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Autor: Prof. Herbert Gonçalves Espuny Colaboradores: Prof. Fabio Ricardo Brandão dos Santos Profa. Fabíola M. A. Ribeiro Inteligência nas Corporações de Segurança Privada Professor conteudista: Herbert Gonçalves Espuny Administrador, registrado no Conselho Regional de Administração de São Paulo (CRA-SP). Graduado em Direito. Aprovado no XXV Exame de Ordem Unificado (OAB). Coordenador do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Engenharia de Produção, Campus Paraíso, UNIP. Doutor na área de Engenharia de Produção, área de concentração em Gestão de Sistemas de Operação e Linha de Pesquisa centrada nas Redes de Empresas e Planejamento da Produção, com pesquisa específica na área de Produção de Conhecimento Estratégico (Inteligência) pela UNIP. Mestre no Programa Interdisciplinar Adolescentes em Conflito com a Lei pela Universidade Bandeirante de São Paulo. Especialista nas áreas de Segurança Empresarial (Universidade Anhembi-Morumbi), Segurança Pública (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo), Inteligência de Segurança Pública (Universidade Sul de Santa Catarina), Educação a Distância (Universidade Federal Fluminense), História das Culturas Afro-Brasileiras (FTC), Direito Educacional (UCAN), Direito Constitucional e Administrativo e em Direito Corporativo e Compliance (Escola Paulista de Direito – EPD). Membro da Associação Brasileira dos Analistas de Inteligência Competitiva (Abraic) e da Associação Brasileira de Profissionais de Segurança (Abseg). © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) E77i Espuny, Herbert Gonçalves. Inteligência nas Corporações de Segurança Privada / Herbert Gonçalves Espuny. – São Paulo: Editora Sol, 2022 148 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Inteligência. 2. Operações. 3. Ferramentas. I. Título. CDU 65.012.8 U515.37 – 22 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Profa. Sandra Miessa Reitora em Exercício Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini Vice-Reitora de Administração Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia Vice-Reitor de Extensão Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades do Interior Unip Interativa Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Angélica L. Carlini Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. Deise Alcantara Carreiro Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Bruno Barros Lucas Ricardi Sumário Inteligência nas Corporações de Segurança Privada APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 O QUE É ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA ......................................................................................................9 1.1 Níveis de atuação na organização ................................................................................................ 10 1.2 Dado, informação e conhecimento .............................................................................................. 12 1.3 Atividade de inteligência ................................................................................................................... 15 1.4 Inteligência no Brasil .......................................................................................................................... 16 2 PEQUENO HISTÓRICO DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO BRASIL .......................................... 22 2.1 Início da inteligência no Brasil (1926-1964) ............................................................................ 23 2.2 Serviço Nacional de Informações (SNI – 1964-1990) ........................................................... 25 2.3 Abin ............................................................................................................................................................ 29 2.4 Inteligência na área privada ............................................................................................................ 32 3 O CICLO DA INTELIGÊNCIA .......................................................................................................................... 34 3.1 Levantamento das necessidades .................................................................................................... 37 3.2 Planejamento ......................................................................................................................................... 39 3.3 Coleta ........................................................................................................................................................ 46 3.4 Análise ....................................................................................................................................................... 48 3.5 Disseminação ......................................................................................................................................... 50 3.6 Avaliação .................................................................................................................................................. 51 4 OPERAÇÕES DE INTELIGÊNCIA ................................................................................................................... 53 4.1 Planejamento das operações ........................................................................................................... 54 4.2 Verificação dos objetivos da operação ........................................................................................ 55 4.3 Periodicidade das ações necessárias ............................................................................................. 57 4.4 Ambiente operacional ........................................................................................................................ 58 4.5 Meios existentes ................................................................................................................................... 59 4.6 Segurança ................................................................................................................................................ 62 4.7 Acompanhamentos ............................................................................................................................. 63 Unidade II 5 FERRAMENTAS DE ANÁLISE DE INTELIGÊNCIA ................................................................................... 71 5.1 Análise SWOT ......................................................................................................................................... 73 5.2 Benchmaking ......................................................................................................................................... 77 5.3 Brainstorming ........................................................................................................................................ 80 5.4 Matriz GUT .............................................................................................................................................. 83 6 INTELIGÊNCIA NA SEGURANÇA PRIVADA .............................................................................................87 6.1 Inteligência estratégica...................................................................................................................... 92 6.2 Inteligência tática ................................................................................................................................ 94 6.3 Inteligência operacional .................................................................................................................... 96 7 OUTROS PONTOS RELEVANTES EM INTELIGÊNCIA ............................................................................ 99 7.1 Proteção de dados .............................................................................................................................100 7.2 Proteção do conhecimento sensível ...........................................................................................104 7.3 Inteligência e ética ............................................................................................................................107 8 ASPECTOS COMPLEMENTARES DA INTELIGÊNCIA ...........................................................................115 8.1 Conhecimento de inteligência ......................................................................................................115 8.2 Documentos de inteligência ..........................................................................................................118 8.3 Contrainteligência empresarial .....................................................................................................121 8.4 Gestão 4.0..............................................................................................................................................124 8.5 Estudo de casos ...................................................................................................................................126 7 APRESENTAÇÃO O estudante desta disciplina terá a oportunidade de conhecer a teoria e as práticas relacionadas às áreas da inteligência e da contrainteligência. Estreitamente ligadas à gestão do conhecimento, tais áreas ensinam como coletar e interpretar corretamente dados e informações, com o objetivo de produzir o conhecimento específico para que a organização possa decidir de forma proveitosa em relação aos objetivos que pretende atingir. Decidir bem é o horizonte permanente a ser alcançado das organizações competitivas e que buscam o diferencial no mercado. Leia, também, os materiais de apoio indicados. Eles trazem informações complementares que ajudam a criar um referencial adequado das matérias estudadas. Boa leitura! INTRODUÇÃO A atividade de inteligência, ou, na forma abreviada, AI, sempre se constituiu num diferencial importante nas organizações. Desde os exércitos mais antigos, a preparação adequada do ato de guerra – através da pesquisa adequada de todas as vertentes que poderiam influenciar positiva ou negativamente no desempenho do invasor ou do defensor – sempre definiu os destinos da disputa. Hoje em dia, a AI saiu dos meios militares e – também – da atividade pública e aportou nas organizações privadas. Preparar-se adequadamente para a competitividade é uma das fortes razões para que as empresas mantenham departamentos de inteligência influentes e dinâmicos. No cômputo geral, todo o esforço é convertido num índice maior ou menor de competitividade. Competitividade: palavra-chave que define o desempenho e, até mesmo, a sobrevivência das organizações modernas. Aprender a fazer inteligência é sem dúvida um grande diferencial de qualquer gestor. Na área de segurança privada, sem dúvida, é um diferencial indispensável. Bons estudos! 9 INTELIGÊNCIA NAS CORPORAÇÕES DE SEGURANÇA PRIVADA Unidade I 1 O QUE É ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA A palavra inteligência é definida pelo Dicionário Online de Português (DICIO, s.d.c) como: “substantivo feminino. Faculdade de conhecer, de compreender; intelecto: a inteligência distingue o homem do animal. Conhecimento profundo em”. A faculdade de conhecer, de compreender está ligada às funções intelectuais e à capacidade do raciocínio lógico que o ser humano exerce. A inteligência é um dos dinamismos psíquicos que caracterizam o ser humano. Mas a atividade de inteligência, enquanto vertente que auxilia a administração das organizações, tem a ver com uma atividade específica de produção de conhecimento. Que conhecimento é esse? A atividade de inteligência busca conhecer aspectos importantes da organização em duas vertentes: • A área de inteligência: essa área reúne todos os dados e informações que puderam ser colhidos e que sejam pertinentes ao desenvolvimento da organização. Essas informações analisadas produzem o conhecimento necessário para que o gestor da organização possa tomar as melhores decisões. • A área da contrainteligência: essa área reúne os dados e informações que possam ser colhidos a respeito de aspectos internos da organização, tais como instalações, funcionários, eventuais visitantes, entre outros, com o objetivo de proteger informações importantes e evitar fraudes internas ou ocorrências baseadas e informações privilegiadas. De uma forma geral, tais atividades sempre foram praticadas. Claro, de forma não organizada, sem a nomenclatura atualmente utilizada e de formas diferentes, mas a inteligência – enquanto atividade de produção de conhecimento – sempre existiu. As atividades de inteligência sempre permearam as atividades humanas, seja de forma empírica e menos estruturada, como há notícias desde os primeiros tempos da história, seja de forma organizada e estruturada como produção de conhecimento estratégico, praticada pelas mais variadas instituições – públicas ou privadas – nas últimas décadas (ESPUNY, 2014). 10 Unidade I Reunir informações estratégicas com o objetivo de conduzir um empreendimento, como a invasão de uma região, foi uma preocupação dos antigos comandantes de exércitos da Antiguidade. Apenas para exemplificar, Navarro (2009, p. 39) pondera: Cartas assírias datadas do século 7 a.C. mostram, por exemplo, a atuação de pastores como confidentes, relatos de desertores do exército inimigo, bem como a presença de um oficial de informação entre o grupo de tropas que compunham o contingente com o qual a corte assíria passaria para o país de Mazamua (em Pérsia antiga). O estudante deve entender a atividade de inteligência como a obtenção de dados e informações que possam nortear as decisões na organização. E, claro, as decisões mais importantes, ou seja, as decisões estratégicas. Para que isso possa ser bem compreendido, passemos a relembrar alguns conceitos importantes: 1.1 Níveis de atuação na organização As organizações, em geral, possuem três níveis de atuação: os níveis estratégico, tático e operacional. Cada um desses níveis tem responsabilidades pertinentes que podem ser definidas da seguinte forma: • Nível estratégico: responsável pelas decisões mais importantes da organização. Decisões que definem os caminhos futuros. Decisões que fundamentam um planejamento estratégico, que têm por base a análise dos ambientes externo e interno da organização (MAXIMIANO, 2009). • Nível tático: é o nível gerencial. Em termos bastante objetivos, o nível tático deve interpretar as decisões estratégicas, estabelecer estratégias para que elas possam ser plenamente aplicadas pelo nível tático. • Nível operacional: é o nível que executa o trabalho de base. Recebe as orientações do nível tático e as desenvolve. Também conhecido pelo termo “chão de fábrica” por alguns autores, especialmente quando se trata de indústrias. Mas, de forma geral, o nível operacional seria constituído pelos funcionários que não têm a responsabilidade pela confecção dos destinos da organização, sendo responsáveis apenas pela execução de determinadas tarefas já pré-estabelecidas. Por exemplo, na indústria, o operário que está na área produtiva (montadores, embaladores, responsáveis pelo transporte interno, estoquistas, entre outros). Jána área de serviços, aqueles que praticam a atividade-fim (faxineiros, jardineiros, atendentes, entre outros). Observe o quadro a seguir: 11 INTELIGÊNCIA NAS CORPORAÇÕES DE SEGURANÇA PRIVADA Quadro 1 – Planejamento estratégico do Ministério Público de São Paulo Planejamento estratégico Por que e quando? Empresário: presidente, sócios, diretores Longo prazo. Mais abrangente Plano tático Onde e como? Administrador: gerente, coordenador Médio prazo. Elo entre os níveis Plano operacional O quê? Técnico: executor Curto prazo. Específico Disponível em: encurtador.com.br/mtB56. Acesso em: 26 maio 2022. É um exemplo do que se pratica no Ministério Público de São Paulo. O nível estratégico decide de forma mais abrangente, conectado ao nível decisório mais importante da organização. No nível tático, o prazo é menor (prazo médio). Já o plano operacional se preocupa com as atividades em curto prazo. Especificamente, na área da segurança privada, podemos classificar tais níveis da seguinte forma: • Nível estratégico: proprietário ou proprietários da empresa, acionistas, diretor-geral, CEO (sigla em inglês de chief executive officer, o indivíduo de maior autoridade na organização). As denominações, bem como quem tem a responsabilidade de decidir o futuro da organização, dependem da configuração jurídica e administrativa da empresa de segurança. • Nível tático: desenvolvido pelos gerentes de contratos, gerentes operacionais, gerentes de qualidade ou tantos outros termos para definir cargos específicos em cada organização. O nível tático também se dilata para as participações táticas mais próximas da área operacional. Nesse caso, os cargos, normalmente, têm os nomes de gerente de contrato, supervisor e encarregado, conforme a organização de cada empresa. • Nível operacional: o nível operacional é o nível em que estão inseridos os vigilantes. Armados ou não, com as diferentes atuações possíveis e devidamente instruídas com os cursos determinados pela legislação vigente, os vigilantes são os responsáveis pela atividade-fim, que é propiciar segurança. 12 Unidade I Lembrete Apesar da divisão entre os níveis estratégico, tático e operacional, o gestor não pode esquecer que os níveis se entrelaçam e, na prática, todos são importantes. Por exemplo, a execução de um trabalho de segurança que resulte num evento crítico pode comprometer irremediavelmente a imagem da empresa de segurança. Em outras palavras, o nível operacional que não seja bem treinado pode destruir toda a organização. Portanto, quando se afirma que a atividade de inteligência subsidia a área estratégica, o objetivo é que o estudante entenda que a produção de conhecimento vai orientar as decisões mais importantes da empresa. A atividade de inteligência está ligada à decisão. O administrador, o gestor, aquele que tem a obrigação de conduzir os destinos de uma organização está constantemente compelido a decidir. As escolhas são necessárias e frequentes e devem ser baseadas em informações fidedignas (ESPUNY, 2018). Outro ponto que é preciso esclarecer, e que faz parte da base da atividade de inteligência, é a diferença entre os conceitos de dado, informação e conhecimento, que serão abordados a seguir. Saiba mais O estudante deve levar em conta que, quanto mais analisa e estuda casos concretos, mais os conceitos se materializam. O aprendizado também consiste na compreensão da materialidade de conceitos abstratos. O artigo a seguir apresenta o planejamento estratégico numa empresa de pequeno porte. ALMEIDA, J. S. C.; OLIVEIRA, S. S. Planejamento estratégico em empresas de pequeno porte: estudo em uma empresa de medicina laboratorial em Serrinha-Ba. Revista Gestão & Sustentabilidade, v. 2, n. 1, 2020. Disponível em: https://bit.ly/3NyO7gH. Acesso em: 25 maio 2022. 1.2 Dado, informação e conhecimento A informação e o conhecimento exercem papel fundamental nas organizações. Nunca tanta informação foi gerada. Nunca tanto conhecimento foi produzido. E nunca houve tanta divulgação desses fatos. As organizações, públicas ou privadas, devem e precisam se adaptar a essa realidade. 13 INTELIGÊNCIA NAS CORPORAÇÕES DE SEGURANÇA PRIVADA Os meios de comunicação e, mais recentemente, as redes sociais são grandes vertentes de difusão de dados, informações e conhecimento. Naturalmente que tais meios também são responsáveis por divulgações inverídicas, propositalmente ou não, as chamadas fake news. Em função desse contexto, a gestão da informação e do conhecimento nas organizações tem relevância cada vez maior. Tal atividade deve priorizar o gerenciamento e o fluxo das informações importantes para as estratégias organizacionais, bem como para estimular o desenvolvimento e o apoio para atividades táticas e operacionais. Considerando que gerir é, em apertada síntese, planejar, executar e controlar, tais atividades têm como missão filtrar as informações que sejam importantes e possam subsidiar conhecimento. O planejamento deve orientar os meios mais eficientes e eficazes para a obtenção de dados e informações pertinentes. A execução está ligada à construção adequada de todo um sistema que atenda às necessidades. E o controle verifica se há falhas ou problemas no planejamento ou na execução e propõe modificações que possam corrigi-los. Enfim, a área de gestão da informação e do conhecimento é certamente uma das mais importantes. A seguir, serão apresentados os fundamentos e as bases para a construção de parâmetros adequados nesse setor. Alguns termos e conceitos devem ser inicialmente definidos, para a perfeita compreensão da matéria aqui estudada. Inicialmente, informação, segundo o Dicionário Online de Português é a “reunião dos conhecimentos, dos dados sobre um assunto ou pessoa” (DICIO, s.d.b). Há outras definições como “ação ou efeito de informar ou de se informar”, entre outras, e, no sentido estrito de informática, “reunião dos dados que, colocados num computador, são processados, dando resultados para um determinado projeto”. Mas, para efeito de entendimento da área de gestão, observe-se a definição de “conhecimentos” e “dados”. Utilizando-se o mesmo dicionário, ao pesquisar-se o termo conhecimento, encontra-se a definição: “entendimento sobre algo; saber”, entre outras (DICIO, s.d.a). Essa questão semântica pode atrapalhar a compreensão e a abrangência da área de gestão da informação e do conhecimento: a informação compõe o conhecimento. E o conhecimento é o saber, o entendimento sobre algo, conforme definido. Contudo, até empiricamente, pode-se confundir os conceitos. Para compreender melhor, observem-se algumas definições importantes. Davenport e Prusak (1998) lembraram que há muita confusão entre os conceitos dados, informação e conhecimento, e que conhecimento não é dado ou informação. Há uma gradação entre os três termos (DAVENPORT; PRUSAK, 1998): • Dados: é o material bruto isento de qualquer análise ou reflexão. Representam a composição básica da informação. 14 Unidade I • Informação: o conjunto de dois ou mais dados, depois de compreendidos e relacionados, pode se tornar uma informação. A informação é útil dentro de determinado contexto. • Conhecimento: várias informações estudadas e analisadas geram conhecimento. Exemplo 1 • Dado 1: está chovendo. • Dado 2: horário de saída da escola é 12h. • Informação: está chovendo na região da escola de Marcos. Marcos sai às 12h. Quem for buscá-lo, deve levar guarda-chuva. • Conhecimento: Marcos sai às 12h. Ele tem três anos. Quando o tempo está bom é muito fácil buscá-lo na escola, pois ela fica a apenas três quarteirões de sua casa. Quando está chovendo, quem for buscá-lo deve levar um guarda-chuva. Exemplo 2 • Dado 1: o pneu traseiro da viatura está “careca”. • Dado 2: o departamento de operações está planejando uma viagem. • Informação: o departamento de operações escalou a viatura com o pneu careca para fazer a viagem programada. • Conhecimento: é necessário trocar o pneu da viatura escalada,pois a viagem com ela nessas condições pode resultar em acidentes, além de possíveis atrasos na viagem. Portanto, os dados por si mesmos são apenas unidades que comunicam algo. Ao serem manipulados e organizados com certos objetivos, formam a informação (DE SORDI, 2015). E o conhecimento é o resultado da análise realizada dos fatos e informações. No exemplo 2, a análise pode sugerir, ainda, outra providência: quem foi o responsável por deixar o pneu na condição de “careca”? Isso ensejaria a verificação administrativa de falha na devida manutenção da viatura. A obtenção de mais dados e informações propicia uma produção de conhecimento mais abrangente e completa, pois a área de gestão da informação e do conhecimento ganhou maior importância, especialmente com o desenvolvimento das múltiplas fontes, criadas através da internet, intranet e redes sociais. As tecnologias relacionadas à obtenção e ao processamento desses dados e informações passaram a ser conhecidas pela denominação de tecnologia da informação (TI), que inclui equipamentos e programas, além de serviços relacionados à área. 15 INTELIGÊNCIA NAS CORPORAÇÕES DE SEGURANÇA PRIVADA Saiba mais Os artigos permitem identificar diferentes parâmetros dos assuntos estudados. Crie o hábito de leitura de artigos científicos na área de inteligência. O conhecimento obtido ajuda a criar um referencial adequado. VALENTIM, M. L. P. Inteligência competitiva em organizações: dado, informação e conhecimento. DataGramaZero - Revista de Ciência da Informação, v. 3, n. 4, ago. 2002. Disponível em: https://bit.ly/3wRRcBR. Acesso em: 25 maio 2022. MORAES, J. P. et al. Tecnologia da informação, sistemas de informações gerenciais e gestão do conhecimento com vistas à criação de vantagens competitivas: revisão de literatura. Revista Visão: Gestão Organizacional, v. 7, n. 1, p. 39-51, jan./jun. 2018. Disponível em: https://bit.ly/3LOKHFj. Acesso em: 25 maio 2022.. 1.3 Atividade de inteligência De acordo com o que foi observado nas seções anteriores, a atividade de inteligência – ou, abreviadamente, AI – pode ser considerada uma atividade que consiste em buscar dados e informações a respeito de temas pré-determinados e, através de análises pertinentes, produzir conhecimento. Tais temas estão vinculados ao planejamento estratégico da organização, ou seja, são pertinentes aos objetivos maiores da empresa. Evidentemente que a AI pode auxiliar também em investigações pontuais. Por exemplo, um dos objetivos estratégicos da empresa é sempre monitorar todas as áreas em que a prestação de segurança foi contratada. A empresa distribuiu várias câmeras de monitoramento em todos os ambientes de trabalho. Se ocorrer um desvio de mercadorias, por exemplo, o monitoramento que atendeu a um dos objetivos estratégicos da empresa de segurança pode servir para desvendar o furto através do monitoramento das câmeras. Apenas uma observação, aproveitando o exemplo citado: uma das premissas de uma boa prestação de serviços de segurança é o monitoramento por câmeras. O ideal é que tal monitoramento seja acompanhado em tempo real, ou seja, um operador (ou mais, conforme o caso) visualizando as imagens, com capacidade de intervir imediatamente. Isso evita que o monitoramento seja utilizado apenas para desvendar algum problema ocorrido, pois permite que o dano seja evitado ou reparado no início de sua ação. Isso é especialmente importante no caso de desvios (furtos e outros crimes) em que é possível prender em flagrante o responsável pelo ilícito, ou, ainda, em caso de incêndios, em que é possível intervir desde o início, não permitindo que ele assuma grandes proporções. 16 Unidade I Outras observações serão desenvolvidas ao longo das próximas seções. O importante é o gestor de segurança compreender que a AI pode ajudar em todas as atividades de uma empresa de segurança. Num primeiro momento, o gestor de segurança privada deve entender que há duas vertentes em que a gestão de segurança é desenvolvida: • Segurança orgânica: quando a empresa possui um corpo de segurança próprio. Nesse caso, o gestor de segurança deve estudar as premissas de inteligência da organização como um todo e estabelecer os parâmetros de inteligência na sua área específica, a de segurança. É importante que tudo seja em comum acordo com a diretoria da organização. • Segurança terceirizada: nesse caso, o gestor de segurança deve observar que a AI da empresa de segurança deve orientar e auxiliar nas atividades desenvolvidas na contratada. Se esta também possuir setor ou departamento de inteligência poderá haver interações nessa área entre contratante e contratada. É importante o gestor também compreender que a AI tem vários termos próprios que serão abordados nas próximas seções. Apenas para exemplificar, coleta de dados, fontes abertas, fontes protegidas, relatório de inteligência, entre outros, são termos próprios da área e que caracterizam a AI na organização. O profissional para atuar na área de inteligência deve receber o devido treinamento, sem o qual a atividade não será desenvolvida de forma adequada. 1.4 Inteligência no Brasil A inteligência enquanto atividade de produção de conhecimentos para subsidiar decisões estratégicas existe tanto na área pública como na área privada. Na área pública, a instituição federal mais relevante é a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), responsável pelo Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin). A figura a seguir mostra a sede da Abin em Brasília-DF. Figura 1 – Sede da Abin – Brasília Disponível em: https://bit.ly/3yYE40l. Acesso em: 25 maio 2022. O Sisbin é composto por vários órgãos e a ideia é a troca constante de informações entre os integrantes da inteligência no Brasil na área pública: 17 INTELIGÊNCIA NAS CORPORAÇÕES DE SEGURANÇA PRIVADA O Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) foi instituído pela Lei 9.883, de 7 de dezembro 1999, com o objetivo de integrar as ações de planejamento e execução das atividades de inteligência do Brasil. É um espaço que reúne, atualmente, 42 órgãos federais para a troca de informações e conhecimentos de inteligência. Sob a coordenação da Abin, estabelecida por lei como seu órgão central, o Sisbin é responsável pelo processo de obtenção e análise de informações e produção de conhecimentos de inteligência necessários ao processo decisório do Poder Executivo. Também atua na proteção das informações sensíveis e estratégicas do Estado brasileiro (ABIN, 2020h). Veja a seguir a relação de todos os órgãos que compõem o Sisbin. Observe-se que a ideia de sistema é justamente a que prevalece, no sentido de que a inteligência deve ser sustentada por um sistema multidisciplinar, que envolve a inteligência de Estado, a inteligência de defesa, a inteligência de segurança pública, além da inteligência praticada em outros órgãos, como a inteligência da área financeira. Figura 2 – Órgãos Sisbin Disponível em: https://bit.ly/3wILbsi. Acesso em: 25 maio 2022. 18 Unidade I A figura mostra vários ministérios de áreas importantes, como o de Minas e Energia, Saúde, Relações Exteriores e Meio Ambiente, entre outros, além dos representantes da Defesa e órgãos como a Controladoria Geral da União e a Advocacia-Geral da União. Observe-se que cada um dos órgãos citados possui pessoal especializado em inteligência. Como já observado, a inteligência no Brasil tem os seus braços tanto na área pública quanto na área privada. Na área pública, o nome inteligência é comum. O complemento é em função da vertente em que se dá a AI: • Inteligência de Estado: inteligência voltada aos interesses do Estado brasileiro. Em tese, a inteligência de Estado tem por objetivo assessorar as decisões da presidência da república. • Inteligência de defesa: inteligência voltada ao sistema de defesa brasileiro. Praticada pelo Ministério da Defesa, pelo Exército, Marinha e Aeronáutica e tem por objetivo assessorar decisões relacionadas a possíveis ameaças e agressões estrangeirasao Brasil. • Inteligência de segurança pública: inteligência voltada à segurança pública. Praticada principalmente pelas Polícias Civil e Militar nos estados e pela Polícia Federal. Tem por objetivo orientar ações de segurança pública nos estados e no país em geral. Além das citadas, há outros órgãos de inteligência na área pública. Por exemplo: • Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf): órgão que examina movimentações financeiras com o objetivo de investigar ações ilícitas. • Sistema de Inteligência Fiscal (SIF): analisa operações na área fiscal, além de trocar informações com órgãos fiscais em todo o Brasil. • Outros: pode haver órgãos estaduais de inteligência. Por exemplo, no estado de São Paulo, há o Departamento de Inteligência da Corregedoria Geral da Administração. Em termos de definições, observe-se a definição da Abin: A inteligência compreende ações de obtenção de dados associadas à análise para sua compreensão. A análise transforma os dados em cenário compreensível para o entendimento do passado, do presente e para a perspectiva de como tende a se configurar o futuro. A inteligência trata fundamentalmente da produção de conhecimentos com objetivo específico de auxiliar o usuário a tomar decisões de maneira mais fundamentada. O conhecimento de inteligência é o produto final desenvolvido pela Abin e difundido à Presidência da República, aos órgãos do Sisbin e a instituições com competência para decidir sobre assuntos específicos (ABIN, 2020c). 19 INTELIGÊNCIA NAS CORPORAÇÕES DE SEGURANÇA PRIVADA Esta conceituação expressa o espírito da AI na medida em que enfatiza o processo de produção do conhecimento, principalmente no que tange à transformação de dados – através da análise – em cenários possíveis e compreensíveis. Esse contexto é empurrado pelo imenso fluxo de dados que atualmente pode ser obtido: Com o imenso fluxo de dados produzidos pelos mais diversos meios, próprios das chamadas tecnologias da informação e da comunicação – TICs, as práticas da AI transcendem as meras ações antigas de “espionagem”: nos dias atuais, além de empreender esforços para obter a informação correta, tempestiva e pertinente, cabe à organização analisá-la e aplicá-la de modo eficaz e eficiente, em proveito das finalidades da própria organização (ESPUNY, 2016, p. 14). Como síntese, observem-se as definições da própria Abin para a atividade de inteligência: A inteligência realiza a: reunião de dados e conhecimentos sobre assuntos de interesse nacional; análise de dados para a produção de conhecimentos; difusão de conhecimentos de inteligência para os responsáveis pela tomada de decisão em nível federal e para os órgãos que necessitem tomar conhecimento do assunto analisado (ABIN, 2020e). E para complementar as definições na área pública: A contrainteligência tem como atribuições a produção de conhecimentos e a realização de ações voltadas para a proteção de dados, conhecimentos, infraestruturas críticas – comunicações, transportes, tecnologias de informação – e outros ativos sensíveis e sigilosos de interesse do Estado e da sociedade. O trabalho desenvolvido pela Contrainteligência tem foco na defesa contra ameaças como a espionagem, a sabotagem, o vazamento de informações e o terrorismo, patrocinadas por instituições, grupos ou governos estrangeiros. A atuação da Contrainteligência ultrapassa os limites da Abin e do Sisbin. Ela contribui para a salvaguarda do patrimônio nacional sob a responsabilidade de instituições das mais diversas áreas, consideradas de interesse estratégico para a segurança e para o desenvolvimento nacional (ABIN, 2020e). Em síntese, a atividade de contrainteligência busca produzir conhecimento também, mas um conhecimento específico voltado para a segurança da organização: • proteção de possíveis segredos industriais; • proteção de informações estratégicas; • proteção das pessoas que trabalham na organização. 20 Unidade I E, para complementar, as definições da própria Abin: A contrainteligência realiza a: proteção dos conhecimentos produzidos pela atividade de inteligência; salvaguarda de dados e conhecimentos produzidos por entes nacionais, públicos ou privados; prevenção, identificação e neutralização de ações promovidas por grupos de pessoas ou organizações, vinculados ou não a governos, que ameacem o desenvolvimento nacional e a segurança do Estado e da sociedade (ABIN, 2020c). Já na área privada, vários termos são utilizados para as atividades de inteligência, tais como: • Business intelligence: inteligência de negócios seria a tradução literal do termo em inglês. Contudo, o termo pode ser utilizado de forma mais abrangente. Pode abranger a competitive intelligence (inteligência competitiva), market intelligence (inteligência de mercado), sales intelligence (inteligência de vendas) e counter intelligence (contrainteligência). Várias empresas possuem setores específicos de BI. Além de BI, outros termos são bastante utilizados, como: • inteligência competitiva; • business inteligence and analytics; • inteligência de mercado; • inteligência na organização. De qualquer maneira, com algumas diferenças inerentes a definições ou de conceitos oriundos da gestão do conhecimento, tais departamentos ou setores trabalham exatamente com o mesmo objeto: • definir pontos do planejamento estratégico da organização, com o objetivo de receber produção específica de inteligência. Por exemplo, a empresa pretende abrir uma filial numa determinada cidade. Para apoiar esse projeto são desenvolvidos levantamentos de dados e informações a respeito do mercado em foco, com o objetivo de produzir conhecimento para decidir se o projeto é viável ou não; • coletar dados das mais variadas fontes; • coletar informações das mais variadas fontes; • analisar tais dados e informações; • produzir o conhecimento necessário para auxiliar decisões estratégicas. 21 INTELIGÊNCIA NAS CORPORAÇÕES DE SEGURANÇA PRIVADA Lembrete O gestor de segurança privada deve observar a terminologia e os parâmetros adotados na área de inteligência pelo contratante. É possível que o funcionário da contratada seja treinado com determinados conceitos que não sejam exatamente os mesmos aplicados no âmbito do contratante. Os funcionários devem ser treinados a perceber tais diferenças. Para completar o conceito da inteligência nas organizações privadas, observe-se que as subdivisões apresentadas no tópico da business inteligence representam perfeitamente as múltiplas atividades que a inteligência pode desenvolver no âmbito privado: • Na área administrativa: no sentido de buscar subsídios para a implementação de rotinas mais adequadas às características da organização. • Na área da segurança: no sentido de proteger pessoas e conhecimentos sensíveis. • Na área de marketing: no sentido de obter dados e informações das necessidades e desejos dos consumidores. Pode ser interpretado como uma complementação às atividades de marketing. O termo inteligência de mercado é utilizado para representar esse contexto. • Outras áreas podem ser subsidiadas pela inteligência. Para completar a questão da terminologia utilizada na inteligência privada no Brasil, observe parte da entrevista do Prof. Dr. Alfredo Passos (especialista em inteligência competitiva) para Fábio Pereira Ribeiro, publicada na Revista Inteligência Competitiva em 2013 (RIBEIRO, 2013): Estamos nos aproximando dos primeiros 20 anos de inteligência competitiva no Brasil. O crescimento foi intenso, tanto em número de profissionais como em cursos de extensão, cursos de especialização e até cursos de pós-graduação. Os sobrenomes para inteligência, competitiva, comercial, empresarial, estratégica, mercado, entre muitos outros, também cresceram. Agora é hora desta diferença começar a surgir. Enquanto nos EUA e Europa, “Competitive Intelligence”, significa inteligência competitiva, aqui no Brasil precisamos de vários sobrenomes para uma atividade que naverdade é entendida de várias formas ainda. Muitos destes cursos são chamados de inteligência competitiva, mas de inteligência competitiva eles não têm absolutamente nada. Apenas são assim chamados, mas têm conteúdos de pesquisa de mercado, de tecnologia da informação, de planejamento estratégico, que até podem ser interessantes, mas 22 Unidade I passam longe das atribuições que um profissional de inteligência precisa ter no seu background, para poder exercer a profissão diante de tantos desafios profissionais. No quadro a seguir há um resumo da atividade de inteligência no Brasil: Quadro 2 – Atividade de inteligência no Brasil Atividade de inteligência no Brasil Área pública Órgão central Abin – Agência Brasileira de Inteligência Inteligência de Estado e Coordenação Geral da Inteligência Bases legais: Lei n. 9.883/1999, Decreto-lei n. 4.376/2002 Subsistemas Inteligência de defesa Sinde – Sistema de Inteligência de DefesaBase legal: Portaria Normativa n. 295, de junho de 2002, do Ministério da Defesa Subsistemas Inteligência de segurança pública Sisp – Sistema de Inteligência de Segurança Pública Base legal: Decreto n. 3.695/2000 Outros na área pública a) Coaf – Lei n. 9.613/98 b) SIF – Sistema de Inteligência Fiscal – Protocolo ICMS (MF) n. 66, de 3 de julho de 2009 / Confaz – Conselho Nacional de Política Fazendária c) Outros órgãos em estados e municípios Área privada Atividades de inteligência sob diversas denominações a) Business intelligence b) Inteligência competitiva c) Business intelligence and analytics (BI&A) d) Administração estratégica e) Inteligência de mercado Fonte: Espuny (2016, p. 35). Observação As organizações podem atribuir significado específico para a área de inteligência. Por exemplo, há empresas que utilizam o termo business intelligence especificamente para sistemas de coletas e análises de dados baseados na TI. Outras organizações utilizam o mesmo termo como sinônimo de inteligência estratégica ou inteligência competitiva. O gestor deve identificar qual o sentido que a organização atribui aos seus setores. 2 PEQUENO HISTÓRICO DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO BRASIL A atividade de inteligência no Brasil foi formalmente instituída através do órgão então controlado pelo Exército, conhecido como Serviço Federal de Informações e Contrainformação (Sfici). Mas, antes disso, alguns Conselhos do Governo Federal já praticavam as atividades de inteligência de forma complementar às atividades cotidianas. 23 INTELIGÊNCIA NAS CORPORAÇÕES DE SEGURANÇA PRIVADA Nos subitens seguintes, será apresentado um panorama da história da inteligência no Brasil. 2.1 Início da inteligência no Brasil (1926-1964) Desde 1926, há notícias das práticas relacionadas à inteligência no âmbito federal. A instituição do Serviço Federal de Informações e Contrainformações ocorreu em 1946, mas só foi efetivado em 1956. Conforme Figueiredo (2005, p. 61), “passados dez anos de sua criação, o Sfici existia apenas no papel e nas mentes dos oficiais da Escola Superior de Guerra”. Além de algumas atividades praticadas pelas Forças Armadas, organismos policiais já praticavam algumas atividades assemelhadas às de inteligência. Era conhecida tal atividade como própria da Polícia Política “encarregada da defesa ou preservação do regime político vigente” (RORATTO; CARNIELLI, 2006, p. 9). A Polícia Política tinha como foco a manutenção da ordem pública, entre outras motivações: Os organismos vinculados à Polícia Política tinham como competência, segundo o Decreto n. 14.079 (BRASIL, 1920), velar pela existência política e segurança interna da República, atender por todos os meios preventivos à manutenção da ordem, garantir o livre exercício dos direitos individuais, nomeadamente a liberdade de trabalho, desenvolver a máxima vigilância contra quaisquer manifestações ou modalidades do anarquismo violento e agir com solicitude para os fins de expulsão de estrangeiros perigosos (RORATTO; CARNIELLI, 2006, p. 9). Mas, a atividade de inteligência dentro do escopo moderno de oferecer o assessoramento adequado à Presidência da República começou a ser efetivamente desenhado com o Serviço Federal de Informação e Contrainformação (Sfici). A figura a seguir mostra – numa linha de tempo – a fase embrionária da inteligência brasileira de 1927 até 1964. Fase embrionária CDN Conselho de Defesa Nacional CSN Conselho de Segurança Nacional Sfici Serviço Federal de Informações e Contra-informações CSSN Conselho Superior de Segurança Nacional Washington Luís 1926 a 1930 Getúlio Vargas 1930 a 1945 Getúlio Vargas 1951 a 1954 Eurico Gaspar Dutra 1946 a 1951 Café Filho 1954 a 1955 Presidentes da República Jucelino Kubitschek 1956 a 1961 Jânio Quadros 1961 João Goulart 1961 a 1964 1927 1927 1934 1937 1946 1964 1964 Conselho do Governo Sfici Figura 3 – Fase embrionária da história da inteligência no Brasil Disponível em: https://bit.ly/3PEQ8K6. Acesso em: 25 maio 2022. 24 Unidade I Esta fase embrionária caracterizada pelas atividades nos âmbitos do Conselho de Defesa Nacional (CDN), do Conselho Superior de Segurança Nacional (CSSN), do Conselho de Segurança Nacional (CSN) e do Sfici teve como ocupantes sete presidentes da República, com Getúlio Vargas ocupando o cargo por duas vezes, de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954. Cabe aqui uma observação a respeito da terminologia. O termo americano intelligence foi inicialmente traduzido por informações. Um exemplo disso é uma das obras tradicionais que fundamenta a área da inteligência, Strategic intelligence production: basic principles, de Washington Platt, publicada em 1957 em Nova Iorque, que foi traduzida aqui no Brasil como A produção de Informações estratégicas. A tradução de intelligence por informações de certa forma obedece a formalização oficial surgida com a instalação do Scifi. O termo informações foi efetivamente substituído por inteligência, com a criação da Abin, apesar de alguns anos antes outros órgãos também terem utilizados o termo (ESPUNY, 2016, p. 32-33): Antes de 1990, a área da inteligência no âmbito das organizações públicas era identificada como de “informações”. O órgão mais representativo dessa realidade era o extinto Serviço Nacional de Informações – SNI (1964 - 1990). Antes do SNI, o Serviço Federal de Informações e Contrainformação – Sfici (1956 - 1964) também utilizava o termo “informações” ao invés de “inteligência”. Somente em 1990, foi criado o Departamento de Inteligência – DI (1990 - 1992), posteriormente a Subsecretaria de Inteligência – SSI (1992 - 1999) e, finalmente, a Abin (de 1999 até hoje). O termo inteligência pode ensejar confusões com outros sentidos que o dicionário em língua portuguesa especifica, conforme já observado inicialmente. Para superar tais questões terminológicas, há a sugestão de adoção do termo “atividades sigilosas” (RÊGO, 2012, p. 135). O gestor de inteligência da área privada certamente não desfruta de tais dúvidas, haja vista que a terminologia é específica (apesar de variada) e não enseja erros de interpretação. Contudo, é importante que o aluno ou gestor conheça essas especificidades da área pública, pois parte da literatura (e muito da história) advém do setor público. 25 INTELIGÊNCIA NAS CORPORAÇÕES DE SEGURANÇA PRIVADA Saiba mais Conheça a respeito dos sistemas de inteligência em outros países. Assuntos relacionados à diplomacia, ao policiamento e à guerra são elementos que sempre motivaram a inteligência. Os artigos científicos são excelentes meios de o estudante criar uma referência adequada na área estudada. Leia: CEPIK, M. Sistemas nacionais de inteligência: origens, lógica de expansão e configuração atual. DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 46, n. 1, p. 75-127, 2003. Disponível em: https://bit.ly/3N0VuNS. Acesso em: 25 maio 2022. ANTUNES, P. O sistema de inteligência chileno no governo Pinochet. Varia Historia, Belo Horizonte, v. 23,n. 38, p. 399-417, jul./dez. 2007. Disponível em: https://bit.ly/3acd576. Acesso em: 25 maio 2022. GILL, P. Alguns aspectos da reforma da inteligência na América Latina. Varia Historia, Belo Horizonte, v. 28, n. 47, p. 101-120, jan./jun. 2012. Disponível em: https://bit.ly/3sX7poh. Acesso em: 25 maio 2022. 2.2 Serviço Nacional de Informações (SNI – 1964-1990) O Serviço Nacional de Informações (SNI) substituiu o Serviço Federal de Informações e Contrainformações (Sfici). O SNI foi instituído no início do governo do presidente Castello Branco e permaneceu sob essa denominação até 1990, ao final do governo de José Sarney. Predominou nesse período o regime militar. Esse órgão foi sinônimo de atividade de inteligência com viés relacionado à doutrina militar. O objetivo do SNI era coordenar as atividades de inteligência e contrainteligência tanto no Brasil quanto no exterior, apesar de que a ênfase era nas atividades internas. “Dessa forma, a inteligência externa e a articulação com o MRE (Ministério das Relações Exteriores) foram negligenciadas, impedindo a integração da inteligência com a política externa e com a atividade diplomática” (NASCIMENTO; FIALHO, 2018, p. 22). Observe-se ainda que: Esse órgão durante sua existência teve os seguintes generais como ministros: Golbery do Couto e Silva; Emílio Garrastazu Médici; Carlos Alberto da Fontoura; João Batista Figueiredo; Otávio Aguiar de Medeiros; e Ivan de Sousa Mendes. O presidente Fernando Collor de Mello extinguiu o SNI em 26 Unidade I 1990, atribuindo à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR) a responsabilidade de assumir as funções que não foram transferidas para a Polícia Federal (CARDIA, 2017). A fase em que predominou o SNI é conhecida, também, como a fase da bipolaridade. Esse nome tem a ver com o contexto da Guerra Fria (período de tensão entre os EUA e a União Soviética). Fase da bipolaridade SNI Serviço Nacional de Informações Castello Branco 1964 a 1967 Costa e Silva 1967 a 1969 Emílio Garrastazu Médici 1969 a 1974 Ernesto Geisel 1974 a 1979 Presidentes da República João Batista de Oliveira Figueiredo 1979 a 1985 José Sarney 1985 a 1990 1964 1964 1990 1990 SNI Figura 4 – Fase da bipolaridade da história da inteligência no Brasil Disponível em: https://bit.ly/3LH4eYc. Acesso em: 25 maio 2022. A motivação básica para o SNI, bem como dos governos do período militar, era a moralização do país, buscando informações que pudessem combater o que na interpretação da época eram os maiores males: a corrupção e a subversão (FIGUEIREDO, 2005). O serviço secreto, representado pelo SNI teve poderes muito maiores que o antigo Sfici, através de alguns destaques (FIGUEIREDO, 2005, p. 124-125): • autonomia financeira; • recursos abundantes; • o chefe da instituição com status de ministro de Estado; • além do quadro de funcionários do antigo Sfici, poderia requisitar funcionários de outros órgãos; • poderia contratar outros colaboradores; • não havia controles externos. Na figura a seguir, o prédio em que foi instalada a primeira sede do SNI, em 1968: 27 INTELIGÊNCIA NAS CORPORAÇÕES DE SEGURANÇA PRIVADA Figura 5 – Sede do SNI em 1968 Disponível em: https://bit.ly/3ace07w. Acesso em: 15 dez. 2020. Entre a fase do SNI e a criação da Abin houve um período de quase 10 anos, de 1990 a 1999, conhecido como período de transição. Nesse período, a atividade de inteligência no âmbito federal teve a seguinte estrutura: • De 1990 a 1995 – Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE): — Departamento de Inteligência (DI) – 1990/1993. — Subsecretaria de Inteligência (SSI) – 1993/1994. — Secretaria de Inteligência (SI) – 1994/1995. • De 1995 a 1996 – Secretaria Geral da Presidência da República (SGPR): • Subsecretaria de Inteligência (SSI) – 1995/1996. • De 1996 a 1999 – Casa Militar da Presidência da República (CMPR): • Subsecretaria de Inteligência (SSI) – 1996/1999. A figura a seguir sintetiza essa fase de transição: 28 Unidade I Fase de transição SAE Secretaria de Assuntos Estratégicos SGPR Secretaria Geral da PR CMPR Casa Militar da PR Departamento de Inteligência DI-1990/1993 Subsecretaria de Inteligência SSI-1993/1994 Secretaria de Inteligência SI-1994/1995 Secretaria de Inteligência SI-1995/1999 Presidentes da República Fernando Collor de Melo 1990 a 1992 Itamar Franco 1992 a 1995 Fernando Henrique Cardoso 1995 a 1999 1990 1995 1996 1990 1999 1999 SSI DI Figura 6 – Fase da transição da história da inteligência no Brasil Disponível em: https://bit.ly/3x8YCRt. Acesso em: 25 maio 2022. Observe-se que nesse curto período, houve várias denominações diferentes para o principal setor de inteligência do país e três diferentes instâncias superiores a que tais setores estavam hierarquicamente vinculados: Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), Secretaria Geral da Presidência da República (SGPR) e Casa Militar da Presidência da República (CMPR). Esse período ficou caracterizado politicamente como o de consolidação do regime democrático, depois do regime ditatorial-militar, de 25 anos – de 1964 a 1989 (CODATO, 2005). Na área da inteligência, os procedimentos também foram adaptados no sentido de reorganizar a atividade para os tempos que se seguiram. Uma observação se faz necessária: o profissional de inteligência não emite opiniões pessoais. A produção de inteligência é baseada na análise pertinente de dados e informações obtidos. Opiniões pessoais e outras discussões próprias de posicionamentos particulares, como discussões político-partidárias, não fazem parte da cultura da inteligência. No âmbito profissional, o profissional de inteligência produz o conhecimento e o entrega a quem tem a função de decidir. Além das análises de inteligência e contrainteligência, a Abin relaciona mais duas atividades desenvolvidas pelos profissionais de inteligência, sendo operações: Atividades especializadas para a obtenção de dados e informações não disponíveis em fontes abertas. O profissional atua predominantemente em campo, aplicando técnicas operacionais para obter informações de interesse das áreas de inteligência e de contrainteligência, que são utilizadas na 29 INTELIGÊNCIA NAS CORPORAÇÕES DE SEGURANÇA PRIVADA produção de conhecimentos. O trabalho segue rigorosamente os preceitos determinados pela legislação brasileira, com irrestrita observância dos direitos e garantias individuais, fidelidade às instituições e aos princípios éticos que regem os interesses e a segurança do Estado (ABIN, 2020f). Quanto ao ensino de inteligência: Dada a natureza da atividade de inteligência, os servidores recebem capacitação na própria Abin. Nessa área, o profissional atua no desenvolvimento da Doutrina Nacional de inteligência e no ensino. Por meio da Escola de Inteligência, a Agência oferece cursos, inclusive de pós-graduação, nas diversas temáticas de atuação da inteligência de Estado, tanto aos seus servidores quanto aos órgãos parceiros, em especial ao Sistema Brasileiro de Inteligência (ABIN, 2020f). 2.3 Abin A Abin foi instituída em 7 de dezembro de 1999, pela Lei n. 9.883 (BRASIL, 1999). Por esse diploma legal também foi instituído o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin). O parágrafo 1º do artigo 2º deixa estabelecido que o Sisbin “é responsável pelo processo de obtenção, análise e disseminação da informação necessária ao processo decisório do Poder Executivo, bem como pela salvaguarda da informação contra o acesso de pessoas ou órgãos não autorizados” (BRASIL, 1999). Já o artigo 3º estabelece a Abin como o órgão central do Sisbin, tendo “a seu cargo planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar as atividades de inteligência do País, obedecidas à política e às diretrizes superiormente traçadas nos termos desta Lei” (BRASIL, 1999). Na figura a seguir há uma linha de tempo da chamada fase contemporânea da inteligência no Brasil, preconizada especialmente pela Abin. Fase contemporâneaAbin Agência Brasileira de Inteligência GSI Gabinete de Segurança Institucioonal GSI Gabinete de Segurança Institucioonal SG Secretaria de Governo Presidentes da República Fernando Henrique Cardoso 1999 a 2003 Luiz Inácio Lula da Silva 2003 a 2011 Dilma Vana Rousseff 2011 a 2016 Michel Miguel Elias Temer Lulia 2016 a 2019 Jair Messias Bolsonaro 2019 1999 2015 2016 1999 1999 Abin Figura 7 – Fases da Abin na história da inteligência no Brasil Disponível em: https://bit.ly/3sXTZbw. Acesso em: 25 maio 2022. 30 Unidade I Observe-se que foi criada durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, passou pelos governos de Luís Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff, Michel Temer e Bolsonaro. O Sisbin desenvolve reuniões semestrais de cúpula de cada órgão envolvido (como observado anteriormente) e reuniões periódicas com a finalidade de trabalho, seja dos órgãos principais (em que podem estar todos ou não) ou órgãos estaduais (ABIN, 2020b). A figura a seguir é representativa de uma atividade do Sisbin. Figura 8 – Sisbin Disponível em: https://bit.ly/38m7FWK. Acesso em: 25 maio 2022. No âmbito estadual, uma das áreas bastante operacionais é o vínculo com os departamentos de inteligência das Polícias Civil e Militar de cada estado. Observe-se que o artigo 144 da Constituição Federal deixa consignado (BRASIL, 1988): Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – polícia ferroviária federal; IV – polícias civis; V – polícias militares e corpos de bombeiros militares. VI – polícias penais federal, estaduais e distrital. 31 INTELIGÊNCIA NAS CORPORAÇÕES DE SEGURANÇA PRIVADA Especificamente em nível estadual, a Polícia Civil é a responsável pela apuração dos crimes e, em tese, a Polícia Militar, por sua prevenção. Tanto uma quanto a outra instituição possuem setores de inteligência, que interagem com a inteligência da Polícia Federal e fazem parte do subsistema de Inteligência da Segurança Pública. A coordenação da Inteligência de Segurança Pública cabe à Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp). Observação Apesar de a segurança privada ser regulada e fiscalizada pela Polícia Federal, o contato do gestor com as polícias civis e militares ajuda no dia a dia, especialmente no caso de emergências. Um dado bastante interessante e que certamente faz parte da nossa cultura é que a maior parte dos contatos na área da inteligência é desenvolvida através de relacionamentos pessoais e não institucionais (ESPUNY, 2016). Na figura a seguir, a entrada do Departamento de Inteligência da Polícia Civil do Estado de São Paulo, um dos expoentes do sistema de Inteligência de Segurança Pública, coordenado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, em Brasília. Figura 9 – Dipol – Polícia Civil de São Paulo Disponível em: https://bit.ly/3PL4kRG. Acesso em: 25 maio 2022. 32 Unidade I 2.4 Inteligência na área privada A área de inteligência, em geral, teve origem nas milenares práticas militares. Vencer uma guerra tinha (e tem) como premissas básicas conhecer seu próprio poderio, a capacidade do inimigo e planejar adequadamente as operações para a vitória. Na área privada, a ideia de “guerra” é centrada na competitividade. A inteligência é vertente importante de qualificação das organizações para disputar mercado. No Brasil, a produção científica sobre inteligência na área privada foi iniciada nos anos 90 (CAMPELLI et al., 2011), época em que a concorrência internacional foi conscientizando o empresariado brasileiro da importância da prática da inteligência nas organizações. Foi a transição da era da informação para a era do conhecimento. Na verdade, essa transição, na prática, ainda ocorre. O número de dados e informações gerado e veiculado é enorme e extremamente significativo. Contudo, se tais dados não forem devidamente catalogados, selecionados (aqueles que efetivamente interessam) e analisados com o objetivo de produzir o conhecimento pertinente, acabam se tornando inúteis – apesar de toda a informação que trazem. Não adianta o indivíduo ter a sua atenção absorvida com o relato detalhado de todas as chuvas que estão ocorrendo no norte da Ásia se ele não tem nenhum interesse relacionado ao fato de chover naquela região, e, mais complicado ainda, de repente, ele não levou seu guarda-chuva para o seu local de trabalho e ali sim está prevista uma tempestade no horário de saída das suas atividades! Em outras palavras: os dados e as informações são importantes, na medida em que sejam pertinentes a um objetivo determinado e que possam produzir o conhecimento necessário para facilitar ou viabilizar o cumprimento do objetivo. Nas organizações privadas, a inteligência busca exatamente viabilizar a empresa no contexto da competitividade. Se o grande objetivo é poder atender aos desejos e necessidades dos consumidores a um preço competitivo, a inteligência pode abranger as áreas de pesquisa e desenvolvimento, marketing, administração, além da área da segurança. Lembrete O gestor de segurança privada tem na inteligência um sustentáculo importante para o bom desenvolvimento de suas atividades. Contudo, é importante ter em foco que, em caso de atividades terceirizadas, o gestor deve levar em conta as práticas das duas organizações. Por exemplo, como critério básico, determinada empresa de segurança utiliza a identificação datiloscópica de todo o pessoal de sua equipe, como prática de inteligência. Porém, a empresa contratante não aceita tal prática para seus visitantes e funcionários. A empresa de segurança contratada deve se adaptar a cada cliente, haja vista as motivações e necessidades de cada um deles. 33 INTELIGÊNCIA NAS CORPORAÇÕES DE SEGURANÇA PRIVADA Os gestores de segurança privada devem possuir os endereços e telefones das unidades de Polícia Civil e Militar da área circunscricional em que está localizada a empresa de segurança ou, ainda, das áreas circunscricionais dos contratos de atividade terceirizada. Além dos telefones de emergência (Polícia Militar, Bombeiros) tais contatos podem ajudar no esclarecimento de certas circunstâncias ou na dinâmica necessária para apresentar uma ocorrência numa delegacia, por exemplo. Há casos em que os profissionais de segurança privada não sabem qual o pronto-socorro mais próximo, qual a delegacia da área, entre outras informações pertinentes. Portanto, a cultura da inteligência ainda está incipiente. Existem, naturalmente, teóricos e autores (tanto na área acadêmica quanto na área profissional) em inteligência na área privada no Brasil. Mas a prática ainda é restrita a alguns nichos nas empresas em geral. Naturalmente, as empresas mais estruturadas possuem práticas mais efetivas nesse sentido. A atividade de inteligência, apesar de subsidiar o nível estratégico da organização, tem seu viés na competitividade, que tem a ver com o que a empresa ou organização faz, ou seja, sua eficiência e eficácia: A prática da inteligência competitiva permite às organizações o desenvolvimento de uma cultura de busca por informações, que efetivamente subsidiem as suas estratégias. A criação de um sistema de inteligência, envolvendo coleta, tratamento, análise e disseminação da informação sobre atividades dos concorrentes, fornecedores, clientes, tecnologias e tendências gerais dos negócios, vem ao encontro da necessidade de monitorar continuamente o ambiente externo (VIDIGAL; ZIVIANI, 2016). O conhecimento produzido e disseminado gera uma cultura que influencia no dia a dia da organização e esse pode ser o ponto mais importante de todo o processo: quando o conhecimento produzido se torna passível de ser utilizado nas atividades diárias desenvolvidas pelos mais diversos setores. Por exemplo, num estudo desenvolvido numa madeireira, algumasdas conclusões conduzem a caminhos que buscam as vantagens e desvantagens do momento em que tais vertentes são analisadas e o que pode ser feito para otimizar o contexto analisado. Os resultados da pesquisa apontaram que, na indústria madeireira analisada, há recursos estratégicos que lhe conferem vantagem competitiva, bem como: o recurso físico essencial, reputação e imobilidade de recursos. Por outro lado, verificou-se também que a falta de planejamento estratégico formal na empresa analisada representou uma desvantagem competitiva, e isso representa uma fragilidade da empresa em longo prazo – especialmente por seu tamanho e atuação em mercados diversificados (inclusive internacionais) (GAMBIRAGE; HAHN; SILVA, 2018). As dificuldades para um desenvolvimento mais abrangente das atividades de inteligência nas organizações privadas passam por vários problemas, como a falta de conhecimento específico da área, 34 Unidade I problemas de qualificação da mão de obra, entre outros (VIDIGAL; ZIVIANI, 2015). Dessa forma, para que a inteligência nas organizações privadas possa realmente alavancar, algumas providências são necessárias: • o nível estratégico da organização precisa conhecer e apoiar a atividade de inteligência; • o nível tático precisa de cursos específicos de formação na área; • todos os funcionários devem conhecer os fundamentos e a necessidade das empresas desenvolverem e aplicarem os princípios de inteligência. Saiba mais Leia o trabalho de Frederico Vidigal e Fabrício Ziviani para conhecer mais aspectos da inteligência competitiva: VIDIGAL, F.; ZIVIANI, F. Inteligência competitiva: histórico, evolução e metodologias organizacionais sob a ótica da ciência da informação. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 16., 2015, João Pessoa. Anais eletrônicos [...]. João Pessoa: UFPB, 2015. Disponível em: https://bit.ly/3wLb62l. Acesso em: 25 maio 2022. 3 O CICLO DA INTELIGÊNCIA A produção de conhecimento de inteligência está ligada a um ciclo que é praticado em todos os departamentos do mundo. Esse ciclo sistematiza a forma de atuação da área de inteligência e dá subsídios ao gestor da área planejar e executar as tarefas de forma sistematizada. Observem-se os passos a seguir: • Levantamento das necessidades: essa fase é a de efetivamente conhecer o que se quer obter com a produção de inteligência. É o objetivo do trabalho a ser desenvolvido. • Planejamento: de acordo com as necessidades pré-estabelecidas, o planejamento deve ser efetivado para conseguir o que se pretende obter. • Coleta: essa é a fase de obtenção de dados e informações pertinentes ao objetivo a ser alcançado. • Análise: o material que foi coletado – dados e informações – passa pelo processo de análise. Essa é a fase em que a produção de conhecimento de inteligência efetivamente ocorre. Os analistas são os responsáveis, seguindo a metodologia adequada, pela produção do conhecimento. 35 INTELIGÊNCIA NAS CORPORAÇÕES DE SEGURANÇA PRIVADA • Disseminação: além do nível mais alto da organização, algumas pessoas ou setores podem precisar receber o conhecimento produzido. Nesse caso, somente as pessoas ou setores que realmente vão desenvolver algum protagonismo em relação ao objetivo pré-estabelecido devem receber o conhecimento produzido, no total ou em parte, conforme o caso específico. • Avaliação: depois de percorrido todo o ciclo é importante que o setor de inteligência avalie o trabalho desenvolvido, através da perspectiva da eficiência (a forma como o trabalho foi desenvolvido) e a eficácia (se os objetivos foram efetivamente cumpridos). Todo esse ciclo permeia a definição do que se pretende (as necessidades) até o que será decidido em função do conhecimento produzido. Todos os dados e informações – além das específicas de cada negócio em particular – também estão ligadas ao contexto da economia, da política, além de motivações sociais e/ou tecnológicas. A figura a seguir ilustra essa dinâmica: Avaliação Desafios para a organização Decisão Disseminação Planejamento Coleta Análise Necessidades Informações Econômicas, políticas, sociais e tecnológicas Figura 10 – Ciclo de inteligência competitiva Fonte: Mafra Pereira, Carvalho e Jordão (2016, p. 139). Esses passos se materializam no dia a dia da atividade de inteligência, pois se constituem num roteiro seguro para o desenvolvimento do trabalho. 36 Unidade I Para exemplificar, uma concessionária de veículos pretende abrir uma loja numa cidade do interior de determinado estado. O Departamento de Inteligência é instado a opinar se a iniciativa será lucrativa ou não. A necessidade já está identificada: saber se a concessionária no novo local será um bom negócio ou não. A título de planejamento, preliminarmente, podem-se solicitar algumas pesquisas de mercado, com o objetivo de identificar: • Qual a receptividade do público-alvo (público da cidade em que a concessionária pretende se instalar) em relação ao veículo ou veículos representado(s) pela concessionária? • Qual o potencial do mercado visado? • A renda dos cidadãos da cidade-alvo é compatível com o produto representado pela concessionária? • Quais os concorrentes já instalados na cidade? • Qual o faturamento estimado dos concorrentes instalados? • Num trabalho específico de inteligência competitiva, quais os pontos concordantes e/ou discordantes dos produtos já existentes no mercado-alvo e o que se pretende ali representar pela instalação da concessionária? Além destas questões pertinentes ao marketing e à inteligência de negócios, a área financeira da organização precisa, também, responder a algumas questões: • Qual será o investimento necessário para a instalação da concessionária? • Qual o período de retorno dos investimentos feitos? Outras questões deverão ser respondidas na fase do planejamento: • Quantos funcionários serão necessários para o empreendimento? • Haverá necessidade de treinamento de funcionários em outros locais (em outras concessionárias que já estejam funcionando)? • Logisticamente, a distribuição dos veículos está garantida? Há estradas que permitam o fluxo tempestivo e apropriado para a distribuição? Além destas, outras questões podem ser levantadas para se formar um quadro do planejamento de todo o empreendimento. A fase de coleta é justamente a fase em que todas as questões suscitadas serão respondidas. Observe-se que há dois tipos de fontes: as primárias e as secundárias. 37 INTELIGÊNCIA NAS CORPORAÇÕES DE SEGURANÇA PRIVADA Fontes primárias são aquelas em que a organização obteve o dado ou a informação por ela própria. Por exemplo, as pesquisas suscitadas são desenvolvidas (ou contratadas) pela própria concessionária. Fontes secundárias são obtidas pela geração de dados ou informações de terceiros: pesquisas de marketing já desenvolvidas e divulgadas, estatísticas oficiais (como as do IBGE, por exemplo) e outros estudos (acadêmicos e administrativos) mas que não foram desenvolvidos pelo interessado no objetivo analisado. Dependendo do contexto, as fontes podem ser somente as primárias, somente as secundárias ou um misto das duas. Saiba mais Leia o artigo a seguir sobre a importância dos métodos de pesquisa: OLIVEIRA, E. et al. Métodos de pesquisa: uma avaliação em artigos de marketing sobre marca. Revista Eletrônica do Alto Vale do Itajaí, v. 8, n. 13, p. 30-47, dez. 2019. Disponível em: https://bit.ly/3MIhEEF. Acesso em: 25 maio 2022. 3.1 Levantamento das necessidades O ponto fundamental da AI é justamente o levantamento das necessidades. Observa-se que se não houver os parâmetros que efetivamente definam o que se quer obter, todo o trabalho – em cadeia – será prejudicado. A questão da definição inicial das necessidades é um parâmetro administrativo que está relacionado a consequências: • administrativas; • operacionais; • financeiras; • logísticas. Por exemplo, entre os objetivos da organização está que seu presidente deve empreender viagempara algum lugar absolutamente inédito, a ponto de tal viagem propiciar destaque publicitário para a organização. Observe-se que tal objetivo, da forma como foi ventilada, apresenta inúmeras possibilidades: a viagem pode ser programada para uma ilha desconhecida do Pacífico até, em última análise, uma viagem especial até a Lua. 38 Unidade I Mas, apenas para exercício de reflexão, pode-se deduzir a diferença de condições entre uma opção e outra: • As providências administrativas: aspectos legais, de preparação documental, de aquisição das “passagens” conforme o caso etc. • As providências operacionais: treinamento do presidente se a opção da viagem à Lua for a escolhida, vestuário adequado (em ambas as opções), meios de transporte adequados (notoriamente na opção astronáutica), entre outros aspectos. • As providências financeiras: quanto custará cada uma das opções, a empresa tem condições de bancar a opção mais cara (certamente alguns milhões de dólares no caso da viagem à Lua), e a questão mais importante, haverá retorno adequado e suficiente para todos os gastos desenvolvidos? • Aspectos logísticos relacionados à atuação tática e operacional durante o evento programado. Um aspecto importante são as condições que a empresa tem para suprir alguns aspectos operacionais, que podem envolver em gastos não especificados na área financeira. Por exemplo, foram identificadas as necessidades e numa primeira análise a empresa poderia dar conta dos objetivos traçado. Mas, após tal etapa um determinado equipamento fundamental da empresa apresentou problemas e ensejou a sua substituição. Conforme o custo de tal equipamento, todo o projeto pode ser inviabilizado. Portanto, o levantamento das necessidades está estritamente vinculado à escolha do objetivo. Claro que tal escolha deve ser absolutamente mensurada com as finalidades e recursos da organização, num trabalho sincronizado e coerente. Observação Levantar necessidades nem sempre é uma atividade simples, especialmente na área de inteligência. Considerando que esse passo inicial acaba sendo o indutor de várias outras providências, o gestor de inteligência deve buscar subsídios na interação com outros setores e departamentos da organização, especialmente: • departamento financeiro; • departamento de produção; • departamento de administração (inclusive, de recursos humanos); • departamento de marketing. Dessa forma, é possível diminuir a margem de erros. 39 INTELIGÊNCIA NAS CORPORAÇÕES DE SEGURANÇA PRIVADA Ainda para exemplificar a identificação e levantamento das necessidades, observe que há, também, a necessidade de se analisar possíveis cenários futuros. Uma empresa que deseja se estabelecer numa determinada cidade de um estado qualquer realiza uma série de pesquisas com o objetivo de identificar se a praça almejada (a cidade pesquisada) tem condições de abrigar, por exemplo, uma nova loja da organização. Será que a pesquisa deve levar em conta apenas aquela cidade ou deve ser desenvolvido um trabalho mais abrangente, visando, inclusive, outras cidades do estado, para uma expansão futura? Evidentemente que alguns parâmetros precisam ser analisados: • A empresa terá capacidade de uma expansão rápida naquele estado? • As pesquisas realizadas antecipadamente efetivamente servirão num momento posterior (o de expansão além da cidade em que se implantará a loja). • Outros aspectos pertinentes. 3.2 Planejamento Administrativamente, o conceito de planejar está relacionado à identificação do que precisa ser feito e da duração estimada para o cumprimento do objetivo (MAXIMIANO, 2009). E para que o planejamento possa realmente assessorar o gestor de inteligência é necessário que possua alguns parâmetros básicos, tais como (MAXIMIANO, 2009): • árvore de atividades; • tabela de precedências; • cronograma; • análise de custos; • análise de riscos. Observe-se que a fase do planejamento se instala após a identificação das necessidades. Estas etapas devem ser estabelecidas após a identificação do que se pretende fazer. Em outras palavras, os passos seguintes serão coerentes com o que foi anteriormente estabelecido nas necessidades, que estão relacionadas ao objetivo a ser atingido. Conforme o exemplo na seção anterior, o objetivo de uma viagem para um local inédito é extremamente vago. A primeira decisão é qual o local? A partir daí, a análise preliminar das necessidades. E, então, a fase do planejamento. Outros exemplos a seguir permitirão uma visão mais clara. 40 Unidade I Destrinchando um pouco mais cada uma das partes do planejamento, observe-se que a árvore de atividades é uma forma de se visualizar cada passo específico na direção do objetivo elencado. O gestor deve compreender que – normalmente – um objetivo pode ser desdobrado em objetivos menores. E a confecção da realização de cada um destes objetivos menores torna mais fácil atingir o objetivo final. Esta prática foi identificada por Descartes que, em resumo, observou que por mais complexa que seja uma tarefa, se ela for dividida em partes será mais fácil executá-la (DESCARTES, 1996). A tabela de precedências tem a ver com a sequência lógica e esperada de realização de cada tarefa. Essa tabela ajuda o gestor priorizar os aspectos práticos mais relevantes para a execução sequencial para atingir os objetivos menores e, consequentemente, o objetivo final. O cronograma é a definição de cada atividade dentro de um limite de tempo. É importante na visualização que se faz necessária da equação trabalho/tempo de realização. A análise de custos é importante no sentido de permitir que a organização separe e faça a alocação pertinente dos recursos na época correta. A análise de riscos é uma área indispensável para a inteligência. Tudo que é planejado deve ter uma análise de riscos que permita identificar eventuais desvios de rotas e as decisões mais acertadas a serem tomadas, conforme o contexto. Lembrete A administração está focada em três vertentes principais: planejar; executar; controlar. O planejamento tem a ver com tudo o que se projeta antes do trabalho propriamente dito. A execução é tudo o que envolve o trabalho (direção, organização) e o controle é a verificação de que as tarefas foram efetivamente cumpridas e os resultados alcançados. A fase do controle permite alterar o planejamento ou a execução, na medida em que forem encontrados quaisquer problemas nessas fases. Com base nas orientações exaradas na obra de Maximiano (2009) será apresentado um exemplo da fase de planejamento. O objetivo seria montar uma lanchonete de fast-food numa determinada cidade X. Inicialmente, identificou-se que a necessidade seria identificar o potencial de mercado e o local de instalação, pois constatou-se que a marca de fast-food era bastante aceitável na percepção das pessoas da cidade e não havia nenhuma lanchonete similar. Logo, o empreendimento seria realizado, mas o planejamento teria a necessidade de conhecer: 41 INTELIGÊNCIA NAS CORPORAÇÕES DE SEGURANÇA PRIVADA • o potencial de mercado daquela cidade; • o local de instalação da lanchonete. Tais informações seriam relevantes na medida em que poderiam definir: • o tamanho do empreendimento (se a lanchonete seria pequena, média ou grande); • se haveria local adequado para abrigar um empreendimento que a cidade demandasse; • qual o custo do empreendimento? Evidentemente que, conforme a complexidade do planejamento, a árvore de objetivos pode ser subdividida em centenas (ou milhares) de objetivos parciais. Mas, a ideia é que o aluno e/ou gestor possam apreender o mecanismo de confecção dessa fase. Aplica-se então o seguinte raciocínio: o objetivo é a busca da melhor opção para a implantação do novo fast-food, baseado nos conceitos de potencial de mercado (que vai naturalmente orientar o tamanho do empreendimento) e o melhor local para situá-lo na cidade estudada. Logo, o objetivo pode ser divido em dois objetivos parciais: • O objetivo parcial A responderá
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