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DE QUE SOFREM AS CRIANÇAS

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Prévia do material em texto

Copyright 1996 Silvia Tendlar 
Traduçao: 
Betch Clcinman 
Revisão: 
Elisabeth da Rocha Miranda 
Editoração eletrônica: 
Jorge Viveiros de Castro 
Capa: 
Felipe Sussekind 
Tlustração de capa: 
João Pedro Menescal 
Produção gráfica: 
Flavio Estrella 
1997 
Livraa Sette Letras Ltda. 
Rua Maria Angélica 171, loja 102 
Jardim Botanico-Rio de Janeiro RJ 
CEP 22470 200 Tel./Fax (02) 537-2414 
Sumáriop 
Introdução. *'** '****'***********'*'** 
****** **** 
I. LaCAN E A PSICOSE NA INFÄNCIA ... 13 '********' 
1. A clínica psiquiátrica da criança... 
2. O "autismo infantil" de Kanner 
3. Autismos?. 
4. Autismo e psicose .. 
5. Os fenômenos psicóticos na infância . 
6. Corpoe espaço nas crianças autistas. 
*** .. 13 ******************* 
14 *************** ** . 
15 ** 
17 
*******. 19 
22 **** 
II. A coNSTITUIÇÃO DO SUJEITO .27 
1. Necessidade, demanda e desejo. 
2. Os três tempos do Edipo .. 
3. A metáfora paterna e suas variações 
4. Alguns exemplos de neurose em meninas 
a) A neurose obsessiva: Ofélia... 
b) A histeria: Elena.... 
c) A fobia: Sandy . 
5. Alienação e separação 
6. Clínica das contingências do "Pode ele me perder?" 
7. Excursus. A anorexia mental. 
27 
29 
.30 
.34 
34 
36 
37 ***** 
. 39 
41 *°*°* 
45 
III. ALGUMAS INDICAÇÕES DE LACAN ... 51 . 
I. Os anos 50.. ************************. ... 52 *** 
1) O caso Dick de Melanie Klein... 
2) O caso Roberto de Rosine Lefort.. 
3) Lang e a psicose na criança.. 
II. Os anos 60 ... ********°*****'*° **°°°°°° *** **. 
. 2 
54 
* 
. 
56 
56 
1) A criança como objeto real. 
2) A holófrase.. 
3) A debilidade mental . 
4) A criança como condensador de gozo 
e objeto da fantasia materna... 
III. Os anos 70.. 
.. 57 *°°°***°. 
* 58 
. 60 ********° 
62 '*''' **** 
. 65 
)O lugar da criança no discurso parental 
2) Alguns exemplos 
65 
67 * *** '*' *****'**'**** *''*** ***' . 
7 
IVTRATAMENTOs. 
I Margaret Mahler: o caso Stanlecy (1951).... 
. Jovce McDougalle Serge Lcbovici: 
Diálogo com Samny (1960). 
3. Bruno Bettelheim: Joey, o menino-máquina" (1967)... 4. Françoise Dolto: o caso Dominique (1971)... 5. Frances Tustin: a carapaça autista (1972).. 6. Donald Meltzer: a bidimensionalidade (1975) .. 7. O método educativo (1982) 
....| 
. 
14 . 
18 .. 
82 
84 
87 
89 
.. 
V. UMA PERSPECTIVA LACANIANA DE TRATAMENTO .... 
.93 1.0 autismo precoce" trinta anos depois... 2. A direção da cura... 
3. O trabalho institucional com crianças psicóticas ... 4. Carla, uma menina autista.. . 5. A análise infantil de uma psicose desencadeada na adolescência.. 
6. O destino da cura.. 
.93 
95 
99 
.. 102 
.. 106 
108 
Reflexões finais 
115 
119 
Bibliografia... 
Introdução 
O sofrimento não é uma experiência estranha às crianças, embora 
muitas vezes devam permanecer a sós com ele. As três fontes de sofrimen-
to que Sigmund Freud indica em "O mal-estar na civilização"- o pró-
prio corpo, a relação com os outros, o mundo exterior não dependem da 
idade. Afinal, o conceito de "eriança" é relativamente recente (séculos XVI-
XVII), solidário da preocupação educativa que modifica o lugar delas no 
discurso,2 não dependendo de uma cronologia evolutiva. Devemos encon-
trar a maneira de nos aproximarmos de sua intimidade. 
Os sintomas neuróticos, os estados de angústia difusos, os distúrbios 
de comportamento, as inibições e dificuldades na aquisição da linguagem, 
apontam que algo está ocorrendo, embora muitas vezes as crianças não 
possam endereçar um pedido de ajuda. Quando tem a oportunidade de uma 
entrevista analítica, rapidamente a criança mostra os motivos de um sofri-
mento como qual o tratamento analítico permite operar. 
Falar de sofrimento não nos impede de nos interessarmos pelos ele-
mentos particulares das estruturas subjetivas. Tentaremos examinar a psico-
se nas crianças sem por isso deixar de lado o estudo da neurose na infância. 
Existe uma especificidade da psicose nas crianças? Jacques Lacan 
aponta uma confusão que reinou durante décadas e que levava tanto 
à re-
cusa do termo de psicose para crianças quanto à indicação de sua natureza 
exclusivamente orgânica. E, ao mesmo tempo, ele não deixa de assinalar: 
"Se no caso da criança falamos legitimamente de psicose é porque como 
analistas podemos dar um pasSo a mais que os outros na concepção da 
psicose".3 
No Seminário ll Lacan estabelece o mecanismo da foraclus�o do 
Nome-do-Pai' próprio da psicose, que determina a "ordem" particular da 
estrutura psicótica. Esta estrutura é a mesma na infância e na idade adulta, 
embora varie sua forma de apresentação. 
Diferentemente da neurose infantil, a psicose infantil não existe como 
conceito. Este termo jamais foi utilizado por Lacan: a estrutura é atemporal. 
A psicose na criança traduz a mesma estrutura da psicose no adulto. E por 
Isto que não há em Lacan uma teoria específica da psicose infantil, mas a 
da psicose em geral. A questão se desloca para o infantil no momento de 
seu desencadeamento. 
Na infancia, muitas vezCs Csbaramos na dificuldeael 
le encontrar o momento de deseneadeamenlo, ou porque pemancce (oDar lFar , Co ou porque como no caso das crianças autistas s precxe 
localizá lo, cm outra 
mutas vezes esta ausente 
AS vezes, as entreVistas com os pais permitem localizá l 
possivel estabelecé-lo a partir do próprio discurso do paciente. ras é Nádia é uma menina de seis anos que vem consultar-se porus ta uma vozinha que Ihe diz que a protessora é um demônio ando a 
vez 
analista Ihe pergunta quando começou a ouvir as vozes pela primei 
arto, c 
a menina conta que, uma vez, o pai a pos de castigo, trancada no aart aí surgiram as vozes dizendo que o pai era malvado. Neste caso podemos observaro momento de desencadeamento da psicose a partir do discurs da paciente. A conjuntura dramáica de que fala Lacan aparece aqui com precisão: a incidência do pai na oposição simbólica ante o laço imaginário dual, que mantém a menina com a m�e, não encontra a inscrição do Nome. do-Pai em seu psiquismo. O castigo não se coloca como funç�o simbólica e os pensamentos de raiva tornam-se xenopáticos (parasitários). Não é ela que pensa que o pai é malvado por deixá-la trancada: são as vozes que di. zem isso. No furo produzido no simbólico aparecem as vozes alucinatórias. As dificuldades para operar com o lugar vazio deixado pela falha simbólica empurram para um trabalho próprio da psicose tanto na infância quanto na idade adulta. Um menino esquizofrênico de nove anos, por exem-plo, tem certeza de que o pai, ao mexer a cabeça, desestabiliza a camada de ozônio; erige-se ele mesmo como garante da ordem do universo ao indicar que pode controlar esse desajuste através de uma televis�o que está em sua cabeça." Este é o núcleo delirante a partir do qual procura -sem conse-guir-construir uma metáfora delirante que o estabilize. Outro menino, analisado por Alicia Hartmann, começa a construir seu delírio de perse guição aos cinco anos (sem chegar a sistematizá-lo): os caminhões de lixo podem comê-lo.3 
Eric Laurent conta o caso de um garoto de onze anos com deliri0 parafrênico." Antes da entrevista com Laurent, o menino tinha ficado tres anos em análise sem dar um som. Ao interromper o tratamento, disse a mae que poderia começar a falar: até aquele momento as vozes o tinham pro Dido. Encontra ainda certa estabilização delirante ao proclamar-se "Filno natural, porque com essa nomeação consegue ordenar os fenome mentares que o perseguiam desde os cinco anos. 
dade, marcada pela passagem para a puberdade. Ao nesmo tempo, 
A Deurose infantilé parte de uma temporalidade bifásica da se xun 
fun ChOna de lal modo que faz com que toda neurose seja infantil. A nlantil é para o adulto aquilo que resta da infância. " O infantil constu a 
matriz da estrutura do sujeilo: OS clementos da estrutura não variam reformulam-se e se precpilam n mag1nario de acordo com os mitos fa-miliares. Por outro lado, na criança se apresenta um conjunto de fenómc 
nos que permite construí-la. 
Erie Laurentobserva: "A infäincia é o periodo de uma eleiçan do desejo, nmas deina em suspenso, no melhor dos casos, uma eleição da fan-tasia, ou melhor, de seu uso" O desejo deve ser verificado pelo trata-
mento do gozo que irrompe com a passagem para a puberdade e as possi bilidades reais de procriação. 
Michel Silvestre" indica que a pergunta que a criança se faz e "o que deseja a minha m�e?", dado seu lugar na relação com o desejo materno. 
Ela logo se transforma e se converte em "o que quer uma mulher?", pelo 
fato de o sujeito se confrontar com a falta de um significante no Outro que 
possa responder. Eric Laurent acrescenta-em outro artigo-que a res-
posta se encontra ao nível da fantasia. Trata-se de um "desenvolvimento 
do sujeito na estrutura", enquanto os diversos objetos (oral, anal, olhar, voz 
e nada) não têm a mesma incidência de acordo com a idade da criança. A 
separação da criança do objeto de gozo da m�e permite a constituiç�o de 
uma "posição de gozo", uma "construção fantasiosa" que responda a esse 
enigma. 
Quanto à psicose, embora a foraclusão do Nome-do-Pai seja trans-
fenomenal, o fenômeno psicótico permite captar a estrutura. E isso inclui a 
fenomenologia da psicose nas crianças. Sem dúvida, as construções deli-
rantes das crianças também deixam pendentes a confrontação com o Ou-
tro sexo e sua incidência na estabilização que consigam alcançar. 
François Leguil analisa um menino paranóico de sete anos que con 
segue, a partir do tratamento, uma modificação de sua posiç�o em relação 
ao saber que o sustenta. Acrescenta, entretanto, ao final do seu artigo: "A 
idade lhe permite deixar disperso o que, sem dúvida, sistematizado se tor-
naria mais terrivel. Atualmente é uma 'cura'. A adolescência, o confronto 
com as experiências do sexo e da vida, ameaçanm seriamente questioná-la"4 
Não se trata de uma retroaçã0 de sentido, mas de novas conjunturas 
possíveis de desencadeamento da psicose. Por outro lado, é legítimo 
interrogarmo-nos sobre as caracteristicas que apresentam as crianças com 
psicoses não desencadeadas na infancia e que eclodem na adolescência. 
Otrabalho é o resultado dos cursos *A psicose infantil" e "Uma crian-
ça psicótica pode ser curada?", ministrados em 1994 e 1995 na Escuela de Orientación Lacaniana (Buenos Aires). 
A pmera parte do livro cxamina as tormas de aprescntação da psi-
Ne nas CTAnças e em particular o binômi0 psicosc-autismo. Na segunda. 
studamos a temporalidade lógica da constituição do sujeito, a ação da 
metator paterna e suas conseqüencias clinieas. Em scguida, recorrerenos 
Vastido do ensino de Lacan, às indicações relativas ao nosso tema. Dei 
mos enpressanmente de lado o estudo detalhado da teoria lacaniana da 
psicose. A quarta parte estuda os trabalhos psicanaliticos que propuseram 
uma teorae umadireção de cura para as crianças psicóticas; cada uma delas 
e estudada a partir de históricos clínicos. A questão da direção da cura a 
partir da orientação lacanianaé a última parte. 
Este livro tem como eixo teórico o ensino de Jacques Lacan. Para 
tanto, os cursos de Jacques-Alain Miller foram essenciais; gostaria então 
de expressar-lhe todo meu respeito e reconhecimento. Nossa revisão dos 
tratamentos propostos para o autismo infantil, bem como das teorias que 
tentam dar conta do tema, se limitará quase que exclusivamente à orienta-
ção lacaniana. Em cada caso justificaremos o interesse especial de outras 
abordagens do que estamos tratando. Também permaneço muito próxima 
do que Eric Laurent vem transmitindo ao longo dos últimos anos sobre a 
psicose e a psicanálise com crianças: gostaria de manifestar-Ihe meu agrade-
cimento. Agradeço ainda Afredo Grieco y Bavio, Noemí Castro Pueyrredón, 
Alicia Hartmann, Monica Códega, por seus comentários e estímulos; e, em 
particular, meu amigo Antonio Quinet, que tornou possível a publicação 
brasileira desse trabalho. 
Buenos Aires, março de 1996. 
Notas 
S.Freud. "El malestar en la cultura" (1930), Obras Completas. t. XXI. Buenos Aires:Amorrortu. 1976. 
P. Ariès, L'enfant et la vie familiale sous l'Ancien Régime. Paris: Seuil, 1973. 
J. Lacan, El Seminario, Libro l1: "El yo en la teoria de Freud y en la técnica psicoanalítica" (1954-55). Buenos Aires: Paidós, 1983. p. 160. 
A foraclusão é o conceito lacaniano que nomeia a exclusão do conjunto de signi-ficantes que constitui o Outro. Na psicose recai sobre o Nome-do-Pai: significante 
que funciona como ponto de basta e produz retroativamente a significação fálica (matriz das significações). Para o estudo da teoria lacaniana da psicose ver J. Lacan, 
El Seminario, Libro lII, "Las psicosis" (1955-56). Buenos Aires: Paidós, 1984; "De 
una cuestión preliminar a todo tratamiento posible de la psicosis" (1958), Escritos 
(1966). Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 1988; e o Seminario XXIII, "Le Sinthome" 
(1975-76), Ornicar? 6-10 (1976). Uma introdução geral à teoria lacaniana pode 
ser encontrada em D. Leader, Lacan para principiantes. Buenos Aires: Nueva Era, 
1996. 
$A psicose não é uma continuidade que se desenvolve progressivamente até eclodir; 
a eclosão é um momento em que se produz uma ruptura no fluir da vida, desenca-
deando a psicose. Lacan falou do momento fecundo da enfermidade para referir-se 
a eles. 
Caso apresentado por Alicia Diaz no curso "Uma ciança psicótica pode ser cura-
da?" dado por mim na E. O. L. (1995). 
Caso apresentado por Daniel Campos no curso "Uma criança psicótica pode ser 
curada?". 
A. Hartmann, "Um menino kleiniano: 'O caminhão de lixo pode me comer" 
(1995), inédito. 
E. Laurent, "La psychose chez l'enfant dans l'enseignement de Jacques Lacan" 
(1982). Quarto 9 (1983). 
1o Cf. G. Morel, "Sur le concept de névrose infantile", Quarto 39 (1990). 
E. Laurent, "El objeto en el psicoanálisis con niños", El analiticón 3 (1987). p. 
100 
1M. Silvestre, "La neurosis infantil según Freud", Man�na el psicoanálisis. Buenos 
Aires: Manantial, p. 157 
E. Laurent, "Hay un final de análisis para los ninös", Uno por uno 39 (1994), p. 
37 
F. Léguil, "Cura de un niño paranoico?", Niños en psicoanálisis. Buenos Aires: 
Manantial, 1989. 
I. Lacanea psicose na infância 
1. A clinica psiquiátrica da criança 
Diferentemente da do adulto, a clínica psiquiárica infantil se desen-
volveu a partir da influência da psicanálise. Paul Bercherie' distingue três 
grandes períodos na clínica psiquiátrica da criança. 
Oprimeiro periodo cobre os três primeiros quartos do século XIX e 
se dedica exclusivamente à discussão da noção de debilidade considerado 
o único distúrbio mental infantil. Esquirol criou esta noção em 1820 com 
o nome de idiotia, definindo-a como um estado em que as faculdades inte-
lectuais nunca se manifestam. Ele distingue a loucura propriamente dita 
do adulto e uma doença congênita ou adquirida precocemente na infância 
(a idiotia). 
Neste ponto, a discussão psiquiátrica gira em torno do grau de ire-
versibilidade do atraso mental. Para Pinel e Esquirol, o deficit é global e 
definitivo. Por outro lado, para Séguin e Dealsiauve, os educadores de idi-
otas, o deficit é parcial, o que permite a utilização de métodos educativos 
especializados. O ponto de partida foram as tentativas de Itard com Victor, 
menino que ficou conhecido em sua época como o "selvagem de Aveyron". 
Este menino viveu em um total isolamento até sua captura em 1799, e ape-
sar do prognóstico negativo, Itard obteve alguns resultados utilizando 
métodos educativos para surdos-mudos. Os efeitos dessa iniciativa foram: 
a criação de uma educação especial na França por Séguin; Maria Montessori 
criou uma nova pedagogia; e Binet e Simon inventaram o conhecido teste 
para seleção e orientação de crianças retardadas. 
O segundo período começa no final dos anos 1880. Com a publica-
ção da primeira geração de tratados de psiquiatria infantil se constitui uma 
clínica psiquiátrica da criança calcada na do adulto, n�ão se tornando um 
campo autônomo de investigação. Paul Moreau de Tours, por exemplo, 
escreveu"De la folie chez les enfants" (1888), em que afirmava q 
cura apresenta na criança as mesmas características que no adulto. 
Saute de Sanctis introduziu em 1906 o quadro de dementia preco-
cissima e o distinguiu da dem�ncia precoce do adulto. O próprio Lacan 
utilizou csta nomenclatura em um caso apresentado na Société Médico-
psychologique com Claude e Heuyer em 1933. Na resenha descrevem o 
caso de um garoto de oito anos e meio com um estado de indiferença em 
relação ao mundo em torno de si, mutismo e inexpressividade. O começo 
13 
nico foi delirante, com Ideias niPoconariacas, insónia, interDretac 
crises emotivas histeriformes". Embora eles se interrogucm sobre un 
possivel etiopatogenia orgånica, como causalidade psicológica, assinalam 
os distúrbios familiares. 
Oterceiro período começa nos anos 30 e funda a clínica psiquiátrica 
da criança que se desenvolve atualmente, caracterizado pela influência 
dominante da psicanálise. 
Bercherie observa que a noçao moderna de psicose infantil provém 
da introdução de Bleuler do diagnóstico de esquizofrenia (1911), que subs. 
titui o de demência precoce kraepeliniano. O caso Hans publicado por Freiud 
inaugura o tratamento psicanalitico das crianças. Os trabalhos analíticos 
Dermitirão matizar e teorizar a abordagem clínica das crianças psicóticas. 
2. 0 autismo infantil" de Kanner 
Em 1943, Leo Kanner introduziu o termo "autismo infantil preco-
ce para nomear os casos de retraimento em crianças menores de um ano. 
Parte do estudo de um grupo de onze meninos e de sua história em um 
período que vai de 1938 a 1943. Apesar de parecido com a esquizofrenia 
infantil, este quadrose.distingue por sua existência desde o nascimento. O 
aspecto inato que postula não é orgânico, mas constitui um deficit intelec-
tual que não se confunde com a debilidade mental; ao contrário: elas têm 
uma "expressão facial assombrosamente inteligente". E acrescenta na cau-
salidade a relação particular com os pais (pais obcecados por detalhes, mas 
pouco afetivos). 
Caracterizam-se por sua impossibilidade em estabelecer conexões 
ordinárias com pessoas e situações desde o começo da vida, e por sua "ten-
dência à solidão autista, distanciando os elementos exteriores que se apro 
Ximam da criança". Agem como.se.as pessoas.em volta simplesmente nao 
existissemn 
Kanner considera que, desde o início, o exterior é vivido por essas 
CTianças como uma ameaça n�o localizável, tornando-se o próprio estatuto 
do exterior. Isto faz com que toda ação do outro seja vivida como int 
(inclusive a alimentação, os cuidados corporais, a simples presença). Ea 
Cxpressão-utilizada por Kanner pode ser explicada a-partir de uma p 
Caniana; sem uma ordem simbólica, os cuidados não são viviu 
idos 
Como tal, transformando-se cm uma intrusao. 
ers-
Neste quadro, o deficit se mpõe fenomenologicamente 
os 
aulistas 
na 1alam, ou então balbuciam um solilóquio ininteligiv 
pulam 
sua sua oDjetos de forma estereotipada e rejeitam qualquer in 
missão 
adeira 
, náo entram em contato com o mund0 aSu" 
14 
zem apenas para cumprir o impulso de sua "vontade". As coordenadas 
espaço-tenmporais estao alleradas: batem-se, não têm noção de perigo. agem 
como se não livessem corpo. Qualquer mudança introduzida cm sua roti 
na. na disposição dos móvcis, nas normas, na ordem que rege sua ativida 
de cotidiana, os leva ao desespero. 
Apesar dessa descrição deficitária, também apresentam fenômenos 
"positivos que expressam uma maneira particular de "ser-no-mundo". Por 
exemplo, a prodigiosa memória que os autistas conservam de séries de 
objetos, poemas ou orações. Com ela suprem a incapacidade de utilizar a 
linguagem com outras funções 
3. Autismos? 
Desde a criação do "autismo" por Bleulers em 1911 (para nomear o 
retraimento no próprio mundo imaginário da esquizofrenia)-- criado a 
partir do modelo freudiano de "auto-erotismo", mas sem o sexualo 
termo adquiriu sentidos diversos, conforme a utilização, para nomear uma 
patologia precoce ou um estado secundário ao desencadeamento da doen-
ça. A diferença emerge dos resultados terapêuticos. Considera-se que, em 
geral, os tratamentos que produzem uma saída da reclusão autista ocorrem 
na psicose cujo "*autismo" nomeava mais sua desconexão com o mundo 
externo, por isso se trataria de um autismo 
secundário. 
As vezes, associa-se o autismo a diferentes afecções orgânicas: a 
esclerose tuberculínica de Bourneille, a rubéola congênita, a síndrome do 
x-frágil, encefalias, entre outras. Através de perspectivas distintas (estu-
dos orgânicos, neurofisiológicos, neurobioquímicos, anatômicos e genéti-
cos) estabeleceram-se resultados positivos, tendo 
sido por isso indicada a 
origem orgânica desta síndrome. Mas, de acordo com o tipo de definição 
de autismo que se utiliza variam os resultados da pesquisa de uma etiologia 
orgânica. 
O DSM III (1981) abandonou a noção de psicose na infância devido 
à raridade da cvolução das patologias precoces da infância até as formas 
de psicose adultas. Criam em seu lugar o termo de "Persuasive Developmental 
Disorders" (Distúrbios generalizados do desenvolvimento) para nomear os 
desvios do desenvolvimento de numerosas funções psicológicas tundamen-
lais implicadas na aquisição de aptidões sociais e linguísticas. A partir de 
então, predominam o critério adaptativo e o entoque terapëutico educa-
CIonal 
Em 1987, este esquema é revisitado e são propostos dois tupos de 
TGD: o distúrbio autista (de acordo com a descrição de Leo Kanner) e o 
TGD nao cspecifico que utiliza o disturbiO comportamental como ca de diagnostico. 
O DSMIV estabelece cinco itens para o TGD: distúrbio autista.dis. turbio de Rett. distúrbio desintegrativ0 infant1il, distúrbio de Asperger e disturbio generalizado do desenvolvimento não específico. 
O distúrbio autista é explicado a partir da descrição de Leo Kanner Ele é diferenciado do distúrbio de Rett pelo perfil de seu deficit e pela sua porção sexual característica. Est� último distúrbio só se manifesta em mulheres, e seu padrão característico é o desaceleramento do crescimento do crânio, perda de habilidades manuais intencionais previamente adqui-ridas e o aparecimento de um andar e de movimentos do tronco pobremen-te coordenados. O distúrbio desintegrativo infantil distingue-se do autismo infantil pelo seu momento inicial: aparece logo aos dois anos de desenvol-vimento normal. Este distúrbio também foi denominado "síndrome de Heller", "dementia infantilis" ou "psicose desintegrativa". O distúrbio de Asperger não apresenta um atraso do desenvolvimento da linguagem como no autismo. O DSM IV o distingue da esquizofrenia, embora sua descri-
ção seja similar. Todos os casos restantes que não constam destas descri 
ções estão reunidos no distúrbio generalizado do desenvolvimento não 
especificado. 
Nestas classificações o imbricamento do autismo psicótico e as per 
turbações autísticas comportamentais vão no sentido de apagar a especifi-cidade da estrutura psicótica, para homogeneizar o tratamento na busca de 
comportamentos adaptativos e eficazes para o desempenho social. Neste 
trabalho trataremos exclusivamente do autismo psicogênico e não do sub-
seqüente produzido por uma doença orgânica. Deixaremos de lado a con-
cepção que tenta generalizar a organicidade para todo distúrbio autista, visto 
quc a organogênese n�o coincide com a nossa perspectiva. O autismo pode 
ter uma base orgânica. De fato, em inúmeras oportunidades a talta de u 
estudo exaustivo impede que se leve a cabo um diagnóstico adequado. Isso. 
Contudo, náo justifica sua generalização. Levando em conta essas excey 
desembocaremos no autismo produzido por um distúrbio psíquico. pel 
1alha simbólica que produz a inclusão do sujeito na estrutura psicotuca 
OCs. 
Sem duvida, um trabalho analitico é possível tanto com criangas 
padecem da síndrome de Down quanto com aquelas que aprese 
quer outro upo de distúrbio orgânico. Mas nestes casOS O rata 
-Se COn o linite realda organicidade. Alicia Hartniann ap 
dtaihento analíticode Bárbara, uma nenina com distúrbuos neu 
c estuda como operar comn os limites corporais. 
apresentam qual-
4. Autismo e psicose 
Certo debate ocupa o meio analítico de oricntação lacaniana 
autismo é uma forma de psicose ou deve ser diferenciado'? E un "estado 
ou pertence a uma cstrutura clinica? 
Rosine e Robert Lcfort distingucm o autismo da psicose: dado o fra 
casso maciço da metálora paterna no autis1no não há Outro nen obJeto a 
o que equivale a dizer quc não há inscrição da falla. A criança nutsta 
encontra-se em relação a um Outro maciço e total, ficando por isso um laço 
corpo a corpo" sem divisão nem de um lado nem de Outro. O Outro se 
reduz a uma ausência. Também falta a imagem especular. "A criança "esta 
por inteiro no lugar do objeto a enquanto não especularizável"."0 
psicotico,por oulre lade, tem umobjcto c um Outro; mas csse objeto cstá 
incorporado ao real como um objeto a mais. No autismo, � o sujeito que 
cstá a mais, tanto que procura desaparecer 
R.eR.Lefort distinguem o caso de Maric-Françoise, autista, da psi 
cose de Roberto. Na primeira, o gozo se dirige ao Outro, vontade de gozo" 
com o modelo de Sade-que visa a dividir o Outro. Roberto, por sua 
vez, manifesta um gozo masoquistal quc busca completar o Outro. 
Por outro lado, cles distinguemo lugar da criança para a m�e do autista 
e para a do psicótico. Na psicose, a criança ocupa um lugar na fantasia 
materna. Jáno autisma, cla� um objeto auto-crótico, fora da fantasia, per 
manecendo excluído por isso o lugar do pai. A 
saída do autismo é pela via 
da paranóia ou dadebilidade 
Já Pierre Bruno indica que no ensino de Lacan só existe uma polari-
dade entre a esquizofrenia ea paranó1a: em nenhum 
momento diferencia o 
autismo da esquizofrenia," o que n�o se opõe à distinção-
estabelecida 
por R. c R. Lefort-
entre o autismo (considerado como uma forma da 
esquizofrenia) e a paranóia. Isso não impede 
a existência de "estados 
autistas"- acrescenta P. Bruno-, no estilo das considerações de Tustin. 
O autismo infantil prematuro� uma esquizofrenia desencadeada precoce-
mente, considerando-o comno uma "forma 
extrema da esquizofrenia". Afir-
ma "..forma extrema no sentido de variante da esquizofrenia, sem que 
se 
possa Jalar de umu diferença qualitatva 
de estrulura entre esquizofrenie 
e aulismo" 17 
Oponto de vista de Colette Soleré que nao existem 
autismos puro, 
devendo ser consderados coHo un pólo, "uma rejeiçdo cm entrar na al 
enu ao, delendo sr na bordu""que Iaz com que os aulustas apareçani 
como 
"SIgnilicdos do Oulro (alan por cles e buscan un sentdo em 
seu com 
portamcnto) Deste modo, a psicOse na cança se manilesta sempre como 
a forma msta Mas. acescenta, tanto no autismoconsiderado com0 
um polo 
foraclus�o do Nomc-do-Pai. 
Ela distinguc as crianças auistas das propriamente delirantes eer 
quanto na csqu1Zolren e na paranó1a é legit1mo falar de 
enu mera quatro tipos de fenomenos que Ihes sao característicos. Primeirr 
crianças que se sentem perseguidas por sinais da presença do Outro 
bretudo pelos objetos da voz e do olhar é dai que vivema presença do Outr 
como invasiva. A segunda caracteristica é a anulação do Outro: parecern 
surdos, apresentam distúrbios do olhar. Ela indica que Margaret Mahle 
fala inclusive de alucinações negativas. O terceiro traço é a rejeição de que 
o Outro possa produzir uma intimação com a palavra. A ausência da di-
mensão da chamada é o complemento da rejeição a ser chamado pelo OOu 
tro. Finalmente, aponta os problemas de separação do Outro, sua adesivi-
dade. 
A posição de Eric Laurent consiste em estabelecer a ação da 
foraclus�o do Nome-do-Pai também no autismo-0 que explica seus es-
tados alucinatórios-ea estabilização possível dentro do autismo. sem a 
necessidade de uma passagem até a paranóia --embora isso não seja ex-
cludente. Assinalao aparente paradoxo: se há cura e a criança sai do esta-
do autista é porque não era autista; o que traduziria um paradoxo próprio à 
cura analítica: seria suficiente a cura ser possível para invalidar a propri2 
idéia de cura, pois não teria havido autismo." 
No autismo.osignificante do Nome-do-Pai não apenas está foraclul 
do, como todo o simbólieo torna-se real. Porém, em um certo sentido. in-
clui o autismo na esquizofrenia porque em ambos os casos esta em jo retorno do gozo no corpo, que tenta aerescentar um órgão já que a ling 
gem não pode fazer o órgão.20 
Em outro artigo,2 Eric Laurent assinala que na infância domina mas 
O campo da esquizofrenia que o da paranóia, pois os fenõmenos n Colocam tanto em termos de uma reconstrução delirante. mas em lazer função do órg�o?". Daí emergem os fenômenos de autistmos diver 
omo 
Sos. O goz0 retorna de maneiras distintas no real para fabricar o cop Condensador desse gozo. Enquanto a falo não está simbolizad Tunçao do falouransforma-se em "fazer funcão do órgão". A rian 
zer 
Teduzir seu corpo a ser condensador de gozo, unm objeto pala outro cor que caracteriza 0 autismo é que o goz0 volta sobre a bOrda, cie aponta T tanCia de levar a cabo um estudo minucioso sobre esta proole Podemos considerar que, de certa maneira, o autisme o 
é uma 
um 
la Cxlrema daesquizotrenia inlantul. Daí a utilidade de detin segundo Colette Solercnquanto nonea ul 
uma 
Cquanto nomeia um "estadu" mais que 
TCli ao a estutura Isso explica porque essas crlanga 
tão mudas ou contam com poucas palavras estereotipadas no início do tra-
tamento, podem sair de seu retramento autista e entrar em contato com o 
analista. 
Otrabalho clínico mostra evoluções diferentes entre: a) crianças cujas 
psicoses se manifestam nitidamente e têm a possibilidade de alcançar uma 
estabilização delirante. e b) aquelas que padecem de um retraimento autista. 
cujo horizonte de debilidade na idade adulta estásempre presente. As dife 
renças devem ser avaliadas caso a caso, levando-se em conta os múltiplos 
fatores que intervêm em seu destino futuro: tratamentos, ambiente fami-
liar, organicidade possível. etc. A complexidade clínica do problema me-
rece que se continue trabalhando as relações e as diferenças deste binõmio. 
5. Os fenômenos psicóticos na infância 
A descrição do fenômeno psicótico nas crianças com uma ideação 
delirante se assemelha à de um adulto. A partir da emergência de fenome-
nos elementares e de alucinações, constrói-se o delírio. Muitas vezes, as 
fabulações ideativas que não se organizam como um delírio dificultam o 
diagnóstico diferencial. Trata-se de uma crianca muito imaginativa ou de 
um delírio? Que relação mantém com o que diz? E uma certeza psicótica 
ou uma crença dialetizável? A precisão diagnóstica a partir da linguagem 
de acordo com a indicação de Lacan se impõe tanto para a criança 
quanto para o adulto. 
O problema fica agudo quando se tenta estabelecer um diagnóstico 
em crianças autistas. São crianças excessivamente tímidas, inibidas, com 
dificuldades neuróticas ou trata-se de um autismo prematuro? E por isso 
que-juntamente com as características enumeradas por Kanner para os 
autistas-devemos visar à detecção dos fenômenos elementares que apre-
sentam, embora n�o falem, e que, muitas vezes, escapam ao observador. 
Juan e Marc, dois pacientesanontam para o vazio e dizem"Aqui 
está Atendi as duas crianças em contextos diferentes; nunca se cruzaram. 
porém utilizam uma mesmafrase holofrásica*-compactação.da cadeia 
SIgniTcante que TÄO TEMete a um efeito de sentido, mas a um vazio des 
Signiicaç ao. 
A OFTem monolíiica da cadeia significante-pode manifestar-se pelo 
uso defrases fixas_utilizadas enmqualquer ocasião. Carla, outra paciente. 
Tiz a a cada vez que vë um carrinho de brinquedo e quando encontra o 
primo chama-o de mamadeira. Em ambos Os casos os objetos são nomea-
dfas hrofofrasicamente com.os significantes quc exurai do Ouuro. As pala 
vras não adquirem uma signilicação nova ao relacionar-se com outras Da 
lavras, mas possuem um sentido originalc unívoco. 
As alucinações såo mais 
diticeis de captar devido ao isolamento mento quc 
caracteriza as crianças autistas. 
Nao obstante. numerosas descricóec 
mitem supor sua cXIstencia-como 
as de Alex que tampa abruptamente 
seus ouvidos. ou as de terror descrilas por Emilio Rodrigué em uma crian. 
ca autista. Esta ulima, de tres anos. apresentava dois tupos de alucinação 
Visoes que o atraiam ou que o aterrorizavam. Kodrigué observa: "Compre. 
endi que estava escutando algo que vinha da d1reção do teto, a maneira 
com que olhava para cima e prestava atençao era Inequivoca. Também 
narecia estar vendo coisas projetadas no teto, porque seguia com os olhos 
1 orbita invisível de um objeto'"." O olhar de medo e seus gestos bruscos 
ao perscrutar os lados levam o analista a considerar a presença de perse-
guidores, mas a criança não delira em nenhum momento. Em um segundo 
momento do tratamento, Raul responde a estas alucinações escondendo-
se ou procurando desvencilhar-se delas, como, por exemplo, fazendo ges-
tos para que algo saísse pela janela. 
Bruno Bettleheim descreve as alucinações de Laurie: "Deduzimos de 
sua maneira de ficar olhando o espaço, sobretudo o teto, concentrada to-
talmente em algo que ocorria em Sua mente, absolutamente alheia a tudo 
per 
à sua volta".27 
Embora ambas descrições correspondamà apresentação da alucina-
ção comoma percepção sem.objeto-definição.que Lacan.critica.em"A 
questão preliminar" por ser um efeito da falha simbálica.e não um proble 
ma percepiivo- êmovalor de assinalar a presença de fenômenos cuja 
causalidade se situa na ordem particular da estrutura psicótica 
Lacan aborda em duas ocasiões o tema das alucinações no autismno. 
A primeira vez é em "Discurso de encerramento das Jornadas sobre as 
Psicoses naa criança" (1967); a segunda, em "Conferência em Genebra so-
bre o sintoma" (1975). 
Nas Jornadas organizadas por Maud Mannoni em1967, Sami-Ali 
apresenta um artigo intitulado "Gênese da palavra na criança autista"."A 
partir de um caso clínico tenta indicar uma evolução do pré-verbal ao ver-
Dal pela ação da mediação imaginária de identificação com o outro. Entre 
as características de Martin, ele obserya que o menino ouve tantorLG 
quanto vozes, tapando os ouvidos com es polegares. Lacan utiliza esta descrição para apontar que se o menino lapa Ouvidos (como também é o caso de Alex) é para proteger-se do vel Kesalta assim a estrutura da alucinacão: o fato de a criança não tala s 
impede que esteja sujeita a alucinaçõöes. 
OS 
bo. 
Em 1975, Lacan retoma esta questão: "Como o nome indiCa, d Dlds ouvem a si mesmos. Ouvem muitas coisas. Normalmete, d eboca inclusive na alucinaçãoe a alucinacão tem sempre um caa 
s au-
mais 
ou menos vocal. Todos OS auustas não ouvem vozes, mas articulam muilas coisas c precisamente trala-se de ver onde ouviram aquilo que estão arti-culando"."O mutismo ou a dificuldade para falar não impedem yue cste-jam incluídos na linguagem, embora sua estrutura seja a da holólrase As crianças autistas utilizam os pronomes pessoais da maneira que ouvem o seu emprego em relação a elas. Na realidade, como descreve Lacan em seu Seminário lI1, *As psicoses", a impossibilidade de que apareça o eu em seu discurso leva-as inevitavelmente a falar de si na terceira pessoa. Carla repete seu nome, chamando a si mesma, até concluir seu monólogo solitário com a resposta quê? a seu próprio chamado- que não se dirige ao Outro. Em seu ser falado resultam pequenos "fantoches do Outro" de-vido ao funcionamento automático da linguagem. Falta a dimensão da demanda. 
A instituição belga "L'Antenne 110" compilou recentemente os fe-nömenos que estas crianças apresentam. Entre outras características, elas 
apresentam dois fenômenos opostos: ou um desinteresse pela imagem corelativo a uma atração por buracos e orifícios, ou uma imitação simétri-ca dos movimentos do outro segundo sequências ordenadas. Estabelecem 
uma série de fenômenos acerca da relação com os objetos separáveis do 
corpo (olhar, voz, comida e excrementos) que apresentam sempre as mes-
mas modalidades, mas variam seus conteúdos em função do objeto trata-do: evitação, falta de direç�o até o outro, intercââmbio simétrico ou repro-dução de sequências fixas. 0 Outro ou fica completamente excluído ou, então, capturado em uma ordem inalterável. As vezes, a presença de certos 
objetos torna-se indispensável, mas em tais casos Ihes éé aplicado uma "pal-pitação", uma ligeira oscilação como se fora um ritmo. 
As descrições da criança autista indicam que ela se comporta de maneira diferente se é observada com discriç�o ou de forma ostensiva, se 
há tentativa de entrar em contato com ela. No primeiro caso, fica mais ou 
menos inerte, eventualmente ocupada pela atividade que repete de manei-
ra estereotipada; no segundo, pode apresentar um estado súbito de agita-
ção, inclusive violento, contra si ou o observador. 
Oquc devemos.chamar de gozeA concentraç�o tranquila na qual o 
sujeito parece auto-suficiente ou a agitação composta de pânico desenfre-
ado que o invade quando a presença do outro o solicita'? 
A criança autista também passa da tranquilidade de sua reclusão para 
a agitação violenta ante a tentativa de captura de sua posição como sujeito. Será quc ela ficará confinada no mundo possível que soube construir ante 
O seu gozo? No neu entender, ambos os estados são expressões diferentes 
do goz0 do autista: seu tratamento varia ante a intrusäo em seu universo 
fechado. 
6. Corpo c espaço nas crianças 
autistas 
O que ocoTe com as crianças alulistas das quais não se pode falar de 
desencadeamento, estabilizaço nem de suplencia prévia? O quc dizcr de 
um corpo que pareceTia nao Ihes pertcncer: maltratado, ignorado, sem fu-
ros?Basta a inclusão na linguagem de todo sujeito para considerar quc (os 
autistas têm corpo? 
O significante outorga um corpo, mas tambémo tragmenta, fissu-
rando-o em órgãos e funções. Furta a vida do Vivente que reconstitui no 
imaginário a integridade de sua imagem, zelando pelo seu gozo. A libido é 
incorporal: um órgão fora do corpo, que não é um significante, mas que 
expressa o mais-de-gozar exterior à ação do simbólico. O corpo não é ape-
nas a projeção de uma supertície, mas também tem furos, e nesses buracos 
aloja-se a vereda do gozo que traça os limites do corpo. 
Para ter corpo e dele fazer uso, devem conjugar-se as ações do sim-
bólico, do real e do imaginário. Entretanto, sem a operação simbólica que permite a constituição dos limites, do espaço e do tempo, o sujeito fica sem 
Corpo. 
A unificação do corpo sofre suas transformações com o desmorona-
mento imaginário que produz o desencadeamento da psicose: fenômenos de duplo, de despersonalização, de corpo despedaçado. A imagem do ca-dáver leproso conduzindo a outro cadáver leproso de Schrebers" dáconta 
Lanto do desdobramento imaginário.quanto do traço de mortificação do 
objeto de gozo a carniça que é ele mesmo-que se aloja na imagem. Pelo lado da esquizofrenia, o corpo padece da ação do gozo do órgão. 
Isto marca o contraponto clássico: gozodo Outro naparanóia gozo no.coma 
(que se manifesta como hipocondria) para a esquizorenia. Lacan, depois de estabelecer a polaridade entre sujeito do gozo e sujeito que representa o 
SIgniicante para outro significante, 1ndica que a paranóia identifica o gozo 
no lugar do OutroOs dois tupos clinicos da psicose-com seu tratamen 
Lo particular do gozo- mantëm a presença de um corpo. 
Não há atribuição de um corpo nas crianças autistas. A falta de ex 
tração do objeto impede que se estruture a consistência corporal. pois esta. 
peça despregada do corpo" não consegue aloiar-se no ponto da falta na 
Outro. Estas crianças apresentam-se como sujeitos que não chegarão a. 
constituir-se como um eu, em um estado pré-especular, sem adquirirem 
Consciencia de si mesmas como corpo. 
A falha de simbolização faz com que o Outro seja real- como ob-
servam R. cR. Lefort-, daí as manobras no real que visam a uma produ-
ção de uma descontinuidadesimbólica para extrair o objeto a que a crian-
ca encarna para o Outro. lsta lalha lem sua correspond
ncia na falta de 
constituição especular e nos disturbros cspaço-tcmporais 
John um dos pacientes de Kanner quando Via um grupo de 
pessoas numa fotogratia pcrguntava quando iam sair de lá e entrar na sala. 
As imagens de uma fotogratia não são menos certas para este menino do 
que aquelas com as quais esbarra na vida: sem imagen, os objetos são 
puramente reais, carecendo de conotação imaginária. Podemos dizer que, 
mais que"homens-feitos-às pressas" ao estilo Schreber, para John näo há 
diferença entre os seres de duas dimensöões na fotografia e os tridimensio-
nais. Talvez espere entrar ele mesmo na foto. 
O tratamento do espaço por parte dos autistas faz com que o dentro 
eo fora sejam contínuos, como se fora uma banda de Moebius-de acor-
do com a indicação de Eric Laurent.36 Este sujeito, que é como a trajetória 
da banda sem buracos de Moebius, encontra-se submers0 em um espaço 
que faz com que um carro a 300m de distância e o carrinho que tem na mao 
sejam o mesmo. Por isso, o menino pode tentar pegá-lo pela janela. 
Adrien, por exemplo, é um garoto de doze anos interessado quase 
que exclusivamente pela água: o rio, as tempestades.3" Permanece colado 
contra o vidro, olhando como se estivesse em transe. As poucas palavras 
que pronuncia referem-se a estes temas. Certa vez, aproxima-se 
do rosto 
do analista e lhe diz: "Seus olhos estão cheios de cores". O analista obser-
va em seu artigo que na verdade o arco-íris que ele está vendo está tanto 
nos olhos do analista quanto na janela. O menino constitui uma banda de 
Moebius na equivalência olho-janela. 
Esta falta de imersão subjetiva na tridimensionalidade é efeito da 
ausência da significação fálica. Entretanto, não se trata de uma falha de 
percepção do autista, mas da ausência de organizador 
simbólico que dis-
tribua e ordene as percepções. 
Lacan encarrega-se de apontar esse ponto em sua crítica 
a Sami-Alí. 
Não é oespecularo que estrutura o espaço, mas a relação com o "aqui" 
e 
o "ali" (a que faz referência Sami-Alí em 
seu caso), implica o sistema de 
oposiçõcs da estrutura da linguagem. "Em uma palavra --diz 
Lacan- a 
construção do espaço tem algo de linguístico" 38 
Quando a medida fálica desaparece não há furos que precedam 
as 
cravelhas; os objetos perdem seu tamanho e mudam de lugar. 
Carla repe-
tirá várias vezes sua luta com objetos maiores que sua malinha de brinque-
dos, onde quer colocá-los. Cola-se literalmente nos outros, 
a ponto de, por 
momentos, ter de me esquivar dela para não tropeçar. Uma criança 
autista 
pode temer que 0 avião que eruza os céus passe a seu 
lado:; outra cola sua 
boca na do terapeula e mostra o achatamento entre ela e sua imagem; 
outra 
pode, de um tercero andar, cammnhar no VilZjO apcnas para tocar no chä 
Juan, outro menino autista, uma vez sai surpreendentenente de sua indile. 
rença para aproxinmar-se de um de meus olhos e olhar scu interior. Od. 
será que olha? Meu olho, seus olhoS relletidos ou o Vazio da representa-
ção? Ficava literalmente colado comigo. Em lodos estes casos o vazio que 
se aloja entre os corpos não se consitui como um intervalo: 0s objetos fi 
. 
cam muito próximos ou cxcessivamente distantcs. 
A falta de constituição especular não impede a emergência de feno-
menos qualificados por R. c R. Lefort como "proto-especulares". Apare-cem assim fenômenos de ccolalia e ecopraxia, isto é, diferentes tipos de imitação verbal e motora. Na verdade, a ecolalia da cadeia significante repete-se no imaginário." 
Em uma das primeiras sessöcs, tento cxplorar a relação que Alex estabelece entre os números que repcte c os objetos e pergunto: "há quan-tos cubos?", e ele repete: " há quantos sucos?"- trocando as letras c por seob por c. Conto "um, dois": o menino pega de forma simétrica outros cubos e continua metonimicamente "três, quatro". Da mesma maneira, repete palavras que ouve na televisão e as utiliza fora do contexto no meio de seu solilóquio. 
Juan, de dois anos e meio, imitava meus movimentos com as mãos, e esforçava-se para que eu pusesse as minhas pernas na mesma posição que as dele. Um dia, senta-se diante de mim e reproduz a tentativa de fazer com que suas pernas c as minhas ficassem na mesma pose. Mais que me tornar imagem, ficava junto dele no mesmo lado do espelho: nós dois nos encontrávamos frente ao vazio que impedia o desenho de uma forma. A partir desta apresentação dos fenômenos psicóticos, examinare-mos a particularidade da constituição do sujeito e sua "inclusão" na estru-tura psicótica ou neurótica. 
Notas 
'P. Bercherie, "La clínica psiquiátrica del niño (Estudio histórico)", Malentendido 3 (1988). 
'J.Lacan, H. Claude e G. Heuyer, "Un cas de démence précocissime, Anna Médico-psychologiques (1933). 
. Kanner, "Traduction de l'article original de Léo Kanner: "Autistic disturbanee O allective contact", em G. Berquez, L'auisme infantile. Introduction à une clini relationnclle sclon Kanner. Paris: P. U.F., 1983. D. Devrocde, "Kanner relu à partir de Lacan". Préliminaire >U* . Bleuler, Analytica 52 (L'invention de l'autisme"). Paris: Navarin, 1700 
C. Bursztein, "Cinquante ans d'autisme: évolution des concepts", L'autisme 
cinquante ans après Kanner. Paris: Erès, 1992. 
DSM IV. Manual diagnóstico y estadístico de los trastornos mentales. Barcelona Masson. 1995 
A. Hartmann, En busca del niño en la estructura. Buenos Aires: Manantial, 1993, 
p. 209-211. 
°O objeto a é um conceito criado por Lacan para nomear a falta estrutural do obje-
to. No vazio central que organiza a estrutura- que corresponde ao conceito de 
castração freudiano- se aloja uma série de objetos-oral, anal, olhar, voz-em 
relação a0s quais constitui-se a pulsão. O objeto a, na verdade não é um objeto, se 
constitui a partir da operação lógica de separação. Esta questão serå examinada i próximo capítulo. O objeto a se caracteriza por constituir-se a partir das bordas do 
corpo (zonas erógenas) como objetos separáveis do corpo. 
0 Conceito que corresponde ao do estádio do espelho: o eu se constitui de forma 
alienada por identificação com a sua imagem, matriz do registro imaginário. 
R.eR. Lefort, Nacimiento del Otro (1980). Buenos Aires: Paidós, 1983, p. 261. Ao nomear o objeto a uma falta no simbólico, dado que é real, não tem imagem no espelho. No Seminário X, "A angústia", Lacan lhe atribui o lugar de "reserva 
libidinal": o gozo não é especularizável. 
12 R. eR. Lefort, "Autisme et psychose deux signifiants: "partie" et "casse" (1992), 
L'autisme.., op. cit., p. 233. 
13O conceito lacaniano de jouissance (gozo) reúne, seguindo a indicação de J.-A. 
Miller, os conceitos freudianos de libido, satisfação e pulsão de morte; é real e 
aparece como uma satisfação que vai mais além do principio de prazer. 
14 Expressão utilizada por Lacan em seu artigo "Kant com Sade" para nomear a 
posição particular do perverso em relaç�ão ao gozo: o desmentido da castração o 
leva a forçar os limites na perseguição de seu gozo, tanto que produz a divisão 
subjetiva do parceiro. 
1 No masoquismo o sujeito se torna o instrumento de gozo do parceiro. 
16P. Bruno, "Ouverture", L'autisme et la psychanalyse. Paris: Séries de la 
Découverte Freudienne, 1992, p. 113. 
1P. Bruno, "El dicho- sobre la esquizofrenia", Freudiana 9 (1993). p. 109 
C. Soler, "Hors discours: autisme et paranoia", Préliminaire (1992). 
19E. Laurent, "Lecture critique I", L'autisme..., op. cit., p. 134. 
20E. Laurent, "Lecture critique Il", L'autisme..., op. cit., p. l145. 
2E. Laurent, "La psychose chez l'enfant dans l'enseignement de Jacques Lacan" (1982), Quarto (1983). 
2Fenómeno elementar é um conceito da psiquiatria para nomear certas manifesta-
goes que aparecem com um sentido pleno, nã0 são dialetizáveis,e vem acompa-
cnto", "leitura nhadas da ceneza de sua veracidade. Por cxemplo, "cco do pensaments 
ecem 
do pensamento". "advnhaça0 do pensamento , Ctc., cstes lenómenos anar.de 
denro do quadro do Automatismo Mental. Sua contrapartida são os fenóne 
lida 
sem-sentido que também aparecem na psicose. Ambos dão conta da imDossihil 
do ponto 
dc de estabelecer un retroaça0 signiticante como consequëncia da falta do 
de basta (o Nome-do-Pai). 
S. Tendlarz, "Objeto e imagem em crianças autistas,Opçao Lacaniana 13 (199 
*Examinaremos o conceito de holófrase mais adiante. 
E. Rodrigué, "El análisis de un esquizofrénico de 3 años con mutismo", Obrac Completas de Mélanie Klein, t. IV. Buenos Aires: Paidós, 1979. oras 
26 Idem, p. 162. 
27B. Bettleheim, La fortaleza vacía (1967). Barcelona: Laia, 1987, p. 154. 
Cf. J.-A. Milier, "Comentario sobre Maurice Merleau-Ponty" (1987), Nueva Bi. blioteca-Psicoanalítica1 (1995). Neste artigo Miller explica como a estrutura da percepção é simbólica- seguindo a indicação de Lacan em "A questão preliminar -, por isso não se trata de um fenömeno visual, mas que o perceptum dado pela linguagemé anterior ao percipiens (ligado à sensação). A falha no simbólico pro-duz o retorno alucinatório no real daquilo que foi elidido, deixando um furo. 
29 Sami-Ali, Cuerpo real, cuerpo imaginario, "Génesis de la palabra en el niño autista" (1967). Buenos Aires: Paidós, 1979. 
30 J. Lacan, "Discurso de clausura de las Jornadas sobre la psicosis en el niño" (1967), El Analiticón 3 (1987), p. 11. 
J. Lacan, "Conferencias en Ginebra sobre el síntoma" (1975), Intervenciones y textos 2. Buenos Aires: Manantial, 1988, p. 134. 
32 S. Tendlarz, "Por qué los niños autistas no tienen cuerpo?" (1994), en Centro Pequeño Hans, Psicoanálisis con niños. Buenos Aires: Atuel, 1995. 
3 Cf. J. Lacan, "De una cuestión preliminar...", op. cit. 
*Ver os artigos de V. Palomera, "Freud y la esquizofrenia I", Uno por Uno 58 (1994) e *"Freud y la esquizofrenia II", Uno por Uno 39 (1994). 
J.Lacan, "Presentación de la traducción francesa de las Memorias del PresIu Schreber" (1966), Intlervenciones y textos 2. Buenos Aires: Manantial, 1988,P. 0 
.Laurent, "Lecture critique I", L'autisme et la psychanalyse, Séries ae ta 
Découverte freudienne, 1992. 
cil. "M. Mesclier, "Adrien et les météores", L'autisme et la psychanalyse, op 
J.Lacan, "Discurso..", op. cit., p. 12. 
aurCnt, "De quelques problèmes de surface dans la psychose et l'autist 
me", 
Quarto 2 1981). 
II. A constituição do sujeito 
A psicose caracteriza-se pela foraclus�o do Nome-do-Pai e pela fal-
ta de inscrição da operação lógica de separação. Retomaremos a dialética 
própria entre alienação e separação na constituição subjetiva para indicar 
sua particularidade na psicose. 
1. Necessidade, demanda e desejo 
A oposição entre estes três termos pertence a Lacan; Freud nunca 
falou de demanda. Esta trilogia foi modificada ao longo do ensino lacaniano: 
o termo necessidade cai, entrando em seu lugar o tema do gozo. 
Não obstante, encontramos o ponto de partida desta distinção em 
Freud. No "Projeto de psicología para neurólogos" (1895). Freud apre-
senta um esquema em que domina a busca do prazer. A partir do choro do 
bebê por uma necessidade desconhecida para o observador, e dado seu 
desamparo inicial que lhe impede de realizar o movimento suscetível de 
eliminar essa vivência de desprazer, intervém uma ação específica exte-
rior de um "outro primordial" que permite a constituição da primeira "vi-
vência de satisfação", possibilitando o desaparecimento dessa necessida-
de indeterminada. A partir daí, frente à emergência de um estímulo. a crian-
ça espera o reaparecimento desse objeto primário de satisfação que lhe per-
mitirá apaziguá-lo. Mas entre a satisfaç�o obtida e a almejada existe sem-
pre uma diferença que se chama "desejo". Ante o desprazer, o aparelho 
psíquico põe em marcha o desejo. Assim, paradoxalmente, Freud indica 
em "A interpretação dos sonhos" que o princípio de desprazer põe em 
movimento o desejo. Junto com essa marca de gozo dada pelo objeto pri-
mordialmente perdido preduz-se uma inscrição significante que traça o 
caminho da repetição. 
Lacan. em seu Seminário VII, "A ética da psicanálise".' chama este 
objcto de das Ding, a Coisa, que como tal instaura umvazio e desencadeia. 
a repetição da impossibilidade de reencontrar o mesmo. Na realidade. in-
dica Lacan, o objeto está perdido por estrutura; isto é, o objeto está perdido 
desde sempre, o que permite acionar o próprio movimento da pulsão. 
Os termos necessidade, desejo e demanda, diferenciados por Lacan 
em "A direção da cura", permitem ordenar esta sequêneia. Ele deline de-
manda como a "significaç�o da necessidade... que provém do Qutro na 
medida em que dele depende que a demanda seja prenchida" 
Pelo lato de 
ialar. 
docn 
lorna-sc 
um ser dc demanda 
A .. 
da necesSida 
inda. A lingua-
Cm 
antccede o 
nascncnto 
da criaÇa. 
A0 nascer, 
c capturado na 
l. 
adc se mctaforiz 
gua 
gcm. 
distinguindo-se 
assm 
do 
animal. O rcino do 
instinto. daD 
de. pcimanece 
perdidopara o lalantc, 
pOIS a 
necessidadc 
demanda A demanda 
mctaloriza a nccessidade, 
sem recobrí-la 
ner 
Senta-
í-la por Com-
Frente ao grito da 
criança, a 
emergencia da necessidade 
aprese 
nui-
pleto. O 
resto 
dessa operaç�o 
� o desejo,_ 
sc à mac como 
o Outro primordial 
que tem o poder 
discricionário de res 
ponder ou não. A 
necessidade da criança 
contronta-se com a descontinu 
dade significante da resposta 
da mae: e a 
estrutura da mensagem invertida 
lo a necessidade atravessa o códi-
res-
-a mensagem do Outro 
lhe é dirigida como 
vOce, mas a criança a recebe 
em sua forma 
invertida, como eu. Quando 
a necessidade atravessa o códi. 
go através 
do sentido outorgadó pela 
m�e transforma-se em demanda 
Este grito toca algo do real, pois não esta 
aprisionado pelo simbóli-
co. O Outro introduz no grito a dimensão da 
significação, pois, como aponta 
E. Solano,' o Outro deve supor 
um sujeito do lado do grito, para supor que 
esse grito seja o sinal de um sujeito que pede. O S2 
da resposta dá retroa-
tivamente ao grito valor de um significante com indice 
1 e torna-se o sig. 
nificante que Tepresenta o sujeito "suposto-pedir". 
A demanda como tal é uma articulação da cadeia significante. A 
necessidade fica presa na rede significante como sentido do Outro, tradu-
zindo a incidência do simbólico sobre o real. Seu para além é o desejo comno 
metonímia formulado pela demanda: "O desejo produz-se no para além da 
demanda" 
Lacan distingue dois valores da demanda: articulação significantee 
demanda de amor. A ênfase na resposta do Outro indica que, antes de mais 
nada, a demanda é de presença ou de ausência do Outro, que desliza então 
para demanda de amor. "(o desejo)... também cava em seu aquém da de-
manda" e o enlaça à "demanda incondicional da presença e da au_ência". 
A demanda de amor busca os signos de presença do Outro todo poderoso de forma incondicional. O outro primordial, representado eventualment pela mãe, ao responder a estademanda reconhece-o como faltante enquan cla mesma é confrontada à falta. Esta dialética não sutura a hiância, mas a 
= 
presentifica. 
O para além da demanda remete à metonímia do desejo em relaçaoa à articulaça0 Significante da demanda; seu aquem evoca a dependencd Outro primordial em sua demanda de amor. 
ao 
or outro lado, o que a criança demanda está do lado da necessiu Ou do ameHasdeseje-ststenta-se no Nome-do-Pai na medida ciu roduz uma hiância entre a mãe e o filho. que 
2. Os três tempos do Édipo 
No Seminário V - "As fonnaç~ d . . 
. " ,, . ,, oes o inconsc iente"_ L' ct · 
trngue tres tempos logicos do Edipo qu 1 . _ acan is-,, e ogo cristalizam-se na f" 
1 metafora paterna. 8 ~ ormu a da 
No primeiro tempo a c · ·d • • 
- ' nança I ent1f1ca-se com o objeto de dese. o 
da ~ae, o f~lo. A mãe, como ser falante, está submetida à lei simbóli/a 
por isso a cnança recebe a ação da lei através dela M 1 . , 1,, · ,, d • as a e1 neste tempo 
ogico e escontrolada, onipotente. A mãe responde ao orito da criança 
co~forme a sua própria vontade,o seu capricho. A crian;a confronta-se, 
assim_, com um Outro absoluto. que como tal é um Outro que também vei-
cula hngu~gem . A mãe representa também o objeto primordial, das Ding, 
gozo perdido pela ação do simbólico. 
Por outro lado, a criança identifica-se com a imagem ideal que lhe 
oferece a mãe, e constitui seu eu - no que Lacan chamou de estádio do 
espelho - como primordialmente alienado. Trata-se de "ser ou não ser" o 
objeto de desejo da mãe. 
No segundo tempo, produz-se a inauguração da simbolização. Lacan 
explica-o através do jogo do carretel descrito por Freud em "Para além do 
princípio do prazer".9 A criança brinca de atirar o objeto para em seguida 
fazê-lo reaparecer, com a particularidade de pronunciar as palavras Fort-
Da, que indicam sua ausência e presença. Repete ativamente através do jogo 
uma experiência que viveu passivamente: a partida de sua mãe. 
Podemos apontar aspectos distintos nesta observação: 10 
I) O fato de pronunciar uma palavra para nomear a mãe indica que 
já está simbolizada. Não é apenas um objeto primordial, mas tornou-se um 
símbolo. 
2) A simbolização introduz uma mediação da linguagem na relação 
mãe-filho. 
3) Trata-se da oposição de dois fonemas, protótipo da entrada na 
estrutura da linguagem. 
4) A observação de Freud termina com a criança brincando na frente 
do espelho e repetindo Fort-Da. Isto permite ver o encadeamento entre o 
imaginário e o simbó1ico. . . 
5) Embora na primeira parte d_e se~ en~rno L_acan cons1?e~~ -esta 
0 
osição como O paradigma da simboltzaçao p~1mord1al, no Sem~na, LO~! 
p · · d' . e O obieLo lançado pela cnança representa ela mesma. termina por rn 1car qu J I " 
d Édipo introduz-se um terceiro elemento, para a em 
Neste tempo O • . . ,, 1 · d a· 
da lei materna, que intervém como uma palavra mterd1tan~~: e a c1 o p, ,~ 
que não intervém com sua prcsen<;a, mas com sua palavtd. O Nome-do 
29 
Pai indica à c.: r ianç;1 que o dc:-.cyi nwll'. fll<> t c 111 n.:: b1 ~ão corn a l<..:1 patc t na . /\ proi hi<rão de inces to funciona do lado da rnfü.: como a inl crdi ~é."'io de 1t.: 1ntt:. grar seu produ to. e do lâdo do fi lho separa-o de ~ua ic.lcnti ficação u Jt n 0 objeto de desejo materno. 
A mãe de ixa de ser um Outro abso lu to para ser um Outro barrado, 0 que indica a castração do Outro - "castração da mãe" , de acordo com 0 termo empregado por Freud e retomado por Lacan - , e inclui a cri ança 
em uma ordem simbólica. 
O pai intervém imagin ari amente para a criança, privando a mãe de 
seu objeto. No simbólico, a castração faz com que o falo como objeto ima-ginário do desejo materno apareça no im agi nário como falta , e no simbó-
lico como si gnificante do desejo que pcnnite dar sentid o a todos os outros significantes bem corno também a ordenação das posições sexuad as. En-
contramos aqui as du as vert entes do fa lo no ensino de Lacan: o fa lo metonímico (que sustenta a equação cri ança-falo) e o fal o rneta ffa ico. corno 
significante do desejo do Outro .11 
O terceiro tempo corresponde ao declíni o do Édipo: G cri ança deixa 
de ser o falo da mãe para cai r na problemática de tê-lo . 
O pai real aparece como suporte das identi ficaçõcs do ideal do cu 
que pennitem a nomeação do desejo. O garoto encontra um se ntido para seu órgão, identificando-se com o pai como aquele que tem o falo: recebe 
a promessa fálica de que, como o pai , também receberá o fal o: a ele pode 
ter acesso desde que ace ite não o ser. A menin a confr onta-se com o 
Penisneid e negocia de vári as maneiras com a falt a em ter : através do pa-
recer (mascarada), da maternidade, e do fazer-se amar corresponde nte à 
demanda de amor dirigida ao parceiro, 
3. A metáfora paterna e suas variações 
Lacan introduz a fórmula da metáfora paterna na "Questão prelimi-
nar.. .". É a metáfora que substitui o Nome-do-Pai no "lugar primeiramen-
te simbolizado pela operação da ausência da mãe" .12 Ele a escreve da se-guinte maneira: 
Nome-do-Pai 
De..sejifâã mãe 
Dese~ãe 
Signi fi cado ao sujeito 
Nome-do-Paí (~ ) 
Falo 
A escri ta DM/x indica que não há uma relação direta entre a crian~a e O pai, mas que cs léí metaforizada pelo DM. que não é um desejo -- cu_1 a Cs1•r1·1a " L é "d" d 1 . A . " \ 1·1•~1Jnndc "' cm acan - ·, nomcan o um gozo s~m c1. cn :.111~- V• 
ao enigma do signifi cado do suj eito ;1t rnvés da inc idência do pai . 
A mãe não é um a fun c5o· 1· nt _ d . . . - " . • · 10 u1,ao s1mb ' I . , . çao da altcrnancia prcscnca-ausc"11 .. , 1 F o icn atrc1vcs da inseri -
• • • • • > e ' Cla. u o ort-Da.U ON . , s1gmf1cante . O pai atua pelo seu 110 . d . orne-do-Pai e um · . . me, pro uz1ndo no lu d o e fe tto de s1 0111ficação fálica A . ,. . gar o utro um º . consequencia que se d t 1 . . 
entre o p a i re al e sua função simbólica é que o ,, ai'" é es aca e_~ di stinção 
se distingue da paternidade biológica: todo paté ado~: s1tn1 f1 cant/e que 
filho ao reconhecê-lo com ,, . . . o . . pai ac ota o 
_ d . 0 seu propno , a criança adota o pai ao aceitar a açao e sua lei. 
A metáf ~ra paterna indica que embora o que peça a criança esteja do 
lado da_ necessidad~ ou do amor, o desejo se sustenta pelo Nome-do-Pai. 
na me_dida em ~ue mtrodu~ um limite, uma bordq entre a mãe e a criança, 
reduzindo a açao fora da lei do Desejo Materno (DM). Esta operação, con-
tudo~ tem um resto: toda metáfora paterna é falha - os sintomas dão pro-
va disso-, de onde emerge o enigma do desejo do Outro. Lacan indica 
isso no Seminário XI da seguinte maneira: "Nos intervalos do discurso do 
Outro surge na experiência da criança algo que pode nelas ser detectado 
radicalmente - me disse isso, mas o que quer?" . 14 Os termos envolvidos 
nesta metáfora não são exclusivamente os da triangulação edípica - pai , 
mãe, filho. Há um quarto elemento, o falo, que se inscreve no Outro. 
Eric Laurent estabelece uma distinção entre as estruturas clínicas a 
partir da articulação da escrita DM/x: 15 trata-se das diferentes posições do 
sujeito - enquanto x, significado do sujeito - na relação com o desejo do 
Outro. As três significações possíveis que a criança adota em relação à mãe 
são: como sintoma (neurose), como falo da mãe (perversão) , ou como ob-
jeto da fantasia materna (psico_se).. . . . 
Em contrapartida, Antomo D1 Ciaccia observa que a cnan~a, enquan-
t bjeto correlativo à subjetividade da mãe, dá corpo a fantasias de acor-
doo ºcom a estrutura: fantasia imaginada (neurose), realizada (perversão) e 
• ) 16 real (psicose . . . . , 
N rose a criança adquire valor de sintoma; o Nome-do-Pai ~n~-a neu , . . " • d . 
l. ·t gozomaterno.Lacanmd1caque ... osmto111a ac,wn: creve-se ao 1m1 ar o , 
1 
.. 
l r a partir do qual pode responder ao que ha { e .rni-ça encontra-se no uga i , 
fi ·1 · pode representar a verdade < o que e 0 "( na estrutura anu tar... . 
toma ,co ,,, . -" i1 O sintoma da criança não representa a verd,~dc d~ d1s-c•a l'al nafiam, 1ª · · · , · ·1 . -1 --1 > ,-t ·1 ., . . - .• 1 ;- com o p '11 · isto e me u1 d'~ - l " . 
d - . as apenas sua a1 t1cu açcto ' , ' . curso a mac, m - . . . ., ·t ·· n1 om a inscreve -se no n1vcl do 
f. - , No g. ra lo do desejo, cs e si . , . melá ora patc1 na. . _ 
1 
N , J o-P·li e da sivnificação lalt(a. . . - . ( un~ao t o orne- ' º , , s1gnit 1cado do O ut ro - cm 
1
. 
11 
Ü Ltt ro '\ um O utro que padt:LL . . T .. 1tc Ja a a no ' ' . EsLá arti cul ado ao si g nt ic itr . 1• ·t· 1,c r·\c·ãl, que é o c111 gma . - I . • ' ISS I rn o res to<- cs ,\ 0 - • ~ . da caslrac·ão intro<lu1.1nt o-se' .. . ~>1 ) 1·1· () si nto rn :\ nu luga1 · ~ ' . . · . · • com se u p1 < · d o de sejo d o O utro . /\ cna n~a s1tu <1 -se 
d a fa lta de uni '.-. ignít'ica nl e nu O u1 ro . 
"1 1 
É neccssürio distinguir a críw1ra ,·o fl to sí11toma do sin toma du. criun -
ça. O primeiro caso d~í Cl~n l a do poder da palavra dos J~a~s sobre a cr iança; 
no se2:undo. encontramos a subjetividade da criança, suJCtlo cm tratamento. 
--O sintoma da criança tm·.na-sc sua "resposta" frc~tc ~~) d!scu_rso con-
jugal. Lacancontrapõe o enfoque dos terapeutas de l·amil ia a 0 _ncnlação 
psicanalítica da inclusão do sujeito na estrutura. " O q~e deternuna a bio-
grafia infantil, sua instância e seu motor não são ma,s do ~ue ~ maneira 
pela qual o pai e a mãe apresentaram o desejo, por conseguinte tsto incita 
a explorar não apenas a história, mas o modo de presen_ça em que c~da 
um destes três termos: saber, gozo e objeto causa de desejo foram efettva-
1nente oferecidos ao sujeito criança". 18 • . 
Esta indicação de Lacan opõe-se à teoria de Maud Mannom da cnança 
como sintoma da mãe. Em seu livro El nino, su "enfermedad y los otros 
(1963), o sintoma é definido a partir da estrutura da linguagem como uma 
palavra que deve ser liberada (seguindo as indicações de Lacan em "Fun-
ção e campo da palavra e da linguagem ... " (1953). Mas a palavra verda-
deira que aparece velada no sintoma está imbricada no discurso da mãe, 
desconhecendo-se por isso quem é o sujeito da consulta, e se perde de vis-
ta a articulação pai-mãe. 
O discurso dos pais tem uma ação sobre o filho. Quanto menores mais 
claramente vislumbra-se o efeito de alienação no Outro de seu próprio dis-
curso. Repetem o que ouvem, mas de maneira eletiva sempre há um sujei-
to que trama de maneira particular sua história. Quando no decorrer do tra-
tamento o verdadeiro lugar da enunciação dos pais é detectado, desapare-
cem as frases que surgem parasitariamente na criança. Esse é o caso de um 
menino que acordava todo dia dizendo que "já não tinha mais vontade de 
viver", 
19 
palavras que pertenciam ao pai. Uma vez situado o contexto de 
onde essa frase é extraída e estabelecida a dialética associativa, a pantomi-
ma depressiva do menino desapareceu. Essas "ilhazinhas" no discurso in-
dicam o lugar em que se localiza o sintoma da criança. 
. _ Para além das boas intenções dos pais, sempre há um sujeito que se 
pos~c~ona frente ao que ouve. Um garoto que esteve em tratamento comi-
go foi gerado para substituir um irmão mort0 .20 Estava muito angustiado 
co~ ~ mo~te de alg_u.ém qu_e nunca conheceu - esta inquietação era a da 
propna mae. Os pais lhe disseram que seu irmão estava muito próximo e 
que olhava sem pre para ele· d -. , E · . . . . s O ceu. sta frase, considerada em sua 
literalidade, era arnda pHw era insuporLa,.vcl e ~t d olh·ido 
A 
_ 
1 
. - -s ar sempre sen o , · 
consu ta dos pais e · ... d ··11 . . · >cone quan o algo que acontece com o ti 10 
lhes angustia mas frcqücnler1·lc t • . • ,.. · o . ' . · n e encontramos certa dtscordancia entre 
que d1zcm os pais e a consulta da cr,··tnca U • _ d. ,i101 .. 1va . _ ' ~ . m menino que aten I c1 ' 
todas as no ites. A rnac conta nn com;u lt ·t 'I , ... • to' · J · t ) tie Aids, 
• '-- u .t s na o pai n1or t 
que fal eceu ocultando sua ve rdade·. d 
li a oença · o segred , 
para ela. O n1enino també m contas ' 0 e um peso terrível 
eu segredo· está a . 
colega da escola e não é correspond •d U · · e _ paixonado por uma 1 o. ma vez a]o1ad 
do saber materno , sua angústia desap A . . J' 0 esse segredo fora 
arece. . md1gnação f t 
do da morte permanece do lado da inã O 
. . ren e ao segre-
. e. menino tem pai . toda . d. nge-se a ele em suas orações para lhe co f' . noite, I -
. . n iar seus segredos. 
Na psic~se,_ a c~1ança ocupa o lugar de objeto na fantasia materna 
-. segundo a md1caçao de Lacan -; o Nome-do-Pai está foracluído e a 
cnança permanece 1dentJficada ao objeto de gozo da fantasia da mãe. No 
grafo, fica 1nscnto no lugar da fantasia $ ◊ a. 
Um exemplo disso é o caso apresentado por Estela Solano21 (Paris). 
Um menino psicótico de seis anos, em tratamento analítico, relata o seguinte 
sonho: "Sonhei com um objeto que me olhava, e tomei-me uma pedra, não 
podia mais falar nem mover-me. Sonhei que era um objeto no castelo das 
sombras. Mamãe dormiu e no sonho da mamãe eujá não era um menino, 
transformei-me em objeto e não estava mais ali. São pesadelos que tenho 
toda hora. Sonhei que wn objeto tinha uma voz, ou que tinha duas cabe-
ças. Que pesadelo!" Neste sonho, visualiza-se como o menino consegue 
sonhar com a fantasia do Outro, seu "ser objeto" da mãe, lugar em que 
permanece petrificado e esvaziado de vida. 
Vejamos outro exemplo que me foi comunicado pessoalmente por 
Francesc Vilá (Barcelona). O garoto em questão tem doze-treze an_os no 
momento da consulta. Desencadeia sua psicose aos três anos no estilo ~e 
"dementia precocissima". Nesse momento, ele perde todas suas aqm-
u_m~ 1 t. . não brinca mais não fala, torna-se enurético, masturba-s1çoes evo u 1vas. ' ,, . ,, • 
1 . t Não pára de comer e beber ate vomitar; as umcas 
se compu s1vamen e.. ertencem a um cardápio de comida, bastante su-
palavras que pronuncia p de ervas" Embora o tratamento analí-
·1 d f "cogumelos com creme . . 
ti ' o ipo . ,, d. de violência não podia parar de co-tico tenha moderado seus ep1so ws , 
mer. . mãe conta um sonho que teve repetidas 
Durante as entrevistas, .ª . ne hambúrguer, vá ao açou-
ne quilos muita car , . . 
vezes: "Vá comprar car . ' . d, " Esta cena de comida sem lurn-
daço mteiro e carne · . t 
gue e compr~ um pe Na se unda, aparece o próprio pru, mor o. 
tes é a primeira parte do sonho. f de ruim possa acontecer com ele; 
·ct do do filho , mas ela teme que a go . . l em parar de comer: e 
cu1 an _ . ra um obJeto ora s _ . , 
N,, fantasia, essa mulhe1 mcorpo . . . frente a essa tancasia como 
a - 0 menino se situa . d na t·, ntas ,· a de devoraçao. . m;--te sonha angust ia a: ur 
uma a · . d ·ea l o que a ' . -- · . d 
b ·a que come, rea lt zan o no ' . . ·erem uma lista mt1111ta e 
uma oc , . . alavrns que pronuncia s O nenino como 
boca devorante. Dai as p . . , (lcvorar a si mesmo. r · d ·t1 (h '10 Sl; · · , J 
comida, que só pode_ s~ ~ ,~csc~ l~ rica um rea l não simboll zave . 
"condensador do gozo p · 
Na perv~rsão, a criança é identifi cada pela mãe com o falo, por isso 
a falta permanece obturada. A criança torna-se instrumento de gozo do 
Outro, não há metáfora, mas gozo ligado ao falo. Lacan afirma na "Ques-
tão preliminar": "Todo problema das perversões consiste em conceber como 
a criança ... identifica-se com o objeto imaginário desse desejo enquanto a 
própria mãe o simboliza no falo".22 Existe, contudo, outra indicação de 
Lacan que aponta para esta questão: "O que foi para essa criança sua mãe, 
e essa voz com a qual o amor se identificava com os mandamentos do de-
ver? Sabe-se bem que para querer extremamente uma criança há mais de 
um modo, e também entre as mães de homossexuais". 23 
Jacques-Alain Miller - em seu comentário do artigo de Lacan "Ju-
ventude de Gide ou a letra e o desejo" - examinou esta questão na figura 
das duas mães de André Gide. Ele indica a disjunção entre o amor e o gozo 
que se produz nas perversões como efeito da mortificação do desejo.24 A 
mãe de Gide, representante da mãe ideal que se ocupa com devoção do filho 
após a morte do marido e renuncia à sexualidade, provocou nele uma re-
pulsa do desejo que fez com que buscasse uma saída pelo lado das práticas 
pedófilas. Neste sentido, Eric Laurent aponta que o que se deve captar não 
é tanto a relação da criança com o ideal materno, mas a maneira de que foi 
objeto para a mãe. 25 
4. Alguns exemplos de neurose em meninas 
Adela Fryd (Buenos Aires) vem estudando as diferentes posições 
sexuadas na infância e sua forma particular de apresentação na neurose.26 
Não se deve confundir estrutura e tipo clínico com posição sexuada. A 
primeira traduz a posição do sujeito frente à inscrição da falta, dentro da 
estrutura clínica existem formas particulares da relação com o Outro; a 
posição sexuada - masculina e feminina - concerne ao que Lacan cha-
mou de "as estruturas lógicas de sexuação" e não dependem do sexo bio-
lógico, mas do lugar em que se localiza o sujeito. Esta última questão não 
será tratada nesta oportunidade. 
Pegaremos três casos de meninas: Ofélia, menina obsessiva que atendi 
em Paris; Elena, a histérica tratada por Eric Laurent; e Sandy,a fobia in-
fantil comentada por Lacan em seu Seminário IV. 
a) A neurose obsessiva: Ofélia 
A consulta de Ofélia, de nove anos, reconhece uma dupla fonte: por 
um lado, certos pensamentos que a torturam e a fazem sentir-se culpada, e~ 
por outro, a obesidade. Pelo menos é isso que contam seus pais . Ofélia, Pº' 
34 
sua vez, es tá inquieta sobretudo com as suas idéh . h , , , · , . _ · ' , s o sess1vas. de acordo 
com sua propn a expressao . 
Inexplicavelmente , Ofé li a pensa alou mas palavra · . - o , , s que se art icul am 
em uma frase, sem que na realidade concorde com el . EI . . · . " . , as. a as pensa e logo 
se sente obt 1gada a di ze-las Jª que não gosta de oculta ,, , . r seus pensamentos. 
Esta pa~avra e babaca, as~oc1ada ao pai e à mãe. Antes de ir dormir. quan-
do a mae vem dar boa noite, não consegue evitar de pensar: "minha mã , 
bb "f e e 
uma .ª a~a , 2ªse que repete baixinho quatro a cinco vezes. Isto produz 
certa mqm~taçao, embora considere que essa não é a palavra adequada e 
p:efira venficar seu ~entido no dicionário. Isso quer dizer que a compul-
sao permanece associada à dúvida. 
Em seguida, me conta o seguinte sonho: "Havia um grande aparta-
mento, com três escadarias que levavam ao quarto e um tapete vermelho 
estendido sobre a escada. Os pais de um menino de cinco anos (antigo colega 
de turma) davam-lhe de presente alguma coisa de ouro, uma estátua ou uma 
corrente. Depois, faziam uma grande festa". 
Pouco a pouco, as obsessões se desenvolvem e ganham nova ainpli-
tude. Uma nova compulsão substitui a palavra "babaca" e toma o seu lu-
gar. Quando da leitura de uma estória de bruxas surgiu-lhe a necessidade 
de verificar todas as noites se havia uma bruxa no seu quarto. 'Para isso, 
tem de repetir a seguinte fórmula mágica duas ou três vezes antes de ir 
dormir: "Bruxa, bruxa, cuidado com o traseiro". Ao pronunciar essa frase, 
podia fazê-la aparecer e desaparecer continuamente. Porém, a relação com 
a mãe permanece intacta, e às vezes pergunta-lhe se a mãe não é uma bruxa. 
Descreve também outras com pulsões: tocar na lâmpada ( embora saiba 
que se queimará), verificar antes de sair se a lâmpada está apagada. No seu 
entender, comporta-se como o "tio Patinhas" dos quadrinhos, que tem um 
cofre de ouro e é avarento. Ela é avarenta com o dinheiro e a luz. 
Através desta associação, Ofélia dá um sentido a um sonho em que 
um menino recebe um objeto de ouro. Introduz este objeto valioso na 1ne-
tonímia fálica que inclui a si mesma identificada com o garoto. 
Para ela é claro que as bruxas não existem, mas ... , de repente, às vezes 
exi stem. Acredita ni sso em termos. Em princípio não é verdade, mas, de 
repente , existe no mundo um a gruta onde vivem bruxas e va.~piros , ~ ~1111 
dia irão vi sitar casa por casa, quanJo algumas pessoas morremo. A duv1da 
instala-se , então, como a rn'> rr ia es trutura de seu pensamento. . _ 
Os vampiros são incluídos a partir de ~1m pro~rama ~e te lev~sao. e, 
desde então , pe rmanece m assoc iados a u111 n to particul ar:· I oda no ite, ~~n-
. · • • · · lLa .. s l•1n1·s"1· ns JUnlo com a lor-tes de dorm ir, de ve fa1,cr utll a c1u1. com <. " , ,, -~ · · , 
mul a mágica, para ter c1:rt e1.H J c q1H.: não vi rão. 
Outros rit(1s anllnponham as prcl1tninarcs para ir dormir. Deve dei -
tar-se do bdo da patcdc para cPt11'undir-sc com a sombra, caso cheg11crn . 
Doml(.' cr,m a lu , acesa para protcgcr-~c . Não e.l e ve dormir de lado, porque 
~~ a bru>.,~ vier pode achar que ela é hem gorda e ficar com vontade ~e com~-
la. Deve verificar v~írias ve1.cs se o armário cm que guard a O ursmho e\tá 
aberto para que não fa lte nem luz nem ar. . 
Ela conta um pesadelo: "Tinha banas de chocolate e sonhei 4ue to-
dos as queriam .. . Os chocolates do sonho são os que a mãe comprou e do~ 
quais ela gosta muito. 
Esta idéia de que os outros querem o que ela tem expressa-se tam-
bém por seu medo de ladrões, tanto na rua quanto no momento em que tem 
de entrar no quarto. Ao mesmo tempo, sente medo de ser sequestrada por 
bandidos que pediriam um resgate em dinheiro. 
Vemos como se desenha com precisão sua identificação do eu com 
o objeto de desejo da mãe, à qual se acrescenta a série metonímica de ob-
jetos: dinheiro, um objeto cedível (que ela tem ou não quer dar) , ouro, um 
menino, ela mesma. Por outro lado, a impossibilidade se situa nos entraves 
que lhe impedem de se desvencilhar destas idéias. 
Tampouco falta a clássica mortificação do Outro. Freqüentemente 
diz à mãe que tem medo de que ela morra. Uma idéia qualificada por ela 
como boba aparece-lhe em certos momentos. Ela se pergunta se , por aca-
so, à noite a mãe não se transfonna em um esqueleto vivo enquanto donne. 
Esta descrição típica de uma neurose obsessiva tem uma história. 
Durante a gravidez, a mãe de Ofélia fica sabendo que o marido a trai. Dois 
anos depois do nascimento, por iniciativa do marido, eles se separam. Ela 
cai em profunda depressão, tendo dificuldades para recuperar-se. Quando 
recomeça a sair com outros homens, repete a necessidade de que exista uma 
outra mulher - o que torna impossível um vínculo duradouro. Mantém, 
assim, seu l~ço exclusivo com Ofélia~ chega mesmo a se perguntar se não 
é uma maneira de sustentar a relação com a filha. 
Ofélia :em m_uit~ ciúme da mãe . Pede-lhe que conte com quem sai, e' 
10~1~tc que nao ~cenara que ela viva com outro homem sob a ameaça de' ii murar com o pa1. 
A L-On~11tuwão de!) la neuro'"·e oh ·e · · · (' · · - l ·t · ,. ., s ss1va emmma es ta ancnc\t a nc'~ t la<,,<J tntrt mãe t f1 ll1a, no 4ual Ofélia 11rotev .-, 11,Jc ) , · l · t· 1 ) r·· \1 11.· \ . , e-,~ " sua l t ~nu 1l'a,:~il . · · ocupa o JugaJ dCJ liu111tm Junto a tn ík 
/JJ A JuHe11u . L~lnw 
J:.kllê.1 é u111<1 1w=o1n,1 th· qual1 <1 :mu '> l •I,, 1.' lt d/ Hla p ~i r. t •1 1.' lll\-.ulc .. , pcl u .. Jll i,;d, ) dt. c a11 ,k UHI haoqu111 hu l '. pu1 1,,•" ;hk ln" d,)-; ljll dh th \l \ pdtk 
3<> 
falar ... s~u medo de ca ir aprcscnta-s1; como uma abasia de tipo hi stérico" , 
di z Vicente Pa lomcrn cm seu cumcntürio Jo Ct1So .27 Eric Laurcnt ass inala 
duas interpretações diferentes : u Ja mãe e a da frlha . A mãe pensa que a 
inquietação está li gada a um aborto espontâneo (na realidade , ela se ator-
menta com este fato) . Elcna rap idamente põe a J escobcrto o enlace de seu 
sintoma com a morte da avó - de quem tem o mesmo nome . O faleci -
mento ocorreu seis meses antes, e ela morreu ao cair de um banquinho" . 
Esta construção de um sintoma, com um traço emprestado de maneira muito 
precisa, da avó, parece-me situar a menina mais do lado da histeria do que 
da fobia". 28 
O relato do caso situa três fases do tratamento. Na primeira, a meni-
na vem às sessões com um urso de pelúcia com o qual identifica a irmã 
caçula. Através de sua queixa da irmã acaba por contar um pesadelo: "Os 
ladrões entram em sua casa e jogam os objetos pela janela", e acrescenta, 
mas não a minha irmã. Laurent aproveita para separá-la do urso, dizendo-
lhe que os ladrões não iam roubá-lo e que por isso podia deixá-lo em casa. 
Na segunda fase, a formação simbólica da negação introduz uma nova 
sequência: interpreta a angústia da mãe, ofertando-lhe um desenho de um 
menino morto em uma caixa. Aparece, então, um desdobramento imagi-
nário em torno de sua posição, da de sua irmã, da do menino morto entre as 
duas, e sua articulação com o desejo da mãe, que conclui com a pergunta 
de onde vêm as crianças. Isto se desloca em seguida para a problemática 
fálica e a diferença dos sexos. 
Na terceira fase, aparece o rnedo de que queiram roubá-la. Mas o 
medo também se desloca: dos ladrões para o pai . A análise se detém no 
ponto em que a menina anuncia preferir ir ao aniversário de um menino de 
quem gosta do que à sessão de/análise. Aqui começa a situar-se em relação 
aos homens em geral. "O fato de que tivesse seis anos não muda nada. 
Encontra-se com algo dos meninos - identificados como ladrões - e há 
neles algo com o qual se confronta,

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