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Doença celiaca

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Aspectos imunológicos da doença celíaca
	Immunologic aspects of celiac disease
	Erlane Marques Ribeiro
	Titular da Sociedade Brasileira de Genética Clínica e da Sociedade Brasileira de Pediatria; mestre em Pediatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
	Lívia Maciel Gonçalves
	Aluna de Graduação da Universidade Católica de Brasília - DF.
	
	Unitermos: glúten, doença celíaca, auto-anticorpos, imunologia.
	Unterms: glutten, celiac disease, autoantibodies, immunology.
	
	
Sumário
A doença celíaca é uma doença genética mediada pelo sistema imunológico e caracterizada como enteropatia do intestino delgado. Ocorre em crianças e adultos. A terapia baseada na dieta isenta de glúten é efetiva, resultando na completa resolução dos sintomas.
Os aspectos imunológicos da doença celíaca são discutidos, incluindo as reações imunológicas celular e humoral à proteína gliadina, as doenças auto-imune associadas e os testes de diagnóstico com auto-anticorpos.
	
Sumary
Celiac disease is a genetic, immunologically mediated, small intestine enteropathy. It occurs in both children and adults. Therapy with a glutten-free diet is effective, resulting in a complete resolution of symptoms. 
The immunological aspects of celiac disease are discussed, including cellular and humoral-mediated immunologic reactions to the protein gliadin, association with autoimmune conditions and diagnostic screening tests with antibodies.
	
Introdução
A primeira descrição clássica da doença celíaca ocorreu há mais de cem anos, sob a denominação de "afecção celíaca", que era "indigestão crônica encontrada em pessoas de todas as idades, especialmente em crianças entre um e cinco anos de idade".
Durante a Segunda Guerra Mundial os efeitos deletérios de certos tipos de cereais foram associados à doença celíaca. Foi observado que durante o período de racionamento de trigo a incidência de "espru celíaco" havia diminuído muito. Posteriormente, quando os aviões suecos trouxeram pão para a Holanda, as crianças com doença celíaca voltaram rapidamente a apresentar sintomas, confirmando a importância do trigo na gênese da doença.
O glúten é uma proteína que está presente no trigo, centeio, cevada e aveia. A atividade do glúten reside na fração gliadina, que contém seqüências de aminoácidos repetidas, as quais levam à sensibilização de linfócitos da lâmina própria. A resposta imunológica ao glúten resulta em atrofia das vilosidades (Figura 1), hiperplasia das criptas e lesão do epitélio superficial no intestino delgado (Ulshen, 1997). 
O mecanismo pelo qual a gliadina danifica o intestino delgado é desconhecido, mas parece que componentes genéticos e imunológicos estão envolvidos. A doença celíaca é precipitada em indivíduos geneticamente suscetíveis. Sua ocorrência em mais de um membro da família foi descrita há mais de 50 anos. As pessoas que desenvolvem a doença, quando adultas, podem ter apresentado uma forma branda ou assintomática da mesma na infância. Em alguns casos, raros, adultos sem história anterior de sensibilidade ao glúten desenvolvem o problema após cirurgia no trato digestivo (Weiss, 1998).
Desconhece-se a prevalência da doença celíaca no Brasil. Nos Estados Unidos da América do Norte, a freqüência da doença é de 1:3.000, com maior prevalência em indivíduos brancos e do sexo feminino. A doença celíaca pode ter as seguintes formas clínicas: clássica, atípica, latente e assintomática. A mais freqüente é a forma clássica, que se inicia nos primeiros anos de vida, manifestando-se com quadro de diarréia crônica, vômitos, irritabilidade, falta de apetite, déficit de crescimento, distensão abdominal, diminuição do tecido celular subcutâneo e atrofia da musculatura glútea (Barbieri, 1991; Visakorpi, 1995). Após semanas ou meses da introdução de glúten na dieta as fezes se tornam fétidas, gordurosas, volumosas e o abdome se distende. Alguns pacientes se apresentam gravemente enfermos, com diarréia, desidratação e choque, além de hipoproteinemia, hipoprotrombinemia e raquitismo hipocalcêmico. 
As formas atípicas se caracterizam por quadro mono ou paucissintomático. Pode não haver diarréia, mas há dores abdominais, anemia ferropriva, falta de crescimento, puberdade atrasada e constipação. A doença celíaca assintomática ou silenciosa, comprovada entre familiares de primeiro grau de pacientes celíacos, vem sendo reconhecida com maior freqüência nas últimas duas décadas, após o desenvolvimento de marcadores séricos específicos, especialmente os anticorpos antigliadina, antiendomísio e anti-reticulina. A hipoplasia do esmalte dentário é comum nesses casos e a associação com outras doenças é bem definida.
Apresentam doença celíaca latente os pacientes com biópsia jejunal normal, mesmo consumindo glúten. Em outro momento da evolução, que pode ser anterior ou posterior, esses pacientes apresentam atrofia subtotal das vilosidades intestinais, que normalizam com a utilização de dieta sem glúten.
A investigação diagnóstica da doença celíaca pode ser dividida nos seguintes estudos: função digestivo/absortiva, sorológico e histopatológico do intestino delgado. Para o diagnóstico da doença celíaca é imprescindível a realização da biópsia de intestino delgado, sendo a amostra obtida, preferencialmente, da junção duodeno-jejunal.
Os princípios do tratamento da doença celíaca não mudaram substancialmente desde a década de 30. O tratamento da doença celíaca é basicamente dietético. Deve-se excluir o glúten da dieta durante toda a vida, tanto aos indivíduos sintomáticos quanto assintomáticos (Barbieri, 1991). A dieta do indivíduo com doença celíaca deverá atender às necessidades nutricionais, de acordo com a idade. São considerados (Figura 2) alimentos permitidos: grãos (feijão, lentilha, soja, ervilha, grão-de-bico); gorduras, óleos e azeites; legumes, hortaliças, frutas; ovos; carnes (de vaca, frango, porco, peixe) e leite. O glúten poderá ser substituído pelo milho (farinha de milho, amido de milho, fubá), arroz (farinha de arroz), batata (fécula de batata) e mandioca (farinha de mandioca). Os indivíduos com doença celíaca não tratada têm um risco maior de desenvolver câncer do tubo digestivo (linfoma, câncer do esôfago e outros).
A dieta do indivíduo com doença celíaca produz efeito rápido, havendo desaparecimento dos sintomas gastrointestinais dentro de dias ou semanas, observando-se notável incremento da velocidade de crescimento depois de pouco tempo de dieta. 
· Gorduras, óleos e azeites
· Grãos (feijão, lentilha, soja, ervilha, grão-de-bico)
· Legumes, hortaliças, frutas
· Ovos e leite
· Carnes (de vaca, frango, porco, peixe)
· Milho (farinha de milho, amido de milho, fubá)
· Arroz (farinha de arroz)
· Mandioca (farinha de mandioca)
· Batata (fécula de batata)
Figura 2 - Alimentos permitidos para pacientes com doença celíaca.
Fatores genéticos
A maior incidência de doença celíaca em familiares de pacientes faz supor a existência de fatores genéticos em sua etiopatogenia. Simultaneamente, tem-se demonstrado a associação positiva da doença celíaca com marcadores genéticos denominados antígeno de histocompatibilidade (HLA) de classe II, HLA- DR3 e HLA- DQ2 (Figura 3). A grande maioria dos pacientes com doença celíaca DR3 negativos são DR5/DR7 heterozigotos. Os genes DQA1 0501 e DQB1 0201 estão locados em cis (no mesmo cromossomo) em indivíduos DR3, enquanto estão locados em trans (em cromossomos opostos) em indivíduos heterozigotos DR5/DR7. Assim, a suscetibilidade primária na maioria dos pacientes, aproximadamente 90%, é devido ao heterodímero DQ (A1 0501 e B1 0201), isto é, DQ2, enquanto que 2% a 10% dos que não levam DQ (A1 0501 e B1 0201) apresentam diferentes variantes de DR4 e DQ (A1 0301 e B1 0302), isto é, DQ8. Assim, a doença celíaca parece estar associada principalmente ao DQ2 e menos freqüentemente ao DQ8 (Crawford, 1994; Murch & Walker-Smith, 1995; Sdepanian, 1998).
Segundo o trabalho de Silva et al. (2000), os alelos de suscetibilidadeobservados em pacientes celíacos brasileiros são semelhantes àqueles descritos em pacientes de outras etnias (HLADRB1*03, HLADRB1*07 e HLADQB1*02). Esse estudo também demonstrou que na população brasileira o alelo HLADRB1*06 confere proteção à doença celíaca.
Fatores imunológicos
É sugerido que um receptor na superfície da célula intestinal permita que a gliadina ou uma seqüência de aminoácidos específicos de gliadina se una ao enterócito. Este complexo gliadina/receptor se torna, um imunógeno capaz de sensibilizar linfócitos T, que liberam linfocinas, danificando diretamente a célula. Os anticorpos - imunoglobulina M e anticorpos antigliadina, imunoglobulina A nas secreções intestinais - podem ser marcadores para a doença celíaca latente, assim como o aumento de linfócitos intra-epitelial ou IEL (Krause, 1998). Na fase aguda da enfermidade tem-se demonstrado a existência de profundas alterações imunológicas, tanto em nível celular como humoral (Cueto Rúa et al, 1987).
As células T CD4+ glúten - específicas da lâmina própria da mucosa do intestino delgado de pacientes com doença celíaca (Murch & Walker-Smith, 1995) - reconhecem os peptídeos derivados do glúten, principalmente quando apresentados por heterodímeros associados à doença celíaca, isto é, DQ (A1 0501, B1 0201) ou DQ (A1 0301, B 0302). Todos os clones de células T secretam interferon-gama em altas concentrações e alguns deles também secretam uma ou várias das citocinas IL-4, IL-5, IL-6, IL-10 e fator de necrose tumoral. Portanto, é possível que o interferon-gama e outras citocinas produzidas pelas células T ativadas da mucosa do intestino delgado estejam envolvidas no desenvolvimento da lesão celíaca. 
A associação da doença celíaca com outras doenças de base imunológica apóia a teoria etiopatogênica de uma resposta imunológica alterada, tanto da imunidade celular quanto da humoral (Sdepanian, 1998).
A hipótese imunológica do espru celíaco considera o glúten como uma substância imunogênica capaz de iniciar uma resposta imunológica tóxica local no intestino delgado. Várias observações clínicas e laboratoriais no espru celíaco fornecem evidência indireta no reforço deste conceito:
1. A infiltração das regiões da lâmina própria e intra-epitelial da mucosa acometida do intestino delgado com células imunocompetentes; 
2. Melhora clínica e histológica com terapêutica corticosteróide; 
3. Reações cutâneas intradérmicas Arthus - positivas ao glúten; 
4. Ocorrência ocasional de reações anafiláticas à administração de glúten;
5. Propensão à transformação maligna (linfoma intestinal); 
6. Atrofia esplênica e hipoplasia linfóide; 
7. Prevalência aumentada de HL-A8 e HL-A12 entre pacientes com espru celíaco (Mcguigan, 1981). 
Imunidade celular
No intestino, os linfócitos se encontram no interior do epitélio, separados do conteúdo luminal apenas pelas junções epiteliais. Seu grande número reflete o grau de estimulação antigênica; 90% desses linfócitos exprimem CD8 e menos de 10% são CD4; 90% são portadores do receptor para o antígeno Tab e 10% para o TCR (receptor para célula T).
A relação existente entre linfócitos intra-epiteliais e enterócitos, que normalmente é de, no máximo, 40:100 em indivíduos normais, excede largamente essa proporção em celíacos. O número de células T que exprimem CD8 (Murch & Walker-Smith, 1995) e linfócitos portadores do receptor Tab é reduzido, enquanto os linfócitos T portadores do receptor para o antígeno se encontram aumentados, sendo a maioria CD4- e CD8-.
Na doença celíaca, a proporção de linfócitos periféricos é alterada. A redução periférica pode ser devido à sua crescente ativação e resultado da apoptose de células. A apoptose pode limitar a expressão da atividade dos linfócitos (Di Sabatino et al., 1998).
O aumento dos linfócitos intra-epiteliais (LIE) não é específico da doença celíaca e pode, também, ser encontrado em enteropatias por sensibilização ao leite de vaca e outras lesões intestinais do lactente. Seu achado não é suficiente para provocar as lesões patológicas da doença celíaca (Murch & Walker-Smith, 1995).
A lâmina própria tem celularidade aumentada, constituída por plasmócitos, linfócitos, macrófagos e eosinófilos, com predominância dos primeiros (Moraes, 1987).
Imunidade humoral
O número de linfócitos e plasmócitos contendo IgA diminui e o número dos que contêm IgM aumenta (Moraes, 1987). Há um depósito subepitelial de complemento ativado, que é compatível com o papel patogênico das IgG. Parece haver liberação de complexos imunes. As concentrações de anticorpo antigliadina do tipo IgA e IgM (Murch & Walker-Smith, 1995) são maiores no jejuno do que no soro. As técnicas imunoistoquímicas demonstraram aumento das células secretórias de IgG, IgM e IgA (A2> A1).
Há dúvidas de que a imunidade humoral seja decisiva na patogenia da doença, pois os anticorpos marcadores da doença celíaca são encontrados com freqüência na forma latente e nos parentes dos afetados.
Níveis de imunoglobulina sérica 
A elevação de IgA sérica (principal imunoglobulina sintetizada na mucosa do intestino delgado) tem sido demonstrada em algumas crianças e adultos com espru celíaco não tratado. A instituição de uma dieta sem glúten produz uma queda de IgA sérica em níveis comparáveis àqueles dos indivíduos-controle. O aumento progressivo de IgA sérica em níveis relativamente altos em, pacientes com dieta sem glúten, tem sido associado com o desenvolvimento de linfoma intestinal. Em contraste, os níveis séricos de IgG e IgM têm sido diminuídos em alguns adultos não tratados com espru celíaco, voltando ao normal após a privação do glúten. Essa anormalidade resulta, provavelmente, da perda aumentada de imunoglobulina para o interior do intestino e do catabolismo aumentado.
Marcadores da doença celíaca
Nestes últimos anos, com o objetivo de selecionar os pacientes que deverão submeter-se à biópsia de intestino delgado, foram desenvolvidos testes sorológicos que representam os marcadores imunológicos de atividade da doença, sendo importante destacar que nenhum destes testes é patognomônico para doença celíaca.
Os prováveis marcadores da doença celíaca são: 
1. Presença de anticorpo antiendomísio, antigliadina, anti-reticulina; 
2. Grande quantidade de linfócitos intra-epiteliais nas vilosidades;
3. Aumento da densidade de linfócitos intra-epiteliais, expressando receptor gama delta da célula T;
4. Sinais de atividade da imunidade celular mediata da mucosa, como a expressão de CD25 e B7 pelas células mononucleares da lâmina própria;
5. Expressão aumentada de moléculas MHC classe II no epitélio e adesão de moléculas na lâmina própria (Dani, 1978).
A doença assintomática, comprovada fundamentalmente entre familiares de primeiro grau de pacientes celíacos, vem sendo reconhecida com maior freqüência nas últimas duas décadas, após o desenvolvimento de marcadores séricos para a doença celíaca, especialmente os anticorpos antigliadina e os auto-anticorpos, antiendomísio e anti-reticulina. 
Medeiros et al. (1994) estudaram 236 crianças com síndrome de má absorção. 
Concluíram que os anticorpos antigliadina são úteis no diagnóstico diferencial entre doença celíaca e outras enteropatias, sendo o da classe IgG mais sensível e o da classe IgA, mais específico no diagnóstico. No seguimento dos pacientes com doença celíaca, os títulos dos anticorpos foram mais altos na presença do glúten na dieta do que na fase de restrição, demonstrando ser um bom indicador da presença de lesão intestinal nesses pacientes.
Além de anticorpos para antígenos exógenos, como a gliadina, foram detectados auto-anticorpos no soro de pacientes celíacos que reagem com elementos das camadas musculares do intestino, reticulina (ARA) e endomísio (EmA). Além destes, auto-anticorpos para jejuno humano normal (JAB) foram demonstrados. 
Os anticorpos anti-reticulina (ARA), antiendomísio (EmA) e antijejunal (JAB) são analisados por imunofluorescência indireta. Apesar do auto-anticorpo IgG ser detectável,é o auto-anticorpo da classe IgA do ARA, EmA e JAB que reflete a lesão da mucosa na doença celíaca. 
Com relação ao JAB, há poucos estudos no momento, encontrando-se sensibilidade de 93% a 96% e especificidade de 100%.
Anticorpos do glúten no espru celíaco
Os anticorpos do glúten circulantes e suas subfrações estão presentes em 23% a 47% dos pacientes com espru celíaco. Sua relevância na patogênese do espru tem sido duvidosa, por causa de várias observações: 
1. Não há correlação entre a presença de anticorpos circulantes do glúten e a gravidade da doença; 
2. Anticorpos séricos do glúten são encontrados em indivíduos normais e em pacientes com distúrbios gastrointestinais, além do espru celíaco; 
3. Aproximadamente 50% dos pacientes com espru celíaco não possuem anticorpos séricos do glúten; 
4. Os pacientes com espru celíaco geralmente exibem títulos altos de anticorpos para outras substâncias alimentares, incluindo o leite de vaca e as proteínas do leite.
Anticorpos anti-reticulina
Têm sido encontrados anticorpos circulantes para os componentes do tecido conjuntivo em mais de um terço dos adultos com espru celíaco. Originalmente implicados com um traço imunológico específico da doença celíaca, os anticorpos séricos de anti-reticulina (Cueto Rúa et al., 1987) também ocorrem em 25% dos pacientes com doença de Crohn e, em menor extensão, em várias outras desordens gastrointestinais sem características imunológicas, como a hérnia hiatal. Os anticorpos anti-reticulina estão presentes, na doença celíaca, em 30% a 49% em adultos e 70% a 80% em crianças.
Ainda não foi determinado se os anticorpos de reticulina e glutina representam fenômenos imunológicos secundários ao dano tissular inespecífico ou desempenham um papel fundamental na patogênese do espru celíaco. 
O anticorpo anti-reticulina (ARA) da classe IgG apresenta baixa sensibilidade e especificidade; ARA IgA é mais útil, com sensibilidade de 43% a 90% e especificidade de 99% e 100%.
Os anticorpos anti-reticulina são considerados uma cicatriz sorológica para os celíacos, pois se encontram positivos para os doentes e permanecem em altos títulos para aqueles que ainda não iniciaram o tratamento.
Anticorpo endomisial
A doença celíaca está associada com o anticorpo endomisial (EmA), que recentemente tem sido diretamente relacionado com o tecido transglutaminase (tTG). O anticorpo endomisial é um marcador sensível e específico para a doença celíaca (Seissler & Boms, 1999).
A sensibilidade e especificidade do EmA-IgA geralmente são maiores, se comparadas com ARA-IgA e AGA-IgA/IgG. No entanto, a sensibilidade é dependente da idade e crianças menores de dois anos apresentam EmA e JAB com sensibilidade inferior ao AGA.
A sensibilidade do EmA-IgA variou entre 83% e 100%, enquanto a especificidade foi de 98% e 100%. EmA foi positivo no soro de algumas crianças normais e com intolerância à proteína do leite de vaca. 
Com o advento do conceito de doença celíaca latente é difícil determinar se alguns destes pacientes apresentam doença subclínica, que irá manifestar-se posteriormente.
Se considerarmos apenas um teste sorológico, o EmA deve ser considerado o mais preciso, porém apresenta duas limitações. Primeiro, cerca de 2% dos pacientes com doença celíaca têm deficiência de IgA. Sendo EmA da classe IgA, não será positivo nesse grupos de pacientes. Segundo, é menor a sensibilidade nas crianças menores de dois anos de idade. Considerando estes fatores, a combinação de marcadores proporcionará melhor valor diagnóstico desses testes (Sdepanian, 1998).
Anticorpo antigliadina
Têm grande valor os anticorpos séricos antigliadina, predominantemente das classes IgA e IgG, entre os testes de triagem não invasivos para a doença celíaca. Títulos altos destes anticorpos estão presentes no soro da maioria dos pacientes sem tratamento e um declínio gradual dos mesmos ocorre após a instituição da dieta sem glúten.
A determinação dos anticorpos séricos antigliadina também é útil no acompanhamento dos doentes, em relação à adesão à dieta isenta de glúten. 
Embora os anticorpos séricos antigliadina sejam detectados em outras enteropatias, como a doença de Crohn, síndrome diarréica pós-enterite e intolerância alimentar, apresentam alta sensibilidade e especificidade para a doença celíaca.
Das duas classes de anticorpos imunoglobulinas (G e A) que têm sido analisadas, os marcadores IgG são mais sensíveis, enquanto que os IgA, mais específicos. Cerca de 2% dos pacientes com doença celíaca têm deficiência isolada de IgA; portanto, a determinação de rotina de anticorpo antigliadina (AGA) de classe IgG reduz a possibilidade de não detectar estes pacientes durante o rastreamento sorológico. Assim, para o rastreamento, ambas as classes IgA e IgG devem ser determinadas. 
A sensibilidade de AGA da classe IgG varia entre 62% e 96%. AGA IgA também foi encontrado em crianças normais, com doença auto-imune, como artrite reumatóide, síndrome de Sjögren, sarcoidose, eczema atópico, pênfigo, intolerância a proteína do leite de vaca, diarréia aguda e crônica, parasitose e em pacientes com hepatopatias, como cirrose biliar primária e hepatite não-A não-B. Já os AGA tanto da classe IgG quanto IgA foram significativamente mais altos nos pacientes celíacos, recebendo glúten e com lesão intestinal do que nos outros grupos. 
A dosagem desse anticorpo também é importante como controle da doença. Após dois meses de dieta, os níveis desse anticorpo já devem ser negativos ou bastante baixos.
A especificidade de AGA-IgG varia entre 63% e 97%. Com relação ao AgA IgA a especificidade apresenta valores mais altos, de 83% a 100%, enquanto a sensibilidade é de 4% a 92% (Medeiros et al, 1994).
Há controvérsias em relação à importância de cada classe de anticorpo antigliadina, IgA e IgG na seleção de pacientes para a biópsia jejunal, mas há o consenso de que o anticorpo IgA é mais específico e o de classe IgG mostra maior sensibilidade. 
Em testes utilizando os métodos Elisa e de imunofluorescência, verificou-se que somente pacientes com doença celíaca ativa apresentavam títulos positivos de anticorpos da classe IgA e os da classe IgG foram positivos em 5% dos pacientes com outras enteropatias; contudo, esses testes não apresentaram nenhum título positivo de anticorpo das classes IgA e IgG em um grupo de indivíduos normais. Deve-se enfatizar que a deficiência seletiva de IgA é mais freqüente em pacientes celíacos do que na população em geral.
A determinação dos anticorpos séricos antigliadina IgA pelo método Elisa mostrou ser um marcador seguro para a doença celíaca não tratada, com sensibilidade de 90% e especificidade de 93% e, também muito útil no seguimento do paciente celíaco em relação à adesão à dieta isenta de glúten. Após seis meses de dieta isenta de glúten, 30% dos pacientes apresentam títulos negativos do anticorpo e os demais, uma redução importante dos títulos. Já com um ano de tratamento, 90% das crianças apresentavam títulos negativos, mostrando que uma vez instituída a dieta sem glúten, os títulos de anticorpos IgA se reduzem lentamente e permanecem negativos, paralelamente à aderência à dieta (Medeiros et al, 1994).
Portanto, pode-se admitir a possibilidade de uma curva de anticorpos séricos antigliadina IgA determinada pelo método Elisa. Aos três meses de dieta sem glúten seria observada a queda dos títulos do anticorpo, que se manteria até que, com um ano de aderência ao tratamento, praticamente todos os títulos estariam negativos, isto é, dentro dos parâmetros dos indivíduos normais (Romaldini, & Barbieri, 1997).
Anticorpo antimúsculo liso
É um anticorpo inespecífico. Está presente em cerca de 20% dos indivíduos normais e em casos de hepatopatias, asma, mononucleose infecciosa e em 86% dos celíacos. Os anticorpos IgA, presentes nos celíacos, diferenciam estes dos hepatopatas, que têm elevação de IgG e IgM.
Os anticorpos antimúsculo liso (Ac Asma) mantêm altos títulos para pacientes celíacos sem tratamentodietético, além de serem positivos em familiares de pacientes com doença celíaca. Tem sido proposto o estudo do Ac Asma em familiares de celíacos, apesar da sensibilidade do anticorpo anti-reticulina ser maior do que a do Ac Asma e para determinação do cumprimento da dieta (Cueto Rúa et al., 1987).
Doenças associadas
Várias doenças auto-imunes (Figura 4) estão associadas com a doença celíaca, como doenças tireoideanas, diabetes mellitus, hepatite crônica, doença de Addison, trombocitopenia auto-imune, sarcoidose, nefropatia por IgA e deficiência seletiva de IgA. Cerca de 2% a 4% dos pacientes com diabetes mellitus insulino-dependente apresentam doença celíaca e 10% dos familiares sadios do portador de doença celíaca também têm diabetes mellitus (Visakorpi, 1995).
Existe uma freqüência maior de doenças neoplásicas em portadores de doença celíaca do que na população em geral. 
Destes, o mais freqüente é o linfoma intestinal. É obscura a razão pela qual alguns pacientes com doença celíaca apresentam tumores. Algumas hipóteses são estudadas, como o fato da hiperplasia de células linfóides aumentar as chances de desenvolvimento de células mutantes; os componentes do sistema HLA dos doentes, que são diferentes dos indivíduos normais, também podem estar relacionados e os distúrbios imunogênicos, que podem favorecer a replicação de vírus oncogênicos (Crawford, 1994; Holmes, 1995).
Aspectos do diagnóstico da doença celíaca
Para o diagnóstico da doença celíaca se utilizam os critérios ESPGAN (Sociedade Européia de Gastroenterologia Pediátrica e Nutrição), de 1970, mas nem sempre estes são cumpridos em todos os pacientes e nos diferentes centros, pela dificuldade de se realizar três biópsias de intestino delgado. 
Em 1989, a ESPGAN simplificou estes critérios, bastando agora o encontro da lesão característica da mucosa do intestino delgado e a rápida resposta clínica à dieta isenta de glúten. Biópsia de controle só é necessária em pacientes previamente assintomáticos. A presença de anticorpos antigliadina, anti-reticulina e/ou antiendomísio no início e seu desaparecimento, paralelo à recuperação clínica, confirmam o diagnóstico. No entanto, em comunidades onde outras causas de enteropatias são comuns, estes anticorpos não são tão específicos.
Como indicador, a dosagem do anticorpo sérico antigliadina da classe IgG é mais sensível que a prova de absorção da D-xilose (como indicador de lesão intestinal no paciente celíaco); a avaliação da absorção da D-xilose se mostra capaz de destinguir pacientes com lesões intestinais graves daqueles portadores de alterações leves ou sem alteração da estrutura do epitélio intestinal. Porém, nos grupos de doença celíaca antes do tratamento e diarréia protraída, a D-xilosemia não diferencia as duas patologias. 
Os testes de triagem para a doença celíaca são importantes para selecionar os pacientes para a biópsia jejunal (Figura 5), para evitar biópsias desnecessárias e assegurar o diagnóstico de formas clínicas não características da doença. No entanto, não apresentam acurácia suficiente para substituir a biópsia jejunal no diagnóstico definitivo da doença.
Os critérios diagnósticos de doença celíaca atualmente incluem a determinação dos marcadores sorológicos, que constituem um método útil na detecção e controle da doença. A determinação de anticorpos antigliadina, anti-reticulina e antiendomísio tem uma elevada sensibilidade e especificidade para detectar portadores de doença celíaca (Gleisner, & Ceron, 1998).
Conclusão
A ingestão de glúten provoca, nos pacientes predispostos (Murch & Walker-Smith, 1995) a doença celíaca, uma reação imune celular (aumento no número de linfócitos intra-epiteliais e na lâmina própria) e humoral (aumento dos anticorpos antigliadina, anti-reticulina e antiendomísio).
A teoria imunológica tem um crescente suporte científico e há várias comprovações que podem ser enumeradas:
1. Choque gliadínico-reação anafilática que ocorre em pequeno número de crianças após a reintrodução do glúten;
2. Melhora clínica e histológica com uso de corticosteróide, apesar da continuidade da dieta com glúten;
3. Presença de altos títulos de anticorpos, especialmente contra o glúten e suas frações;
4. Níveis séricos aumentados de IgA na doença ativa;
5. Aumentada produção de IgA e IgM secretórias, provavelmente anticorpos antiglúten;
6. Risco maior para a doença celíaca nos indivíduos com deficiência de IgA sérica (Penna & Mota, 1988).
Para o diagnóstico da doença celíaca, atualmente, têm-se utilizado marcadores, como anticorpos antiendomísio, anti-reticulina e antigliadina, principalmente para os casos cujo quadro clínico não é típico. Tais métodos imunoistológicos e os marcadores genéticos podem auxiliar no diagnóstico da doença celíaca (Visakorpi, 1995).

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