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AUTOMOTIVA Gestão de pós-venda automotiva Fundamentos, técnicas e processos Gestão de pós-venda autom otiva – Fundam entos, técnicas e processos 9 788553 401031 ISBN 978-85-534-0103-1 Esta publicação integra uma série da SENAI-SP Editora especialmente criada para apoiar os cursos do SENAI-SP. O mercado de trabalho em permanente mudança exige que o profissional se atualize continuamente ou, em muitos casos, busque qualificações. É para esse profissional, sintonizado com a evolução tecnológica e com as inovações nos processos produtivos, que o SENAI-SP oferece muitas opções em cursos, em diferentes níveis, nas diversas áreas tecnológicas. Nelson Luiz Ott Gestão de pós-venda automotiva Fundamentos, técnicas e processos Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Ott, Nelson Luiz Gestão de pós-venda automotiva / Nelson Luiz Ott. – São Paulo : SENAI- SP Editora, 2018. 184 p. : il . (Automotiva) Inclui referências ISBN 978-85-534-0103-1 1. Serviços ao cliente 2. Satisfação do consumidor 3. Vendas – Clientes contatos I. Título. CDD 658.812 Índice para o catálogo sistemático: 1. Relação com o cliente 658.812 SENAI-SP Editora Avenida Paulista, 1313, 4o andar, 01311 923, São Paulo – SP F. 11 3146.7308 | editora@sesisenaisp.org.br | www.senaispeditora.com.br AUTOMOTIVA Gestão de pós-venda automotiva Fundamentos, técnicas e processos Nelson Luiz Ott Departamento Regional de São Paulo Presidente Paulo Skaf Conselho regional Alice Grant Marzano Aluizio Bretas Byrro Antonio Carlos Teixeira Álvares Antonio de Sousa Ramalho Junior Arnaldo Augusto Ciquielo Borges Carlos Antonio Cavalcante Garabed Kenchian Heitor Alves Filho Irineu Govêa José Romeu Ferraz Neto Marco Antonio Melchior Paulo Vieira Ronald Moris Masijah Ruy Salvari Baumer Saulo Pucci Bueno Diretor Regional Ricardo Figueiredo Terra Diretor Superintendente Corporativo Igor Barenboim Gerência de Assistência à Empresa e à Comunidade Celso Taborda Kopp Gerência de Inovação e de Tecnologia Osvaldo Lahoz Maia Gerência de Educação Clecios Vinícius Batista e Silva Material didático utilizado nos cursos do SENAI-SP. Imagens Amanda L. Ott CAD Apresentação Com a permanente transformação dos processos produtivos e das formas de organização do trabalho, as demandas por educação profissional multiplicam-se e, sobretudo, diversificam-se. Em sintonia com essa realidade, o SENAI-SP valoriza a educação profissional para o primeiro emprego, dirigida a jovens. Privilegia também a qualificação de adultos que buscam um diferencial de qualidade para progredir no mercado de trabalho. E incorpora firmemente o conceito de “educação ao longo de toda a vida”, oferecendo modalidades de formação continuada para profissionais já atuantes. Dessa forma, atende às prioridades estratégicas da Indústria e às prio- ridades sociais do mercado de trabalho. A instituição trabalha com cursos de longa duração como os cursos de Aprendi- zagem Industrial, os cursos Técnicos e os cursos Superiores de Tecnologia. Ofe- rece também cursos de Formação Inicial e Continuada, com duração variada nas modalidades de Iniciação Profissional, Qualificação Profissional, Especialização Profissional, Aperfeiçoamento Profissional e Pós-Graduação. Com satisfação, apresentamos ao leitor esta publicação, que integra uma série da SENAI-SP Editora, especialmente criada para apoiar os alunos das diversas modalidades. Sumário Introdução 9 1. Conceito de empresas de serviço 17 Pós-venda automotivo 17 Serviço como ferramenta estratégica 22 Foco no serviço 23 Estudo de caso – Sears Allstate 24 2. O pós-venda no Brasil 26 O pós-venda em montadoras 27 O pós-venda em concessionárias 28 A Lei Ferrari 30 Garantia 32 Recall 35 3. Cliente e serviço ao cliente 41 O desafio chamado cliente 41 Qualidade de produtos e serviços 45 Marketing de serviço e serviço ao cliente 48 Estudo de caso – DeLorean Motor Company 51 4. Gestão estratégica 57 Vantagem competitiva 57 Gestão estratégica 59 Estudo de caso – Hudson Motor Company 70 5. Controle do processo e ferramentas da qualidade 78 Medições de uso corrente 78 Princípios das medições 80 Ferramentas da qualidade no pós-venda automotivo 88 6. Gerente de serviço 118 Atribuições do gerente de serviço 118 Tabelas práticas 137 7. Gestão de peças 148 Estoque de peças automotivas 148 Controle de estoque 149 Análise ou curva ABC 149 Estimativas de demanda 153 Métodos de previsão 155 Jurisprudência sobre falhas no fornecimento de peças 160 Estoques 161 8. Novos desafios 167 Desafios tecnológicos 167 Estudo de caso – Serviço Tesla 172 9. Epílogo – Mudança de cultura 176 Conflitos 176 Clima organizacional 177 Cultura organizacional 177 Mudança cultural 178 Referências 181 Sobre o autor 183 Introdução Figura 1 – Henry Ford. “O automóvel está destinado a fazer do Brasil uma grande nação.” Henry Ford Pouco tempo antes de escrever essas palavras, Henry Ford estabelecia no Brasil a primeira montadora de automóveis do país, em São Paulo, no longínquo ano de 1919. E já em 1921, após funcionar provisoriamente na Rua Florêncio de Abreu e na Praça da República, a Ford inaugurava na Rua Solon, no bairro paulistano do Bom Retiro, o primeiro prédio no Brasil construído para abrigar uma linha de montagem de automóveis e caminhões. Em 1925, se instalaria também em São Paulo a nova gigante da indústria, a General Motors, com sua marca mais famosa, a Chevrolet. E na esteira dessas primeiras montadoras, surgiu a necessidade de dar assistência aos pioneiros proprietários de automóveis. Fe el gr af ix 10 INTRODUÇÃO É comum ver entre entusiastas mais jovens do automobilismo o conceito equi- vocado de ser o serviço ao cliente uma “inovação” das montadoras japonesas. Embora seja inegável a contribuição oriental no resgate do conceito de serviço ao cliente automotivo, principalmente nas últimas décadas do século XX, os fundamentos do serviço ao cliente foram estabelecidos pelo próprio Henry Ford (1922, p. 42), já nos primórdios da indústria: O compromisso que o fabricante contrai com o cliente não termina com o ato da compra; esse ato apenas inicia as suas mútuas relações. No caso da venda de um automóvel, esse ato serve de apresentação. Se o carro não presta, seria melhor que jamais se tivesse realizada aquela venda, porque o pior dos reclames é um cliente insatisfeito. No período inicial da indústria, a tendência geral era considerar a venda como tudo, sem a menor preocupação com o que viesse depois. [...] O comprador de um carro tinha, a meu ver, o direito de usá-lo sem interrupção, e se um desarranjo sobreviesse, era do nosso dever contribuir para que o carro reentrasse em uso o mais depressa possível. Este princípio foi um dos elementos de grande êxito do meu negócio. A maior parte das casas que fabricavam autos caríssimos, naquela época, era desprovida de oficinas de reparo. No início do século XX, os primeiros automóveis eram vendidos diretamente pelas fábricas, portanto os fabricantes contavam apenas com um mercado local. Com Henry Ford não era diferente. Procurava-se, então, conseguir agentes in- teressados em vender os carros da Ford, já que os primeiros automóveis, ainda muito caros e de funcionamento pouco confiável, eram vistos com restrições pelo público. Havia, também, certo número de vigaristas entre os primeiros fabricantes, o que deixava os investidores desconfiados. Mas, à medida que os carros de Ford caíram no gosto popular, pessoas interessadas em comercializá- -los logo se apressaram em tentar obter uma concessão de vendas. No entanto, eram obrigadas, por contrato, a instalar também oficinas de reparo, utilizando as peças fornecidas pelo fabricante. No início da indústria automobilística, os fabricantes dos primeiros automóveis, em sua maioria pequenas oficinas e fer- ramentarias artesanais, não tinham condições de estabelecer uma rede de varejo e delegavam a atividade de vendasa pequenos comerciantes interessados em GESTÃO DE PÓS-VENDA AUTOMOTIVA – FUNDAMENTOS, TÉCNICAS E PROCESSOS 11 oferecer a “novidade tecnológica” em suas regiões, dando origem aos revende- dores (concessionárias) de automóveis. Mas Henry Ford foi além, vinculando ao contrato de representação comercial a obrigatoriedade de serviço e, dessa forma, deu origem às concessionárias automobilísticas, com vendas e serviço, tais como as conhecemos hoje. Esse modelo criado por Ford foi seguido por toda a indústria, inclusive a General Motors, incorporada em 1908 com a aquisição das marcas Buick e Oldsmobile. No Brasil, quando surgiram os primeiros automóveis, essa prática também foi seguida. Com o advento do Modelo T, a incorporação da General Motors em 1908 e o sumiço dos carros europeus durante a Primeira Guerra Mundial, entre 1914 e 1918, os carros americanos passaram a contar com a preferência popular, o que duraria até o fim da década de 1950. Note-se que, em 1912, os automóveis Ford já eram mais que o dobro de quaisquer outras marcas em São Paulo (segun- do a revista Ford Times, de março desse ano). Inicialmente, os automóveis Ford eram vendidos no Brasil em lojas de departamentos, mas Henry Ford exigia um modelo único de negócios em todos os locais onde estabelecia filiais. Logo, os comerciantes de seus carros no Brasil também tinham por obrigação oferecer serviço aos clientes, o que não era uma tarefa fácil, pois o país era totalmente desprovido de pessoal com formação técnica ou mecânica. A empresa precisava iniciar, então, a formação de pessoal técnico para serviço em seus veículos. As dificuldades do pioneirismo foram muito bem descritas por Kristian Orberg (1956, p. 14-17), gerente geral da filial brasileira da Ford entre 1921 e 1953: Em nossos departamentos de vendas e serviço, nos esforçamos para treinar um grupo especial de funcionários para viajar pelos diversos estados, examinando as possibilidades para o nosso negócio e para ten- tar localizar homens ou empresas que tivessem melhores possibilidades de se tornarem bons representantes da Ford. [...] O serviço era, especialmente nos locais mais remotos do interior do país, da mais alta importância aos clientes da Ford e, dessa forma, tenta- mos estabelecer contato com pessoas práticas, tais como os que lidavam com máquinas agrícolas, fabricantes de carroças ou ferreiros. [...] 12 INTRODUÇÃO Obviamente, o que nós realmente queríamos estabelecer era serviço, e as concessionárias que não seguissem esse princípio não poderiam con- tinuar como representantes da Ford a longo prazo. Nós tínhamos um bocado de paciência e fazíamos o máximo possível, após a nomeação da concessionária, para ajudar na sua organização. [...] Em nossos esforços para auxiliar na organização das concessionárias, descobrimos que bons mecânicos, com o conhecimento e treinamento adequados, eram nossos elementos mais valiosos. Eles eram preparados para estabelecer o layout das oficinas, selecionar ferramentas, estoque conveniente de peças de reposição, resolver problemas de serviço de todos os tipos etc. Tudo isso era da maior importância, considerando-se as enormes distâncias existentes no Brasil. Os brasileiros adoram carros e se tornam excelentes mecânicos, fazendo de tudo para entregar um bom serviço. Nós realmente tínhamos um excelente material para trabalhar. Geralmente, quando nosso pessoal de serviço visitava alguma locali- dade, isso era anunciado ao público nos jornais locais, e os clientes de nossos carros ficavam muito satisfeitos em poder entrar em contato e consultar com alguém vindo diretamente da fábrica. Posteriormente, quando as estradas melhoraram, montamos nossas es- colas móveis de serviço, nas quais nossos melhores homens de serviço viajavam por todo o país. [...] Esses especialistas desenvolviam instru- ções e treinamento em cada concessionária. [...] Essas escolas de serviço móveis também visitavam os principais clientes da região, especial- mente frotistas, oferecendo suporte. Isso sempre foi muito apreciado. Para suprir a falta de mão de obra especializada, o treinamento de serviço era ferramenta essencial. A Ford inaugurou, em 1927, nas suas instalações no bairro do Bom Retiro, em São Paulo, a primeira escola técnica de mecânica automobi- lística, conforme atestado pelo Boletim de Serviço da época. GESTÃO DE PÓS-VENDA AUTOMOTIVA – FUNDAMENTOS, TÉCNICAS E PROCESSOS 13 Figura 2 – Boletim de Serviço Ford de junho de 1927. A General Motors, principal concorrente da Ford, teve os mesmos tipos de pro- blemas e dificuldades e seguiu por caminhos semelhantes. Ambas as montadoras norte-americanas se revezaram no domínio do mercado brasileiro por muitos anos. Mais tarde, na década de 1950, com a criação do Grupo Executivo da In- dústria Automobilística (GEIA), diversas montadoras, principalmente europeias, como a Mercedes-Benz e a Volkswagen, estabeleceram-se no país e assumiram, respectivamente, a liderança nos mercados de caminhões e automóveis, antes das duas montadoras pioneiras. E o fizeram por meio do estabelecimento de elevados padrões de serviço a clientes e frotistas, além da imagem, muito bem trabalhada, de confiabilidade de seus produtos. Ac er vo d o au to r 14 INTRODUÇÃO Figuras 3 e 4 – Representantes de Serviço percorriam as concessionárias ministrando cursos e auxiliando no reparo de casos mais difíceis (instrutor da Ford, Julio Ott, RS, década de 1950). Nas décadas de 1970 e 1980, as montadoras ocidentais (americanas e europeias) viveram anos de depressão econômica, devido, principalmente, à ameaça de no- vos players no mercado vindos do Oriente. Resgatando os princípios de serviço e assistência ao cliente lançados por Henry Ford e aliando a uma estratégia de qualidade do produto, montadoras japonesas como Honda, Toyota, Yamaha e ou- tras criaram uma imagem muito forte de confiabilidade e respeito ao consumidor, conquistando os clientes de marcas até então tradicionais. Ou seja, trouxeram novamente à tona a velha lição do serviço ao cliente como estratégia de marke- ting, algo a que as montadoras ocidentais tiveram de correr para se adequar. Algumas velhas lições não devem nunca ser esquecidas. Ao estudar o pós-venda automotivo, deparamo-nos constantemente com uma onipresente dualidade, devido à histórica separação entre concessionárias e montadoras. Por um lado, a concessionária, empresa de serviço por excelência, na linha de frente aten- dendo o cliente e, por outro lado, a montadora, empresa basicamente do setor Ac er vo d o au to r GESTÃO DE PÓS-VENDA AUTOMOTIVA – FUNDAMENTOS, TÉCNICAS E PROCESSOS 15 secundário da economia, manufatureira, mas que também deve ter forte foco na atividade de suporte às concessionárias, e cuja própria sobrevivência depende de seu compromisso constante com o perfil do cliente a ser atendido, tanto pelo produto quanto pelo pós-venda. Vimos anteriormente como as montadoras que aqui se instalaram se posicionaram quanto ao serviço ao cliente. E as concessio- nárias brasileiras? “Só tenho pós-venda porque a montadora me obriga.” Esse mindset, infelizmente ainda existente em alguns donos (titulares) de concessionárias até os dias de hoje, é algo exaustivamente repetido, o que bem exemplifica o baixo grau de compro- metimento de algumas concessionárias com o cliente após a venda do automóvel e o grau de capacitação gerencial de muitas pessoas, ainda não devidamente preparadas para os desafios da competição em livre mercado. É claro que não se deve generalizar e colocar todos na mesma situação da falta de capacitação e comprometimento; existem exceções, e muito honrosas. Algumas concessioná- rias fazem muito esforço para se modernizar e “humanizar” sua administração. Mas, infelizmente, a falta de foco e atenção nas atividades de pós-venda ainda é atitude comum e constante entre alguns titulares do negócio, fruto da inaptidão administrativa e do imediatismo que clama por resultados a curto prazo. Esse cenáriorepleto de crenças, vícios, meias verdades e paradigmas que devem ser quebrados ainda está presente nas atividades do pós-venda automobilístico dentro das concessionárias. E há uma dificuldade natural no mercado, e no meio estudantil, pelo fato de a gestão de serviço ao cliente não ser, nem de longe, a “área de sonho” dos melhores alunos das escolas de administração do país, fato agravado por ser uma atividade que exige, paralelamente, avançado conheci- mento técnico. Infelizmente, são raras as pessoas que detêm conhecimento em ambas as áreas. Algumas concessionárias automotivas, em grande parte empre- sas familiares, são pródigas em empregar amigos, parentes e indicados como gestores ou exigem experiência na área, acolhendo profissionais que trazem consigo não as melhores práticas de administração, mas os vícios aprendidos em estabelecimentos semelhantes. O desafio que se estende aos estudantes de tecnologia automotiva, que recebem formação de gestão em adição à formação técnica, é a de quebrar paradigmas, mudar culturas e adotar práticas modernas de administração; promover mudanças organizacionais e exercer liderança, for- mando equipes de alta performance com funcionários qualificados, motivados, 16 INTRODUÇÃO engajados e comprometidos; e, como consequência, oferecer um serviço de alto nível ao cliente automotivo, que se transforma em lealdade, satisfação e parce- rias. O resultado não poderá ser outro: a rentabilidade da empresa em médio e longo prazo. No entanto, o estudo das atividades de gestão do pós-venda automotivo não se restringe às concessionárias autorizadas. Oficinas independentes e redes de ser- viço rápido multimarcas, além de oferecerem preços mais competitivos, concor- rem diretamente com as autorizadas, principalmente após o término do período de garantia do veículo. Ao conquistarem a confiança dos clientes, profissionais com bons conhecimentos técnicos podem também adotar práticas modernas de gestão de oficinas, otimizando seus resultados financeiros. A gestão de pós-venda automotivo requer habilidade, sensibilidade e conheci- mento. Não é uma tarefa fácil, uma vez que, seja em concessionárias autorizadas, seja em oficinas independentes, produtivos e gestores encontrarão desafios que, se bem trabalhados, certamente se reverterão em conquistas profissionais ines- timáveis. Ao longo desta obra serão abordados o dia a dia dessa atividade, tanto em montadoras como em concessionárias e oficinas independentes, os desafios que se estendem aos gestores e como as mudanças organizacionais e de cultura poderão trazer um novo cenário de conquistas e reconhecimento profissional. 1. Conceito de empresas de serviço Pós-venda automotivo Serviço como ferramenta estratégica Foco no serviço Estudo de caso – Sears Allstate Neste capítulo, o conceito de empresa de serviço, em oposição a operações de manufatura, é apresentado com ênfase no setor de pós-venda automotivo, mos- trando sua importância ao mercado de trabalho e à economia em geral. As difi- culdades desse setor são mostradas como desafios aos gestores e como eles pre- cisam superar conceitos e vícios antiquados, que comprometem a sobrevivência das empresas do setor. Pós-venda automotivo O pós-venda automotivo é uma das múltiplas faces do conceito de empresas de serviço ou setor terciário da economia, constituindo 76% dos empregos formais no Brasil em 20131, em linha com as proporções de outros países, como os EUA (84% dos empregos em 2010)2 ou a Alemanha (73,8% da força de trabalho em 2011)3, e essa proporção está aumentando. Após a migração de grande parte das atividades de manufatura para o Oriente, observada nas últimas décadas (fenô- 1 Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/ sitio/interna/interna.php?area=4&menu=4485>. Acesso em: jan. 2018. 2 Service management: an integrated approach to supply chain management and operations, Cengiz Haksever, Barry Render, 2013. FT Press. Cap. 1.3. The Service Sector of the U.S. Economy. Tradução do autor. 3 Central Intelligence Agency, The World Fact Book, Europe / Germany. Disponível em: <https://www.cia.gov/ library/publications/the-world-factbook/geos/gm.html>. Acesso em: jan. 2018. Tradução do autor. 18 CONCEITO DE EMPRESAS DE SERVIÇO meno que o Brasil ficou de espectador), as economias do mundo ocidental estão se tornando basicamente economias de serviço por excelência. Diariamente, e cada vez mais, somos clientes ou usuários de operações de servi- ço. Servimo-nos a todo instante de hospitais, lojas, provedores de internet, TV a cabo, estabelecimentos educacionais, empresas de entretenimento, restaurantes, televisão, serviços de táxi, Uber etc. No ramo automobilístico, as montadoras constituem-se no setor secundário da economia, com as entidades de manufa- tura, que produzem os veículos; as concessionárias, ao comercializar e fornecer assistência técnica, constituem-se no setor terciário, ou empresas de serviço. A atividade de serviço, em sua acepção geral, pode abranger diversos aspectos, afinal, engloba 75% das atividades econômicas dos países desenvolvidos, daí a dificuldade de se definir em poucos termos sua abrangência. É comum confundir serviço ao cliente com a atividade de lidar com reclamações dos clientes, exercida pelas grandes corporações. No ramo automobilístico, essa função é apenas uma parte da equação geral, sendo normalmente exercida pelos fabricantes (monta- doras), que muitas vezes utilizam-se de call centers terceirizados e quase sempre acabam criando uma “barreira” entre o cliente e o fabricante. Ao considerar esses múltiplos aspectos, as empresas de serviço devem trabalhar para integrar as atividades que agregam valor em termos de resultado e experiên- cia para o cliente. No entanto, é primordial o gestor ter sempre em mente que o resultado de sua operação é intangível, ao contrário de operações de manufatura (exemplificadas pela própria montadora de automóveis), em que os bens entre- gues são tangíveis. Assim, o resultado dos esforços do gestor de serviço sempre conterá uma componente de intangibilidade que os gestores de manufatura não precisam levar em conta – como o produto é entregue ao cliente, e não apenas o que é entregue. Nesse ponto, é primordial que o gestor de serviços, conforme veremos nos capítulos seguintes, saiba quem são os clientes, quais são suas ex- pectativas e necessidades, e saiba também desenvolver relacionamentos com eles. Consoante o sentimento empresarial dominante em grande parte do mundo, os executivos admitem que a maioria das empresas ou não sabe ou não se preocupa em proporcionar serviços de pós-venda eficientes e eficazes. Altas administrações no mundo todo tratam os serviços de pós-venda como um “mal necessário”, e isso é especialmente verdadeiro no ramo automobilístico nacional. GESTÃO DE PÓS-VENDA AUTOMOTIVA – FUNDAMENTOS, TÉCNICAS E PROCESSOS 19 Contudo, ignorar o potencial do pós-venda é, no mínimo, má gestão. Desde a década de 1990, a maioria das empresas dos EUA, da Europa e do Japão repen- sou a estratégia simplista de “empurrar” novos produtos aos clientes e começou a entregar o valor que eles esperavam ao utilizar seus produtos. Essas empresas mudaram o enfoque, pois a demanda diminuiu, a concorrência se intensificou e as margens de vendas implodiram, tal qual no setor automobilístico nacional após a entrada de novos players, a partir da década de 1990, com o levantamento das restrições de importações. À medida que as empresas passaram a oferecer soluções em vez de produtos, tornou-se evidente que itens e negócios – como vendas de peças de reposição e reparos nos serviços de pós-venda; instalação de melhorias; equipamentos de recondicionamento; inspeções e manutenção diária; oferta de suporte técnico, consultoria, treinamento; e obtenção de recursos financeiros – podem ser uma excelente fonte de receita e lucros. Em algumas indústrias como a automobilís- tica, linhabranca, maquinário industrial e computação foram vendidos tantos produtos ao longo dos anos que o mercado de pós-venda se tornou, em média, 4 a 5 vezes maior do que o de produtos novos4. A dificuldade inerente à gestão de operações de pós-venda apresenta uma dura realidade: somente empresas que proporcionam serviços de maneira eficiente podem lucrar com a sua atividade de pós-venda. Em geral, e esse é um fenômeno mundial, as grandes empresas gerenciam mal as redes de serviço, ao contrário das funções de produção e vendas, muito bem administradas. Isso é especialmente visível nas grandes montadoras de automóveis: há pouca coordenação entre os depósitos de peças de reposição e as concessionárias. Mesmo em países mais desenvolvidos, pelo menos 50% dos clientes enfrentam problemas desnecessários para ter seus veículos reparados, devido a peças não disponíveis nas concessioná- rias, o que gera atrasos, clientes irritados, carros parados nos boxes obstruindo o fluxo da oficina, e assim por diante. Em um país com grandes dificuldades de logística como o Brasil, o problema de disponibilidade de peças é notório, contribuindo para a péssima reputação das concessionárias e montadoras nesse quesito. Embora as montadoras vendam, numa média global, 10% da receita 4 COHEN, Morris A., Agrawal, Narendra e Agrawal, Vipul, Winning in the Aftermarket. Harvard Business Review, maio 2006. Disponível em: <https://hbr.org/2006/05/winning-in-the-aftermarket>. Acesso em: jan. 2018. Tradução do autor. 20 CONCEITO DE EMPRESAS DE SERVIÇO bruta em peças anualmente, a maioria não obtém o máximo desses ativos. As pessoas e as operações são, em geral, lentas, o estoque gira uma ou duas vezes ao ano apenas, e uma porcentagem superior a 20% das peças torna-se obsoleta a cada ano. Marcadamente no segmento automobilístico, há uma forte correlação entre qua- lidade dos serviços de pós-venda e a intenção de recompra. Marcas como Lexus, Honda, Mercedes e BMW inspiram a repetição de compra, pois proporcionam qualidade de serviço superior e, consequentemente, ultrapassam marcas tradicio- nais. Fatores como o rápido declínio nas margens de lucros no negócio de venda de carros novos, associado ao aumento da vida útil dos veículos, estão tornando o negócio de pós-venda cada vez mais importante. Novos padrões de comporta- mento de clientes alimentam ainda mais a necessidade de modelos de negócios inovadores e criativos no pós-venda. As empresas podem se beneficiar de diversas formas ao focarem nos serviços de pós-venda. O fornecimento de apoio gera receita de baixo risco no longo prazo. Os fabricantes de aviões, por exemplo, geram receitas adicionais com pós-venda em períodos de até 25 anos. Quanto maior a vida útil do bem de consumo, mais oportunidades haverá para as empresas ao longo dessa vida útil. Além disso, o aumento da venda de peças e produtos relacionados a serviço custa às empresas muito menos do que a garimpagem de novos clientes, fato que torna o serviço ao cliente uma atividade econômica cada vez mais atraente. O serviço nas concessionárias é o pós-venda por excelência: fornece suporte ao cliente quanto à utilização correta do veículo, sua manutenção periódica, fornecimento de peças e acessórios e correção de defeitos. Ou seja, o serviço da concessionária é o próprio suporte da experiência de possuir o veículo, e dessa experiência depende a fidelização do cliente e consequente recompra da marca no futuro. Em oficinas independentes, o foco é a correção de defeitos e, em menor grau, a manutenção periódica do veículo, podendo atender também os frotistas. As oficinas de funilaria e pintura muitas vezes devem lidar com uma duplicidade de clientes, tendo que atender tanto o proprietário do veículo como a empresa seguradora. Mesmo que nosso foco seja no ramo automotivo, o termo “serviço” apresenta múltiplas facetas, que o aluno ou o profissional deverá ter em mente ao longo desta obra. GESTÃO DE PÓS-VENDA AUTOMOTIVA – FUNDAMENTOS, TÉCNICAS E PROCESSOS 21 A gestão de empresas de pós-venda automotivo envolve a coordenação de dife- rentes áreas, além do conhecimento técnico automobilístico em si: o marketing, a gestão de recursos e finanças, a gestão de pessoas, a gestão de resíduos. Porém, o grande desafio está muito além da situação ou do status quo das empresas: envolve mudanças de cultura e a quebra de paradigmas, caso as empresas quei- ram permanecer competitivas no médio e longo prazo. Conforme mencionado anteriormente, muitas dessas empresas mantêm métodos de administração ul- trapassados e buscam resultados imediatistas. Não há mais lugar para esse tipo de cultura num mercado altamente competitivo. O papel do gestor de pós-venda, além de exigir o conhecimento em todas as áreas mencionadas, requer também alta habilidade para mudar culturas. Esse desafio será tratado no Capítulo 9. Na administração das operações de serviço de pós-venda automotivo, o gestor se depara com três missões básicas: • curto prazo: gerenciar as operações do dia a dia da oficina ou da concessio- nária, liderando sua equipe e organizando recursos para que o desempenho esperado seja atingido, com a entrega de um serviço de qualidade a um custo apropriado, e que as expectativas dos clientes imediatos sejam atendidas ou excedidas; • médio e longo prazo: buscar a melhoria contínua dos processos e da qualidade dos serviços, aplicando práticas modernas de administração e gestão de pes- soas, mantendo-se atualizado com as inovações tecnológicas e técnicas ad- ministrativas; • longo prazo: estabelecer estratégias de operação para consolidar as conquistas alcançadas, reter clientes ao superar suas expectativas, garantir que os fun- cionários tenham o conhecimento e a habilidade para entregar serviços cada vez melhores, com excelente rentabilidade; manter a empresa competitiva diante da concorrência. Essas três missões ou tarefas básicas devem ser postas em prática de forma con- junta. Porém, o que se observa são gestores de pós-venda automotivos perseguin- do diariamente o que é urgente e deixando de lado o que é importante, sendo levados pelo turbilhão de questões: problemas técnicos do produto, capacitação deficiente do pessoal ou pessoal insuficiente, clientes problemáticos, falta de pe- ças, problemas técnicos de difícil resolução, orçamentos restritos, inovações tec- nológicas sem informação adequada, alta administração despreparada etc. Esses 22 CONCEITO DE EMPRESAS DE SERVIÇO são apenas alguns dos itens que requerem ação imediata do gestor de pós-venda. Nesse constante desafio de várias questões urgentes, o gestor acaba desviando seu foco de pontos importantes como medição de desempenho, treinamento do pessoal, planejamento em médio e longo prazo, expansão e melhoria das ativida- des. Urge, então, o gestor lutar contra o imediatismo e a urgência que caracteriza seu dia a dia. E, não raro, o gestor deve também se opor às altas administrações, ainda mais imediatistas, cuja única “visão de futuro” é o resultado financeiro no final do mês. Da combinação balanceada entre o pensamento estratégico futu- ro e a operação eficaz do presente, o gestor extrairá o desempenho financeiro adequado, vantagens competitivas e a satisfação dos clientes que garantirá esse resultado financeiro. Serviço como ferramenta estratégica O Conceito de Serviço como ferramenta estratégica pode resultar em benefícios para a empresa, pois proporciona: • alinhamento organizacional: diferentes departamentos de uma empresa podem ter perspectivas diferentes sobre a natureza do serviço. No caso de concessionárias automotivas, por exemplo, deve-se ter em mente a natureza dualista de vendas e serviço, intrínseca a esse tipo de empresa. A organização de pós-venda deve ser tratada como uma importante fonte de negócios, que suporta a empresa mesmo em tempo de dificuldades de mercado, quando a venda de veículos não leva a empresa a atingir o break even; • avaliação das implicações das mudanças de configuraçãono conceito de ser- viço: impulsiona o desenvolvimento do serviço em longo prazo; • vantagens estratégicas: o conceito de serviço não apenas auxilia a alta gerência de uma empresa a entender o seu negócio, mas também os desafia a imple- mentar vantagens sobre a concorrência. A vantagem estratégica das monta- doras japonesas é marcadamente apoiada sobre a excelência no pós-venda. A articulação e o acordo de um conceito de serviço são um meio não só de iden- tificar a natureza do negócio, mas também de fornecer essa natureza do negócio com um senso de propósito e direção comum. GESTÃO DE PÓS-VENDA AUTOMOTIVA – FUNDAMENTOS, TÉCNICAS E PROCESSOS 23 Ao refletir cuidadosamente sobre o mercado no qual atuam, sobre os diferentes perfis e necessidades dos clientes, e entendendo as competências da operação, a alta gerência de uma empresa pode desenvolver novos conceitos, com grande apelo para os clientes, gerando significativa vantagem competitiva. Uma tática do “marketing de guerrilha” é o de combater os concorrentes mais poderosos (empresas maiores) oferecendo não apenas produtos diferenciados, mas também serviços que surpreendam o cliente. Ao definir o conceito de serviço de uma empresa, os responsáveis por esse con- ceito podem compará-lo às alternativas criadas por outros fornecedores, para auxiliar os gerentes da operação a identificar os resultados das mudanças. Se houver mudança de abordagem, com alterações do processo, as modificações na configuração do serviço têm implicações em todas as partes da empresa. Foco no serviço A ideia de foco – concentrar-se no atendimento de um segmento específico de clientes com faixa limitada de produtos – também se aplica aos setores de ser- viço. O foco apresenta benefícios à operação da empresa, como simplicidade de operação, e ao cliente, como alto valor e baixo custo. Empresas que trabalham “fazendo tudo para todos”, atuando onde negócios ou locais são os mesmos e os canais de entrega são idênticos, podem obter algum grau de foco no encontro de serviço. Tais empresas estimulam seus funcionários a reconhecer e a lidar com várias necessidades dos clientes. Consultores de serviços automotivos, por exemplo, podem oferecer os mesmos serviços de formas diferentes para públicos masculinos e femininos. O foco no pós-venda só trará benefícios à concessionária. Em uma situação de mercado cada vez mais competitiva, com um número crescente de concorrentes (fabricantes), um público consumidor cada vez mais exigente e conhecedor dos produtos, e com a uniformização de soluções técnicas e estilísticas entre as marcas que estão levando a uma crescente “mesmice” nos produtos automotivos, o pós- -venda surge como ferramenta poderosa de diferenciação e conquista de clientes. 24 CONCEITO DE EMPRESAS DE SERVIÇO Estudo de caso – Sears Allstate Ao longo desta obra, serão apresentados casos reais para estudo e discussão, aproveitados da riquíssima história do automobilismo mundial, que não devem ser esquecidos para que não se repitam os mesmos erros. O primeiro desses casos a ser analisado é o da gigante do varejo Sears, que, na década de 1950, realizou uma experiência inédita de vender automóvel em suas lojas. Para isso, lançou o pequeno (para os padrões norte-americanos) Kaiser Henry J., da montadora Kaiser-Frazer Corporation, ligeiramente modificado, com o nome Sears Allstate. A empresa de relógios R. W. Sears Watch Company, fundada em 1986 por Richard Sears, em Minneapolis, EUA, tornou-se uma das maiores lojas e em- presas de mala direta desse país – a Sears, Roebuck and Co. Embora a empresa tenha sido uma das pioneiras na venda pelo correio, em 1925, fundou suas lojas de varejo. No fim do século XX, a Sears operava 833 lojas de departamentos e 1.325 lojas de móveis, ferramentas e peças automotivas. Além disso, vendia também suas marcas de eletrodomésticos, ferramentas e peças automotivas por intermédio de outras 1.384 lojas independentes. Na década de 1950, chegou a vender sua própria linha de carros dentro de suas lojas de varejo, o Allstate, que era uma versão adaptada do Henry J., fabricado pela marca independente Kaiser- -Frazer Corporation, então proprietária das marcas Kaiser, Willys e Jeep. A marca Allstate também forneceu motocicletas e lambretas (Cushman e Vespa) até a dé- cada de 1960. A Sears possuiu lojas na Inglaterra até 1999, e, no Brasil, até 1992. Quando a rede americana saiu do país, o Grupo Pão de Açúcar tentou efetuar a compra da rede da Sears no Brasil, mas perdeu para outro grupo da Holanda. O faturamento atual da Sears gira em torno de 41 bilhões de dólares anuais. A empresa é conhecida por sua inovação e criatividade. Em 1906, enfrentou dificuldades operacionais significativas após a inauguração de novas instalações de venda pelo correio de 280.000 m2 (a maior instalação comercial do mundo nessa época). Após testes, os executivos de mala direta introduziram um sistema que envolvia a programação de movimentação dos pedidos, do recebimento ao embarque dos bens. Isso foi facilitado por um intrincado sistema de correias e calhas. Esse método de controlar e transportar os itens levou a um aumento de GESTÃO DE PÓS-VENDA AUTOMOTIVA – FUNDAMENTOS, TÉCNICAS E PROCESSOS 25 dez vezes nos volumes manipulados. A operação tornou-se um tipo de “sétima maravilha” do mundo empresarial. Diz a lenda que Henry Ford visitou a planta de Chicago para estudar a técnica utilizada no sistema. Mais recentemente, a criatividade foi aplicada para entender os vínculos entre sua política de emprego e lucro. Os executivos da Sears, Rucci, Kirn e Quinn, no artigo "The employee-customer-profit chain at Sears", para a Harvard Business Review, explicaram: “Os elementos básicos de um modelo que envolve funcionário, cliente e lucro não são difíceis de entender. Qualquer pessoa com pouco conhecimento do varejo entende, intuitivamente, que há uma cadeia de causa e efeito, que vai do comportamento do funcionário ao comportamento do cliente e ao lucro”. Muitas empresas não entendem esses relacionamentos, mas a Sears afirma que os entende como resultado da coleta, da análise e da modelagem dos dados: Entendemos os vários tipos de fatores que influenciam as atitudes dos funcionários, e sabemos como eles afetam a retenção dos funcionários; como a retenção dos funcionários afeta os direcionadores de satisfação dos clientes, como a satisfação dos clientes afeta os resultados finan- ceiros e muitos outros. Também calculamos o tempo envolvido em quaisquer dessas medidas e a mudança correspondente no desempenho financeiro. Assim, quando percebemos qualquer mudança, digamos, nas atitudes dos funcionários, sabemos não apenas como, mas também quando ela afetará nossos resultados. Exercício 1. Como pode ser avaliada a iniciativa da Sears de vender automóveis e lambretas em lojas de departamento de varejo? Pode ser uma alternativa válida às concessionárias de veículos? 2. O pós-venda no Brasil O pós-venda em montadoras O pós-venda em concessionárias A Lei Ferrari Garantia Recall Após Santos Dumont trazer o primeiro automóvel para o Brasil (um Peugeot), em 1891, a novidade começou a se espalhar entre as classes mais abastadas no início do século XX. Já prenunciando sua pujança econômica, São Paulo, com apenas cinco automóveis em 1901, já possuía 16 em 1903 e, no ano seguinte, 84. Em 1904, ganhava sua primeira concessionária de automóveis, a Orey Antunes e Cia. Ltda., que importava, inicialmente, automóveis Darracq, e depois carros das marcas Renault e Berliet (claramente demonstrando a preferência inicial do mercado paulistano por veículos europeus). Por volta de 1911, mais de 2 mil automóveis circulavam pelas ruas da capital paulista e a novidade se espalhava rapidamente por todo o país (WOLFE, 2010, p. 31). Conforme aumentava a quantidade de automóveis, pequenos empreendedores iniciavam negócios de apoio como garagens que forneciam gasolina (esta era inicialmente comprada em latas nas farmácias),pneus e reparos. A primeira grande oficina de automóveis foi a Fiat Garage (sem conexão com o fabricante italiano), no Rio de Janeiro, iniciativa de Alfredo Elysiario da Silva, que podia atender até 50 automóveis e também fabricava carrocerias sob encomenda. Os mecânicos, naquela época, desfrutavam de uma posição social privilegiada, devi- do ao monopólio do conhecimento na manutenção dessas novidades mecânicas, o que gerava altos rendimentos e elevado prestígio social. Porém, mecânicos capacitados eram muito raros, especialmente no interior do país. As primeiras montadoras precisavam cuidar da formação de mecânicos GESTÃO DE PÓS-VENDA AUTOMOTIVA – FUNDAMENTOS, TÉCNICAS E PROCESSOS 27 para o bom atendimento de seus veículos, o que foi empreendido pela Ford e pela GM. Muitos anos depois, o SENAI passou a oferecer essa formação profissional cuja demanda aumenta cada vez mais. O pós-venda em montadoras Ao estudar o pós-venda automobilístico no Brasil, é importante analisar não apenas as empresas prestadoras de serviço, concessionárias e oficinas indepen- dentes, mas também as montadoras. Nunca uma área tão “glamorosa”, como marketing e vendas de montadoras, o pós-venda não costuma ser, exatamente, a área de sonho de profissionais car- reiristas ou que almejam conseguir alta visibilidade e posições mais elevadas. Reciprocamente, também não costuma ser a área de sonhos dos melhores alunos das escolas de administração. Afinal, tratar com clientes é um grande desafio e exige habilidade, paciência e grande motivação para tal. Pós-venda, enfim, requer vocação e pessoas voltadas para atender e entender o cliente, com alta habilidade gerencial para administrar os desafios e as barreiras que se colocam na disponibilização de pessoal habilitado e treinado nos reparos, bem como uma grande quantidade de peças de veículos de épocas diferentes, muitas vezes já fora de linha. Neste país, os desafios são agravados pelas dificuldades de logística, transporte e extensão territorial, que dificultam a circulação de peças. Ao longo dos anos, o que se observou nas montadoras (mas isso não deve, de forma alguma, ser generalizado) foi a permanência dos mesmos gestores por longos períodos. Há exceções, é claro, mas, de forma geral, notou-se uma ten- dência entre os gestores de pós-venda a se tornarem algo como “velhos senhores feudais” de seus departamentos, dominando, de uma forma ou de outra, a técnica de conduzir os trabalhos, cercando-se de auxiliares inexpressivos, incapazes de ameaçar sua carreira. Também foram observadas breves permanências de ges- tores carreiristas usando o pós-venda como “trampolim” para outras áreas de maior visibilidade. Muitas pessoas da área operacional e alguns abnegados ges- tores, no entanto, constituíam-se em verdadeiros “heróis”, carregando o fardo do atendimento a clientes da melhor forma possível, com apoio e recursos limitados. 28 O PÓS-VENDA NO BRASIL Tudo isso contribuiu para a pouca atratividade do setor para gestores capacitados e com novas ideias, ao mesmo tempo que se criaram vícios difíceis de romper. Até pouco tempo, os setores de serviço ao cliente nas montadoras eram apenas divisões das operações de marketing e vendas, tendo lugar apenas no banco tra- seiro da estratégia das empresas. Lentamente, esse cenário começou a mudar. As montadoras japonesas, com sua especial atenção ao pós-venda, trouxeram novas práticas e mentalidades de respeito ao cliente que, aos poucos, vão contaminando positivamente seus concorrentes. A dura realidade da forte concorrência obrigou muitas empresas a reverem seus conceitos e políticas. O serviço ao cliente saiu da esfera de marketing para se tornar uma divisão separada em algumas montadoras (infelizmente, não todas). Embora antigas culturas ainda estejam fortemente arraigadas nas empresas, novas visões e iniciativas vêm trazendo uma atitude de respeito ao cliente, primordial à sobrevivência das empresas. Mas, em algumas montadoras, ainda há um longo caminho a percorrer, especialmente nas que adotaram a tática equivocada da terceirização de setores vitais para o serviço ao cliente, como treinamento de serviço e call centers. Com a finalidade de reduzir custos no curto prazo, as montadoras que tercei- rizaram as atividades de atendimento ao cliente comprometeram, conforme mostra a experiência, a qualidade do serviço e a imagem da marca perante os consumidores e o pessoal técnico das concessionárias, devido às dificuldades de comunicação das empresas terceirizadas com áreas vitais das montadoras e o nível deficiente de comprometimento com os clientes. O treinamento de serviço sofreu com problemas como despreparo, falta de informações, de veículos e de componentes necessários; o atendimento a clientes passou a ser feito por pessoas distantes da empresa, sem o necessário comprometimento e conhecimento, dei- xando clientes ainda mais insatisfeitos e prejudicando sobremaneira a imagem da montadora perante o mercado. O pós-venda em concessionárias De caráter essencialmente mercantilista, focada na venda de automóveis como o pilar principal do negócio, as concessionárias, salvo raras exceções, viam o GESTÃO DE PÓS-VENDA AUTOMOTIVA – FUNDAMENTOS, TÉCNICAS E PROCESSOS 29 pós-venda como “um mal necessário” ou uma “obrigação das montadoras”, dei- xando escapar uma oportunidade preciosa de negócios e lucro, além da vantagem óbvia da fidelização dos clientes. Buscando mecanismos artificiais de proteção de mercado, por meio da implantação da Lei Ferrari (que será vista adiante), e com o número reduzido de marcas existentes no mercado nacional, as concessioná- rias estabeleceram-se e prosperaram dentro de zonas de conforto, com mercado garantido por lei e não com a excelência de serviço. Empresas, em sua maioria familiares, caracterizaram-se, ao longo dos anos, por empregar pessoas próxi- mas, parentes e amigos, em detrimento da gestão profissional e da meritocracia, e criaram vícios e verdades absolutas difíceis de quebrar e que só prejudicaram a si mesmas. Profissionais “experientes” nesse setor apenas acumularam anos e anos dos mesmos vícios e práticas inadequadas. Com o aumento da concorrên- cia, o maior número de marcas e as crises de mercado no século XXI, muitas das empresas com essas características arcaicas simplesmente não sobreviveram, sucumbindo em meio a clientes insatisfeitos, margens decrescentes de lucro com a venda de carros novos e gestores com pouca capacitação profissional para en- frentar os novos desafios. Atualmente, amargando os efeitos da forte concorrência e das crises de mercado, as concessionárias precisam urgentemente se reinventar para sobreviver. Já não há mais espaço para nepotismos, vícios e administração centralizada que carac- terizam tantas dessas empresas. O pós-venda constitui-se como parte importante do negócio das concessionárias e estas precisam urgentemente se desvincular da venda de carros novos como negócio principal – exemplo de como isso é possível foi dado há muitos anos nos EUA, durante a Segunda Guerra Mundial, quando as concessionárias ficaram sem receber um único carro novo entre 1942 e 1945, devido à interrupção da produção de automóveis civis! E sobreviveram, cuidando apenas da manutenção da frota circulante. Portanto, um novo tipo de gestão – profissional – se faz necessário, com foco no cliente, no treinamento, na valorização das pessoas, nas medições, nas ferramen- tas da qualidade, na gestão financeira, na gestão científica de peças, na prática de preços de mercado, na visão de médio e longo prazo, enxergando além do resultado financeiro no final do mês. Esses novos gestores têm o desafio de mudar até mesmo a cultura da empresa, como veremos no Capítulo 9. 30 O PÓS-VENDA NO BRASIL A Lei Ferrari No Brasil, o relacionamento entre os fabricantes de veículos automotores e as concessionárias é regido pela Lei n. 6.729/1970, conhecida por Lei Ferrari (ne- nhuma relação com a fábrica de Maranello), posteriormentealterada pela Lei n. 8.132/1990, e apresenta informações acerca das formalidades e das obrigações necessárias para que se estabeleça uma relação de concessão comercial entre produtores e distribuidores de veículos automotores. Essa lei arcaica, infelizmente ainda em vigor, é um dos piores exemplos de prática antimercado, típica de protecionismos resultantes de empresários que buscam mecanismos de proteção e não competição ou mérito. Ela determina uma série de garantias de mercado a quem está estabelecido e cria barreiras para quem quer empreender e oferecer novas alternativas ao mercado e ao consumidor, com o intuito de regulamentar o sistema de distribuição. A primeira versão foi aprovada em novembro de 1979, estabelecendo direitos e deveres entre conce- dentes e concessionários de veículos terrestres. Especificamente, delibera sobre a delimitação de área geográfica para comercialização de veículos de uma marca específica; assistência técnica, garantia e revisão; uso gratuito da marca do pro- dutor; fidelidade e exclusividade recíproca concernente aos produtos e à marca; prazo de vigência do contrato de concessão comercial por prazo indeterminado ou pelo prazo mínimo e inicial de cinco anos. A partir da interpretação de que a lei feria a prática de livre mercado em alguns pontos, ela foi alterada em 1990, principalmente no que tange à liberdade do consumidor de adquirir o bem (veículo) no local que melhor lhe convier, ficando a concessionária de sua escolha sujeita à indenização dos serviços de assistência técnica. Os principais pontos da Lei Ferrari são: • direito exclusivo em área delimitada: é assegurado ao concessionário o direito exclusivo de revenda, em área delimitada, com o uso privativo da marca da concedente (montadora). Outro atributo essencial à concessão comercial da Lei Ferrari é a exigência de que a concessionária atue em área delimitada e GESTÃO DE PÓS-VENDA AUTOMOTIVA – FUNDAMENTOS, TÉCNICAS E PROCESSOS 31 sem interferência de outras. A concessionária não poderá atuar além de seus limites e deverá aplicar as mesmas condições de preço e pagamento. As em- presas concedentes (montadoras), seguindo a Convenção da Marca, deverão manter as mesmas condições de preço e de pagamento para toda sua rede de concessionários, vedando qualquer prática que possa ser caracterizada como concorrência desleal, além de comprovarem a necessidade de expansão. Quanto aos requisitos para a contratação de nova concessão comercial, de- verá ser observada a preexistência de concessão regularmente contratada na área-alvo. Caso haja concessão na área demarcada, deverá ser comprovada a necessidade de expansão do mercado de veículos automotores novos ou perda de penetração dos concessionários existentes no mercado local; • concessionários de mesma marca: distâncias mínimas entre estabelecimentos de concessionárias de mesma rede, fixadas segundo critérios de potencial de mercado; • índice de fidelidade: na compra de componentes dos veículos automotores, previsto no art. 8o da Lei Ferrari e na Convenção da Categoria Econômica dos Produtores e Distribuidores, esse índice estabelece que os concessioná- rios devem adquirir pelo menos 75% das compras anuais de componentes diretamente da sua concedente; • contratação de assistência técnica: quanto a contratações pelas conceden- tes de empresas de prestação de assistência técnica ou comercialização de componentes, o regime e as normas de operação terão regras acerca da área operacional e limites dos preços praticados ao consumidor final; • vendas diretas: as montadoras não podem comercializar mais que 1% a 2% do seu volume de vendas por meio de vendas diretas. Como exemplo de visão mais moderna e voltada para o cliente, nos EUA, cada estado tem suas próprias leis para a implementação de uma concessionária, mas são regras voltadas para a proteção do consumidor, ou seja, nenhuma procura restringir o livre mercado ou estabelecer garantia de mercado para as conces- sionárias. Se alguém quiser abrir uma concessionária da mesma marca ao lado de uma existente, tem toda a liberdade para fazê-lo e estarão ambas competindo entre si. Embora, no início, as montadoras impusessem regras de distância entre concessionárias, essas regras tornaram-se obsoletas. E quem ganha com isso é o consumidor. 32 O PÓS-VENDA NO BRASIL Garantia Na compra de bens tangíveis, a garantia do fabricante assegura que o produto esteja livre de defeitos de material ou mão de obra. Isso implica que o produto deverá funcionar conforme esperado ou anunciado. Geralmente, a garantia é por tempo limitado, ou seja, restringe o período em que o cliente pode reclamar. Caso o ven- dedor ou o fabricante não possa honrar a garantia de funcionamento normal do produto, ele deverá, de acordo com a legislação vigente no país: • substituir o produto por outro equivalente; ou • devolver a quantia paga pelo cliente. Os tipos de garantia da indústria automobilística exigem que os reparos sejam realizados por um agente de serviço autorizado, ou seja, uma concessionária. Nesses casos, o reparo por agente não autorizado anula o contrato de garantia. No Brasil, as concessionárias são as revendas autorizadas e exclusivas da marca, para a aquisição de um carro zero quilômetro com garantia de fábrica. As garantias de fábrica de veículos automotores normalmente variam de um ano a cinco anos, podendo se estender a até dez anos em alguns casos. Tipicamente, pode haver também limite de quilometragem. Caso o produto defeituoso cause ferimentos, há motivo de ação processual ju- dicial, capaz de levar a pagamento de compensação por danos físicos ou morais incorridos pelo usuário do produto ou terceiros, o que pode também obrigar o fabricante a uma ação de recall em todas as unidades ou parte da produção de tal produto (essa questão será vista adiante). Além da garantia normal de produtos novos, os fabricantes ou as concessionárias podem vender a garantia estendida (também denominada de contrato de servi- ço). Essa ação prolonga o período de garantia por tempo determinado. No caso da garantia automobilística, pode não haver cobertura total, ou os mesmos itens da garantia original – cobrindo somente itens mecânicos. Pode excluir itens de desgaste normal, como pastilhas e discos de freio, embreagem etc. A garantia estendida pode ser de iniciativa do fabricante (montadora) ou do va- rejista (concessionária). No caso da concessionária, é comum a subcontratação de terceiros para efetuar os reparos a um custo mais baixo, o que poderá gerar comprometimento da qualidade do reparo. GESTÃO DE PÓS-VENDA AUTOMOTIVA – FUNDAMENTOS, TÉCNICAS E PROCESSOS 33 De acordo com o art. 18 do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990), se um produto não tiver seu defeito reparado no prazo máximo de 30 dias a con- tar da reclamação do consumidor, o cliente tem direito a um produto novo ou à restituição da quantia paga, com correção monetária. A regra vale para produtos que estejam dentro da garantia, que pode ser a pre- vista pelo fabricante ou a que está em lei – de 30 dias para bens e serviços não duráveis e de 90 dias para produtos duráveis. Pela lei, a troca do produto só é obrigatória se o produto tiver algum defeito, mas o fabricante tem 30 dias para fazer o conserto do produto. Só depois que esse prazo chega ao fim é que o consumidor pode exigir uma das três opções: • troca imediata; • devolução do dinheiro; • abatimento proporcional do valor pago (se o defeito não impedir a utilização do produto e o cliente desejar ficar com ele, ganha um desconto no preço). Existem algumas exceções, como os casos de o produto ser considerado essencial (como um carro usado como meio de trabalho) ou de o defeito impossibilitar o seu uso (uma pane no motor que impede o uso do carro, por exemplo). Nos EUA, há uma lei que protege ainda mais o consumidor, a chamada Lemon Law (Lei do “Produto Limão”), que trata de uma situação típica enfrentada por clientes de veículosnovos. Essa lei obriga a troca ou a devolução do dinheiro caso o automóvel apresente defeitos repetitivos não solucionados pela concessionária/ montadora após certo número de ocorrências. Na indústria automobilística, o período de garantia de um veículo normalmente é definido a partir de: • exigências legais; • concorrência; • posicionamento do veículo no mercado (definido por marketing). A exigência mínima por lei é de 90 dias a partir da aquisição do veículo, mas esse limite na indústria automobilística já foi ultrapassado por pressões do mercado. A concorrência entre as montadoras forçou uma expansão do período de garantia como estratégia de marketing, que tem por objetivo os seguintes objetivos: 34 O PÓS-VENDA NO BRASIL • formar uma imagem de confiabilidade do produto; • melhorar a imagem institucional do fabricante; • manter os produtos competitivos no mercado. Atualmente, a maioria dos automóveis apresenta um período de garantia de três anos, podendo ser estendido até cinco anos. Com a expansão do período de garantia, as montadoras têm se precavido com uma série de itens que visam a evitar abusos por parte dos clientes e perda de receita: • as manutenções periódicas devem ser seguidas à risca em concessionárias autorizadas, em períodos predefinidos que não podem ultrapassar mil qui- lômetros (no caso de quilometragem) ou um mês (no caso de revisão anual); • diversos itens de desgaste natural não são cobertos pela garantia normal do veículo (bateria, embreagem, lâmpadas etc.); • a extensão da garantia pode ser restrita a motor e câmbio, por exemplo. Dentro da montadora, o orçamento de garantia de um produto ou veículo, em geral, é definido anualmente, com base em histórico de qualidade do veículo, ver- ba anual de marketing, introdução de novidades tecnológicas, obrigatoriedade por lei de novos equipamentos (por exemplo, a introdução de airbag, ABS etc.) e alocação de verbas de garantia em outros veículos ou lançamentos da montadora. O controle das despesas de garantia é feito pelas montadoras por meio de aná- lise de cada solicitação de garantia (SG), emitida pelas concessionárias indivi- dualmente, da(s) peça(s) trocada(s) em garantia pela equipe da montadora ou pelo fornecedor, e auditoria periódica nos processos de garantia pelo pessoal de suporte da montadora. Caso a SG apresente erros ou a(s) peça(s) trocada(s) não apresente(m) defeitos após a análise, o valor da garantia é normalmente estornado (tanto peças como mão de obra). Portanto, em todo reparo em ga- rantia, as peças devem ser cuidadosamente segregadas dentro da concessionária, devidamente identificadas e enviadas periodicamente à montadora para análise, ou devem aguardar a visita do representante da montadora na concessionária. Qualquer irregularidade pode causar o estorno do valor do reparo. Os tempos de reparo e custo de mão de obra também são controlados pela mon- tadora, que periodicamente publica os Tempos-Padrão de Reparo (TPR). Cada operação de reparo, de cada componente ou conjunto do veículo, tem um tempo- -padrão de reparo definido pela montadora, que deve ser seguido rigorosamente GESTÃO DE PÓS-VENDA AUTOMOTIVA – FUNDAMENTOS, TÉCNICAS E PROCESSOS 35 pela concessionária na SG. O cálculo dos tempos-padrão varia de montadora para montadora, mas, em geral, cada processo de desmontagem e montagem de componentes ou sistemas é medido pela equipe da montadora, tomando-se a média dos tempos gastos por dois ou mais técnicos, utilizando os métodos definidos no Manual de Serviço e as ferramentas comuns e especiais recomenda- das. A partir da média de tempo, são acrescentados tempos extras para cobrir a movimentação do veículo dentro da oficina, a obtenção de peças e ferramentas, a produtividade do técnico (normalmente 80%) etc. Os tempos-padrão de reparos são publicados pela montadora nas chamadas Tabelas de TPR ou Tempários. O analista de garantia da concessionária deve indicar, em cada SG, o(s) TPR(s) utilizado(s), que será(ão) analisado(s) pelos técnicos da montadora. Recall Um recall é uma solicitação de devolução de um lote ou de uma linha inteira de produtos feita pelo fabricante ou de reparos obrigatórios para que o produto cumpra sua função de forma segura. Geralmente, isso ocorre pela descoberta de problemas relativos à segurança do produto. No Brasil, denomina-se Chama- mento ou Aviso de Risco e tem o objetivo básico de proteger e preservar a vida, a saúde, a integridade e a segurança do consumidor, bem como evitar prejuízos materiais e morais. A prevenção e o reparo dos danos estão intimamente ligados, na medida em que o recall visa sanar defeitos que colocam em risco a saúde e a segurança do consumidor. Qualquer dano em virtude desse defeito será de res- ponsabilidade do fabricante. Nos termos do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade do fabricante é objetiva, independentemente da existência de culpa (arts. 12 a 14 da Lei n. 8.078/1990). O recall visa, ainda, a retirada do mercado, a reparação do defeito ou a recompra de produtos ou serviços defeituosos pelo fabricante, e deve ser gratuito, efetivo, e sua comunicação deve alcançar todos os consumidores expostos aos riscos. A legislação exige que o fabricante faça o comunicado de forma mais ampla possí- vel, divulgando o recall em jornais, rádio e TV. 36 O PÓS-VENDA NO BRASIL Para garantir a sua própria segurança e a de terceiros, o consumidor deve atender ao chamado do fabricante o mais rápido possível, para evitar a concretização de acidentes de consumo, embora não haja data-limite para a realização dos reparos ou da substituição dos produtos defeituosos. Feito o reparo, o consumidor deve exigir e guardar o comprovante de que este foi realizado. Em caso de venda do automóvel, deverá repassar esse documento para o novo proprietário. A partir de 17.3.2011, a Portaria conjunta n. 69 do Ministério da Justiça e do Denatran determina que “As informações referentes às campanhas de recall não atendidas no prazo de 1 (um) ano, a contar da data de sua comunicação, consta- rão no Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo”. Caso o consumidor já tenha sofrido algum dano em razão do uso de algum pro- duto defeituoso, deverá recorrer à Justiça para pleitear ressarcimento de danos morais e materiais. No Brasil, o atendimento de recalls automobilísticos está na média de 60% dos consumidores. De acordo com o art. 10 e parágrafos da Lei Federal n. 8.078/1990 – Código de Defesa do Consumidor: Art. 10. O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança. § 1o O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da pericu- losidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios pu- blicitários. § 2o Os anúncios publicitários a que se refere o parágrafo anterior serão veiculados na imprensa, rádio e televisão, às expensas do fornecedor do produto ou serviço. § 3o Sempre que tiverem conhecimento de periculosidade de produtos ou serviços à saúde ou segurança dos consumidores, a União, os Esta- dos, o Distrito Federal e os Municípios deverão informá-los a respeito. GESTÃO DE PÓS-VENDA AUTOMOTIVA – FUNDAMENTOS, TÉCNICAS E PROCESSOS 37 Do ponto de vista da montadora, qualquer recall implica altos custos. Os princi- pais são o custo das peças de reposição (o recall só pode ser anunciado quando todas as peças estiverem disponíveis na concessionária), o pagamento de mão de obra às concessionárias e a divulgação em rádio e televisão. Do ponto de vista institucional, o recall pode ser visto de forma positiva ou ne- gativa. Positiva, pois transmite uma imagem de preocupação com a segurança e com o cliente; negativa, pois transmite também o conceito de processo falho de qualidade. Do ponto de vista jurídico, a montadora correo risco de ser submetida a processos por perdas e danos, caso haja demora na implementação do recall a partir do conhecimento da falha da peça. Nesse caso, a diretoria da empresa pode responder criminalmente por omissão. Pode acontecer de a montadora detectar falhas recorrentes em diversas unidades de um determinado modelo, mas tais falhas não gerarem riscos à saúde ou à se- gurança dos passageiros. Será permitido, então, que ela realize o chamado recall branco, ou recall de exceção. Tal procedimento substitui apenas a peça defeituosa conforme os proprietários levam os carros à concessionária para realizar uma revisão, por exemplo, sem necessidade de visita à concessionária apenas para a troca da peça ou o reparo em questão. Em geral, a quantidade de recalls tem aumentado devido a questões como tempo de desenvolvimento de novos produtos, que é cada vez menor, pressões por redu- ções de custo e do mercado. Os custos de garantia automotiva por ano, no mundo todo, estão estimados em torno de 40 bilhões de dólares, ou 3% a 5% de perda em vendas. Reduções de custo na produção geralmente acarretam problemas de qualidade e a terceirização de itens vitais na indústria, como engenharia e desen- volvimento do produto, resultam em mudança e empobrecimento das fontes de conhecimento de técnicas e processos. Dessa forma, falhas técnicas têm maior probabilidade de ocorrer por causa de problemas de comunicação entre monta- doras e fornecedores, ou falta de definições precisas entre as interfaces técnicas. As montadoras têm a obrigação de notificar os proprietários de veículos quando ocorre um recall, mas o segundo, terceiro ou quarto dono do carro normalmente não recebe essa notificação, pois a montadora o enviou para o primeiro proprie- tário apenas, conforme constava nos seus arquivos. 38 O PÓS-VENDA NO BRASIL Exercícios 1. O gestor de pós-venda de uma multinacional automobilística foi co- municado pelo pessoal de campo que um automóvel recém-lançado no mercado está apresentando dois problemas: • defeito intermitente no chicote das bobinas, interrompendo mo- mentaneamente o fornecimento de corrente às velas; • defeito no circuito da luz de advertência de colocação do cinto de segurança do motorista, que deixa de funcionar. A diretoria da empresa não quer iniciar nenhum processo de recall para o carro recém-lançado, pois acha que isso prejudicará a imagem do produto, que está com boa aceitação no mercado. Quais dos defeitos citados devem ser recomendados para ação de recall, apesar de contra- riar a diretoria? E como justificar essas ações? 2. Com base na questão 1, do ponto de vista da rede de concessionárias, qual o impacto do recall nas operações de pós-venda? 3. Para as concessionárias, um recall de grandes proporções em um dos veículos da linha pode ter aspectos positivos e negativos. Positivos, pois forçosamente aumenta o fluxo de passagens na oficina. Os impactos ne- gativos poderão advir da forma como a montadora trata o recall. Comen- tar como a atitude da montadora pode fazer do recall uma oportunidade ou um estresse para as concessionárias. 4. A Liberty Motor Company (nome fictício) entrou no mercado de SUVs no Brasil com um de seus veículos desenvolvidos na Europa, criado a partir da plataforma de seu sedan principal. Inicialmente um sucesso no mercado, principalmente pelo design inovador voltado para o mercado feminino, economia de seu motor moderno e baixo custo inicial com- parado com a concorrência, o SUV da Liberty alcançou grande volume de vendas em um primeiro momento, mas que entrou em declínio após algum tempo no mercado, devido a problemas de instabilidade em cur- vas (veículo alto) e problemas de campo de sua parte eletroeletrônica, muito simplificada no modelo brasileiro, para reduzir custos. GESTÃO DE PÓS-VENDA AUTOMOTIVA – FUNDAMENTOS, TÉCNICAS E PROCESSOS 39 Para piorar a situação, foi detectado um problema de infiltração de água no módulo de controle da injeção, o que podia causar o corte repentino no funcionamento do motor, principalmente em regime de alto giro, como em ultrapassagens, com risco à segurança dos passageiros. Portanto, a Liberty teve que efetuar um recall de quase toda a produção de três anos do veículo. Isso causou uma sobrecarga muito grande nas concessionárias, cujos técnicos em eletroeletrônica, com pouco treinamento na montadora, já lidavam com vários casos de retorno de serviço. Na tentativa de reverter a imagem negativa do produto, a Liberty exigiu que as concessionárias providenciassem instalações dedicadas a atender o recall. As concessionárias teriam de instalar bancadas especiais, com iluminação melhorada, para desmontagem e análise interna do módulo de controle do motor. Caso houvesse sinais de corrosão, teriam que substituir o módulo. Na ausência deles, os técnicos teriam que aplicar uma vedação líquida especial no fechamento do módulo e montá-lo novamente no ve- ículo. A aplicação da vedação exigia habilidade e um aplicador especial, fornecido pela montadora, que pagava apenas meia hora de garantia por toda a operação. Box com elevador não era necessário. Solicita-se: a) Um estudo das necessidades da área de pós-venda para o atendimento do recall, considerando-se que o aumento estimado na média de passagens na concessionária será de 50% no primeiro mês, 40% no segundo e 35% no terceiro. Considerar a aquisição de bancada e iluminação adicional e contratação ou não de técnico adicional (provisório ou permanente). Avaliar o impacto financeiro do recall sobre as atividades normais da concessionária. Justifique. b) Sugestões de medidas além do atendimento do recall para agradar os clientes, tendo em vista a imagem negativa do produto no mercado. 5. A garantia do serviço pode ser utilizada como ferramenta de redução da percepção de risco por parte do cliente. Se uma empresa de serviço auto- mobilístico oferecer garantia além do exigido por lei, por exemplo, seis meses ou um ano, quais seriam os impactos nos resultados financeiros da empresa? Sugerir outras ações que devem ser tomadas junto com o aumento do prazo de garantia, para minimizar esse impacto. 40 O PÓS-VENDA NO BRASIL 6. No Brasil, as relações montadora-concessionária são regidas pela Lei Ferrari, que se sobrepõe às exigências do livre mercado, interferindo em alguns pontos que podem afetar a facilidade ou livre escolha dos clientes na aquisição ou no serviço de veículos novos. Quais os mecanismos da Lei Ferrari quanto à área de atuação da concessionária e aquisição de peças diretamente da montadora? Como essa lei pode prejudicar a liber- dade e a facilidade do cliente em adquirir seu veículo novo? 3. Cliente e serviço ao cliente O desafio chamado cliente Qualidade de produtos e serviços Marketing de serviço e serviço ao cliente Estudo de caso – DeLorean Motor Company Este capítulo trata dos desafios que se apresentam a gestores e técnicos de pós- -venda no trato com seu bem maior: o cliente. Em um mercado cada vez mais competitivo, as empresas que souberem vencer os desafios na sua relação com o cliente estarão com sua prosperidade assegurada. O desafio chamado cliente Na definição clássica, cliente, também chamado de consumidor ou comprador, é quem recebe um bem, um serviço, um produto ou uma ideia, obtida de ven- dedor ou fornecedor, por uma quantia em dinheiro ou qualquer outra coisa de valor. Pode também ser denominado de consumidor ou cliente interno. O cliente pode ou não ser necessariamente um consumidor: o cliente compra o produto, enquanto o consumidor o utiliza. Em empresas de serviço, clientes são pessoas externas à organização, que rece- bem e pagam por um serviço recebido, e não por um bem manufaturado. Nas empresas, também há clientes internos, pessoas ou grupos de pessoas que fazem parte da empresa, de uma unidade ou de uma operação diferente. O reconhe- cimento dos clientes internos e a necessidade de fornecer-lhes serviços e infor- mações são elementos-chave de muitos programasde melhorias de qualidade, como a ISO 9000. 42 CLIENTE E SERVIÇO AO CLIENTE Intermediários vendem um produto ou um serviço a terceiros, a partir de um ou mais fornecedores. Exemplo típico são as concessionárias de veículos. Histori- camente, as concessionárias não pertencem ou não fazem parte de uma rede de varejo das montadoras, sendo empresas independentes, muitas vezes familiares, com um contrato com as montadoras para a comercialização e assistência de seus veículos. Essa situação cria dificuldades para as empresas que têm de administrar seus clientes diretos e, ao mesmo tempo, estar conscientes das necessidades do consumidor ou do usuário final. No caso de montadoras, isso pode criar uma espécie de “barreira” entre a empresa e o cliente final, uma vez que as concessio- nárias fazem o contato mais próximo, direto com o cliente. As empresas de serviço, principalmente as automobilísticas, devem priorizar serviços aos clientes que criem maior valor para elas. Essa priorização é do maior interesse para as empresas no longo prazo, pois é o que garantirá a sobrevivência da empresa no mercado competitivo. Em serviços relacionados a equipamentos, como no ramo de frotistas de caminhões, os clientes sabem a diferença entre o custo de duração e aquisição. É relativamente comum vender até com prejuí zo o equipamento original quando um longo período de peças sobressalentes e contratos de serviço asseguram a rentabilidade no longo prazo. Os profissionais de serviço precisam ter em mente a variação do valor do serviço para seus diferentes tipos de clientes, a diferente natureza de cada grupo e dos serviços exigidos, e devem reconhecer os conflitos entre os diferentes grupos de clientes. Um perfeito entendimento da segmentação dos clientes é fundamental para as operações de serviços. A antiga abordagem “um tamanho se ajusta a todos” não satisfaz muitos clientes que desejam ser tratados como indivíduos. Portanto, as empresas de serviço, especialmente as automobilísticas, em um mercado altamente competitivo, devem buscar o crescimento no relacionamento com clientes para que eles permaneçam juntos. A segmentação de mercado deve se basear nas características do cliente. Assim, as empresas devem focar em grupos econômicos específicos ou, então, em uma região geográfica específica. Podem também ser considerados fatores como estilo de vida, circunstâncias familiares, razões de compra, utilidade, resposta à promo- ção etc. Os gerentes de operações de serviço devem visar os esforços de marketing sobre o público-alvo do serviço e também projetar adequadamente suas instala- ções para a prestação do serviço da forma mais adequada – o principal benefício GESTÃO DE PÓS-VENDA AUTOMOTIVA – FUNDAMENTOS, TÉCNICAS E PROCESSOS 43 será a manutenção de faturamento cativo, o que garante um fluxo de caixa cons- tante e durável. É fundamental, na gestão de serviços, ter em mente que clientes leais geram fluxos de caixa em médio e longo prazo, pois tendem a comprar mais do que os novos clientes; normalmente estão dispostos a pagar preços mais altos, propor- cionando redução de custo (a retenção de clientes custa menos que a conquista de novos, evitando maciças e custosas promoções de marketing); e geram novas oportunidades ao agir como aliados da empresa, atuando na chamada propagan- da boca a boca, tão útil para a conquista de novos clientes de serviços. No caso de concessionárias automobilísticas, a velha mentalidade de foco nas vendas de veículos apenas será o caminho mais curto para o fracasso no mercado, pois os clientes não se fidelizarão e trocarão de concessionária ou de marca na primeira oportunidade. A base, pois, de uma operação de serviço automobilística está nos clientes leais, que surgem a partir de uma prestação de serviço que os satisfaz ou até mesmo os encanta. Criar relacionamentos com clientes, ou praticar marketing de relacionamento, é estabelecer, manter e enriquecer esses relacionamentos em benefício mútuo. Figura 1 – Clientes satisfeitos são o caminho certo para uma empresa sólida e duradoura. Reconhecem-se três principais maneiras de se construir relacionamentos: ofe- recendo um “algo mais”, ou seja, fornecendo níveis de serviços melhores que o esperado e aumentando o grau de contato com os clientes, com visitas ou va di m gu zh va /iS to ck 44 CLIENTE E SERVIÇO AO CLIENTE ligações telefônicas frequentes, oportunidades de contato nos diferentes níveis de organização, participação em reuniões e sessões de feedback ou desenvol- vimento; construindo o relacionamento da empresa, com a apresentação de seminários especiais para clientes, por exemplo, prestando-lhes assistência como benchmarking, enviando artigos úteis etc.; e com atividades sociais, fornecendo entradas para eventos, lembrando datas de aniversário etc. Os principais atributos do relacionamento entre o fornecedor do serviço e o cliente são: • comunicação: habilidade de transmitir mensagens claras e de ouvir atentamente; • confiança: grau em que um parceiro confia no trabalho ou na recomendação do outro sem necessidade de justificativa ou reciprocidade; • intimidade: cada parceiro compartilha seus planos, estratégias, lucros etc.; • regras: aceitação mútua de como esse relacionamento funciona, o que é ou não aceitável ou desejável. Na experiência de aquisição ou uso de serviço, muitas vezes há um vínculo entre o risco percebido pelo cliente e seu desejo de um tipo de relacionamento com o fornecedor. Quando o cliente não sentir que há risco ao realizar a compra ou rece- ber o serviço, poderá haver uma oportunidade inicial limitada para a construção de relacionamento. Porém, se houver falha significativa do serviço, o cliente pode passar rapidamente de baixo para alto risco percebido. Deve-se considerar que, ao desenvolver relacionamentos no longo prazo, os profissionais de marketing mudam seu foco de atrair novos clientes para o da retenção de clientes existentes. Nesse caso, a empresa deverá oferecer um serviço de real valor ao cliente para assegurar sua lealdade. Infelizmente, muitas empresas não possuem meios eficientes de cal- cular o valor dos clientes leais e acabam trilhando pelo caminho mais dispendioso de conquistar novos clientes – que não necessariamente tornar-se-ão clientes fiéis. Podem existir fortes relacionamentos onde houver baixo risco percebido, o que é raro em serviços padronizados, como alinhamento, troca de óleo etc. Em muitos casos, o relacionamento firma-se entre pessoas e não com a empresa. São incontá- veis os casos em que o gerente da oficina se desliga da empresa, mas leva consigo os clientes leais para a nova empresa. Do lado das empresas, em especial as do ramo de pós-venda automobilística, é comum os gestores se queixarem da existência de clientes “psicóticos” ou oportu- nistas, que agem desonestamente com o intuito de tirar proveito próprio a partir GESTÃO DE PÓS-VENDA AUTOMOTIVA – FUNDAMENTOS, TÉCNICAS E PROCESSOS 45 da necessidade de serviço em seus veículos. Gente desonesta existe em qualquer ramo e faz parte do risco da empresa de serviço atuar também com esse tipo de pessoa. Clientes “psicóticos” podem ter intrinsecamente traços doentios de per- sonalidade, mas também podem ter sido vítimas de maus serviços no passado ou tido seus temores moldados por notícias desencorajadoras no mercado, e agem assim defensivamente, até que consigam ganhar confiança no prestador de serviços. Ou, simplesmente, não tiveram a sorte de ter uma educação adequada. O gestor de pós-venda deve tomar cuidado para não cair na armadilha da genera- lização, como se todos ou a maioria dos clientes fossem personalidades doentias, prontos para levar a cabo as piores atitudes para com gestores, técnicos ou outros profissionais da oficina antes mesmo da conclusão dos reparos. Infelizmente, os profissionais de pós-venda se deparam com esse tipo de cliente de tempos em tempos, mas, em geral, são exceção e não a regra; eles são compensados
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