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Discriminação e Ação A�rmativa Prof. Maria Eduarda Barroso Perpétuo de Souza Descrição Discriminação, ações afirmativas e consequências para o bem-estar social. Propósito Compreender os conceitos de discriminação estatística, discriminação baseada em preferências, evidências gerais sobre discriminação e o papel de ações afirmativas e suas consequências para o bem-estar e desenvolvimento social é fundamental para entender e desenhar políticas de combate à discriminação. Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 1 of 40 09/09/2022 16:00 Objetivos Módulo 1 Reconhecer os conceitos de discriminação estatística e discriminação baseada em preferências. Módulo 2 Identificar como a discriminação se apresenta no mercado de trabalho e pela polícia. Módulo 3 Analisar políticas de ação afirmativa e seus resultados. Há muitos anos somos confrontados com questões de discriminação de minorias nas mais diversas situações. Desde o movimento sufragista feminino iniciado ainda no século XIX, passando pelo Apartheid (política de segregação racial instituída na África do Sul entre os anos 1950 e 1990), até a morte de George Floyd como resultado de agressão policial em 2020 nos Estados Unidos. Ao longo deste tema, ficará mais claro como a discriminação contra minorias apresenta um custo para o desenvolvimento econômico. As minorias podem apresentar taxas de desemprego mais altas porque são menos aceitas em diversas atividades. Assim, a discriminação pode ser responsável pelo alto desemprego dessas minorias e por sua distribuição desigual em certas atividades. Além da questão do mercado de trabalho, membros de minorias tendem a ter menos acesso à educação de qualidade, menos Introdução Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 2 of 40 09/09/2022 16:00 1 - Discriminação Ao �nal deste módulo você sera capaz de reconhecer os conceitos de discriminação estatística e discriminação baseada em preferências. representação política e sofrer mais violência policial. Estudaremos agora dois modelos de discriminação desenvolvidos por Becker (1971) em seu livro The economics of discrimination. Apresentaremos evidências sobre os tipos de discriminação na prática e, por fim, discutiremos o papel de ações afirmativas no combate à discriminação. Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 3 of 40 09/09/2022 16:00 Considerações iniciais Modelos econômicos de discriminação podem ser divididos em duas classes: modelos competitivos e coletivos. Modelos competitivos estudam o comportamento maximizador do indivíduo, que pode incluir discriminação. Ou seja, discriminar é uma ação ótima do ponto de vista individual para ao menos algumas pessoas: pense no dono de uma loja que é racista e se recusa a contratar negros. Em modelos coletivos, grupos agem coletivamente contra os outros: pense em homens que não aceitam que mulheres possam votar. Praticamente toda análise econômica usa modelos competitivos, e seguiremos o mesmo caminho aqui. Primeiro, vamos definir discriminação. Para nossos propósitos, discriminação é quando membros de uma minoria são tratados de forma diferente (menos favorável) do que os membros de um grupo majoritário, mesmo tendo características produtivas idênticas. Atenção! Vamos falar aqui em “minorias” para seguir o jargão dos economistas, mas você deve interpretar o termo como “grupo desfavorecido”. Afinal, pode haver situações em que esse grupo é, na verdade, o maior em determinada sociedade! Esse é o caso da África do Sul no regime de Apartheid: os negros eram fortemente desfavorecidos apesar de representarem a maior parte da população do país. Modelos competitivos podem ainda serem divididos em dois tipos: discriminação estatística e discriminação baseada em preferências. Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 4 of 40 09/09/2022 16:00 Vamos entender ambos. Vamos começar definindo a notação e algumas variáveis. Seja o salário Y definido pela seguinte equação: Em que X é um vetor de características exógenas que determinam a produtividade, e Z é um indicador que informa se o indivíduo pertence a alguma minoria ou não. Suponha que captura perfeitamente o conjunto de características produtivas e seus retornos, e que Z é não correlacionado com o erro; concluímos que a discriminação ocorre quando . Ou seja, o mero fato de pertencer a uma minoria faz com que o salário seja menor, mesmo filtrando o efeito de outras características que também afetam o salário (nível educacional, experiência etc.). Se você quiser, pode usar uma versão simplificada da equação acima: Nessa equação, representa a escolaridade do indivíduo, representa o número de anos de experiência profissional, e . A equação (1) representa a mesma informação em notação matricial. Basta fazer: Nesse caso, X inclui todas as variáveis que afetam a produtividade: educação e experiência profissional. É claro que no mundo real pode haver ainda outras variáveis, mas vamos usar esse exemplo simples como ilustração. Y = Xβ + αZ + e (1) Xβ α < 0 Y = β 1 x 1 + β 2 x 2 + αZ + e x 1 x 2 Z = 1 X = [ ]x 1 x 2 β = [ ] β 1 β 2 Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 5 of 40 09/09/2022 16:00 Vamos interpretar β como uma espécie de parâmetro tecnológico que nos informa como determinada característica (educação ou experiência) se traduz em salário. Use a notação que achar mais conveniente: não há diferença para a nossa apresentação. Se você já estudou econometria, ambas serão familiares. Basta saber que, para estimar o parâmetro α (ou seja, para avaliar se existe discriminação), é fundamental que o termo de erro (não observado) da equação não seja relacionado com a variável Z. Caso contrário, não temos como estimar α: afinal de contas, pertencer à minoria afeta diretamente o salário Y, mas também afeta o termo de erro, que por sua vez afeta o salário, e não poderíamos distinguir esses dois canais. Dizer que o termo de erro é não correlacionado com Z é a chamada hipótese de exogeneidade, que é bastante importante para a nossa análise. Vamos seguir nossa equação. Observe uma primeira dificuldade: a produtividade pode depender diretamente de Z. Exemplo Na indústria do entretenimento, os consumidores podem valorizar mais ou menos trabalhadores no grupo minoritário. Se os consumidores pagam mais para ver, por exemplo, atores brancos ou atletas negros, será esse um componente legítimo de produtividade? Segundo, sempre há o questionamento se β, a tecnologia da produção, é de fato exógena. Por exemplo, operar um equipamento de incêndio requer considerável força física, um argumento contrário à entrada de mulheres na profissão. As variáveis podem ser também endógenas, ou seja, talvez nãox 1 e x 2 Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 6 of 40 09/09/2022 16:00 respeitem a hipótese de exogeneidade. Por exemplo, a expectativa de discriminação futura pode afetar os valores dessas variáveis para membros do grupo da minoria, como no caso de crenças racionais entre minorias de que a educação deles não será recompensada pelo mercado (“Por que eu vou estudar se obviamente ninguém me pagará um salário adequado aos meus anos de estudo, dado que eu pertenço a uma minoria?”). Discriminação estatística Uma enorme literatura, começando pelo livro de Becker The Economics of Discrimination (1971), explora a economia da discriminação. A premissa da literatura sobre discriminação estatística é que as firmas têm informações limitadas sobre as habilidades dos candidatos a emprego. Isso lhes dá um incentivo para usar características facilmente observáveis, como raça ou gênero, para inferir aprodutividade esperada dos candidatos. A discriminação estatística é a solução para um problema de sinalização. Se um empregador observa um sinal ruidoso de produtividade do candidato (como o resultado em uma entrevista de emprego, em que uma pessoa produtiva pode ir mal por estar nervosa) e também tem informações prévias sobre variáveis correlacionadas com a produtividade (digamos, uma média específica do grupo), então a expectativa de produtividade do candidato deve considerar tanto sobre o sinal quanto sobre a média. Vamos ver o caso de diferença nas médias. Para simplificar, usaremos distribuição normal. Suponha que trabalhadores se candidatem a postos de emprego e que os empregadores vejam a raça do trabalhador, que é dada por , e um erro de sinalização de produtividade, . Suponha que os empregadores aprendem por experiências que: x = {a, b} ~ η Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 7 of 40 09/09/2022 16:00 Considere ainda que é idêntico para e . Assim, membros do grupo são menos produtivos na média, pois . Mas a dispersão de produtividade, dada pela variância , é a mesma para ambos os grupos. Podemos então escrever a produtividade de um indivíduo i, para cada um dos grupos, como: Ou seja, a produtividade depende da média de produtividade do grupo ao qual o indivíduo pertence (dada por ou ), e mais um componente individual . O empregador não observa a própria produtividade, apenas um sinal que depende da produtividade , mas também de um fator aleatório (um choque) . Ou seja, o sinal observado pelo empregador é: η a ∼ N (η̄ a , σ 2 η ) η b ∼ N (η̄ b , σ 2 η ) η̄ a > η̄ b ⋅ σ 2 η a b b η̄ a > η̄ b σ 2 η η i = η̄ a + ε i η i = η̄ b + ε i η i η̄ a η̄ b ε i ~ η i η i l i ~ η i = η i + ι i Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 8 of 40 09/09/2022 16:00 Podemos agora calcular a esperança de cada uma dessas variáveis aleatórias, condicional ao verdadeiro valor da produtividade: Em suma, , para ambos os grupos , de forma que o sinal é não viesado. Mas qual é a esperança do sinal dados os valores de e ? Se você já estudou econometria, reconhecerá que isso é simplesmente uma equação de regressão. Podemos escrever: Em que , que é o coeficiente de uma regressão bivariada de em e uma constante (estimada separadamente por grupo). Note que , de forma que a única diferença é . Essa equação imediatamente implica que, para um dado , a produtividade esperada de trabalhadores do grupo é mais baixa que a do grupo , mesmo quando é um sinal não viesado para trabalhadores de ambos os grupos. Em particular, . Essa expressão sempre será positiva, dado que ~ η i = η̄ b + ε i + ι i E ( ~ η i ∣ η̄ l , a) = E (η̄ a + ε i + ι i ) = E (η̄ a ) η̄ a + E (ε i ) 0 + E (t i ) 0 = η̄ a E ( ~ η i ∣ η̄ l , b) = E (η̄ b + ε i + ι i ) = E (η̄ b ) η̄ b + E (ε i ) 0 + E (ι i ) 0 = η̄ b E ( ~ η i ∣ η̄ i , x) = η i (x = a ou x = b) ~ η i η̄ x E(η ∣ ~ η, x) = η x (1 − γ) + ~ ηγ = η x + ( ~ η − η x )γ (2) γ = σ 2 l / (σ 2 η + σ 2 ι ) η ~ η γ a = γ b η a > η b ~ η b a ~ η E(η ∣ ~ η = k, x = a) − E(η ∣ ~ η = k, x = b) = (η a − η b ) × (1 − γ) Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 9 of 40 09/09/2022 16:00 Mas (a não ser que ). Assim, não há salário igual para produtividade igual nesse modelo. Há apenas igualdade na remuneração paga quando a produtividade esperada é igual. Exemplo Considere dois grupos de trabalhadores, e , que ambos têm produtividade . Então, para trabalhadores de ambos os grupos. Mas, usando a equação (2), fica claro que . Assim, para alguns trabalhadores, a discriminação estatística é discriminação do sentido da equação (1). No entanto, isso não é verdade dentro de cada grupo na média. A produtividade esperada é igual à produtividade verdadeira, na média. Na prática, é muito difícil testar a discriminação estatística, porque pode ser impossível observar como os empregadores formam as expectativas. Quase todas as diferenças raciais e/ou de gênero observadas na remuneração ou contratação podem ser atribuídas à discriminação estatística (o que é um problema para a teoria, não uma virtude). Quase todos os testes de discriminação estatística são, portanto, indiretos. Discriminação baseada em preferências Neste modelo, os empregadores têm uma preferência por discriminação, isto é, existe uma desutilidade de empregar trabalhadores de minorias. Por exemplo, o chefe da firma simplesmente σ 2 ı > 0 E ( ~ η i ∣ η i , x) = η i E (η i ∣ ~ η i , x) ≠ η i ~ η i = η x a b η = k E = ( ~ η i ∣ η i , x) = k E (η ∣ ~ η i = k, x = b) < E (η ∣ ~ η i = k, x = a) Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 10 of 40 09/09/2022 16:00 não gosta de contratar negros, ou mulheres, ou judeus. É fácil pensar em diversos exemplos, no presente e no passado, em que isso ocorre. Trabalhadores de grupos minoritários devem então “compensar” os empregadores. Há duas possibilidades. Primeira: pode receber o mesmo salário que um colega, mas precisa ser mais produtivo. Segunda possibilidade: deve aceitar um salário menor se tiver a mesma produtividade. Seja o grupo majoritário e o minoritário. Os empregadores vão maximizar sua função utilidade, que é a soma dos lucros mais o valor monetário da utilidade de empregar trabalhadores de certos grupos. Seja o parâmetro da preferência da firma, que Becker (1971) chama de coeficiente de discriminação. As firmas vão maximizar Em que é o nível de preços do produto vendido, é a função de produção, é o número de trabalhadores do grupo , e é o salário pago aos membros de cada grupo. Empregadores preconceituosos (ou seja, ) vão agir como se o salário do grupo fosse igual a . Ou seja, é como se eles tivessem um custo maior para contratar um trabalhador de minorias. Se os trabalhadores dos dois grupos são igualmente produtivos, as firmas contratarão membros do grupo apenas se o salário do grupo a for alto demais: De forma geral, o número ótimo de trabalhadores empregados em cada firma será determinado pelas condições de primeira ordem do problema de maximização de lucro: a b d U = pF (N b , N a ) − w a N a − w b N b − dN b p F N x x = {a, b} w x d > 0 b w b + d b w a ≥ w b + d Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 11 of 40 09/09/2022 16:00 Se , então as equações acima implicam : o produto marginal é maior para os trabalhadores do grupo , e os trabalhadores do grupo ganham menos. É uma combinação de dois efeitos: Maiores salários para o grupo privilegiado. Menor produto marginal para grupos mi Revisando o módulo 1 Neste vídeo, o especialista retorna aos conceitos de discriminação estatística e discriminação baseada em preferências estudados no módulo. pF ′ (N a ) = w a pF ′ (N b ) = w b + d Se w a ≥ w b + d F ′ (N a ) > F ′ (N b ) a b Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 12 of 40 09/09/2022 16:00 Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 Considere as afirmativas a respeito de discriminação estatística e assinale a alternativa correta. I. A discriminação estatística ocorre porque firmas têm informação limitada sobre habilidades de candidatos. II. A discriminação estatística acontece quando candidatos e firmas têm o mesmo nível de informação sobre as habilidades dos candidatos. III. Características não observáveis são utilizadas parainferir a produtividade dos indivíduos. IV. Características facilmente observáveis são utilizadas para inferir a produtividade dos indivíduos, como raça e gênero. V. A discriminação estatística é a solução para um problema de sinalização, em que a raça/gênero é um sinal de produtividade. A Apenas as afirmativas I e V são verdadeiras. B As afirmativas I, IV e V são verdadeiras. C As afirmativas IV e V são falsas. D Apenas a afirmativa II é verdadeira. E Apenas a afirmativa V é falsa. Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 13 of 40 09/09/2022 16:00 Parabéns! A alternativa B está correta. Em casos de discriminação estatística, a firma utiliza características observáveis como gênero, raça, etnia etc. para inferir a produtividade do indivíduo. Questão 2 Considere as afirmativas a respeito de discriminação baseada em preferências e assinale a alternativa correta. I. No caso de discriminação baseada em preferências, o empregador apresenta uma desutilidade em empregar um indivíduo pertencente a certas minorias. II. Na discriminação baseada em preferências, o empregador busca empregar indivíduos de minorias porque aumenta seu lucro. III. Devido à discriminação baseada em preferências, indivíduos de minorias devem necessariamente compensar sendo mais produtivos. IV. Devido à discriminação baseada em preferências, indivíduos de minorias devem necessariamente compensar o empregador, recebendo menores salários pela mesma produtividade de seus pares que não são de minorias. Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 14 of 40 09/09/2022 16:00 Parabéns! A alternativa C está correta. Na discriminação baseada em preferências, indivíduos apresentam tipicamente uma desutilidade em empregar minorias, de modo que um trabalhador da minoria deve compensar essa destutilidade sendo mais produtivo ou aceitando salários mais baixos para o mesmo nível de produtividade de trabalhadores que não pertencem a minorias. A As afirmativas I e II são verdadeiras. B Apenas a afirmativa III é falsa. C Apenas a afirmativa II é falsa. D Apenas a afirmativa II é verdadeira. E As afirmativas IV e V são falsas. Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 15 of 40 09/09/2022 16:00 2 - Evidências sobre discriminação Ao �nal deste módulo, você será capaz de identi�car como a discriminação se apresenta no mercado de trabalho e pela polícia. Discriminação racial na polícia A polícia é frequentemente acusada de agredir minorias, e é relevante descobrir por que as autoridades policiais tratam indivíduos de diferentes grupos raciais de forma distinta. Por um lado, diferentes grupos podem ter taxas de criminalidade desiguais, mas é natural pensar que há práticas policiais simplesmente racistas. Não é fácil distinguir empiricamente entre essas duas possibilidades, mas diversos artigos tentam apresentar uma resposta, usando modelos de discriminação estatística e de discriminação baseada em preferências. A discriminação estatística surge porque os policiais não sabem se um suspeito cometeu determinado crime. Se existem diferenças entre grupos na propensão a cometer um crime, então a polícia pode tratar racionalmente indivíduos de diferentes grupos raciais de forma distinta. É como se o policial pensasse: “vou ser mais rigoroso ao investigar jovens do que idosos porque é mais comum que jovens cometam crimes” – naturalmente, o problema aqui é como avaliar essas diferenças na propensão a cometer crimes, se é que existe, e definir a Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 16 of 40 09/09/2022 16:00 forma adequada para lidar com isso. A discriminação baseada em preferências surge porque a polícia pode simplesmente ter preferências discriminatórias contra membros de um grupo, agindo como se houvesse algum benefício associado à prisão ou detenção de membros desse grupo. É um policial que prefere ser mais duro contra negros do que contra brancos. Exemplo Em uma blitz, a discriminação baseada em preferências aumenta o benefício (ou, de forma equivalente, diminui o custo) de procurar motoristas de um grupo em relação aos de outro grupo. O debate sobre as fontes das disparidades raciais nos padrões de policiamento acompanha o debate sobre o perfil racial dentro do sistema judicial. Ou seja, a discriminação estatística é chancelada pelos tribunais: o juiz acha que é adequado um policial parar com maior frequência em uma blitz motoristas negros porque acha que negros têm maior chance de cometer crimes. Já a discriminação baseada em preferências costuma ser penalizada: nesse caso, o preconceito fica óbvio. Antonovics e Knight (2009) buscam entender as razões pelas quais as taxas de revista de veículos são tão diferentes entre negros, hispânicos e brancos em blitz nos Estados Unidos. Os autores mostram que, se a discriminação estatística explica por si só essas diferenças, então outros fatores não devem ser relevantes para explicá-las. Em particular, a raça do próprio policial que decide se vai revistar um veículo não deveria ser relevante para explicar as decisões de revista. Assim, eles argumentam que, se as revistas são mais prováveis quando a raça do policial difere da do motorista, então a discriminação estatística não explica tudo: falta alguma coisa. Isso fornece evidência de discriminação baseada em preferências: os policiais preferem realmente parar e revistar veículos de motoristas negros. Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 17 of 40 09/09/2022 16:00 Os autores aplicam esse teste a uma nova base de dados que informa a raça do policial e do motorista em todas as revistas a veículos conduzidas por agentes do Departamento Policial de Boston em um período de dois anos, a partir de abril de 2001. Segundo Antonovics e Knight (2009), hispânicos e negros têm uma probabilidade quase duas vezes maior do que os brancos de terem seus carros revistados. Esse padrão de busca diferencial pode ser o resultado de uma discriminação baseada em preferências. Porém, ele também é consistente com a discriminação estatística. Isto é, se negros e hispânicos têm maior probabilidade de transportar drogas ou outros contrabandos do que os brancos, então também é possível que eles tenham maior probabilidade do que os brancos de levantar a suspeita da polícia. Mas o estudo não para por aí. Os autores encontram evidências de que a probabilidade de um carro ser revistado é maior quando o policial que faz a blitz é de um grupo racial diferente do motorista. Exemplo A probabilidade de que um motorista branco seja revistado é de 0,40% se o policial for branco e de 0,62% se o oficial for negro. Da mesma forma, a probabilidade de um motorista negro ser revistado é de 0,82% se o policial for negro, mas 0,97% se o oficial for branco. Ou seja, a discriminação estatística não explica tudo, pois as decisões policiais não são baseadas apenas na cor da pele do motorista: temos portanto evidência para discriminação baseada em evidências. Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 18 of 40 09/09/2022 16:00 Discriminação no mercado de trabalho Nos Estados Unidos, em comparação com os brancos, os negros têm o dobro da probabilidade de estar desempregados. Além disso, quando conseguem emprego, ganham quase 25% menos do que os não negros. Esses dados são do artigo Bertrand e Mullainathan (2004), e ilustram uma desigualdade relevante. Por que as empresas tratam pessoas de forma diferente por causa da cor da pele? Por um lado, há o preconceito do empregador, ou a percepção de que determinada cor de pele (ou raça) sinaliza menor produtividade. Por outro lado, é possível pensar em uma herança histórica, um comportamentoque se repete quase por inércia, mas pode ser eliminado por alguma combinação de fatores: esclarecimento ou consciência do empregador, programas de ação afirmativa, e o objetivo de maximização do lucro. Todos esses fatores contribuem para reduzir a desigualdade. Bertrand e Mullainathan (2004) conduziram um experimento enviando currículos fictícios como resposta a vagas de trabalho anunciadas em jornais americanos das cidades de Boston e Chicago. As autoras analisam a percepção de raça de forma experimental, por meio do nome do candidatos fictícios. Elas atribuem aleatoriamente nomes: Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 19 of 40 09/09/2022 16:00 Emily Walsh ou Greg Baker Tipicamente associados a pessoas brancas nos Estados Unidos, para metade dos currículos. Lakisha Washington ou Jamal Jones Nomes associados a negros, para a outra metade. Elas variam também as competências e formações de forma experimental para um anúncio de emprego. Na prática, as autoras enviam quatro tipos de currículos. 1. Dois de maior qualidade, sendo um tipicamente branco e outro tipicamente negro; 2. Dois de menor qualidade, tanto para branco quanto para negro. No fim, mais de 5.000 currículos foram enviados para mais de 1.300 vagas de emprego, nas áreas de vendas, suporte administrativo e serviços. As autoras encontraram uma grande diferença racial na resposta aos currículos. Candidatos com nomes tipicamente brancos precisaram mandar por volta de 10 currículos para serem chamados para entrevistas, enquanto negros precisaram enviar por volta de 15. Essa diferença de 50% é estatisticamente significativa. Um nome branco equivale a um adicional Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 20 of 40 09/09/2022 16:00 de 8 anos de experiência: ou seja, para obter as mesmas entrevistas de emprego que os brancos, um negro precisa ter trabalhado oito anos a mais, em média. Currículos com nomes brancos e maior qualidade têm uma taxa de retorno de entrevista de quase 30% maior do que os dos currículos brancos com baixa qualidade. Por outro lado, ter um currículo de melhor qualidade tem um efeito pequeno para negros. Assim, o diferencial entre negros e brancos aumenta com a qualidade do currículo. Na prática, as firmas analisam os currículos de pessoas brancas de maneira diferente, prestando atenção à informação ali contida. Já os currículos de pessoas negras são tratados de forma descuidada: são todos iguais, independentemente da informação ali contida. Embora fosse esperado que uma melhoria nas credenciais reduzisse o medo dos empregadores de que os candidatos negros fossem deficientes, esse não é o caso nos dados usados. Como as autoras atribuem aleatoriamente os endereços postais dos candidatos, é possível estudar o efeito do local de moradia. Os resultados apontam que: Moradia A raça também afeta o próprio valor do currículo Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 21 of 40 09/09/2022 16:00 Viver em um bairro mais rico (ou mais educado, ou mais branco) aumenta o número de entrevistas para as quais o candidato é chamado. Mas, novamente, essa vantagem não é observada para negros. Convites para entrevistas Os convites para entrevistas são semelhantes em todas as carreiras e setores econômicos cobertos no experimento. Revisando o módulo 2 Neste vídeo, relembraremos os atos de discriminação racial cometidos pela polícia e no mercado de trabalho. Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 Considere as afirmativas a seguir sobre discriminação ações da polícia, do artigo de Antonovics e Knight (2009), e assinale a alternativa correta. I. O artigo busca entender por que a taxa de revista em blitz difere entre indivíduos de raças diferentes. II. A discriminação estatística ocorre porque os policiais não conseguem saber se um suspeito cometeu determinado crime. Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 22 of 40 09/09/2022 16:00 III. A discriminação baseada em preferências acontece porque a polícia pode ter preferências discriminatórias contra membros de um grupo e atribui algum benefício não monetário associado à prisão ou detenção de membros desse grupo. IV. Antonovics e Knight (2009) encontraram evidências de que na realidade a taxa de revista de veículos em Boston é igual para todas as raças. V. No artigo de Antonovics e Knight (2009), os resultados apontam que, quando o policial que conduz a busca no veículo é da mesma raça que o motorista, mais buscas acontecem. Parabéns! A alternativa D está correta. Os autores analisam os motivos pelos quais as taxas de revista de veículos diferem entre brancos, negros e hispânicos, utilizando dados para a cidade de Boston. A discriminação estatística acontece quando as taxas de crime apresentam diferenciais segundo raças, de modo que a policia não pode ter certeza de que o indivíduo cometeu um crime, mas, como certa raça tem maior probabilidade de cometer um crime, o policial enxerga isso como um sinal. Já a discriminação baseada em preferências ocorre quando agentes da polícia tiverem um benefício em prender membros de determinado grupo. Os resultados encontrados pelos autores apontam que os diferenciais de taxa de revista de veículos A As afirmativas IV e V são verdadeiras. B Apenas a afirmativa I é verdadeira. C As afirmativas II, IV e V são verdadeiras. D As afirmativas I, II e III são verdadeiras. E A afirmativa IV é a única falsa. Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 23 of 40 09/09/2022 16:00 aumenta quando a raça do policial e do motorista são diferentes. Questão 2 Considere as afirmativas a seguir sobre discriminação no mercado de trabalho e assinale a alternativa correta. I. O artigo busca medir a taxa de resposta de empregadores para candidatos a empregos brancos e negros nos EUA. II. As autoras realizaram um experimento aleatório, randomizando os nomes dos currículos entre nomes tipicamente brancos e tipicamente negros. III. As autoras apenas aleatorizam os nomes nos currículos. IV. Os resultados apontam que negros têm uma taxa de resposta maior quando comparados a brancos que possuem mais qualificação. V. Segundo o artigo, a taxa de retorno a entrevista aumenta menos para negros que têm boa qualificação quando comparados a brancos de mais qualificação. Parabéns! A alternativa D está correta. A As afirmativas IV e V são verdadeiras. B As afirmativas I e IV são verdadeiras. C As afirmativas II, IV e V são verdadeiras. D As afirmativas I, II e V são verdadeiras. E A afirmativa IV é a única falsa. Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 24 of 40 09/09/2022 16:00 3 - Ações a�rmativas e seus resultados Ao �nal deste módulo, você será capaz de analisar as políticas de ação a�rmativa e seus resultados. O que são ações a�rmativas? Ações afirmativas são políticas públicas concentradas em determinados grupos em situação de desvantagem na sociedade. Elas buscam compensar essa desvantagem e garantir oportunidades iguais para todos. As autoras buscaram medir a discriminação no mercado de trabalho americano, enviando currículos fictícios de pessoas tipicamente brancas e tipicamente negras, e mensurar a taxa de resposta do empregador para esses diferentes currículos. Assim, aleatorizaram os nomes e as qualificações, criando quatro tipos de currículos fictícios: alta qualificação branco, alta qualificação negro, baixa qualificação branco, baixa qualificação negro. Os resultados apontam que negros têm uma taxa de retorno menor do que brancos, e que o diferencial de resposta para brancos de baixa e alta qualificação é maior do que para negros. Discriminaçãoe Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 25 of 40 09/09/2022 16:00 As ações afirmativas têm custos e benefícios, como qualquer política pública, e devem ser avaliadas. Discutiremos neste módulo algumas dessas avaliações. Cotas políticas para mulheres Em 2008, mulheres correspondiam a 18,4% de parlamentares no mundo, e em apenas 13 países havia uma mulher na frente do governo (UNIFEM, 2008). Essas diferenças de gênero não correspondem a restrições legais, uma vez que mulheres podem votar, apoiar candidatos e se candidatar em quase todos os países. Ao contrário, muitos sugerem que, tanto em países pobres quanto ricos, o acesso de mulheres a cargos políticos é ao menos parcialmente restrito pelo viés dos eleitores e partidos, que tendem a favorecer políticos homens. A crença de que o gênero do político pode ter consequências importantes para decisões políticas, e que a possibilidade de que este viés, se presente, pode ser maleável, levou os formuladores de políticas a enfatizar a importância da presença de mulheres políticas. A suposição é que, quando os eleitores aprenderem que mulheres podem liderar de forma efetiva, o viés de gênero na política irá diminuir. Essa possibilidade levou mais de 100 países a introduzir políticas de ações afirmativas para mulheres na política, seja por lei ou por ações voluntárias de partidos. Comentário Essas políticas aumentaram de forma significativa a representação de mulheres na política e alteraram as decisões subsequentes. Embora em diversos casos a exposição de uma pessoa a membros de um grupo diferente crie uma certa empatia, ainda há debate sobre a exposição obrigatória a líderes femininas: será que essa exposição pode alterar com sucesso as normas sociais, e as percepções sobre a Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 26 of 40 09/09/2022 16:00 capacidade das mulheres de liderar? A primeira razão para duvidar desta efetividade é que eleitores podem não gostar de cotas que restringem suas escolhas, e assim podem desgostar de mulheres liderando. Outra opção é que eles podem considerar cotas de gênero como violações de normas sociais e potencialmente agentes de redução das tradicionais atividades masculinas. Como resultado, as cotas podem precipitar um retrocesso contra as líderes femininas e fortalecer a discriminação baseada em preferências. Por outro lado, a exposição obrigatória a líderes mulheres informa os eleitores sobre a capacidade feminina de liderança. Considere o caso em que os eleitores são avessos ao risco e nenhuma mulher foi inicialmente eleita líder (possivelmente por alguma pequena discriminação de preferências inicial). Como os eleitores ganham relativamente mais informações sobre os líderes masculinos que elegem, eles perceberão a escolha das líderes femininas como arriscadas e continuarão a favorecer os líderes masculinos, causando a persistência de percepções tendenciosas sobre a eficácia das mulheres como líderes. Em tais ambientes, a exposição mandatória pode reduzir a discriminação estatística e melhorar a percepção da eficácia das líderes femininas (a menos que as mulheres se tornem líderes incompetentes e essa exposição leve os eleitores a atualizar suas crenças negativamente). Beaman et al. (2009) exploram lideranças femininas entre conselhos de vilas na Índia. Os dados usados foram do estado de Bengala Ocidental, em que cada conselho de vila consiste em um conjunto de conselheiros eleitos. Esses conselheiros por sua vez elegem um conselheiro chefe. Desde 1998, em cada uma dessas eleições, um terço das posições de conselheiros, e também um terço das posições de lideranças entre conselhos, foram aleatoriamente reservados para mulheres. Apenas mulheres podem se candidatar a eleição para essa posição reservada. Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 27 of 40 09/09/2022 16:00 Duflo et al. (2009) exploram essa randomização e examinam os efeitos causais do impacto da exposição de mulheres a essas posições sobre resultados eleitorais, atitudes dos habitantes das vilas e percepção sobre mulheres líderes. Re�exão As autoras documentam primeiro os ganhos eleitorais significativos para mulheres que se candidatam em eleições sem reservas de vagas, mas após dois mandatos (dez anos) em que o cargo de liderança foi reservado a mulheres. Isso significa que, mesmo após o fim da reserva de vagas, as pessoas votam mais em mulheres do que nos locais sem liderança feminina prévia: ou seja, as pessoas aprendem com a história recente, e entendem que mulheres são boas líderes – mas esse aprendizado só foi possível porque houve uma imposição de liderança feminina por dez anos. Vamos ser mais precisos na descrição dos resultados! Os dados eleitorais sobre os cargos de conselheira sem reservas em todos os conselhos de aldeia em um distrito de Bengala Ocidental mostram que, em relação aos conselhos que nunca tiveram uma liderança reservada, a maioria das mulheres se candidatou e ganhou esses cargos em conselhos nos quais o cargo de liderança foi reservado para mulheres nas duas eleições anteriores. Dados de um conjunto maior de seis distritos de Bengala Ocidental mostram ganhos semelhantes para as mulheres que disputaram as eleições para liderança em conselhos nos quais a posição de líder não é atualmente reservada. Nas eleições de maio de 2008, a participação das mulheres na liderança foi de 11% nos conselhos nos quais a posição de líder nunca havia sido reservada e 18,5% nos conselhos que foram continuamente reservados para uma liderança feminina entre 1998 e 2008. Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 28 of 40 09/09/2022 16:00 Um aumento inicial de liderança feminina pode melhorar as perspectivas eleitorais das gerações subsequentes de líderes femininas através de múltiplos canais. As autoras analisam em detalhes um canal: mudanças nas atitudes dos eleitores em relação às líderes femininas. As autoras utilizam dados para mostrar que a exposição repetida melhora a avaliação do eleitorado sobre lideranças do sexo feminino. Em relação aos líderes em conselhos nos quais a posição de liderança nunca foi reservada, as lideranças femininas em conselhos com reserva de vagas para mulheres recebem avaliações piores após um ciclo político. Entretanto, isso não é verdadeiro para as mulheres eleitas como líderes em conselhos com reserva de vagas após dois ciclos políticos. Essa melhoria na avaliação dos líderes fornece uma explicação para a reeleição: após a melhoria da classificação das líderes femininas no segundo ciclo eleitoral, mais mulheres concorrem e ganham as eleições para os conselhos de aldeia no terceiro ciclo eleitoral. Re�exão Esses resultados são consistentes com um preconceito inicial dos eleitores contra as líderes femininas, que diminui com a exposição às lideranças femininas. Contudo, podemos pensar em explicações alternativas: talvez a seleção de candidatas mude ao longo do tempo, ou as próprias lideranças femininas podem mudar de comportamento. Para testar qual das duas situações é mais provável de ocorrer, os habitantes das aldeias foram convidados a avaliar a eficácia de líderes hipotéticos, descritos por meio de vinhetas e discursos gravados. A única variação entre os entrevistados foi que o gênero dos líderes foi manipulado experimentalmente. Em cada aldeia, metade dos respondentes receberam discursos e vinhetas de políticos masculinos, e o restante, de políticos do sexo feminino. Todos os outros aspectos do discurso e da vinheta eram idênticos. Os resultados apontam que a exposição a uma líder feminina alterou radicalmente as percepções dos aldeões masculinos sobre a eficácia de uma líder feminina. Homens que vivem em vilas que nunca tiveram reserva de vagas julgavam o líder hipotéticocomo significativamente mais eficaz se achavam que era um homem. Já homens que vivem em Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 29 of 40 09/09/2022 16:00 vilas com reserva de vagas (presente ou passada), ao contrário, não viam diferença entre o líder hipotético masculino ou feminimo: ou seja, superaram o preconceito, e passaram a avaliar apenas o conteúdo da fala, não o gênero de quem fala. Não se observou esse efeito de mudança de avaliação entre eleitoras (mulheres). As autoras também encontraram uma forte preferência por pessoas do gênero: Homens preferem homens líderes, mulheres preferem lideranças femininas, e isso não foi afetado pela reserva de vagas. Ao mesmo tempo, em ambos os gêneros há algum repúdio por mulheres líderes. Esse desagrado explícito não é afetado pela reserva; no máximo, foi observado um efeito de retrocesso entre os homens. Em geral, os resultados sugerem que, embora as preferências profundas e as normas sociais continuem a ser difíceis de corroer, as crenças sobre a eficacia de mulheres líderes são muito mais flexíveis e desempenham um papel na decisão de votar. No cenário estudado, as autoras notam uma melhora na percepção dos eleitores sobre as líderes femininas, seguida de ganhos eleitorais para as mulheres. Isso sugere que o uso da ação política afirmativa, que faz com que os eleitores adquiram informações sobre as habilidades dos grupos tradicionalmente desfavorecidos, pode influenciar de forma duradoura os resultados políticos. Cotas raciais para a educação Em agosto de 2012, o Congresso brasileiro aprovou uma lei que estabelecia a implementação de uma série de ações afirmativas no sistema educacional federal. Desde então, essas políticas têm tido um efeito significativo na vida de milhares de estudantes que entram em programas de graduação todos os anos. Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 30 of 40 09/09/2022 16:00 A lei estabelece que certas proporções de estudantes aceitos em cada programa nessas instituições federais tenham estudado em escolas públicas, sejam de famílias de baixa renda e/ou pertençam a alguma minoria racial. Isso foi implementado a partir da reserva de vagas em cada programa para diferentes combinações dessas características. Para cada grupo que tinha vagas reservadas, os estudantes com as notas mais altas no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) foram aceitos nos programas. Mello (2021) analisa o efeito da adoção do Sistema de Seleção Unificada (SISU) e das cotas na educação superior pública brasileira. Para identificar os efeitos das políticas, a autora explora a variação transversal e temporal gerada pela adoção progressiva das medidas. A identificação vem da comparação das mudanças na média de matrícula de grupos com baixo status socioeconômico no mesmo programa e instituição no tempo. As unidades tratadas são aquelas que tiveram a adoção do SISU e/ou das cotas. O grupo de controle são os programas em que essas políticas foram invariantes. Os resultados encontrados por Mello (2021) estudam a adoção plena das cotas, ou seja, quando o programa passou para de 0% para 50% das vagas reservadas. Essa política aumentou a matrícula de alunos de escolas públicas não brancos e alunos de escolas públicas pertencentes a classes socioeconômicas mais baixas em 29% e 34%, respectivamente. A expansão das cotas também aumenta o número médio de alunos inscritos no vestibular. Isso sugere que o aumento de matrícula de alunos de Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 31 of 40 09/09/2022 16:00 grupos socioeconômicos vulneráveis via lei das cotas não se deve apenas à mudança da regra de admissão, mas também à mudança do comportamento do candidato. Estevan et al. (2019) apresentam evidências de como políticas de ação afirmativa influenciaram a escolha de cursos de graduação. Em todo o mundo, estudantes de classes sociais mais desfavorecidas são pouco representados em carreiras mais prestigiadas e lucrativas, como Medicina e áreas de ciência e tecnologia. Pouco se sabe se as universidades podem afetar a principal escolha dos indivíduos e promover uma maior mobilidade social. Certamente a resposta depende das preferências pessoais dos estudantes (ou talvez das suas famílias) ou das circunstâncias que regem a escolha individual do ensino superior. Os autores exploram a introdução de uma política de ação afirmativa na fase de admissão na Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. Dada a estrutura da ação afirmativa implantada na Unicamp e suas regras de admissão, a universidade ampliou essencialmente o conjunto de escolha dos cursos de graduação dos candidatos visados pela ação afirmativa, sem afetar a percepção dos candidatos de sua própria capacidade. A política de ação afirmativa, implementada pela primeira vez para a admissão na Unicamp 2005, consistia em dar aos candidatos universitários de escolas secundárias públicas bônus no exame de admissão na forma de pontos. No Brasil, os graduados do ensino médio público geralmente têm uma formação socioeconômica mais baixa e estão subrepresentados nas universidades públicas, frequentemente consideradas as melhores do país. Saiba mais A estratégia de identificação explorou o experimento quase natural gerado pela introdução da política de ação afirmativa, um conjunto de Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 32 of 40 09/09/2022 16:00 dados abrangentes em nível individual e várias características dos sistemas universitários brasileiros. No conjunto de dados, os autores observam todas as principais escolhas dos candidatos (até três opções). Os candidatos escolhem uma área de estudo quando se inscrevem para prestar o exame de admissão da Unicamp e recebem informações a respeito das notas de corte do ano anterior por área de estudo (a nota do exame do último estudante admitido), que são preditores úteis dos cortes do ano corrente: ou seja, o candidato olha a note de corte do ano anterior e imagina que o novo corte não será muito diferente. Essas pontuações variam significativamente por grandeza e são substancialmente mais altas para ocupações mais lucrativas. Os autores encontraram uma clara relação positiva entre a pontuação de corte do curso do indivíduo graduado e o salário médio: um aumento de um desvio padrão na nota de corte está associado a um aumento de 22% nos salários. Usando um método de diferenças em diferenças, os autores descobriram que há uma mudança de comportamento na candidatura ao ensino superior, tanto de alunos egressos do ensino médio público quanto privado. Os candidatos beneficiários das ações afirmativas escolheram campos de estudos mais competitivos, mais prestigiados e mais lucrativos em relação àqueles não beneficiários da política, após a introdução dela. A política também aumentou a probabilidade relativa de alunos do ensino médio público serem admitidos em cursos mais seletivos. Assim, seus resultados sugerem que as circunstâncias individuais são sim fatores relevantes na escolha de um curso de graduação, afetando potencialmente a escolha ocupacional do indivíduo e sua mobilidade social. Resumindo Os resultados apontam que a política de ação afirmativa reduziu o efeito da renda familiar na escolha de cursos mais seletivos. Em um estudo anterior, Estevan et al. (2018), os autores documentaram que a ação afirmativa da Unicamp no primeiro ano aumentou a probabilidade de admissão de candidatos oriundos de classes socioeconômicas mais baixas. Seus resultados indicam que a política de ação afirmativa da Unicamp levou a uma grande redistribuição do acesso à universidade. Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 33 of 40 09/09/2022 16:00 Quase 10% de todos oscandidatos admitidos não teriam sido admitidos na ausência da política, sendo que eles provinham de classes socioeconômicas mais baixas do que os indivíduos que deixaram de entrar, e não diferiram significativamente em sua pontuação no ENEM. Fato esse que corrobora para a redução das preocupações de uma diluição da qualidade acadêmica. Em contraste, estudantes pertencentes a minorias oriundos de escolas particulares, que não foram favorecidos pela política, sofreram uma diminuição significativa em sua taxa de admissão em relação a seus colegas que não pertenciam a minorias. Os autores não encontraram evidências de distorções de comportamento significativas. A diferença de desempenho relativo entre os candidatos do ensino médio público e privado é essencialmente zero após a introdução da política de ação afirmativa. Revisando o módulo 3 Neste vídeo, retornaremos aos principais conceitos sobre os tipos de ações afirmativas e seus resultados. Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 34 of 40 09/09/2022 16:00 Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 Considere as afirmativas a seguir sobre cotas para mulheres na política e assinale a alternativa correta. I. O objetivo de incluir cotas para mulheres na política é que, uma vez os eleitores tendo aprendido que mulheres são capazes de liderar, eleitores irão votar mais em mulheres. II. Duflo et al. (2009) exploram uma mudança de lei que estabelecia uma regra clara de corte populacional na adoção de cotas para mulheres. III. Duflo et al. (2009) exploraram uma lei que aleatorizava cotas para mulheres na política em distritos de Bengala Ocidental. IV. Os resultados encontrados por Duflo et al. (2009) apontam que locais que tiveram vagas reservadas para mulheres, mesmo depois de não terem mais as reservas, elegem mais mulheres. V. A adoção de políticas de ação afirmativa, como de cotas para mulheres, não pode mudar a percepção dos indivíduos e suas escolhas. Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 35 of 40 09/09/2022 16:00 Parabéns! A alternativa E está correta. As autoras analisaram uma mudança de legislação no estado de Bengala Ocidental, que reservou vagas de forma aleatória em aldeias. O mecanismo por trás da adoção de cotas é que, por meio delas, indivíduos podem aprender que mulheres são capazes de liderar e, portanto, votarão mais em mulheres. Os resultados indicam que locais que tiveram cotas, ao final da reserva de vagas, elegia mais mulheres do que locais que não tiveram, apontando que esse mecanismo das cotas de fato funciona para modificar a percepção dos indivíduos acerca da liderança feminina e suas escolhas. A As afirmativas III, IV e V são verdadeiras. B Apenas a afirmativa I é verdadeira. C As afirmativas II, IV e V são verdadeiras. D As afirmativas II e V são verdadeiras. E As afirmativas I, III e IV são verdadeiras. Questão 2 Considere as afirmativas a seguir sobre ações afirmativas no ensino superior e seus resultados e assinale a alternativa correta. I. A adoção de reserva de vagas para certos perfis socioeconômicos e raciais não teve efeito na participação desses grupos no ensino superior. II. As políticas de ação afirmativa tiveram um efeito positivo de aumentar a participação de alunos de classes socioeconômicas Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 36 of 40 09/09/2022 16:00 mais baixas no ensino superior. III. As políticas de ação afirmativa alteraram a escolha de cursos de alunos de contextos socioeconômicos mais vulneráveis, permitindo-lhes escolher carreiras com maior retorno financeiro. IV. Todo o efeito das políticas de ações afirmativas no Brasil ocorreu porque os alunos passaram a agir de forma estratégica, mudando seu comportamento. Parabéns! A alternativa D está correta. O Brasil adotou a reserva de vagas em universidades públicas nos anos 2010. De modo geral, as evidências apresentadas apontam que a política de reserva de vagas ampliou as matrículas de alunos de classes socioeconômicas mais baixas no ensino superior, e que as políticas de ações afirmativas na Unicamp permitiram que mais alunos de contextos socioeconômicos mais vulneráveis mudassem suas escolhas de cursos e ocupações, escolhendo cursos que apresentam uma maior remuneração. A Apenas as afirmativas II e IV são verdadeiras. B As afirmativas I e IV são verdadeiras. C As afirmativas II, III e IV são verdadeiras. D As afirmativas II e III são verdadeiras. E A afirmativa IV é a única falsa. Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 37 of 40 09/09/2022 16:00 Considerações �nais Vimos dois modelos que racionalizam a discriminação por meio de conceitos econômicos. A partir desses modelos, entendemos como a discriminação se manifesta em diversas situações, sejam elas baseadas em preferências ou discriminação estatística. A partir de evidências empíricas, pudemos constatar que indivíduos de minorias tendem a ter maior dificuldade de encontrar emprego, mesmo quando apresentam boas qualificações. Vimos também que indivíduos de minorias tendem a ser tratados de forma diferente e mais prejudicial tanto pela polícia quanto pelo sistema judiciário. Isso acende um alerta em relação aos tempos em que vivemos, principalmente em relação aos casos mais recentes de violência policial. Por fim, aprendemos sobre o papel das políticas de ações afirmativas sobre a mudança de comportamento de indivíduos e ao aumento do acesso a posições de liderança e do aumento do acesso à educação de qualidade e carreiras consideradas “melhores”. É fundamental que governos levem em consideração o papel das políticas de ação afirmativa para o desenvolvimento da sociedade, e que, como sociedade, reconheçamos a importância da diversidade e representação. Podcast Neste podcast, retornaremos aos conceitos de discriminação estatística e discriminação baseada em preferências, mostrando exemplos de discriminação no mercado de trabalho e feita pela polícia. Por fim, apreciaremos as políticas de ação afirmativa e seus resultados. Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 38 of 40 09/09/2022 16:00 Referências ANTONOVICS, K.; KNIGHT, B. A new look at racial profiling: evidence from the Boston Police Department. The Review of Economics and Statistics, MIT Press, vol. 91(1), 2009, p. 163-177. BEAMAN, L. et al. Powerful women: does exposure reduce bias? The Quarterly Journal of Economics, vol. 124, Issue 4, nov. 2009, p. 1497–1540. BECKER, G. The economics of discrimination. 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Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 39 of 40 09/09/2022 16:00 Explore + Ouça o episódio Renan Pieri: mulheres nas eleições e role models, do Podcast das Economistas e veja como os participantes discutem o assunto participaçãodas mulheres na área da Economia, tanto no mercado de trabalho como na pós-graduação, bem como analisam a baixa participação feminina na política. Discriminação e Ação Afirmativa https://stecine.azureedge.net/repositorio/00212ge/02712/index.html# 40 of 40 09/09/2022 16:00
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