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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE FARMÁCIA RICHARD CARRASSAI DOENÇA CELÍACA A doença do glúten PORTO ALEGRE 2021 RICHARD CARRASSAI DOENÇA CELÍACA A doença do glúten Trabalho de Patologia apresentado ao curso de graduação em Farmácia como requisito para a obtenção de nota. Professor: x Porto Alegre 2021 SUMÁRIO Resumo 3 1. Anatomia e histologia do órgão saudável 4 1.1 Anatomia 4 1.2 Histologia 6 2. Etiologia 8 3. Patogenia 9 4. Alterações Estruturais e Moleculares 10 4.1 Histologia do Intestino Delgado 10 4.2 Alterações Moleculares 11 5. Manifestações clínicas 12 6. Diagnóstico 13 7. Tratamento da doença 15 Conclusão 18 Bibliografia 19 Resumo A doença celíaca é uma doença autoimune que acomete o intestino delgado. Nesta disfunção, a ingestão de glúten gera uma inflamação auto mediada que acarreta na destruição dos vilos, impedindo a absorção normal dos nutrientes pelo intestino. Pacientes com doença celíaca apresentam sintomas como diarréia, anorexia, desnutrição, distensão abdominal e perda de peso. A DC pode ocorrer durante a infância ou na vida adulta e seu tratamento consiste principalmente na exclusão do glúten da dieta. A DC pode desencadear diversas alterações no organismo e afeta diretamente a estrutura do intestino delgado, podendo causar alterações nas vilosidades e na mucosa do tecido. Além disso, a maioria dos pacientes portadores dessa doença possuem alterações moleculares relacionadas aos genes HLA-DQ2 e DQ8. Estudos recentes associam a doença celíaca com a produção de interleucina-15 pelo sistema imune adaptativo, levando a morte de células epiteliais intestinais através do sistema complementar. Além disso, há possíveis genes encontrados nos cromossomos 5, 6 e 19 que predispõem a doença. O diagnóstico é feito a partir da presença de sintomas da doença.São feitos exames sorológicos para detectar se há anticorpos elevados. Se houver um diagnóstico positivo é feita então a biópsia intestinal, onde se observa os diferentes graus de lesões decorrentes da doença. 1. Anatomia e histologia do órgão saudável 1.1 Anatomia O intestino delgado inicia no fim do canal pilórico até o óstio ileal e tem extensão média de 5 metros no indivíduo adulto. É dividido em três partes: duodeno, jejuno e íleo. (figura 1.1) Figura 1. Desenho esquemático das divisões do intestino grosso: duodeno, jejuno e íleo. <Fonte: Moore et al., 2018> O duodeno é a menor parte do intestino delgado, representando apenas 25cm (em média) da extensão do órgão. Ele se estende do piloro até a junção duodenal e se encontra na maior parte do retroperitônio superior. Ele é a primeira parte do intestino e possui formato de C. É subdividido em 4 porções: a parte superior, descendente, horizontal e ascendente. A parte superior encontra-se anterolateralmente ao corpo da vértebra LI, começando no final do piloro e até a flexura duodenal superior. Está anteriormente a artéria gastroduodenal, ducto colédoco e veia porta. Anterosuperiormente, temos a cabeça e o colo do pâncreas e posteriormente o colo da vesícula biliar (Standring et al., 2010). Caracteriza-se pela sua mobilidade, presença de mesentério e peritônio nas partes superior e anterior de sua face posterior próximo ao piloro. Ao chegar na flexura duodenal, entramos na segunda parte do duodeno. A parte descendente desce pelas faces direitas de LI e LIII, começando na flexura duodenal superior, realizando a curvatura característica do formato de letra C ao redor da cabeça do pâncreas até a flexura duodenal inferior. Está anteriormente ao hilo do rim direito, aos vasos renais direitos, à margem da veia cava inferior e ao músculo psoas maior direito (Standring et al., 2010). A cabeça do pâncreas e do ducto colédoco localizam-se medial e laterosuperiormente a flexura direita do cólon. A parte descendente é fixa, não apresenta mesentério e possui peritônio somente na superfície anterior superior. Contém, ainda, uma papila menor seguida de uma papila maior. É na papila maior que o órgão recebe a bile e o suco pancreático por meio da ligação entre o ducto colédoco e o ducto pancreático que entram pela parede posteromedial formando a ampola hepatopancreática. Ao alcançar a flexura duodenal inferior, inicia-se a terceira parte do duodeno. A parte horizontal segue transversalmente a esquerda cruzando a vértebra LIII. O cruzamento é anterior à veia cava inferior, indo de encontro a parte ascendente (quarta parte) em frente a aorta abdominal. Está localizada anterior ao ureter direito, ao músculo psoas maior direito, aos vasos gonadais direitos, a veia cava inferior e aorta abdominal (Standring et al., 2010). A cabeça do pâncreas encontra-se na porção inferior. Possui peritônio em sua face inferior anterior e na superfície anterior à extremidade lateral esquerda. A parte horizontal conecta-se à quarta e última parte do duodeno à esquerda da aorta. A parte ascendente tem seu início à esquerda da vértebra LIII e segue superiormente até a margem superior da vértebra LIII. Ela ascendente à esquerda da aorta abdominal termina na flexura duodenojejunal. Encontra-se posteriormente à aorta, músculo psoas maior esquerdo e vasos renais e gonodais esquerdos. Posterolateralmente temos o rim e ureter esquerdo, quanto o mesocólon transverso lateral está anteriormente. A parte ascendente realiza uma curva pela qual conecta-se ao jejuno na flexura duodenojejunal, sustentada pelo ligamento de Treitz, que é uma prega dupla de peritônio. A parte ascendente do duodeno conecta-se ao jejuno, que tem início na flexura duodenojejunal. Deste ponto em diante todo intestino delgado é intraperitoneal. Não há demarcação exata do momento onde termina o jejuno e começa o íleo, mas sabe-se que o primeiro está no quadrante superior esquerdo, enquanto o segundo está no quadrante inferior direito (Fig 1.1). O fim do íleo é a junção ileocecal. Entre as diferenças anatômicas, o jejuno tem a parede um pouco mais grossa e possui pregas circulares mais pronunciadas. O íleo tem a parede mais delgada e as pregas circulares menos evidenciadas. Ambas as partes estão fixadas na parede abdominal posterior pelo mesentério. Localizam-se na parte centro inferior da cavidade abdominal, estando dentro do limite formado pelo cólon abdominal. 1.2 Histologia A principal função do intestino delgado é a absorção de nutrientes, e tal função é facilitada por adaptações histológicas. A camada mucosa do órgão apresenta vilosidades do epitélio (Figura 1.2) e lâmina própria que visam aumentar a superfície de contato entre os nutrientes e o epitélio de absorção. Este epitélio é revestido por células simples colunares (enterócitos) e células caliciformes. O fundo dos vilos é chamado de cripta, e nele são encontradas células de paneth e células tronco. Figura 1.2 - Jejuno de camundungo onde ha facil visualização dos vilos (V) que serão afetados pela doença celíaca. Tambem aparecem na imagem glândulas Lieberkühn (G), muscular da mucosa (MM). Submucosa (S), a muscular com a subcamada circular (MC) e a subcamada longitudinal (ML) <Fonte: Montanari ., 2016> Os enterócitos são células colunares altas que projetam sua membrana plasmática para o lúmen formando microvilosidades visíveis em microscopia de luz como borda em escova. As células caliciformes se alternam com os enterócitos, mas são encontradas em menor quantidade, sendo mais abundantes no íleo do que nas outras duas porções do intestino. Elas secretam mucina para formação do muco que protege e lubrifica o intestino. As células de paneth, localizadas na criptas, excretam lisozima e defensina, enzimas com importante ação antibactericida. As células tronco são encontradas entre as células de paneth e dão origem as células já citadas. O trato gastrointestinal tem importante conexão com o sistema imunológico por ter contato com os elementos externos que ingerimos, por tanto conta com uma expressiva população de macrofagos e linfócitos na muscosa e submucosado intestino, formando o tecido linfóide. Recobrindo os folículos linfóides das placas de payer (aglomerado de nódulos linfáticos encontrados na lâmina própria e na submucosa - principalmente no íleo) são encontradas as células epiteliais M (enterócitos modificados), que são caracterizadas por numerosas invaginações basais com linfocitos e macrofagos. Ainda como forma de defesa, o intestino possui junções intercelulares oclusivas que formam uma camada de células epiteliais que impedem a penetração de microorganismos. A lâmina própria do intestino delgado é de tecido conjuntivo frouxo, possui vasos sanguíneos e linfáticos, fibras nervosas e fibras musculares lisas (Junqueira et al.,2013). Ela está localizada ao centro das vilosidades, e são encontradas células musculares lisas e células de defesa. A submucosa é composta de tecido conjuntivo denso não modelado. Na submucosa do duodeno encontramos as glândulas duodenais (ou de Brunner), que são glândulas tubulares enoveladas que secretam muco alcalino responsável por neutralizar o pH do quimo. Essas glândulas passam pela muscular da mucosa e pela lâmina própria, abrindo-se nas bases das glândulas de Lieberkuhn. A camada muscular encontrada no intestino delgado, possui duas subcamadas de músculo liso: internamente, a circular e externamente, a longitudinal. O intestino delgado contém células endócrinas que podem ser classificadas como tipo aberto, cujo ápice da célula apresenta microvilosidades e está em contato com lúmen ou tipo fechado onde ápice da célula está coberto por outras células epiteliais) (Junqueira et al.,2013). Ao receberem estimula essas células secretam seus grânulos por exocitose. A exemplo desse tipo celular temos as células enteroendócrinas. Parte do duodeno revestido pela adventícia, enquanto a serosa delimitada jejuno e íleo. (Montanari.,2016) 2.Etiologia A Doença Celíaca é uma enteropatia crônica do intestino delgado, de caráter autoimune, pela sensibilidade a uma fração de gliadina do glúten, uma proteína encontrada no trigo- proteínas similares estão presentes na cevada e no centeio- em indivíduos geneticamente predispostos, com fisiopatologia composta pela interação entre fatores ambientais, genéticos e imunológicos. Os pacientes com doença celíaca herdaram uma série de genes que contribuem para uma sensibilidade imunológica ao glúten. Quase todas as pessoas com doença celíaca possuem uma das duas moléculas do complexo principal de histocompatibilidade de classe II, o antígeno leucocitário humano HLA-DQ2 ou HLA-DQ8, essas moléculas são expressas na superfície de células apresentadoras de antígenos, encontradas na lâmina própria do intestino, que contribuem para a ligação dos fragmentos de glúten aos linfocitos T CD4+, provocando resposta imune. A exigência de DQ2 ou DQ8 é um fator importante na predisposição genética para doença celíaca. No entanto, a maioria das pessoas positivas para DQ2 ou DQ8 nunca desenvolve doença celíaca apesar da exposição alimentar diária ao glúten. Fatores ambientais podem influenciar a aparição da doença, a alta frequência de infecções por rotavírus pode aumentar o risco de desenvolver doença celíaca em indivíduos geneticamente predispostos. As infecções intestinais e consequente alteração da flora intestinal microbiana podem levar a um aumento da permeabilidade intestinal, contribuindo assim para a resposta imunitária ao glúten, da mesma maneira, alguns medicamentos como o Interferão alfa também foram associados ao desenvolvimento de suscetibilidade ao glúten. O tempo de introdução do glúten na alimentação infantil pode assumir um papel no desenvolvimento da doença celíaca. A inclusão do glúten na dieta antes dos 3 meses ou após os 7 meses de idade foi associada a um risco aumentado de desenvolver. 3. Patogenia A doença celíaca (DC) é um distúrbio inflamatório do intestino delgado que pode causar atrofia vilosa grave, células intraepiteliais com número aumentado, hiperplasia de criptas, má absorção e malignidade, sendo desencadeado quando epítopos derivados do glúten são apresentados às células T. Todos os pacientes expressam as moléculas apresentadoras de antígeno leucocitário humano DQ2 e/ou DQ8, que se ligam a peptídeos de glúten e, assim, ativam células T intestinais auxiliares que, depois, ativam as citotóxicas. Ademais, o glúten pode estimular a produção de IL-15 que leva à morte de células epiteliais mediada por NKG2D (proteína transmembrana pertencente à família NKG2 de receptores do tipo C do tipo lectina). O glúten também induz respostas imunes inatas que atuam em conjunto com a imunidade adaptativa. Há, também, fortes evidências da existência de genes ou variantes de genes nos cromossomos 5, 6 e 19 que predispõem à DC. Recentes estudos relacionam os Interferons do tipo I no desenvolvimento de vários distúrbios autoimunes, incluindo a DC. Assim, a infecção viral ou dano de tecido no intestino pode causar inflamação e induzir imunidade mediada por Th1 protetora, levando à perda de tolerância ao glúten. Uma vez que a tolerância é quebrada, um amplo repertório de células T reativas ao glúten podem se desenvolver. A exclusão do glúten da dieta reverte muitas manifestações da doença, mas geralmente não é ou é menos eficiente em pacientes com doença celíaca refratária ou doenças autoimunes associadas. Nas formas mais leves da doença, somente as microvilosidades dos enterócitos são destruídas, com diminuição da superfície de absorção por até duas vezes. Nas formas mais graves, as próprias vilosidades ficam reduzidas ou desaparecem totalmente, reduzindo, ainda mais, a área de absorção do intestino. Nos primeiros estágios da doença, a absorção intestinal de gorduras é mais comprometida que a absorção de nutrientes. A gordura que parece nas fezes é, quase inteiramente, de sais de ácidos graxos, em vez de gordura não digerida, demonstrando que o problema é de absorção, e não de digestão. A patologia é frequentemente chamada de esteatorreia, que significa simplesmente excesso de gordura nas fezes. Nos casos muito graves, além da desabsorção de gorduras, também ocorre comprometimento da absorção de proteínas, carboidratos, cálcio, vitamina K, ácido fólico e vitamina B12. Como resultado a pessoa apresenta doença nutricional grave, muitas vezes desenvolvendo caquexia; Osteomalacia (desmineralização dos ossos, devido à falta de cálcio); Coagulação sanguínea inadequada, causada pela falta de vitamina K, e anemia macrocítica, do tipo anemia perniciosa, devido à diminuição da absorção de vitamina B12 e de ácido fólico. 4. Alterações Estruturais e Moleculares 4.1 Histologia do Intestino Delgado A DC afeta diretamente as características estruturais do intestino delgado, órgão onde ocorrem as principais manifestações. A atrofia das vilosidades intestinais ainda é considerada a alteração mais característica da DC. A enteropatia induzida pelo glúten, no entanto, pode variar entre graus diferentes e aparentemente progressivos de alterações na mucosa. Existe uma classificação para essas alterações intestinais que podem ser classificadas em tipo I (infiltrado linfocitário), tipo II (infiltrado linfocitário com hiperplasia de criptas) e tipo III (as alterações citadas anteriormente e atrofia vilositária). A inflamação intestinal induzida pelo glúten está representada na Figura 1. Essa inflamação desencadeia alterações em células da mucosa tais como: aumento do número de linfócitos intraepiteliais - acima de 30 linfócitos por 100 enterócitos, aumento no índice mitótico dos linfócitos acima de 0,2%, diminuição da altura das células epiteliais (modificando-se de colunar para cubóide e, posteriormente epitélio plano), perda da polaridade nuclear das células epiteliais, diminuição das células goblet e da borda em escova; e na sua estrutura - alongamento das criptas, atrofia parcial ou total das vilosidades e diminuição da proporção vilosidade:cripta para menor do que 1:1. As alterações nos linfócitosintraepiteliais são mais precoces e desaparecem antes das alterações estruturais de criptas e vilosidades. Figura 1 - Alterações Histológicas no Intestino Delgado Fonte: Isadora Oliveira Morais, 2011 4.2 Alterações Moleculares A DC está relacionada à presença do antígeno de histocompatibilidade humana (HLA) classe II, codificada pelos genes DQ2 e/ou DQ8 do cromossomo 6, presente em mais de 95% dos pacientes celíacos. Cerca de 90 a 95% dos pacientes com DC possuem a combinação de alelos HLA-DQA1*0501 e HLA-DQB1*0201, na configuração cis ou trans, que codificam o heterodímero DQ2. Os pacientes DQ2 negativos possuem HLA-DQA1*0301 e DQB1*0302, que codifica o heterodímero DQ8. Estes heterodímeros são responsáveis pela apresentação do peptídeo de gliadina (antígeno), que é formado após a ação da enzima tTG, e pelo posterior desencadeamento do processo patogênico da doença. Estudos recentes demonstraram a existência de marcadores genéticos não HLA-DQ2 e DQ8 em pacientes com DC, porém esses genes parecem contribuir para a predisposição genética da doença em graus variados e ainda pouco estabelecidos. A determinação do HLA DQ2 e DQ8 é uma ferramenta útil para excluir a DC ou tornar o diagnóstico pouco provável e deve ser solicitado quando o diagnóstico não está bem definido ou em casos em que a biópsia intestinal não será realizada para reforçar o diagnóstico. 5. Manifestações clínicas A doença celíaca pode se apresentar de três formas, sendo elas: clássica ou típica, não clássica ou atípica e assintomática ou silenciosa. A forma clássica (típica) caracteriza-se pela presença de diarreia crônica, em geral acompanhada de distensão abdominal e perda de peso. Também pode haver diminuição do tecido celular subcutâneo, atrofia da musculatura glútea, falta de apetite, alteração de humor (irritabilidade ou apatia), vômitos e anemia. Em casos de retardo no diagnóstico e no tratamento (particularmente entre o primeiro e o segundo anos de vida, e frequentemente desencadeada por infecção) pode ter uma evolução grave: a crise celíaca. Essa complicação se caracteriza presença de diarreia com desidratação hipotônica grave, distensão abdominal por hipopotassemia e desnutrição grave, além de outras manifestações como hemorragia e tetania. A forma não clássica (atípica) pode apresentar quadro mono ou oligossintomático, em que as manifestações digestivas estão ausentes ou, quando presentes, ocupam um segundo plano. Os pacientes podem apresentar manifestações isoladas, como baixa estatura, anemia por deficiência de ferro refratária à reposição de ferro por via oral, anemia por deficiência de folato e vitamina B12, osteoporose, hipoplasia do esmalte dentário, artralgias ou artrites, constipação intestinal refratária ao tratamento, atraso puberal, irregularidade do ciclo menstrual, esterilidade, abortos de repetição, ataxia, epilepsia (isolada ou associada à calcificação cerebral), neuropatia periférica, miopatia, manifestações psiquiátricas (depressão, autismo, esquizofrenia), úlcera aftosa recorrente, elevação das enzimas hepáticas sem causa aparente, fraqueza, perda de peso sem causa aparente, edema de surgimento abrupto após infecção ou cirurgia e dispepsia não ulcerosa. A forma assintomática (silenciosa) não apresenta manifestações clínicas, sendo caracterizada por alterações sorológicas e histológicas da mucosa do intestino delgado compatíveis com DC - como sorologia positiva e atrofia das vilosidades. Essa situação pode ser comprovada especialmente entre grupos de risco para a DC como, por exemplo, parentes de primeiro grau de pacientes celíacos, e vem sendo reconhecida com maior frequência nas últimas duas décadas, após o desenvolvimento dos marcadores sorológicos para esta doença. Quando a sorologia positiva não é acompanhada por atrofia das vilosidades, trata-se de doença celíaca latente. A DC afeta crianças do sexo feminino e masculino igualmente, se manifestando por sintomas clássicos entre 6 e 24 meses de idade. Crianças com sintomas não clássicos tendem a apresentar a doença em idade maior. Já nos adultos, manifesta-se mais comumente entre as idades de 30 e 60 anos, e muitas vezes escapam da atenção clínica por longos períodos devido a apresentações atípicas. 6. Diagnóstico O diagnóstico da doença celíaca é realizado pelos exames laboratoriais e confirmado pela histologia da mucosa intestinal. Os pacientes com sorologia positiva deverão ser encaminhados para biópsia intestinal para confirmação diagnóstica. A realização da biópsia também deverá ser considerada quando existe suspeita clínica evidente, mesmo se a sorologia for negativa. Também utiliza-se o teste de tipagem HLA, ele é utilizado para descartar o diagnóstico da doença. Sorologia: Os testes sorológicos permitem levantar a possibilidade do diagnóstico nos casos suspeitos de DC e nos indivíduos assintomáticos de alto risco, também são importantes, pois selecionam os pacientes que devem se submeter à biópsia por ser apropriada. Os testes sorológicos para a doença celíaca podem ser divididos em dois grupos: 1) Autoanticorpos: - Testes de anticorpos antiendomísio (EMA): Os anticorpos IgA EMA ligam-se ao endomísio, o tecido conjuntivo localizado ao redor do músculo liso, produzindo um padrão de coloração característico que pode ser visualizado com imunofluorescência indireta. O resultado do teste é informado simplesmente como positivo ou negativo, uma vez que até títulos baixos de anticorpos séricos IgA antiendomísio são específicos para doença celíaca. Esse teste é são moderadamente sensíveis (cerca de 80%) e altamente específicos (com cerca de 100% de especificidade) para a doença celíaca não tratada, ou seja, ativa. - Teste de anti-transglutaminase tecidual (tTG): O antígeno contra o qual são dirigidos os EMAs é tTG. Os anticorpos anti-tTG são altamente sensíveis e específicos para o diagnóstico da DC. Os testes de imunoensaio enzimático (ELISA) para anticorpos IgA anti-tTG estão muito difundidas e são mais fáceis de realizar 2) Anticorpos dirigidos contra o agente agressor (gliadina): - Anticorpos antigliadina convencionais (AGA): As gliadinas são os principais componentes das proteínas de reserva de trigo coletivamente chamadas de glúten. A gliadina purificada é fácil de conseguir e é utilizada como antígeno nos testes ELISA para detectar anticorpos antigliadina no soro. Os níveis séricos dos anticorpos antigliadina estão frequentemente elevados na doença celíaca não tratada, porémos testes AGA não são mais recomendados de rotina para o diagnóstico da doença celíaca, devido a sua menor sensibilidade e especificidade. No entanto, hoje são os únicos biomarcadores que podem estar presentes nos pacientes com sensibilidade ao glúten não celíaca. - Anticorpos contra os peptídeos de gliadina desamidados sintéticos (DGPs): A detecção da classe IgG é altamente sensível e específica para a suspeita de doença celíaca em geral, e também para a detecção da doença nos casos tTG-soronegativos e em pacientes com deficiência seletiva de IgA. Mais recentemente, os dois testes de DGP foram combinados em um único ensaio, incluindo determinações de IgA e de IgG em tTG Biópsia: A biópsia é feita a partir do exame endoscópico, o que permite a exploração de outros sítios do trato gastrintestinal, além de obtenção de material de locais suspeitos. Recomenda-se a retirada de cinco fragmentos: um do bulbo e pelo menos quatro fragmentos da segunda porção do duodeno. Baseado na presença de uma ou mais lesões elementares, a histopatologia da DC é subdividida em diferentes categorias diagnósticas, de acordo com a classificação feita pelos critérios de Marsh modificados e de Oberhuber et al: Tipo I ou lesão infiltrativa, que possui vilos arquiteturalmente normais (razão vilo/cripta 3:1) e aumento do número de linfócitos T intraepiteliais (LIE, mais de 25-30 por 100 células epiteliais); Tipo II ou lesão hiperplásica, que se diferencia da lesão tipo 1 pelahiperplasia dos elementos glandulares (aspecto regenerativo dos elementos glandulares destacado pela reduzida atividade mucífera e aumento do número de mitoses); Tipo III ou lesão destrutiva, que também é caracterizada pelo número aumentado de LIE, mas apresenta, além disso, graus variáveis de atrofia dos vilos associada à hiperplasia das criptas glandulares e redução da altura da superfície dos enterócitos, com bordas em escova irregulares e algumas vezes vacúolos citoplasmáticos. Tipagem HLA: O teste é bastante útil para descartar a doença celíaca, uma vez que a presença dos marcadores DQ2 e DQ8 compondo o antígeno HLA estão associados à doença celíaca. Contudo, 15% a 30% da população geral também apresentam estes marcadores, apesar de não terem a doença, então o exame serve para excluir a possibilidade de doença celíaca, pois se o paciente não apresentar os marcadores DQ2 e DQ8, há 99% de chance de ter um diagnóstico negativo. 7. Tratamento da doença O tratamento da doença celíaca é fundamentalmente dietético, em todas as formas clínicas. Consiste na exclusão do glúten: frações proteicas encontradas nos cereais, trigo, centeio, cevada, aveia e em seus derivados, o que leva à remissão dos sintomas e restauração da morfologia normal da mucosa. Lembrando sempre que a dieta deverá atender às necessidades nutricionais de acordo com o indivíduo. Para garantir uma dieta isenta de glúten, o celíaco deve sempre conhecer os ingredientes que compõem as preparações alimentares e fazer uma leitura minuciosa dos ingredientes listados nos rótulos de produtos industrializados. Além da dieta, deve estar atento também à composição dos medicamentos prescritos, pois o glúten pode estar presente como excipiente nas cápsulas, comprimidos e suspensões orais de medicamentos. Esse fato pode limitar a plena obediência à dieta sem essa proteína, quando o paciente tiver a necessidade de utilizar algum medicamento. No Brasil, com o objetivo de minimizar as dificuldades da adesão ao tratamento, surgiram as Associações de Celíacos. Em fevereiro de 1994, os pais de alguns celíacos fundaram a Associação dos Celíacos do Brasil (ACELBRA), em São Paulo, com o objetivo de orientar os pacientes quanto à doença e à dieta sem glúten, assim como divulgar a doença. Além disso, a ACELBRA visa ainda exigir o cumprimento da Lei nº 8.543 (Brasil, 1992) na área de vigilância sanitária, que obriga as indústrias alimentícias a imprimirem em caracteres destacados uma advertência nos rótulos e nas embalagens de produtos industrializados que contêm glúten ou seus derivados. Em 2003, foi publicada a Lei nº 10.674, que obriga os produtos alimentícios comercializados a portarem informação sobre a presença de glúten como medida preventiva e de controle da doença celíaca. Assim, todos os alimentos industrializados devem conter em seu rótulo, obrigatoriamente, as inscrições "contém glúten" ou "não contém glúten", conforme o caso. A falha em aderir a uma dieta sem glúten é a causa mais comum dos sintomas recorrentes, e a maioria das pessoas com doença celíaca alcança resultado positivo com as restrições alimentares. Segundo a Associação dos Celíacos do Brasil, os pacientes transgridem a dieta por vários motivos: falta de orientação relativa à doença e ao preparo de alimentos, descrença na quantidade de produtos proibidos, dificuldades financeiras, hábito do consumo de alimentos preparados com farinha de trigo, falta de habilidade culinária para o preparo de alimentos isentos de glúten. Em função do tratamento para essa doença ser unicamente dietético e da dificuldade da exclusão dos cereais que contêm glúten da dieta, é de extrema importância a atuação do profissional de nutrição, na avaliação do estado nutricional, nas orientações relativas à deficiência de absorção de macro e micronutrientes, além do acompanhamento constante para avaliar a adequação da ingestão dietética, presença de transgressões - voluntárias ou não - e sinais de comprometimento nutricional, que são fatores determinantes na qualidade de vida do paciente celíaco. O paciente também deve estar muito bem esclarecido, ter conhecimento sobre a doença e seu tratamento, para poder segui-lo de forma adequada. Atualmente são investigadas novas abordagens terapêuticas como modificação do trigo com proteínas menos imunogênicas, suplementos orais que atuem na degradação enzimática dos peptídeos de gliadina e bloqueio dos complexos HLA que reconhecem esses peptídeos, inibidores da permeabilidade intestinal e tTG, entre outros, que podem melhorar a qualidade de vida do celíaco, de forma a evitar a restrição na dieta Conclusão Os sinais e sintomas possibilitam a avaliação clínica da patologia e seu diagnóstico. A identificação no estágio inicial e o encaminhamento ágil para o atendimento especializado e tratamento é essencial para um melhor resultado terapêutico e prognóstico dos casos, visto que o início do tratamento diminui o risco de complicações que podem acontecer em pacientes não tratados. Considerando que o principal fator etiológico da doença celíaca é de natureza dietética, e o tratamento consiste na exclusão do glúten, é de fundamental importância o cumprimento efetivo da exclusão desta proteína da dieta. Para isso, é de suma importância o acompanhamento médico e nutricional, de modo a esclarecer o paciente em relação à doença e seu tratamento da forma mais clara e detalhada possível, auxiliando na adesão ao tratamento e continuidade de forma adequada. Tudo isso, estando de acordo com as necessidades nutricionais do paciente, garante uma melhora no quadro e de sua qualidade de vida. Bibliografia GUYTON, A.C.; HALL, J.E. Tratado de Fisiologia Médica. 12. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. Kaukinen K, Partanen J, Mäki M, Collin P. HLA-DQ typing in the diagnosis of celiac disease. Am J Gastroenterol. 2002 Mar;97(3):695-9. doi: 10.1111/j.1572- 0241.2002.05471.x. PMID: 11922565. Schuppan D, Junker Y, Barisani D. Celiac disease: from pathogenesis to novel therapies. 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