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Transtorno da esquizofrenia O paciente psicótico, nessa perspectiva, passaria a viver fora da realidade, sem ser regido pelo princípio de realidade, e viveria predominantemente sob a égide do princípio do prazer e do narcisismo. As síndromes psicóticas caracterizam se por sintomas típicos como alucinações e delírios, pensamento desorganizado e comportamento claramente bizarro, como fala e risos imotivados. Em alguns casos, observa- se uma desorganização profunda da vida mental e do comportamento. Não há consenso em uma definição precisa sobre psicose. Os autores de orientação psicodinâmica, assim como muitos psicólogos clínicos, tendem a dar ênfase à perda de contato com a realidade e/ou a distorções muito marcantes na percepção e na relação com a realidade. O “teste de realidade”, que é a função do ego em avaliar e julgar de modo objetivo o mundo externo, estaria gravemente prejudicada na psicose. Os autores de orientação fenomenológica formulam que na psicose ocorrem alterações básicas na estrutura de experiências fundamentais, como as do espaço e do tempo. Há, então, perda de elementos normalmente compartilhados do senso comum. Normalmente partimos de nós mesmos para dirigir nossa consciência em direção ao mundo; na psicose, o mundo é que é percebido como se dirigindo ao sujeito. O mundo invade, por assim dizer, a consciência. Há, assim, a chamada inversão do arco intencional da consciência. Na visão fenomenológica, profundas modificações do eu corporal e do senso de agência do self estariam na base da psicose. Já a orientação da psiquiatria clínica dá ênfase à noção de psicose como presença de sintomas psicóticos (delírios, alucinações, desorganizações marcantes de pensamento e comportamento). Tais elementos clínicos são os parâmetros de identificação e diagnóstico de psicoses sugeridos pelo CID11 e pelo DSM-5. Referências:DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais. 2008. Cap. 30, p. 327 - 333. Eugen Bleuler (1911): propôs, em 1911, o termo esquizofrenia, dando ênfase à desarmonia interna do funcionamento mental e à quebra radical do contato com a realidade que ele notava nesse transtorno. Contudo, é consensual que pacientes psicóticos geralmente têm insight muito prejudicado (precária consciência da doença) em relação aos seus sintomas e a sua condição clínica geral. Apesar de o surgimento dos antipsicóticos de primeira (anos de 1950) e segunda gerações (anos de 1980 e 1990) ter mudado bastante as possibilidades terapêuticas, alguns elementos clínicos do construto nosológico “esquizofrenia” permanecem com considerável estabilidade. Sintomas da Esquizofrenia Dois ou mais dos seguintes sintomas devem estar presentes com duração significativa por, pelo menos, um mês: delírios, alucinações, discurso desorganizado, comportamento desorganizado ou catatônico e sintomas negativos (embotamento afetivo, alogia, avolição) Podem estar presentes alterações em múltiplas dimensões mentais e comportamentais, inclusive: pensamento (delírios e/ou desorganização da forma do pensamento) percepção (alucinações). Além de experiências de alterações do self (experiência de que os sentimentos, impulsos, pensamentos ou atos estão sob controle de forças externas); Perdas cognitivas (déficits na atenção, na memória verbal e na cognição social); alterações da volição; alterações dos afetos; alterações psicomotoras, inclusive catatonia São considerados sintomas nucleares: delírios e/ou alucinações persistentes, transtornos formais do pensamento, experiências de influência, passividade ou controle. Os sintomas devem estar presentes por, pelo menos, um mês. O DSM - 5 define três seleções para ser classificada uma síndrome esquizofrênica: Disfunções sociais, no trabalho e/ou no estudo, denotando perdas nas habilidades interpessoais e produtivas. Duração dos sintomas principais de pelo menos um mês (de A. 1 a 5) e do quadro deficitário (sintomas prodrômicos ou residuais) de pelo menos seis meses. Os sintomas negativos caracterizam-se pela perda de certas funções psíquicas e pelo empobrecimento global da vida afetiva, cognitiva e social do indivíduo. Os principais sintomas ditos negativos nas síndromes esquizofrênicas são: distanciamento e aplainamento afetivo ou afeto embotado, em graus variáveis até, em alguns casos, grave embotamento afetivo; perda da capacidade de se sintonizar afetivamente com as pessoas, de ter e/ou demonstrar ressonância afetiva no contato interpessoal. Também são presentes um conjunto de alterações que resultam em retração social. Assim, em decorrência de alterações nas esferas afetivas (sobretudo apatia) e volitivas (abulia e redução do “drive”, do impulso para agir socialmente), o indivíduo vai se isolando progressivamente do convívio social, havendo restrição dos interesses. Alogia ou empobrecimento da linguagem e do pensamento, que se constata pela diminuição da fluência verbal e pelo discurso empobrecido. É verificável também uma diminuição da vontade, que se expressa geralmente por diminuição da iniciativa e por hipopragmatismo, ou seja, dificuldade ou incapacidade de realizar ações, tarefas, trabalhos minimamente organizados que exijam iniciativa. Também verificamos a anedonia, ou seja a diminuição da capacidade de experimentar e sentir prazer. A anedonia na esquizofrenia é distinta daquela experimentada nas depressões, pois, enquanto na esquizofrenia não há evidente desconforto subjetivo com a experiência de anedonia, nos quadros depressivos ela se apresenta marcada por desconforto subjetivo, mais ou menos intenso. Os sintomas negativos podem surgir devido à ação inibitória de sintomas positivos – por exemplo, o indivíduo fica pouco ativo, sem iniciativa, isolado dos outros, pois experimenta delírio ou alucinação que o ameaça e impõe retaliações caso saia de seu isolamento. Em decorrência dos sintomas negativos, observa-se, em uma parte das pessoas com esquizofrenia, uma considerável negligência quanto a si mesmo, que se revela pelo descuido e desinteresse para consigo mesmo, com higiene pobre, entre outros aspectos. O distanciamento e o embotamento afetivo, assim como a retração social e a restrição dos interesses pelo mundo externo, correspondem, em certa medida, ao que Eugen Bleuler denominou “autismo na esquizofrenia” Para o autor, a síndrome autística da esquizofrenia incluiria, além de dificuldade ou incapacidade de estabelecer contato afetivo com outras pessoas, a inacessibilidade ao mundo interno do paciente (em casos extremos, mutismo e comportamento marcadamente negativista), atitudes e comportamentos rígidos e pensamento bizarro. Diferentemente dos sintomas negativos, que se manifestam principalmente pelas ausências e pelos déficits psíquicos e comportamentais, os sintomas ditos positivos são manifestações novas. Os principais sintomas positivos da esquizofrenia são: Alucinações, que são consideravelmente frequentes, mas também pode haver ilusões ou pseudoalucinações. O tipo de alucinação mais frequente é a auditiva. Ideias delirantes (delírio), frequentemente de conteúdo persecutório. A duração, a abrangência, o grau de sistematização e a implicação de “tendência à ação” dos delírios são bem variáveis. Os delírios e as alucinações com conteúdos implausíveis, bizarros assim como não congruentes com o humor basal do paciente, são indicadores robustos de esquizofrenia. Outras formas de distorção da realidade ou dificuldades com o teste de realidade, como a presença de ideias muito deturpadas, marcadamente bizarras, sobre a realidade, embora não sejam necessariamente delírios, podem estar presentes. Os sintomas de primeira ordem indicariam profunda alteração da relação eu-mundo, uma alteração radical do self, uma perda marcante da dimensão da intimidade. Ao sentir que uma força, um comando (sob a forma de “raios”, “transmissões”, “ondas”), é imposto de fora, feito a sua revelia, o indivíduo vivencia a perda do controle sobre si mesmo, a invasão maciça de algo do mundo externosobre seu ser íntimo. Pensamento progressivamente desorganizado, de leve afrouxamento das associações, passando por descarrilamento do pensamento até a total desagregação e produção de um pensamento totalmente incompreensível. Nesses casos, geralmente é observada a fragmentação da progressão lógica do discurso. Discurso que revela tangencialidade e circunstancialidade em níveis não totalmente desorganizados da linguagem/pensamento. A presença de neologismos. Comportamentos desorganizados e incompreensíveis, particularmente comportamentos sociais e sexuais bizarros e inadequados. Afeto inadequado, marcadamente ambivalente, incongruente e em descompasso franco entre as esferas afetivas, ideativas e volitivas. Tal incongruência ou desarmonia interna foi reiteradamente pensada como um dos elementos centrais da esquizofrenia. Foi denominada por Erwin Stranskyde “ataxia intrapsíquica”; por Philippe Chaslin de “loucura discordante”; e por Eugen Bleuler de “dissociação ideoafetiva”. A síndrome catatônica ou catatonia é a manifestação psicomotora mais marcante na esquizofrenia. Na catatonia, embora os pacientes apresentem o nível de consciência preservado, podem revelar sintomas de estupor (diminuição marcante até ausência de atividade psicomotora, com retenção da consciência, mutismo e negativismo; o paciente fica no leito, parado, sem fazer nada, sem responder a solicitações, sem se alimentar e às vezes sem sair para urinar). Há alterações cognitivas difusas na doença, que, na maior parte das vezes, precedem mesmo o surgimento dos sintomas psicóticos e são muito relevantes, pois afetam marcadamente a evolução funcional dos pacientes. Alterações cognitivas na esquizofrenia incluem os seguintes domínios da cognição: atenção, memória episódica, memória de trabalho, velocidade de processamento e funções executivas frontais (inclusive fluência verbal). Há redução da experiência e da expressão emocional em muitos pacientes (vista também como uma dimensão dos sintomas negativos). Sintomas de Desorganização Em contraste com tal redução, os indivíduos apresentam com frequência aumento da reatividade emocional (sobretudo quando também apresentam sintomas positivos, quando expostos a muitos estímulos). Essa combinação de redução da expressão emocional com maior reatividade emocional tem sido denominada de “paradoxo emocional da esquizofrenia”. Pessoas com esquizofrenia apresentam taxas mais altas do que a população em geral de sintomas ansiosos e depressivos, bem como depressão clínica. Os sintomas ansiosos são dos diversos tipos: ansiedade generalizada, ataques de pânico, ansiedade/fobia social e sintomas obsessivo-compulsivos. Subtipos da Esquizofrenia Forma paranoide - caracterizada por alucinações e ideias delirantes, principalmente de conteúdo persecutório; Forma catatônica - marcada por alterações motoras, hipertonia, flexibilidade cerácea e alterações da vontade, como negativismo, mutismo e impulsividade; Forma hebefrênica - caracterizada por pensamento desorganizado, comportamento bizarro e afeto marcadamente pueril, infantilizado; Subtipo dito “simples” - apesar de faltarem sintomas característicos, seria observado um lento e progressivo empobrecimento psíquico e comportamental, com negligência quanto aos cuidados de si, embotamento afetivo e distanciamento social. Os psicopatólogos do fim do século XIX e início do XX distinguiram quatro subtipos de esquizofrenia: 1. 2. 3. 4. CID 10 da Esquizofrenia F20 Esquizofrenia: se caracterizam em geral por distorções fundamentais e características do pensamento e da percepção, e por afetos inapropriados ou embotados. Usualmente mantém- se clara a consciência e a capacidade intelectual, embora certos déficits cognitivos possam evoluir no curso do tempo. A evolução pode ser contínua, episódica com ocorrência de um déficit progressivo ou estável, ou comportar um ou vários episódios seguidos de uma remissão completa ou incompleta. Não se deve fazer um diagnóstico de esquizofrenia quando o quadro clínico comporta sintomas depressivos ou maníacos no primeiro plano, a menos que se possa estabelecer sem equívoco que a ocorrência dos sintomas esquizofrênicos fosse anterior à dos transtornos afetivos. Além disto, não se deve fazer um diagnóstico de esquizofrenia quando existe uma doença cerebral manifesta, intoxicação por droga ou abstinência de droga. F20.0 Esquizofrenia paranoide: se caracteriza essencialmente pela presença de ideias delirantes relativamente estáveis, frequentemente de perseguição, em geral acompanhadas de alucinações, particularmente auditivas e de perturbações das percepções. As perturbações do afeto, da vontade, da linguagem e os sintomas catatônicos, estão ausentes, ou são relativamente discretos. Pode também ser chamada de esquizofrenia parafrênica. F20.1 Esquizofrenia hebefrênica: caracterizada pela presença proeminente de uma perturbação dos afetos; as ideias delirantes e as alucinações são fugazes e fragmentárias, o comportamento é irresponsável e imprevisível. O afeto é superficial e inapropriado. O pensamento é desorganizado e o discurso incoerente. Geralmente o prognóstico é desfavorável devido ao rápido desenvolvimento de sintomas “negativos”, particularmente do afeto e da volição. A hebefrenia deveria normalmente ser somente diagnosticada em adolescentes e em adultos jovens. F20.2 Esquizofrenia catatônica: dominada por distúrbios psicomotores proeminentes que podem alternar entre extremos Um padrão marcante da afecção pode ser constituído por episódios de excitação violenta. O fenômeno catatônico pode estar combinado com um estado oniróide com alucinações cênicas vívidas. F20.3 Esquizofrenia indiferenciada: afecções psicóticas que preenchem os critérios diagnósticos gerais para a esquizofrenia mas que não correspondem a nenhum dos subtipos incluídos F20.4 Depressão pós-esquizofrênica: episódio depressivo eventualmente prolongado que ocorre ao fim de uma afecção esquizofrênica. Ao menos alguns sintomas esquizofrênicos “positivos” ou “negativos” devem ainda estar presentes mas não dominam mais o quadro clínico. Este tipo de estado depressivo se acompanha de um maior risco de suicídio. F20.5 Esquizofrenia residual: Estádio crônico da evolução de uma doença esquizofrênica, com uma progressão nítida de um estádio precoce para um estádio tardio, o qual se caracteriza pela presença persistente de sintomas “negativos” F20.6 Esquizofrenia simples - caracterizado pela ocorrência insidiosa e progressiva de excentricidade de comportamento, incapacidade de responder às exigências da sociedade, e um declínio global do desempenho. Os padrões negativos característicos da esquizofrenia residual se desenvolvem sem serem precedidos por quaisquer sintomas psicóticos manifestos. F21 Transtorno esquizotípico: caracterizado por um comportamento excêntrico e por anomalias do pensamento e do afeto que se assemelham àquelas da esquizofrenia, mas não há em nenhum momento da evolução qualquer anomalia esquizofrênica manifesta ou característica. O início do transtorno é difícil de determinar, e sua evolução corresponde em geral àquela de um transtorno da personalidade. F22 Transtornos delirantes persistentes: Esta categoria reúne transtornos diversos caracterizados única ou essencialmente pela presença de ideias delirantes persistentes e que não podem ser classificados entre os transtornos orgânicos, esquizofrênicos ou afetivos. F24 Transtorno delirante induzido: partilhado por duas ou mais pessoas ligadas muito estreitamente entre si no plano emocional. Apenas uma dessas pessoas apresenta um transtorno psicótico autêntico; as ideias delirantes são induzidas na(s) outra(s) e são habitualmente abandonadas em caso de separação das pessoas. F25 Transtornos esquizoafetivos: transtornos episódicos nos quais os sintomas são de tal modo que o episódio não justifica um diagnóstico quer de esquizofrenia quer de episódio depressivo ou maníaco.