Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Indaial – 2022 Transversais Prof. Walter Marcos Knaesel Birkner 2a Edição Temas Elaboração: Prof. Walter Marcos Knaesel Birkner Copyright © UNIASSELVI 2022 Revisão, Diagramação e Produção: Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI Impresso por: B619t Birkner, Walter Marcos Knaesel Temas transversais. / Walter Marcos Knaesel Birkner – Indaial: UNIASSELVI, 2022. 190 p.; il. ISBN 978-85-515-0483-3 1. Diretrizes da educação nacional. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CDD 370 Olá, acadêmico! Seja bem-vindo ao Livro Didático Temas Transversais. Desde já, é preciso dizer que o título respeita a nomenclatura homônima da nossa Disciplina, em respeito à norma. Contudo, o nome deste livro poderia ser Temas Contemporâneos Transversais. Isso porque é essa a nomenclatura que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) dedica aos temas que recomenda aos conteúdos curriculares do Ensino básico no Brasil. E esses temas serão objeto de nossa análise, para que estejamos em sintonia com o documento normativo que apresenta as diretrizes da educação nacional. Dito isso, este livro não apenas apresenta e analisa os temas recomendados pela BNCC. Essencialmente, falaremos sobre o procedimento metodológico geral através do qual os temas devem ser trabalhados. Estamos nos referindo à interdisciplinaridade, que é o método predominante de ensino, de pesquisa e de extensão do conhecimento para o nosso tempo. É através da interdisciplinaridade que prepararemos as nossas crianças e nossos adolescentes para o exercício da cidadania e os desafios do mundo do trabalho. Essa é a principal meta estabelecida e a ser considerada aos efeitos de nossa disciplina. Educar para a cidadania e para o trabalho sãos os nobres objetivos gerais da educação brasileira. No contexto histórico em que vivemos, tais objetivos são indiscutivelmente os mais distintos e requerem um procedimento metodológico e didático que corresponda às necessidades contemporâneas. Estamos em meio a mudanças sociais de toda ordem. Elas são originadas pelo ímpeto humano de se desenvolver e, agora, mais do que nunca, impulsionadas com a velocidade proporcionada pelas tecnologias da informação – TI. Isso traz vantagens, mas também incitações, relacionadas principalmente à cidadania e ao trabalho. Por essa razão, nós e as próximas gerações teremos de ser mais cooperativos, menos egoístas e mais republicanos, preocupados, ao mesmo tempo, com a nossa Comunidade e com o Mundo, que está mais interligado e confluente nas diversidades de todo o gênero. Pela mesma razão, seremos impelidos à flexibilidade e à versatilidade. Teremos de nos adaptar com as novidades e as obsolescências, sendo capazes de compreender os acontecimentos e nos conformar a eles. Isso acontecerá com frequência e velocidade ainda crescentes, seja na esfera dos comportamentos, seja na maneira de trabalhar, a fim de realizar nossos projetos de vida. Por causa das mudanças e de sua velocidade, portanto, precisaremos nos adaptar a elas e preparar nossos alunos para isso. O procedimento metodológico e didático que facilitará tal adaptação é a interdisciplinaridade. A propósito, quanto ao termo “transversalidade”, é essencialmente um sinônimo, pois significa o método de APRESENTAÇÃO GIO Você lembra dos UNIs? Os UNIs eram blocos com informações adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento acadêmico como um todo. Agora, você conhecerá a GIO, que ajudará você a entender melhor o que são essas informações adicionais e por que poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto estudado em questão. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina. A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um novo visual – com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada também digital, em que você pode acompanhar os recursos adicionais disponibilizados através dos QR Codes ao longo deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de ações sobre o meio ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Portanto, acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Junto à chegada da GIO, preparamos também um novo layout. Diante disso, você verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os seus estudos com um material atualizado e de qualidade. tratar temas atravessando as fronteiras disciplinares. É dessa forma que aumentaremos nossa capacidade de gerar sinapses, compreender problemas e criar soluções ao nosso bem-estar, individual e coletivo. Então, o compromisso de nossa Disciplina é explicar isso. Boa leitura e muita dedicação, porque o Mundo e a tua Comunidade precisam de ti. Professor Walter Marcos Knaesel Birkner Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você – e dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, a UNIASSELVI disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar essa facilidade para aprimorar os seus estudos. QR CODE ENADE LEMBRETE Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conheci- mento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa- res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira, acessando o QR Code a seguir. Boa leitura! SUMÁRIO UNIDADE 1 - INTERDISCIPLINARIDADE E TRANSVERSALIDADE ................................................1 TÓPICO 1 - NOVAS ATITUDES PEDAGÓGICAS, NOVOS MÉTODOS .....................................3 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................3 2 NOVAS ATITUDES PEDAGÓGICAS, NOVOS MÉTODOS .....................................................3 3 O ENVOLVIMENTODE TODA A SOCIEDADE, DAS NAÇÕES E DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS ...............................................................................5 4 HABILIDADES E COMPETÊNCIAS ..................................................................................... 7 RESUMO DO TÓPICO 1 .........................................................................................................14 AUTOATIVIDADE ..................................................................................................................15 TÓPICO 2 - TRANSVERSALIDADE E O UNIVERSO INTERDISCIPLINAR ........................... 17 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 17 2 INTERDISCIPLINARIDADE E TRANSVERSALIDADE ....................................................... 17 3 ORIGEM DA DISCIPLINA ...................................................................................................18 4 ASPECTOS ESSENCIAIS DAS DISCIPLINAS .................................................................. 20 5 ARGUMENTOS A FAVOR DAS DISCIPLINAS ................................................................... 24 6 ARGUMENTOS CONTRA .................................................................................................. 25 7 INTERDISCIPLINARIDADE ............................................................................................... 28 8 TRANSDISCIPLINARIDADE E TRANSVERSALIDADE: A MESMA COISA ....................... 32 RESUMO DO TÓPICO 2 ........................................................................................................ 35 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 36 TÓPICO 3 - PENSAMENTO SISTÊMICO .............................................................................. 39 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 39 2 A DIVISÃO DO TRABALHO SOCIAL NO CONHECIMENTO .............................................. 39 3 O PENSAMENTO SISTÊMICO ........................................................................................... 43 4 O QUE É O PENSAMENTO SISTÊMICO? .......................................................................... 44 5 COMO PROCEDER? ......................................................................................................... 45 LEITURA COMPLEMENTAR ................................................................................................ 48 RESUMO DO TÓPICO 3 ........................................................................................................ 53 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 54 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 56 UNIDADE 2 — TEMAS TRANSVERSAIS E A ESTRUTURA CURRICULAR DAS ESCOLAS BRASILEIRAS .......................................................................59 TÓPICO 1 — OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS TRANSVERSAIS DA BNCC ......................... 61 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 61 2 OS TEMAS CONTEMPORÂNEOS TRANSVERSAIS – TCT ............................................... 62 3 OS TEMAS TRANSVERSAIS NOS PCN ............................................................................ 62 4 OS TCT NA BNCC .............................................................................................................. 64 5 OBSERVAÇÕES A PARTIR DA LEITURA DE TEMAS CONTEMPORÂNEOS TRANSVERSAIS NA BNCC: PROPOSTA DE PRÁTICAS DE IMPLEMENTAÇÃO .............. 68 6 A IMPORTÂNCIA DOS MACRO TEMAS TRANSVERSAIS .................................................73 6.1 MEIO AMBIENTE – EDUCAÇÃO AMBIENTAL E EDUCAÇÃO PARA O CONSUMO .................. 73 6.2 ECONOMIA – EDUCAÇÃO FISCAL E EDUCAÇÃO FINANCEIRA ................................................ 74 6.3 SAÚDE – EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL .................................................................. 75 6.4 CIDADANIA E CIVISMO ...................................................................................................................... 76 6.5 MULTICULTURALISMO ....................................................................................................................... 77 6.6 CIÊNCIA E TECNOLOGIA ....................................................................................................................78 RESUMO DO TÓPICO 1 .........................................................................................................81 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 82 TÓPICO 2 - O LOCAL-REGIONAL POTENCIADO PELOS TEMAS CONTEMPORÂNEOS TRANSVERSAIS ............................................................ 85 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 85 2 O LOCAL-REGIONAL POTENCIADO ................................................................................ 86 3 O CONCEITO DE CAPITAL SOCIAL .................................................................................. 90 4 INTERDISCIPLINARIDADE .............................................................................................. 92 5 DO LOCAL AO GLOBAL ..................................................................................................... 94 6 A DIMENSÃO LOCAL-REGIONAL NOS TCT ......................................................................97 6.1 MULTICULTURALISMO ........................................................................................................................98 6.2 ECONOMIA (TRABALHO, EDUCAÇÃO FINANCEIRA E EDUCAÇÃO FISCAL) .......................100 6.3 SAÚDE (SAÚDE, EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL) ...................................................101 6.4 MEIO AMBIENTE (OU EM CIÊNCIA E TECNOLOGIA, COMO SE PREFERIR). .........................104 6.5 CIVISMO E CIDADANIA ....................................................................................................................104 RESUMO DO TÓPICO 2 .......................................................................................................107 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................108 TÓPICO 3 - METODOLOGIAS ATIVAS .................................................................................111 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................111 2 A VARIEDADE DE METODOLOGIAS .................................................................................111 LEITURA COMPLEMENTAR ................................................................................................117 RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................... 121 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................122 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................124 UNIDADE 3 — ÉTICA ........................................................................................................... 127 TÓPICO 1 — ÉTICA E EDUCAÇÃO .......................................................................................129 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................129 2 ÉTICA E EDUCAÇÃO NO SÉCULO XXI ............................................................................129 2.1 GLOBALIZAÇÃO ECONÔMICA ......................................................................................................... 132 2.2 A MUNDIALIZAÇÃO DA CULTURA ................................................................................................. 133 2.3 A DEGRADAÇÃO AMBIENTAL ......................................................................................................... 133 2.4 A BIOTECNOLOGIA ............................................................................................................................134 2.5 O TERROR EM ESCALA GLOBAL E A VIOLÊNCIA EM ESCALA NACIONAL .......................... 135 2.6 A FOME ................................................................................................................................................ 136 2.7 A SUBSTITUIÇÃO DO TRABALHO HUMANO PELOS ROBÔS ................................................... 136 2.8 PANDEMIAS ....................................................................................................................................... 137 2.9 A AMEAÇA À DEMOCRACIA ............................................................................................................138 2.10 ÓDIO, FAKE NEWS E NEGACIONISMO CIENTÍFICO ..................................................................138 3 EDUCAÇÃO DO SÉCULO 21 ............................................................................................139 4 ÉTICA NÃO É SINÔNIMO, NEM ANTÔNIMO DE MORAL .................................................. 141 5 ÉTICA E EDUCAÇÃO ........................................................................................................142 6 CRIATIVIDADE ................................................................................................................145 RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................... 147 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................148 TÓPICO 2 - ÉTICA, CIDADANIA E CARÁTER ..................................................................... 151 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 151 2 ÉTICA E CRIATIVIDADE .................................................................................................. 151 2.1 VALORES .............................................................................................................................................. 153 2.2 O GRANDE DESAFIO DA EDUCAÇÃO NO SÉCULO XXI ............................................................ 155 2.3 AUTOCONFIANÇA E COOPERAÇÃO..............................................................................................158 2.4 TRÊS OBJETIVOS GERAIS ..............................................................................................................160 3 CIDADANIA NO SÉCULO XXI ..........................................................................................163 3.1 APRENDIZAGEM E CIDADANIA DO SÉCULO 21 .......................................................................... 166 RESUMO DO TÓPICO 2 .......................................................................................................168 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................169 TÓPICO 3 - ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS SOBRE OS CONTEÚDOS DE ÉTICA ................... 173 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 173 2 PRINCÍPIOS DO META-APRENDIZADO: APRENDENDO A APRENDER ........................ 174 3 ENVOLVIMENTO ATIVO E O DESAFIO DA TRANSFERÊNCIA ........................................ 176 4 COMPROMISSO COM O DESENVOLVIMENTO ................................................................ 177 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................... 181 RESUMO DO TÓPICO 3 .......................................................................................................183 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................184 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................186 1 UNIDADE 1 - INTERDISCIPLINARIDADE E TRANSVERSALIDADE OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • entender a necessidade de novas práticas pedagógicas; • concordar que a interdisciplinaridade será indispensável; • definir o significado de transversalidade; • exercitar a interdisciplinaridade e a transversalidade; • compreender que todo fenômeno pode ser melhor compreendido sistemicamente; • relacionar sistemicamente os fenômenos ao todo. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – NOVAS ATITUDES PEDAGÓGICAS, NOVOS MÉTODOS TÓPICO 2 – TRANSVERSALIDADE E O UNIVERSO INTERDISCIPLINAR TÓPICO 3 – PENSAMENTO SISTÊMICO Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 CONFIRA A TRILHA DA UNIDADE 1! Acesse o QR Code abaixo: 3 NOVAS ATITUDES PEDAGÓGICAS, NOVOS MÉTODOS 1 INTRODUÇÃO A educação é o maior desafio da Humanidade neste século, cabendo aos agentes educacionais de cada escola, de todas as cidades e nações, um protagonismo sem precedente. Durante o século XX, os sistemas educacionais tiveram a grande tarefa de alfabetizar e formar pessoas para uma sociedade menos veloz e menos imprevisível. A tecnologia mudou tudo isso, alterando o ritmo e as formas de organização social, seja na economia, na política ou onde mais pudermos imaginar. A formação de crianças e adolescentes, e de adultos também, precisa estar sintonizada com esse cenário. Daí que precisamos nos perguntar o que precisamos aprender e o que precisamos ensinar a fim de que cada Sociedade encontre os ajustamentos. Sim, porque, ou fazemos isso ou as cidades, regiões e nações ficarão à margem, tornando-se secundárias, periféricas e as crianças e jovens não terão as oportunidades que merecem. Não há escape e a educação precisa educar para os desafios de incluir por meio da instrução, do conhecimento. Do ponto de vista dos indivíduos, de seus direitos de realização humana, dos projetos de vida de cada um, temos o dever de nos empenhar nisso. Do ponto de vista da Sociedade, precisamos desenvolver nossas preocupações republicanas. Menos individualismo e mais cooperação. Bom, nessa perspectiva, precisaremos de novas atitudes, inclusive pedagógicas e metodológicas. Afinal, se os problemas são novos, as formas de enfrentá-los não podem ser as velhas. Isso nos conduz ao tema da interdisciplinaridade, de seu conceito correspondente de transversalidade e, mais amplamente, ao entendimento de que é necessário desenvolvermos nosso pensamento sistêmico. Em outras palavras, precisamos exercitar nosso raciocínio de modo a compreender as conexões de nossos problemas e oportunidades com soluções e alternativas igualmente sistêmicas. Tudo está conectado e a percepção disso, como a intervenção na realidade requer interdisciplinaridade e transversalidade. Então vamos a elas. 2 NOVAS ATITUDES PEDAGÓGICAS, NOVOS MÉTODOS A mudança social é uma lei sociológica das sociedades livres e produtivas. Neste século XXI, importantes mudanças sociais têm ocorrido e deverão continuar acontecendo, com impactos invariavelmente fundamentais na educação. Não poderia ser diferente, uma vez que a educação é simplesmente uma das mais poderosas TÓPICO 1 - UNIDADE 1 4 instituições da Humanidade e isso vale para todas as sociedades, notavelmente entre as sociedades democráticas e voltadas à promoção do desenvolvimento permanente, integradas ao processo civilizatório. Essas mudanças são mais significativas no âmbito da “mundialização” (econômica, política e cultural), das novas descobertas científicas, da tecnologia da informatização, da inteligência artificial, das artes (como na música), como também no âmbito da produção de fontes de energia e de preocupações com a sustentabilidade no sentido ecológico e especificamente humano. É o século que denominamosa era da informação e a sociedade do conhecimento, para usar uma denominação do sociólogo espanhol Emanuel Castells (1942 -). FIGURA 1 – CAPA DO LIVRO DO SOCIÓLOGO ESPANHOL MANUEL CASTELLS, CUJO PRIMEIRO VOLUME TEM O PREFÁCIO DO SOCIÓLOGO E EX-PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO FONTE: https://bit.ly/3xjdHBr. Acesso em: 16 set. 2021. A globalização ou mundialização do espaço geográfico é caracterizada pelo processo de interligação econômica, política, social e cultural, em nível global. Esse processo é consequência, principalmente, da expansão dos sistemas de comunicação por satélite, da telefonia, da presença da informática na maior parte dos setores de produção e de serviços, através da internet. A globalização constitui o estágio máximo da internacionalização, a amplificação em sistema-mundo de todos os lugares e de todos os indivíduos, logicamente, em graus diferentes. (...) Leia mais no excelente sítio Mundo Educação, em: https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/globalizacao.htm. NOTA 5 Nessa perspectiva, é fundamental refletir intensamente sobre como a educação de crianças e adolescentes está orientada para responder às demandas do seu tempo em cada sociedade. É importante nos perguntarmos como as teorias e os métodos de aprendizagem, de pesquisa e análise respondem aos desafios das mudanças. Comuns são as críticas de que os sistemas educacionais não têm acompanhado devidamente essas mudanças e que as teorias e os métodos são, com frequência, os mesmos do século passado. Naturalmente, isso conduz nossas preocupações com a condição dos professores no sentido das possibilidades e da capacidade de adaptação evolutiva em meio a essas mudanças. As mudanças teóricas e metodológicas que irão se desenvolver na Pedagogia estarão cada vez mais comprometidas com a intensificação do conhecimento através da cooperação interdisciplinar. Nessa direção, o que denominamos, acertadamente, de Pedagogia ou mesmo de educação se aproximará cada vez mais de uma “ciência da educação”. A educação nunca perderá o seu sentido pedagógico de uma orientação da Sociedade sobre o indivíduo, para a sua integração social e isso tem a ver com a formação para a cidadania. Não obstante, a educação do século XXI deverá estar caracterizada por uma influência proposital no desenvolvimento de qualidades pessoais específicas, o que implica também na formação para o trabalho, em respeito aos projetos de vida (TAGUNOVA; SELIVANOVA; VALEEVA, 2016). Nesse sentido, as abordagens estarão cada vez mais orientadas para as competências e habilidades, no sentido de permitir que, através dos projetos de vida de cada indivíduo, ele tenha as melhores condições de amplificar seus potenciais. Sua contribuição à sociedade não será apenas a de uma cooperação social pela integração à sociedade, mas também de uma contribuição a partir da sua potenciação individual, criativa, vocacional. Através da educação, portanto, os esforços estarão mais e mais concentrados em potenciar as tendências cognitivas e criativas dos alunos. O desafio é identificar e compreender quais são as principais características das mudanças atuais na didática para o uso de métodos de ensino inovadores e estudar a compreensão das mudanças pelos professores. Assim, espera-se que os TCT permitam ao aluno entender melhor: como utilizar seu dinheiro, como cuidar de sua saúde, como usar as novas tecnologias digitais, como cuidar do planeta em que vive, como entender e respeitar aqueles que são diferentes e quais são seus direitos e deveres, assuntos que conferem aos TCT o atributo da contemporaneidade. 3 O ENVOLVIMENTO DE TODA A SOCIEDADE, DAS NAÇÕES E DOS ORGANISMOS INTERNACIONAIS São diversas as organizações, atores e nações atualmente engajados nas temáticas da educação ao redor do mundo. O conjunto de esforços desses agentes, podemos dizer, pode-se resumir na seguinte pergunta: o que devemos ensinar às 6 nossas crianças e adolescentes para que desfrutem de uma vida plena? Há poucas dúvidas de que esse seja um dos principais desafios do nosso tempo, correspondente à importância da educação em nossas vidas. Por conseguinte, é uma questão vital ao desenvolvimento das sociedades, do Planeta, das nações, regiões e locais, constituindo a grande tarefa, o grande debate pedagógico – e metodológico – dos formuladores de currículos escolares e especialistas em educação. Os avanços tecnológicos, sobretudo das tecnologias da informação – TI, produziram uma enorme capacidade de armazenamento da informação e isso não para de crescer exponencialmente, revelando a potência do intelecto humano. Não obstante, essa volumosa oferta informacional nos dispensou da necessidade de armazenamento e nos liberou no sentido de um exercício cognitivo mais criativo, isto é, o de estabelecer conexões entre essas informações. A tarefa agora passa a ser a de solucionar problemas, integrando as várias dimensões do ser humano, com suas aspirações, emoções, suas relações com as outras pessoas e com o ambiente. Desse modo, a função formativa do sistema escolar se altera. Depois de caracterizar-se pelo tradicional ensinamento de conteúdos compartimentalizados em disciplinas e seus limites fronteiriços, agora o sistema escolar precisa assumir a função de ensinar conteúdos móveis e fluídos, a partir de temas transversais e através de disciplinas que dialogam entre sim. As necessidades educacionais do século XXI demandam o foco em vinculações sociais e experimentações que permitam o engajamento participativo e ativo dos alunos. Na perspectiva dos “projetos de vida”, é essencial que crianças e jovens não apenas tenham consciência sobre a importância de estudar e, sim, que sintam prazer em fazê-lo e vejam que o sentido disso está na sua inserção plena no sistema social. A escola precisa amparar os indivíduos no desenvolvimento de competências e habilidades que os preparem às situações de um mundo em rápidas mudanças sociais e, portanto, pouco previsível. Essa é a nova realidade e o esforço será hercúleo. Nesse cenário incerto e instável – queiramos ou não – as competências socioemocionais como a cooperação, a confiança mútua, a capacidade de associação e diálogo, além da curiosidade, da resiliência e da capacidade de autoavaliação, passam a ser fundamentais. É imprescindível ultrapassar as formas tradicionais de educação, ainda baseadas na preparação para o mercado de trabalho, quando esse mercado se altera numa velocidade impensável no século passado. Para entendermos isso, notemos que até o fim do século XX, o ciclo de aprendizado de um trabalhador ia do início de sua formação até a aposentadoria e ainda podia transferir esse conhecimento à próxima geração, porque era útil. Atualmente, o ciclo do conhecimento se renova, em média, a cada poucos cinco anos, o que promove uma rápida obsolescência profissional e faz com que tenhamos de nos reatualizar sempre. Então, a educação se tornou um ativo permanente e não mais dedicado prioritariamente à formação profissional, mas à geração de inteligência. 7 Por isso, é preciso apostar na criatividade, e com ela a flexibilidade, e não simplesmente num conjunto de capacitações que logo deixarão de ser úteis. O compromisso dos sistemas educacionais passa a ser com as competências e habilidades para a conviver e trabalhar nesse novo contexto histórico, altamente mutável. Repita- se: a flexibilidade será imprescindível. Disto estão cientes os educadores que integraram o debate nacional na elaboração da Base Nacional Comum Curricular – BNCC e disso devem estar cientes todos os educadores responsáveis pela implementação de seus pressupostos. O Brasil tem participado nesse movimento internacional de reforma da educação, no sentido de ajustar-se às necessidades de desenvolvimento que o século atual sinaliza. Prova disso é a própria BNCC, um documento aberto e flexível, que recomenda a interdisciplinaridade e contempla seus pressupostos em sintonia com as demandas convencionalmenteaceitas não apenas no País, mas entre as nações democráticas. Nessa direção, está em sintonia com os preceitos contemporâneos e civilizatórios de organismos voltados à promoção do desenvolvimento dos povos, como as Organizações das Nações Unidas – ONU, seu “braço educacional”: a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO (a sua vez, responsável pelo Programme for International Student Assessment - PISA, programa de avaliação estudantil que o Brasil integra) e pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento das Nações – OCDE. Todavia, há muito que avançar no sentido de alterar rapidamente o sistema atual de educação e sintonizá-lo com o século XXI. Esse é o dever que o País tem com suas crianças e adolescentes, a fim de que tenhamos oportunidades de realização dos seus projetos de vida e geração de desenvolvimento pessoal e coletivo. Comprometida com o desenvolvimento integral, focada no conhecimento criativo e no preparo socioemocional: essa educação será o principal motor da promoção de justiça social e liberdade, acima de qualquer outro fator. Para tanto, os currículos devem ser desenvolvidos na perspectiva da flexibilidade e do diálogo interdisciplinar, capaz de ultrapassar os limites da formação estática e fragmentada. Será imperioso promover a conexão entre os campos do conhecimento, permitindo a geração de novas sinapses, para uma formação mais globalizada (no sentido pedagógico e cognitivo). 4 HABILIDADES E COMPETÊNCIAS Até o século passado, predominantemente, os propósitos educacionais se resumiam a ensinar novidades, conjuntos de informações úteis ao cumprimento de regras e normas que as capacitaram, em geral, para a integração social. O importante era, de modo geral, estar cientes do que deveria ser feito no interior de subsistemas sociais, segundo regras e conhecimentos pré-estabelecidos e pouco flexíveis. As 8 atuais necessidades de formação, ao contrário, a ideia de “autodeterminação”, que sugere a assunção de liberdades e responsabilidades deverá ser a marca formativa de crianças e jovens. Os indivíduos deverão ser capazes de desenvolver o próprio norte de suas habilidades ao longo da vida e capazes de conduzir suas vidas em contextos determinados pela inovação, pelas mudanças de profissão e de relações múltiplas, com outros indivíduos, com as organizações, com as instituições e com o ecossistema. Estamos incertos na lida com as coisas e não sabemos como o mundo, a sociedade, a política e a economia serão daqui há cinco anos. Nos deparamos, frequentemente, com situações inusitadas, com labirintos cognitivos e erramos no meio do caminho. Mas também são os erros e acertos que nos permitem o desenvolvimento pessoal, intelectual, profissional e emocional, ao mesmo tempo traumático e criativo. Com os professores, esse processo é, em geral, dos mais intensos. Anteriormente, o que os docentes ensinavam para seus alunos parecia ser útil para o resto da vida deles, futuros cidadãos e trabalhadores. Ao contrário, o desafio do professor é, hoje, o de preparar seus alunos para mudanças de ordem social, econômica, cultural, política, comportamental e profissional para o que a única certeza é a própria e rápida mudança. Cada vez maior é o número de funções que desaparece, assim como os empregos e inúmeras profissões. Novas condições desse gênero virão e ainda nem sabemos quais serão. Por essa razão, é necessário preparar devidamente os alunos a se confrontar com o contexto histórico dessa instabilidade aparentemente permanente, tendo como grande desafio pedagógico o de mantê-los motivados a encarar esses desafios e engajados nisso. A interdisciplinaridade, as pedagogias ativas, a pedagogia de projetos serão procedimentos essenciais. Ao largo disso, será premente explorar as competências emocionais associadas à ideia-força do “capital social”. Estamos nos referindo a fatores como cooperação, diálogo, capacidade de associação, senso de responsabilidade comunitário e por aí vai. Tudo isso está relacionado ao pensamento sistêmico que a interdisciplinaridade potência. Capital social é um termo usado nas ciências sociais para designar o estoque de cooperação, associação, solidariedade, diálogo e civismo existentes em cada sociedade. Embora não seja simples de mensurar, é possível perceber que algumas sociedades conseguem demonstrar mais capital social do que outras e, com isso, promover melhores condições de desenvolvimento político, econômico e educacional. NOTA 9 Isso não dispensará nunca os conhecimentos especializados de cada disciplina. Ao contrário, o estabelecimento de conexões interdisciplinares, por meio de temas transversais, necessitará dos conhecimentos especializados e, com frequência, isso poderá ampliar o sentido-significado desses conhecimentos. Em outras palavras, tratar de temas, lançando mão de várias disciplinas, trará novos entendimentos sobre coisas que passarão a fazer sentido e antes não faziam (ou ainda não fazem). O êxito da educação já não é mais transmitir conhecimentos e sim transpor, atravessar as informações, cruzá-las, demonstrando como, a rigor, o mundo é um sistema, em que tudo está conectado ao resto e a percepção dessas conexões amplia nossa capacidade de dar sentido-significado às coisas e a capacidade de aproveitar melhor o conhecimento existente. Dito de modo semelhante, um olhar atento ao nosso tempo nos leva a compreender que, cada vez mais, as pessoas são reconhecidas e úteis à sociedade pelo que conseguem fazer com o que sabem e não simplesmente pelo que sabem. Isso está acontecendo porque todo o modo de vida está mudando. Antes, as pessoas iam para a escola e a formação delas era focada para a sua integração em uma sociedade mais previsível. As profissões eram duradouras, as leis, as regras, os valores morais e, portanto, as organizações às quais as pessoas faziam parte. Pessoas e organizações, assim como leis, regras e tudo o mais continuarão existindo, mas de maneira muito menos previsível. A razão disso tem a ver com a política, com a economia, com a cultura e com o meio ambiente. Bem no fim, tem a ver com a própria natureza humana, sempre em busca de algo novo. Não era assim antes, porque os sistemas sociais controlavam mais as pessoas do que hoje. Os controles são menores porque, de modo geral, certo ou errado, as aspirações humanas se libertaram de muitos desses controles. Queiramos ou não, isso tem a ver com os impulsos humanos de poder e liberdade. Notadamente, isso vem acontecendo há muito tempo e principalmente no Ocidente, onde a liberdade individual e a busca por oportunidades sempre foi, e continua sendo, uma conquista histórica. Por isso e pela força coletiva da “vontade geral”, edificamos as democracias, os Estados de bem-estar e de direitos, a fim de dar vazão aos desejos materiais e imateriais. Por um lado, comportamentos e preferências individuais são cada vez mais valorizados. Por outro, cada vez mais recursos ao nosso bem-estar material e imaterial são inventados, reproduzidos e inovados. Tudo é possibilitado pelos recursos das tecnologias da informação – TI, fruto da inteligência humana e da liberdade de usá-la e mudar as coisas o tempo todo. Por essa razão geral e com a velocidade que isso acontece, precisamos nos preparar para esse mundo imprevisível e desafiador. 10 “Vontade geral” é um termo utilizado pela primeira vez pelo filósofo moderno franco-suiço Jean Jacques Rousseau (1712-1778) para se referir à soberania do povo sobre as decisões dos governantes. Em outras palavras, trata-se de uma defesa radical da democracia. As quatro regras do método Descartes Como já mencionado, são quatro os preceitos em que consiste o método cartesiano, sendo todos fundamentados no conhecimento essencialmente racional. São eles: 1. Evidência: a primeira regra exige que não aceitemos como verdadeiro o que não nos seja claro e distinto. Nessa regra, o filósofo nos alerta sobre os juízos precipitadose a prevenção, isto é, o preconceito. Uma ideia, portanto, deve ser clara – a ponto de podermos concebê-la em nosso espírito – e distinta à medida que conseguimos separá- la de todas as outras ideias que passam ao mesmo tempo e de maneira confusa pelo nosso pensamento. NOTA NOTA Em função disso, a educação estará cada vez mais focada na criatividade, no aprimoramento das formas de comunicação, no senso crítico sobre a realidade e na cooperação. Através desses novos métodos de aprendizagem, poderemos entender melhor o sistema social e nos integrarmos a ele de maneira relativamente consciente e harmoniosa. Sem esquecer da adaptação às novas tecnologias, é indispensável compreender e explorar as possibilidades da interdisciplinaridade e a transversalidade, no que as competências que mencionamos são inerentes. Não menos importante é algo cada vez mais notório e clamado: a educação está ligada à ética, isto é, à formação do caráter, ajudando as pessoas a compreenderem o mundo e, paralelamente, que a vida no sistema social requer ainda mais as atitudes cooperativas para a vida humana sustentável. Se teremos mais liberdade e autonomia, teremos que assumir mais responsabilidades. Através do procedimento tradicional da educação, compartimentada em disciplinas, nossa forma de entender as coisas e equacionar problemas se caracteriza pelo “método cartesiano”, isto é, por separar em partes e depois ensinar aos alunos cada uma delas. Isso não vai desaparecer, mas cada vez mais aprenderemos a reunir essas partes, percebendo como cada uma se encaixa nas outras, formando um sistema coerente. Estamos no caminho da “desalienação”, neologismo que usamos aqui para fazer um paralelo justamente com o termo alienação, empregado pelo sociólogo alemão Karl Marx, que dizia que a produção em escala do capitalismo industrial “alienava” o trabalhador, isto é, tirava dele a consciência sobre todo o sistema de produção e, por extensão, do próprio mundo em que vivia. 11 A fim de promovermos essa grande mudança metodológica e cognitiva, precisamos despertar a curiosidade e termos a cabeça aberta e experimentar insistentemente essas conexões entre conhecimentos e disciplinas que não nos pareciam estar relacionadas. Ora, isso requer nossa disposição de buscarmos conhecimentos disciplinares diferentes da nossa especialidade. Por exemplo, ao investigar um fenômeno social como a cooperação, poderia muito bem admitir que, a partir da Biologia, da Física, da Zoologia, da Botânica ou das Ciências da Computação, pode encontrar respaldo explicativo sobre como a cooperação é importante em todas as esferas da vida, inclusive não humana. É simples: se as partes não cooperam, os diversos sistemas não funcionam, ou funcionam de modo desequilibrado, promovendo desigualdades. Novamente, se um sociólogo e um pedagogo quiserem estudar o tema da diversidade, o tema da biodiversidade pode ser um excelente parâmetro de comparação e entendimento interdisciplinar sobre o fenômeno. O físico alemão Albert Einstein (1879-1955), autor da teoria da relatividade, disse uma vez que “não podemos resolver nossos problemas com a mesma mentalidade de quando os criamos”. Portanto, se nos limitamos aos compartimentos de um campo do conhecimento, desperdiçamos as possibilidades de desenvolver nossas competências e habilidades criativas que nos permitam ligar as partes que farão surgir as próximas invenções, entre as quais, as nossas. Pensando nisso, não precisamos somente absorver e retransmitir conhecimentos, mas também criar. Com a interdisciplinaridade e a capacidade de estudar os temas de modo transversal, nos tornamos mais versáteis e é isso que podemos, como professores, ensinar aos alunos. Ao observarmos mais atentamente o que está acontecendo com a informação, começamos a perceber que a divisão entre disciplinas não é mais tão estanque. A separação entre os especialistas de um lado, e os generalistas de outro, já não é mais tão evidente. Especialistas conhecem muito sobre algo específico, dentro de limites 2. Análise: a segunda regra consiste em dividir cada uma das dificuldades que serão examinadas em tantas partes que sejam possíveis e necessárias para resolvê-las da melhor maneira. Segundo o filósofo, dividir o problema o torna mais fácil de ser enfrentado. 3. Ordem: agora que as dificuldades foram divididas, o próximo passo é ordená-las, conduzindo nosso pensamento a solucionar as dificuldades. Assim, deve-se começar pelas questões mais simples e os objetos mais fáceis de conhecer, para gradativamente e ordenadamente tratar dos objetos compostos e problemas mais complexos. 4. Enumeração: nessa etapa, devem-se fazer enumerações completas e revisões gerais de modo que nada seja omitido. Em outras palavras, devemos sempre nos certificar de que não esquecemos nada, de que nenhuma lacuna foi deixada para trás e todos os elos estejam conectados. Quer saber mais? Leia mais no excelente site Todo estudo”, disponível em https://www.todoestudo.com.br/filosofia/metodo-cartesiano. 12 bem circunscritos. São valorizados pelos colegas, mas não reconhecidos fora de seus campos disciplinares. Generalistas, por sua vez, trabalham com objetivos múltiplos, as suas habilidades são restritas. Nesse cenário, distinguem-se, cada vez mais as pessoas que, estudando algo com maior profundidade, abrem os horizontes de sua curiosidade para entender os fenômenos de outros pontos de vista. É isso que sugere a Base Nacional Comum Curricular – BNCC, ao recomendar que docentes aproximem os objetivos educativos, compreendendo que a formação de crianças e adolescentes deve ser materializada na perspectiva, ao mesmo tempo, da cidadania e do mundo do trabalho. Se focássemos a educação exclusivamente para a cidadania e para o universo dos direitos individuais, ignoraríamos o quanto existe da relação de causa e efeito com o mundo da economia e da produção. Se nos preocupássemos exclusivamente com uma formação profissionalizante e empreendedora, ignoraríamos o quanto as condições de produtividade dependem do bem-estar e de uma consciência cívica. É isso que o pensamento sistêmico e interdisciplinar nos permite compreender melhor. Não basta fazer a coisa certa porque alguém ou alguma lei nos diz que é assim que tem de ser e pronto. É preciso estar consciente do que fazemos e, só assim, podemos ser realmente éticos. Desse modo, estarão em vantagem os que investem suas habilidades e competências de modo expansivo, transversal, promovendo novas sinapses e expandindo a inteligência. Só assim somos capazes de nos colocar frente à velocidade das mudanças. O sistema escolar ainda estimula alunos a apreenderem por si. Ao não potenciarmos todas as interações possíveis entre os indivíduos, perdemos muitas conexões que seriam cognitiva e emocionalmente vantajosas para todos. Tanto na vida social, como especificamente nos ambientes organizacionais, a percepção e a materialização dos processos cooperativos gera melhores resultados. Isso explica boa parte do sucesso das organizações, das sociedades e dos indivíduos e não é exatamente uma novidade. Raramente, os processos que geram as inovações são o resultado do esforço individual. A própria ideia da competição interna dentro das empresas deixou de ser o principal mote cultural das organizações. A competição é sempre importante, mas indivíduos, organizações e sociedades que cooperam entre si conseguem competir melhor – estranho, mas verdadeiro paradoxo. O modo como compartilham informações entre si e experiências é o que determina o melhor resultado e a cooperação é a chave do desenvolvimento. Nessa direção, a escola (através do seu capital humano e cooperativo) será a fonte das mudanças culturais, no sentido ético. Será uma ética que valorizará a colaboração, a tolerância e todas as formas de diversidade, num mundo em que as pessoas terão de aprender a confiar e cooperar para resolver problemas e inovar. A valorização dos indivíduos nuncamais estará relacionada às aparências, mas as suas capacidades de realização. 13 Nessa nova realidade, competências e habilidades precisarão ser aprofundadas. A potenciação dos indivíduos não dependerá da simples adaptação à realidade, mas da capacidade de interferir criativa e positivamente nela. Dependerá não apenas da consciência do sobre direitos, mas da sua responsabilização sobre a vida coletiva, isto é, de compromissos com a comunidade, com o desenvolvimento local-regional e, ao mesmo tempo, de compromissos com o Planeta. Nada disso tem a ver com a perda da individualidade, ao contrário, ela será potenciada e não há reais antagonismos entre o individualismo e a coletividade, como muitos acreditam. Isso necessitará de pensamento sistêmico, potenciado pela compreensão interdisciplinar e pelas práticas pedagógicas que estimulem a transversalidade. Do ponto de vista pedagógico, portanto, precisamos aproveitar os conhecimentos profundos das disciplinas e associá-las ao procedimento interdisciplinar, permitindo que alunos experimentem estudar algo de seu profundo interesse de modo autodirecionado e transversal. Reconheçamos, de pronto, que isso não é algo automático e sem obstáculos. As resistências são de ordem cognitiva e, também, corporativa. Precisamos nos dispor a estudar e compreender a nova realidade e precisaremos quebrar as resistências corporativas. Ambos os fatores ainda dificultarão a inovação educacional, embora haja um exército de inovadores dispersos nas escolas País e mundo a fora. Eles lutam contra os currículos e conteúdos engessados e sobrecarregados que impedem o avanço da interdisciplinaridade e das práticas pedagógicas transversais. Ainda falta estrutura organizacional para potenciar as competências e habilidades educacionais. É preciso muito empenho para estudar, pesquisar e experimentar as novas formas. Além disso, muita disposição e diálogo será necessário, sobretudo, na medida em que impere o objetivo máximo da educação, qual seja, o amor às crianças. Esse amor verdadeiro e republicano é o elã que explica o desenvolvimento das sociedades e o sucesso de nações, cidades e regiões. Leia esta importante entrevista com o estatístico alemão Andreas Schleicher, coordenador do Programa Internacional de Avaliação de Alunos – PISA (sigla para o inglês Programme for International Student Assessment), da Unesco, sobre a formação educacional para o século XXI. É no site Consultor Jurídico. Confira, acesse em: https://bit. ly/3Hh2nYV. DICA 14 Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como: • O foco educacional está nos projetos de vida de cada aluno. • Os projetos de vida precisam compatibilizar a formação para a cidadania com a formação para o trabalho. • A educação implica no desenvolvimento das habilidades e competências. • As mudanças sociais serão intensificadas em velocidade, quantidade e qualidade. • A educação exigirá a formação voltada à flexibilidade e versatilidade. • O envolvimento de toda a sociedade com a educação é necessário, assim como o envolvimento das nações e organismos internacionais. RESUMO DO TÓPICO 1 15 1 A educação tornou-se o maior desafio a ser enfrentado nas próximas décadas. É claro que um conflito bélico mundial pode interromper tudo, mas até nesse aspecto, a educação parece que pode nos trazer as melhores respostas. Seja como for, os sistemas educacionais atuais precisam se diferenciar, necessariamente, daquilo que foram no século XX. Explique o porquê: 2 Novas metodologias e práticas educativas correspondem a uma necessidade produzida pela sociedade e suas características atuais que apontam para profundas mudanças em curso. O desafio geral dos sistemas educacionais, do ponto de vista estritamente pedagógico é entender essas características e transferi-las para o plano didático. Nessa perspectiva entram os Temas Contemporâneos Transversais, que devem preparar os alunos para várias preocupações. Nessa perspectiva, assinale a alternativa que contemple três preocupações absolutamente relevantes: a) ( ) Utilizar bem o dinheiro, respeitar o meio ambiente e ser tolerante com as formas de diversidade. b) ( ) Saber explorar riquezas naturais, reivindicar direitos e menosprezar novas tecnologias. c) ( ) Exigir o respeito dos mais velhos, cuidar da saúde e sobrepor seus interesses aos interesses coletivos. d) ( ) Não se preocupar com o dinheiro, preparar-se para um futuro sem empregos e respeitar minimamente os direitos das minorias. 3 A fim de preparar nossas crianças e jovens para os desafios que enfrentarão na vida, é fundamental mantê-los atentos e motivados para isso. Nesse sentido, o desenvolvimento da criatividade, da versatilidade e da flexibilidade é fundamental. Ao largo dessa necessidade, outro quesito imperioso é exercitar o trabalho coletivo, na forma de projetos, porque o mundo do trabalho e das organizações empresariais, assim como as necessidades políticas e de desenvolvimento das cidades, regiões e países, demandarão capital social. Pensando nisso, disserte sobre o que é capital social e sua relação com o desenvolvimento local-regional. 4 A Educação no século XXI passou por importantes e notáveis transformações, que, no final das constas, são o resultado de necessidades que a economia, a política e a cultura, sinalizam como tendências e necessidades. Nessa perspectiva, agentes educacionais, isto é, professores e gestores escolares, devem estar atentos às principais demandas impostas pelos novos tempos. A partir disso, sobre as reais necessidades da Educação Contemporânea, analise as opções a seguir: AUTOATIVIDADE 16 I- Criatividade. II- Heteronomia. III- Cooperação. IV- Empatia. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As opções I, III e IV estão corretas. b) ( ) As opções II, III estão corretas. c) ( ) As opções I, II e III estão corretas. d) ( ) As opções II e IV estão corretas. 5 Desde o fim da década de oitenta do século passado, houve ume reordenação econômica e política mundial, com amplos reflexos nas formas de organização das nações. Regras, leis, políticas, burocracia, cultura e formas de pensar e ver o mundo e de se organizar economicamente, mudaram notavelmente as sociedades. Por conseguinte, não é possível ignorar os seus efeitos na Educação. Considerando essa descrição, assinale a alternativa CORRETA que se refere a este enunciado: 17 TRANSVERSALIDADE E O UNIVERSO INTERDISCIPLINAR 1 INTRODUÇÃO Muito bem! Neste tópico, trataremos de apresentar uma definição a respeito do significado de interdisciplinaridade. A rigor, trata-se do método de estudo e, portanto, de análise, pelo qual estudamos um determinado tema, buscando as perspectivas de duas ou mais disciplinas. Por extensão, trataremos de apresentar uma definição sobre transversalidade. A rigor, significa a mesma coisa, porém, vários autores brasileiros preferem distinguir a transversalidade como o método prático do ensino-aprendizagem. Na perspectiva da transversalidade, o docente elege um tema e trata de explicá- lo a partir de uma disciplina e, na sequência, vai como que deslocando o tema para outras disciplinas, atravessando as fronteiras disciplinares. Naturalmente, isso requer o esforço criativo de perceber as nuances de cada fenômeno que se vai estudar. O que podemos perceber com a transversalidade é a riqueza de informações os pontos de vista de um objeto e, então, ampliar a compreensão sobre ele. Não obstante, também devemos perceber a importância do conhecimento disciplinar, pois a especialização do conhecimento em cada disciplina sempre será importante. Ao apresentarmos as vantagens da interdisciplinaridade, não deixamos de reconhecer que a fragmentação do conhecimento na sociedade moderna é uma decorrência histórica necessária. Nos permitindo uma parábola a antecipar as explicações deste tópico, disciplinas aprofundam o conhecimento enquanto a interdisciplinaridade o expande. 2 INTERDISCIPLINARIDADE E TRANSVERSALIDADENenhum problema pode ser resolvido pelo mesmo grau de consciência que o criou. (Albert Einstein) Há cada vez mais aceitação ao fato de que a interdisciplinaridade se torne o procedimento hegemônico na construção do conhecimento, seja na ciência, seja na educação, desde os primeiros anos de formação das crianças, atravessando toda a educação básica, até chegar ao ensino superior. Naturalmente, há um percurso temporal UNIDADE 1 TÓPICO 2 - 18 até que isso se consolide. Tanto é, que não estamos falando de uma mudança qualquer e sim de um deslocamento metodológico do conhecimento predominantemente especializado para um conhecimento interdisciplinar. A especialização dos saberes é um movimento histórico de dois séculos, que se consolidou ao longo do século passado e ainda é predominante. Contudo, o tempo histórico que vivemos se distingue, cada vez mais, dos padrões estabelecidos ao longo dos últimos duzentos anos. Por necessidades históricas de crescimento e desenvolvimento das sociedades, produziu-se uma complexa divisão de tarefas e isso, naturalmente, tem a ver com a construção do conhecimento. O tempo histórico deste século XXI se distingue na forma de produção da economia, se distingue pelas tecnologias da informação, se reflete nos relacionamentos pessoais e intersociais e assim, sucessiva e reciprocamente. Obviamente, em qualquer sociedade em que isso ocorre, a educação também se transforma. Mais que isso, a educação logo passa a ser o principal agente dessas mudanças, tornando-se, logo, um agente causal e não uma mera consequência. Pelas necessidades de formação educacional e desenvolvimento cognitivo dos indivíduos nesse contexto, o formato procedimental dessa transformação, seja na ciência, seja na educação, é a interdisciplinaridade. Nessa direção, apresentaremos uma definição sobre esse conceito metodológico que, sumaria e literalmente, significa a busca de compreensão dos fenômenos por meio de duas ou mais disciplinas. Em outras palavras, significa estudar um fenômeno qualquer a partir do olhar de campos diferentes do conhecimento, algo que explicaremos mais detalhadamente a seguir. Por extensão, trataremos dos conceitos correlatos à interdisciplinaridade, até chegarmos ao conceito de transversalidade, nosso principal objetivo neste Tópico. Para entendermos melhor o conceito de interdisciplinaridade, é importante contextualizarmos a palavra. Considerando que muito se fala sobre o termo e que muitas e variáveis são as definições a seu respeito, devemos primeiramente fazer uma revisão para esclarecer os significados. Isso requer que iniciemos pelo conceito precedente de Disciplina que aqui entendemos como “campo de saber específico”. A rigor, não há como compreender o que é interdisciplinaridade, nem mesmo o que significa transversalidade, sem compreendermos inicialmente o significado de disciplinaridade. Esse é o primeiro conceito que precisaremos definir aqui. 3 ORIGEM DA DISCIPLINA Pela etimologia (ciência da constituição das palavras), a palavra disciplina significa "a instrução que é dada a um discípulo” (ETIMOLOGIA, 2022) e, segundo o Dicionário Oxford (OED, 2002), o termo tem origem na Idade Média. Isso tem todo o sentido, já que foi durante esse período da história do Ocidente que surgiram as primeiras universidades, primeiramente em Bolonha (1088) e Paris (1170) (HEARN 2003, http://www.etymonline.com/ 19 p. 3). Fora da Europa, podemos considerar que a palavra "disciplina" adquire o significado escolar que usamos atualmente, isto é, de uma matéria específica de conhecimento. Isso acontece no período de 1870-1900, que é quando a maioria das universidades nos Estados Unidos foram criadas. A estruturação do ensino no formato multidisciplinar (isto é, de um conjunto de disciplinas) e por períodos, como conhecemos atualmente, passou a se solidificar mais ou menos em meados do século XIX quando as universidades começaram a passar por grandes reformas. Aconteceu primeiramente na Inglaterra, onde o ensino superior foi influenciado profundamente pelas ocorrências sociais de ordem econômica, cultural e política. Lembremos, que é o século em que os efeitos da Revolução Industrial se aceleram, as sociedades das nações em franco progresso econômico se alteram notavelmente e novas disciplinas começam a surgir em função das descobertas científicas e tecnológicas. É claro que isso variou de nação para nação, mas foi um processo evolutivo e expansivo, que se alastrou pelo Ocidente e mundo afora. As causas do surgimento das disciplinas e da compartimentação do conhecimento têm algumas explicações interessantes, duas das quais separamos aqui. A primeira, Boisot (1972, p. 89) é a de que há uma tendência natural do ser humano em separar, classificar e conceituar os fenômenos a sua volta, mesmo que seja para depois reagrupá-los em compartimentos (BOISOT, 1972 apud CHETTIPARAMB, 2007, p. 2). A segunda causa está relacionada à necessidade da própria ciência no sentido de extrair o máximo conhecimento possível das coisas, uma tendência incessante de fazer a informação crescer. Nesse sentido, quanto mais conhecimento especializado sobre qualquer coisa, tanto maior a informação. É quando lembramos da velha regra de Descartes (1596-1650) que, mais de dois séculos após sua morte, ajudou a constituir as características do positivismo. Nessa perspectiva, deve-se dividir os problemas de investigação em tantas partes quanto for possível, separando-as e estudando cada parte, intensamente, para depois recompor o todo. E essa divisão do trabalho científico, que é correspondente à divisão do trabalho social, foi reconhecida pelo sociólogo positivista Emile (pronuncia-se Emíl) Durkheim como um sintoma da modernidade. A especialização do conhecimento na ciência se manifestava, igualmente, no modo de produção industrial, ou seja, dividia o conhecimento e a produção em vários conhecimentos e tarefas específicas. Tanto na ciência, como no modo de produção industrial, foi o que convencionamos chamar de a Divisão do Trabalho Social. Essa divisão, que se reflete em todas as esferas da vida social, era um aspecto tão fundamento para esse pensador francês quanto para o alemão Karl Marx. Enquanto para Durkheim significava o sinal de progresso da humanidade, para Marx era motivo de sua crítica ao capitalismo. 20 Ao promover sua análise histórico-sociológica do processo evolutivo da sociedade europeia de seu tempo, o pensador francês entendia a divisão das tarefas como uma decorrência não somente da economia. Durkheim compreendia o fenômeno como decorrência natural do crescimento populacional e da evolução do conhecimento científico. Já, o pensador alemão afirmava que essa divisão em inúmeras tarefas específicas alienava os homens do processo produtivo. Marx reconhecia, é claro, que se tratava de uma evolução das forças produtivas. Não obstante, com olhar igualmente sociológico, dizia que essa complexa divisão fragmentava a compreensão humana sobre o mundo e impedia os homens não só de compreender a economia, mas toda a realidade. E, ao reconhecermos as conexões sistêmicas entre ciência e economia, como tantas outras, compreendemos que a estruturação disciplinar não atendia apenas às necessidades de especialização do conhecimento, mas também ao interesse do modo de produção capitalista. Em outras palavras, tratava-se de incentivar os indivíduos a se formarem em especialidades cognitivas e, leia-se, profissionais, a fim de se ajustar às necessidades da organização econômica. (TURNER, 2000 apud CHETTIPARAMB, 2007). Desse modo, percebemos a especialização na ciência, na educação e nas organizações, sobretudo nas empresas. Ainda que tudo faça parte de um grande sistema, a departamentalização ou, se quisermos dar outro nome, a compartimentação dos conhecimentos, é o reflexo das necessidades de organização de todo o sistema social, traduzidas na complexa divisão do trabalho. De todo modo, tanto o conhecimento tradicionalquanto a organização da sociedade ainda são bastante caracterizados por partes que estão suficientemente conectadas a um comando central, todavia, permanecem pouco conectadas entre si. Portanto, mesmo que componham um todo sistêmico, desempenham funções de comando e obediência verticais e não necessariamente de cooperação consciente e horizontal entre as partes. É o que muito ainda se vê nas organizações tradicionais, de rígidas hierarquias de comando sem diálogo entre departamentos. Nessa forma tradicional, a que chamamos de fordista, os indivíduos executam muitas funções sem saberem exatamente o porquê. É justamente essa percepção crítica que faz com que as organizações mais modernas promovam mudanças de ambientes verticais para horizontais, de centralizados a descentralizados, monológicos a dialógicos e, por assim dizer, de disciplinares a interdisciplinares. 4 ASPECTOS ESSENCIAIS DAS DISCIPLINAS As disciplinas são, como já afirmamos, campos específicos do saber, mas não são ilhas. Elas têm suas especificidades, objetos de estudo próprios, problemas, termos específicos, teorias e métodos que constituem organismos cognitivos próprios. Contudo, a função principal é servirem de fontes de conhecimento que são úteis ao funcionamento de um sistema maior, como por exemplo um curso superior que, por sua 21 vez, atende ao sistema econômico e à sociedade em geral. Disciplinas são constituídas de modo lógico e dotadas de certa autonomia. Sim, certa autonomia, porque, a rigor, elas não são estáticas, ao contrário, evoluem e se aproximam de outras disciplinas, fazendo com que as suas fronteiras não sejam algo impermeável (BARROS, 2019, p. 22). Então, tem certa autonomia, por conta daquilo que lhes é específico, mas nunca são totalmente autônomas porque, tematicamente, precisam de outras disciplinas e se obrigam a invadir fronteiras disciplinares. Disciplinas são espécies de comunidades ou clubes que integram indivíduos com sabedoria, que possuem a mesma formação distintiva na sociedade, mais ou menos especializada, e cumprindo funções específicas para o sistema social. Nessa “divisão do trabalho social”, essas pessoas são certificadas e reconhecidas pela autoridade que os diplomas lhes conferem, ocupando profissões que conferem poder e desempenham funções específicas. É assim com o administrador, o engenheiro, o biólogo, o profissional do direito, é assim com o professor, o pedagogo, cujo status é reconhecido socialmente em função do conhecimento especializado que cada um adquiriu, certificado por um diploma. Como campos de conhecimento específicos, as disciplinas (também as chamamos de ciências, enquanto outras são ramos ainda mais específicos das ciências) tem algumas características que as distinguem enquanto tais e demarcam suas fronteiras, quais sejam: 1. Objeto de estudos próprio (ou, especificidade): a Sociologia, por exemplo, é responsável por estudar as relações entre indivíduo e sociedade, enquanto a Pedagogia é responsável pela educação das crianças; a Biologia estuda as diferentes formas de vida e, no seu interior, a Zoologia pesquisa o mundo animal, enquanto a Botânica investiga o mundo vegetal. Do ponto de vista interdisciplinar, isso não deve impedir que outras disciplinas se intrometam nessas funções, mas, do ponto de vista disciplinar, o lema é “cada um no seu quadrado”. “A divisão social do trabalho é uma das marcas impostas pelo sistema capitalista aos modos de produção da sociedade moderna. Ela consiste na fragmentação do processo produtivo, que dá origem a diferentes níveis de especialização. Com isso, o trabalhador passa a desenvolver tarefas específicas dentro do meio produtivo. Por realizar a mesma atividade diversas vezes, passa a fazê-la com mais eficiência, o que aumenta a velocidade produtiva do sistema como um todo”. Leia mais no excelente site Educa mais Brasil, em: https://bit.ly/3rizOnQ. NOTA 22 2. Método que é próprio de cada disciplina: assim como a Física e a Química, a Pedagogia, a Ciência Política ou a Literatura possuem seus próprios métodos de investigação e ou de abordagem. Novamente, devemos admitir que, interdisciplinarmente, é comum que cada um desses campos específicos do conhecimento use ou empreste seus métodos de análise a outros. Podemos dizer, em defesa da interdisciplinaridade, que isso é bastante produtivo e criativo. No entanto, do ponto de vista disciplinar, isso não é muito frequente, nem recomendado. Por uma questão corporativista, por assim dizer, política, isso pode significar perda de autonomia e de prestígio. 3. A terceira é justamente a característica corporativista: nesse aspecto, a formação de um campo de saber específico é algo constituído historicamente. Assim que um campo cognitivo adquire reconhecimento por ter objeto e método próprios, com suas teorias e repertório discursivo próprio, passa a ter um status, que lhe confere autoridade perante a sociedade. Mais que isso, tal prestígio garante a cada disciplina, a cada ramo específico do conhecimento, uma reserva de mercado. Ainda que do ponto de vista interdisciplinar, cientistas e profissionais de certo ramo produzam conhecimentos extraordinários em outros campos, do ponto de vista disciplinar – e corporativo - biólogo não mete o bedelho na Sociologia, economista não se mete a filosofar, nem matemático pode lecionar História. Frequentemente, acreditamos que o conhecimento como um todo constitui um ente autônomo, cuja própria razão e lógica determinariam como o conhecimento deve ser. Assim, aceitamos naturalmente a lógica constitutiva e formativa do conhecimento, sem questioná-la. Portanto, se o conhecimento é dividido em milhares de especialidades que competem exclusivamente a cada grupo formado nessa ou naquela especialidade, acreditamos que é assim porque sempre foi assim e pronto. Se cursamos o ensino médio dividido em doze ou treze disciplinas e depois fazemos um curso superior dividido em oito ou dez semestres, compostos por dezenas de disciplinas específicas, deduzimos que é assim que tem de ser. Contudo, precisamos considerar dois aspectos importantes aqui. Primeiramente, é o fato de que o conhecimento não é assim, simplesmente, porque sempre foi assim. São homens e mulheres que falam e tomam decisões em nome do conhecimento e Corporativismo é a forma que grupos profissionais ou setoriais específicos na sociedade encontram de se organizar em defesa primordial ou exclusiva de seus interesses. Fazem isso na forma de conselhos, associações, sindicatos e outras formas de organização de seus interesses de proteção, de vantagens e de preservação e ampliação de suas conquistas, mesmo que a revelia dos interesses da vontade geral em sociedade. NOTA 23 a maneira como as comunidades educacionais são constituídas é determinada por interesses legítimos, porém, corporativos. São os grupos que se unem e integram as associações corporativas, profissionais ou científicas que, com seus códigos de ética, controlam o modo como o conhecimento é composto. O que é certo ou não é, o que é cientificamente válido, aceito ou não, depende em grande medida de como cada conhecimento vai legitimar ou afetar os interesses de cada compartimento disciplinar. Em segundo lugar, trata-se de lembrar o que já dissemos anteriormente: a forma como o conhecimento se estrutura é uma construção histórica em dependência não apenas de necessidades humanas naturais. O conhecimento se estrutura a partir de necessidades que os seres humanos criam em sociedade e que interessam mais a uns do que a outros, revelando a eterna busca pelo poder. Afinal, conhecimento é poder. Não há nada de absurdo nisso, mas é preciso que pensemos sobre isso. Assim, ciência e tecnologia são a expressão de necessidades históricas. O modo como, por exemplo, as nações se constituíram nos últimos duzentos anos expressa um tipo de formato cognitivo, científico e educativo. Até aqui, esse formato foi hegemonicamente disciplinar, das especialidadese de fronteiras razoavelmente bem definidas. Agora, e cada vez mais, devemos perceber que as necessidades dos seres humanos não são mais as mesmas, seja na economia, seja na política, seja nas relações sociais e na vida privada. Todos esses campos de atividades humanas requereram especializações, sem muita necessidade de comunicação interdisciplinar entre os conhecimentos. Cada disciplina correspondeu a uma parte que se encaixa ao todo e estava tudo certo, como no modo de produção fordista. Não deixamos de ser assim, de uma hora para outra, ao contrário, ainda somos parcialmente e predominantemente assim, embora haja exceções. Entretanto, o desenvolvimento das instituições políticas, atendendo às demandas sociais e individuais de toda ordem, aliados aos avanços das tecnologias da informação e da economia mundializada, requerem cada vez mais criatividade. Não estamos mais nos formando exclusivamente para nos tornarmos os trabalhadores autômatos caricaturados por Charles Chaplin em “Tempos Modernos”. Somos, cada vez mais, os indivíduos desejosos por potenciar nossos projetos de vida, como recomenda a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A potenciação de nossos projetos de vida também é uma necessidade em função de um mundo que será cada vez mais rápido nas mudanças e menos previsível profissionalmente. Isso exige cada vez mais conhecimentos, habilidades diversas e muita criatividade. Potenciar a criatividade exige conhecimento interdisciplinar. 24 5 ARGUMENTOS A FAVOR DAS DISCIPLINAS As disciplinas e seu caráter de especificidade são inquestionavelmente importantes para o avanço científico. No interior delas, são criados conceitos que definem fenômenos de maneira muito precisa, porque é resultado do esforço de aprofundamento investigativo e analítico sobre cada fenômeno. E é a determinação disciplinar de investigar a partir de certa especificidade e através de um determinado método, que é possível obter um conhecimento aprofundado e detalhado sobre algo. Isso autoriza as disciplinas a utilidade de servirem de obstáculo às compreensões rasas, às opiniões superficiais dos que sabem de tudo um pouco. Cada disciplina congrega uma comunidade de cientistas, pesquisadores, professores, teóricos e profissionais que contribuem para a criação de conceitos e sua depuração ao longo do tempo. Os esforços desses atores são fundamentais à dinamicidade tanto quanto às singularidades que diferenciam cada disciplina de outros campos conceituais. E esse arcabouço de conhecimentos gera discursos e modos próprios de ver o mundo. Por extensão, gera empoderamento corporativo, status e, por assim dizer, “reserva de mercado”. Conceitos são cotidianamente usados, testados e contestados, defendidos e criticados, gerando um processo de depuração, cujos filtros vão tornando as ideias mais precisas. Esse processo é constituído, entre tudo, pela apropriação de leitores, estudiosos, alunos e cidadãos, facilitando as formas de comunicação. É claro que isso pode gerar confusão no senso comum, mas a confusão é resultado da superficialidade com que muitos tratam as ideias. O fato é que disciplinas, enquanto campos de saberes específicos, melhoram o entendimento e a linguagem social. Cada disciplina tem, portanto, uma função social, sobretudo educadora, de fundamental importância para a ampliação do conhecimento. Sem esse esforço da especialização do conhecimento, trataríamos os fenômenos com muita superficialidade, tendo de recorrer muito mais à dedução sobre as coisas. Nos perderíamos, com frequência, nos “achismos”, tão comuns no senso comum, onde, com frequência, a comunicação não avança por falta de conhecimento mais aprofundado, especializado, honesto e sem preconceitos sobre a realidade. Além disso, do ponto de vista utilitário, nos faz lembrar o sociólogo australiano Bryan S. Turner (2006, apud CHETTIPARAMB, 2007), que a maior contribuição social das disciplinas está no fato de que elas inserem os indivíduos no mercado de trabalho, cujo sistema é composto de empresas que requerem conhecimentos especializados e corporações profissionais que atendam a tal necessidade. São essas corporações que, com sua utilidade profissional e suas habilidades cognitivas e técnicas, geram o acesso privilegiado dos formados ao mundo do trabalho. É nessa perspectiva que o físico alemão Malte Henkel observa que 25 engajamento com os principais princípios, conceitos, teorias e debates de uma disciplina tornou possível desenvolver conhecimentos, habilidades e valores que eram necessários para os indivíduos e sua sociedade, bem como para a economia. Isso, no entanto, também pode ser uma excelente preparação para o mercado de trabalho. Muitos acadêmicos acreditam que podem cumprir melhor sua responsabilidade sobre seus alunos dessa forma (HENKEL, 2000 apud CHETTIPARAMB, 2007, p. 9). Nessa direção, com tudo o mais que possamos considerar sobre a importância das especializações disciplinares, devemos reconhecer, desde já, que o conhecimento disciplinar continuará existindo. A divisão do trabalho científico continuará fazendo parte do conhecimento humano e não apenas pela força do corporativismo profissional e cognitivo. Nada autoriza vislumbrar o seu desaparecimento, nem mesmo seu arrefecimento, simplesmente porque os conhecimentos disciplinares continuarão sendo necessários à sociedade. O que acontecerá, cada vez mais, é um rompimento das fronteiras, que será benéfico aos estudiosos interdisciplinares, porque isso também se torna crescentemente uma necessidade social, desde a ciência, passando pela educação, pelas necessidades profissionais e pela formação individual e cidadã. 6 ARGUMENTOS CONTRA Naturalmente, precisamos reconhecer o que acabamos de afirmar. Se, por um lado, não é razoável afirmar que as especializações do conhecimento possam arrefecer, podemos dizer que o procedimento interdisciplinar avançará. O conhecimento especializado continuará a progredir porque permanece útil à ciência, à educação, à economia e à sociedade em geral. Uma vez que toda a organização social, política, cognitiva e sobretudo econômica é caracterizada pela divisão do conhecimento em milhares de áreas e funções, isso tem suas razões e funciona. Portanto, deve ficar claro que falar a favor da interdisciplinaridade não significa falar contra as especializações das disciplinas. Conquanto as especializações do conhecimento continuem sendo fundamentais ao funcionamento das coisas e, portanto, à complexa divisão do trabalho social, a interdisciplinaridade avançará, tirando proveito dos conhecimentos especializados, de seus métodos, conceitos, teorias e linguagens. Em cada especialidade, cada vez mais, novas gerações de pesquisadores e profissionais não se furtarão a buscar referências em outros campos do conhecimento, com o fim de ampliar o escopo e analítico e interpretativo. Por força das necessidades sociais do século XXI, superará o corporativismo disciplinar. Existem várias críticas contra as disciplinas e suas delimitações fronteiriças rigorosas. Nessa direção, o que as disciplinas revelam com bastante frequência é a sua entropia, isto é, o olhar para dentro, ensimesmado nos limites cognitivos e terminológicos de suas especificidades. Isso se percebe frequentemente nos textos de cada área do 26 conhecimento, pelo menos nas Humanidades. Nesse sentido, é possível ler vários artigos ou livros de uma área qualquer do conhecimento e perceber ideias, conceitos e autores sendo repetidos. Pensemos numa área de conhecimento como a Pedagogia ou a Sociologia, ou então como a Economia e a Administração, onde um conjunto de autores, suas obras e sua terminologia conceitual predominam. Se por um lado, como já reconhecemos, isso gera aprofundamento em detalhes e fortalece certos argumentos, por outro, gera também redundâncias e limitações. As redundâncias e, mesmo, as tautologias, significam repetições desnecessárias e sua eficácia está muito mais em fortalecer
Compartilhar