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1 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................... 4 2 INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS TEÓRICOS DA ANÁLISE DO DISCURSO: ORIGEM E NOÇÕES PRELIMINARES. A CONSTITUIÇÃO DA ANÁLISE DO DISCURSO ....................................................................................... 5 2.1 Introdução aos estudos teóricos da Análise do Discurso: origem e noções preliminares. A constituição da Análise do Discurso ............................... 5 2.2 Origem e função ............................................................................ 5 2.3 Noções preliminares ..................................................................... 7 3 DISCURSO E IDEOLOGIA .................................................................. 8 3.1 Ideologia: noções iniciais .............................................................. 8 3.2 Algumas características da Ideologia ............................................ 9 3.2.1 Aparelhos Ideológicos de Estado: a manutenção da Ideologia .... 10 3.3 Discurso e Ideologia .................................................................... 10 4 GÊNEROS DO DISCURSO .............................................................. 12 4.1 Enunciado e gêneros do discurso ............................................... 12 4.1.1 Gêneros primários e secundários ................................................ 13 4.1.2 Enunciado: importância e características ..................................... 13 4.2 Enunciados, orações e palavras ................................................. 15 5 LINGUAGEM, DISCURSO, SUJEITO E SUBJETIVIDADE ............... 16 5.1 A subjetividade nos Estudos da Linguagem................................ 16 5.2 Sujeito e Discurso ....................................................................... 17 5.2.1 Sujeito e discurso para Foucault .................................................. 17 5.2.2 Sujeito e discurso para Pêcheux .................................................. 19 6 PRÁTICAS DE ANÁLISE DE DISCURSO ......................................... 20 3 6.1 A vertente foucaultiana ............................................................... 20 6.2 A vertente pecheutiana ............................................................... 21 6.3 A Análise Crítica por Fairclough .................................................. 23 6.4 Uma breve comparação .............................................................. 24 7 OS MODOS DE ANÁLISE DISCURSIVA .......................................... 25 7.1 A análise pela vertente pecheutiana ........................................... 25 7.2 A análise pela vertente foucaultiana ........................................... 26 7.3 A análise pela vertente crítica de Fairclough ............................... 28 8 NA TEORIA DE CHARAUDEAU, A NOÇÃO DE MODOS DE ORGANIZAÇÃO DO DISCURSO .......................................................................... 30 8.1 Modos de organização do discurso: a noção .............................. 30 8.1.1 Ato de linguagem e situação de comunicação ............................. 31 8.2 Os modos de organização do discurso ....................................... 33 8.2.1 Enunciativo ................................................................................... 33 8.2.2 Descritivo ..................................................................................... 34 8.2.3 Narrativo....................................................................................... 34 8.2.4 Argumentativo .............................................................................. 35 8.3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................ 36 4 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 5 2 INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS TEÓRICOS DA ANÁLISE DO DISCURSO: ORIGEM E NOÇÕES PRELIMINARES. A CONSTITUIÇÃO DA ANÁLISE DO DISCURSO 2.1 Introdução aos estudos teóricos da Análise do Discurso: origem e noções preliminares. A constituição da Análise do Discurso Introdução aos estudos teóricos da Análise do Discurso: origem e noções preliminares. A constituição da Análise do Discurso estudada) que tocam a Ideologia, o sujeito, as condições de produção, entre outras. Atualmente, no Brasil, são tantas as vertentes abrigadas sob o escopo da Análise do Discurso que seria possível falar em “análises do discurso” (SARGENTINI, 1999), enfatizando assim a pluralidade dessa teoria. O que há de similar entre suas vertentes é que todas estudam a linguagem em funcionamento (SARGENTINI, 1999). Isso significa que a língua enquanto sistema, como foi proposta por Ferdinand de Saussure, deixa de ser o principal constituinte do sentido, sendo necessário remeter o enunciado às suas condições de produção, à exterioridade. Assim, a leitura e a interpretação a partir dessa teoria vão além da estrutura sintática ou da semântica tal como apresentada no dicionário. 2.2 Origem e função Para entender e situar temporalmente o estabelecimento da Análise do Discurso, você precisa antes compreender o contexto em que os estudos linguísticos se encontravam na época. O teórico responsável por estabelecer a linguística como ciência autônoma, Ferdinand de Saussure, instaurou a dicotomia língua/fala. Para ele, o único modo de estudar a língua seria deixando de lado os fatores externos, focando no seu funcionamento como sistema (SAUSSURE, 2012). O teórico responsável por estabelecer a linguística como ciência autônoma, Ferdinand de Saussure, instaurou a dicotomia língua/fala. Para ele, o único modo 6 de estudar a língua seria deixando de lado os fatores externos, focando no seu funcionamento como sistema (SAUSSURE, 2012). Os estudos baseados em Saussure e Benveniste, portanto, não tinham o texto como centro de suas investigações. Foram estudos posteriores, abrigados sob o escopo da Linguística Textual, que começaram a introduzir, nos estudos linguísticos, o texto como unidade principal de análise. É importante salientar que, numa fase inicial, o texto era visto de uma forma que não se diferenciava muito de uma soma de frases, ou ainda como uma frase de maior dimensão. O estudo do texto era focado em questões como coesão e coerência, não havendo muito espaço para a discussão de elementos como a subjetividade linguística e a dimensão histórico-social, por exemplo (SARGENTINI, 1999). Como uma forma de analisar o texto de modo mais global, considerando sua complexidade, os estudos linguísticos “adotam a postura de conceituar o texto como uma manifestação do discurso, considerando que o discurso comporta vários níveis de análise” (SARGENTINI, 1999, p. 41). É nas décadas de 1960 e 1970 que são lançados os textos fundadores da disciplina que hoje denominamos de Análise do Discurso. Sargentini (1999,p. 42) salienta que as bases teóricas da Análise do Discurso, num primeiro momento, são “radicalmente estruturalistas”. Ao remeter o enunciado às suas condições de produção, o discurso é relacionado com a história, com “hipóteses histórico-sociais de constituição do sentido”. Uma particularidade da Análise do Discurso é que a Linguística não é seu único braço constituinte: ela é considerada uma disciplina de entremeio, que se vale de conhecimentos de outras áreas, como o Materialismo Histórico e a Psicanálise. É por isso que você pode encontrar trabalhos em Análise do Discurso que mobilizam as noções de modo nem sempre similar, a depender do viés teórico adotado. Neste texto, a Análise do Discurso é trabalhada com ênfase no viés da Linguística, mas é importante que você saiba que este não é o único ponto de vista possível. Veja um exemplo: as primeiras publicações em Análise do Discurso propunham a análise de panfletos com cunho político específico. Esses panfletos diziam respeito às manifestações das classes estudantil e trabalhadora na década 7 de 1960, na França. No entanto, como é próprio da teoria a pluralidade de objetos, hoje é possível encontrar análises de diferentes materialidades e gêneros textuais, de notícias a slogans publicitários, passando por filmes, imagens, músicas... 2.3 Noções preliminares Agora que você já conheceu o contexto de estabelecimento da Análise do Discurso, vai conhecer, de modo introdutório, algumas noções básicas da teoria. A principal diferença epistemológica da Análise do Discurso dentro dos estudos linguísticos diz respeito às questões que não foram consideradas fundamentais pelas correntes precedentes – como a Linguística Textual e a Enunciação, por exemplo (INDURSKY, 1998). Entre elas, você pode destacar as noções de sujeito e de discurso e a importância dos elementos sócio-históricos na constituição do sentido. Você vai começar este estudo pelo sujeito, que nessa teoria assume um papel bem diferente do que em outras vertentes dos estudos linguísticos. O sujeito na Análise do Discurso não é apenas o sujeito da enunciação, como para Benveniste, nem o falante individual, como para Saussure. Ao menos duas concepções de sujeito podem ser preliminarmente consideradas na Análise do Discurso: Para Foucault, o sujeito é um lugar determinado e vazio, com potencialidade para ser ocupado por indivíduos diferentes (FOUCAULT, 1995). Para Pêcheux, com influência de Althusser, o sujeito é o indivíduo interpelado pela ideologia e afetado pelo inconsciente (PÊCHEUX, 2010) 8 Do mesmo modo, o discurso poderá ser conceituado de maneiras diferentes, a depender do autor estudado. Veja os seguintes exemplos: Para Foucault, o discurso é uma forma de poder, um poder do qual desejamos nos apoderar, e está sujeito a modos de legitimação e de interdição (FOUCAULT, 2004). Para Pêcheux, o discurso é um efeito de sentido entre interlocutores, ou melhor, entre suas representações, determinadas pelo estado da luta de classes (PÊCHEUX, 2010). Já as condições de produção dizem respeito ao fato de que os discursos são sempre produzidos em certas condições específicas, e elas estão associadas às relações de força que se estabelecem entre esses discursos (PÊCHEUX, 2010). Usando o exemplo da fala de um deputado na Câmara, Pêcheux, de filiação marxista-althusseriana, remete essas condições a um estado determinado pela luta de classes – o que nos permite pensar no papel que a Ideologia exerce sobre a produção, interpretação e manutenção dos discursos. 3 DISCURSO E IDEOLOGIA 3.1 Ideologia: noções iniciais A Ideologia com que trabalhamos hoje na Análise do Discurso tem suas bases na teoria marxista, que pressupõe uma relação entre os modos de produção dos sujeitos e suas realidades histórica e social. Pensando a relação entre as ideias e representações das pessoas com as suas realidades, a ideologia seria a explicação para que as realidades das pessoas não fossem percebidas exatamente como são na verdade (MARX; ENGELS, 1986). 9 Chauí (2004) explica essa visão invertida da realidade a partir da divisão do trabalho entre manual e intelectual: essa divisão é responsável pela manutenção dos indivíduos nos lugares que ocupam socialmente. Assim, é trazida a noção de alienação: uma vez que as pessoas não se percebem como produtoras da sociedade, as configurações sociais são percebidas como prontas, estabilizadas, dadas de antemão – e não construídas. 3.2 Algumas características da Ideologia Relendo Marx, Althusser apresenta três proposições sobre a Ideologia. São elas: A Ideologia não tem história: isto é, a Ideologia é uma realidade não histórica devido à sua estrutura e ao seu funcionamento. É eterna, atemporal, e, por isso, sem uma história sua. A Ideologia é uma “representação” da relação imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência: isto é, na ideologia, não são representadas as condições reais de existência, mas, sim, as relações das pessoas com suas condições reais de existência, de forma necessariamente imaginária. A Ideologia interpela os indivíduos enquanto sujeitos: isto é, só existe ideologia quando existem sujeitos e só existem sujeitos porque existe ideologia. Dizer sujeito, então, é dizer sujeito ideológico, pois ele vive espontaneamente na ideologia. 10 3.2.1 Aparelhos Ideológicos de Estado: a manutenção da Ideologia As relações de classe de que fala Marx, não sendo dadas de antemão, precisam ser asseguradas de alguma forma. Althusser propõe a noção de Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE) para explicar essa manutenção. Os AIE, nas palavras de Althusser, seriam “um certo número de realidades que se apresentam ao observador imediato sob a forma de instituições distintas e especializadas”. São oito os AIE enumerados por Althusser: AIE religiosos, familiar, jurídico, político, sindical, cultural, de informação e escolar. É pela inserção do sujeito nesses aparelhos reprodutores da ideologia dominante que é assegurada a manutenção dessa ideologia em seu status de dominância. 3.3 Discurso e Ideologia Quando você pensa em discurso e ideologia, deve considerar que a Ideologia não é exterior ao discurso. Pelo contrário: é constitutiva da prática discursiva, é um elemento determinante do sentido que está no interior do discurso (LEANDRO FERREIRA, 2001). Aqui, vamos retomar o “efeito ideológico elementar” proposto por Althusser: a ilusão de que o sentido de um discurso já existe como tal, que seria interior à interpretação, é assegurada pela ideologia. Assim, é próprio da Análise do Discurso questionar o efeito de evidência. Agora, você vai entender como a Ideologia se relaciona com o discurso a partir desses pressupostos. Quando Pêcheux (2010) apresentou a primeira definição de discurso, ele estava contestando a teoria comunicacional, que falava em troca de informações entre locutores e receptores. Para contestá-la, ele apresenta este esquema: 11 Figura 01 - Esquema Fonte: Pêcheux (2010, p. 80). O que Pêcheux propôs é que essa sequência verbal emitida por A para B seja chamada de discurso. Mas essa proposta não é apenas uma substituição dos termos, mas também dos conceitos. Para Pêcheux, esse discurso é um efeito de sentidos entre lugares sociais determinados pela estrutura social. E esse efeito de sentidos não está isento da Ideologia, que vai garantir que algumas palavras tenham um sentido “evidente” a depender do lugar social de que se fala. Você pode pensar, por exemplo, na palavra “protesto”. Será que o sentido que ela mobiliza é o mesmo para todos os sujeitos que a utilizam? Será que ela tem o mesmo sentido para o policial que está contendo o protesto, para as pessoas que estão organizando o protesto, para o jornalistaque está noticiando o protesto? Você percebe como a Ideologia, do modo como foi proposta por Marx, na Análise do Discurso, vai repercutir na leitura do texto? Assim, quando você se depara com um texto, além de suas características sintáticas e enunciativas, você está frente a uma materialidade que veicula um discurso. Esse discurso, por sua vez, está determinado pela Ideologia, sem a qual não seria possível produzir sentido. Desse modo, você pode assumir que tudo que você lê, escreve, interpreta, pensa e enuncia está inserido numa formação ideológica. Essa formação ideológica, segundo Haroche, Pêcheux e Henry (2007, p. 26), é “um conjunto complexo de atitudes e de representações que não são nem ‘individuais’ e nem ‘universais’, mas que se relacionam mais ou menos diretamente a posições de classes em conflito umas em relação às outras”. Isso quer dizer que o sujeito não é 12 autônomo nem original diante da Ideologia; por outro lado, a Ideologia não é uma entidade homogênea que se repete da mesma forma em todos os lugares. A principal dificuldade no estudo da Ideologia é que, ao contrário de algumas noções que podem ser observadas de fora, é impossível para o sujeito se situar externamente à Ideologia. Você pode pensar na Ideologia como um tracejado que cerceia as nossas ações no mundo: quando pensamos sobre Ideologia, já estamos interpelados por ela. Reconhecer a Ideologia não nos isenta de seus efeitos. 4 GÊNEROS DO DISCURSO 4.1 Enunciado e gêneros do discurso A noção de gêneros do discurso é fundada sobre a noção de enunciado. É por isso que você vai estudar de forma conjunta as duas noções, conforme propostas por Bakhtin. Para Bakhtin (2010), a comunicação se dá pelo emprego da língua em forma de enunciados. O autor afirma que o enunciado é a real unidade da comunicação discursiva. Esses enunciados, por sua vez, refletem condições específicas e finalidades de cada campo de atividade humana, principalmente por sua construção composicional. Com essas condições específicas e finalidades, “cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso” (BAKHTIN, 2010, p. 262, grifos do autor). Ou seja, são a função e as condições de comunicação discursiva que geram certos gêneros do discurso. Para o autor, são características dos gêneros do discurso a riqueza e diversidade infinitas e uma extrema heterogeneidade, razão pela qual é difícil definir a natureza geral do enunciado. Além disso, as mudanças nos gêneros do discurso estão ligadas às mudanças históricas, de tal forma que, para o autor, é possível 13 pensar a história da sociedade em paralelo à história da linguagem. Os gêneros do discurso são um reflexo das mudanças na vida social. 4.1.1 Gêneros primários e secundários Bakhtin (2010, p. 263) destaca a diferença essencial entre os gêneros primários (simples) e os gêneros secundários (complexos): Os gêneros primários se formam nas condições da comunicação discursiva imediata. Os gêneros secundários, como um processo de formação histórica, surgem nas condições de um convívio cultural mais complexo, desenvolvido e organizado, predominantemente escrito. Ambos os tipos de gêneros estabelecem entre si uma relação mútua, sendo comum os gêneros secundários se valerem dos primários (por exemplo, um texto literário – secundário – que apresenta um diálogo cotidiano – primário). 4.1.2 Enunciado: importância e características Para Bakhtin, é através de enunciados concretos que a língua passa a integrar a vida: esses enunciados realizam a língua. O autor apresenta algumas características peculiares dos enunciados, a partir das quais é possível pensar os gêneros por eles constituídos: 14 Todo enunciado é individual, e por isso pode refletir a individualidade do falante. No entanto, nem todo gênero permitirá que essa individualidade se marque da mesma forma. Bakhtin afirma que os gêneros dos discursos que menos propiciam o reflexo da individualidade são aqueles que requerem uma forma padronizada, como os documentos oficiais, por exemplo. Todo enunciado é um elo na corrente complexamente organizada de outros enunciados. “É a posição ativa do falante nesse ou naquele campo do objeto e do sentido” (BAKHTIN, 2010, p. 289). São as ideias do sujeito do discurso, centradas no objeto e no sentido, que determinam a escolha dos meios linguísticos e dos gêneros do discurso. Na esfera de comunicação discursiva, os enunciados são plenos de ecos e ressonâncias de outros enunciados. Isso quer dizer que todo enunciado deve ser visto, dentro de certo campo, como uma resposta aos enunciados precedentes. Bakhtin salienta que se deve considerar essa “resposta” em sentido amplo: relacionada aos outros enunciados, ela pode rejeitá-los, completá-los, reproduzi-los… Não é possível separar o enunciado da cadeia discursiva da qual ele é um elo: é assim que o enunciado sofre determinações tanto interiores quanto exteriores. Todo enunciado tem como traço constitutivo seu direcionamento: ele parte de um autor para um destinatário. Esse destinatário pode tanto ser um interlocutor direto, num diálogo, ou um outro indefinido, não concretizado. As modalidades e concepções do destinatário são determinadas pelo campo da atividade humana a que o enunciado se refere. Por exemplo, é possível imaginar destinatários diferentes para os campos do jornalismo, da publicidade, da literatura, da palestra religiosa, do artigo científico, do email pessoa. É o modo como o autor percebe e representa para si esses destinatários que 15 vai determinar tanto a composição quanto o estilo do enunciado. Bakhtin destaca que cada gênero do discurso tem a sua concepção típica de destinatário, que o determina como gênero. Espera-se sempre do destinatário uma ativa compreensão responsiva, ou seja, que ele não apenas compreenda, mas que responda ao enunciado com outros enunciados. 4.2 Enunciados, orações e palavras Bakhtin estabelece uma analogia entre os gêneros do discurso e a língua materna: assim como o falante aprende, reconhece e utiliza a língua materna muito antes de entrar em contato com a teorização que existe a seu respeito (gramáticas, dicionários, ensino da língua no ambiente escolar), a relação do falante com os gêneros do discurso se dá da mesma forma. Isso quer dizer que, mesmo sem conhecer a existência da teoria dos gêneros do discurso, mesmo sem saber do que se trata esses gêneros, todo falante tem um repertório próprio de gêneros, que mobiliza a cada situação de comunicação. Cabe ao falante escolher qual gênero será utilizado, o que Bakhtin chama de vontade discursiva. Para o autor, aprender a falar significa aprender a construir enunciados, já que falamos por enunciados concretos, e não por orações ou palavras. Ao falante não são dadas apenas essas formas da língua, mas também suas formas de enunciado, ou seja, os gêneros do discurso. Estes, ainda que dotados de relativa estabilidade, são mais flexíveis do que as formas da língua. Afirmando que, em algumas teorias da linguística, as noções de oração e enunciado se confundem, Bakhtin apresenta distinções entre elas. A principal delas se relaciona com a característica de direcionamento do enunciado: as palavras e orações, ao contrário dos enunciados, são impessoais, não direcionadas a ninguém. São recursos linguísticos que podem abastecer o falante e só adquirem aspecto expressivo em enunciados concretos. Enquanto a oração é uma unidade de língua, o enunciado é uma unidade discursiva. É a alternância entre os sujeitos 16 do discurso (numa relação de compreensão responsiva) que converte a oração em um enunciado pleno. Para o autor, “só o contato da língua com a realidade, o qual se dá no enunciado, gera a centelhada expressão: esta não existe nem no sistema da língua nem na realidade objetiva existente fora de nós” (BAKHTIN, 2010, p. 292). Ou seja, também na teoria bakhtiniana, as palavras não têm um valor por si mesmas, mas o adquirem quando mobilizadas por um enunciado, e este está sempre ligado a um certo gênero do discurso. 5 LINGUAGEM, DISCURSO, SUJEITO E SUBJETIVIDADE 5.1 A subjetividade nos Estudos da Linguagem Para pensar a noção de sujeito na Análise do Discurso, você deve retornar a Saussure e Benveniste. Saussure, ao estabelecer a dicotomia língua/fala, deixou as realizações individuais no terreno da fala, não abordando o sujeito em sua teoria. Aqui vamos nos focar em Benveniste, que não está no escopo teórico da Análise do Discurso, mas que, ao propor a teoria da Enunciação, postulou que a língua apresentava em sua própria estrutura elementos que testemunhavam a subjetividade como constitutiva. Você pode pensar, então, a teoria da enunciação de Benveniste como o marco que instaurou a subjetividade nos Estudos da Linguagem e, por isso, é importante revisá-la antes de pensar no sujeito da Análise do Discurso. Para Benveniste, a linguagem não pode ser comparada a uma ferramenta que se utilize, visto que as ferramentas foram criadas pelo homem, e a linguagem, por sua vez, está na natureza do homem. O autor propõe que “é na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito” (BENVENISTE, 2005, p. 286). Ao mesmo tempo, se a linguagem é condição para existência do sujeito, ela só é possível porque cada locutor, referindo-se a si mesmo como eu, apresenta-se 17 como sujeito do seu discurso. É por essas peculiaridades que Benveniste afirma que a condição do homem na linguagem é única, sem paralelo. 5.2 Sujeito e Discurso O papel do sujeito, na Análise do Discurso, é bastante diferente do que na Enunciação. Você já viu que a Análise do Discurso é uma disciplina heterogênea. Assim, diferentes autores trabalharão com diferentes noções de sujeito e de discurso. O que você pode identificar de semelhança entre eles, desde já, é que o sujeito é mais uma noção que repercute no sentido dos enunciados e dos discursos – o que é característico da Análise do Discurso como um todo e dialoga com a remissão dos enunciados às suas condições de produção. Você vai conhecer aqui essas noções do modo como foram articuladas por Foucault e por Pêcheux. 5.2.1 Sujeito e discurso para Foucault Para Fischer (2013), uma das dificuldades no estudo de Foucault é a de analisar noções separadamente, já que o próprio autor articulava conjuntamente diferentes campos de pensamento. Não é possível isolar, da concepção de discurso para Foucault, as concepções de sujeito e de relações de poder. É por isso que você vai estudar essas noções de modo articulado. Para Foucault, o discurso é controlado por minuciosas regras, e estas definem quem pode ter acesso a certos discursos ou pode entrar na ordem do discurso. O autor enxerga os discursos como práticas que formam os objetos de que falam enquanto falam (FISCHER, 2013). O que isso quer dizer? Que, na concepção de Foucault, não existe uma essência, uma verdade universal anterior à construção de um discurso sobre ela. O 18 discurso é visto como uma luta, uma batalha, e não como um reflexo ou expressão de algo. E como o sujeito se relaciona com ele? A constituição dos sujeitos se dá justamente nesses jogos constantes entre o desejo de “ter” a verdade e o poder de afirmá-la (FISCHER, 2013). Pense, por exemplo, no enunciado “É preciso escovar os dentes após cada refeição”. Você pode escutar isso de um dentista e dificilmente vai contestá-lo, afinal, a profissão dele confere ao seu discurso a legitimidade sobre alguns discursos, reproduzidos e aceitos como verdades. Mas e se esse mesmo enunciado vier de um paciente diagnosticado com Transtorno Obsessivo Compulsivo, que escova os dentes quinze vezes por dia? E se vier de um representante de uma marca de produtos para higiene bucal? É a isso que Foucault se refere quando afirma que o sujeito, em sua teoria, não é uma pessoa, mas uma posição que alguém assume diante de um certo discurso. E discurso, aqui, diz respeito ao conjunto de enunciados de determinado campo de saber (FISCHER, 2013). Falar de sujeito do discurso significa multiplicar o sujeito, pensá-lo em suas possibilidades. Fischer (2013, p. 133) apresenta as seguintes perguntas para complexificar o tema do sujeito numa concepção foucaultiana: “Quem fala neste texto? E de que lugar fala? De que autoridade se investe alguém para falar aqui e não em outro espaço? Quem pode falar sobre isto? Quais as regras segundo as quais a alguém é permitido afirmar isto ou aquilo, neste ou naquele lugar?” E como essas posições não são fixas, o sujeito não deve ser pensado como unidade, mas, sim, como dispersão. O sujeito não ocupará sempre a mesma posição frente ao mesmo discurso, e, para demonstrar isso, Fischer (2013) dá o exemplo da sala de aula. Em sala de aula, se assume que o professor ocupe o lugar de quem decide, de quem explica, de quem define, mas sua posição está sempre correndo o risco de ser desestabilizada pelo aluno, que pode contestá- -lo ou desacreditá-lo. 19 5.2.2 Sujeito e discurso para Pêcheux Pêcheux, de base marxista-althusseriana, pensa o sujeito a partir do “efeito ideológico elementar” (conforme proposto por ALTHUSSER, 1985), e sustenta que a constituição do sentido se une à constituição do sujeito. Como efeitos dessa interpelação ideológica, Pêcheux apresenta dois esquecimentos inerentes ao discurso: O esquecimento número 1, relacionado ao inconsciente, que diz respeito ao fato de o sujeito não poder se situar fora de sua Formação Discursiva. O esquecimento número 2, que diz respeito ao fato de o sujeito poder selecionar dentro de sua Formação Discursiva dizeres e enunciados que se encontram em relação parafrástica, optando por um em detrimento de outro, ainda que este outro também esteja dentro do terreno de dizeres autorizados por aquela Formação Discursiva. É também de Althusser que Pêcheux toma a noção de forma-sujeito: a forma-sujeito reúne os saberes centrais de determinada Formação Discursiva, e é por seu viés que o sujeito se identifica com aquela Formação. Essa identificação não se dá sempre do mesmo modo, e é para explicá-la que Pêcheux propõe as diferentes modalidades da tomada de posição do sujeito: A identificação plena caracteriza o discurso do bom sujeito, que reduplica os saberes da Formação Discursiva sem questioná-los. A contraidentificação caracteriza o discurso do mau sujeito, que contesta, duvida e se afasta dos saberes da Formação Discursiva com a qual está identificado. 20 A desidentificação acontece quando o sujeito se desloca de uma Formação Discursiva a outra, deixando de se identificar com os saberes da antiga para se identificar com os da nova. Nessa perspectiva, o sujeito está sempre inscrito em alguma Formação Discursiva: ou seja, deixar de se identificar com uma implica necessariamente se identificar com outra. 6 PRÁTICAS DE ANÁLISE DE DISCURSO 6.1 A vertente foucaultiana Para Foucault, o discurso é um bem, com regras de aparição e apropriação, e sua própria existência já coloca a questão do poder. Com base nisso, Ferreira e Traversini (2013, p. 209) afirmam que “os discursos que circulam ou são interditados encontram no poder a sua condição de existir”. Desse modo, uma análise de discurso elaborada dentro da vertente foucaultiana deve focar nas relações de poder que se constroem, se reproduzem e se mantêm pelo discurso. Para tanto, as sínteses discursivas devem ser trazidas para o centro da discussão, mostrando que são resultado de uma complexa trama que permite que elas surjam de certa forma em certo momento (FERREIRA;TRAVERSINI, 2013). No livro A arqueologia do saber, Foucault propõe uma espécie de arqueologia para tratar dos discursos. Para o autor, é papel da história transformar documentos em monumentos. Sobre isso, Giacomoni e Vargas (2010, p. 122) explicam que “sendo o ser humano um ser discursivo, criado ele mesmo pela linguagem, a Arqueologia é o método para desvendar como o homem constrói sua própria existência” 21 Isso tem a ver com a noção de discurso proposta por Foucault. Para o autor, os objetos seriam construídos sistematicamente pelos discursos que se fazem a respeito deles. É por isso que os discursos são tomados como monumentos, construídos pela história. A leitura arqueológica desses elementos consiste na delimitação das regras de formação dos objetos, das modalidades enunciativas, dos conceitos, dos termos e das teorias. O objetivo dessa delimitação é estabelecer o tipo de positividade que caracteriza esses elementos (FERREIRA; TRAVERSINI, 2013). Nesse sentido, a análise de discurso pela vertente foucaultiana poderia ser resumida como uma análise de como o poder se exerce nos discursos e pelos discursos, através de uma mecânica que controla a produção desses discursos, que restringe sua circulação e que institui as disciplinas que os veiculam (PERUCCHI, 2008). Deve buscar as regularidades que existem por trás da dispersão dos elementos, identificando nessas regularidades o resultado do processo da formação discursiva (GIACOMONI; VARGAS, 2010). 6.2 A vertente pecheutiana Desenvolvida por Michel Pêcheux no final da década de 1960, na França, a análise de discurso de vertente pecheutiana, segundo Santos (2013), atualmente pode ser situada na articulação entre: O materialismo histórico: entendido pela teoria das formações e transformações sociais, compreendendo aí a teoria das ideologias A linguística: entendida como teoria que estuda a sintaxe e os processos de enunciação. A teoria do discurso: entendida como teoria que investiga os processos semânticos relacionados à determinação histórica. 22 Desse modo, a análise elaborada dentro dessa vertente deve ultrapassar a superfície linguística e remeter os enunciados às suas condições de produção. Uma noção importante para a análise é a de formação discursiva. Ela explica como as palavras e expressões, que não têm um sentido em si, a priori, criam sentido e podem significar diferentemente, a depender da formação discursiva na qual o sujeito está inscrito. Considerando um sujeito interpelado pela ideologia, as noções de intenção e de controle do sentido são refutadas, pois não cabe ao sujeito escolher o que vai dizer – seu dizer já é determinado pela sua inscrição numa formação discursiva. Além disso, a vertente pecheutiana de análise do discurso também convoca saberes do campo da psicanálise, trazendo o papel do inconsciente para a constituição do sujeito, o que reforça a inexistência de um controle consciente e voluntário do discurso. Quanto a essas redes de paráfrases ou polissemias, Orlandi (1996) apresenta a classificação de pelo menos três modelos de discurso: Autoritário: procurando impor apenas um sentido; nele a polissemia é contida Polêmico: usando argumentos, estabelece um equilíbrio tenso entre o sentido único e a possibilidade de sentidos diferentes; nele a polissemia é controlada. Lúdico: tendendo para a multiplicidade de sentidos; nele a polissemia é aberta. É assim que a análise produzida nessa vertente procura situar o enunciado em suas relações parafrásticas e/ou polissêmicas, identificando o funcionamento da memória discursiva e inscrevendo o enunciado nesta ou naquela formação discursiva – que não são preestabelecidas, mas delineadas pelo analista a partir da 23 análise do corpus. Ela não procura o sentido real por trás do texto nem um projeto de verdade, mas, sim, elucidar como certos sentidos foram estruturados na relação entre ideologia, linguística e inconsciente. 6.3 A Análise Crítica por Fairclough A Análise Crítica do Discurso figura como um modo de, através da semiose, analisar problemas sociais e propor uma solução para eles. Por esse motivo, apesar de a linguagem exercer um papel fundamental na análise, essa vertente é majoritariamente mobilizada por estudos desenvolvidos nas áreas de Comunicação e Ciências Sociais Rodrigues-Júnior (2009, p. 100-101) apresenta a seguinte fundamentação epistemológica para a Análise Crítica: (i) a linguagem é um tipo de prática social; (ii) os textos resultam de práticas sociais de seus produtores; (iii) os textos traduzem a desigualdade social em que se situam seus produtores; (iv) os significados textuais expressam-se por meio das interações entre produtores dos textos e seus leitores/ouvintes; (v) os traços linguísticos não são um conjunto arbitrário de formas e significados; (vi) esses mesmos traços linguísticos apresentam discursos ideologicamente camuflados; (vii) os usuários da língua adotam posicionamentos particulares frente ao discurso que produzem; (viii) por fim, a ideologia e as relações de poder, mormente presentes no discurso, tornam-se visíveis por meio de análise textual precisa e acurada. A análise mobilizada nessa vertente conta com a instrução de Fairclough para fases preestabelecidas bastante claras: começa pela ênfase num problema social com aspecto semiótico e avança para a identificação dos obstáculos para resolver esse problema. Essa identificação se dá pela análise da rede de práticas na qual ele se insere, das relações de semiose com outros elementos dentro dessas práticas e do discurso, entendido como a semiose em si. Finalmente, considera-se 24 se a rede de práticas constitui um problema, identifica-se possíveis maneiras para superar os obstáculos e se reflete criticamente sobre a análise. Também na Análise Crítica do Discurso a ideologia é uma questão relevante, principalmente quando pensada em relação às hegemonias presentes na prática social (OLIVEIRA; CARVALHO, 2013). A ideologia, na perspectiva de Fairclough, aparece como plural, como significações/construções da sociedade que contribuem para a produção, a reprodução ou a transformação das relações de dominação (FAIRCLOUGH, 2008 apud OLIVEIRA; CARVALHO, 2013). Considerando as ideologias imbricadas com as práticas discursivas, é levantada a questão do perigo da naturalização do discurso: ela levaria as pessoas a reproduzirem ideologias que são nocivas para elas mesmas ou para outras pessoas. Uma vez naturalizado, o discurso atinge o status de senso comum, o que estabiliza os sentidos e cerceia os questionamentos. 6.4 Uma breve comparação Sobre as noções teóricas e as práticas mobilizadas pelas teorias aqui apresentadas, é possível apontar as seguintes semelhanças e diferenças. Formação discursiva: a noção está presente com diferentes definições nas vertentes pecheutiana e foucaultiana, mas ausente na Análise Crítica do Discurso. Procedimentos de análise: seguem um padrão esquematizado por estágios na Análise Crítica do Discurso, mas nas vertentes foucaultiana e pecheutiana são definidos pelo analista conforme os objetivos da análise e o corpus trabalhado. O discurso: na vertente foucaultiana, figura como um modo de poder; na pecheutiana, como um efeito de sentidos; na Análise Crítica do 25 Discurso, é constituído pelas práticas sociais ao mesmo tempo que as constitui. 7 OS MODOS DE ANÁLISE DISCURSIVA 7.1 A análise pela vertente pecheutiana O exemplo de análise dentro da vertente pecheutiana que você vai ver foi desenvolvido por Indursky (1995), no artigo A construção metafórica do povo brasileiro. Ao analisar o item lexical povo no funcionamento do discurso presidencial da República Militar Brasileira (1964-1984), a autora mobiliza principalmente asnoções de efeito de sentido, efeito metafórico e transparência de sentido. No recorte apresentado aqui, você vai ver como o efeito de sentido de povo pode variar nas diferentes sequências discursivas. “As análises mostraram-me que em lugar de um sentido único e estável, havia cinco diferentes efeitos de sentido – que chamo de níveis referenciais – dos quais decorre a referência de povo nesse discurso.” (INDURSKY, 1995, p. 147). A autora designa esses diferentes níveis referenciais como POVO1, POVO2, POVO3 e POVO4, conforme o seguinte quadro: 26 Quadro 01 – NÍVEIS DE REFERENCIAS Fonte: SAGAH (2020). A análise apresentada por Indursky (1995) é significativa porque demonstra um dos principais pressupostos da vertente pecheutiana de análise do discurso: as palavras não têm um sentido em si mesmas, mas dependem das posições assumidas pelos sujeitos dentro de dada formação discursiva. Assim, a análise identificou como uma mesma palavra, povo, pode significar diferentemente em diferentes espaços de enunciação. 7.2 A análise pela vertente foucaultiana O exemplo de análise dentro da vertente foucaultiana que você vai ver foi desenvolvido por Mauricio dos Santos Ferreira e Clarice Salete Traversini no artigo A Análise Foucaultiana do Discurso como Ferramenta Metodológica de Pesquisa. Ao analisar um dos cadernos de empregos de um jornal, os autores mobilizam 27 principalmente a noção de procedimentos de subjetivação e interdição discursiva, considerando como os objetos são construídos pelo próprio discurso. Figura 02 – Objetos e análise Fonte: SAGAH (2020). 28 Os autores salientam da análise a pertinência de estratégias midiáticas e digitais como maquinarias de subjetivação, encontrando na análise desses objetos indícios da construção de um perfil profissional, na ordem discursiva contemporânea, baseado na flexibilidade. A análise é demonstrativa da perspectiva foucaultiana de discurso enquanto construtor dos objetos de que fala e ferramenta de poder a que nem todos têm acesso. 7.3 A análise pela vertente crítica de Fairclough A análise que você vai ver como exemplo de análise crítica foi apresentada pelo próprio Fairclough (2012), no artigo Análise crítica do discurso como método em pesquisa social científica. Abordando a temática das representações de mudança na economia global, o autor propõe uma análise que obedeça às etapas preestabelecidas da Análise Crítica do Discurso. O material selecionado para análise é o texto Prefácio, escrito pelo primeiro-ministro britânico Tony Blair, em 1998, para o Ministério do Comércio e Indústria, sobre competitividade do Departamento de Indústria e Comércio. A análise apresentada por Fairclough é representativa do tipo de análise feita por essa vertente porque se refere frequentemente aos problemas sociais, valendo-se de outros textos, além daquele que está em análise, e mobilizando conhecimentos da ordem social que não necessariamente estejam expressos nos textos analisados. 29 Quadro 02 – Etapas e Análise 30 Fonte: SAGAH (2020). 8 NA TEORIA DE CHARAUDEAU, A NOÇÃO DE MODOS DE ORGANIZAÇÃO DO DISCURSO 8.1 Modos de organização do discurso: a noção Na teoria de Charaudeau, a noção de modos de organização do discurso é apresentada como um componente do dispositivo de linguagem. Para Charaudeau (1992 apud CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2012), o modo de organização do 31 discurso seria “o conjunto dos procedimentos de colocação em cena do ato de comunicação, que correspondem a algumas finalidades (descrever, narrar, argumentar…)”. Assim, o estudo dos modos de organização dos discursos deve distinguir as operações linguageiras postas em funcionamento em cada um dos níveis de competência: Nível situacional: também chamado de comunicacional, está ligado ao reconhecimento das coerções psicossociodiscursivas da situação de comunicação; é onde se encontram os dados externos que desempenham o papel de coerções, considerando a identidade dos parceiros e os lugares que ocupam na troca, a finalidade que os une e as circunstâncias materiais em que a troca se realiza. Nível discursivo: mais diretamente ligado aos modos de organização do discurso, é onde se instauram as diferentes maneiras de dizer do sujeito, que nesse nível pode utilizar diferentes procedimentos de encenação discursiva. Nível discursivo: mais diretamente ligado aos modos de organização do discurso, é onde se instauram as diferentes maneiras de dizer do sujeito, que nesse nível pode utilizar diferentes procedimentos de encenação discursiva. 8.1.1 Ato de linguagem e situação de comunicação Como os princípios e modos de organização do discurso são agrupados por meio das finalidades discursivas do ato de comunicação, você vai conhecer os elementos envolvidos nesse processo, a partir do seguinte esquema proposto por Charaudeau: 32 Figura 03 - O Ato de Linguagem e seus Sujeitos (reprodução). Fonte: Charaudeau, 2008 apud Ramos, 2008 Neste esquema, destaca-se o envolvimento tanto do espaço externo quanto do espaço interno no circuito de produção e interpretação. Para Charaudeau, todo ato de linguagem entre dois interlocutores tem um desdobramento pelo efeito do discurso, resultando numa rede imaginária com quatro protagonistas: dois externos e reais e dois internos e imaginários (RAMOS, 2008): Circuito externo, sujeitos ativos EUc: comunicante, produz a fala. TUi: interpretante, fora do ato de enunciação de EUc. Circuito interno TUd: sujeito fabricado pelo EU comunicante (EUc), é visto como um destinatário ideal, adequado ao seu ato de enunciação; concretizado pelo TUi, que nem sempre corresponde à idealização. EUe: imagem do enunciador criada pelo sujeito produtor da fala, subentendido na sua intencionalidade como produtor. 33 Desse modo, você pode pensar que, para Charaudeau, o ato de linguagem inclui como protagonistas sempre protagonistas reais e imaginários, a partir dos quais o autor compreende a situação de comunicação. 8.2 Os modos de organização do discurso Charaudeau apresenta a organização do discurso dividida em quatro modos distintos: 8.2.1 Enunciativo Para Charaudeau, este modo é essencial e comanda os demais, pois sua vocação é a de “dar conta da posição do locutor com relação ao interlocutor, a si mesmo e aos outros – o que resulta na construção de um aparelho enunciativo” (CHARAUDEAU, 2008, p. 74 apud RAMOS, 2008). Este modo repercute em cada um dos outros três modos de organização. Seus princípios de organização são as posições em relação ao interlocutor, ao mundo e aos outros discursos (TESSARO, 2016). O modo enunciativo estabelece a posição e o papel do interlocutor no ato de linguagem, e apresenta três funções que geram três tipos de comportamentos (TESSARO, 2016): Comportamento alocutivo: organiza o discurso em função do outro, buscando influenciá-lo e convencê-lo. Comportamento elocutivo: apresenta uma posição, uma reflexão, uma constatação, um ponto de vista, mas sem que isso envolva o locutor. 34 Comportamento delocutivo: apaga o locutor e caracteriza-se por ser impessoal. 8.2.2 Descritivo Para Charaudeau, este modo criaria uma imagem atemporal do mundo. Caracteriza-se por três formas de construção (TESSARO, 2016): Nomear: através de procedimentos de identificação, dá existência a um sujeito. Localizar-situar: através de procedimentos de construção objetiva do mundo, localiza o sujeito no tempo e no espaço que ocupa. Qualificar: através de construções objetivas e subjetivas, identifica as características constitutivas do sujeito. 8.2.3 Narrativo Este modo costuma englobar uma sucessão de situações ligadas demaneira coerente, e é caracterizado por uma dupla articulação (TESSARO, 2016): Organização da lógica narrativa: sucessão de ações segundo uma lógica que constrói a trama da história, composta pelos actantes, pelos processos e pelas sequências. Organização da encenação narrativa: construção do universo a ser narrado. 35 8.2.4 Argumentativo Organizado de modo triangular e buscando possíveis verdades através da razão, engloba um sujeito argumentante, uma proposta sobre o mundo e um sujeito- alvo (TESSARO, 2016). A lógica argumentativa é encenada por modos de raciocínio, que se dividem em dedução, explicação, associação, escolha alternativa e concessão restritiva (Idem). Ela é composta por: Asserção de partida: é onde os seres passam a existir, com a atribuição de propriedades e descrição de ações. Asserção de chegada: estabelece uma relação de causalidade com a asserção de partida. Asserção de passagem: justificando a relação entre a asserção de partida e a asserção de chegada, consiste na inferência, no argumento, e pode ser: possível: não é a única conclusão da asserção de partida. obrigatória: é obrigatoriamente a conclusão da asserção de partida. Além disso, as asserções se relacionam dentro de um escopo de verdade, que engloba a generalização (quando uma asserção se aplica a todos os casos), a particularização (quando ela se aplica a um caso específico) e a hipótese (quando pode se aplicar a um caso suposto) (TESSARO, 2016). 36 8.3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos de Estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de Estado (AIE). 2. ed. Tradução de Walter José Evangelista e Maria Laura Viveiros de Castro. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985. BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 5. ed. 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