Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Copyright 1996 Silvia Tendlar Traduçao: Betch Clcinman Revisão: Elisabeth da Rocha Miranda Editoração eletrônica: Jorge Viveiros de Castro Capa: Felipe Sussekind Tlustração de capa: João Pedro Menescal Produção gráfica: Flavio Estrella 1997 Livraa Sette Letras Ltda. Rua Maria Angélica 171, loja 102 Jardim Botanico-Rio de Janeiro RJ CEP 22470 200 Tel./Fax (02) 537-2414 Sumáriop Introdução. *'** '****'***********'*'** ****** **** I. LaCAN E A PSICOSE NA INFÄNCIA ... 13 '********' 1. A clínica psiquiátrica da criança... 2. O "autismo infantil" de Kanner 3. Autismos?. 4. Autismo e psicose .. 5. Os fenômenos psicóticos na infância . 6. Corpoe espaço nas crianças autistas. *** .. 13 ******************* 14 *************** ** . 15 ** 17 *******. 19 22 **** II. A coNSTITUIÇÃO DO SUJEITO .27 1. Necessidade, demanda e desejo. 2. Os três tempos do Edipo .. 3. A metáfora paterna e suas variações 4. Alguns exemplos de neurose em meninas a) A neurose obsessiva: Ofélia... b) A histeria: Elena.... c) A fobia: Sandy . 5. Alienação e separação 6. Clínica das contingências do "Pode ele me perder?" 7. Excursus. A anorexia mental. 27 29 .30 .34 34 36 37 ***** . 39 41 *°*°* 45 III. ALGUMAS INDICAÇÕES DE LACAN ... 51 . I. Os anos 50.. ************************. ... 52 *** 1) O caso Dick de Melanie Klein... 2) O caso Roberto de Rosine Lefort.. 3) Lang e a psicose na criança.. II. Os anos 60 ... ********°*****'*° **°°°°°° *** **. . 2 54 * . 56 56 1) A criança como objeto real. 2) A holófrase.. 3) A debilidade mental . 4) A criança como condensador de gozo e objeto da fantasia materna... III. Os anos 70.. .. 57 *°°°***°. * 58 . 60 ********° 62 '*''' **** . 65 )O lugar da criança no discurso parental 2) Alguns exemplos 65 67 * *** '*' *****'**'**** *''*** ***' . 7 IVTRATAMENTOs. I Margaret Mahler: o caso Stanlecy (1951).... . Jovce McDougalle Serge Lcbovici: Diálogo com Samny (1960). 3. Bruno Bettelheim: Joey, o menino-máquina" (1967)... 4. Françoise Dolto: o caso Dominique (1971)... 5. Frances Tustin: a carapaça autista (1972).. 6. Donald Meltzer: a bidimensionalidade (1975) .. 7. O método educativo (1982) ....| . 14 . 18 .. 82 84 87 89 .. V. UMA PERSPECTIVA LACANIANA DE TRATAMENTO .... .93 1.0 autismo precoce" trinta anos depois... 2. A direção da cura... 3. O trabalho institucional com crianças psicóticas ... 4. Carla, uma menina autista.. . 5. A análise infantil de uma psicose desencadeada na adolescência.. 6. O destino da cura.. .93 95 99 .. 102 .. 106 108 Reflexões finais 115 119 Bibliografia... Introdução O sofrimento não é uma experiência estranha às crianças, embora muitas vezes devam permanecer a sós com ele. As três fontes de sofrimen- to que Sigmund Freud indica em "O mal-estar na civilização"- o pró- prio corpo, a relação com os outros, o mundo exterior não dependem da idade. Afinal, o conceito de "eriança" é relativamente recente (séculos XVI- XVII), solidário da preocupação educativa que modifica o lugar delas no discurso,2 não dependendo de uma cronologia evolutiva. Devemos encon- trar a maneira de nos aproximarmos de sua intimidade. Os sintomas neuróticos, os estados de angústia difusos, os distúrbios de comportamento, as inibições e dificuldades na aquisição da linguagem, apontam que algo está ocorrendo, embora muitas vezes as crianças não possam endereçar um pedido de ajuda. Quando tem a oportunidade de uma entrevista analítica, rapidamente a criança mostra os motivos de um sofri- mento como qual o tratamento analítico permite operar. Falar de sofrimento não nos impede de nos interessarmos pelos ele- mentos particulares das estruturas subjetivas. Tentaremos examinar a psico- se nas crianças sem por isso deixar de lado o estudo da neurose na infância. Existe uma especificidade da psicose nas crianças? Jacques Lacan aponta uma confusão que reinou durante décadas e que levava tanto à re- cusa do termo de psicose para crianças quanto à indicação de sua natureza exclusivamente orgânica. E, ao mesmo tempo, ele não deixa de assinalar: "Se no caso da criança falamos legitimamente de psicose é porque como analistas podemos dar um pasSo a mais que os outros na concepção da psicose".3 No Seminário ll Lacan estabelece o mecanismo da foraclus�o do Nome-do-Pai' próprio da psicose, que determina a "ordem" particular da estrutura psicótica. Esta estrutura é a mesma na infância e na idade adulta, embora varie sua forma de apresentação. Diferentemente da neurose infantil, a psicose infantil não existe como conceito. Este termo jamais foi utilizado por Lacan: a estrutura é atemporal. A psicose na criança traduz a mesma estrutura da psicose no adulto. E por Isto que não há em Lacan uma teoria específica da psicose infantil, mas a da psicose em geral. A questão se desloca para o infantil no momento de seu desencadeamento. Na infancia, muitas vezCs Csbaramos na dificuldeael le encontrar o momento de deseneadeamenlo, ou porque pemancce (oDar lFar , Co ou porque como no caso das crianças autistas s precxe localizá lo, cm outra mutas vezes esta ausente AS vezes, as entreVistas com os pais permitem localizá l possivel estabelecé-lo a partir do próprio discurso do paciente. ras é Nádia é uma menina de seis anos que vem consultar-se porus ta uma vozinha que Ihe diz que a protessora é um demônio ando a vez analista Ihe pergunta quando começou a ouvir as vozes pela primei arto, c a menina conta que, uma vez, o pai a pos de castigo, trancada no aart aí surgiram as vozes dizendo que o pai era malvado. Neste caso podemos observaro momento de desencadeamento da psicose a partir do discurs da paciente. A conjuntura dramáica de que fala Lacan aparece aqui com precisão: a incidência do pai na oposição simbólica ante o laço imaginário dual, que mantém a menina com a m�e, não encontra a inscrição do Nome. do-Pai em seu psiquismo. O castigo não se coloca como funç�o simbólica e os pensamentos de raiva tornam-se xenopáticos (parasitários). Não é ela que pensa que o pai é malvado por deixá-la trancada: são as vozes que di. zem isso. No furo produzido no simbólico aparecem as vozes alucinatórias. As dificuldades para operar com o lugar vazio deixado pela falha simbólica empurram para um trabalho próprio da psicose tanto na infância quanto na idade adulta. Um menino esquizofrênico de nove anos, por exem-plo, tem certeza de que o pai, ao mexer a cabeça, desestabiliza a camada de ozônio; erige-se ele mesmo como garante da ordem do universo ao indicar que pode controlar esse desajuste através de uma televis�o que está em sua cabeça." Este é o núcleo delirante a partir do qual procura -sem conse-guir-construir uma metáfora delirante que o estabilize. Outro menino, analisado por Alicia Hartmann, começa a construir seu delírio de perse guição aos cinco anos (sem chegar a sistematizá-lo): os caminhões de lixo podem comê-lo.3 Eric Laurent conta o caso de um garoto de onze anos com deliri0 parafrênico." Antes da entrevista com Laurent, o menino tinha ficado tres anos em análise sem dar um som. Ao interromper o tratamento, disse a mae que poderia começar a falar: até aquele momento as vozes o tinham pro Dido. Encontra ainda certa estabilização delirante ao proclamar-se "Filno natural, porque com essa nomeação consegue ordenar os fenome mentares que o perseguiam desde os cinco anos. dade, marcada pela passagem para a puberdade. Ao nesmo tempo, A Deurose infantilé parte de uma temporalidade bifásica da se xun fun ChOna de lal modo que faz com que toda neurose seja infantil. A nlantil é para o adulto aquilo que resta da infância. " O infantil constu a matriz da estrutura do sujeilo: OS clementos da estrutura não variam reformulam-se e se precpilam n mag1nario de acordo com os mitos fa-miliares. Por outro lado, na criança se apresenta um conjunto de fenómc nos que permite construí-la. Erie Laurentobserva: "A infäincia é o periodo de uma eleiçan do desejo, nmas deina em suspenso, no melhor dos casos, uma eleição da fan-tasia, ou melhor, de seu uso" O desejo deve ser verificado pelo trata- mento do gozo que irrompe com a passagem para a puberdade e as possi bilidades reais de procriação. Michel Silvestre" indica que a pergunta que a criança se faz e "o que deseja a minha m�e?", dado seu lugar na relação com o desejo materno. Ela logo se transforma e se converte em "o que quer uma mulher?", pelo fato de o sujeito se confrontar com a falta de um significante no Outro que possa responder. Eric Laurent acrescenta-em outro artigo-que a res- posta se encontra ao nível da fantasia. Trata-se de um "desenvolvimento do sujeito na estrutura", enquanto os diversos objetos (oral, anal, olhar, voz e nada) não têm a mesma incidência de acordo com a idade da criança. A separação da criança do objeto de gozo da m�e permite a constituiç�o de uma "posição de gozo", uma "construção fantasiosa" que responda a esse enigma. Quanto à psicose, embora a foraclusão do Nome-do-Pai seja trans- fenomenal, o fenômeno psicótico permite captar a estrutura. E isso inclui a fenomenologia da psicose nas crianças. Sem dúvida, as construções deli- rantes das crianças também deixam pendentes a confrontação com o Ou- tro sexo e sua incidência na estabilização que consigam alcançar. François Leguil analisa um menino paranóico de sete anos que con segue, a partir do tratamento, uma modificação de sua posiç�o em relação ao saber que o sustenta. Acrescenta, entretanto, ao final do seu artigo: "A idade lhe permite deixar disperso o que, sem dúvida, sistematizado se tor- naria mais terrivel. Atualmente é uma 'cura'. A adolescência, o confronto com as experiências do sexo e da vida, ameaçanm seriamente questioná-la"4 Não se trata de uma retroaçã0 de sentido, mas de novas conjunturas possíveis de desencadeamento da psicose. Por outro lado, é legítimo interrogarmo-nos sobre as caracteristicas que apresentam as crianças com psicoses não desencadeadas na infancia e que eclodem na adolescência. Otrabalho é o resultado dos cursos *A psicose infantil" e "Uma crian- ça psicótica pode ser curada?", ministrados em 1994 e 1995 na Escuela de Orientación Lacaniana (Buenos Aires). A pmera parte do livro cxamina as tormas de aprescntação da psi- Ne nas CTAnças e em particular o binômi0 psicosc-autismo. Na segunda. studamos a temporalidade lógica da constituição do sujeito, a ação da metator paterna e suas conseqüencias clinieas. Em scguida, recorrerenos Vastido do ensino de Lacan, às indicações relativas ao nosso tema. Dei mos enpressanmente de lado o estudo detalhado da teoria lacaniana da psicose. A quarta parte estuda os trabalhos psicanaliticos que propuseram uma teorae umadireção de cura para as crianças psicóticas; cada uma delas e estudada a partir de históricos clínicos. A questão da direção da cura a partir da orientação lacanianaé a última parte. Este livro tem como eixo teórico o ensino de Jacques Lacan. Para tanto, os cursos de Jacques-Alain Miller foram essenciais; gostaria então de expressar-lhe todo meu respeito e reconhecimento. Nossa revisão dos tratamentos propostos para o autismo infantil, bem como das teorias que tentam dar conta do tema, se limitará quase que exclusivamente à orienta- ção lacaniana. Em cada caso justificaremos o interesse especial de outras abordagens do que estamos tratando. Também permaneço muito próxima do que Eric Laurent vem transmitindo ao longo dos últimos anos sobre a psicose e a psicanálise com crianças: gostaria de manifestar-Ihe meu agrade- cimento. Agradeço ainda Afredo Grieco y Bavio, Noemí Castro Pueyrredón, Alicia Hartmann, Monica Códega, por seus comentários e estímulos; e, em particular, meu amigo Antonio Quinet, que tornou possível a publicação brasileira desse trabalho. Buenos Aires, março de 1996. Notas S.Freud. "El malestar en la cultura" (1930), Obras Completas. t. XXI. Buenos Aires:Amorrortu. 1976. P. Ariès, L'enfant et la vie familiale sous l'Ancien Régime. Paris: Seuil, 1973. J. Lacan, El Seminario, Libro l1: "El yo en la teoria de Freud y en la técnica psicoanalítica" (1954-55). Buenos Aires: Paidós, 1983. p. 160. A foraclusão é o conceito lacaniano que nomeia a exclusão do conjunto de signi-ficantes que constitui o Outro. Na psicose recai sobre o Nome-do-Pai: significante que funciona como ponto de basta e produz retroativamente a significação fálica (matriz das significações). Para o estudo da teoria lacaniana da psicose ver J. Lacan, El Seminario, Libro lII, "Las psicosis" (1955-56). Buenos Aires: Paidós, 1984; "De una cuestión preliminar a todo tratamiento posible de la psicosis" (1958), Escritos (1966). Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 1988; e o Seminario XXIII, "Le Sinthome" (1975-76), Ornicar? 6-10 (1976). Uma introdução geral à teoria lacaniana pode ser encontrada em D. Leader, Lacan para principiantes. Buenos Aires: Nueva Era, 1996. $A psicose não é uma continuidade que se desenvolve progressivamente até eclodir; a eclosão é um momento em que se produz uma ruptura no fluir da vida, desenca- deando a psicose. Lacan falou do momento fecundo da enfermidade para referir-se a eles. Caso apresentado por Alicia Diaz no curso "Uma ciança psicótica pode ser cura- da?" dado por mim na E. O. L. (1995). Caso apresentado por Daniel Campos no curso "Uma criança psicótica pode ser curada?". A. Hartmann, "Um menino kleiniano: 'O caminhão de lixo pode me comer" (1995), inédito. E. Laurent, "La psychose chez l'enfant dans l'enseignement de Jacques Lacan" (1982). Quarto 9 (1983). 1o Cf. G. Morel, "Sur le concept de névrose infantile", Quarto 39 (1990). E. Laurent, "El objeto en el psicoanálisis con niños", El analiticón 3 (1987). p. 100 1M. Silvestre, "La neurosis infantil según Freud", Man�na el psicoanálisis. Buenos Aires: Manantial, p. 157 E. Laurent, "Hay un final de análisis para los ninös", Uno por uno 39 (1994), p. 37 F. Léguil, "Cura de un niño paranoico?", Niños en psicoanálisis. Buenos Aires: Manantial, 1989. I. Lacanea psicose na infância 1. A clinica psiquiátrica da criança Diferentemente da do adulto, a clínica psiquiárica infantil se desen- volveu a partir da influência da psicanálise. Paul Bercherie' distingue três grandes períodos na clínica psiquiátrica da criança. Oprimeiro periodo cobre os três primeiros quartos do século XIX e se dedica exclusivamente à discussão da noção de debilidade considerado o único distúrbio mental infantil. Esquirol criou esta noção em 1820 com o nome de idiotia, definindo-a como um estado em que as faculdades inte- lectuais nunca se manifestam. Ele distingue a loucura propriamente dita do adulto e uma doença congênita ou adquirida precocemente na infância (a idiotia). Neste ponto, a discussão psiquiátrica gira em torno do grau de ire- versibilidade do atraso mental. Para Pinel e Esquirol, o deficit é global e definitivo. Por outro lado, para Séguin e Dealsiauve, os educadores de idi- otas, o deficit é parcial, o que permite a utilização de métodos educativos especializados. O ponto de partida foram as tentativas de Itard com Victor, menino que ficou conhecido em sua época como o "selvagem de Aveyron". Este menino viveu em um total isolamento até sua captura em 1799, e ape- sar do prognóstico negativo, Itard obteve alguns resultados utilizando métodos educativos para surdos-mudos. Os efeitos dessa iniciativa foram: a criação de uma educação especial na França por Séguin; Maria Montessori criou uma nova pedagogia; e Binet e Simon inventaram o conhecido teste para seleção e orientação de crianças retardadas. O segundo período começa no final dos anos 1880. Com a publica- ção da primeira geração de tratados de psiquiatria infantil se constitui uma clínica psiquiátrica da criança calcada na do adulto, n�ão se tornando um campo autônomo de investigação. Paul Moreau de Tours, por exemplo, escreveu"De la folie chez les enfants" (1888), em que afirmava q cura apresenta na criança as mesmas características que no adulto. Saute de Sanctis introduziu em 1906 o quadro de dementia preco- cissima e o distinguiu da dem�ncia precoce do adulto. O próprio Lacan utilizou csta nomenclatura em um caso apresentado na Société Médico- psychologique com Claude e Heuyer em 1933. Na resenha descrevem o caso de um garoto de oito anos e meio com um estado de indiferença em relação ao mundo em torno de si, mutismo e inexpressividade. O começo 13 nico foi delirante, com Ideias niPoconariacas, insónia, interDretac crises emotivas histeriformes". Embora eles se interrogucm sobre un possivel etiopatogenia orgånica, como causalidade psicológica, assinalam os distúrbios familiares. Oterceiro período começa nos anos 30 e funda a clínica psiquiátrica da criança que se desenvolve atualmente, caracterizado pela influência dominante da psicanálise. Bercherie observa que a noçao moderna de psicose infantil provém da introdução de Bleuler do diagnóstico de esquizofrenia (1911), que subs. titui o de demência precoce kraepeliniano. O caso Hans publicado por Freiud inaugura o tratamento psicanalitico das crianças. Os trabalhos analíticos Dermitirão matizar e teorizar a abordagem clínica das crianças psicóticas. 2. 0 autismo infantil" de Kanner Em 1943, Leo Kanner introduziu o termo "autismo infantil preco- ce para nomear os casos de retraimento em crianças menores de um ano. Parte do estudo de um grupo de onze meninos e de sua história em um período que vai de 1938 a 1943. Apesar de parecido com a esquizofrenia infantil, este quadrose.distingue por sua existência desde o nascimento. O aspecto inato que postula não é orgânico, mas constitui um deficit intelec- tual que não se confunde com a debilidade mental; ao contrário: elas têm uma "expressão facial assombrosamente inteligente". E acrescenta na cau- salidade a relação particular com os pais (pais obcecados por detalhes, mas pouco afetivos). Caracterizam-se por sua impossibilidade em estabelecer conexões ordinárias com pessoas e situações desde o começo da vida, e por sua "ten- dência à solidão autista, distanciando os elementos exteriores que se apro Ximam da criança". Agem como.se.as pessoas.em volta simplesmente nao existissemn Kanner considera que, desde o início, o exterior é vivido por essas CTianças como uma ameaça n�o localizável, tornando-se o próprio estatuto do exterior. Isto faz com que toda ação do outro seja vivida como int (inclusive a alimentação, os cuidados corporais, a simples presença). Ea Cxpressão-utilizada por Kanner pode ser explicada a-partir de uma p Caniana; sem uma ordem simbólica, os cuidados não são viviu idos Como tal, transformando-se cm uma intrusao. ers- Neste quadro, o deficit se mpõe fenomenologicamente os aulistas na 1alam, ou então balbuciam um solilóquio ininteligiv pulam sua sua oDjetos de forma estereotipada e rejeitam qualquer in missão adeira , náo entram em contato com o mund0 aSu" 14 zem apenas para cumprir o impulso de sua "vontade". As coordenadas espaço-tenmporais estao alleradas: batem-se, não têm noção de perigo. agem como se não livessem corpo. Qualquer mudança introduzida cm sua roti na. na disposição dos móvcis, nas normas, na ordem que rege sua ativida de cotidiana, os leva ao desespero. Apesar dessa descrição deficitária, também apresentam fenômenos "positivos que expressam uma maneira particular de "ser-no-mundo". Por exemplo, a prodigiosa memória que os autistas conservam de séries de objetos, poemas ou orações. Com ela suprem a incapacidade de utilizar a linguagem com outras funções 3. Autismos? Desde a criação do "autismo" por Bleulers em 1911 (para nomear o retraimento no próprio mundo imaginário da esquizofrenia)-- criado a partir do modelo freudiano de "auto-erotismo", mas sem o sexualo termo adquiriu sentidos diversos, conforme a utilização, para nomear uma patologia precoce ou um estado secundário ao desencadeamento da doen- ça. A diferença emerge dos resultados terapêuticos. Considera-se que, em geral, os tratamentos que produzem uma saída da reclusão autista ocorrem na psicose cujo "*autismo" nomeava mais sua desconexão com o mundo externo, por isso se trataria de um autismo secundário. As vezes, associa-se o autismo a diferentes afecções orgânicas: a esclerose tuberculínica de Bourneille, a rubéola congênita, a síndrome do x-frágil, encefalias, entre outras. Através de perspectivas distintas (estu- dos orgânicos, neurofisiológicos, neurobioquímicos, anatômicos e genéti- cos) estabeleceram-se resultados positivos, tendo sido por isso indicada a origem orgânica desta síndrome. Mas, de acordo com o tipo de definição de autismo que se utiliza variam os resultados da pesquisa de uma etiologia orgânica. O DSM III (1981) abandonou a noção de psicose na infância devido à raridade da cvolução das patologias precoces da infância até as formas de psicose adultas. Criam em seu lugar o termo de "Persuasive Developmental Disorders" (Distúrbios generalizados do desenvolvimento) para nomear os desvios do desenvolvimento de numerosas funções psicológicas tundamen- lais implicadas na aquisição de aptidões sociais e linguísticas. A partir de então, predominam o critério adaptativo e o entoque terapëutico educa- CIonal Em 1987, este esquema é revisitado e são propostos dois tupos de TGD: o distúrbio autista (de acordo com a descrição de Leo Kanner) e o TGD nao cspecifico que utiliza o disturbiO comportamental como ca de diagnostico. O DSMIV estabelece cinco itens para o TGD: distúrbio autista.dis. turbio de Rett. distúrbio desintegrativ0 infant1il, distúrbio de Asperger e disturbio generalizado do desenvolvimento não específico. O distúrbio autista é explicado a partir da descrição de Leo Kanner Ele é diferenciado do distúrbio de Rett pelo perfil de seu deficit e pela sua porção sexual característica. Est� último distúrbio só se manifesta em mulheres, e seu padrão característico é o desaceleramento do crescimento do crânio, perda de habilidades manuais intencionais previamente adqui-ridas e o aparecimento de um andar e de movimentos do tronco pobremen-te coordenados. O distúrbio desintegrativo infantil distingue-se do autismo infantil pelo seu momento inicial: aparece logo aos dois anos de desenvol-vimento normal. Este distúrbio também foi denominado "síndrome de Heller", "dementia infantilis" ou "psicose desintegrativa". O distúrbio de Asperger não apresenta um atraso do desenvolvimento da linguagem como no autismo. O DSM IV o distingue da esquizofrenia, embora sua descri- ção seja similar. Todos os casos restantes que não constam destas descri ções estão reunidos no distúrbio generalizado do desenvolvimento não especificado. Nestas classificações o imbricamento do autismo psicótico e as per turbações autísticas comportamentais vão no sentido de apagar a especifi-cidade da estrutura psicótica, para homogeneizar o tratamento na busca de comportamentos adaptativos e eficazes para o desempenho social. Neste trabalho trataremos exclusivamente do autismo psicogênico e não do sub- seqüente produzido por uma doença orgânica. Deixaremos de lado a con- cepção que tenta generalizar a organicidade para todo distúrbio autista, visto quc a organogênese n�o coincide com a nossa perspectiva. O autismo pode ter uma base orgânica. De fato, em inúmeras oportunidades a talta de u estudo exaustivo impede que se leve a cabo um diagnóstico adequado. Isso. Contudo, náo justifica sua generalização. Levando em conta essas excey desembocaremos no autismo produzido por um distúrbio psíquico. pel 1alha simbólica que produz a inclusão do sujeito na estrutura psicotuca OCs. Sem duvida, um trabalho analitico é possível tanto com criangas padecem da síndrome de Down quanto com aquelas que aprese quer outro upo de distúrbio orgânico. Mas nestes casOS O rata -Se COn o linite realda organicidade. Alicia Hartniann ap dtaihento analíticode Bárbara, uma nenina com distúrbuos neu c estuda como operar comn os limites corporais. apresentam qual- 4. Autismo e psicose Certo debate ocupa o meio analítico de oricntação lacaniana autismo é uma forma de psicose ou deve ser diferenciado'? E un "estado ou pertence a uma cstrutura clinica? Rosine e Robert Lcfort distingucm o autismo da psicose: dado o fra casso maciço da metálora paterna no autis1no não há Outro nen obJeto a o que equivale a dizer quc não há inscrição da falla. A criança nutsta encontra-se em relação a um Outro maciço e total, ficando por isso um laço corpo a corpo" sem divisão nem de um lado nem de Outro. O Outro se reduz a uma ausência. Também falta a imagem especular. "A criança "esta por inteiro no lugar do objeto a enquanto não especularizável"."0 psicotico,por oulre lade, tem umobjcto c um Outro; mas csse objeto cstá incorporado ao real como um objeto a mais. No autismo, � o sujeito que cstá a mais, tanto que procura desaparecer R.eR.Lefort distinguem o caso de Maric-Françoise, autista, da psi cose de Roberto. Na primeira, o gozo se dirige ao Outro, vontade de gozo" com o modelo de Sade-que visa a dividir o Outro. Roberto, por sua vez, manifesta um gozo masoquistal quc busca completar o Outro. Por outro lado, cles distinguemo lugar da criança para a m�e do autista e para a do psicótico. Na psicose, a criança ocupa um lugar na fantasia materna. Jáno autisma, cla� um objeto auto-crótico, fora da fantasia, per manecendo excluído por isso o lugar do pai. A saída do autismo é pela via da paranóia ou dadebilidade Já Pierre Bruno indica que no ensino de Lacan só existe uma polari- dade entre a esquizofrenia ea paranó1a: em nenhum momento diferencia o autismo da esquizofrenia," o que n�o se opõe à distinção- estabelecida por R. c R. Lefort- entre o autismo (considerado como uma forma da esquizofrenia) e a paranóia. Isso não impede a existência de "estados autistas"- acrescenta P. Bruno-, no estilo das considerações de Tustin. O autismo infantil prematuro� uma esquizofrenia desencadeada precoce- mente, considerando-o comno uma "forma extrema da esquizofrenia". Afir- ma "..forma extrema no sentido de variante da esquizofrenia, sem que se possa Jalar de umu diferença qualitatva de estrulura entre esquizofrenie e aulismo" 17 Oponto de vista de Colette Soleré que nao existem autismos puro, devendo ser consderados coHo un pólo, "uma rejeiçdo cm entrar na al enu ao, delendo sr na bordu""que Iaz com que os aulustas apareçani como "SIgnilicdos do Oulro (alan por cles e buscan un sentdo em seu com portamcnto) Deste modo, a psicOse na cança se manilesta sempre como a forma msta Mas. acescenta, tanto no autismoconsiderado com0 um polo foraclus�o do Nomc-do-Pai. Ela distinguc as crianças auistas das propriamente delirantes eer quanto na csqu1Zolren e na paranó1a é legit1mo falar de enu mera quatro tipos de fenomenos que Ihes sao característicos. Primeirr crianças que se sentem perseguidas por sinais da presença do Outro bretudo pelos objetos da voz e do olhar é dai que vivema presença do Outr como invasiva. A segunda caracteristica é a anulação do Outro: parecern surdos, apresentam distúrbios do olhar. Ela indica que Margaret Mahle fala inclusive de alucinações negativas. O terceiro traço é a rejeição de que o Outro possa produzir uma intimação com a palavra. A ausência da di- mensão da chamada é o complemento da rejeição a ser chamado pelo OOu tro. Finalmente, aponta os problemas de separação do Outro, sua adesivi- dade. A posição de Eric Laurent consiste em estabelecer a ação da foraclus�o do Nome-do-Pai também no autismo-0 que explica seus es- tados alucinatórios-ea estabilização possível dentro do autismo. sem a necessidade de uma passagem até a paranóia --embora isso não seja ex- cludente. Assinalao aparente paradoxo: se há cura e a criança sai do esta- do autista é porque não era autista; o que traduziria um paradoxo próprio à cura analítica: seria suficiente a cura ser possível para invalidar a propri2 idéia de cura, pois não teria havido autismo." No autismo.osignificante do Nome-do-Pai não apenas está foraclul do, como todo o simbólieo torna-se real. Porém, em um certo sentido. in- clui o autismo na esquizofrenia porque em ambos os casos esta em jo retorno do gozo no corpo, que tenta aerescentar um órgão já que a ling gem não pode fazer o órgão.20 Em outro artigo,2 Eric Laurent assinala que na infância domina mas O campo da esquizofrenia que o da paranóia, pois os fenõmenos n Colocam tanto em termos de uma reconstrução delirante. mas em lazer função do órg�o?". Daí emergem os fenômenos de autistmos diver omo Sos. O goz0 retorna de maneiras distintas no real para fabricar o cop Condensador desse gozo. Enquanto a falo não está simbolizad Tunçao do falouransforma-se em "fazer funcão do órgão". A rian zer Teduzir seu corpo a ser condensador de gozo, unm objeto pala outro cor que caracteriza 0 autismo é que o goz0 volta sobre a bOrda, cie aponta T tanCia de levar a cabo um estudo minucioso sobre esta proole Podemos considerar que, de certa maneira, o autisme o é uma um la Cxlrema daesquizotrenia inlantul. Daí a utilidade de detin segundo Colette Solercnquanto nonea ul uma Cquanto nomeia um "estadu" mais que TCli ao a estutura Isso explica porque essas crlanga tão mudas ou contam com poucas palavras estereotipadas no início do tra- tamento, podem sair de seu retramento autista e entrar em contato com o analista. Otrabalho clínico mostra evoluções diferentes entre: a) crianças cujas psicoses se manifestam nitidamente e têm a possibilidade de alcançar uma estabilização delirante. e b) aquelas que padecem de um retraimento autista. cujo horizonte de debilidade na idade adulta estásempre presente. As dife renças devem ser avaliadas caso a caso, levando-se em conta os múltiplos fatores que intervêm em seu destino futuro: tratamentos, ambiente fami- liar, organicidade possível. etc. A complexidade clínica do problema me- rece que se continue trabalhando as relações e as diferenças deste binõmio. 5. Os fenômenos psicóticos na infância A descrição do fenômeno psicótico nas crianças com uma ideação delirante se assemelha à de um adulto. A partir da emergência de fenome- nos elementares e de alucinações, constrói-se o delírio. Muitas vezes, as fabulações ideativas que não se organizam como um delírio dificultam o diagnóstico diferencial. Trata-se de uma crianca muito imaginativa ou de um delírio? Que relação mantém com o que diz? E uma certeza psicótica ou uma crença dialetizável? A precisão diagnóstica a partir da linguagem de acordo com a indicação de Lacan se impõe tanto para a criança quanto para o adulto. O problema fica agudo quando se tenta estabelecer um diagnóstico em crianças autistas. São crianças excessivamente tímidas, inibidas, com dificuldades neuróticas ou trata-se de um autismo prematuro? E por isso que-juntamente com as características enumeradas por Kanner para os autistas-devemos visar à detecção dos fenômenos elementares que apre- sentam, embora n�o falem, e que, muitas vezes, escapam ao observador. Juan e Marc, dois pacientesanontam para o vazio e dizem"Aqui está Atendi as duas crianças em contextos diferentes; nunca se cruzaram. porém utilizam uma mesmafrase holofrásica*-compactação.da cadeia SIgniTcante que TÄO TEMete a um efeito de sentido, mas a um vazio des Signiicaç ao. A OFTem monolíiica da cadeia significante-pode manifestar-se pelo uso defrases fixas_utilizadas enmqualquer ocasião. Carla, outra paciente. Tiz a a cada vez que vë um carrinho de brinquedo e quando encontra o primo chama-o de mamadeira. Em ambos Os casos os objetos são nomea- dfas hrofofrasicamente com.os significantes quc exurai do Ouuro. As pala vras não adquirem uma signilicação nova ao relacionar-se com outras Da lavras, mas possuem um sentido originalc unívoco. As alucinações såo mais diticeis de captar devido ao isolamento mento quc caracteriza as crianças autistas. Nao obstante. numerosas descricóec mitem supor sua cXIstencia-como as de Alex que tampa abruptamente seus ouvidos. ou as de terror descrilas por Emilio Rodrigué em uma crian. ca autista. Esta ulima, de tres anos. apresentava dois tupos de alucinação Visoes que o atraiam ou que o aterrorizavam. Kodrigué observa: "Compre. endi que estava escutando algo que vinha da d1reção do teto, a maneira com que olhava para cima e prestava atençao era Inequivoca. Também narecia estar vendo coisas projetadas no teto, porque seguia com os olhos 1 orbita invisível de um objeto'"." O olhar de medo e seus gestos bruscos ao perscrutar os lados levam o analista a considerar a presença de perse- guidores, mas a criança não delira em nenhum momento. Em um segundo momento do tratamento, Raul responde a estas alucinações escondendo- se ou procurando desvencilhar-se delas, como, por exemplo, fazendo ges- tos para que algo saísse pela janela. Bruno Bettleheim descreve as alucinações de Laurie: "Deduzimos de sua maneira de ficar olhando o espaço, sobretudo o teto, concentrada to- talmente em algo que ocorria em Sua mente, absolutamente alheia a tudo per à sua volta".27 Embora ambas descrições correspondamà apresentação da alucina- ção comoma percepção sem.objeto-definição.que Lacan.critica.em"A questão preliminar" por ser um efeito da falha simbálica.e não um proble ma percepiivo- êmovalor de assinalar a presença de fenômenos cuja causalidade se situa na ordem particular da estrutura psicótica Lacan aborda em duas ocasiões o tema das alucinações no autismno. A primeira vez é em "Discurso de encerramento das Jornadas sobre as Psicoses naa criança" (1967); a segunda, em "Conferência em Genebra so- bre o sintoma" (1975). Nas Jornadas organizadas por Maud Mannoni em1967, Sami-Ali apresenta um artigo intitulado "Gênese da palavra na criança autista"."A partir de um caso clínico tenta indicar uma evolução do pré-verbal ao ver- Dal pela ação da mediação imaginária de identificação com o outro. Entre as características de Martin, ele obserya que o menino ouve tantorLG quanto vozes, tapando os ouvidos com es polegares. Lacan utiliza esta descrição para apontar que se o menino lapa Ouvidos (como também é o caso de Alex) é para proteger-se do vel Kesalta assim a estrutura da alucinacão: o fato de a criança não tala s impede que esteja sujeita a alucinaçõöes. OS bo. Em 1975, Lacan retoma esta questão: "Como o nome indiCa, d Dlds ouvem a si mesmos. Ouvem muitas coisas. Normalmete, d eboca inclusive na alucinaçãoe a alucinacão tem sempre um caa s au- mais ou menos vocal. Todos OS auustas não ouvem vozes, mas articulam muilas coisas c precisamente trala-se de ver onde ouviram aquilo que estão arti-culando"."O mutismo ou a dificuldade para falar não impedem yue cste-jam incluídos na linguagem, embora sua estrutura seja a da holólrase As crianças autistas utilizam os pronomes pessoais da maneira que ouvem o seu emprego em relação a elas. Na realidade, como descreve Lacan em seu Seminário lI1, *As psicoses", a impossibilidade de que apareça o eu em seu discurso leva-as inevitavelmente a falar de si na terceira pessoa. Carla repete seu nome, chamando a si mesma, até concluir seu monólogo solitário com a resposta quê? a seu próprio chamado- que não se dirige ao Outro. Em seu ser falado resultam pequenos "fantoches do Outro" de-vido ao funcionamento automático da linguagem. Falta a dimensão da demanda. A instituição belga "L'Antenne 110" compilou recentemente os fe-nömenos que estas crianças apresentam. Entre outras características, elas apresentam dois fenômenos opostos: ou um desinteresse pela imagem corelativo a uma atração por buracos e orifícios, ou uma imitação simétri-ca dos movimentos do outro segundo sequências ordenadas. Estabelecem uma série de fenômenos acerca da relação com os objetos separáveis do corpo (olhar, voz, comida e excrementos) que apresentam sempre as mes- mas modalidades, mas variam seus conteúdos em função do objeto trata-do: evitação, falta de direç�o até o outro, intercââmbio simétrico ou repro-dução de sequências fixas. 0 Outro ou fica completamente excluído ou, então, capturado em uma ordem inalterável. As vezes, a presença de certos objetos torna-se indispensável, mas em tais casos Ihes éé aplicado uma "pal-pitação", uma ligeira oscilação como se fora um ritmo. As descrições da criança autista indicam que ela se comporta de maneira diferente se é observada com discriç�o ou de forma ostensiva, se há tentativa de entrar em contato com ela. No primeiro caso, fica mais ou menos inerte, eventualmente ocupada pela atividade que repete de manei- ra estereotipada; no segundo, pode apresentar um estado súbito de agita- ção, inclusive violento, contra si ou o observador. Oquc devemos.chamar de gozeA concentraç�o tranquila na qual o sujeito parece auto-suficiente ou a agitação composta de pânico desenfre- ado que o invade quando a presença do outro o solicita'? A criança autista também passa da tranquilidade de sua reclusão para a agitação violenta ante a tentativa de captura de sua posição como sujeito. Será quc ela ficará confinada no mundo possível que soube construir ante O seu gozo? No neu entender, ambos os estados são expressões diferentes do goz0 do autista: seu tratamento varia ante a intrusäo em seu universo fechado. 6. Corpo c espaço nas crianças autistas O que ocoTe com as crianças alulistas das quais não se pode falar de desencadeamento, estabilizaço nem de suplencia prévia? O quc dizcr de um corpo que pareceTia nao Ihes pertcncer: maltratado, ignorado, sem fu- ros?Basta a inclusão na linguagem de todo sujeito para considerar quc (os autistas têm corpo? O significante outorga um corpo, mas tambémo tragmenta, fissu- rando-o em órgãos e funções. Furta a vida do Vivente que reconstitui no imaginário a integridade de sua imagem, zelando pelo seu gozo. A libido é incorporal: um órgão fora do corpo, que não é um significante, mas que expressa o mais-de-gozar exterior à ação do simbólico. O corpo não é ape- nas a projeção de uma supertície, mas também tem furos, e nesses buracos aloja-se a vereda do gozo que traça os limites do corpo. Para ter corpo e dele fazer uso, devem conjugar-se as ações do sim- bólico, do real e do imaginário. Entretanto, sem a operação simbólica que permite a constituição dos limites, do espaço e do tempo, o sujeito fica sem Corpo. A unificação do corpo sofre suas transformações com o desmorona- mento imaginário que produz o desencadeamento da psicose: fenômenos de duplo, de despersonalização, de corpo despedaçado. A imagem do ca-dáver leproso conduzindo a outro cadáver leproso de Schrebers" dáconta Lanto do desdobramento imaginário.quanto do traço de mortificação do objeto de gozo a carniça que é ele mesmo-que se aloja na imagem. Pelo lado da esquizofrenia, o corpo padece da ação do gozo do órgão. Isto marca o contraponto clássico: gozodo Outro naparanóia gozo no.coma (que se manifesta como hipocondria) para a esquizorenia. Lacan, depois de estabelecer a polaridade entre sujeito do gozo e sujeito que representa o SIgniicante para outro significante, 1ndica que a paranóia identifica o gozo no lugar do OutroOs dois tupos clinicos da psicose-com seu tratamen Lo particular do gozo- mantëm a presença de um corpo. Não há atribuição de um corpo nas crianças autistas. A falta de ex tração do objeto impede que se estruture a consistência corporal. pois esta. peça despregada do corpo" não consegue aloiar-se no ponto da falta na Outro. Estas crianças apresentam-se como sujeitos que não chegarão a. constituir-se como um eu, em um estado pré-especular, sem adquirirem Consciencia de si mesmas como corpo. A falha de simbolização faz com que o Outro seja real- como ob- servam R. cR. Lefort-, daí as manobras no real que visam a uma produ- ção de uma descontinuidadesimbólica para extrair o objeto a que a crian- ca encarna para o Outro. lsta lalha lem sua correspond ncia na falta de constituição especular e nos disturbros cspaço-tcmporais John um dos pacientes de Kanner quando Via um grupo de pessoas numa fotogratia pcrguntava quando iam sair de lá e entrar na sala. As imagens de uma fotogratia não são menos certas para este menino do que aquelas com as quais esbarra na vida: sem imagen, os objetos são puramente reais, carecendo de conotação imaginária. Podemos dizer que, mais que"homens-feitos-às pressas" ao estilo Schreber, para John näo há diferença entre os seres de duas dimensöões na fotografia e os tridimensio- nais. Talvez espere entrar ele mesmo na foto. O tratamento do espaço por parte dos autistas faz com que o dentro eo fora sejam contínuos, como se fora uma banda de Moebius-de acor- do com a indicação de Eric Laurent.36 Este sujeito, que é como a trajetória da banda sem buracos de Moebius, encontra-se submers0 em um espaço que faz com que um carro a 300m de distância e o carrinho que tem na mao sejam o mesmo. Por isso, o menino pode tentar pegá-lo pela janela. Adrien, por exemplo, é um garoto de doze anos interessado quase que exclusivamente pela água: o rio, as tempestades.3" Permanece colado contra o vidro, olhando como se estivesse em transe. As poucas palavras que pronuncia referem-se a estes temas. Certa vez, aproxima-se do rosto do analista e lhe diz: "Seus olhos estão cheios de cores". O analista obser- va em seu artigo que na verdade o arco-íris que ele está vendo está tanto nos olhos do analista quanto na janela. O menino constitui uma banda de Moebius na equivalência olho-janela. Esta falta de imersão subjetiva na tridimensionalidade é efeito da ausência da significação fálica. Entretanto, não se trata de uma falha de percepção do autista, mas da ausência de organizador simbólico que dis- tribua e ordene as percepções. Lacan encarrega-se de apontar esse ponto em sua crítica a Sami-Alí. Não é oespecularo que estrutura o espaço, mas a relação com o "aqui" e o "ali" (a que faz referência Sami-Alí em seu caso), implica o sistema de oposiçõcs da estrutura da linguagem. "Em uma palavra --diz Lacan- a construção do espaço tem algo de linguístico" 38 Quando a medida fálica desaparece não há furos que precedam as cravelhas; os objetos perdem seu tamanho e mudam de lugar. Carla repe- tirá várias vezes sua luta com objetos maiores que sua malinha de brinque- dos, onde quer colocá-los. Cola-se literalmente nos outros, a ponto de, por momentos, ter de me esquivar dela para não tropeçar. Uma criança autista pode temer que 0 avião que eruza os céus passe a seu lado:; outra cola sua boca na do terapeula e mostra o achatamento entre ela e sua imagem; outra pode, de um tercero andar, cammnhar no VilZjO apcnas para tocar no chä Juan, outro menino autista, uma vez sai surpreendentenente de sua indile. rença para aproxinmar-se de um de meus olhos e olhar scu interior. Od. será que olha? Meu olho, seus olhoS relletidos ou o Vazio da representa- ção? Ficava literalmente colado comigo. Em lodos estes casos o vazio que se aloja entre os corpos não se consitui como um intervalo: 0s objetos fi . cam muito próximos ou cxcessivamente distantcs. A falta de constituição especular não impede a emergência de feno- menos qualificados por R. c R. Lefort como "proto-especulares". Apare-cem assim fenômenos de ccolalia e ecopraxia, isto é, diferentes tipos de imitação verbal e motora. Na verdade, a ecolalia da cadeia significante repete-se no imaginário." Em uma das primeiras sessöcs, tento cxplorar a relação que Alex estabelece entre os números que repcte c os objetos e pergunto: "há quan-tos cubos?", e ele repete: " há quantos sucos?"- trocando as letras c por seob por c. Conto "um, dois": o menino pega de forma simétrica outros cubos e continua metonimicamente "três, quatro". Da mesma maneira, repete palavras que ouve na televisão e as utiliza fora do contexto no meio de seu solilóquio. Juan, de dois anos e meio, imitava meus movimentos com as mãos, e esforçava-se para que eu pusesse as minhas pernas na mesma posição que as dele. Um dia, senta-se diante de mim e reproduz a tentativa de fazer com que suas pernas c as minhas ficassem na mesma pose. Mais que me tornar imagem, ficava junto dele no mesmo lado do espelho: nós dois nos encontrávamos frente ao vazio que impedia o desenho de uma forma. A partir desta apresentação dos fenômenos psicóticos, examinare-mos a particularidade da constituição do sujeito e sua "inclusão" na estru-tura psicótica ou neurótica. Notas 'P. Bercherie, "La clínica psiquiátrica del niño (Estudio histórico)", Malentendido 3 (1988). 'J.Lacan, H. Claude e G. Heuyer, "Un cas de démence précocissime, Anna Médico-psychologiques (1933). . Kanner, "Traduction de l'article original de Léo Kanner: "Autistic disturbanee O allective contact", em G. Berquez, L'auisme infantile. Introduction à une clini relationnclle sclon Kanner. Paris: P. U.F., 1983. D. Devrocde, "Kanner relu à partir de Lacan". Préliminaire >U* . Bleuler, Analytica 52 (L'invention de l'autisme"). Paris: Navarin, 1700 C. Bursztein, "Cinquante ans d'autisme: évolution des concepts", L'autisme cinquante ans après Kanner. Paris: Erès, 1992. DSM IV. Manual diagnóstico y estadístico de los trastornos mentales. Barcelona Masson. 1995 A. Hartmann, En busca del niño en la estructura. Buenos Aires: Manantial, 1993, p. 209-211. °O objeto a é um conceito criado por Lacan para nomear a falta estrutural do obje- to. No vazio central que organiza a estrutura- que corresponde ao conceito de castração freudiano- se aloja uma série de objetos-oral, anal, olhar, voz-em relação a0s quais constitui-se a pulsão. O objeto a, na verdade não é um objeto, se constitui a partir da operação lógica de separação. Esta questão serå examinada i próximo capítulo. O objeto a se caracteriza por constituir-se a partir das bordas do corpo (zonas erógenas) como objetos separáveis do corpo. 0 Conceito que corresponde ao do estádio do espelho: o eu se constitui de forma alienada por identificação com a sua imagem, matriz do registro imaginário. R.eR. Lefort, Nacimiento del Otro (1980). Buenos Aires: Paidós, 1983, p. 261. Ao nomear o objeto a uma falta no simbólico, dado que é real, não tem imagem no espelho. No Seminário X, "A angústia", Lacan lhe atribui o lugar de "reserva libidinal": o gozo não é especularizável. 12 R. eR. Lefort, "Autisme et psychose deux signifiants: "partie" et "casse" (1992), L'autisme.., op. cit., p. 233. 13O conceito lacaniano de jouissance (gozo) reúne, seguindo a indicação de J.-A. Miller, os conceitos freudianos de libido, satisfação e pulsão de morte; é real e aparece como uma satisfação que vai mais além do principio de prazer. 14 Expressão utilizada por Lacan em seu artigo "Kant com Sade" para nomear a posição particular do perverso em relaç�ão ao gozo: o desmentido da castração o leva a forçar os limites na perseguição de seu gozo, tanto que produz a divisão subjetiva do parceiro. 1 No masoquismo o sujeito se torna o instrumento de gozo do parceiro. 16P. Bruno, "Ouverture", L'autisme et la psychanalyse. Paris: Séries de la Découverte Freudienne, 1992, p. 113. 1P. Bruno, "El dicho- sobre la esquizofrenia", Freudiana 9 (1993). p. 109 C. Soler, "Hors discours: autisme et paranoia", Préliminaire (1992). 19E. Laurent, "Lecture critique I", L'autisme..., op. cit., p. 134. 20E. Laurent, "Lecture critique Il", L'autisme..., op. cit., p. l145. 2E. Laurent, "La psychose chez l'enfant dans l'enseignement de Jacques Lacan" (1982), Quarto (1983). 2Fenómeno elementar é um conceito da psiquiatria para nomear certas manifesta- goes que aparecem com um sentido pleno, nã0 são dialetizáveis,e vem acompa- cnto", "leitura nhadas da ceneza de sua veracidade. Por cxemplo, "cco do pensaments ecem do pensamento". "advnhaça0 do pensamento , Ctc., cstes lenómenos anar.de denro do quadro do Automatismo Mental. Sua contrapartida são os fenóne lida sem-sentido que também aparecem na psicose. Ambos dão conta da imDossihil do ponto dc de estabelecer un retroaça0 signiticante como consequëncia da falta do de basta (o Nome-do-Pai). S. Tendlarz, "Objeto e imagem em crianças autistas,Opçao Lacaniana 13 (199 *Examinaremos o conceito de holófrase mais adiante. E. Rodrigué, "El análisis de un esquizofrénico de 3 años con mutismo", Obrac Completas de Mélanie Klein, t. IV. Buenos Aires: Paidós, 1979. oras 26 Idem, p. 162. 27B. Bettleheim, La fortaleza vacía (1967). Barcelona: Laia, 1987, p. 154. Cf. J.-A. Milier, "Comentario sobre Maurice Merleau-Ponty" (1987), Nueva Bi. blioteca-Psicoanalítica1 (1995). Neste artigo Miller explica como a estrutura da percepção é simbólica- seguindo a indicação de Lacan em "A questão preliminar -, por isso não se trata de um fenömeno visual, mas que o perceptum dado pela linguagemé anterior ao percipiens (ligado à sensação). A falha no simbólico pro-duz o retorno alucinatório no real daquilo que foi elidido, deixando um furo. 29 Sami-Ali, Cuerpo real, cuerpo imaginario, "Génesis de la palabra en el niño autista" (1967). Buenos Aires: Paidós, 1979. 30 J. Lacan, "Discurso de clausura de las Jornadas sobre la psicosis en el niño" (1967), El Analiticón 3 (1987), p. 11. J. Lacan, "Conferencias en Ginebra sobre el síntoma" (1975), Intervenciones y textos 2. Buenos Aires: Manantial, 1988, p. 134. 32 S. Tendlarz, "Por qué los niños autistas no tienen cuerpo?" (1994), en Centro Pequeño Hans, Psicoanálisis con niños. Buenos Aires: Atuel, 1995. 3 Cf. J. Lacan, "De una cuestión preliminar...", op. cit. *Ver os artigos de V. Palomera, "Freud y la esquizofrenia I", Uno por Uno 58 (1994) e *"Freud y la esquizofrenia II", Uno por Uno 39 (1994). J.Lacan, "Presentación de la traducción francesa de las Memorias del PresIu Schreber" (1966), Intlervenciones y textos 2. Buenos Aires: Manantial, 1988,P. 0 .Laurent, "Lecture critique I", L'autisme et la psychanalyse, Séries ae ta Découverte freudienne, 1992. cil. "M. Mesclier, "Adrien et les météores", L'autisme et la psychanalyse, op J.Lacan, "Discurso..", op. cit., p. 12. aurCnt, "De quelques problèmes de surface dans la psychose et l'autist me", Quarto 2 1981). II. A constituição do sujeito A psicose caracteriza-se pela foraclus�o do Nome-do-Pai e pela fal- ta de inscrição da operação lógica de separação. Retomaremos a dialética própria entre alienação e separação na constituição subjetiva para indicar sua particularidade na psicose. 1. Necessidade, demanda e desejo A oposição entre estes três termos pertence a Lacan; Freud nunca falou de demanda. Esta trilogia foi modificada ao longo do ensino lacaniano: o termo necessidade cai, entrando em seu lugar o tema do gozo. Não obstante, encontramos o ponto de partida desta distinção em Freud. No "Projeto de psicología para neurólogos" (1895). Freud apre- senta um esquema em que domina a busca do prazer. A partir do choro do bebê por uma necessidade desconhecida para o observador, e dado seu desamparo inicial que lhe impede de realizar o movimento suscetível de eliminar essa vivência de desprazer, intervém uma ação específica exte- rior de um "outro primordial" que permite a constituição da primeira "vi- vência de satisfação", possibilitando o desaparecimento dessa necessida- de indeterminada. A partir daí, frente à emergência de um estímulo. a crian- ça espera o reaparecimento desse objeto primário de satisfação que lhe per- mitirá apaziguá-lo. Mas entre a satisfaç�o obtida e a almejada existe sem- pre uma diferença que se chama "desejo". Ante o desprazer, o aparelho psíquico põe em marcha o desejo. Assim, paradoxalmente, Freud indica em "A interpretação dos sonhos" que o princípio de desprazer põe em movimento o desejo. Junto com essa marca de gozo dada pelo objeto pri- mordialmente perdido preduz-se uma inscrição significante que traça o caminho da repetição. Lacan. em seu Seminário VII, "A ética da psicanálise".' chama este objcto de das Ding, a Coisa, que como tal instaura umvazio e desencadeia. a repetição da impossibilidade de reencontrar o mesmo. Na realidade. in- dica Lacan, o objeto está perdido por estrutura; isto é, o objeto está perdido desde sempre, o que permite acionar o próprio movimento da pulsão. Os termos necessidade, desejo e demanda, diferenciados por Lacan em "A direção da cura", permitem ordenar esta sequêneia. Ele deline de- manda como a "significaç�o da necessidade... que provém do Qutro na medida em que dele depende que a demanda seja prenchida" Pelo lato de ialar. docn lorna-sc um ser dc demanda A .. da necesSida inda. A lingua- Cm antccede o nascncnto da criaÇa. A0 nascer, c capturado na l. adc se mctaforiz gua gcm. distinguindo-se assm do animal. O rcino do instinto. daD de. pcimanece perdidopara o lalantc, pOIS a necessidadc demanda A demanda mctaloriza a nccessidade, sem recobrí-la ner Senta- í-la por Com- Frente ao grito da criança, a emergencia da necessidade aprese nui- pleto. O resto dessa operaç�o � o desejo,_ sc à mac como o Outro primordial que tem o poder discricionário de res ponder ou não. A necessidade da criança contronta-se com a descontinu dade significante da resposta da mae: e a estrutura da mensagem invertida lo a necessidade atravessa o códi- res- -a mensagem do Outro lhe é dirigida como vOce, mas a criança a recebe em sua forma invertida, como eu. Quando a necessidade atravessa o códi. go através do sentido outorgadó pela m�e transforma-se em demanda Este grito toca algo do real, pois não esta aprisionado pelo simbóli- co. O Outro introduz no grito a dimensão da significação, pois, como aponta E. Solano,' o Outro deve supor um sujeito do lado do grito, para supor que esse grito seja o sinal de um sujeito que pede. O S2 da resposta dá retroa- tivamente ao grito valor de um significante com indice 1 e torna-se o sig. nificante que Tepresenta o sujeito "suposto-pedir". A demanda como tal é uma articulação da cadeia significante. A necessidade fica presa na rede significante como sentido do Outro, tradu- zindo a incidência do simbólico sobre o real. Seu para além é o desejo comno metonímia formulado pela demanda: "O desejo produz-se no para além da demanda" Lacan distingue dois valores da demanda: articulação significantee demanda de amor. A ênfase na resposta do Outro indica que, antes de mais nada, a demanda é de presença ou de ausência do Outro, que desliza então para demanda de amor. "(o desejo)... também cava em seu aquém da de- manda" e o enlaça à "demanda incondicional da presença e da au_ência". A demanda de amor busca os signos de presença do Outro todo poderoso de forma incondicional. O outro primordial, representado eventualment pela mãe, ao responder a estademanda reconhece-o como faltante enquan cla mesma é confrontada à falta. Esta dialética não sutura a hiância, mas a = presentifica. O para além da demanda remete à metonímia do desejo em relaçaoa à articulaça0 Significante da demanda; seu aquem evoca a dependencd Outro primordial em sua demanda de amor. ao or outro lado, o que a criança demanda está do lado da necessiu Ou do ameHasdeseje-ststenta-se no Nome-do-Pai na medida ciu roduz uma hiância entre a mãe e o filho. que 2. Os três tempos do Édipo No Seminário V - "As fonnaç~ d . . . " ,, . ,, oes o inconsc iente"_ L' ct · trngue tres tempos logicos do Edipo qu 1 . _ acan is-,, e ogo cristalizam-se na f" 1 metafora paterna. 8 ~ ormu a da No primeiro tempo a c · ·d • • - ' nança I ent1f1ca-se com o objeto de dese. o da ~ae, o f~lo. A mãe, como ser falante, está submetida à lei simbóli/a por isso a cnança recebe a ação da lei através dela M 1 . , 1,, · ,, d • as a e1 neste tempo ogico e escontrolada, onipotente. A mãe responde ao orito da criança co~forme a sua própria vontade,o seu capricho. A crian;a confronta-se, assim_, com um Outro absoluto. que como tal é um Outro que também vei- cula hngu~gem . A mãe representa também o objeto primordial, das Ding, gozo perdido pela ação do simbólico. Por outro lado, a criança identifica-se com a imagem ideal que lhe oferece a mãe, e constitui seu eu - no que Lacan chamou de estádio do espelho - como primordialmente alienado. Trata-se de "ser ou não ser" o objeto de desejo da mãe. No segundo tempo, produz-se a inauguração da simbolização. Lacan explica-o através do jogo do carretel descrito por Freud em "Para além do princípio do prazer".9 A criança brinca de atirar o objeto para em seguida fazê-lo reaparecer, com a particularidade de pronunciar as palavras Fort- Da, que indicam sua ausência e presença. Repete ativamente através do jogo uma experiência que viveu passivamente: a partida de sua mãe. Podemos apontar aspectos distintos nesta observação: 10 I) O fato de pronunciar uma palavra para nomear a mãe indica que já está simbolizada. Não é apenas um objeto primordial, mas tornou-se um símbolo. 2) A simbolização introduz uma mediação da linguagem na relação mãe-filho. 3) Trata-se da oposição de dois fonemas, protótipo da entrada na estrutura da linguagem. 4) A observação de Freud termina com a criança brincando na frente do espelho e repetindo Fort-Da. Isto permite ver o encadeamento entre o imaginário e o simbó1ico. . . 5) Embora na primeira parte d_e se~ en~rno L_acan cons1?e~~ -esta 0 osição como O paradigma da simboltzaçao p~1mord1al, no Sem~na, LO~! p · · d' . e O obieLo lançado pela cnança representa ela mesma. termina por rn 1car qu J I " d Édipo introduz-se um terceiro elemento, para a em Neste tempo O • . . ,, 1 · d a· da lei materna, que intervém como uma palavra mterd1tan~~: e a c1 o p, ,~ que não intervém com sua prcsen<;a, mas com sua palavtd. O Nome-do 29 Pai indica à c.: r ianç;1 que o dc:-.cyi nwll'. fll<> t c 111 n.:: b1 ~ão corn a l<..:1 patc t na . /\ proi hi<rão de inces to funciona do lado da rnfü.: como a inl crdi ~é."'io de 1t.: 1ntt:. grar seu produ to. e do lâdo do fi lho separa-o de ~ua ic.lcnti ficação u Jt n 0 objeto de desejo materno. A mãe de ixa de ser um Outro abso lu to para ser um Outro barrado, 0 que indica a castração do Outro - "castração da mãe" , de acordo com 0 termo empregado por Freud e retomado por Lacan - , e inclui a cri ança em uma ordem simbólica. O pai intervém imagin ari amente para a criança, privando a mãe de seu objeto. No simbólico, a castração faz com que o falo como objeto ima-ginário do desejo materno apareça no im agi nário como falta , e no simbó- lico como si gnificante do desejo que pcnnite dar sentid o a todos os outros significantes bem corno também a ordenação das posições sexuad as. En- contramos aqui as du as vert entes do fa lo no ensino de Lacan: o fa lo metonímico (que sustenta a equação cri ança-falo) e o fal o rneta ffa ico. corno significante do desejo do Outro .11 O terceiro tempo corresponde ao declíni o do Édipo: G cri ança deixa de ser o falo da mãe para cai r na problemática de tê-lo . O pai real aparece como suporte das identi ficaçõcs do ideal do cu que pennitem a nomeação do desejo. O garoto encontra um se ntido para seu órgão, identificando-se com o pai como aquele que tem o falo: recebe a promessa fálica de que, como o pai , também receberá o fal o: a ele pode ter acesso desde que ace ite não o ser. A menin a confr onta-se com o Penisneid e negocia de vári as maneiras com a falt a em ter : através do pa- recer (mascarada), da maternidade, e do fazer-se amar corresponde nte à demanda de amor dirigida ao parceiro, 3. A metáfora paterna e suas variações Lacan introduz a fórmula da metáfora paterna na "Questão prelimi- nar.. .". É a metáfora que substitui o Nome-do-Pai no "lugar primeiramen- te simbolizado pela operação da ausência da mãe" .12 Ele a escreve da se-guinte maneira: Nome-do-Pai De..sejifâã mãe Dese~ãe Signi fi cado ao sujeito Nome-do-Paí (~ ) Falo A escri ta DM/x indica que não há uma relação direta entre a crian~a e O pai, mas que cs léí metaforizada pelo DM. que não é um desejo -- cu_1 a Cs1•r1·1a " L é "d" d 1 . A . " \ 1·1•~1Jnndc "' cm acan - ·, nomcan o um gozo s~m c1. cn :.111~- V• ao enigma do signifi cado do suj eito ;1t rnvés da inc idência do pai . A mãe não é um a fun c5o· 1· nt _ d . . . - " . • · 10 u1,ao s1mb ' I . , . çao da altcrnancia prcscnca-ausc"11 .. , 1 F o icn atrc1vcs da inseri - • • • • • > e ' Cla. u o ort-Da.U ON . , s1gmf1cante . O pai atua pelo seu 110 . d . orne-do-Pai e um · . . me, pro uz1ndo no lu d o e fe tto de s1 0111ficação fálica A . ,. . gar o utro um º . consequencia que se d t 1 . . entre o p a i re al e sua função simbólica é que o ,, ai'" é es aca e_~ di stinção se distingue da paternidade biológica: todo paté ado~: s1tn1 f1 cant/e que filho ao reconhecê-lo com ,, . . . o . . pai ac ota o _ d . 0 seu propno , a criança adota o pai ao aceitar a açao e sua lei. A metáf ~ra paterna indica que embora o que peça a criança esteja do lado da_ necessidad~ ou do amor, o desejo se sustenta pelo Nome-do-Pai. na me_dida em ~ue mtrodu~ um limite, uma bordq entre a mãe e a criança, reduzindo a açao fora da lei do Desejo Materno (DM). Esta operação, con- tudo~ tem um resto: toda metáfora paterna é falha - os sintomas dão pro- va disso-, de onde emerge o enigma do desejo do Outro. Lacan indica isso no Seminário XI da seguinte maneira: "Nos intervalos do discurso do Outro surge na experiência da criança algo que pode nelas ser detectado radicalmente - me disse isso, mas o que quer?" . 14 Os termos envolvidos nesta metáfora não são exclusivamente os da triangulação edípica - pai , mãe, filho. Há um quarto elemento, o falo, que se inscreve no Outro. Eric Laurent estabelece uma distinção entre as estruturas clínicas a partir da articulação da escrita DM/x: 15 trata-se das diferentes posições do sujeito - enquanto x, significado do sujeito - na relação com o desejo do Outro. As três significações possíveis que a criança adota em relação à mãe são: como sintoma (neurose), como falo da mãe (perversão) , ou como ob- jeto da fantasia materna (psico_se).. . . . Em contrapartida, Antomo D1 Ciaccia observa que a cnan~a, enquan- t bjeto correlativo à subjetividade da mãe, dá corpo a fantasias de acor- doo ºcom a estrutura: fantasia imaginada (neurose), realizada (perversão) e • ) 16 real (psicose . . . . , N rose a criança adquire valor de sintoma; o Nome-do-Pai ~n~-a neu , . . " • d . l. ·t gozomaterno.Lacanmd1caque ... osmto111a ac,wn: creve-se ao 1m1 ar o , 1 .. l r a partir do qual pode responder ao que ha { e .rni-ça encontra-se no uga i , fi ·1 · pode representar a verdade < o que e 0 "( na estrutura anu tar... . toma ,co ,,, . -" i1 O sintoma da criança não representa a verd,~dc d~ d1s-c•a l'al nafiam, 1ª · · · , · ·1 . -1 --1 > ,-t ·1 ., . . - .• 1 ;- com o p '11 · isto e me u1 d'~ - l " . d - . as apenas sua a1 t1cu açcto ' , ' . curso a mac, m - . . . ., ·t ·· n1 om a inscreve -se no n1vcl do f. - , No g. ra lo do desejo, cs e si . , . melá ora patc1 na. . _ 1 N , J o-P·li e da sivnificação lalt(a. . . - . ( un~ao t o orne- ' º , , s1gnit 1cado do O ut ro - cm 1 . 11 Ü Ltt ro '\ um O utro que padt:LL . . T .. 1tc Ja a a no ' ' . EsLá arti cul ado ao si g nt ic itr . 1• ·t· 1,c r·\c·ãl, que é o c111 gma . - I . • ' ISS I rn o res to<- cs ,\ 0 - • ~ . da caslrac·ão intro<lu1.1nt o-se' .. . ~>1 ) 1·1· () si nto rn :\ nu luga1 · ~ ' . . · . · • com se u p1 < · d o de sejo d o O utro . /\ cna n~a s1tu <1 -se d a fa lta de uni '.-. ignít'ica nl e nu O u1 ro . "1 1 É neccssürio distinguir a críw1ra ,·o fl to sí11toma do sin toma du. criun - ça. O primeiro caso d~í Cl~n l a do poder da palavra dos J~a~s sobre a cr iança; no se2:undo. encontramos a subjetividade da criança, suJCtlo cm tratamento. --O sintoma da criança tm·.na-sc sua "resposta" frc~tc ~~) d!scu_rso con- jugal. Lacancontrapõe o enfoque dos terapeutas de l·amil ia a 0 _ncnlação psicanalítica da inclusão do sujeito na estrutura. " O q~e deternuna a bio- grafia infantil, sua instância e seu motor não são ma,s do ~ue ~ maneira pela qual o pai e a mãe apresentaram o desejo, por conseguinte tsto incita a explorar não apenas a história, mas o modo de presen_ça em que c~da um destes três termos: saber, gozo e objeto causa de desejo foram efettva- 1nente oferecidos ao sujeito criança". 18 • . Esta indicação de Lacan opõe-se à teoria de Maud Mannom da cnança como sintoma da mãe. Em seu livro El nino, su "enfermedad y los otros (1963), o sintoma é definido a partir da estrutura da linguagem como uma palavra que deve ser liberada (seguindo as indicações de Lacan em "Fun- ção e campo da palavra e da linguagem ... " (1953). Mas a palavra verda- deira que aparece velada no sintoma está imbricada no discurso da mãe, desconhecendo-se por isso quem é o sujeito da consulta, e se perde de vis- ta a articulação pai-mãe. O discurso dos pais tem uma ação sobre o filho. Quanto menores mais claramente vislumbra-se o efeito de alienação no Outro de seu próprio dis- curso. Repetem o que ouvem, mas de maneira eletiva sempre há um sujei- to que trama de maneira particular sua história. Quando no decorrer do tra- tamento o verdadeiro lugar da enunciação dos pais é detectado, desapare- cem as frases que surgem parasitariamente na criança. Esse é o caso de um menino que acordava todo dia dizendo que "já não tinha mais vontade de viver", 19 palavras que pertenciam ao pai. Uma vez situado o contexto de onde essa frase é extraída e estabelecida a dialética associativa, a pantomi- ma depressiva do menino desapareceu. Essas "ilhazinhas" no discurso in- dicam o lugar em que se localiza o sintoma da criança. . _ Para além das boas intenções dos pais, sempre há um sujeito que se pos~c~ona frente ao que ouve. Um garoto que esteve em tratamento comi- go foi gerado para substituir um irmão mort0 .20 Estava muito angustiado co~ ~ mo~te de alg_u.ém qu_e nunca conheceu - esta inquietação era a da propna mae. Os pais lhe disseram que seu irmão estava muito próximo e que olhava sem pre para ele· d -. , E · . . . . s O ceu. sta frase, considerada em sua literalidade, era arnda pHw era insuporLa,.vcl e ~t d olh·ido A _ 1 . - -s ar sempre sen o , · consu ta dos pais e · ... d ··11 . . · >cone quan o algo que acontece com o ti 10 lhes angustia mas frcqücnler1·lc t • . • ,.. · o . ' . · n e encontramos certa dtscordancia entre que d1zcm os pais e a consulta da cr,··tnca U • _ d. ,i101 .. 1va . _ ' ~ . m menino que aten I c1 ' todas as no ites. A rnac conta nn com;u lt ·t 'I , ... • to' · J · t ) tie Aids, • '-- u .t s na o pai n1or t que fal eceu ocultando sua ve rdade·. d li a oença · o segred , para ela. O n1enino també m contas ' 0 e um peso terrível eu segredo· está a . colega da escola e não é correspond •d U · · e _ paixonado por uma 1 o. ma vez a]o1ad do saber materno , sua angústia desap A . . J' 0 esse segredo fora arece. . md1gnação f t do da morte permanece do lado da inã O . . ren e ao segre- . e. menino tem pai . toda . d. nge-se a ele em suas orações para lhe co f' . noite, I - . . n iar seus segredos. Na psic~se,_ a c~1ança ocupa o lugar de objeto na fantasia materna -. segundo a md1caçao de Lacan -; o Nome-do-Pai está foracluído e a cnança permanece 1dentJficada ao objeto de gozo da fantasia da mãe. No grafo, fica 1nscnto no lugar da fantasia $ ◊ a. Um exemplo disso é o caso apresentado por Estela Solano21 (Paris). Um menino psicótico de seis anos, em tratamento analítico, relata o seguinte sonho: "Sonhei com um objeto que me olhava, e tomei-me uma pedra, não podia mais falar nem mover-me. Sonhei que era um objeto no castelo das sombras. Mamãe dormiu e no sonho da mamãe eujá não era um menino, transformei-me em objeto e não estava mais ali. São pesadelos que tenho toda hora. Sonhei que wn objeto tinha uma voz, ou que tinha duas cabe- ças. Que pesadelo!" Neste sonho, visualiza-se como o menino consegue sonhar com a fantasia do Outro, seu "ser objeto" da mãe, lugar em que permanece petrificado e esvaziado de vida. Vejamos outro exemplo que me foi comunicado pessoalmente por Francesc Vilá (Barcelona). O garoto em questão tem doze-treze an_os no momento da consulta. Desencadeia sua psicose aos três anos no estilo ~e "dementia precocissima". Nesse momento, ele perde todas suas aqm- u_m~ 1 t. . não brinca mais não fala, torna-se enurético, masturba-s1çoes evo u 1vas. ' ,, . ,, • 1 . t Não pára de comer e beber ate vomitar; as umcas se compu s1vamen e.. ertencem a um cardápio de comida, bastante su- palavras que pronuncia p de ervas" Embora o tratamento analí- ·1 d f "cogumelos com creme . . ti ' o ipo . ,, d. de violência não podia parar de co-tico tenha moderado seus ep1so ws , mer. . mãe conta um sonho que teve repetidas Durante as entrevistas, .ª . ne hambúrguer, vá ao açou- ne quilos muita car , . . vezes: "Vá comprar car . ' . d, " Esta cena de comida sem lurn- daço mteiro e carne · . t gue e compr~ um pe Na se unda, aparece o próprio pru, mor o. tes é a primeira parte do sonho. f de ruim possa acontecer com ele; ·ct do do filho , mas ela teme que a go . . l em parar de comer: e cu1 an _ . ra um obJeto ora s _ . , N,, fantasia, essa mulhe1 mcorpo . . . frente a essa tancasia como a - 0 menino se situa . d na t·, ntas ,· a de devoraçao. . m;--te sonha angust ia a: ur uma a · . d ·ea l o que a ' . -- · . d b ·a que come, rea lt zan o no ' . . ·erem uma lista mt1111ta e uma oc , . . alavrns que pronuncia s O nenino como boca devorante. Dai as p . . , (lcvorar a si mesmo. r · d ·t1 (h '10 Sl; · · , J comida, que só pode_ s~ ~ ,~csc~ l~ rica um rea l não simboll zave . "condensador do gozo p · Na perv~rsão, a criança é identifi cada pela mãe com o falo, por isso a falta permanece obturada. A criança torna-se instrumento de gozo do Outro, não há metáfora, mas gozo ligado ao falo. Lacan afirma na "Ques- tão preliminar": "Todo problema das perversões consiste em conceber como a criança ... identifica-se com o objeto imaginário desse desejo enquanto a própria mãe o simboliza no falo".22 Existe, contudo, outra indicação de Lacan que aponta para esta questão: "O que foi para essa criança sua mãe, e essa voz com a qual o amor se identificava com os mandamentos do de- ver? Sabe-se bem que para querer extremamente uma criança há mais de um modo, e também entre as mães de homossexuais". 23 Jacques-Alain Miller - em seu comentário do artigo de Lacan "Ju- ventude de Gide ou a letra e o desejo" - examinou esta questão na figura das duas mães de André Gide. Ele indica a disjunção entre o amor e o gozo que se produz nas perversões como efeito da mortificação do desejo.24 A mãe de Gide, representante da mãe ideal que se ocupa com devoção do filho após a morte do marido e renuncia à sexualidade, provocou nele uma re- pulsa do desejo que fez com que buscasse uma saída pelo lado das práticas pedófilas. Neste sentido, Eric Laurent aponta que o que se deve captar não é tanto a relação da criança com o ideal materno, mas a maneira de que foi objeto para a mãe. 25 4. Alguns exemplos de neurose em meninas Adela Fryd (Buenos Aires) vem estudando as diferentes posições sexuadas na infância e sua forma particular de apresentação na neurose.26 Não se deve confundir estrutura e tipo clínico com posição sexuada. A primeira traduz a posição do sujeito frente à inscrição da falta, dentro da estrutura clínica existem formas particulares da relação com o Outro; a posição sexuada - masculina e feminina - concerne ao que Lacan cha- mou de "as estruturas lógicas de sexuação" e não dependem do sexo bio- lógico, mas do lugar em que se localiza o sujeito. Esta última questão não será tratada nesta oportunidade. Pegaremos três casos de meninas: Ofélia, menina obsessiva que atendi em Paris; Elena, a histérica tratada por Eric Laurent; e Sandy,a fobia in- fantil comentada por Lacan em seu Seminário IV. a) A neurose obsessiva: Ofélia A consulta de Ofélia, de nove anos, reconhece uma dupla fonte: por um lado, certos pensamentos que a torturam e a fazem sentir-se culpada, e~ por outro, a obesidade. Pelo menos é isso que contam seus pais . Ofélia, Pº' 34 sua vez, es tá inquieta sobretudo com as suas idéh . h , , , · , . _ · ' , s o sess1vas. de acordo com sua propn a expressao . Inexplicavelmente , Ofé li a pensa alou mas palavra · . - o , , s que se art icul am em uma frase, sem que na realidade concorde com el . EI . . · . " . , as. a as pensa e logo se sente obt 1gada a di ze-las Jª que não gosta de oculta ,, , . r seus pensamentos. Esta pa~avra e babaca, as~oc1ada ao pai e à mãe. Antes de ir dormir. quan- do a mae vem dar boa noite, não consegue evitar de pensar: "minha mã , bb "f e e uma .ª a~a , 2ªse que repete baixinho quatro a cinco vezes. Isto produz certa mqm~taçao, embora considere que essa não é a palavra adequada e p:efira venficar seu ~entido no dicionário. Isso quer dizer que a compul- sao permanece associada à dúvida. Em seguida, me conta o seguinte sonho: "Havia um grande aparta- mento, com três escadarias que levavam ao quarto e um tapete vermelho estendido sobre a escada. Os pais de um menino de cinco anos (antigo colega de turma) davam-lhe de presente alguma coisa de ouro, uma estátua ou uma corrente. Depois, faziam uma grande festa". Pouco a pouco, as obsessões se desenvolvem e ganham nova ainpli- tude. Uma nova compulsão substitui a palavra "babaca" e toma o seu lu- gar. Quando da leitura de uma estória de bruxas surgiu-lhe a necessidade de verificar todas as noites se havia uma bruxa no seu quarto. 'Para isso, tem de repetir a seguinte fórmula mágica duas ou três vezes antes de ir dormir: "Bruxa, bruxa, cuidado com o traseiro". Ao pronunciar essa frase, podia fazê-la aparecer e desaparecer continuamente. Porém, a relação com a mãe permanece intacta, e às vezes pergunta-lhe se a mãe não é uma bruxa. Descreve também outras com pulsões: tocar na lâmpada ( embora saiba que se queimará), verificar antes de sair se a lâmpada está apagada. No seu entender, comporta-se como o "tio Patinhas" dos quadrinhos, que tem um cofre de ouro e é avarento. Ela é avarenta com o dinheiro e a luz. Através desta associação, Ofélia dá um sentido a um sonho em que um menino recebe um objeto de ouro. Introduz este objeto valioso na 1ne- tonímia fálica que inclui a si mesma identificada com o garoto. Para ela é claro que as bruxas não existem, mas ... , de repente, às vezes exi stem. Acredita ni sso em termos. Em princípio não é verdade, mas, de repente , existe no mundo um a gruta onde vivem bruxas e va.~piros , ~ ~1111 dia irão vi sitar casa por casa, quanJo algumas pessoas morremo. A duv1da instala-se , então, como a rn'> rr ia es trutura de seu pensamento. . _ Os vampiros são incluídos a partir de ~1m pro~rama ~e te lev~sao. e, desde então , pe rmanece m assoc iados a u111 n to particul ar:· I oda no ite, ~~n- . · • • · · lLa .. s l•1n1·s"1· ns JUnlo com a lor-tes de dorm ir, de ve fa1,cr utll a c1u1. com <. " , ,, -~ · · , mul a mágica, para ter c1:rt e1.H J c q1H.: não vi rão. Outros rit(1s anllnponham as prcl1tninarcs para ir dormir. Deve dei - tar-se do bdo da patcdc para cPt11'undir-sc com a sombra, caso cheg11crn . Doml(.' cr,m a lu , acesa para protcgcr-~c . Não e.l e ve dormir de lado, porque ~~ a bru>.,~ vier pode achar que ela é hem gorda e ficar com vontade ~e com~- la. Deve verificar v~írias ve1.cs se o armário cm que guard a O ursmho e\tá aberto para que não fa lte nem luz nem ar. . Ela conta um pesadelo: "Tinha banas de chocolate e sonhei 4ue to- dos as queriam .. . Os chocolates do sonho são os que a mãe comprou e do~ quais ela gosta muito. Esta idéia de que os outros querem o que ela tem expressa-se tam- bém por seu medo de ladrões, tanto na rua quanto no momento em que tem de entrar no quarto. Ao mesmo tempo, sente medo de ser sequestrada por bandidos que pediriam um resgate em dinheiro. Vemos como se desenha com precisão sua identificação do eu com o objeto de desejo da mãe, à qual se acrescenta a série metonímica de ob- jetos: dinheiro, um objeto cedível (que ela tem ou não quer dar) , ouro, um menino, ela mesma. Por outro lado, a impossibilidade se situa nos entraves que lhe impedem de se desvencilhar destas idéias. Tampouco falta a clássica mortificação do Outro. Freqüentemente diz à mãe que tem medo de que ela morra. Uma idéia qualificada por ela como boba aparece-lhe em certos momentos. Ela se pergunta se , por aca- so, à noite a mãe não se transfonna em um esqueleto vivo enquanto donne. Esta descrição típica de uma neurose obsessiva tem uma história. Durante a gravidez, a mãe de Ofélia fica sabendo que o marido a trai. Dois anos depois do nascimento, por iniciativa do marido, eles se separam. Ela cai em profunda depressão, tendo dificuldades para recuperar-se. Quando recomeça a sair com outros homens, repete a necessidade de que exista uma outra mulher - o que torna impossível um vínculo duradouro. Mantém, assim, seu l~ço exclusivo com Ofélia~ chega mesmo a se perguntar se não é uma maneira de sustentar a relação com a filha. Ofélia :em m_uit~ ciúme da mãe . Pede-lhe que conte com quem sai, e' 10~1~tc que nao ~cenara que ela viva com outro homem sob a ameaça de' ii murar com o pa1. A L-On~11tuwão de!) la neuro'"·e oh ·e · · · (' · · - l ·t · ,. ., s ss1va emmma es ta ancnc\t a nc'~ t la<,,<J tntrt mãe t f1 ll1a, no 4ual Ofélia 11rotev .-, 11,Jc ) , · l · t· 1 ) r·· \1 11.· \ . , e-,~ " sua l t ~nu 1l'a,:~il . · · ocupa o JugaJ dCJ liu111tm Junto a tn ík /JJ A JuHe11u . L~lnw J:.kllê.1 é u111<1 1w=o1n,1 th· qual1 <1 :mu '> l •I,, 1.' lt d/ Hla p ~i r. t •1 1.' lll\-.ulc .. , pcl u .. Jll i,;d, ) dt. c a11 ,k UHI haoqu111 hu l '. pu1 1,,•" ;hk ln" d,)-; ljll dh th \l \ pdtk 3<> falar ... s~u medo de ca ir aprcscnta-s1; como uma abasia de tipo hi stérico" , di z Vicente Pa lomcrn cm seu cumcntürio Jo Ct1So .27 Eric Laurcnt ass inala duas interpretações diferentes : u Ja mãe e a da frlha . A mãe pensa que a inquietação está li gada a um aborto espontâneo (na realidade , ela se ator- menta com este fato) . Elcna rap idamente põe a J escobcrto o enlace de seu sintoma com a morte da avó - de quem tem o mesmo nome . O faleci - mento ocorreu seis meses antes, e ela morreu ao cair de um banquinho" . Esta construção de um sintoma, com um traço emprestado de maneira muito precisa, da avó, parece-me situar a menina mais do lado da histeria do que da fobia". 28 O relato do caso situa três fases do tratamento. Na primeira, a meni- na vem às sessões com um urso de pelúcia com o qual identifica a irmã caçula. Através de sua queixa da irmã acaba por contar um pesadelo: "Os ladrões entram em sua casa e jogam os objetos pela janela", e acrescenta, mas não a minha irmã. Laurent aproveita para separá-la do urso, dizendo- lhe que os ladrões não iam roubá-lo e que por isso podia deixá-lo em casa. Na segunda fase, a formação simbólica da negação introduz uma nova sequência: interpreta a angústia da mãe, ofertando-lhe um desenho de um menino morto em uma caixa. Aparece, então, um desdobramento imagi- nário em torno de sua posição, da de sua irmã, da do menino morto entre as duas, e sua articulação com o desejo da mãe, que conclui com a pergunta de onde vêm as crianças. Isto se desloca em seguida para a problemática fálica e a diferença dos sexos. Na terceira fase, aparece o rnedo de que queiram roubá-la. Mas o medo também se desloca: dos ladrões para o pai . A análise se detém no ponto em que a menina anuncia preferir ir ao aniversário de um menino de quem gosta do que à sessão de/análise. Aqui começa a situar-se em relação aos homens em geral. "O fato de que tivesse seis anos não muda nada. Encontra-se com algo dos meninos - identificados como ladrões - e há neles algo com o qual se confronta,
Compartilhar