do autor]. <www.foxnews.com/us/2010/07/21/growing-movement-christians-skip- sermon-worship-small-groups-home>. Acessado em 20/11/2013. 7 Idem. Tradução livre do autor. 12 ethos anti institucional; sentimento anticlerical; lideranças leigas; reuniões nos lares e em locais “não sagrados”; um profundo discursos de retorno ao “Cristianismo primitivo”. Nossa análise de campo foi realizada em Campinas, uma cidade do interior de São Paulo, junto a grupo com cerca de 30 pessoas, de Junho de 2013 até Fevereiro de 2014.8Além disso, realizamos pesquisas na “Estação da Graça” em São Paulo-Capital, e ainda em uma outra, ainda em fase de “implantação”. Para cumprir nosso objetivo de análise também acompanhamos a mídia social e assistimos incontáveis vídeos no Youtube e na “Vem e Vê TV”9, a mídia do “Caminho da Graça”. Adicionamos também anotações no caderno de campo e conversas informais com seus principais expoentes; esta análise é seguramente uma fotografia, pois o movimento está em constante remodelagem. Para o pesquisador, confirmado através dos meses de pesquisa participativa em campo, O “Caminho da Graça” é, de fato, um movimento ligado ao recrudescimento do descontentamento recente dos cristãos protestantes com o “universo evangélico”. Este descontentamento, como veremos no transcorrer dos capítulos, colabora para a liquefação das identidades religiosas dos indivíduos, proporcionando uma intensa busca por agrupamentos mais “autênticos”, menos “rígidos”, com mais “liberdade”, e que sejam menos “hipócritas”, conforma a opinião de alguns entrevistados. No que tange à temática desta pesquisa, não foram encontrados temas similares nos diretórios e bancos de dados de teses e dissertações da Capes que tomassem como objeto de pesquisa essas duas linhas que se entrecruzam em nossa abordagem principal, a “Igreja Orgânica” e o “Caminho da Graça”. Ponderamos que a realidade da “Igreja Orgânica” no Brasil ainda é desconhecida, não havendo reflexões acadêmicas sobre uma de suas expressões “Caminho da Graça” apesar da proeminência midiática de seu líder, Caio Fábio D´Araújo Filho, particularmente nos anos de 1980 e 1990 e, em tempos recentes, via web. Mas será que o fenômeno “igreja orgânica” existe no Brasil? Ou em outras palavras, o fenômeno tem densidade significante para uma dissertação de mestrado? Nós apontamos uma resposta afirmativa. Pois nos EUA e Europa, pesquisadores já tem tentado registrar academicamente tal movimento há mais de duas décadas, principalmente entre organizações confessionais e missionárias. Seminários e 8 O período foi intermitente, devido as dinâmicas do grupo e do pesquisador. 9 Web TV de Caio Fábio. www.vemevetv.com.br 13 centros de pesquisa da religião já registram investigação sobre o tema. Por exemplo a tese defendida no Fuller Theological Seminary por Jares James Looney, City harvest: a study os organic church planting in a global city, no Instituto de Estudos Interculturais é um exemplo. Porém, esses têm um tom de catequese, ou de elucidar sociologicamente o fenômeno a fim de captura-lo para fins estratégicos e missionários. A justificativa para a pesquisa que empreendemos encontra-se no fato de que o perfil de nosso objeto de análise, o Caminho da Graça e suas dezenas de “Estações” espalhadas pelo Brasil, sustenta um tipo particular de pertencimento, rotatividade, liderança, práticas litúrgicas e lógicas de seus aplicativos espirituais que torna complexo ao pesquisador identifica-la com os tipos tradicionalmente canonizados pela Sociologia da Religião. Sendo que, devido as movimentações do campo religioso brasileiro nos últimos trinta anos, com a “fragmentação”, a “privatização das experiências de fé”, podemos indicar um novo tipo de rede religiosa-associativa, ainstituicional, podendo sugerir que estamos diante uma “hiper-fragmentação” do tecido cristão: o protestantismo rasgou o cristianismo do estilo católico em pedaços de 100 x 100. O fenômeno dos sem-igreja, em pedaços de 10 x 10. Nossos referenciais teóricos foram os conceitos formulados acerca da sociologia do cristianismo primitivo de Gerd Theissen e Howard Clark Kee; a teoria do campo religioso, de Pierre Bourdieu, e as contribuições de Danièle Hervieu-Léger sobre mobilidade e transmissão religiosa. Igualmente foram importantes para a pesquisa, os trabalhos de Leonildo Silveira Campos, Antônio Gouvêa Mendonça, Ronaldo de Almeida e Ricardo Mariano, entre outros, nas abordagens mais gerais sobre o protestantismo, pentecostalismo e neopentecostalismo. Assim, no capítulo 1 “Igreja Orgânica” : raízes e históriano cristianismo original, analisa-se a morfologia das ekklésias do período conhecido como “Cristianismo primitivo”. Para atingir tal objetivo consideramos ser importante retomar a trajetória da família nas sociedades judaica, romana e cristã, levantando dados sobre o modelo de interação entre família, sociedade e igreja, isto é, acompanhando o núcleo familiar do ponto de vista sociológico. Com isso, verificaremos as alterações eclesiológicas da insurgente religião cristã espalhada em comunidades bem distintas umas das outras e com notadas diferenças político-teológicas. Por isso procuraremos, no decorrer do texto iluminar conflitos étnicos-religioso, mutações de crenças, hibridizações de cosmovisões inerentes aos vários cristianismos ao redor do líder 14 messiânico – carismático Jesus até a adoção de religião cristã pela suposta conversão do Imperador Constantino. Assim, neste bloco caracterizaremos o período reivindicado pelas “Igreja Orgânicas” como sendo o período original de intensa “harmonia e coesão” na comunidade dos discípulos de Jesus. No capítulo 2, “Igreja Orgânica”: teoria e técnica, a análise recai em como as expressões de “igrejas orgânicas” contemporâneas são pensadas na produção cultural de seus principais teóricos. Este capítulo pretende apresentar a estrutura, características e principais traços destes grupos. Pretende-se ainda verificar as relações existentes com os demais “modelos eclesiásticos” informais, procurando também compreender o surgimento de um mercado religioso voltado à um cristianismo “descompromissado” e mais “simplificado”. No capítulo 3, Caminho da graça: trajetória de uma “Igreja Orgânica” analisaremos o movimento “Caminho da Graça” / ” Estações do Caminho” tomando-o como exemplo de um tipo de “Igreja Orgânica”. Esse capítulo foi dividido em duas seções. Na primeira, é levantado o histórico de seu fundador, Caio Fábio de Araújo Filho, ou simplesmente Caio Fabio, relacionando-o à atual negação do modelo institucional do cristianismo. Julgamos que a partir de seus dados biográficos foi possível compreender e correlaciona-los aos deslocamentos no campo religioso brasileiro, sobretudo no último quarto do século XX. Por meio dessa análise procuramos levantar algumas hipóteses para o surgimento das “Igrejas Orgânicas” contemporâneas, categoria na qual incluímos o CdG (Caminho da Graça), mediante a similaridade de sua tipologia. A segunda será dedicada a pesquisar a história do CdG com suas “Estações”, procurando também levantar hipóteses sobre seu perfil sócio religioso à luz dos estudos da Sociologia da Religião. Nossa premissa inicial é que trata- se de grupos constituídos por dissidentes de outras denominações que buscam expressões alternativas e informais para manifestarem sua espiritualidade. Debateremos este detalhe durante a etnografia. 15 CAPÍTULO I CRISTIANISMO ORGÂNICO OU INSTITUCIONALIZADO? “É preciso destacar a distorção de Hollywood que mostra milhares de pessoas presentes aos sermões de Jesus. Devemos imaginar um grupo seleto, reduzido a cerca de trinta pessoas, apinhadas numa casa particular para ouvir um mestre extraordinariamente desafiador (CHASRLESWORTH, James. H. “Jesus dentro do Judaísmo”. Rio de Janeiro: Imago Dei, 1992) A que tradição do cristianismo dos primeiros séculos se pode recorrer para estudar um possível período anterior ao cristianismo institucionalizado de nossos dias? A justificativa para este empreendimento se fundamenta no fato de que uma das propostas do “Caminho da Graça” (CdG), objeto de nossa pesquisa, é o retorno às 16 experiências religiosas equivalentes às que teriam sido vivenciadas pelos cristãos do primeiro século também conhecido como período “pré-constantiniano”10. É o que pretendemos analisar neste primeiro capítulo. Se é correto o pressuposto de muitos do “Caminho da Graça”, a era apostólica, representa uma rede semântica atemporal que ganhou um status de experiência “ instituínte” (BASTIDE, p.250) ou “fundante”, presente nas narrativas universais dos cristãos e, a partir desta configuração pré estatal do cristianismo, pode-se localizar um “núcleo verdadeiro e puro” – para se recorrer a uma tipologia weberiana. Essa idílica “comunidade cristã perfeita” teria sido desfigurada e contaminada nos séculos posteriores sobretudo pelos processos de institucionalização da Igreja no período pós- pascal (período apostólico) e pela adesão do imperador romano, Constantino, em outubro de 312 E.C. (RAMALHO, p.95). Seguindo este critério, a conversão do imperador de Roma marcaria o auge de um processo político-social que tornaria estatal o movimento cristão e, sob o manto do império, se consolidaria definitivamente um processo de cristalização do cristianismo que ganha vultuosa presença demográfica e cultural naqueles três primeiros séculos da Era Comum (E.C.). Durante aquelas décadas que precederam a adesão do império às lógicas monoteístas do Deus altíssimo, a hipótese é que há um progressivo desvirtuamento da mensagem inicial pregada pelo taumaturgo-messias, Jesus de Nazaré, calcada na simplicidade e na construção de relacionamentos. Esta mensagem estaria marcada por dois principais pontos: a ação de sistematização teológica das igrejas nascentes, realizado pelo apóstolo Paulo, assim como pela oficialização através dos concílios, entre eles, o de Nicéia. Primeiramente, é preciso delimitar os termos empregados na pesquisa e nesta exposição: o que seria a constituição “orgânica” de uma instituição? Nas ciências sociais modernas, o primeiro autor que considerou as sociedades, instituições e grupos, como se fossem corpos vivos foi Herbert Spencer (1820 -1903). Este sociólogo e filósofo, procurou demonstrar o funcionamento das sociedades por meio de um modelo análogo aos processos naturais, em que os órgãos são beneficiados por adaptações contínuas, tal qual a vertente do darwinismo social. Desta maneira, seguindo suas sugestões, os grupos humanos estão inseridos em processos históricos que os 10 Verificar ANEXO I. 17 aperfeiçoariam, à luz da teoria da evolução, elaborada por Charles Darwin. No evolucionismo spenceriano as sociedades caminham em direção à um “organismo social” cada vez mais harmônico. Assim, aos poucos, sociedades ditas “primitivas” seriam substituídas por outras, com maior aperfeiçoamento técnico-científico. A premissa partilhava do pensamento das luzes, em que homem místico era substituído pelo homem científico. No entanto, as crises no início do século XX, seguida das duas grandes guerras, colocou em cheque o espírito evolucionista. As teorias da administração também nos oferecem colaborações para o entendimento do que significa “orgânico” . Gareth Morgan (2002) formulou certas metáforas que qualificam os tipos de sistemas de gestão, com fim de aperfeiçoa-los: “máquinas”, “cérebros”, “sistemas”, “políticos”, “organismo” etc. Segundo essas metáforas de Morgan, é possível pensar as organizações como se fossem organismos vivos. Desta forma, neste modelo de “gestão orgânica” o que vale é a permeabilidade dos indivíduos em relação ao sistema total da empresa. O empreendimento, como corpo operacional, dialoga com suas unidades mínimas, seus trabalhadores. Todos têm suas perspectivas particulares e humanas valorizadas, diferentemente da visão mais mecanicista da gestão empresarial. Assim, segundo o autor, as empresas que valorizam as necessidades particulares de cada sujeito têm seu modo de gestão qualificado como “orgânico”. Morgan (2002, p.52) ainda assinala que “desta forma, vamos vê-las [as organizações] como sistemas vivos, que existem em ambientes mais amplos dos quais dependem para a satisfação de várias necessidades. Consequentemente, o exame do mundoorganizacional, permite a percepção de que é possível identificar diferentes espécies de organização em diferentes tipos de ambientes”. Já no cristianismo, o primeiro a empregar esta metáfora foi o apóstolo Paulo. Ele utilizou a metáfora do corpo para referir-se a natureza da Igreja e sua particular inclinação à relacionalidade e interdependência coletiva: “Ora, assim como o corpo é uma unidade, embora tenha muitos membros, e todos os membros, mesmo sendo muitos, formam um só corpo, assim também com respeito a Cristo. [...] O corpo não é feito de um só membro, mas de muitos. Se o pé disser: ´Porque não sou mão, não pertenço ao corpo´, nem por isso deixa de fazer parte do corpo. E se o ouvido disser: Ṕorque não sou olho, não pertenço ao corpo´, nem por isso deixa de fazer parte do corpo. Se todo o corpo fosse olho, onde estaria a audição? Se todo o corpo fosse ouvido, onde estaria o olfato? De fato, Deus dispôs cada um dos membros no corpo, segundo a sua vontade. Se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo? Assim, há muitos membros, mas um só corpo. (1Co 12,1-20) 18 Neste texto Paulo expõe a ideia de que há uma interdependência no “corpo de Cristo”, fazendo uma analogia direta aos sistemas biológicos. O apóstolo faz uso de outras metáforas, mas encontramos nesta perícope a mensagem de que os diversos membros da comunidade cristã estabelecida em Roma compreendessem que participavam de uma comunidade onde se faz necessário o uso do “dom” de cada um; também, todos são importantes, “não há menos, nem maior”. Ademais Paulo estava desejoso em explicar que eles faziam parte de uma comunidade global, a ekklésia, a universal. Spencer, Morgan e Paulo nos ajudam na compreensão do que é “orgânico”. Suas metáforas apontam para um tipo de comunidade de fé “orgânica” , que seria um cristianismo de vida comunitária, interdependente, harmonioso. Como lemos na citação de Paulo acima, e veremos posteriormente nos enunciados dos líderes das “Igrejas Orgânicas” contemporâneas, é no cristianismo neotestamentário que encontraríamos este estilo de vida capaz de fazer surgir “uma só alma e um só coração”11. A seguir, pretendemos aprofundar este debate a fim de construir algumas tentativas de comprovação desta tese. Em relação à importância do tema, há que se destacar também o modo como a temática das origens do cristianismo assume destaque no âmbito dos debates empreendidos pelos clássicos do pensamento social moderno: vejamos o enfoque de Marcell Mauss e Marx/Engels12. Marcel Mauss (1974) ao dissertar sobre a “noção de pessoa, a de ‘eu’ ” como uma categoria do espírito humano, tem como principal pressuposto que a noção de “eu/pessoa” não é inerente à condição humana. Esta noção não é uma consciência intuitiva, mas decorre de um encadeamento de processos sociais historicamente sedimentados. Mauss arquiteta um “museu de fatos” (MAUSS, 1974, p.371), elaborando um complexo e erudito arcabouço etnográfico sócio-histórico-cultural da 11 Atos dos apóstolos 4,42. 12 Encontramos outras significativas contribuições dos clássicos. Max Weber (1864-1920), em busca das causalidades para a “racionalização” do mundo, procurando em diversas sociedades fatores que poderiam eclodir no capitalismo, faz interessantes abordagens em sua “Sociologia da Religião”. Destacamos também Peter Ludwig Berger (1929-), na obra “O Dossel Sagrado”, dedica alguns parágrafos à análise das raízes da religião cristã, encontrando as vertentes mais primitivas da secularização na transição da religiosidade “primitiva”, ou tribal, para uma religiosidade organizada e monoteísta. 19 categoria “eu”. Neste ensaio, o autor almeja reconstruir uma genealogia histórica das perspectivas na “noção de pessoa” em diversas culturas com diferentes noções de indivíduo/coletividade. No subcapítulo “A pessoa cristã”, o antropólogo afirma que: “Nossa própria noção de pessoa humana é ainda fundamentalmente a noção cristã”, Mauss (p. 392). Para isso ele toma como base a Epístola aos Gálatas 3.38: “Já não sois, um frente ao outro, nem judeu, nem grego, nem escravo, nem livre, nem homem, nem mulher, pois todos sois um, em Jesus Cristo”. Maus afirma que esta unidade (Cristo e a humanidade em uma só substância), misteriosamente similar a duas outras substâncias, a trindade e as duas naturezas de Cristo, deu origem a uma noção de pessoa como “substância racional indivisível, individual”: segundo Mauss “a passagem da noção de pessoa, homem investido de um estado, à noção de homem simplesmente, de pessoa humana”. Uma segunda citação a ser feita parte de Friedrich Engels (1895). Engels parte de seu interesse pela ordem política ao observar a religião cristão original. Evidentemente compartilha com Marx a visão materialista e ateia do fenômeno religioso. Engels privilegia a importância do cristianismo de origem na construção histórica da sociedade ocidental. Diante da clássica assertiva sobre o caráter entorpecedor da religião, poderíamos perguntar: houve colaboração dele à reflexão dedicada ao Cristianismo Primitivo? Encontramos no ensaio Contribuição para a História do Cristianismo Primitivo (ENGELS,1895) a seguinte observação: “Desde o início, a diferença manifesta-se gritante entre este cristianismo e a religião universal de Constantino formulada pelo concílio de Nicéia”. Seu esforço é estabelecer o paralelismo estrutural entre o cristianismo original e o socialismo moderno; assim comentado por Lowy (1998): “a lembrança do primeiro cristianismo está presente em todos os movimentos populares e revolucionários”. Para Engels (1895), “o movimento [cristão] recrutara a maioria de seus primeiros adeptos entre os escravos do Império Romano. Ao substituir as diversas religiões nacionais, locais e tribais dos escravos, destruídas pelo império Romano, o cristianismo foi a “primeira religião universal possível”. A tentativa de Engels estava em fornecer autoridade e transferir a mística cristã para as causas trabalhistas-marxistas. Dentro desta teoria, é na relação do comunismo e do “Cristianismo primitivo” que se percebe um grande suspiro por igualdade social em ambientes ideológicos aparentemente antagônicos. Para Engels e Marx alcança-se o 20 comunismo pela revolução do proletariado, enquanto no cristianismo pelo víeis sócio- religioso. 1.1 Em busca das experiências fundantes O cristianismo, como todo sistema de crença, tem uma história. Requerer o primado legítimo desta herança religiosa é um recurso recorrente de seus derivados movimentos. Isso é perceptível quando há dissidências e disputa pela linhagem mais “pura”. Assumir a proximidade dos sentimentos e pensamento dos fundadores é uma tentativa de assegurar uma purificação da mensagem do grupo. Sendo assim, toda religião é construída a partir de uma mobilização da memória coletiva. Mircea Eliade (1972) também contribui, a nosso ver, na compreensão do potencial dos processos de reconstrução da memória afetiva-religiosa que gravitam em torno de seus elementos fundantes. Tomemos desse autor o conceito de “mito vivo”. Este pode ser localizado em centelhas das narrativas eclodidas no evento sagrado fundador da religião e em suas origens. Essa centelha instituínte tem a potência de criar padrões de condutas, pilares institucionais e emocionais supratemporais que tem o potencial de reatualizar o momento primordial (ou o Tempo Sagrado) das experiências fundantes. Estas reatualizações são fundamentais para a manutenção do habitus de cada religião. Apreende-se, através desta sua trajetória social, a rotinização do ritos e mitos que fundamentam as religiosidades e suas formas, como uma habitus. Para Bourdieu (1992, p.191) o habitus pode ser representado como “sistema de disposições socialmente constituídas que, enquanto estruturas estruturadas e estruturantes,constituem o princípio gerador e unificador do conjunto das práticas e das ideologias características de um grupo de agentes”. Para Eliade: (1972, p.47) “O homem religioso sente necessidade de mergulhar por vezes nesse Tempo sagrado e indestrutível. Para ele, é o Tempo Sagrado que torna possível o tempo ordinário”. Rememorar o Tempo Sagrado garante vivacidade ao grupo religioso. Por conseguinte, através desta recordação dos elementos primordiais, é possível reintegra-los ao cotidiano intramundano como se o mito estivesse lá nos antepassados, mas também aqui e agora, através de uma substância mística. Eliade 21 recorre ao termo “tempo forte”, referindo-se ao momento histórico onde o prodigioso se manifestou plenamente. Assim, ao mesmo tempo que o “mito vivo” revela ao indivíduo sua origem e lugar existencial-social, ele reitera a necessidade da reverificação da partícula ígnea para a manutenção do presente. Portanto a chave de leitura proposta por Eliade ajuda no entendimento da mancha histórica cultural produzida tanto no “Cristianismo primitivo” como também na noção de um “ tempo forte” universal dos cristãos. Eric Hobsbawn (2008), por sua vez nos lembra que muitas tradições que parecem antigas são, na verdade, narrativas recentes inventadas com o objetivo de imprimir continuidade em relação ao passado. Isto é, são tentativas de tornar imutáveis alguns aspectos da vida social em contraste às constantes mutações que um sistema social pode sofrer no mundo moderno. “Por ‘ tradição inventada’ entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente; uma continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um passado histórico apropriado. [...] É o contraste entre as constantes mudanças e inovações do mundo moderno e a tentativa de estruturar de maneira imutável e invariável ao menos alguns aspectos da vida social” (HOBSBAWN, 2008, p. 9-10). Assim podemos estabelecer que, para uma análise minimamente equilibrada, é necessário observar o cristianismo como um fenômeno histórico. Eduardo Hoornaert (1995) elucida esta questão ao propor que a religião cristã, para muitos devotos e “convictos”, pode ser entendida como uma realidade “meta-histórica”, idealizada e naturalizada como a religião definitiva, para além da concretude de um fenômeno que subjaz em um tempo histórico. Hoornaert, ao observar o cristianismo como “uma realidade histórica, formada por um processo histórico específico”, acentua que nossas opções metodológicas não são coincidentes com a teologia ou à uma certa tentativa de “catecismo”, recorrentes em pesquisa originadas em instituições confessionais. Desta forma, é nossa intenção analisar a configuração das comunidades cristãs originais a partir de sua eclesiologia13. Cabem aqui algumas perguntas: Será que, de fato, os cristãos originais estariam comprometidos com o bem-estar da coletividade e 13 Entendida aqui como o estudo da organização da igreja e suas morfologias. 22 em completa harmonia e coesão entre os indivíduos? Quais resistências sócio-políticas os cristãos do primeiro século encontrariam com o avanço da religião no mundo mediterrâneo? Qual a morfologia das comunidades emergentes quanto à identidade de seus sujeitos e quanto às redes sociais familiares? Para atingir tais objetivos consideramos ser importante retomar a trajetória da família nas sociedades judaica, romana e cristã, levantando dados sobre o modelo de interação entre família, sociedade e igreja cristã, isto é, acompanhando o núcleo familiar do ponto de vista sociológico. Com isso verificaremos as alterações eclesiológicas da insurgente religião cristã espalhada em comunidades bem distintas umas das outras e com notadas diferenças político-teológicas. Nesse contexto ganha importância a afirmação de que a Igreja neste período de sua história experimentava um estágio romântico. Estaria correta a proposta de Justo González de que “é um erro comum entre muitas pessoas idealizar a igreja do Novo testamento” (GONZÁLEZ, p.32)? Por isso, no decorrer do texto, procuraremos iluminar conflitos étnicos-religioso, mutações de crenças, hibridizações de cosmovisões inerentes aos vários cristianismos ao redor do líder messiânico–carismático Jesus. Cabe nesta discussão inicial relembrar o que afirma Cecília Loreto Mariz, sobre a viabilidade do ideário do “Cristianismo primitivo” aplicado por ela ao tempo presente no estudo das Novas Comunidades Católicas14. Assim se expressa Mariz: “Acho difícil responder a essa pergunta, se de fato as novas comunidades conseguem viver esse ideário, porque projeto e discurso podem ser diferentes da realidade cotidiana, e me parece muito difícil fazer uma análise de uma realidade que terminaria por ser um julgamento: estaria ela sendo cristã como quer mesmo? Se elas conseguem viver esse ideário cristão de fato? Não sei, mas sem dúvida o ideário das novas comunidades é o ideário comunitário do cristianismo primitivo. Creio que isso também explica seu forte apelo para tantos.”15 14 A renovação carismática, a partir dos anos 1970, especialmente em meados dos anos 1980, fizera-se notar pela retomada de um ideário de vida comunitária ao redor da categoria nativa do "carisma". Além disso, as Novas Comunidades Católicas rapidamente ganharam destaque ao implementar na liturgia católica os cultos com ampla ênfase musical e espontaneidade; a exemplo do processo que acompanhou os protestantes na mesma época, fizeram brotar no seio da ICAR, as performances midiáticas e uma profunda inclinação para a vida comunal. (CARRANZA, 2009) 15 “O ideário das novas comunidades é o ideário comunitário do “Cristianismo primitivo”. <http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2793&secao=307> . Acessado em 10/10/2013. 23 1.2 Algumas questões teóricas preliminares Este primeiro capítulo, sendo uma pesquisa realizada no campo das Ciências da Religião, caracteriza-se, portanto, pela interdisciplinaridade. Por isso, como método de pesquisa, é necessário realizar uma acurada verificação multidisciplinar dentro do território comum formado pelas disciplinas e campos de estudos necessários para organizar este debate de abertura sobre o cristianismo original, buscando construir um todo coerente. Neste momento assumimos uma direção alternativa, mas não concorrente, da proposta metodológica assumida no início da dissertação, na qual apresentamos nossas referências teóricas gerais. Convém dizer ainda que debruçar-se sobre a História e a Sociologia do “Cristianismo primitivo” é, antes de tudo, deparar-se com processos históricos complexos diante dos quais requer acessar uma caixa de ferramentas envolvendo análise nas áreas de literatura, sociologia, arqueologia, antropologia, teologia. Os estatutos e limites das disciplinas e as latitudes metodológicas16, para que esta tentativa seja razoável e ganhe densidade empírica, move-nos para estabelecer certas limitações e demarcações necessárias, que convergem nas formas possíveis de uma análise da história e cultura antiga. Segundo Howard Clark Kee (1983, p 10), o primeiro a empreender um trabalho sério na reconstituição do cristianismo das origens através da análise crítica das fontes foi Ferdinad Christian Baur (1792-1869). Kee afirma que o primeiro estudo de Baur tomou como objeto uma suposta unidade comunitária radical no seio da religião cristã. Por meio da análise dos partidos existentes na igreja de Corinto - o partido paulino liberto da lei e o partido petrino judaizante - verificou-sea existência de “conflitos e contrastes de opinião desde os tempos mais remotos que o historiador pode traçar” (KEE:10). O autor ainda destaca as importantes contribuições no final do século XIX e no início do século XX dos teólogos Adolf Von Harnack (1851 -1930) e Rudolf Bultmann (1884-1976) . Harnack, teólogo e historiador do cristianismo pretendeu abstrair todas as infiltrações na religião cristão primitiva a fim de iluminar o que seria o cerne, a essência de um cristianismo. Já os estudos do teólogo Bultmann são reconhecidos pelo processo de desmitologização das narrativas canônicas, sendo um dos principais fomentadores para o amadurecimento da teologia liberal. 24 Pode-se ainda perguntar: quais são os documentos e historiografias nos quais podem-se enquadrar nossos esforços? Seguiremos Chevitarese (2005, p.9), que ao dissertar sobre as fontes disponíveis da vida de Jesus de Nazaré e do cristianismo antigo, enumera “os manuscritos do Novo Testamento; as escavações arqueológicas; as descobertas de Qumran (manuscritos do Mar Morto) e de Nag Hammadi, no Egito, escritos judaicos e no segundo caso escritos gnósticos; e os testemunhos de fora do ambiente judaico-cristão”.. Chevitarese afirma que “a história se faz com documentos”. Ela pode ser acessada através do testemunho de documentações, materiais ou não- materiais, tudo de que se pode inferir algo, são fontes de informações historiografias. Chevitarese também ressalta que nos tempos das primeiras comunidades cristãs a maioria das pessoas era analfabeta e os livros, rolos de papiros, nada práticos para a leitura. Poucos dominavam a escrita. Os antigos decoravam longas passagens, recorrendo a uma tradição oral. Além disso, o historiador destaca a subjetividade da memória. Recordamos aquilo que atende aos próprios interesses. Memorizamos certas passagens e suprimimos outras. Por conseguinte, fatos mais exotizados, como os milagres bíblicos, seriam motivo de maior vitalidade neste processo de recepção, memória e descrição. Logo os textos traduzem também um problema da alteridade discursiva; um enaltecimento das perspectivas do próprio enunciador em relação aos seus destinatários (CHEVITARESE, 2005, p. 9-14). Por isso, optamos por realizar a nossa pesquisa por meio da análise dos textos canônicos e de fontes subjacentes, às quais acrescentamos a análise de diversos debatedores. Nosso percurso bibliográfico foi traçado a partir das próprias demandas e perguntas surgidas no decorrer da pesquisa. Sobre os textos canônicos, Pedro Paulo A. Funari (2006, p.12) afirma que “Os pesquisadores têm se voltado, de forma interdisciplinar, para o estudo do momento central de origem e formação desse movimento social e religioso que continua mais atual do que nunca. Essas pesquisas bebem na tradição multissecular de exegese dos textos bíblicos, mas buscam instrumentos de análise na teoria social, que permitam entende como se deu a constituição das identidades cristãs” Antes de prosseguir propomos conceituar “Cristianismo primitivo”. Para fins de análise, compreendemos que é um período que vai do nascimento de Jesus (ano seis antes da Era Comum) até meados da suposta conversão do Imperador Constantino, em 25 312 E. C. Embora haja diversas tendências quanto ao assunto, optamos por este corte. Por sua vez, este período pode ser divido em três partes: a) “Movimento de Jesus” - do nascimento de Jesus Cristo, até sua crucificação. b) “Era Apostólica” (Ano 34-100), morte de Jesus até a morte dos primeiros apóstolos. Período marcado pela propagção geográfica do cristianismo para fora da palestina, sobretudo nas províncias romanas através da atuação dos Apóstolos c) “Cristianismo pós-apostólico” (anos 100 até meados do ano 300), período inicial da progressiva institucionalização do Cristianismo. Além disso, é preciso frisar algo mais sobre o “Cristianismo primitivo”. Podemos delimita-lo como um fato histórico. Porém, para além desta delimitação possível, gostaríamos de ressaltar sua representação como um “espírito”, tal qual propôs Max Weber em sua “Ética protestante...”, uma “conduta de vida”, uma entidade capaz de organizar metodicamente o mundo, capilarizando-se na cultura e que, em um determinado momento de seu desenvolvimento, divorcia-se dos significados de sua causa primária. O que queremos propor não é comparar o “Cristianismo primitivo” ao protestantismo de ascese intramundana, como propôs Weber, mas tão somente utilizar sua originalidade vernacular e sugerir o “Cristianismo original” como uma Zeitgeist, em suma, o conjunto de “climas emocionais”. Resumidamente, o “Cristianismo primitivo” como um horizonte de afetos perseguidos por todas dissidências ou um “espírito” de gradientes múltiplos, mas que subjaz toda tentativa de encontrar-se com o fenômeno causal da gênese cristã, no mito original. A esta altura nos reportamos a uma pergunta de Paul Marie Veyne (1995): a história “não faz os fatos reviverem”? Como localizar o cristianismo antigo em sua amplitude, marcados por inúmeras agências e conflitos, continuidades e rupturas, diversidade autoral e circulações étnico - culturais? Ainda, como suspeitar o supracitado cristianismo original, avaliando-o através de suas documentações e fontes, uma vez que a história, ainda conforme Veyne (1995), afirma que o ofício do observador - historiador não é “puro”, é realizado a partir dos próprios projetos e edições, olhares e perspectivas, tomando decisões de descrição e interpretação durante seu percurso de análise, privilegiando tramas em detrimento de outras e assim construir um tipo de literatura que contenha insights e subjetividades cotejadas diante de uma série documental. Concordando com Pedro Paulo A. Funari (1995), para quem os objetos de estudo antigo, como documentos, vestígios materiais, artísticos e arqueológicos, são 26 construções complexas da realidade e podem ser acessados pela análise do discurso, introduzidos pela moderna semiótica, pois os mesmos tem autoria, públicos e objetos específicos, vozes polifônicas e devem ser analisados de múltiplas maneiras, diante de diferentes paradigmas e disciplinas. Porém, as pesquisas com fontes históricas nem sempre valorizaram tais “vozes polifônicas”. Para Paulo Celso Micelli (1999) até o início do século XX a disciplina “História” era elaborada a partir de relatos de “grandes fatos” em que personagens históricos tornavam-se verdadeiros heróis do passado. Neste viés, eventos tornavam-se magistrais e, a partir de sua documentação, “oficialmente verdadeiros” . Os fatos, descritos a partir de um documento oficial era considerado de indubitável verdade, com influências positivistas que tentavam mostrar os fatos, reconstruindo uma realidade tal qual realmente aconteceu enaltecendo feitos heroicos e magistrais, o que se considera ser uma “história dos vencedores”. Portanto, diante do historicismo positivista, a história sempre será o registro dos reis, papas, generais e bispos, datas importantes e nacionais, eventos históricos que causaram grandes rupturas. Este contexto não torna possível a dialogia, a polifonia de vozes e diferentes tramas que compõem uma análise histórica que acolhe réstias, coleta detalhes para compor sua tapeçaria que privilegia texturas e interlocutores diversos e subalternos. Aguçados às casualidades e histórias cotidianas, surge uma nova geração de historiadores constituídos ao redor do periódico Annales d'histoire économique et sociales: A Escola de Annales. Nos anos de 1920, época da crise de 1929 e das duas grandes guerras mundiais quando a utilização de pesquisas enviesados positivamente que tomavam por base os grandes processos e minimizava as entrelinhas da vida, privilegiando as grandes estruturas e desconsiderando os interlocutores-sujeitos ou as “microhistórias”; correndo-se o risco de aviltar a vida humana. A partir desse escopo a tarefa do historiador se torna a de mergulhar como protagonista em diferentes ritmos, interlocutores e escalas. Sobre isso regista Micelli (1999, p. 31): “Uma sociedade com os seus tipos humanos, os seus hábitos e as suas ações, na sua originalidade mais irredutível e, ao mesmo tempo, mais cotidiana; a naturalidade desse quadro, que não ofusca nenhuma abstração”. Roger Chartier (1994, p. 8) propõe a seguinte questão: “Qual é a distância entre o autor na sua origem e neste seu ponto de chegada?” As percepções do social estão inseridas em um jogo de estratégias e práticas que impõe a construção de uma 27 “autoridade” em seus enunciados, considerando os pequenos geradores de classificação e de percepção, próprios de cada grupo ou meio, incorporados sob a forma de categorias mentais e de representações coletivas nas demarcações da organização social. Nos estatutos da história cultural esta intenção de identificar como uma realidade social é construída, pensada e descrita. Deve-se observar que as representações do mundo que tendem a ser universalistas não são neutras, representam o projeto dos interlocutores que as enunciam, conforme já escreveu Chartier (1994, p. 17-18). De igual modo, Eliane Moura da Silva (1997, p.7) contribui também, dentro da perspectiva da História Cultural, onde o domínio, segundo a historiadora, recai sobre a análise de um quadro dos fenômenos religiosos múltiplos, onde se pretende ressaltar as construções de identidades fluídas e memórias coletivas. Logo “para estudar os fenômenos religiosos, o historiador deve sempre estar atento ao uso e sentidos dos termos que em determinadas situações geram crenças, ações, instituições, condutas, mitos, ritos etc.”. Para Pedro Paulo A. Funari (2010), apenas a partir da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) houve um questionamento em relação à homogeneidade social propalada desde o fim do século XVII, quando os nascentes estudos sociais enfatizavam uma coesão social, a luz de uma racionalidade positivistas, e as ciências humanas procuravam entender a sociedade como um organismo coeso. As crises sociais eram encaradas como anomalias nos estudos de Émile Durkheim (1858-1917). “A crise moral e política dos anos sessenta estimulou vasta manifestação de busca de identidade social” (KEE, p. 14) e os movimentos pelo direito das minorias (emancipação feminina, direitos dos jovens, levantes contra a guerra do Vietnã) expuseram o “projeto de sociedade monolítica (FUNARI, 2010, p.11) e evidenciaram um interesse pelas sociedades em outras escalas e diversidades. Com a implosão dos antigos contextos que conferiam homogeneidade às identidades, Funari (FUNARI, 2010, p. 13) lança um olhar apontando para alguns aspectos metodológicos de importância na discussão do assunto: “A partir da década de 1960, a partir também das pesquisas empíricas de campo, foi possível detectar a fluidez das identidades, nos indivíduos e nos agrupamentos humanos. Essa perene mudança foi atribuída a diversos fatores, desde interesses materiais e imateriais e objetos, como fatores psicológicos ou simbólicos. De qualquer forma, as identidades passaram a ser consideradas sempre no plural e em constante mutação. Esse movimento afetou, de forma decisiva, o estudo do mundo antigo, que ainda era muito marcado pelos modelos normativos e pela analogia direta entre o antigo e o moderno”. 28 Por isso, ainda segundo Funari (2010, p. 218), “as fontes escritas partem sempre de um ponto de vista que reflete interesses de classe, de grupo, de ideologia, de modo que são construções altamente subjetivas e enviesadas” e aborda a inserção de um estudo da cultura material (no caso, arqueológica) para entrecruzar interesses e desta maneira fornecer mais informações sobre o mundo em que viveu Jesus. Respondendo à pergunta de “como a arqueologia [pode] interagir com temas ligados à fé e ás crenças?” (2010, p. 225) O autor remete à “arqueologia bíblica” que inverteu o papel de “serva do texto bíblico” para contribuir de maneira ativa para a compreensão do funcionamento das redes da antiguidade e não tão somente legitimar as conclusões dos exegetas. Como notamos, os estatutos e limites das teorias e as latitudes metodológicas nos leva a estabelecer as fronteiras e as demarcações de variadas disciplinas que convergem nas formas possíveis de análise da história e cultura antiga que para Gerd Theissen (2009, p. 11) está : “a fim de descobrir o que movia os primeiro cristãos no mais íntimo de seu ser, é preciso perscrutar por inteiro a vida deles e inserir suas afirmações teológicas em contextos semiótico, social, psíquico e histórico que não são imediatos ´teológicos´”. Por conseguinte, concordamos com Wayne A. Meeks (1992, p. 15), quando afirma o “uso [...] a teoria aos poucos, à medida que vai sendo necessário e onde convém”. Para o sociólogo a sociedade é encarada como um processo, onde as culturas são criadas continuamente através de interações por meio de símbolos no campo das experiências. A religião é parte integrante deste tecido, e como uma subcultura participa da construção desta rede de significados. E procuramos estar próximos metodologicamente à Clifford Geertz (2008) quando considera a cultura como um “tecido de significados”, interpretados através de uma “descrição densa” e cujos entrelaçamentos dá sentido ao mundo. Desta forma, atentos ao modo como os cristãos agiam, analisaremos ecleticamente, selecionando formatos da caixa de ferramentas. Desta forma, um dos aportes que este exercício oferece à pesquisa é de desenvolver um debate de história das religiões comparadas privilegiando a “micro história” e as tramas e redes formadas pelos indivíduos. Pretendemos, ao desenrolar da análise, compreender o arco histórico-social no cotejo de faces diferentes da mesma moeda, por um lado, a religião marginal (“de margem”) do incipiente “Cristianismo 29 primitivo” e, de outro, seu horizonte contemporâneo, quando a religião cristã, em suas várias vertentes, assume o posto de produtora sócio religiosa majoritária no mundo ocidental. Conforme propõem Filoramo e Roda (1997, p. 7): “Conclui-se pela necessidade de uma história por assim dizer comparada, isto é, que inscreva em seu próprio código a tensão a comparar, continuamente o fluir das instituições, das práticas e das crenças cristãs com as contemporâneas instituições, práticas e crenças pagãs, a fim de evidenciar melhor, pela comparação, continuidades e diferenças, empréstimos e especificidades”. 1.3 - Identidades e comunidade no cristianismo original: sombras e luzes O problema que diz respeito à origem e a evolução da organização igreja é um dos mais controvertidos e difíceis da história eclesiástica. Deste modo, é para a organização igreja que devemos nos voltar para compreender como, em seus períodos originais, modelavam-se as identidades cristãs primitivas. As contribuições de pesquisadores contemporâneos continuam a depurar as ingenuidades das narrativas predominantes até o passado recente, purgando uma perspectiva cândida do germe do cristianismo. Como em toda pesquisa histórica faz-se necessário delimitar o método e o período a ser analisado antes de se aprofundar na questão. Retomamos este ponto para uma última fase, de ajustes finos. Seria falso afirmar a existência de um único movimento “puro”, sem considerar que o Movimento de Jesus foi sucedido por vários outros movimentos, com diversos nomes e práticas. Podemos citar alguns: paulino, judaico, gnóstico, monástico, cenobítico, entre outros. Afinal, quando falamos do “Cristianismo primitivo”, estamos falando de qual cristianismo? Cada qual com suas ênfases e paradigmas, acreditavam trazer consigo a mensagem de Jesus. Daí a proposta de colocar nome a este subtítulo de “sombras” e “luzes”.Diante desta questão seguiremos os critérios propostos por Gerd Thiessen em “A religião dos primeiros cristãos: uma teoria do “Cristianismo primitivo” (2009). Seu método é o da “plausibilidade contextual” e fazemos uso dele como categoria epistemológica para nossas indagações. Lançaremos mão do sistema formulado por Theissen, pois “nos dá a chave para ler a história de Jesus”. Através do processo metodológico proposto pelo autor, torna-se possível a leitura de Jesus e seus 30 coadjuvantes em seu tempo, assumindo os lugares dentro de variados ambientes e em diferentes comunidades de interpretação conforme sugere Sean Freyne (2008, p. 12). Esse autor sustenta que a teoria de Theissen, sobre a “plausibilidade” permite pensar o objeto e as narrativas conflituosas dentro de um quadro maior, em consonância com o contexto cultural de seu tempo. O método de Thiessen se aproxima das considerações de Wayne A. Meeks (1996) quanto ao estreitamento metodológico e com a definição de que a religião é um “sistema cultural de sinais” formulado por Clifford Geertz (2008, p. 65-91). Outro aspecto norteador deste empreendimento é a proposta de Leonildo Silveira Campos (1997, p. 170), ao assinalar que os estudos sociológicos permitem aos pesquisadores verificarem “como foram criadas e sobrepostas as camadas de interpretação produzidas pelos cristãos daquela época, na vivência diária da mensagem, originalmente anunciada por Jesus de Nazaré”. Por isso, as pregações de Jesus, os evangelhos, os processos de canonização, foram organizados de acordo com processos comunicacionais/políticos complexos, seguindo o fluxo de institucionalização das comunidades originais, tornando nebuloso o horizonte para a captura de um tipo ideal de “Cristianismo primitivo”: A complexidade dos cristãos do primeiro século, exteriorizada nesses e em outros episódios de negação da sociedade organizada, nos impede de encararmos com seriedade as várias tentativas de ´volta a igreja primitiva´, existentes em todos os grupos cismáticos, inclusive nos pentecostais. É preciso que reconheçamos que “Igreja Primitiva´ é apenas um tipo ideal recriado muito mais a partir da imaginação do que de evidências históricas. Daí a violência apologética à verdade dos fatos, a reconstrução feita por alguns grupos [...] de um ponto de referência idealizado, ao qual que, entre outros pecados, estaria o de ter abandonado a ênfase carismática e a centralidade do Espírito Santo. Esta reconstrução [...] só é possível se abandonarmos dezenove séculos de cultura cristã[...] e a constituição da igreja cristã como movimento e instituição” (CAMPOS, 1997, p. 169) Nesse sentido, é importante pensarmos no Movimento de Jesus dotado de um programa de insurgência religiosa, inserido em uma sociedade já penetrada por diversas religiões. A personagem principal deste momento é seguramente Jesus: o profeta carismático nômade, que junto ao seu núcleo inicial de seguidores, operava sinais e milagres como comunicação da proximidade do Reino de Deus. No entanto, os textos 31 canônicos sugerem pouca sistematização neste grupo inicial de discípulos, assim como poucas as atividades que podem ser consideradas como institucionais neste conjunto inicial. Realizam-se refeições e atividades cotidianas em conjunto, impondo-se somente dois sacramentos, o batismo e a ceia, Já em um segundo momento seria interessante recompor o cristianismo “pós pascal” em expansão, analisado em sua composição básica: as redes familiares (judaicas, romanas e gregas que se convertiam) e o surgimento destas igrejas domésticas na cidade. Diante da fértil atuação dos apóstolos progressivamente estas congregações ganhavam um certo padrão e uma certa homogeneidade teológica, isto é, eles se institucionalizavam. Esta já não era a situação no século IV quando do surgimento de um cristianismo institucionalizado conforme o modelo do império. 1.3.1 - Movimento de Jesus Como eram os processos de interação no chamado Cristianismo de origem? Para John Drane (1985, p. 10), a igreja “começou com a vida [...] de Jesus de Nazaré” (p. 10). Assim, embora moldada por diversas tendências e, sobretudo, controvérsias em relação à autoridade das fontes e as metodologias empregadas, o início do cristianismo inexoravelmente se assenta nas figuras de Jesus e sua comunidade germinal de discípulos. Theissen & Merz (2004, p. 21-33) destacam cinco fases na pesquisa sobre a vida de Jesus: 1) “Os impulsos críticos para a questão do Jesus histórico” por H. S. Reimarus (1694-1768) e David Friedrich Strauss (1808-1874). Reimarus foi pioneiro na interpretação da literatura da “religião da razão”. Seu ponto de partida foi a premissa de que a pregação de Jesus só pode ser compreendida dentro de seu contexto histórico. Strauss, discípulo de F. C. Baus e F. W. Hegel, aplicou aos evangelhos o conceito de mito. 2) A fase da pesquisa “liberal” sobre a vida de Jesus, cujo representante maior foi Heinrich Julius Holtzmann (1822-1910). Holzmann evidenciou a crítica literária sobre as fontes mais antigas sobre Jesus (O evangelho de Marcos e a fonte Q). 3) “o colapso da pesquisa sobre a vida de Jesus”, na virada para o séc. XX, enfraqueceu-se o liberalismo teológico; 4) “A nova ´pergunta´ pelo Jesus histórico”, desenvolvida dentre os discípulos de Bultmann, quando “no lugar da reconstrução crítico literária das fontes 32 mais antigas na ‘antiga’ pesquisa da vida de Jesus da teologia liberal, entra em cena a metodologia da comparação que emprega a história das religiões e a história da tradição: ´o critério da diferença´” (p. 26); e por fim, a quinta fase 5) A third quest, temo cunhado por T. Wright/S. Neil. Ainda Chevitarese & Funari (2012) mostram como diversas escolas e movimentos tangenciaram as pesquisas acerca da figura de Jesus, sobretudo com os influxos do movimento europeu que privilegiava o uso da razão, a erudição e a ordenação da natureza para encontrar a verdade, dentro do espírito do iluminismo. É digno de nota situar o Movimento de Jesus a partir dos clássicos da Sociologia da Religião. Tomando-se por base o carisma, um conceito chave forjado por Max Weber (1864-1920) e desenvolvido por Pierre Bourdieu (1992), podemos inferir sobre a tensão entre “profeta” e “sacerdote” já presente no ministério de Jesus. Estes termos weberianos permitem a clivagem do messias cristão como o tipo carismático. Basta seguir a tendência do messias à dissidência e a desordem e a maneira como Jesus reagiu contra a classe religiosa operante em sua sociedade; foi criado no seio do judaísmo e de lá insurgiu como um pregador carismático do “Reino de Deus”. A sua pregação soava como uma mensagem subversiva aos ouvidos habituados às observações das leis judaicas e subordinação ao governo romano. Como taumaturgo, Jesus de Nazaré expulsou demônios, curou enfermos e os relatos iluminam seus feitos miraculosos que alimentaram a fé de inúmeras gerações, rompendo com a ordem estabelecida em seu tempo. Para Guy Bonneau (2003, p. 9) “Em várias religiões, é o profeta que traz em si o carisma”, e que “Weber definiu o profeta como um indivíduo carismático, que se insurge contra a estrutura religiosa estabelecida, com a finalidade de provocar eventuais mudanças ou então de fundar uma entidade nova e diferente, nela reunindo os simpatizantes de sua nova ideologia” (p. 9). Segundo Howard Clark Kee (1983) o tipo ideal weberiano profeta “ético” é o tipo carismático mais apropriado para nossas intenções. Assim, para Weber este líder encontra-se imbuído da convicção de uma vocação particular, e é confiante que suas ações estão em harmonia com as do divino. “A potência de sua habilidade carismática manifesta-se nos dons especiais que possui (como curar ou a capacidade de prever) e na eficácia de sua pregação” (KEE, 1992, p.48) Tomando como base a metáfora weberiana, se porum lado o sacerdote faz a manutenção do status quo, cabe ao profeta carismático fazer implodir a estrutura 33 tradicional. Weber auxilia a fundamentar a constante tensão presente no Novo Testamento - em um polo o cristianismo de Jesus de Nazaré, caraterizado pela ruptura com os dogmas reguladores e subversor dos sistemas; e por outro, segundo o autor, o processo de rotinização deste carisma, quando a novidade efervescente tende a se estabelecer e perde a vitalidade. Neste momento se estabelecem normas e rotinas, por meio da “rotinização do carisma”. Para P. L. Berger e T. Luckmann (1973, p. 79): “A instituição ocorre sempre que há uma tipificação recíproca de ações habituais por tipos de atores. [...] qualquer uma dessas tipificações é uma instituição. O que deve ser acentuado é a reciprocidade [entre os atores] das tipificações”. Dito isto, antes de prosseguir, é importante munir-nos de um breve esboço biográfico acerca de Jesus, esboçando sua vida e atuação. Pouco se sabe sobre o Jesus da história e o que sabemos dele é por meio de relatos “hagiográficos”. Porém o que conhecemos sobre a práxis cotidiana de Jesus junto a sua comunidade de discípulos (“dos 12”)? Gunther Bornkamm (2005, p .100) sustenta que os “evangelhos falam muito mais de suas pregações, de suas discussões com os adversários, de suas curas e da ajuda que ele presta aos que sofrem [...] o povo corre a ele, os discípulos seguem, mas também seus inimigos entram em ação e se multiplicam”. Por conseguinte, é uma tarefa difícil estabelecer como de fato era o dia a dia do rabi Jesus, uma vez que a tradição oral do conteúdo religioso tende a enaltecer fatos cotidianos e privilegiar atos extraordinários. No entanto, podemos arriscar a construção de certo cenário. Gerhard Lohfink (2011) propõe uma divisão da comunidade inicial do “carismático” nazareno, em dois diferentes segmentos de discípulos. Primeiro os “estáticos”, aqueles que acolheram sua mensagem, no entanto permaneciam em suas aldeias aguardando o reino vindouro. Neste grupo podemos incluir José de Arimatéia (Mc 5,43), também recordar Zaqueu, que prometeu restituir aqueles aos quais causou dano financeiro quadruplamente (Lc 19,8) e doar metade de seus bens aos necessitados e, ainda citar, Lázaro (denominado amigo de Jesus) (Jo 11,1) que permanece em Betânia. O segundo grupo de discípulos são os itinerantes. Ainda segundo Lohfunk (2001, p. 56-57), “bem mais delimitado”. São os mais próximos e sobre os quais Jesus 34 exercia certa responsabilidade17 e tutela pessoal. Seus alunos-discípulos se diferenciavam da relação entre os alunos dos rabinos, estes interessados em aprender da Lei; os discípulos de Jesus o seguiam porque compreenderam que o Reino estava próximo e assimilavam uma mensagem mais prática. Eles deixavam suas profissões e famílias (Lc 9,59; Mc 1,16-20). Para Lohfunk (2001, p. 57), “Jesus exige, portanto, dos seus discípulos a renúncia decidida à própria família [...] em vez de sua família e de todas as ligações de sangue e amizade entra a comunhão de vida com Jesus”. Neste grupo inicial estavam Maria, mãe de Jesus, os apóstolos Pedro, Tiago e João, Filipe, Tomé, Bartolomeu, Mateus, Tiago (filho de Alfeu), Simão (Zelote) e Judas (filho de Tiago) e Matias substituto Judas, que se suicidou. Como dito acima, esta agremiação inicial era reconhecida como os do “O Caminho”, ou o Grupos dos 12. Estavam convencidos de que tinham uma mensagem que todo o Israel devia ouvir”. Jerusalém era o centro da autoridade do judaísmo e a mensagem deveria ser difundida a todos. Jesus levou uma vida itinerante junto a estes seguidores. Abrigavam e alimentavam-se nas aldeias, em que permaneciam por pequenos prazos. Era acompanhado, além dos doze Galileus, por um círculo de pessoas que o admiravam e desejavam sua pregação e atos mágicos. Este seu nomadismo era recusado por alguns, que, como dissemos, preferiam permanecer em suas cidadelas (aparentemente, após sua morte, o estilo “nômade” ficou restrito aos apóstolos e profetas. (SKARSAUNE,145). A análise das fontes aponta para a existência de um “Movimento de Jesus” que não se deixa condicionar pelas circunstâncias religiosas de sua sociedade. Nas tensões da sociedade em que vive, dominada por religiosos tradicionalistas vinculados a vários tipos de dominações estrangeiras, políticas, dogmáticas e ideológicas, Jesus surge como um homem livre, sem reconhecer os limites impostos pela sua própria cultura religiosa. Isso implicava em nutrir em seus seguidores experiências religiosas outsiders, que não constavam no cardápio do senso comum religioso de seus contemporâneos. Estas experiências vividas pelos discípulos foram fundamentais para consolidar o posterior grupo carismático e extático dentro das comunidades paulinas. Desta forma, as narrativas de Jesus apontam que o líder messiânico valorizava a vida interior, apregoando a ideia de piedade e não uma religiosidade de obras meritórias e de religião 17 Verificando Mc 2.24 - “Vê! como fazem ele o que não é permitido fazer no sábado?”, percebemos que “aos olhos de seus vigiais, é responsável por seus discípulos, assim como os doutores da lei são responsáveis por seus alunos” para Lohfinkk, (2011, p. 57) 35 cerimoniais. O insurgente profeta não se limita às regras dos fariseus: omite os rituais purificatórios e tradições excludentes como a cura ao sábado, não da atenção as prescrições religiosas (Mc 1,29; 3,1-7a); não respeitar os preceitos sobre o puro e o impuro nas prescrições alimentares (Mc 7,1-23); colocar-se contra a lei religiosa que proibia caminhar com pessoas de má fama, relacionava-se com prostitutas, cobradores de impostos e categorias marginalizadas, como no caso das mulheres que também o seguiam. Jesus também ironiza a necessidade dos dirigentes religiosos-políticos de sobressair-se em solenidades exageradas e na exploração dos mais fracos: chama-os de “bandidos” (Mt 21,13), denunciando-os, quanto a sua hipocrisia. Ainda diz a preferência de Deus pelas prostitutas aos sacerdotes saduceus (Mt 21,28-32). Quanto às autoridades civis, Jesus não se amedrontava frente a Pilatos ou de Herodes (Lc 13,31s; Lc 23,6-9), conforme Juan Mateo & Fernando Camacho (1992, p. 63-76). As pesquisas de Mateo e Camacho (1992, p. 69) revelam que Jesus “nunca aparece nos evangelhos participando de atividades no templo”, a não ser quando participando de festas e utilizando-as como espaço público de pregação. Jesus muda o conceito da relação do espaço do sagrado, propondo novas liturgias. Suas críticas ao próprio culto voltam-se ao fato de que nestes rituais eram realizadas atividades esplendorosas, sustentadas pelos impostos religiosos e donativos dos fiei - sublinhando o contraste entre os sacrifícios oficiais e a pobreza/opressão do povo sob domínio romano. Apesar de frequentar a sinagoga, seu objetivo era iluminar novas perspectivas religiosas aos seus frequentadores. Diante de um doutrinamento farisaico, o culto, para o messias Jesus, não requeria espaços sagrados (João 4,21): “O culto e a própria vida animada em amor” (MATEOS & CAMACHO,1992, p. 69). A luz do que já foi exposto podemos notar a antinormatização de suas práticas e contextos, era importante para Jesus deixar uma sociedade minimamente constituída por seus seguidores com determinado grau de princípios régios. Desta forma, ao invés de sistemas teológicos sofisticados, sugeriu aos seus seguidores os ritos mais simples: o batismo e a ceia. Para Robert Hastings Nichols (1997, p. 21-22): “Ele não modelou qualquer organização ou plano de governo para esta 36 sociedade. Não indicou oficiais para exercerem autoridade sobre os membros de tal organização. Credo algum prescreveu para ela. Nenhum código de regras lhe fora imposto. Não prescreveu ordens ou formas
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