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RAJAGOPALAN, K Por uma linugística crítica - linguagem, identidade e a questão ética

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Antonio Lima

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Coleção Lingua[gem] 
1. Português ou brasileiro? Um convite à pesquisa, 
Marcos Bagno 
2. Linguagem & comunicação social, · 
Manoel Luiz Gonçalves Corrêa 
3. Por uma linguística crítica, Kanavill il Rajagopa lan 
4. Educação em língua materna: a sociolinguística na sala de 
aula, Stella Maris Bortoni-Ricardo 
5. Sistema, mudança e linguagem, Dante Lucchesi 
6. "O português são dois", Rosa Virgínia Mattos e Silva 
7. Ensaios para uma sócio-história do português brasileiro, 
Rosa Virgín ia Mattos e Silva 
8. A linguística que nos faz falhar, 
Kanavilli l Raj agopa lan & Fábio Lopes da Silva [orgs.] 
9. Do signo ao discurso, Inês Lacerda Araújo 
1 O. Ensaios de filosofia da linguística, José Borges Neto 
11 . Nós cheguemu na escola, e agora?, 
Stella Maris Bortoni-Ricardo 
12. Doa-se lindos filhotes de poodle, Maria Marta Pereira Scherre 
13. A geopolítica do inglês, 
Yves Lacoste [org.J, Kanavilli l Rajagopa lan 
14. Gêneros, José Lu iz Meurer, Ada ir Bon ini 
& Désirée Motta-Roth [orgs.] 
15. O tempo nos verbos do português, M• Luiza M. S. Corôa 
16. Considerações sobre a fala e a escrita, Darci lia Simões 
17. Princípios de linguística descritiva, Mário A. Perin i 
18. Por uma linguística aplicada indisciplinar, 
Luiz Paulo da Moita Lopes 
19. Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança 
linguística, U. Weinreich, W. Labov & M. 1. Herzog 
20. Origens do português brasileiro, Anthony Julius Naro 
& Maria Marta Pereira Scherre 
21. Introdução à gramaticalização, Sebastião Carlos Leite 
Gonçalves, M• Célia Lima-Hernandes & Vânia Cristina 
Casseb-Galvão [orgs.J 
)2. O acento em português, Gabriel Antunes de Araújo [org.] 
23. oclollngulstica quantitativa, Gregory R. Guy 
& Ana Maria Stahl Zi lles 
) 4. Metáfora, Tony Berber Sa rdinha 
J'1 Norma culta brasileira, Carlos Alberto Faraco 
Jt1 . /!adrôes sociolinguísticos, Wil liam Labov 
J I C1~11 rse dos discursos, Dominique Maingueneau 
Jll C 1•11os da enunciação, Dominique Maingueneau 
JIJ l 11 11tlos de gramática descritiva, Mário A. Perini 
111 f 111r1l11ho1 da linguística histórica, 
1111 ~ 11 Vhglnla Mattos e Silva 
11 / l111lr r1 tio discurso, Sírio Possenti 
1 J 1J11~1 lf11•1 11ma analistas do discurso, Sírio Possenti 
11 11111111111)1•111 /lt diá logo, Carlos Alberto Faraco 
1 N. 1111r111 /11 11 11a Gramatical Brasileira, 
1 l 1111 1111! 1 1111 l l ~ nrlq ues 
11111111111111111/t //11, ~ lrlo Possenti 
~fof/, 1111111111 111t1111 1!11q11as, Sírio Possenti 
37. Linguagem. Gênero. Sexualidade, Ana Cristina Ostermann 
& Beatriz Fontana [orgs.] 
38. Em busca de Ferdinand de Saussure, Michel Arrivé 
39. A noção de "fórmula" em análise do discurso, 
Alice Krieg-Planque 
40. Geolinguística, Suzana Alice Marcelino Cardoso 
41 . Doze conceitos em análise do discurso, 
Dominique Maingueneau 
42. O discurso pornográfico, Dominique Maingueneau 
43. Falando ao pé da letra, Roxane Rojo 
44. Nova pragmática, Kanavill il Rajagopalan 
45. Bakhtin desmascarado, Jean-Paul Bronckart 
& Cristian Bota 
46. Gênero textual, agência e tecnologia, Carolyn R. Miller 
47. Linguística de texto: o que é e como se faz?, 
Luiz Antônio Marcuschi 
48. A gramática passada a limpo, 
Maria Helena de Moura Neves 
49. O sujeito em peças de teatro (1833-1992), 
Maria Eugênia Lammoglia Duarte [org.] 
SO. Português no século XXI, Luiz Paulo da Moita Lopes [org.] 
51. Da linguística formal à linguística social, 
Roberto Gomes Camacho 
52. Estudos do discurso, Luciano Amaral Oliveira [org.J 
53. Gênero, Anis B. Bawarshi & Mary Jo Reiff 
54. Introdução à teoria enunciativa de Benveniste, 
Va ldir do Nascimento Flores 
55. Linguística aplicada na modernidade recente, 
Lu iz Pau lo da Moita Lopes [org.J 
56. Gramáticas contemporâneas do português, Maria 
Helena de Moura Neves & Vânia Cristina Casseb-Galvão 
57. Letramentos sociais, na etnografia e na educação, 
Brian V. Street 
58. A ordem das palavras no português, 
Erotilde Goreti Pezatti 
59. Frases sem texto, Dominique Maingueneau 
60. Espanhol e português brasileiro, 
Adrián Pablo Fanjul & Neide Maia González [org s.] 
61 . Sujeitos em ambientes virtuais, Maria Cecilia Mollica, 
Cynthia Patusco & Hadinei Ribeiro Batista [orgs.] 
62. Volosinov e a filosofia da linguagem, Patrick Séri ot 
63. A história das línguas, Tore Janson 
64. Discurso e análise do discurso, Dominique Maingueneau 
65. Sobre a fala dialogal, Lev Jakubinskij 
66. Retórica da ação letrada, Charles Bazerman 
67. Teoria da ação letrada, Charl es Bazerman 
68 . Unidade e variação na língua portuguesa: suas 
representações, André C. Va lente 
69. Linguística funcional: teoria e prática, Maria Angélica 
Fu rtado da Cunha, Mariangela Rios de Oliveira & 
Mário Eduardo Martelotta [orgs.J 
70. O texto e seus conceitos, Rona ldo de Oliveira Batista [org.J 
[_ l 
KANAVILLIL RA AGOPAlAN 
Por uma linguística crítica 
LINGUAGEM, IDENTIDADE E A QUfSTÃO ÉílCA 
A~A ~Hiii llH HA~ll 111 A11d1 !111 t 11 1 ~11111 
1111()111 M111 1Mu1 lcmll 
CON LHO EDITORIAL: Ana Stahl Zlll s [Unlslnos] 
Angela Paiva Dlonlsio [UFPEJ 
Carlos Alberto Faraco [UFPR] 
Egon de Oliveira Rangel [PUC-SP] 
Henrique Monteagudo [Universidade de Santiago de Compostelaj 
José Ribamar Lopes Batista Jr. [UFPl/CTF/ LPTJ \ 
Kanavil lil Rajagopalan [UN ICAMPJ 
Marcos Bagno [UnBJ 
Maria Marta Pereira Scherre [UFES] 
Rachel Gazolla de Andrade [PUC-SPJ 
Roberto Mulinacci [Universidade de Bolonha] 
Roxane Rojo [UNICAMP] 
Sa lma Tannus Muchail [PUC-SP] 
Sírio Possenti [UNICAMP] 
Stella Maris Bortoni-Ricardo [Un BJ 
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE 
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ 
R131p 
Rajagopalan, Kanavillil 
Por uma linguística crítica: linguagem, identidade e a questão 
ética/ Kanavillil Rajagopalan. - São Pau lo : Parábola Editorial, 2003. 
-(Lingua[gem]; 5) 
Inclui bibliografia 
ISBN 978-85-88456-13-6 
1. Linguística, 2. Pragmática, 3. Fi losofia da linguagem. 1. Título. 
li. Série. 
03-1266. 
Direitos reservados à 
Parábola Editorial 
Rua Dr. Mário Vicente, 394- lpiranga 
04270-000 São Paulo, SP 
CDD:410 
CDU 81 °1 
pabx: [11 l 5061-926215061-8075 I fax: [11 l 2589-9263 
home page: www.parabolaed itorial.com.br 
mall: parabola@parabolaed itorial.com.br 
lorlll os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode s~r reprodu-
1ld11 0 11 transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou 
111 e nico, Incluindo fotocôpia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema 
111 1 l 11mc >d dados sem permissão por escrito da Parábola Editorial Ltda. 
1•.11N 'l/H as 88456-13-6 
dl~ 11I '• ' 11 Impressão - julho de 2016 
1 I• 111111vllll l H11) ICJ pa lan, 2003 
' d 111 Ili~ 11 1'1u IJ 1, Ed itorial, São Paulo, julho de 2003 
e.o ...... 
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Sumário 
ÂPIUlSENTAÇÃO ..................................................................................... 7 
L1N UAGEM E ÉTICA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES GERAIS ................................ 15 
l.IN ,UAGEM E IDENTIDADE 23 
l.IN UÍSTICA E A POLÍTICA DE REPRESENTAÇÃO .... ........................................ 29 
HHLEVÂNCIA SOCIAL DA LINGUÍSTICA ......................................................... 37 
, 
1
0 1\IHl A DIMENSÃO ÉTICA DAS TEORIAS LINGUÍSTICAS ................................... 49 
Objetivo.. ......... ............. ............................. .. ........................................... 49 
1 . A ética na linguística: a elaboração de uma nova hipótese . ......... .... .. . 49 
2. A ciência e a questão ética: três correntes distintas......................... 52 
2.1. A corrente racionalista ................... .............................................. 53 
2.2. A resposta pragmatista............... .... .............................................. 54 
2.3. A alternativa marxista................................................................. 54 
: . Comentários sobre as três correntes............................................. ... 55 
 li llNTIDADE LINGUÍSTICA EM UM MUNDO GLOBALIZADO ............................ 57 
l.INC:UAESTRANGEIRA E AUTOESTIMA........................... .............................. 65 
 ' NSTRUÇÃO DE IDENTIDADES: LINGUÍSTICA E A POLÍTICA DE REPRESENTAÇÃO 71 
 1.IN UÍSTICA APLICADA E A NECESSIDADE DE UMA NOVA ABORDAGEM ........... 77 
1 )l(Sf ,NAÇÃO: A ARMA SECRETA, PORÉM INCRIVELMENTE PODEROSA, DA MÍDIA 
l!M CONFLITOS INTERNACIONAIS ......... .. .. ... ........ ... . .. ..... .............. .......... 81 
5 
l11tt ocluç. <> .................................................................................... 8 1 
l. Nom s: afinal, o que há de tão curioso nessas palavras? .... ... 82 
2. O discurso jornalístico e a escolha dos termos de designação. 
3. O poder da designação ............................................................ . 
LINGUAGEM E XENOFOBIA ····································· ······· ···· ······ ················· 
84 
87 
89 
A POLÊMICA SOBRE OS "ESTRANGEIRISMOS" E O PAPEL DOS LINGUISTAS NO BRASIL 99 
LINGUÍSTICA APLICADA: PERSPECTIVAS PARA UMA PEDAGOGIA CRÍTICA .. .. .......... 105 
SOBRE A ARTE, A FICÇÃO E A POLÍTICA DE REPRESENTAÇÃO ...... ..... ........... .. ..... 115 
POR UMA LINGUÍSTICA CRÍTICA .................................................... . ............. 123 
Ü LINGUISTA E O LEIGO: POR UM DIÁLOGO CADA VEZ MAIS NECESSÁRIO 
E URGENTE .............................................................................. 129 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .. ...... ... ..... .. ............. ...... ..... ... ......... .... 136 
ÍNDICE DE NOMES ....... .... ........ . ...................................................... 142 
6 
L \ ___ J l 
presentação 
Estão reunidos nesta coletânea textos originalmente apresen-
1, dos em congressos brasileiros nos últimos cinco anos, resultantes 
l comunicações, de participação em mesas-redondas e de conferên-
d s. O que une todos eles são alguns temas que têm me interessado 
11 stes anos e continuam a fazê-lo. Dentre esses, posso destacar a 
J r ocupação constante de fazer com que os avanços da linguística 
s jam postos ao alcance da população fora dos centros de pesquisa 
1 ensino superior. É preciso, convencer o leigo de que vale a pena 
investir no estudo da linguagem e de que pensar sobre a linguagem 
implica, em última análise, indagar, de um lado, sobre a própria na-
Lureza humana e do outro, sobre a questão da cidadania. 
A linguística é uma ciência que, indiscutivelmente, se encontra 
r uma fase madura em nosso país. Porém, como é do conhecimento 
omum, poucas pessoas fora do mundo acadêmico têm noção, ainda 
que vaga, do que trata a linguística. Essa situação se repete no mun-
do inteiro. Estou convencido de que há uma necessidade urgente de 
e fazer algo a respeito. Sinto que, assim como eu, há muitos outros 
linguistas preocupados com isso. Mas, como venho dizendo, já há 
algum tempo, nem sempre dedicamos a devida atenção às possíveis 
razões para a nossa invisibilidade perante a opinião pública. 
A total ignorância do que nós, linguistas, fazemos tem levado 
o público leigo a achar que somos acadêmicos com ideias estranhas 
sobre coisas tão comuns como o é, em seu entender, a língua. Sem dú-
7 
V cl.1, q11 .dq11 •t ( IH "t1 11111 1 f't 1.tl 1 . ( , q11 'v. () clP 'll(()tllro .l() St' lll () 
cw 1n111i . 1\111 1wHHO ,i: o, 11 1 " 11d.i m,1is iri nt , poi t d mundo 
h, u s •1i1 1 1t' t 0 111>1• m ti t s oisas sobre a linguag m. 
u s ja, a autoridad d li1 iuis t, 1 o automaticamente aceita pela 
sociedade ampla. Ela pr cisa ser conquistada. E para conquistá-la é 
necessário usar bastante persuasão. Não é derramando o nosso saber 
- como se fosse um punhado de pérolas em meio a um amontoado 
de porcos ávidos - que vamos conseguir convencer o público leigo de 
que temos algo importante a dizer. 
Infelizmente, muitos linguistas acreditam que o que falta é maior 
divulgação das nossas pesquisas. Vou citar apenas um caso como 
exemplo. Há alguns anos, a comunidade dos linguistas nos EUA foi 
surpreendida por um acontecimento no estado da Califórnia, mais 
precisamente numa cidade perto de San Francisco, chamada Oakland. 
Os habitantes dessa cidade, em sua maioria pertencentes à raça negra, 
se rebelaram contra as autoridades educacionais que, segundo eles, 
ignoravam o fato de que os negros têm marcas distintas na forma de 
falar. Cansados de tanta discriminação, eles declararam que a língua 
que falavam não era inglês, e sim "Ebonics". O episódio gerou bastante 
polêmica. E, para variar, os linguistas foram os últimos a saber. Correndo 
atrás do prejuízo, muitos vieram a público para divulgar suas opiniões 
sobre variação linguística, dizendo que todos os falares são iguais no 
que diz respeito à sua lógica e inteligibilidade e que nenhuma variante 
de dada língua pode ser caracterizada como superior a outra etc. 
Era, porém, tarde demais. O estrago já estava feito. Assim como 
em tantos outros casos (como, por exemplo, a onda de chauvinismo que 
atravessa aquele país, com clamores cada vez mais ensurdecedores para 
que o governo declare o inglês como a única língua de ensino em todo o 
território - política já posta em prática no estado da Califórnia-), ficou 
evidente, mais uma vez, a total inabilidade dos linguistas para intervir em 
questões relativas à política linguística. Para nós, aqui no Brasil, não se trata 
de nenhuma novidade, como demonstrou a polêmica que estourou no país 
reboque do Projeto de Lei nº 1676/1999 do nobre deputado Aldo Rebelo. 
Voltando, pois, ao caso "Ebonics" nos EUA, assim que a poeira 
b, ix u, alguns linguistas que haviam se entregado de corpo e alma 
8 
.10 dc •h,111 • f1 :1,1• 1.i111 11111 ,1 .1v.di.1~, o 11•l10 l!H'< l v 1 tio 11111111•1 1111•1il11 , 
U11i 1 1 'il foi o 1'101. ,Joltn 1 i kí 1, I, Univt IH cl.1cl1• ele ,it.11d111 ri , 
lln l x l publi ,1 l > 11n r •vislc Language & Soei 'ly ( 1 DDH/~)!I , 1111 t 11 
I, d "O que o s i linguistas têm a dizer sobr s gr.i 11d1•11 dc•l> .1t 11 
1 i nguisticos dos nossos tempos?", ele chega a admitir: 
Quando a controvérsia sobre o Ebonics estourou, muitos linguisl, s 
manifestaram frustração sobre tamanho preconceito popular contra 
as variantes linguísticas - preconceito que acreditavam ter sido 
dissipado havia muito, como coisas do tipo: que elas eram fruto de 
preguiça ou falta de lógica, ou que elas não tinham raiz histórica, 
nem estrutu~a e nem sequer regularidades, ou que se tratava de 
gírias e falares, sobre os quais se podia fazer ou dizer qualquer 
coisa que se entendesse. 
Até aqui, tudo bem. Poder-se-ia dizer que o desabafo até tem 
Llrn certo ar de déjà-vu. Mas, feito o diagnóstico, o autor nos oferece 
,, seguinte receita para curar o mal: 
No entanto, ao amargar as nossas frustrações, parece que simples-
mente esquecemos o que os peritos de propaganda, aqueles que 
vendem a pasta de dente Colgate e outros produtos, nunca esque-
cem: que a mensagem tem de ser repetida muitas e muitas vezes, e 
repetida novamente para cada geração e para cada tipo de público, 
e, de preferência, numa linguagem simples, direta e cativante para 
que o público possa compreender e digerir. 
Confesso que fico estarrecido toda vez que ouço opm10es tão 
.wrogantes, petulantes e cheias de desprezo para com o leigo. O leigo 
não é por definição nem ignorante nem débil mental. Muito menos, 
um camundongo, que pode ser treinado para obedecer comandos 
mediante o uso repetido da sequência "estímulo-recompensa". Con-
trariamente a muitos colegas, no Brasil e no exterior, que acreditam 
que o que falta é maior divulgação dos resultados das pesquisas 
realizadas numa linguagem acessível ao leigo, sou da opinião de que 
preciso também rever alguns postulados fundadores da disciplina. 
No lugar da divulgação, penso que, o que deve haver é uma maior 
interação. Entre o linguista e o leigo. Interação implica, por sua vez, 
ntrosamento. A divulgação é monológica, unilateral. A interação é 
9 
u•1 ~ 1"''"'1 1 '"'n11 r"n n 
cli.11 g ,1, u111.1 011v •u;.1 I< m, o dup l.1. 1 • 11, I, v, l • noss, v nt.1 
d , mlinguis as, d no comuni r om o público leigo, s 
limita a uma vontade de "promulgar" os ensinamentos da linguística. 
Por mais óbvias ou racionais que pareçam as nossas posições a res-
peito da linguagem e seu funcionamento, é preciso sempre lembrar 
que elas não são tão óbvias para quem não compartilha conosco os 
postulados fundamentais da ciência. 
Os desafios envolvidos na empreitada de "divulgar" a linguística 
entre os não linguistas não são, em última análise, diferentes dos 
desafios encontrados na tarefa de ensinar, principalmente, aos alunos 
ingressantes num curso de linguística. Alguns anos atrás, na Unicamp, 
onde trabalho há quase vinte anos, houve um caso inusitado que, no 
meu entender, ilustra bem o que estou dizendo. Um grupo de alunos 
do curso de graduação em linguística - salvo engano, o único do gê-
nero em todo o país - fizeram um abaixo-assinado, encaminhado ao 
corpo docente. A única reivindicação era a de que houvesse algumas 
aulas sobre a gramática tradicional. Um episódio como esse nos ensina 
muitas lições. Primeiro, nem mesmo todos os nossos alunos estão ne-
cessariamente convencidos de que as gramáticas tradicionais - objetos 
de vilipêndio dos linguistas que, desde o nascimento da nova ciência, 
vêm usando os gramáticos como uma espécie de saco de pancadas -
são dispensáveis ao ensino. Indiscutivelmente, houve falha em nossa 
comunicação. Segundo, devemos lembrar que a nossa forma de interagir 
com nossos alunos leva o nome de ensino. Houve, em outras palavras, 
algum erro grave nas estratégias utilizadas em sala de aula. 
Porém, há um aspecto mais grave ainda sobre o episódio relatado 
no parágrafo anterior. Os alunos também estavam ficando cada vez 
mais perplexos diante da fúria contra algo que nem sequer conhe-
ciam suficientemente. Explico. Quando, nós, os linguistas de hoje, 
começamos os nossos estudos iniciais no campo da linguística, há 
l rinta, vinte, ou mesmo dez anos atrás, tínhamos uma boa base nos 
princípios da gramática tradicional. Na verdade, a nossa "conversão" 
, 1 va ciência se deu precisamente em virtude do fato de que éramos 
1 i1p,1z , de cotejar o velho e o novo e, dessa forma, chegar às nossas 
pt >1 l. s onclusões a respeito da superioridade da linguística moderna 
10 
1 111 tt•l.1~. o , g1.1111 ,1li .1 l ,\li lon, l ' , tH' '. 11 1 l.1cl d 1 'V(' < 111~.1 
111 111 •111 •n t t• 0rr i' d,' r or isso m sm r r m nl posl s ob 0Jh ,1r 
e 1 11 l o. /\ ont que os nossos alunos, principalmente aquel s qu 
" t, o m ursos introdutórios, com frequência, não têm a mesma 
t,1111 ili ridade com a chamada gramática tradicional ou normativa e, 
111u ilo menos, com os princípios e preceitos que norteavam o traba-
111 0 1 or trás daquelas obras. A questão é que os livros didáticos de 
llllj' são, em muitos casos, fortemente influenciados pelos avanços 
ti< ,mçados na linguística. Até mesmo termos técnicos como sintagma 
110111inal, estrutura profunda, deslocamento à esquerda, referência, pressu-
1111s10, coesão etc. são assiduamente empregados pelos autores desses 
1 vr s. Ou seja, muitos alunos já foram expostos à terminologia da 
ll11guistica moderna, muito embora nem sempre de forma adequada 
cn1 sistemática. O que lhes falta é, em muitos casos, conhecimento 
l1ll mático da gramática tradicional. Quando nós os encontramos em 
11 w1 os cursos introdutórios, a nossa forma de ensinar não é muito 
1 l l f rente da forma como fomos apresentados à linguística moderna: 
por intermédio de uma crítica ferrenha à gramática tradicional. Creio 
q11 1 há uma necessidade urgente de aprender a lidar com os alunos de 
lioj , que tiveram uma formação diferente da nossa. Não estou dizendo 
om isso que devemos voltar a ensinar a gramática tradicional; longe 
1 l l11so, estou dizendo que precisamos urgentemente pensar em novas 
e•. l r tégias de abordar a linguística, já que a velha tática de apresentar 
1 linguística moderna discutindo as limitações da gramática tradicional 
11 , o funciona mais pelos motivos expostos. É preciso chegar aos nossos 
,tlunos, ao invés de esperar que eles cheguem até nós. 
Aprender a falar com o público geral não é muito diferente de 
1pr nder a ensinar. O conteúdo por si não convence ninguém. É 
p ciso pensar as formas de se comunicar. E, como, já disse, voltar-
nos sobre nós mesmos, vez por outra, e perguntar se não haveria 
e• q ço para repensar e rever as nossas posições. Por que devemos 
p.1rtir da premissa de que somos nós que temos o que ensinar e 
c• I só que aprender? Se um pai pode aprender com o próprio filho 
(p r que não?), e um professor pode aprender com o aluno - al-
p1tns dos textos que escrevi e dos quais ainda me orgulho foram 
11 spirados em perguntas feitas por alunos durante a aula - por 
11 
n111 1 n 
t I qu< pw ,, lto1v1 •1 d)',11 11,1 ,d 1 lo i, 1 op ul.1t qu 1 H •j, 
p ·quiH do '? 
O fato é que, como já diss , linguística sempre destratou a 
opinião pública - a mesma que agora quer conquistar. O leigo não 
sabe de nada. O gramático tradicional sabe muito, mas tudo errado. 
Não é com base nessas premissas que a linguística vai ter alguma 
aceitação junto à opinião pública. 
Quando me refiro a uma linguística crítica, quero, antes de mais 
nada, me referir a uma linguística voltada para questões práticas. 
Não é a simples aplicação da teoria para fins práticos, mas pensar a 
própria teoria de forma diferente, nunca perdendo de vista o fato de 
que o nosso trabalho tem que ter alguma relevância. Relevância para 
as nossas vidas, para a sociedade de modo geral. Como dizia Horkhei-
mer, a teoria crítica se distingue da teoria em seu sentido tradicional 
ao partir de uma importante premissa que é de ordem existencial: 
que as coisas podem ser diferentes da maneira em que se encontram. 
Ou melhor, é possível mudar as coisas, ao invés de nos contentar em 
simplesmente descrevê-las e fazer teorias engenhosas a respeito delas. 
Acreditar numa linguística crítica é acreditar que podemos fazer 
diferença. Acreditar que o conhecimento sobre a linguagem pode e 
deve ser posto a serviço do bem-estar geral, da melhoria das nossas 
condições do dia a dia. É também acreditar que o verdadeiro espírito 
crítico tem de estar voltado, vez por outra, para si próprio. É preciso, 
em outras palavras, submeter as nossas práticas ao escrutínio crítico. 
Para isso, é necessário nos lembrar, com frequência, que podemos 
estar errados sobre esta ou aquela questão. E, finalmente, acreditar 
que nunca é tarde para aprender e nunca se sabe de quem se pode 
aprender a nossa próxima lição. 
O falecido filósofo inglês, J. L. Austin, de quem sou fã confesso, dizia 
que a sabedoria popular contém muito mais do que reconhece a nossa 
v filosofia. Recomendava a todos que queriam se iniciar na filosofia 
qu começassem comprando um bom dicionário. Dizia que as nossas 
1 ngu s, talhadas no uso continuado por gerações e gerações de usuários, 
onl m dicas preciosas sobre muitas coisas e que são, em muitos casos, 
p1 ·<1 <'rfv is às engenhosas distinções inventadas pelo filósofo solitário 
12 
t'lll 1 c111 dc •l 1 lo. N. o ln , 'e llop< 11d1,n 11 1 qu • l< 1v< .1 IM< ,1d,1 j',< 1111.d d<• q11<· 
,1 11nlc ,, dif <'r ·11~,1 •ttt 11 1 d1 1I rio ' L •ori, é qu , , nLr. r i 1 prim iro, 
q11c 1 s li t. ri , • s 1gl111 l 1 s d d maneira col tiva e contagiant ? 
~ pr ciso s utar m is o leigo e prestar mais atenção à sabedoria 
1>< pular, se quisermos manter um diálogo profícuo no qual contextos 
.11 < r ntemente diferentes - leigo e acadêmico - possam mostrar 
tlll interação - que, aliás, existe, apesar de algumas controvérsias. 
A iência pensa a vida e, como tal, pensar sobre a vida não elimina 
p •nsar em vida. É um engodo criar um espaço estratosférico para 
,, vida da ciência, pois sem o oxigênio vital que nos cerca podemos 
p, r r de respirar e de nos alimentar da vida (aliás, não é este o ob-
J Lo maior da ciência?). Pensar sobre indica distanciamento; pensar 
1•1n indica o mergulho. No entanto, ambas as posições comungam no 
p nsar:não há como excluir ramos de uma mesma teia. 
As propostas contidas nos textos a seguir fazem parte de um 
l r balho contínuo. A ideia de oferecê-las ao leitor tem como objetivo 
c•stimular um debate - a única forma de aguçar as nossas próprias 
ideias a respeito e levá-las adiante. 
Gostaria, antes de encerrar esta apresentação, de registrar meus 
.1graqecimentos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico 
1 Tecnológico (CNPq) por ter apoiado as minhas pesquisas durante 
l dos estes anos (Processo nº 306151/88-0) . 
Campinas, 12 de _junho de 2003 
PROF. DR. KANAVILLIL RAJAGOPALAN 
Professor Titular na área de Semântica e Pragmática das Línguas Naturais 
Departamento de Linguística 
Universidade Estadual de Campinas 
13 
inguagem e ética 
/\LGUMAS CONSIDERAÇÕES GERAIS 
Questões de ordem ética, via de regra, não são levantadas 
qu ndo o que está em pauta é a língua natural. Isso tem a ver justa-
m nte com o fato de a língua ser considerada um fenômeno natural. 
l!xiste uma crença, amplamente compartilhada, de que a natureza 
cl 1 conhece qualquer espécie de ética. Ninguém, por exemplo, discute 
,1 dimensão ética de um desastre natural, como um terremoto, por 
c•x mplo. As questões éticas podem ser levantadas, isto sim, no que 
diz respeito às atitudes das autoridades - se elas poderiam ou não 
11.1 r tomado as providências necessárias antecipadamente, inclusive 
divulgando a tempo os eventuais avisos emitidos pelo departamento 
d1.1 sismologia; se os órgãos de serviço público como polícia, corpo de 
bombeiros, médicos etc. poderiam ou não ter socorrido as vítimas 
1 om maior presteza e empenho etc. O acontecimento em si, quando 
c percebido como além do controle humano direto, como no caso 
c le um terremoto, é entendido como algo acima das considerações 
11l icas - exceção feita às práticas de nos queixarmos contra as for-
~· s do mal, ou contra deuses contrariados etc., que fazem parte das 
ntperstições e mitos. Mesmo nesses casos, é interessante frisar que 
o evento é antes desnaturalizado para então lhe serem atribuídas 
1 onotações éticas. Resumindo, o pressuposto amplo que sustenta 
h a parte de nossas discussões relativamente à questão ética é o de 
e 1ue só se pode falar em ética quando estão em discussão ações in-
15 
PI li 1 IPI "~1 1 n n1 n n111 r, n 1 11r" 
l t' l l( lo11,1l1 p 1,1ti< ,1cl ,1, p(lt ol)',1'111<' 1111111 ,111 0 , 11 0 'X 
' s 1 n L n , v n L, 1 
elo l 1 11 u.i l lvr• 
Não é difícil perceber, portanto, que enquanto est iver comprometido 
com a tese de que a língua é um fenômeno, um produto natural, fica 
difícil levar adiante qualquer discussão acerca das possíveis questões 
éticas dela decorrentes - o que, decerto, não acontece nas abordagens 
teóricas que preferem encarar a língua como um fato social, produto de 
ações de seres humanos organizados em comunidades etc. É por esse 
motivo que a corrente gerativista tem demonstrado uma certa ambi-
guidade em relação à responsabilidade ética do teórico da linguagem. A 
título de exemplo, vale a pena nos deter um pouco no seguinte trecho, 
citado sem recortes ou interrupções, da conversa entre Noam Chomsky 
e Mitsou Ronat (Chomsky, 1977: 3)1: 
M. R. : Paradoxalmente, seus escritos políticos e suas análises sobre a 
ideologia imperialista norte-americana parecem ser mais bem conhecidos, 
aqui na França e nos EUA, do que a nova disciplina que você criou: a 
gramática gerativa. Isso nos leva a perguntar: você vê alguma ligação 
entre seus estudos científr.cos - o estudo da linguagem - e suas ativi-
dades políticas? Por exemplo, nos métodos de análise? 
N. C.: Se houver uma conexão, ela se dá num patamar bastante 
abstrato. Eu não disponho de nenhum acesso a métodos inusita-
dos (unusual) de análise, e todo o conhecimento especializado que 
possuo acerca da linguagem não tem nenhuma influência imediata 
sobre questões sociais e políticas. Tudo o que tenho escrito sobre 
essas questões poderia ter sido escrito por outro qualquer. Não há 
nenhuma conexão direta entre as minhas atividades políticas, artigos 
etc. e o trabalho sobre a estrutura da língua, embora de alguma 
forma ambos provavelmente derivem de determinadas afirmações 
comuns e atitudes em relação a aspectos básicos da natureza hu-
mana. Parece-me que a análise crítica na esfera ideológica é matéria 
1 As conversas foram publicadas primeiro em francês, sob o t ítulo Langue, linguistique, 
/JOll l ltf111': dialogues avec Mitsou Ronat. Paris: Flammarion, 1999 e, posteriormente, em inglês, 
111 111 o r h L mativo título de Language and Responsibility [esta é a edição aqui utilizada] . 
16 
IJ 11 11,ljl ''"' 1 11"1.f' llJr'fiHlllllf''tl'' 'Jll"Fl fii 
1>.1 t.11111 1 l.1< il d • t• e w11p11 1t• 1HI , <'lll om1>< " , o,, uiní'.I ,1[ or<lLg 1 111 
q ( • t qtt<' urn 1•,r,lll cl' , bstr ç onceptual. 
É int r ssant observar nessa resposta que Chomsky descart a 
1u lquer possib ilidade de que as teorias que elaboramos sobre a 
li nguagem venham a ter implicações de ordem ideológica e política, 
t' portanto, a fortiori, éticas. Ou seja, a afirmação de Chomsky de 
1ue a ciência e política nada têm a ver uma com a outra não é uma 
,\firmação feita por um linguista; a afirmação de Chomsky parte de 
, lguém que está tomando uma posição no campo do saber que de-
nominamos 'filosofia da ciência' . 
É de grande relevância para nossa discussão a origem do título 
lo livro do qual foi extraída a longa citação acima. Trata-se de uma 
uriosidade editorial. O livro original em francês não mencionava a 
p lavra 'responsabilidade'; dizia apenas Langue: linguistique, politique: 
dialogues avec Mitsou Ronat. O diálogo que deu origem ao livro havia 
,1 ontecido de forma bilíngue - a entrevistadora fazendo as suas per-
puntas em francês e o entrevistado respondendo a cada pergunta em 
H u idioma de preferência, o inglês. Depois da publicação do livro em 
francês, surgiu a ideia de uma versão em inglês para o público norte-
mericano. Segundo nos relata John Viertel, o "tradutor" encarrega-
lo pelo próprio Chomsky, descobriu-se que as fitas com as gravações 
e riginais "não estavam mais disponíveis" (p. vii) - de tal forma que 
o conteúdo da versão inglesa precisou ser praticamente "reconstruído" 
(, expressão é do próprio tradutor) e não simplesmente traduzido. 
1 talhe curioso: não há nenhuma menção quanto ao motivo pelo qual 
,1 palavra 'responsabilidade' recebeu tamanho destaque na nova versão 
cio livro, tendo sido estampada no próprio título. 
Voltando à questão da compatibilidade ou da incompatibilidade 
C'ntre a ciência e a política, ou melhor, das posturas assumidas por um 
l ntista (no caso, linguista) enquanto cientista e enquanto cidadão 
< mum e portanto um ser político, é preciso chamar a atenção para 
11 m possível deslize de raciocínio e um possível equívoco decorrente 
li sso. Uma questão é argumentar, como o fazem o próprio Chomsky 
17 
' 1,1111 0. rnt l 101 1 qu t• 1 ll11 g 11 .1 1• 11 d 1•v1• 1 c• t .11 o d.1 l,1 t m uni ol j •o 
d<> mun 1 n tu r 1. J\ ulr, q 1 t, o, orn1 l t~m nt difer n t inde-
p nd n t da prim ira, é perguntar se h averia ou não qualquer ligação 
ntre as categorias que postulamos em nossa tentativa de teorizar a 
linguagem e a postura político-ideológica que assumimos em outras 
ocasiões e a respeito de outros assuntos. Isso porque a premissa de 
que a língua seja um objeto natural não é suficiente para concluir 
que os conceitos e as categorias que postulamos em nosso esforço 
de compreendê-la também sejam objetos naturais. 
Acredito que nossas teorias sejam tentativas de fazer sentido para um 
mundo real que, na ausência de tais teorias, deixar-nos-ia embasbacados 
diante de tantos fenômenos que escapam ao nosso senso comum, ou seja, 
nós seres humanos somos por força de nossa própria natureza criaturas 
que teorizam compulsivamente2• Ora, dentro dessa perspectiva, é perfei-
tamente possível que embora partam de uma necessidade imposta pela 
própria naturezahumana, as teorias que defendemos reflitam os anseios 
do momento histórico em que propomos e defendemos as nossas ideias. 
Em outras palavras, percebe-se a perfeita compatibilidade entre a ciência 
e um posicionamento político-ideológico. Melhor ainda, percebe-se que 
mesmo por trás das teorias que possam ostentar uma aparência de mais 
alto nível de isenção e neutralidade podem estar presentes propostas de 
cunho político-ideológico. É lícito, em outras palavras, perguntar quais os 
motivos e programas secretos que estão por trás de certas teorias e que 
as ajudam a ganhar destaque e aceitação quase que instantâneos entre os 
membros da comunidade acadêmica e mesmo fora dela. 
No campo da linguística, é bem verdade que os pesquisadores 
que lidam com a chamada "pesquisa pura" tendem a relegar a um 
segundo plano qualquer discussão a respeito das consequências éti-
cas de suas elucubrações teóricas ou mesmo negar sumariamente 
(Rajagopalan, 1999b) que elas existam. Deborah Cameron, autora 
~ f. Rajagopalan, 1998b para uma discussão maior - esta questão é, sem dúvida 
po l m i , . V ja, por ex. Thomas, 1999. 
18 
cl • 11 111 livro 1>.1111.11111 1 111 111 •n l.1clo (d . '1 n 1t•to 11 , 1 DH! ), 110. t •l. \l 1 o 
s uint ' 1 is li o <> orrl clo num on urso doe nte, d qu 1 p rli ipou 
orno candidata logo pós ter concluído uma versão preliminar do 
referido livro. Ao ser informado sobre o título do livro que acabara 
de t erminar, a saber Feminism and Linguistic Theory, um dos membros 
da banca examinadora exclama: "Mas, espera aí, isso não é igual a 
escrever um livro sobre linguística e jardinagem orgânica?" (Cameron, 
1985: 2). A autora prossegue, afirmando que talvez a reação não 
fosse tão negativa se o título fosse algo como Marxismo e a teoria 
linguística. Embora a intenção da autora fosse, com certeza, salientar 
o relativo desprestígio do feminismo em face de outras ideologias de 
respeitabilidade assegurada como o marxismo, devemos discordar dela 
quanto à possível aceitação pelos linguistas pertencentes ao chamado 
"núcleo duro" de uma obra com o título sugerido. Em primeiro lugar, 
convém lembrar que o título do livro de Voloshinov (1977), bastante 
divulgado no Ocidente, contém a palavra "marxismo", porém faz par, 
não com "a teoria linguística", e sim com "a filosofia da linguagem". 
Na linguística oficial, a chamada mainstream linguistics, a situação é 
bem diferente. Não por acaso Newmeyer, marxista declarado e de 
carteirinha, se acha devendo ao leitor do seu livro Linguistic Theory 
in America (Newmeyer, 1980) uma explicação do porquê da ausência 
da orientação marxista em seu empreendimento historiográfico. Eis 
a explicação do autor: 
Algumas pessoas que me conhecem como um marxista podem ficar 
surpresas e, talvez, até desapontadas pelo fato de não haver nenhuma 
'análise marxista' clara dos eventos que descrevo. Porém, não me 
sinto na obrigação de pedir desculpas por isso. Simplesmente não 
há qualquer base para afirmar que a estrutura linguística (fora dos 
aspectos restritos do léxico) seja um fenômeno superestrutura! no 
sentido marxista desse termo (Newmeyer, 1980: xii). 
Diga-se de passagem (pois os detalhes mencionados a seguir não 
interessam ao argumento em desenvolvimento, apenas enfraquecem 
a explicação que o autor do livro oferece para sua análise não ideoló-
gica) que (a) "os eventos" a que se refere o autor não são linguísticos, 
19 
111.1 . p1•tt1•11C t llll 1 • li 1 to1 lop,1.ll1.1 di1 l l11g111~ li ·' ' IHI 1,\lllO dl H lpll 11t 
,, ,, l mi , rn i , um rbul 11 i<l • (b) própri autor, lgumas 
Jinh s cima do mesmo trecho, admitia o seguinte: 
Como não há historiografia totalmente não tendenciosa, seria 
utópico imaginar que um autor possa estar livre de posições ou 
crenças prévias que influenciem sua percepção dos eventos (ibid.). 
De todo modo, linguistas como Cameron sinalizam uma tendência 
cada vez mais evidente no campo da linguística, ainda que a maior parte, 
se não a quase totalidade, desses pesquisadores se situe nas subáreas 
·tradicionalmente tidas como periféricas ao "núcleo duro" - a saber as 
áreas "hifenizadas" e aplicadas. A título de exemplo, podemos citar o 
trabalho de Cameron et alii (1993), onde os autores discutem a questão 
das obrigações éticas que um linguista pesquisador assume, ou deveria 
assumir, ao se engajar em suas pesquisas e se discute em detalhe o 
episódio protagonizado por William Labov, que se dispôs a depor a 
favor de grupos minoritários (no caso, negros norte-americanos) em 
sua reivindicação contra uma certa secretaria de ensino estadual que, 
sem qualquer discussão, decidiu impor como único padrão de língua 
aceitável nas escolas o inglês padrão norte-americano. Trata-se do caso 
que mais tarde se tornou uma cause célebre, instigando o próprio Labov 
a escrever um famoso artigo (Labov, 1982), justificando sua decisão 
de abraçar a causa dos pais dos alunos, apresentando-se perante os 
juízes para pleitear que, do ponto de vista linguístico, além do inglês 
padrão dos brancos americanos, também existe, entre tantos outros, 
um padrão próprio à fala dos negros (o chamado American Vernacular 
Black English, AVBE), tão regrado e tão "lógico" quanto o outro. Embora 
louvável enquanto gesto de gratidão para com seus informantes, que 
tanto o ajudaram a realizar suas pesquisas e a colher os resultados, 
inclusive os benefícios materiais e profissionais de suas descobertas, 
a postura de Labov é submetida a uma reflexão profunda e crítica por 
C meron et alii (1993). A principal objeção levantada é a de que, ao se 
1 r por a falar em nome dos seus antigos informantes, Labov estaria 
1li mpl smente assumindo uma posição que imagina ser congruente 
e om s us interesses. Eis as próprias palavras dos autores: 
20 
1,,dH>V 1\ 1 () f,1lot1 1'11\ 1\!Hl\t' dt• todOI 011 t1q I OI 111 11 't C.1110 ; •lt• f :t., 
lt • to, u1 , ,' olh., n qu diz: r s it e rt ' int 'r'ss s q 1' 
i, L p i, r. C m rt za, é in vitáv 1 que as comunidad s brigu m 
uma diversidade de interesses. Mas se os membros dessas comu-
nidades não realizarem um debate interno, existe o perigo de que 
defensores externos acabem fazendo as escolhas por eles ( Cameron 
et alii, 1993: 85). 
Os autores prosseguem, partindo para uma crítica à tradição 
positivista de fazer pesquisa. Alegam que, enquanto estiver compro-
metida com tal tradição, a sociolinguística laboviana não terá como 
vitar cair nas armadilhas que o próprio modelo arma. 
Não é propósito deste texto discutir em detalhe todas as questões 
suscitadas por Cameron et alii (1993). Gostaria, no entanto, de chamar 
atenção para dois aspectos da probleqiática geral que foi objeto das 
observações desses autores. Como falar em nome de outro e com que 
utoridade? Em primeiro lugar, note-se que a questão ética é invocada 
nessas discussões a partir da premissa, nem sempre explicitada, de que 
o linguista tem o dever de ajudar os leigos, especialmente aqueles que 
serviram de informantes, como se fosse a quitação de uma dívida já 
ontraída. Em segundo lugar, presume-se que o que torna o linguista 
pto para ajudar os outros é o conhecimento especializado que ele 
possui, ou seja o linguista se auto-outorga um dever - junto com o 
dever, um enorme privilégio - na medida em que se considera de-
t ntor de um saber que lhe dá acesso às verdades sobre a linguagem, 
v rdades essas que, quando postas a serviço de todos, podem trazer 
benefícios e justiça para todos. 
O que sustenta a visão esboçada acima é a crença de que o saber 
1 m si está acima de qualquer consideração ética - o que nos conduz 
cl volta à questão com a qual iniciamos toda essa discussão, a sa-
l r, a de que não se discute a dimensão ética dos fatos da natureza 
p rque ela simplesmente inexiste. No fundo, o que impede que o 
t órico da linguagem tenha consciência do lado ético da sua atividade 
t' justamente a tendência a relegar toda a ética à esfera da prática.21 
l '1111 11~1 1111111 li 111 1 111111 11111 li 1 1 "· 1111 11 1 111~111 1 
Evicl( 1 11 lt• 11 u•11 t •, u rn q u t• 11 t lo 11 .1111t 11 10 1•t i l,l 1 . lu 1 011v •11 1011.1 1 , 
•s · r ''P ilo L r d om ç r p r um,1 r O. xão d tida d ssas 
crenças incrustadas . 
Como um primeiro passo nessa empreitada, tomemos consciência 
de que, independentemente do estatuto que se queira conferir à teoria 
em si, não se pode negar que a atividade de formular teorias é algo 
que se dá como parte de uma prática social. Dito de outra forma, as 
teorias são formuladas por pessoas que fazem parte de comunidades 
específicas (dentre as quais, as comunidades acadêmicas); as pessoas 
reagem umas às outras e propõem suas teorias, atendendo a certos 
interesses, muitas vezes ignorados por elas mesmas. Se concorda-
mos que a confecção de teorias é uma atividade que se processa sob 
determinadas condições sociológicas muito precisas, não há como 
não aceitar também a consequência de que elas reflitam, ainda que 
de forma sutil, os anseios e as inquietações que movem aqueles que 
estão por trás daquelas reflexões teóricas. 
Estamos, em outras palavras, no terreno da sociologia do co-
nhecimento, e não mais no da epistemologia do saber. Ao perguntar 
quais as considerações éticas, ideológicas e políticas que subjazem a 
determinadas posturas teóricas, estamos em verdade inquirindo as 
condições em que o novo "saber" se produz e se reproduz. Estamos 
procurando entender, entre outras coisas, quais os recortes que o 
novo saber efetua, e ao fazer isso, quais exclusões ele legítima. A 
preocupação principal aqui é dar largada a uma discussão acerca 
dessas questões com a esperança de que ela traga subsídios para uma 
maior conscientização do aspecto ético das nossas práticas teóricas. 
22 
inguagem e identidade 
; 
E lugar-comum na filosofia da ciência que todo esforço de 
1 l.1boração de teorias exige como primeiro passo a identificação e 
dt •limitação razoavelmente precisas do objeto de estudo. Evidente-
111t nte, a linguística não podia fugir à regra. No caso da ciência da 
ll11guagem, porém, há certos fatores peculiares que tornam um pouco 
111 ,lis delicada a questão da identificação exata do objeto. 
O que torna a linguística um caso à parte é que, na tentativa 
cl1 1 compreender seu objeto de estudo, a linguagem, ela é obrigada 
1 proceder valendo-se, enquanto instrumento de análise, do objeto 
111< smo, isto é, da própria linguagem - o que não acontece num 
1 .11npo do saber como, por exemplo, a botânica, onde o pesquisador 
1 tuda a flora e recorre à linguagem para descrever o seu objeto de 
1•, tudo e posteriormente documentar e divulgar os resultados . 
Como é sabido, há artifícios bastante engenhosos como a distinção 
1• 11tre "linguagem-objeto" e "metalinguagem" que foram instituídos 
p.1ra afastar qualquer possibilidade de "contaminação" ou "distorção" 
(< f. Eaton, 1996) do objeto de análise pelo instrumento de análise 
1 vice-versa. 
Permanece, porém, o fato de que tais recursos foram adotados 
j11 . tamente para evitar que a necessidade de o linguista utilizar o 
próprio objeto como instrumento de análise faça com que sua em-
23 
I' li llflA 111111111 Ili 111111 1\ 1111111\11~1 1 11 1111111 li\ 1 IJ\11 11\111111 1\ 
p1 <1it,1cl .1 1t 1j,1 viHl1\ (() Ili() .ligo d f l'I t 111 (1 cl.1 l 1111 ,tiH 'r 1, 8 i 1111 ÍI Ml. 
Ou j , rn i r ju Li 1 , Liv, p.1 ,, postul ,1r up st distinçã r tr 
o obj to e o instrumento, ainda qu os dois sejam indistinguíveis 
um do outro •sob qualquer outro prisma, é a necessidade premente 
de reivindicar para a linguística o status de uma ciência com todo o 
enorme respeito que essa palavra inspira em nossos meios (cf. Ra-
jagopalan e Arrojo, 1992). Afinal de contas, é um fato incontestável 
que a linguística, desde a sua inserção no mundo acadêmico como 
uma área importante do saber, fez questão de se projetar como uma 
ciência com todo o rigor da palavra. Segundo autores como Sampson 
(1980), a escolha da linguística como "a rainha das ciências humanas" 
no início desse século deveu-se, em grande parte, ao enorme prestígio 
que a própria palavra "ciência" adquirira junto às grandes massas de 
leigos, bem como à insistência por parte dos linguistas em caracte-
rizar sua área de estudo como uma ciência e assim distingui-la dos 
esforços de seus antecessores, entre eles os filólogos e os gramáticos 
"tradicionais". Ou seja, ironicamente, a linguística foi eleita como 
modelo para as demais ciências humanas por adotar - ou melhor 
dizendo, imitar - os métodos das ciências exatas e se distanciar dos 
procedimentos mais comuns nas humanas. Em seu livro Politics of 
Linguistics, Frederick Newmeyer defende a autonomia da linguística, 
afirmando que ela se preocupa em 
abordar a lii;guagem como um cientista natural estudaria um fe-
nômeno físico, isto é, concentrando-se naqueles seus atributos que 
existem independentemente ·das crenças e dos valores dos falantes 
individuais de uma determinada língua ou da natureza da sociedade 
na qual a língua é falada (Newmeyer, 1986: 5-6). 
Todavia é possível constatar na literatura recente uma certa in-
quietação crescente em relação à pouca semelhança entre a linguagem 
1 qual vislumbrada pela linguística enquanto objeto de estudo e a 
1 in uagem como percebida e vivenciada pelos leigos, como também 
1wl s especialistas em outras áreas de conhecimento. Como chega a 
d1rnh r Segerdahl (1995: 41): 
24 
1 ... 1.1 llnp,11111 1 , , 11 , 11 Vt'l l ti .w1 /J11• ,dgo I li 1 t•xl1it 1 l11d1 1 1•11d1•1111•11H 1111 
cl1 1 :-il 111 •1m1,1 . A li11gl1 , ti , , e ir v s, um rnod artifl in/ d Lr, t, r 
cl .1 no ', Jingu g m qu , st sim, xist ind p nd ntem nt d lc. 
Yngv , autor do livro Linguistics as a Science (Yngve, 1986), é 
111 .11 1-1 ntundente ainda quando afirma que a linguística não terá 
111•11huma utilidade social, nem tampouco credibilidade acadêmica, a 
1111111 s que adote uma atitude científica mais apropriada tanto em 
11•l,1 ão a seus métodos como no que tange a seu discurso. A crescente 
111 • pção por parte de uma parcela significativa de pesquisadores de 
qt1t 1 hegou a hora de repensar os fundamentos é curiosa, pois até 
l 11 tn pouco, os teóricos raramente se mostravam constrangidos com 
11 l .1 Lo de a linguística ter deixado de lado a própria tarefa de explicar 
11 11 nômeno da linguagem (por mais estranho que isso pareça!). Em 
ttil ula inaugural, proferida na Universidade de Londres em 1983, 
Nc• 1 Smith (1983: 4) foi surpreendentemente direto e categórico ao 
d1tmar que "a linguística não versa sobre a linguagem, nem sobre 
t lfnguas, pelo menos estas não estão em seu foco; ela versa sobre 
t gr máticas." Na verdade, Smith estava apenas ecoando as palavras 
de • Ch~msky (1980: 129), para quem" ... a linguagem é um conceito 
ele 1 ivativo e talvez algo não muito interessante." 
O objetivo deste capítulo é pleitear que nós, linguistas, devemos, 
1 11m urgência, rever muitos dos conceitos e das categorias com os 
q11.il estamos acostumados a trabalhar, no intuito de torná-los mais 
1111 quados às mudanças estonteantes, principalmente em nível social, 
r 11político, e cultural, em curso neste início de milênio. Como bem 
lt ala Hutton (1996: 209), "a linguística talvez seja a disciplina que 
111.tls encarna o espírito do século XIX dentre as que são ensinadas nas 
1111 v rsidades hoje". Os nossos conceitos básicos relativos à linguagem 
f 111, 11n em grande parte herdados do século XIX, quando imperava o 
11 111, "Uma nação, uma língua, uma cultura". Previsivelmente eles estão 
1 mostrando cada vez mais incapazes de corresponder à realidade 
v la neste novo milênio, realidade marcada de forma acentuada por 
1111v fenômenos e tendências irreversíveis como a globalização e a 
25 
1 1111 IJ\11\ 11111111 1 111 l 111111 llllltll 1 fol 1 11111'11111Mlll 1 \ Ili 1 '1 1 Ili 
l11t •r,,ç, o t 11H r • tllu .1H, 0111 011, •qu 11c l,1, lirL.1s s 1 r' 1 vi l,1 1 o 
ompor amento cotidi no dos pov , in lusiv no qu diz r sp i o a 
hábitos e costumes linguísticos. 
O próprio conceito de língua está aí como prova cabal. Do modo 
como é conceituada, a língua é tradicionalmente entendida como 
algo fechado em si e autossuficiente. Para Saussure (1959), o pai da 
linguística moderna, tratava-se de uma questão óbvia demais para 
merecer qualquer discussão mais aprofundada. Todo mundo sabe o que 
é e o que não é pertencente a qualquer língua x. Max Muller, grande 
linguista alemão do século XIX, foi taxativo em sua afirmação de que 
inexistem línguas "mistas" (cf. Muller, 1871). O preconceito contra a 
miscigenação linguística está presente, por exemplo, no modo como 
são tratadas até hoje as línguas "pidgins" - marginalizadas por não 
possuírem a pureza de 24 quilates que se credita às línguas "normais" 
(Thomason e Kaufman, 1991). Os linguistas do início deste século 
adotaram como princípio norteador a ideia de que todas as línguas são 
funcionalmente equivalentes, ou seja, todas elas são igualmente dota-
das de recursos para atender a todos os interesses dos seus usuários. 
Sucessivas gerações de linguistas adotaram-no como um pressuposto 
teórico autoevidente e não merecedor de qualquer averiguação em-
pírica. A título de exemplo, Lippi-Green (1994: 165) sugere que, na 
falta de prova em contrário, a "tese básica" deve ser mantida intacta. 
Ora, o fato é que o conceito de "língua" que os estudiosos adota-
ram a priori, ou seja, antes mesmo de qualquer verificação empírica, 
não admite qualquer possibilidade de que as línguas encontradas no 
mundo real - sobretudo nos dias de hoje, quando os contatos entre 
os povos estão se processando na velocidade da luz e em volumes ini-
magináveis algumas décadas atrás - possam evidenciar instabilidades, 
não passageiras, mas estruturais e constitutivas (Rajagopalan, 1997b, 
l998a). Isto é, enquanto se insistir numa definição do que é a língua 
m primeiro lugar, definição que parta da ideia de que todas as línguas 
. t nstituem em sistemas autossuficientes, simplesmente não se pode 
111,1gin r que qualquer "dado empírico" recolhido de forma aleatória 
26 
p111 , 1 lllll d ,1 V 1 ,1 1110 t 1 li ti 11111 1.1\ t'll cl.Hllll l.t 1111 111,1 d1 1111 \ 11 1 
 e t( ' li''' 11, •xi:1 l 11< ,, clt• d.H los rn 11ll(' 11101 e 1111 e 111 1111 e1 
11111 dos rniL s 1u ,1ind. r nd m i • ii 1h rio do e •111 t 1
1 
11. 11 
1il11l11 l t do sr nles esforços por par d ti :ofm1 d.1 e i 11< .1 
1111110 Kuhn (1962) e Feyerabend (1975). Nas palavras d Jo'ish ( 1 DHO), 
.1 vt•rd deira proeza seria encontrar uma teoria que não funcionass • 
(). que a reação instintiva por parte do defensor convicto da teoria, 
111•t,mte o surgimento de evidência contrária, é a de desqualificar e, 
1 111 seguida, descartar o "dado" rebelde como "não relevante"). 
O que torna o conceito clássico da língua cada vez mais difícil 
rlc• sustentar é que ele abriga não só a ideia de autossuficiência, mas 
t.1111bém faz vistas grossas às heterogeneidades que marcam todas 
,, omunidades de fala. Isto é, as diferenças são tratadas como fe-
11 menos contingentes a ser estudados num segundo momento. Nas 
p.davras de Fairclough (1992), a língua é abordada como ela poderia 
1•r num mundo ideal e paradisíaco e não como ela de fato é em 
110. so mundo vivido. 
Da mesma forma que a língua é conceituada em termos de tudo 
e 111 nada, os falantes dessas mesmas línguas também são classificados 
1•m termos categóricos, isto é, como nativos ou, se não, obrigatoria-
111t•nte não nativos em relação a qualquer língua específica (a qual, 
por sua vez, passa a ser ou "materna" ou, se não, forçosamente "es-
11.mgeira" com respeito a cada um daqueles falantes), não permitindo, 
1 l1•ssa forma, qualquer possibilidade de categorias mistas. Embora, 
111 gavelmente, tenha sua função heurística em um primeiro mo-
111 nto, tal manobra vai de encontro ao fato de que o multilinguismo 
1 • ·tá se tornando cada vez mais a norma e não a exceção em nosso 
mundo. Como diz Desai (1955: 20), o "multilinguismo já é a língua 
f , nca da África". As palavras do referido autor têm igual pertinên-
c i, para outros continentes e "subcontinentes" como a Índia, bem 
1 orno para as novas realidades geopolíticas como a União Europeia. 
l!ste aumento exponencial e, ao que parece, irreversível, de casos de 
111ultilinguismo se deve, de um lado, a ondas migratórias envolvendo 
27 
<' do 
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!', .rn l ·1 m ,11 i .H:J d • po1 ul.1 ~. o 111> (• 11 , tio ""'" 11,11 p< 
ulr 1 do , p pul ri:t , o d, i nf rm Li 
distâncias en tre continentes, resultando no contato cr · sccnt entre 
povos (Rajagopalan, 1997a, 1998a, 1999d). 
Ao fazer vista grossa às mudanças geopolíticas em curso no 
mundo inteiro, mudanças com resultados concretos plenamente 
visíveis a olho nu, a linguística de hoje mostra sinais de querer se 
enclausurar numa torre de marfim, contemplando, com saudade, o 
mundo perdido de identidades fixas e delineadas uma vez por todas. 
Como. chega a exclamar Donald Davidson, filósofo norte-americano de 
grande repercussão internacional, a facilidade com que costumamos 
falar de línguas tende a ofuscar o fato elementar de que tais entes 
inexistem no mundo real, mas são verdadeiros construtos criados em 
resposta a certas demandas históricas. O perigo reside em acreditar 
que, uma vez reificados, tais objetos estariam imunes a quaisquer 
questionamentos quanto à sua utilidade contínua. 
Num mundo em rápida transformação como o nosso, tal ati-
tude ameaça condenar a linguística à total irrelevância, sobretudo 
em comparação a disciplinas conexas como a sociologia, onde o 
questionamento dos próprios alicerces e conceitos básicos (veja, por 
exemplo, Wellerstein, 1991) só tem trazido ótimos subsídios para a 
adequação dos mesmos a novas realidades. 
28 
·nguística e a política 
representação 
A ideia de que a função principal e imprescindível da lingua-
1 ltl seja a de representar o mundo está muito fortemente arraigada 
1 11 t r nós e escancaradamente presente em quase todas as teorias 
ll11guisticas. Não é à toa que a gramática tradicional sempre pres-
1 l): lou a forma declarativa das sentenças. Acreditava-se que em sua 
1111 ma declarativa a sentença exprimisse um "pensamento completo", 
11 qu 1, por sua vez, pudesse então ser "cotejado" com a realidade 
t r linguística para se saber se era verdadeiro ou não. 
Em seus primeiros modelos de análise sintática, a gramática 
1• 1,1tiva (que, nesse particular, simplesmente seguiu a orientação da 
1,1 mática tradicional) postulava regras t ransformacionais para con-
e t t r sentenças declarativas em interrogativas ou imperativas, mas 
11 1111 ca na direção oposta. Evidentemente, a ideia subjacente era a de 
q11c • forma declarativa deve ser considerada como a forma canônica, 
pois é mediante essa forma que a sentença desempenha sua função 
1 e nt ral de representar o mundo. Na verdade, a justificativa nem era 
l c 1 t, nesses exatos termos, já que a questão da represen tação fazia 
I'" ti dos pressupostos de todas as discussões. 
Apenas para citar mais um exemplo de abordagem linguíst ica, 
1 Ir ta vez de orientação funcionalista, o modelo de análise proposto 
29 
1 r l Lalli l< y pr 1 i i<i lu 1.1 1 • l 1 ·t.1q 1 1 lunç. o "i d " ion,1 1" ( •n 
inglês, ideational) - a qual, de acordo com a d fi.nição forn id por 
Crystal (1980: 178), 
se refere ao aspecto do significado relacionado à consciência cogni-
tiva, por parte do falante, do mundo externo, ou (numa definição 
behaviorista) aos estados de coisas objetivamente verificáveis no 
mundo externo. 
Na tradição lógica, a atenção também sempre se concentrou na 
forma declarativa, entendida como a forma que melhor exprime uma . 
proposição completa. À sentença interrogativa, por exemplo, corres-
ponderia uma proposição incompleta, já que a forma lógica de uma 
pergunta conteria uma lacuna, sinalizadapor uma variável, sendo 
que, do ponto de . vista da lógica, uma pergunta nada mais é do que 
um pedido para que o interlocutor forneça o termo que, ao substituir 
a variável, complete a proposição. Assim, a lógica erotética (a que es-
tuda as sentenças interrogativas) é vista como uma simples extensão 
da lógica clássica e binária, ao contrário das lógicas polivalentes, que 
se constituiriam num desafio à tradição lógica (cf. Haack, 1978: 4). 
Até mesmo nas abordagens teóricas mais atuais como a teoria dos 
atos de fala (tal como trabalhada por John Searle), vê-se uma nítida 
preocupação de privilegiar a força ilocucionária de asserção (cf. Sear-
le, 1969; Searle e Vanderveken, 1985). Searle propõe que, da mesma 
forma que um ato de asserção está sujeito a um compromisso, por 
parte do emissor, com a verdade da proposição afirmada e uma série 
de outros requisitos, uma ordem, uma promessa etc. - enfim, todos 
os demais atos, também teriam "condições de satisfação" (conditions 
of satisfaction) semelhantes, que podem ser pensadas, usando-se como 
modelo as condições que "satisfazem" o ato de asserção. 
Em todas as abordagens examinadas até aqui, conforme vimos, 
, t se do representacionalismo faz parte dos pressupostos sobre a 
linguagem. Como diz Korg (1977: 977): "As línguas não podem, sob 
f H'll.1 l deixar de ser línguas,· escapar às suas funções representacionais 
1 1•xp 'ssivas" . Por se tratar de algo que subjaz, que legitima, o resto 
30 
1111 ,, < 11·11~.i 1111 p1of1111d,1 '" 111< 1 cl.1 l 11• 11 .1w 111 , , 11111111111 
1tbt1H'Llcl,1 1\ \llll l'Xil tlH ' li (), 
lJ1n , for cl' inlt•rro r noção d r pr 1wnl,1~. o, 11 , 1w 11 
1l111n, cl 1• rnpr nd r ua importância na hist ri< do pp11 !1,1111t 111to 
111111 ,, lingu g m dev rá começar pelo reconhecimento d qu 1 • l '.'t' 
111 1 Ppr 'S ntacionalismo é, ao mesmo tempo, uma lamentação e uma 
d desejo. Ela é um gesto de lamentação, porque afirma a 
111 1p,1 idade dos seres humanos de apreenderem o mundo numenal 
1 1 1 qu l (em oposição ao mundo fenomenal); a linguagem, diz ela, 
111•1 :t. m nte, se coloca como uma barreira entre a mente humana e 
1111111 lo, dificultando qualquer apreensão deste de maneira direta 
1 1111 •rgueu toda a sua "epistemologia transcendental" a partir daí). 
l 111 1111lro lado, ela também é uma expressão (digamos, até patética) de 
1111 d1 1H jo, pois elege como condição ideal (embora confessadamente 
li 11 11g vel) da linguagem a total transparência, qualidade que tornaria 
l' 1t 1 .1mente ,inconsequente o papel intermediador da linguagem. 
1 )j o de outra forma, a tese do representacionalismo se alicerça 
q11ilo que Jacques Derrida chama de a "metafísica da presença". O que 
l.1111 nta é, no fundo, a impossibilidade que a linguagem nos impõe 
• I' 11 os significados se apresentem sem qualquer intermediação. Dessa 
11111.1 1 a tese do representacionalismo na verdade esconde o sonho de 
l'''','/1111tação, de uma espécie de "epifania", do significado - o sonho, 
tl1 <'jo, de, enfim, desvencilhar-se da própria linguagem humana. 
1 , o ideal mesmo seria que o mundo pudesse mostrar (apresentar) 
1 l.1 sem a intermediação da linguagem e que as mentes huma-
p11dessem comunicar-se entre si sem ter que recorrer ao uso de 
1v,11.1 - uma ferramenta, afinal, tão imperfeita! Por mais paradoxal 
f"' p.1reçam, as nossas teorias da linguagem, erguidas em sua grande 
11l11ri<, sobre a tese do representacionalismo, são, no fundo, desejos 
111111 ssos de superar ou transcender a própria linguagem, como, por 
1111 lo, por meio da telepatia (cf. Rajagopalan, 1996b). 
A ideia da "apresentação" também foi, conforme nos costumam 
111l>tt1r os historiadores, a precursora da nossa concepção de democra-
31 
l.t 1 •pr '8 •11t.1 i Hi.11. N, o 
do b rço da d moer i 
f lll l ili,, li 
m l rn. 
ateniense era, ou pelo menos se supô 
lll t • t 1 •mi ,\ Ollf l.int •111 •nl 
ntig . A d m r i 
que fosse, o "suprassumo" (ou, 
o caso limite) da r~presentação - a apresentação. Pois cada cidadão 
"representava" a si próprio, ou equivalentemente, se fazia presente, 
isto é, se apresentava, na assembleia. A voz de cada cidadão era ouvida 
pelos seus pares sem qualquer intermediação, ou instâncias representa-
cionais. A implicação clara é a de , que boa parte das deficiências que 
os sistemas democráticos de hoje evidenciam tem a ver com a falta de 
representatividade, isto é, o fato de o povo não estar adequadamente 
representado nas diferentes instâncias de tomada das decisões. 
Há um paralelismo gritante entre o modo como pensamos a lin-
guagem enquanto meio representacional, e o modo como lamentamos 
com frequência que a prática democrática dos dias de hoje está muito 
aquém da "transparência" (qualidade essa que é, supostamente, a sua 
maior virtude possível, e era, conforme se acredita em larga escala, 
a sua marca registrada no seu nascedouro, a Atenas da antiguidade). 
Note-se que as metáforas são as mesmas em ambos os discursos. 
Exige-se transparência na conduta dos políticos com o mesmo espírito 
com que procuramos tornar o nosso uso da linguagem claro, cristalino, 
direto, literal, enfim, transparente. Com a mesma veemência e paixão, 
denunciamos a circunlocução e a linguagem ·figurada, de um lado, e, 
de outro lado, o descaso dos nossos "representantes" eleitos para com 
os eleitores, isto é, a traição praticada por eles ao não representarem 
mais os anseios daqueles em nome de quem deveriam se apresentar. 
Uma outra possibilidade de pensar o paralelismo apontado acima 
seria concluir que as duas questões, a saber, a representação política 
e a representação linguística, são apenas duas faces de uma mesma 
moeda. Ou seja, a tese do representacionalismo é, ao mesmo tempo, 
uma questão política e linguística - ou, quem sabe, política por ser 
linguística e linguística por ser política. Em outras palavras, segundo 
t1 " 8• análise - por sinal, a que me parece mais interessante e capaz 
cl1 t•xplic r uma série de outras questões pendentes - a questão 
32 
o1 q111 1 11 pnlll 1 .1 t 1 .1111 11111,1 11 , At1 1,tl 11 11111 1 li11 •tt 1 
• 1 
11 11111 c•11p,o1J.i11n111 11.1 .11 v cl.1d' lin11u 111i., •11 t.1t .111111, l11cl11 
1111 '11 111p Otfü l •11 lo polit i nm nl p rli ip. 11 lo clt• 11111.1 .il v cl 1d1• 
111 111 •11 1 •1i1 nt 1 lf Li c 1. 1 r utro lado, e como o ro l. rio ck~rn .i 11 H , 111.i 
111111.1 • , t da atividad política também passari p la q 1 s l, o l,1 
l 11w1.1g m, s ria uma atividade de ordem inescapavelmente discursiva 
I' 1111111, n, 1975; Shapiro, 1981). 
/\ 1 ipótese que acabamos de levantar v·en~o-etteeHH<EH:ba,a.i~:;i..Q~ 
1 .,•11 11d Bernard Williams, sustenta a própria tese do representaciona-
11 1110, < saber, a plena convicção de que "podemos escolher entre as 
1111• .1: crenças [ ... ] uma que possa ser então reivindicada como repre-
11t.11 do o mundo de uma forma, a um grau máximo, independente 
1 11os s perspectivas e peculiaridades" (Williams, 1985: 138-9). O que 
1111 11,1 afirmação de Williams extremamente interessante é a questão 
l 1 1w olha que o autor traz à baila. Para Williams, a representação 
li 11 lgo que se dá automaticamente. Ela necessariamente passa por 
11.111 escolhas conscientes. Ou seja, o ser cognoscente e o ser ético 
1 o empre presentes no m~smo ato e de forma inseparável.. 
/\. questão da escolha é geralmente reconhecida como ques-
1 11 have quando se discute política. A representatividade de um 
111 <'Sentante sempre foi e sempre será uma questão discutível, 
tc11 110 demonstram claramente as inúmeras polêmicas com relação 
1 nrmação de colégios eleitorais, a escolha entre presidencialismo 
p.1 lamentarismo (ou ainda, monarquia - que também não deixa 
11 1c•r uma forma de representação do povo), a conveniência ou não 
11 1 instituir o voto distrital etc. Mesmo nos tempos da suposta 
1 po áurea" da democracia, a da democracia ateniense, mulheres 
r e ravos não tinham o direito de voto, ou seja,simplesmente não 
1 1111 representados. Como chegou a brincar o escritor George Orwell 
u romance Revolução dos bichos, todos erám em princípio iguais, 
111.I' lguns eram de fato "mais iguais que os outros". 
De qualquer forma, está subentendido que a ética, e portanto 
t 11d,1 tividade que envolve a política, envolve escolha. E a escolha 
33 
pr •1.1 11p (' ,1 •xi. l 11 ,1 de• 11111 1 e < , tl ,1 cl1 v,1 lm ll, u11i.1 ltl •1,11 q11i.1 . Â 
qu s d r pr s nl , o wll ,1 qu • 11, o p 1 i pr is m nl ' por 
envolver escolha. O difícil no nx rgar a presença da escolha 
quando o assunto é a representação linguística. A tentação é pensar 
que é a linguagem que representa o mundo, sendo que nós, enquanto, 
usuários da língua, estamos inteiramente à mercê das representações 
que nossa linguagem nos impõe. Ademais, existe a crença de que, 
sob condições ideais, a linguagem possa ser totalmente transparen-
te. Como podemos, então, falar em escolhas no interior da relação 
representacional entre a linguagem e o mundo? 
Do ponto de vista histórico, a alternativa à tese do representaciona-
lismo tem sido a tese da causalidade, segundo a qual o mundo da 
materialidade, embora inacessível à percepção direta, como argumen-
tam os representacionalistas, pode, mesmo assim, ser apreendido 
enquanto causa de nossas sensações sensoriais. Ou seja, não haveria, 
pois, nenhuma justificativa para se continuar acreditando na ideia 
de que a relação entre o mundo e a palavra seja inexoravelmente 
arbitrária. Dentre os estudiosos que têm defendido uma postura cau-
sal, destaca-se, por exemplo, Saul Kripke, autor do texto (cf. Kripke, 
1972) que inaugurou uma nova linha de pesquisa. Segundo Kripke, 
a ligação da mente com o mundo se dá por nomeação (naming), ou 
seja, pelo mecanismo chamado de "rigid designation'', o qual dispensa 
o uso de uma descrição para designar o referente. Trata-se, portanto 
de um questionamento da respeitável tradição inaugurada por Frege, 
segundo a qual, a referência (Bedeutung) sempre se daria mediante o 
sentido (Sinn) e jamais ao contrário. 
A teoria causal também tem um cunho nitidamente ideológico-
-político. Aliás, pode-se dizer que ela se destaca, entre outras coisas, 
como uma resposta política a uma das vertentes do representacio-
nalismo, a saber, aquela que nega qualquer possibilidade de se ter 
certeza de nossa compreensão do mundo, posto que estaríamos sempre 
lidando com as suas mais variadas representações e jamais com o 
111un.do tal qual ele de fato é. A teoria causal de referência procura, 
34 
rn1111 11 1 rf' 
111 111111,11 p.il.1vt,11, t'I t.1 11 c.1r o c.1 111 11'10 .• t•d11 t01 1•111 cl 11 · ~ 11 111 11 I 
11v 1 111 0 <', ,, p, tl ir d, , , o Li ismo lll 'rl. s po i\ 1• td1• , tl 1 1 
(p111 c•x. ~ d B rk l y) radicalm nt mpirisl, s (rn 111 0 ,1 de• 1111111 •) 
1 f 11d1 n e nos conduzir. 
A L cria causal, é preciso que se diga, não nega necessariam nl 
t 1 c'H do representacionalismo; apenas, põe em xeque qualquer in-
1 r 1 1 > tação daquela tese para pôr em dúvida a existência do mundo 
f 1 tco material, ou negar a possibilidade de conhecê-lo. Em outras 
l' ·tl .1vr s, ela parte de um forte compromisso com a metafísica. 
/\.. alternativa mais radical à tese do representacionalismo tem 
cio proposta neopragmatista, em especial, na forma em que vem 
1•1HI defendida pelo filósofo norte-americano contemporâneo, Ri-
' l1 ,1rd Rorty. Rorty se identifica como um "pós-representacionalista". 
l 1.t 1, -se, em sua ótica, da única saída que nos resta, uma vez que 
11111 onscientizarmos da futilidade da antiga preocupação metafísica. 
l1.1t , Rorty, a metafísica pertence à história da filosofia, da mesma 
f 111 ma que quem se refere a "fl.ogístico" ou "éter" está se referindo 
t < <'rtos descaminhos e falsas suposições na história da química 
.1slronomia. Uma série de termos, entre eles, representação, que 
1 1 ~ i , m sentido quando ainda se acreditava na metafísica, diz Rorty, 
l1njc• fazem parte de um "vocabulário" ultrapassado e que já não serve 
111.tls aos interesses atuais da filosofia que, no seu entendimento, está 
de e ididamente atravessando uma fase "pós-metafísica". 
A postura neopragmatista diz desconhecer qualquer conotação 
pnlftica, ao menos enquanto atividade que se desenvolve na esfera 
p11hlica. Para Rorty, a política, assim como a religião, deve ser estri-
1,1111 nte confinada à esfera privada, pois, da mesma forma que o fim 
1 I t metafísica implica a impossibilidade de falar em nome de uma 
Vl'rdade última, supra-histórica, isto é, de caráter absoluto, também 
11, o faz sentido apelar a uma noção de um bem absoluto, válido 
p.tr todos os tempos e todas as circunstâncias. Para Rorty, então, já 
11. há mais nenhum espaço para uma Ética, assim, com maiúscula. 
Hc•f rindo-se ao notório "caso Heidegger'', diz ele num artigo recen-
35 
Ili 11 ~1~ 11111 111 111 1 1•1111 
l " " ' •i > 1u •r. 111 .li11 1. 1 li c•p.1 1.11 1 v cl ,1 ,, olH .1 dt• 11111 .111lm • 
m did qu cone b rm · o ,1 , l •t 1110 li 11 ss , Ih io rn 
variável independente do curso d s talentos" (Rorly, 997). 
Há quem diga que, a despeito de todos os desmentidos, o neo-
pragmatismo também acaba assumindo uma certa posição ideológico-
-política. Isto é, segundo esses críticos, a própria ideia de que teoria 
alguma teria consequências (como insistem em dizer Rorty e seus 
seguidores) teria, ela mesma, consequências sérias - entre elas, 
por exemplo, a consequência de marginalizar a questão política e, ao 
praticar tal manobra, tornar seus efeitos muito mais sutis e difíceis 
de serem detectados. 
Evidentemente, seria preciso nos aprofundar muito mais nos 
diferentes aspectos da proposta neopragamatista, antes de nos apres-
sar a qualquer veredicto. Contudo, independentemente de qualquer 
conclusão, parece lícito afirmar que mesmo a decisão de abrir mão 
da tese do representacionalismo também tem conotações (para não 
usar a palavra consequências) políticas. Ora, isso apenas confirmaria 
a nossa suspeita inicial de que todas as formas de pensar a represen-
tação, até mesmo aquela que explicitamente procura negá-la, acabam 
tendo certos desdobramentos políticos. 
36 
L 
elevância social da linguística 
Estamos vivendo no Brasil a reprise de um fenômeno que 
1 l Pve em evidência nos países da Europa e nos Estados Unidos há 
1lg11111as décadas: a "explosão" da disciplina chamada "linguística" que 
1• v rifica no Brasil hoje já não é mais algo que possa ser observado 
111 muitos outros países. 
Na verdade, o que se verifica em alguns desses países é uma 
l minuição da demanda pela linguística e uma migração de pesqui-
1dores e estudantes para outras áreas. Em países como os EUA, há 
1 mbém uma nítida tendência de diminuição de verbas para as pes-
111isas em áreas humanas de forma geral, e em linguística de forma 
1 1.1is acentuada - tendência que, ao que parece, está começando a 
111 .1r visível aqui no Brasil também. Há também casos de fechamento 
lc lepartamentos inteiros, com o deslocamento de parte do corpo 
11111•nte para outros departamentos. 
O caso mais comentado nos últimos tempos foi o da Universi-
d.11 I de Yale nos EUA, onde o setor de linguística cantou seu canto 
ele isne sem qualquer cerimônia ou aviso prévio. Há alguns anos, 
lt1 guei a presenciar coisa parecida no Reino Unido, onde também se 
t ~\istra um número crescente de fechamentos sumários de unidades 
d1• departamentos que não conseguem mais atrair tantos alunos 
111110 antigamente. À época, circulavam via internet abaixo-assinados 
37 
1'1111 11~111111\t,\ll JI• 111111 Jll<to 1 •1 11 11111<111• 111 l'º 1 1' ' 11• 
< bj •llv.llldo d •11u1H l,\t o 1 •1 111,1 11 l1 •L11 11 1•11lo 1 I lt•111 ,11 lc o tl.1 11 11 vt'Y. i 
d d' brilânic s h lfü r ( • l •11ç. lo 1 ti l li . e mo si r. l ij, d 
sobrevivência ou, melhor dizendo, como a última cartada para salvar 
o pouco que resta, muitos departamentos de linguística naquele paístêm sido obrigados nos últimos tempos a se transformar em simples 
prestadores de serviços a longa distância, assinando convênios com 
países distantes na África e no Oriente Médio que necessitam de trei-
namento em larga escala de profess'ores de inglês etc. 
Longe de querer iniciar aqui um debate sobre a política que vem 
sendo adotada pelos órgãos públicos de fomento à pesquisa (sem 
negar, é claro, neste sentido a necessidade de uma ampla discussão 
e mobilização dos interessados), proponho-me levantar alguns sub-
sídios pára uma reflexão a respeito das seguintes perguntas, todas 
elas de ordem interna à própria disciplina, ou melhor, relacionadas 
ao modo como nós, enquanto pesquisadores e profissionais, temos 
nos comportado na condução dos rumos da disciplina: 
*Por que a linguística se encontra numa fase de desgaste, de es-
tagnação, ou até. mesmo de franco declínio, em países como os 
EUA e a Grã-Bretanha? (Evidentemente, estamos nos referindo à 
situação verificada em termos quantitativos: o número de alunos 
matriculados, teses e dissertações defendidas etc.) . 
*Haveria, além das explicações externas (tais como a atual tendência 
de transformar as universidades em empresas que visam lucros, 
o que progressivamente inviabiliza as áreas humanas em geral, 
posto que elas não geram resultados imediatos ou mensuráveis 
da mesma forma que as exatas e as biológicas), também fatores 
internos à própria ciência (a linguística, no caso) que podem ter 
contribuído para a atual queda de interesse e procura? 
*Finalmente, é possível recuperar o terreno perdido, reverter o 
quadro, e - se a resposta for sim - que tipo de ação concreta 
tal esforço demandaria? 
Evidentemente, não terei condições (nem fôlego) suficientes para 
cl is utir cada uma dessas questões exaustivamente. São, todas elas, 
1wrpuntas bastante complexas que podem ser respondidas de diver-
38 
.1, fot1 11.11 . O 111 •1 1 1111 u l o .1q 11 l , 011 f ot 11 H' J• d 11•, 11 .1 .1 1 tl p11111.i 
111 11 1 lcl<1r, 'S 1,1r prorn v r, qu m s b, Llln. 111p lo dt 11.111• 11h11 11 
11 •111.1 1 u o 1 n , 1 nç r proposta p r qu' o 111!'1 11 10 .1to 11l 1 ~· 
1111n1 futuro não muito distante . 
/\. primeira pergunt a, a que diz respeito aos fatores int rn s 
1111 )1 ria disciplina que poderiam ser responsabilizados pelo atual estado 
d1• isas , tem a ver com o modo como a disciplina tem se con duzi-
1lc > m relação à gama das questões relativas à linguagem. Estamos 
l.1' ,111do das questões relativas à linguagem que qualquer leigo tem 
11 eito de imaginar como estando dentro do escopo de uma ciência 
qtH' se propõe estudá-la. Ora, qualquer um que se tenha debruçado 
obre a história das teorias linguísticas (ou melhor, dos chamados 
'p. r digmas linguísticos') sabe que tal gama varia de um momen-
111 h istórico para o outro. A saúde de uma disciplina se mede pela 
11r steza com a qual ela consegue responder a novas realidades que 
11rgem no mundo em que vivemos e pelo interesse que ela evidencia 
1• 111 atender aos anseios e preocupações t!picos de cada época. O que 
1 e rtamente não equivale a dizer que os pesquisadores devem rever 
. 11 . s prioridades conforme a opinião pública. Por outro lado, também 
11 , vejo nenhum mérito na postura adotada em certos setores de 
111 squisa, segundo a qual os pesquisadores devem trilhar seu próprio 
e .1ininho, tomando decisões sobre os rumos futuros estritamente de 
11 ordo com os interesses acadêmicos, não se importando com o que 
11 mundo lá fora da academia pensa. 
Não é difícil perceber que, conforme a amplitude e o alcance 
1l.1s questões levantadas pelos teóricos, as pesquisas desenvolvidas 
cl1 •ntro da disciplina têm repercussão nas áreas conexas. A linguís-
1 ic do século XIX encarnava muito bem o Zeitgeist daquele século, 
e ontribuindo efetivamente para as grandes questões em discussão, 
t.11 como a tese de evolucionismo de Darwin. Não é por acaso que, 
1 w século XX, dois dos momentos mais significativos no campo da 
1 nguística foram a publicação póstuma da obra de Saussure na dé-
' .ida de 1910 e o "estouro" da revolução chomskiana nos últimos 
,1110s da década de 1950. Foram justamente moment os em que a 
39 
l ingulHl it ,1 101nm1 ,1 di.1nt •i '' d.1 dim w ( , • l •11 l 11do " 11111.t t •tl,1 
1 ss id d pr min n d n vo M , b u m d 
mento dos vigentes. Foram também mom ntos históricos em qu 
linguística se envolveu em grandes debates sobre questões ~a época 
que tinham um interesse maior e pertinência para os estud10sos de 
muitas outras áreas. 
Numa conferência de abertura proferida por ocasião da George-
town University Round Table em 1989, o linguista britânico John 
Lyons (1989) chegou a especular que, a cada quarenta anos, a lin-
guística passa por uma sacudida que resulta numa reviravolta_ e n: 
instauração de um novo paradigma. Desse modo, para Lyons, nao ha 
nada a estranhar no fato de que o modelo saussuriano tenha se esgo-
tado nos anos 1950, tendo sido superado - de acordo com muitos 
- pelo modelo gerativista1 . O que torna interessante o exercício de 
"numerologia historiográfica" proposto por Lyons é primeiramente o 
fato de que, pelo seu cálculo, estamos prestes a presenciar mais uma 
dessas reviravoltas de grande repercussão. Pessoalmente, acredito que 
as perspectivas são bastante boas. 
Do ponto de vista da presente discussão, o que chama a atenção 
na proposta de Lyons é que todos os momentos que ele identifica 
como marcas históricas são momentos em que a linguística fez sentir 
seu impacto em áreas conexas, como a sociologia, a antropologia, 
a psicologia, e assim por diante. Ou seja, os grandes momentos na 
1 Lyons (1989: 18) aponta para cinco momentos cruciais na história da linguística 
e distingue cinco períodos correspondentes, cada um com quarenta anos de duração . 
São os seguintes: 
1 . A época dos profetas, iniciada por Sir William Jones, com sua famosa conferência 
na reunião da Asiatic Society, em Calcutá, Índia, em 2 de fevereiro de 1786. 
2.A época dos pais fundadores, iniciada por Rask e Grimm (respectivamente em 
1818 e 1822). 
3 . O período clássico (da filologia comparativa), iniciado pelos "neogramáticos' 
em meados da década de 1870. 
4. O período pós-saussuriano (da chamada "linguística moderna", iniciada pelo 
próprio mestre genebrino em 1916). 
S. O periodo chomskiano e pós-chomskiano (da linguística moderna), iniciado 
por Chomsky. 
40 
11 101 l.1 cl.1 1 11g 11 1 I 1 .i 11v.11 l,1vt• l111 •111 • f n.1111 ,1q111 •l 1J 1101J 1 u .ti~1 lwt1v1• 
1111111Hrn li, logo, i11t<•1 • lr 1 di iplin r s m Lorn d' qu sLõ 'S 
111 .d:i ,11npl s nv lv 'n l ~ linguagem. Foram também momentos em 
qtl t' l l m proposta teórica advinda da linguística tinha claras conse-
qtt n i s nos trabalhos que estavam sendo desenvolvidos em outras 
H 11.i s do conhecimento. Era assim a proposta estruturalista de Saus-
111 t', com impacto inquestionável na antropologia de Lévi-Strauss, e 
11.1 l i.canálise de Jacques Lacan, para mencionar apenas dois casos. 
l.1.1m assim, com certeza, as ideias revolucionárias de Chomsky que 
1 e p •rcutiram na psicologia, na biologia, nos estudos de inteligência 
111 i 1cial e assim por diante. 
A proposta de Lyons nos fornece · uma excelente pista na procura 
c le uma explicação para a sensação de estagnação que se verifica no 
e .1111po de pesquisas linguísticas nos dias de hoje: a ausência de grandes 
cl .il c gos com os outros domínios de conhecimento. A impressão que se 
1 e 111 que, passados os anos dourados de 1960 e 1970, que foram mar-
c .1110 por intensos intercâmbios entre a linguística e as áreas conexas, 
l11111v , de repente, um recuo, um certo conformismo com os resultados 
le .lllçados, um desinteresse em olhar para o que os pesquisadores em 
1111 r s áreas estão pensando a respeito de questões que também teriam 
v1•r com a linguagem, embora de forma indireta. 
É evidente, sem dúvida, que no plano individual há diversos es-
f 11 1~ 0 em dialogar com outras áreasdo saber. Também é verdade que, 
111 ,1lgumas das subáreas da linguística - como a pragmática, a análise 
1 cli curso, a linguística textual etc. (para não mencionar as chamadas 
uh. reas hifenizadas"2 como as que, de forma declarada, se situam na 
11 11 ,1 intermediária entre a linguística e áreas conexas como a sociologia, 
p. i ologia etc.) - há tendências claras de explorar novos caminhos 
1 11 que é no meu modo de entender mais importante e mais urgente 
i A qualificação "hifenizada" já não faz mais sentido, visto que, conforme prevê 
11 W·' de hifenização em inglês, o uso contínuo e em larga escala já fez desaparecer 
1 liltr•n que originalmente era usado nos então neologismos como "socio-linguistics", 
I' v• lw-linguistics" etc. Em português, a regra de hifenização atual já resulta direto 
111 " o iolinguística", "psicolinguística" etc. 
41 
1 l nd,1 1 ll' 
ve:m d p 
< ,11111111111 1• 111 f.1u• l,t 11ov. 11 n•,11 cl.1d1•1 qu' 
lo OH ,1 1•1 ,1 11 novid d s. 
Entre os exemplos mais xpr s ivos dessas novidades estão o 
da globalização que está em curso de forma, ao que parece, irrever-
sível e suas consequências no que diz respeito aos contatos entre 
línguas, e o fenômeno que vem sendo denunciado como "imperialis-
mo linguístico" . Este último, na ótica de alguns teóricos, prejudica 
a sobrevivência das línguas minoritárias. Outros exemplos são as 
novas formas de linguagem e de comunicação que estão surgindo em 
resposta ao crescimento vertiginoso da informática e comunicação 
via satélite - dentre as quais o e-mail, e assim por diante. O que 
se lamenta é que os poucos esforços que se observam em lidar com 
essas novas realidades são sempre individuais e isolados; como se a 
linguística, enquanto área do saber, se achasse no direito de pe~m~­
necer à margem dessas novidades, por julgá-las de pouca relevanCia 
teórica3. O que precisa ser repensado urgentemente é a tendência 
que se observa em alguns setores da nossa disciplina de se fechar, de 
se recolher dentro de si, pouco se preocupando com o que se passa 
no mundo lá de fora - enquanto as grandes questões envolvendo 
a linguagem que assolam o mundo de hoje ficam a cargo de espe-
cialistas em outras áreas como a filosofia, a sociologia, a psicologia 
etc. Qualquer disciplina que se dá ao luxo de permanecer restrita a 
uma torre de marfim corre o perigo de perder todo vínculo com os 
anseios da sociedade que, no · fim das contas, arca com as despesas 
necessárias para sua manutenção. 
É bem verdade que hoje as reflexões sobre linguagem que mais 
repercutem .na imprensa popular (o caderno Mais da Folha de S.Paulo, 
por exemplo) são oriundas de estudiosos como Richard Rorty, Jurgen 
Habermas, John Searle, Jacques Derrida, Michel Foucault, Jacques 
- :1 É preciso registrar que há gloriosas exceções neste particular. A título de exemplo, 
1 
H idl'i I ws m ncionar 0 recém-publicado volume Condse Encyclopedia of Pragmatics (Mey, 1998). 
11
11 11
1
11
1 
01 
wrb tes incluídos nessa enciclopédia estão 'desenho animado', rlinguística emancipa-
i 111111' , '11 J.1tp,. o d s economistas', 'etnocentrismo linguístico', 1inguagem politizada' e 'e-mail'. 
42 
1 1111 te 1 e• , P <111 <' Bn111 cl1e•11, lldw.1tcl , '.1id • oul rw, 11 •11clo qu 11 •nhwn 
dr Ir . H<' icl<•ntif1 il wrno lin 'Ui 'L, . O lin ist m is nh ido [ r· <las 
lto11lc lr,1. d.is iplinar 'S, No m Chomsky, é frequentemente lembrado 
• 1 t.1d n impr nsa, não por sua visão da linguagem, mas por suas 
I" H i~ 'S, independentes e ousadas, em questões políticas atuais. Cha-
111.1 .1 ,\L nção, no entanto, um aspecto extremamente preocupante no 
• 111 1,.1j , menta político desse grande linguista. Contrariamente a qualquer 
11111 <los pensadores cujos nomes se encontram arrolados na lista acima, 
I" 111 .1 tores que frequentemente se posicionam sobre as grandes questões 
p11ltt l s que pairam sobre o mundo contemporâneo, e defendem suas 
11p111iõ s sempre partindo das posições assumidas em suas respectivas 
tr .IH, Chomsky tem sido categórico em afirmar que suas reflexões sobre 
l 11pu gem nada têm a ver com suas opiniões políticas e ideológicas (cf. 
1J.1g palan, 1999c). Como pergunta Toolan (1999: 102): "As posições 
lt11ir veis que Noam Chomsky assume na esfera política são apresen-
d.111 como totalmente desvinculadas de seu trabalho na linguística; é 
p11 IV 1 que isso seja certo?" 
/\postura de Chomsky em relação a possíveis relações entre lin-
111 li a e política, ou melhor, ao engajamento político de um linguista 
11q11, nto especialista em linguagem, não é, nem de longe, peculiar 
11 111 idiossincrática; ela reflete muito fielmente a postura oficial 
11mida pela disciplina desde a sua "reinvenção'', que ocorreu, de 
e 11e1 com Lyons, com a famosa conferência de Sir William Jones em 
l /1 li, proferida para os sócios da Asiatic Society, que se reuniram na 
cl 1ek de Calcutá, Índia. O que é muito importante perceber aqui é 
111r • cl sde aquele momento inaugural da linguística, um certo espírito 
1 q11ilo que se chama 'cientismo' tem varrido a disciplina. Trata-se 
1 11 m desejo de fazer da linguística uma ciência a qualquer custo, 
11 111 que isso implique ter que abrir mão de qualquer preocupação 
1 111 d m prática - já que, questões de ordem prática (por ex. ensino 
11 pl.rnejamento linguístico) envolvem relações entre pessoas, o que 
1 vez prejudicaria o tratamento científico daquelas questões. 
1 g.1 se de passagem, que pode-se notar uma profunda ironia nessa 
111 .1 1 iva da linguística de se distanciar das preocupações de ordem 
1 e., posto que em seus primórdios, os gramáticos da antiguidade 
43 
011 1 r • 111110 t' ll do1 't it'ltl 11 cl.i l 11g11.1gpn1' 1 ltoj • 1 •111pr 
f r~ rn impul sion ~ d . por mot lvo:1 p 1 1, 16 i s did ti .) Cab 
lembrar que um dos pilar s d a tese de que as chamadas 
'ciências sociais' só se justificam como ciências na medida em que se 
submetem ao rigor científico próprio das ciências exatas, estas sim, 
tidas como ciências na plenitude semântica da palavra. 
O questionamento acerca do caráter científico da linguística deve 
começar, a meu modo de ver, com um esforço para entender quais 
os ganhos e as perdas que decorrem da opção de encará-la como 
ciência natural (como querem alguns - por ex., Chomsky) e não 
como ciência social (como querem outros - por ex., Halliday). Deve 
começar escutando vozes como a de Robin Lakoff (1989: 984), que 
num desabafo próprio de quem não vê outra forma de dar vazão às 
suas angústias, pergunta se a razão por que queremos que a linguís-
tica seja uma ciência é que isso nos traz prestígio ou se haveria, de 
fato, justificativas independentes para tal opção. 
O que Lakoff está pondo em discussão é que podemos fazer da 
linguística o que quisermos que ela seja. Vai depender tão somente 
de nós, linguistas - aliás sempre foi assim e assim sempre será. Isto 
é, independentemente de a língua ser ou não um objeto natural, ou 
seja, algo que, por implicação, se nos impõe enquanto tal, a linguís-
tica, enquanto um campo de saber e de pesquisa, é certamente algo 
criado pelo homem, e o que é moldado pelo homem pode sempre ser 
redesenhado e refeito de acordo com os anseios da época. Em outras 
palavras, a constituição da linguística enquanto área de estudo não 
está à mercê da natureza do objeto que ela estuda, a saber a lingua-
gem humana. Enquanto área de estudo, a linguística é, sempre foi 
e sempre será uma atividade humana, na qual participam indivíduos 
com seus laços sociais, seus direitos e suas obrigações, e sobretudo 
seus anseios e interesses, que variam de acordo com o momento 
histórico em que se encontram. 
A discussão até aqui nos conduz diretamente a uma questão que 
vc m cupando o centro das atenções de um número crescente de 
44 
1 ' 1 1 H 11 1,, 1 11 I • 1 l'r 1 11 ~ltt !I 1 
111 • q11i1 i1do1 i: q11t• .1111.1111 11<1 e .1111po d,1 ll11g1111 l lt" (t 1111111 1 1111111111 1 111 
111111.1 11 ln 11. , cl 1 lonll,\g1r, 1) . 'l'r t. s l, rl'SJJJlllN1/Jl/lrl11t!t• do e 111 
1 t.1, 1 p 'qui '< d r. Um r sposta im diat , n 111t.11Ho, 11g 1111.1, 
p1td<' , r a d qu o único compromisso do cientista m < v 1rcl.1d11, 
 1 < Hp usabilidade do pesquisador consistiria, de acordo com ssn 
, m zelar pela verdade das "coisas" que ele estuda. Em seguida, 
v 1 l, questão de um certo código de conduta. Se a primeira nos põe 
11.1 obrigação de não "maquiar" as conclusões de nossas investigações, 
11. <> mitir dados relevantes, porém, incômodos que enfraqueceriam 
nossas hipóteses e assim por diante, a segunda nos ensinaria a 
11, o fazer plágios, citar todas as fontes, dar o devido crédito a outros 
1111 res que fornecerem os subsídios necessários, sem os quais nossas 
111•11quisas não teriam sido possíveis etc. 
Acontece que a responsabilidade do cientista, do pesquisador, não 
1• •sgota nesse "bom samaritanismo acadêmico" - por mais louvável 
q11 ele seja, e por mais que seja ele um princípio que, na prática, 
e• <presenta como algo mais frequentemente transgredido do que 
nli •decido. Existe, a meu ver, algo tão sério e importante quanto o 
1 nmpromisso com a verdade. (O que vem a ser essa verdade e como 
r• l.1 pode ser alcançada é outra questão, que foge às metas estabe-
lc•c idas para a presente discussão). Trata-se da responsabilidade do 
pc•. quisador para com a sociedade que lhe proporciona as condições 
111• ssárias de levar adiante suas pesquisas. Trata-se da responsabi-
lid.1de social do cientista (do linguista, no caso) num sentido muito 
11i.1is profundo do que uma simples questão de "dívida moral" em 
11•1. ção aos informantes que tanto nos auxiliam em pesquisas de 
< .1mpo (cf. Labov, 1982; Cameron et alii, 1993). 
Conforme já disse, a literatura recente demonstra a clara preocu-
1'•' ão dos pesquisadores de se posicionar a respeito dessas questões. 
1!11 mesmo enfrentei uma polêmica bastante acalorada (cf. Rajagopalan, 
1' 9b, 1999c; Brumfit, 1999; Widdowson, 1999). O pomo da discórdia 
1 .1 seguinte pergunta: é possível adotar um ponto de vista crítico em 
li11guística? Ou será que a linguística, enquanto ciência, estaria (ou, a 
45 
1 11 11 e ele 11111110 rigor, lt•v •ri.i H • ) Ht•1nptt 111•ul t,\ 11 .u 111.1 < ,u tOIHl e e• , ~ e . 
políti o ' id lógi o? Qu 'I st, om proin Lido m ,, l •111 eh> 1 ~' 
tismo - isto é, a tese de que as ciências sociais e human s só terao 
pleno êxito na medida em que sigam o caminho trilhado pelas ciências 
exatas e biológicas - terá certa dificuldade em aceitar a sugestão de 
que por trás de algumas das nossas reflexões científicas podem se es-
conder motivos ideológicos ou de que a linha divisória entre ciência e 
ideologia, entre teoria e mitologia, entre razão e não senso pode não ser 
tão nítida quanto muitos gostariam que fosse (cf. Rajagopalan, 1998b). 
Infelizmente, é fato que, em razão da nossa preocupação de pre-
servar ~ caráter impecavelmente científico da nossa disciplina, muitos 
entre nós temos preferido relegar as mais variadas questões de ordem 
ética, questões suscitadas por nossas próprias reflexões teóricas, a um 
segundo plano e, mesmo assim, aos cuidados de outros especialistas 
como educadores, assistentes sociais, planejadores de políticas linguísticas 
etc. Com efeito, a própria discussão acerca dos compromissos éticos do 
pesquisador, a respeito da necessidade de se fazer uma linguística etica-
mente consequente, hoje se processa quase exclusivamente na subárea 
denominada "linguística aplicada" e, mesmo assim, praticamente restrita 
ao universo discursivo da linguística britânica. 
Creio que uma linguística eticamente compromissada e consequen-
te só estará a nosso alcance se adotarmos uma atitude francamente 
aberta e ao mesmo tempo crítica em relação aos mais consagrados 
postulados e princípios que têm norteado os rumos da d~sc~pl~na 
desde sua "reinvenção" nos moldes atuais, isto é, como uma disoplma 
moderna. Um fato curioso, aliás, que merece menção especial aqui é o 
de que, como acontece em todos os demais campos institucionalmente 
fortes e consagrados do saber, a linguística também demonstra fortes 
tendências de resistência a todos os esforços, originários em seus 
próprios meios, de repensar os seus próprios fundamentos. 
Ou seja, são poucas as tentativas de questionamento dos prin-
c pios básicos que conseguem ter algum tipo de repercussão dentro 
d, 1 omunidade. Como bem assinala Barris (1996: 42), "as disciplinas 
11111 .r,iin orno repartições públicas, rechaçando qualquer responsa-
46 
h l el.1cl1• 1•111 n•l,1~. o .1 q11,dq11t•r coln,1 q11' 11 , o 1 <'),1 de • e 11 1111 11 
11 lvindi • ". u s j., Ili< 1 l > s Lr t d id l s r,Hlic.ll11w11tc 11111v.1d11 
t 11, ,1 n i é qu s mpre marginalizá-! s p. r,1 1vit.1 1n.i 011•. 
p11•)L1 :tos forma pela qual se costumou levar adianl a dis iplin,. 
P.m1 itar, novamente, Barris: 
As profissões são, por definição autoperpetuadoras. Elas reivindicam 
um campo específico de perícia e criam uma metodologia própria. Elas 
desenvolvem uma terminologia técnica que serve, ao mesmo tempo, 
para excluir aqueles que se encontram fora e não são acostumados ao 
campo, e assegurar que apenas as questões que podem ser formuladas 
com auxílio daquela mesma terminologia possam ser reconhecidas 
como válidas. Elas estabelecem hierarquias de emprego e monitoram 
sua própria qualificação profissional. A pesquisa linguística não está 
imune a esse processo, da mesma forma que qualquer outra área de 
estudo. A ironia, porém, é que, no caso da linguagem, este sindica-
lismo implica estabelecer uma divisão de trabalho que efetivamente 
perverte o rumo das investigações; ou melhor, serve para garantir 
que as pesquisas prossigam tão somente em direções convenientes 
às próprias profissões (Harris, 1996; 30-31). 
É preciso salientar que Harris não está simplesmente repetindo, de 
lnrma mais direta, como a "ciência normal" se encarrega de "abafar'', 
11.1 medida do possível, os desafios internos, até que, em razão das 
pn•ssões crescentes e não mais suportáveis, é obrigada a passar por 
11ma "revolução" e a consequente instalação de um novo "paradigma" 
(que, por sua vez, dá início a uma nova contagem regressiva, à espera 
d1 outra revolução e assim por diante) - tese bastante divulgada 
que tem como principal fonte de inspiração, Kuhn (1962). Barris 
Ili r que a questão seja entendida como pertencente à chamada so-
lologia do conhecimento e não à epistemologia do saber - ou seja, 
, t amos lidando não com a questão de como o saber caminha rumo 
verdade das coisas, não obstante os percalços frequentes, e sim 
1 om a questão de como os pesquisadores que compõem determinada 
1 omunidade científica organizam sua própria conduta, disciplinando 
1•u.s membros, impondo limites a sua liberdade de ação e de pensa-
11wnto, enfim, decidindo de antemão quais as perguntas procedentes 
q11 podem ser levantadas. 
47 
l 'tll m i ~ llllHll( llt l•lllo 
O pt op1 lo l l,11 ti 1 11111 g111p11 cl1 p1 q11 ,•,1 lor 11 q111 1• 11 pl1,1m 
•111 11c•us liv o ' v m pro111ov1 11do 11111 ttH>vim n o d nomi11,1clo "ir 
g n ·ionismo" ( f. 11 rris, 1 DH l ; 1 DH'/; 1 D90; llarris e Wolf, 19 8). Este 
movimento tem como prin ip l m L li vrar as pesquisas linguísticas 
d' amarras que, com o pretexto de assegurar que a linguística não 
omece a flutuar sem rumos, acabam de fato impedindo a livre mo-
vimentação em direções não previstas. Para Harris, trata-se de uma 
questão de suma importância, p'ara resgatar o papel de destaque que 
as pesquisas sobre a linguagem podem e devem desempenhar. 
Evidentemente, o integracionismo não pode ser visto como a "boa 
nova" vinda para salvar a disciplina ou para injetar novos ânimos em 
meio ao marasmo que ameaça se instalar. Porém, acredito que se tra-
ta de tendências contemporâneas que não podem ficar à margem das 
atenções dos nossos pesquisadores - apesar das resistências sobre 
as quais o próprio Harris nos alerta, conforme discussão anterior.É 
preciso, no meu entender, escutar com cada vez mais atenção essas 
vozes que, no mínimo, servem de indícios de que há muita coisa ainda 
para ser repensada. E, o que é mais importante ainda, é preciso rever . 
algumas das nossas certezas, ainda que, em razão de terem sobrevivido 
sem contestação anos a fio, muitas delas possam hoje estar gozando 
de um "status" privilegiado, comparável a dogmas inquestionáveis que 
norteiam seitas e outras formas de controle de massas . 
Gostaria de dar um desfecho às minhas reflexões num tom otimista. 
Como já apontei anteriormente, há claros sinais de que muitos pesqui-
sadores estão se convencendo da consciência social do linguista. Está se 
formando um amplo consenso em tomo do papel social do linguista e de 
suas responsabilidades perante a sociedade. Entretanto, ainda é cedo para 
afirmar que essa tendência redundará numa guinada definitiva. Quem sabe, 
a mudança do paradigma no campo da linguística que, segundo os cálcu-
los feitos por Lyons, deve ocorrer em breve (posto que a última ocorreu 
quatro décadas atrás), pode bem ter como pripcipal motivo o desejo de 
tomar as nossas investigações socialmente relevantes. 
48 
obre a dimensão ética 
das teorias linguísticas 
OBJETIVO 
Este texto tem o objetivo central de formular a hipótese (e não 
propriamente defendê-la, meta que demandaria muito mais tempo e 
1•spaço) de que a questão ética está necessariamente presente no nível 
dito "propriamente teórico" - isto é, entre outras coisas, até mesmo 
n escolha do objeto de estudo. No caso da linguística, por exemplo, 
.1 questão ética se faz presente já no ato inaugural de definir o objeto 
cl estudo, a linguagem. 
Um segundo objetivo, não menos importante que o primeiro - na 
verdade, é esse o objetivo que vai ocupar a maior parte do nosso tempo 
- é argumentar que, por mais inconsequente que pareça a hipótese 
acima, sua aceitação tem um preço alto. Pois, se for correta, vai acarretar 
uma revisão radical de uma série de coisas em que se costuma crer a 
respeito da linguística, a "ciência da linguagem". A hipótese também 
vai ao encontro de diversas correntes de pensamento acerca do lugar 
<la ética na teoria, todas elas de grande prestígio e repercussão. 
1. A ÉTICA NA LINGUÍSTICA: A ELABORAÇÃO DE UMA NOVA HIPÓTESE 
Ao contrário do que frequentemente se pensa, a questão ética 
se faz presente na própria escolha do objeto de estudo, o gesto inau-
49 
1'1111 11~11\ l llhtlll ll1:JI 1111111\ li H1ll~1d M, 111111111' ltl 1 11111 'J 1111 
gu, l 1•qu,il1 u ·1111 H • •1Hli11 1< 111 0 ( 1 •11 1 dr< o. 'onv 1111 l(11 11 h1,1r 1uc• 
d (inir um to d f 1 . i\.ustin (1 62: 1 G2) o in lui fü , l '1' ri, dos 
expositives, porém fica em dúvida e pergunta se não pertenc ria, ao 
invés, à categoria dos commissives, que têm por finalidade "compro-
meter o locutor com um certo modo de ação no futuro". No caso 
da linguística, tudo começa pela definição de linguagem. O que é a 
linguagem? Algo que existe como uma potencialidade, uma capaci-
dade, na mente humana? Ou existe, contrariamente, como algo que 
está materialmente presente - na qualidade de enteléquia, para usar 
o termo aristotélico - no dia a dia de cada um de nós? Quem tem 
a posse da linguagem? Um indivíduo concebido idealmente, dotado 
de atributos que o distingam dos seus primos distantes de carne e 
osso? Ou será que só faz sentido falar da linguagem em relação a 
uma comunidade de indivíduos, cujas identidades se revelariam atra-
vessadas pelas marcas da rede de relações sociais da qual participam 
efetiva e inescapavelmente? A habilidade linguística é algo igualmente 
distribuído entre todos numa comunidade? Ou será que há diferenças 
entre subgrupos de uma mesma comunidade? Todas as línguas estão 
em pé de igualdade do ponto de vista funcional? Ou algumas seriam 
mais bem dotadas que outras para desempenhar as mesmas funções? 
Questões como as relacionadas acima não dizem respeito a meras 
opções teóricas iniciais, ou a simples pontos de partida. A escolha 
entre as diferentes respostas possíveis a cada uma delas é, em última 
análise, determinada pela filiação do teórico a essa ou aquela ideo-
logia, algo que é, infelizmente, ignorado com frequência por razões 
que discutiremos adiante. 
O sujeito da linguagem, como indivíduo dotado de livre-arbítrio 
e de uma potencialidade que lhe é geneticamente assegurada, é a 
marca registrada do pensamento liberal. Dentro dessa concepção, 
o homo loquens é antes um ser solitário, porém autossuficient'e. A 
questão social só viria posteriormente, pois a sociedade nada mais é 
~o que um agrupamento voluntário de indivíduos autossuficientes, 
)U seja, um estilo de vida inteiramente dispensável. O modelo de 
50 
l111111e •111 Ili' 1 .1 1 OIH l'P\• li id1•11l1>j 1,i1 ,\ cl ,1 lillj',ll.lj',1 '1111 1 11 111 1 1111 I)' 111 rl1 
l<nl>i 1rno11 'runcw, cio to111.11H , t.1 in il s 1 • 1 i 1 Dt•lo1• < 111, 1 11cl 1, 11 d1 
'I' 11:1.,111 1 d JJ. R. lhtrroll! 11 8. Ambo s s p 'Y80n.11•,t•11 11HI1 nl 11 111 
p11 1 , lt, d conviv n ia ocial. O simples fato d 1 'rlt•rH •11•111 . 1.1~.i 
lt 11rn , na garante-lhes plenas condições de se integrar '111 , 80 iNl.1d1• 
lt 11 111 na, apesar dos percalços que cada um enfrenta e por for , los 
q 11,iis fica privado do convívio social com os pares. 
São várias as teorias linguísticas que postulam o sujeito da linguagem 
111•11ses moldes. Por motivos de espaço, uma discussão detalhada deve ser 
po.'t rgada para outras oportunidades. Porém, o leitor pode facilmente 
1l11ntificar traços dessa concepção do homem em algumas das abordagens 
11 <'>ricas de grande prestígio na linguística. Note-se que, quando se postula 
11 11ujeito da linguagem nesses termos, a concepção de comunicação que 
11 . campanha também carrega marcas bem distintas. A comunicação é 
1• 11 Lendida como um esforço cooperativo entre indivíduos constituídos 
c• m termos autônomos, com regras preestabelecidas de comum acordo, 
1 m prol de interesses comuns. Eventuais falhas na comunicação seriam 
.w xceções, sempre passíveis de ser corrigidas. Sendo os sujeitos da lin-
p,11 gem seres racionais por definição, em pleno controle de si e de seus 
pt•nsamentos, o processo de comunicação seria algo inteiramente explicável 
1 m. termos racionais, por exemplo, com a ajuda da chamada game theory. 
Só para contrastar com a postura acima descrita e colocá-la em 
n•levo, vale a pena lembrar concepções alternativas do homem nas 
quais ele é visto antes e sobretudo como um ser social. O social 
1wssas concepções é visto como um atributo essencial do homem, à 
ua própria natureza. As implicações dessa guinada são muitas e de 
longo alcance. A linguagem torna-se algo pertencente à comunidad , 
não a indivíduos concebidos isolada e independentemente. Em v z 
cl o conceito de linguagem entrar como um primitivo na teoria d 
< omunicação, esta sim é que vai servir de base para pensar a própria 
linguagem. Em vez de a linguagem - já definida em termos ind p n-
cl ntes - ser vista como um instrumento de comunicação, a função 
1 omunicativa pàssa a ser encarada como a razão de ser da linguagem. 
51 
l iv cl1•11t1'l11t•1111, c'I , , '' }', 11110 ,1 f 1111,11 qu ,1 111.tl 1 v.11 .1 l.w 
,1bo 1 g 11 l óri < s .•01> 1 .1 ll11~•, 11,1gt•111 lnv. ri, v lm ' IH 1 s •n , ix{ m 
num ou noutra p rsp Liv i l 16 i . Nos últimos t mpos, t mos 
presenciado mudanças fundamentais nas posições ideológicas histo-
ricamente consagradas. No lugar de posições ideológicas nitidamente 
delineadas, o que com frequência encontramos no cenário político de 
hoje são posturas 'mistas', sendo que os grandes '-ismos' (capitalismo, 
socialismo, absolutismo, anarquismo, comunismo, e assim por diante) 
de outras épocas apenas servem hoje em dia como pontos imaginários 
de referência, já que cada vez mais está se tomando difícil encontrar 
quem se identifique plenamente com qualquer um deles. 
O surgimento das novas ideologias 'híbridas' nãoinvalida a 
hipótese levantada no início deste trabalho; só torna mais difícil a 
caracterização precisa de cada uma e, em nosso caso, também torna 
mais complicada a tarefa· de detectar as implicações ideológicas das 
teorias . linguísticas que estão sendo veiculadas. 
Tendo formulado a hipótese, ainda que na forma de rápidas 
pinceladas, gostaria de me dirigir ao segundo objetivo deste trabalho, 
que é o de indagar por que a questão ética (a ideologia é entendida 
no âmbito deste trabalho como categoria subjacente à questão ética) 
não tem sido devidamente enfocada na literatura pertinente. Argu-
mentarei a seguir que algumas das principais tendêndas na chamada 
filosofia de ciência desautorizam a hipótese. 
2. A CIÊNCIA E A QUESTÃO ÉTICA: TRÊS CORRENTES DISTINTAS 
Para situar a hipótese deste trabalho no contexto da filosofia 
da ciência, gostaria de distinguir três posturas em relação à teoria 
e à ética que denominarei racionalista, pragmatista e marxista. (É 
evidente que se trata apenas de três rótulos que não descrevem 
necessariamente cada uma das correntes de pensamento - tanto 
racionalismo como o marxismo admitem variantes internas; pelo 
primeiro termo entendemos tão somente a corrente anti-historicista 
52 
----- n 1f'f n1 rrrt P rJTn T I n1 
(1 r '1'111il111i11, t !)~lU), ,111 p.11. o qut• 1u11lt ,11 d.11 t 0 111 •1111 ele 111• 11 11111 111 11 
q111 • .a• .wt o l 1 omin , m " 1 0 1 • xis t, " ( í. M Cow.111, 1!l!l 1) 111 d 1 
1110t h 1 •ri m1 l s gund r tulo.Ems guid ,L nl ,11 • 111111il1.11 q111• 
1 11os. hipót s s choca com cada uma dessas p slur. s. 
2.1. A corrente racionalista 
Comecemos por uma simples constatação: que toda e qualquer 
1 e oria científica é passível de apreciação do ponto de vista ético pode 
p.1r cer, à primeira vista, um tanto óbvio e sem quaisquer desdobra-
llH ntos posteriores. De maneira geral, porém, o que se entende por 
11111 afirmação como essa é que toda postura científica pode ter con-
•11•quências éticas, ou seja, uma teoria cientificamente bem concebida 
,, 11laborada poderá provocar certos efeitos concretos, porém, se esses 
c• f Pitos vão ser benéficos ou maléficos depende, segundo essa mesma 
corrente de opinião, não da teoria em si, mas do uso que dela se faz. 
A t oria em si é neutra e indiferente em relação a eventuais aplicações 
11 s . Ou seja, não há ética em nível teórico; só na hora de aplicar a 
l 1 ria é que se pode levantar a questão da ética. 
Um exemplo típico desse modo de raciocínio é o caso dos cien-
t i. tas em Los Alamos envolvidos no projeto Manhattan que, tendo 
1 omprovado, pela primeira vez, a possibilidade da fissão nuclear (e 
,, onsequente liberação repentina de uma quantidade enorme de 
n rgia), nada teriam a ver com o uso militar que se fez no rastro 
d.1 sua descoberta. Da mesma forma, poder-se-ia argumentar que 
dl'terminada teoria linguística e a concepção da linguagem que 
r• l.1 legitima e nutre não podem ser responsabilizadas pelas con-
11quências desastrosas de um plano ·de ação prática (digamos, um 
programa de ensino ou planejamento linguístico) desencadeado a 
p.Htir das mesmas. Assim como o físico nuclear, o linguista teórico 
t.1mbém estaria totalmente isento de qualquer obrigação moral no 
que tange ao uso efetivo que porventura possa vir a ser feito de 
11 s descobertas científicas; descobertas estas feitas presumivel-
111 nte com o único intuito de desvendar as verdades e não o de 
l t rmsformar o mundo. 
53 
1 IJI li 1 l lllttl!J Ili 11111 l IHl11I 1 1'11 11'1 l'fllll r Ili 1 1111 1 11 1111 
Podt•1110H < h.11 11 .1 1 d1 • ' 1.11 011.d 1.1' 1 p<>Hl u ,1 d1 •l 11t •. 1d.1 .H 111 1,1, 
n, m did m qu , 1 crnt, 1i.1 1 o slbili I, 1' d um, r, ion, lidt1d 
n o voltada a interesses práti os, qu inoc nta a razão d qualqu r 
consequência prática. 
2.2. A resposta pragmatista 
Em tempos mais recentes, o filósofo norte-americano Richard Rorty 
tem se notabilizado por advogar uma posição visceralmente contrária à 
postura resumida no parágrafo acima. Identificando-se com o movimento 
pragmatista (corrente filosófica que se iniciou com Charles Sanders Peirce 
e teve entre seus maiores defensores estudiosos como William James e 
James Dewey), Rorty argumenta que teoria alguma tem consequências. 
Para ele, a ideia de que a teoria possa moldar os acontecimentos jamais 
passou de um sonho; e o sonho já acabou. Com isso, também a nossa 
tradição filosófica está com os dias contados. Em nossos tempos "pós-
-analíticos" e "pós-metafísicos", tudo o que resta é filosofar, se é que ainda 
temos vontade de continuar a fazê-lo, como um simples passatempo, 
como qualquer outro, cuja única finalidade seria a de cuidar dos laços de 
solidariedade entre os cidadãos. Para Rorty, junto com o sonho da filo-
sofia (leia-se, de forma mais abrangente, de toda teoria) , acabou também 
qualquer esperança de fundamentar uma ética com base na metafísica. 
2.3. A alternativa marxista 
Em sua obra A miséria da fzlosofza, Marx (184 7) já havia se posicio-
nado visceralmente contra a corrente que identificamos como 'raciona-
lista' . Contra a tese de que a razão seja algo atemporal, supra-histórico, 
e da ordem de um pensamento incorpóreo, Marx foi contundente em 
sua posição, inspirada em Hegel, porém reinterpretada nos moldes 
materialistas, de que a razão se constitui através da história. Contra o 
descompromisso ético publicamente assumido e alardeado pela tradição 
r cionalista, Marx foi igualmente insistente em sua tese de que uma 
íi 1 sofia não voltada para a práxis, que não se interesse em transformar 
11 inundo, não teria nenhuma serventia. Como se lê na inscrição sobre a 
54 
l!H H 1 1• l 1 11! 1' •li 11'1 111 P \!! l 11 
111 l 111111>.1 •111 l.n11tl11 · '/'Ili' 11!1//w1011'11 •u1 h11v1 •1J11/ /1111 •11111•11•,/ tfo 11 111,/,/ 
11 11,11 /<rns woys; t 111' 1wt111, how1 •111 r, i. · to chonp.11 it. 
, COMBNTÁRIOS SOBRB AS TRÊS CORRBNTBS 
1 fácil verificar que das t rês correntes de pensamento que ver-
11 n obre o comprom etimento ético ou não de uma teoria, as duas 
pt ltn iras, a racionalista e a pragmatista, são unânimes em rechaçar 
q1 1,1lquer vinculação entre ciência e ética (ou ideologia). Contudo, os 
111 otivos são bem diferentes . Para a corrente racionalista, nenhuma 
1 r•oria terá implicações éticas diretas, porque a ciência lida com os 
"f.1Los" , ao passo que na étiça estamos lidando com os "valores", e 
mplesmente não há como derivar enunciados que contêm termos 
d11 valor a partir de enunciados que dizem respeito a fatos . 
Para a corrente pragmatista, por outro lado, nenhuma teoria 
t1•rá consequências éticas, simplesmente porque o próprio conceito 
1 IP teoria acha-se despojado de todo o brilho de outrora. Ao contrário 
do que se pensava em outras épocas, nem a ontologia e nem a epis-
l 1 mologia estão aí para avalizar qualquer posição ética nos tempos 
pós-metafísicos que estaríamos vivendo. 
Finalmente, a corrente que identificamos como marxista distin-
y,ue-se das duas primeiras ao pleitear que a teoria (ou se se quiser, 
.1 ciência ou a filosofia) deve estar voltada para fins práticos, que 
Incluem a transformação da própria realidade com a qual t rabalha. 
S m dúvida, trata-se da única entre as três correntes que nos permi-
1 <' pensar a questão do compromisso ético de uma teoria linguística 
qualquer. Há, porém, um empecilho . A abordagem marxista também 
prevê a possibilidade da existência de teorias descompromissadas 
( f. Haldane, 1930). Toda a crítica que Marx dirigiu em sua obra A 
miséria da filosofia tem como alvo, justamente, esse tipo de filosofia. 
No caso de teorias linguísticas isso significaria que 
(a) é possível que exista uma teoria linguística que seja eticamente neutra e 
(b) tomá-la eticamente sensível seria uma questão de opção metateórica. 
55 
1111 11 llMll l ll H1llf Ili f\ 1 llflll li . l llil ll l/\l1l ·M, 1111 N l lll Alll 1 f\ IJlll 1 11 111 
r , s l v d, , p d. 1 Lrn, , hipó ,La l iu.11 " 1• l,d)()n.1 1Y1 ' 
n início deste trabalho, vai d ncontro a ambas ss ' lm t li çõ 
da postura m arxist_a (cf. Rajagopalan, 1995 para uma discussão por 
menorizada sobre essa questão) . 
Nossa hipótese prevê que todas as teorias sobre a linguagem ne-
cessariamente contêm marcas de determinado posicionamento ideoló-
gico ou outro por parte de quem as constrói e, por conseguinte, terão 
necessariamente implicações éticas. Ao contrário do que se depreende 
da posição marxista, a escolha não estaria, em momento algum, entre 
uma teoria eticamente dimensionada e outra eticamente neutra e 
descompromissada; estaria sempre entre teorias, todas elas com claras 
implicações éticas. Em outras palavras, em nenhum momento estaría-
mos pensando a linguagem em termos etico-ideologicamente neutros. 
Na medida em que todo posicionamento ético envolve a defesa 
de certos valores em oposição a outros, ou seja, a hierarquização de 
valores, a hipótese tal qual se acha formulada neste trabalho redunda 
em que todas as distinções são no fundo hierarquias (às vezes muito 
bem disfarçadas ou 'maquiadas') . No caso da linguística, aqui estão 
alguns exemplos mais ilustrativos: língua vs. dialeto, língua vs. fala, 
fala vs. escrita, locutor vs. destinatário, língua materna vs. língua 
estrangeira, (falante) nativo vs. estrangeiro, e assim por diante. 
Para finalizar, que destino teria a · mais celebrada de todas as 
distinções metateóricas que qualquer calouro no campo da linguística 
é invariavelmente convidado a aceitar - a saber, a distinção entre 
um saber descritivo e um saber prescritivo? Bem, ser prescritivo não 
seria mais o exclusivo privilégio dúbio dos gramáticos tradicionais, 
os pobres coitados que já foram explorados como 'sacos de pancada' 
pela moderna ciência da linguagem, a linguística! 
_JLJ 
identidade linguística 
m um mundo globalizado 
Queiramos ou não, vivemos num mundo globalizado. Entre 
11 1t1 , coisas, isso significa que os destinos dos diferentes povos que 
li 1liit ma terra se encontram cada vez mais interligados e imbricados 
11w nos outros - fenômeno que vem sendo chamado de "transna-
111 11 ,\lização" da nossa vida cultural e econômica (Robins, 1997). O 
11 t 1 o lado dessa mesma moeda se chama "desterritorialização" das 
1 r • o s - que, por motivos diversos, tornam-se, em número cada 
'I. m ior, cidadãs do murido - e suas práticas identitárias (Krause 
H1• nwick, 1996). Essa nova relação entre as pessoas das diferentes 
v,lc ( s do mundo, das mais variadas etnias e línguas, de histórias e 
d 1ç ões diferentes, se deu como consequência imediata do rompi-
111 11 I o das barreiras que, até pouco tempo atrás, pareciam intranspo-
1lv1 1, serviam de impedimento a qualquer forma de aproximação 
Ili 11 os povos, a não ser com propósitos nada amigáveis . Estou m e 
l 1 t i ndo às inúmeras barreiras comerciais, econômicas, culturais e 
11 l l rições à livre circulação de informações entre países, barreiras 
I"' e Hl , o desmoronando com rapidez impressionante. 
li 1 ro que seria demasiado ingênuo concluir que o mundo que 
1 e m rgir da derrocada da velha ordem vai estar o mais próximo 
1 " lvc •I 1' um paraíso terrestre, livre das dissensões e dos atritos 
qtH' 1t 1t\ ,, 11111 o 1Lrcw lt 1111pw 11 , o t. o tt •11 w to . '0 111 e tl1• ;.i:, 1, ,1 <Ili• l.1 
d muro B rlim n. si 1nlfi ot1 o c>1 d L d nL. d~ paz 
mundial duradoura, como claram nte o demonstram as tensões qu 
ainda persistem em diferentes partes do mundo, bem como os fre 
quentes conflitos armados que ocorreram no curto espaço de tempo 
desde 1989. Também não nos podemos contentar com o fim da era 
do imperialismo e de seu avesso, o colonialismo, mais ou menos em 
meados do século XX, com a independência em série de dezenas de 
colônias europeias na África e na Ásia. Seria temerário e irresponsável 
concluir que o espírito do imperialismo e do colonialismo passou para 
as páginas da história. Em conferência proferida na Universidade de 
York, em Toronto, Canadá, em fevereiro de 1993, o critico literário e 
comentarista político Edward Said (1993) acusa os EUA de persistir 
em suas pretensões imperialistas, lembrando que o fenômeno "Estados 
Unidos" foi, desde o seu começo, fundado na ideia de um imperium. 
Foi fundado como um império, um estado soberano que se expandiria 
em população e território e aumento de poderio. 
E acrescenta: 
Curiosamente, porém, tão influente tem sido o discurso que insiste 
na especificidade [norte]americana, em seu altruísmo, e nas oportu-
nidades [que o país oferece], que o imperialismo nos Estados Unidos, 
quer enquanto palavra quer como ideologia, tem aparecido rara e só 
recentemente em discussões sobre a cultura, política e história dos EUA 
Ou seja, Said está nos alertando sobre a prevalência de um cer-
to discurso que só serve para camuflar as verdadeiras intenções de 
certos governantes; persegue-se a velha política expansionista, porém 
agora disfarçada de interesse altruísta. As relações internacionais 
ainda continuam como sempre foram: uma luta de foice onde se 
salva apenas quem tem "maior poder de barganha". As tensões e os 
frequentes desentendimentos entre povos, ao que tudo indica, não 
vão desaparecer como num passe de mágica. Talvez, até seja utópico 
d mais esperar que isso ocorra, se admitirmos a hipótese de que a 
1 ropensão à violência faz parte da própria natureza humana. 
58 
() 1111 li 1 1 t>pOI li O Ili ' l 1• ( ol j>ll lllo 11 1 O • 1td,1j•,olt •I 1• I 1 111 t lll rt 
ilc .111 1• o :wnho .rntlgo cl .1 ",1ld 11, 1'1 b, I". :o. t ,11i,1 .1pc• 11 ,1 d1• 1
1 11 1 
tlgum, Sr fl X 'S, ' IH puro ·pirito Sp ul, tiv , a t'HP •ln d.1~ 11111 
rl.111 • s qu sinto star m em curso na identidad lingufsli 11 "'' c,1d,1 
11111 cl nós como resultado da globalização. Digo desde já, a lftulo d 
1111 ipação de minha principal conclusão, que nunca na história da 
l111n1 nidade a identidade linguística das pessoas esteve tão sujeita 
e nrno nos dias de hoje às influências estrangeiras. Volatilidade e insta-
l11li dade tornaram-se as marcas registradas das identidades no mundo 
p<>s-moderno. Nossas vidas estão sendo cada vez mais literalmente 
ttv didas pelas informações advindas de fontes de todos os tipos, 
,1lgumas bem-vindas, outras nem tanto. A internet nivelou em grande 
p.1rte as desigualdades que existiam entre o centro e a periferia no que 
tt speita ao acesso às informações, como cada vez mais estão desco-
hri ndo, com espanto, os governantes autocráticos e inescrupulosos em 
v. rias partes do mundo que historicamente se valeram da possibilidade 
ri<' reter informações ou até mesmo do instrumento igualmente eficaz 
dt1 desinformação proposital para manter-se no poder. A radiodifusão e 
.1 televisão via satélite tornaram possível a transmissão de notícias em 
1 t>tnpo real. Hoje, principalmente nas populações urbanas do mundo 
Inteiro, só vive desinformado quem quer se isolar do resto do mundo 
por vontade própria, sendo que os inúmeros cartazes e outdoors espa-
1 h, dos em lugares públicos e outras formas de propaganda agressiva 
tinda se esforçam para que o nosso "ludita" contumaz deixe de realizar 
t'U sonho em plenitude. Estamos vivendo a era da informação - hoje 
ornos o que sabemos. E a linguagem está no epicentro deste verdadeiro 
1balo sísmico que está em curso na maneira de lidar com as nos~as 
vidas e as nossas identidades. Se a identidade linguística está em cris , 
1. so se deve, de um lado, ao excesso de informações que nos circunda 
t•, por outro lado, às instabilidades e contradições que caracterizam 
tanto a linguagem na era da informação como as próprias r Jaçõ s 
ntre os povos e as pessoas. 
Tenho plena consciência de que estou propondo algo qu c rta-
mente incomodará muitos dos meus leitores, uma vez que a perda de 
59 
l Ili llf\ H!Pllll 111 !'\ 1 1 Ili 
l h•11t l l.1cl • <' 11101 Ivo ele• .111)\ll l " 11111 q11 ,ilq111•t 11 t11 . 1 ~. o. N 1 v<•tcl.1d •, 
t m nh a ngúLi._ 1u 1 limo j. <1111, p r, n m mLiilos s l r s 
que, como bem ressalta Samu l llunlington (1997), pod mos cons 
tatar duas tendências, contraditórias entre si, em franca expansão: 
a globalização e a regionalização. A segunda se processa à revelia 
ou, talvez em resposta direta à primeira. Em suas próprias palavras, 
Nesse mundo novo, a política local é a política da etnia, e a política 
mundial é a política das civilizações. A rivalidade das superpotências 
é substituída pelo choque das civilizações (Huntington, 1997: 21) . 
Isto é, ao mesmo tempo em que se fala em interesses globais, as 
nações estão procurando cada vez mais cuidar dos · interesses regio-
nais, haja vista a formação de zonas livres de comércio internacional, 
dentre as quais o Mercosul. Huntington cita em prol da sua tese a 
atitude de países como a Rússia, a Polônia, a Hungria, e a Grécia 
que, durante a guerra do Kosovo, não escondiam sua simpatia para 
com a Iugoslávia, colocando acima dos seus compromissos 'globais' 
interesses locais como a etnia (eslava) ou a religião (ortodoxa), mesmo 
tendo oficialmente endossado os bombardeios da OTAN. Huntington 
entende que já se foi o tempo em que os países se submetiam aos 
interesses alheios por motivos de vantagens imediatas ou em razão da 
incapacidade de se autoafirmar. As relações internacionais continuam 
a ser conturbadas, cheias de tensões e contradições. 
A política mundial está sendo configurada seguindo linhas cultu-
rais e civilizacionais. Nesse mundo, os conflitos mais abrangentes, 
importantes e perigosos não se darão entre classes sociais, ricos e 
pobres, ou entre outros grupos definidos em termos econômicos, 
mas sim, entre povos pertencentes a diferentes entidades culturais. 
As guerras tribais e os conflitos étnicos irão ocorrer no seio das 
civilizações (Huntington, 1997: 21). 
A análise de Huntington tem muito a ver com a identidade 
linguística que está se formando no mundo inteiro. Por um lado, ela 
mostra marcas inconfundíveis da globalização que, segundo alguns 
r ticos, não passa de um eufemismo para a "estadunização" ou uma 
60 
1111v,101dc•111 1111111cl ,d oi> .1 •')\ 11 • d.1 "P,1x (Nml<• )/\111e'1 1 .1 11 i" :; du• 1, 
prn l'X 1 mp lo , (li <' O 1 IV 1ltl~O l ri tnf, 11l l. lfn •U,1 i11glt'lld 11111111 111 •o 
pt< f t1r id d omun i , , int rn cional s 
H d •m i línguas do mundo. Em tom propositadam nt , 1, rm, 1H <', 
l'hlllipson (1992) discute o fenômeno de "imperialismo linguístico" 
L1l.1 d "invasão linguística" a que vêm sendo submetidas as demais 
11.1 õ s, mediante os empréstimos linguísticos em grandes quantidades. 
l l.1 quem fale em termos de "glotofagia" (Calvet, 1974), "linguicídio", 
"111atança linguística'', "canibalismo linguístico" (Phillipson e Skutnabb-
1 .ll'lgas, 1995) e "genocídio linguístico" (Day, 1980) etc., termos que, 
por si sós, contribuem para desenhar um quadro macabro e desolador. 
Em termos mais ousados ainda, Pennycook (1998) alega que tanto a 
1111 'liª inglesa como a disciplina que se diz interessada em questões 
1 nguísticas - a linguística - estão impregnadas da ideologia de 
1 nlonização (voltaremos a essa questão adiante). 
Por outro lado, há também claros sinais de reação. Da mesma 
forma que prevalecem, conforme Huntington, tendências opostas e 
1 ontraditórias de globalização e regionalização na esfera das relações 
1111 rnacionais, a identidade linguística do cidadão do mundo globali-
:r..1do também se acha rasgada ao meio pelas forças de submissão ao 
poder avassalador da influência estrangeira (representada pela língua 
Inglesa) e de resistência e enfrentamento com ingerências sofridas. A 
rr ente mobilização política contra estrangeirismos em diversos países, 
ln lusive o Brasil, pode ser vista como uma forma de enfrentamento, 
Inda que a ideia de que um punhado de leis e regulamentos locais 
1 >ssa conter algo que ocorre em nível global pareça um tanto qui-
xotesca. O fenômeno que merece maior atenção por parte de todos 
o interessados no assunto é a formação de focos de resistência bem 
mnis fundamentada em diferentes partes do mundo (Canagarajah, 
1 ~)99) e a importância que a chamada pedagogia crítica assume cada 
Vt z mais nessa empreitada. Contrariamente aos políticos e demagogos 
111 querem faturar resultados imediatos incitando a opinião pública 
ontra todas as influências estrangeiras e pregando uma espécie de 
li. uvinismo linguístico como antídoto, esses pesquisadores advogam 
61 
l 'lllJ IJ 111 11111 Ull 111 li 1 1'111 
lllll.1 .1lit11dt1 llHtÍlo 111 ,il: N. 1di.1, qut• (()li i lt• ('111 i11v1 •1 lit (,Hl.1 Vt'!l. 111 .lil 
n s slr, l gi s tl' "•mpow rm •nt" provicl n i< r m lh or s ondiÇÕ('n 
para enfrentar o adversário em seu t erreno, em vez de s escondct 
por trás de uma muralha de autoisolamento. 
O traço mais visível da identidade linguística nesses tempos pós 
-modernos é a mestiçagem, da qual nenhuma língua escapa hoje em 
dia. Durante muito tempo, a linguística relutou contra a possibilidade 
de as línguas se influenciarem de outra maneira que não mediante , 
cadeia evolutiva. A chamada areal linguistics, segundo a qual as línguas 
faladas em regiões geograficamente contíguas podem, com o passar do 
tempo, influenciar uma à outra, ainda encontra focos de desconfiança 
e rejeição, apesar de trabalhos clássicos como o de Emeneau (1956) 
e, mais recentes como Thomason e Kaufman (1988). A linguística 
moderna ainda não conseguiu se desvencilhar da ideia de que as 
únicas mudanças que ocorrem ao longo da trajetória das línguas 
particulares devam-se a causas intrassistêmicas, isto é, a mudanças 
motivadas por fatores internos, genéticos. Trata-se de uma herança 
da chamada linguística comparativa que floresceu no século XIX. É 
uma ideia sutilmente preconceituosa - embora a maioria de seus 
defensores não tenha, ao que gostaria de crer, parado para pensar 
sobre isso - porque é alimentada pelo mesmo desejo de pureza e 
pelo mesmo medo de mestiçagem que costumam dar origem a outras 
formas de preconceito como racismo. Max Muller (apud Thomason 
e Kaufman, 1988: 1) foi taxativo em sua afirmação de que não pode 
haver línguas mistas. 
Isso nos conduz de volta a Pennycook, para quem a linguística, 
tal qual se encontra hoje, ainda permanece imbuída de ideias pre-
conceituosas advindas da época do colonialismo. Talvez devamos ir 
mais longe ainda e afirmar, como faz Hutton (1996), que, enquanto 
disciplina acadêmica, a linguística ainda carrega traços de sua origem 
no século XIX. Afinal, foi no século XIX que não só o imperialismo 
uropeu atingiu seu ápice, mas, inebriado pelo espírito do Iluminis-
mo, a identidade do homem dito "emancipado" adquiriu os matizes 
62 
d11 l11cl vld11.dl1111t1 1ix.11t1 h.1do t cl,1 .itrog. 11çl,1 1•1n tt'l ,1\ • o 110 , IH'lll 
1i.111•N t' , M, • N.1Lun•:1.,1. 
ll pr iso r • onh r que a linguística - tal qual se encontra hoj 
1•st mal equipada para nos fornecer subsídios para falar da iden-
1 1 l.Hl humana em nosso tempo de globalização. Parte da dificuldade 
111 , eitar a tese de que nossa identidade linguística se caracteriza 
pn instabilidades talvez tenha a ver com o fato de que simplesmente 
11 , o há lugar para um falante com tal perfil no mundo da linguística, 
1111d as eventuais instabilidades são tipicamente tratadas ou como 
i 11 , is de desvio ou como evidenciando simples falta de competência 
(1 ,, o de falantes estrangeiros e pessoas portadoras de deficiências) 
1111 orno marcas de estágios passageiros (caso de crianças e falantes 
d1 "pidgins") (Rajagopalan, 1997b, 1998a). Contudo, as instabilida-
d1 8 têm sua origem naquilo que Bakhtin (1981) chama de "as forças 
1 l'lltrífugas na vida da linguagem". Diz Bakhtin (1981: 273): 
A linguística, a estilística e a filosofia da linguagem que nasceram e 
foram forjadas pela corrente das tendências centralizadoras na vida 
da linguagem têm ignorado a heteroglossia dialógica na qual estão 
incorporadasas forças centrífugas na vida da linguagem. Por este 
motivo, elas não foram capazes de acomodar a natureza dialógica 
da linguagem, que é uma luta entre pontos de vista sociolinguís-
ticos, e não uma luta intralinguística entre vontades individuais e 
contradições lógicas. . 
Ou seja, o falante que o linguista quer celebrar é o falante ide-
1, não contaminado pelo contato com os outros, uma espécie de 
bom selvagem (Rajagopalan, 1997a). O bom selvagem nunca saiu 
do mundo imaginário do seu criador Jean-Jacques Rousseau, para 
pisar na terra dos mortais comuns. Pelo que se vê, as chances de s 
d parar com ele em nosso mundo pós-moderno globalizado são cada 
vez mais remotas. 
63 
l 
íngua estrangeira 
autoestima 
No contexto de ensino de língua estrangeira, uma das per-
'tlntas quase nunca feitas pelos pesquisadores e professores é: "Por 
que é que os alunos querem aprender uma língua estrangeira?" Não 
difícil adivinhar o porquê de tamanho descaso e desinteresse em 
, ber algo que com certeza deveria nortear a elaboração de currículos 
1 conteúdos curriculares, a adoção de metodologias apropriadas e a 
fixação de metas a ser alcançadas. O simples fato é que, com raríssi-
mas exceções, sempre se pensou que só pode haver um único motivo 
pn.ra alguém querer aprender uma língua estrangeira: o acesso a um 
mundo melhor. As pessoas se dedicam à tarefa de aprender línguas 
strangeiras porque querem subir na vida. A língua estrangeira sempre 
r presentou prestígio. Quem domina uma língua estrangeira é admi-
rado como pessoa culta e distinta. Tanto isso é verdade que a palavra 
11 strangeira" é comumente reservada para qualificar uma outra língua 
que conta com mais respeitabilidade que a língua materna de quem 
f, la - por mais incrível que isso pareça à primeira vista! A maior 
prova disso é que, quando a língua é considerada de menor prestígio, 
quase sempre qualificada como "exótica" ou até mesmo como um 
"dialeto", e não como uma "língua" propriamente dita (a esse r sp ito, 
vale a pena lembrar o velho ditado que diz: uma língua é um dialeto 
riue conta com um exército e uma marinha). 
65 
' ' ' ' ' ' " ~ 1 .,, l 1 1 t ,. 1 Ui• li 1 ' li 1 l li 1 ll I'! ' 11111 j 1 1 f li J 
1\ .d do Ili ' . ll g11 111 do 111.1 de l.1 .H lm 111 tod o: lt- <• 11 11! 110 d<• 
lfngu tr ng ir 1 g , 1 11 o 1 rnllno d, S Jundt rr. Mundit 1 
- como o método audiolingu l - [ r m ap rf içoados a partir das 
experiências acumuladas através do estudo de línguas "exóticas". Na 
primeira metade do século XX, quando o ensino de línguas estrangeiras 
adquiriu importância estratégica para os Estados Unidos, em grande 
parte como resultado das necessidades impostas pelas duas grandes 
guerras, a linguística - sobretudo nos EUA - quase exclusivamente 
se resumia ao estudo de línguas "exóticas". A expressão "linguista da 
selva" (jungle linguist), cunhada pelo filósofo Willard Quine, se refere 
precisamente a essa característica distintiva da linguística da época. 
Quando requisitados para desenvolver métodos e técnicas para ensi-
nar línguas estrangeiras em um curto espaço de tempo, os linguistas 
simplesmente transferiam para o campo de ensino o conhecimento 
acumulado das línguas indígenas/exóticas (Rajagopalan, no prelo-2). 
Entretanto, a diferença crucial entre línguas "exóticas" e línguas 
"estrangeiras" continuou intacta. Afinal, trata-se, não de uma dife-
rença objetiva, mas de uma diferença dependente de uma escala de 
valores. Trata-se, em outras palavras, de uma distinção com fortes 
conotações ideológicas. Como vêm chamando a nossa atenção auto-
res como Phillipson (1992) e Pennycook (1994, 1998), o ensino de 
línguas estrangeiras sempre teve uma dimensão fortemente colonia-
lista. Phillipson (1992: 4 7) entende que o imperialismo linguístico faz 
parte daquilo que se convencionou chamar de "linguicismo", termo 
este que se refere "às ideologias, estruturas e práticas que são mo-
bilizadas para legitimar, efetuar, e reproduzir uma divisão desigual 
de poder e recursos (tanto material como não material) entre grupos 
demarcados com base linguística". 
Não seria difícil demonstrar que a linguística enquanto disciplina 
moderna é herdeira da antropologia na forma como esta se desen-
volveu no século XIX. A piada recorrente a respeito da antropologia 
elo século XIX, segundo a qual antropologia seria fruto do olhar do 
h m m branco em direção ao índio (sendo o contrário considerado 
66 
11111ic) 111lol11l',l1), 11.1 v1•11l,11 l1 • de• l.1 ,, o vit•. colo11 d 11q111,111111 111 
q11 IH i,\, m 1rcou 11111!101 clrn <11 t ucl >.· f ilos n 'H. <' e ,1111p11 d1• p1• qtd t, 
N. o 1 .•tr< 1 ht1r, 1 ort, 1 Lo, qu a linguísti , t,\1111> 111 d1•111011 l 11 
11 11quf i s d id l gi qu tanto influenciou sua <lis iplin,1 111. l' . 
Voltando ao nosso ponto inicial, a principal diferença, cm t r-
111os práticos, entre uma língua "exótica" e uma língua "estrangeira" 
u melhor, entre considerar determinada língua como a primeira 
nu segunda - está em que, no caso da primeira, nosso interesse 
1'111 estudá-la se resume a uma curiosidade científica - o prazer de 
1 onhecer o estranho e o mítico - ao passo que, no caso da segunda, 
omos movidos pelo desejo de ampliar os nossos horizontes culturais, 
1111 nos lançar a um melhor nível de · vida - em suma, de tirar pro-
v •ito do contato com algo previamente entendido e encarado como 
1 ttperior ao que já possuímos. 
É por este motivo que, no caso das línguas estrangeiras, sempre 
. ' fixou como meta para os esforços didáticos nada mais nada menos 
que a aquisição de uma competência perfeita, entendendo-se por com-
p tência perfeita o domínio que o falante nativo supostamente possui 
ela sua língua. Aliás, a partir da chamada revolução chomskiana na lin-
guística, tornou-se redundante qualificar a competência como perfeita. 
A competência do falante nativo de um idioma dado, segundo a visão 
t órica de Chomsky, é perfeita. O falante nativo sabe a sua língua, e 
pronto. De acordo com essa cartilha, cabe ao aprendiz de língua es-
trangeira fazer o possível para se aproximar da competência do nativo. 
No entanto, havia também um corolário da premissa inicial -
não explicitado como tal, mas sempre tomado como um pressuposto 
no campo de ensino de línguas: nenhum falante não nativo jamais 
pode sonhar em adquirir um domínio perfeito do idioma. Isso natu-
ralmente levou à consequência de que o ensino de língua estrangeira 
fosse, durante muito tempo, considerado um empreendimento com um 
objetivo inatingível - não só na prática, como também em princípio. 
Daí as constantes propostas de melhorar a autenticidade do material 
didático na esperança de que a distância entre o objetivo almejado e 
o resultado efetivamente alcançado fosse cada vez mais diminuído. 
67 
, J.1 .11gi111w11t1 1i1• 111nt1t11 111111111111 d.1d1 1 qu 1 o p1up11u <OlHt•lto 
f. J< l l 1 t1t1Liv , lgo idt•olo~', < .i1111 111t 1 • Wi f 1il (1 íljc 'ºI • 1. n, 1997,, 
1997b). Contrariam nt ÍI ur,1 1 n, tiv qu , na poca áur da lin 
guística estrutural era encarada como uma espécie de "bom selvagem", 
o nativo que emergiu do modelo chomskiano foi um ser cartesiana-
mente onipotente. Em matéria de ensino de língua estrangeira, tal 
concepção do nativo, marcada por um grau de veneração desmedida, 
só deu ampla vazão à ideologia neocolonialista que sempre pautou o 
empreendimento. O que se viu foi uma verdadeira "apoteose do nativo" . 
Não é de estranhar que o ensino de língua estrangeira ainda leve 
muitos alunos a se sentirem envergonhados da sua própria condi-
ção linguística. Pois o lado mais nocivo e macabro da ideologia que 
norteou, durante muito tempo, os programas de ensino de língua 
estrangeira é que, como resultado direto de determinadas práticas e 
posturas adotadas em sala de aula, os alunos menos precavidos se 
sentiam diminuídos em sua autoestima, passando a experimentar 
um complexo de inferioridade. A língua estrangeira e a cultura que asustenta sempre foram apresentadas como superiores às dos discentes. 
Felizmente, há sinais de que a situação está começando a sofrer 
mudanças significativas. Em grande parte, essas mudanças - sem 
dúvida, ainda tímidas - têm a ver com a percepção de que as lín-
guas naturais não são estanques, mas, pelo contrário, suscetíveis a 
toda sorte de influência externa. Num mundo globalizado como o de 
hoje, as línguas estão sofrendo influências mútuas numa escala sem 
precedentes. As chamadas "línguas francas" do mundo moderno já 
não são mais línguas cujas trajetórias históricas permaneceram con-
tínuas e sem influências externas ao longo do tempo. São todas elas 
formas de comunicação que tiveram origem no contato efetivo entre 
povos, processo que continua com maior força nos dias de hoje em 
razão do encurtamento de tempo e espaço que é a marca registrada 
do momento histórico em que vivemos. Os chamados "portunhol", 
"franglais", "spanglish" são exemplos concretos da realidade linguís-
tica do mundo de hoje. São línguas mistas em constante processo de 
68 
•vo h1~ , o, 11e 01111•h1v1 i: 11n 1111.d do t < ulo XIX, q11.1111ln M.1x M! 11111, 
v,t 111 !1 1 inclc logo 11 <"l i ltdlo.'o d. s 1 n u ind \1rop11 i.1•i, h pou , 
d1 1<'r 1L r surn, ri< m 1 t in xistência de línguas mi s . 
/\. existência das línguas mistas nos dias de hoje corresponde 
miscigenação crescente entre povos e culturas no mundo inteiro. 
11 m ainda pensa em termos de línguas estrangeiras, falantes nativos 
' t . como se tais conceitos fossem definidos de uma vez por todas e 
11 pazes de serem repensados, na verdade, ainda está vivendo no 
11 ulo XIX quando entes como nação, povo, indivíduo eram conce-
liiclos em termos de uma lógica binária segundo a qual só se admitia 
11ina resposta categórica do tipo "sim" ou "não" (Rajagopalan, 2002f). 
Vivemos, na verdade, uma época em que a questão da identidade já 
11. o pode ser mais considerada como algo pacífico. As identidades 
slão cada vez mais sendo percebidas como precárias e mutáveis, 
li cetíveis à renegociação constante. 
Uma das maneiras pela qual as identidades acabam sofrendo o 
processo de renegociação, de realinhamento, é o contato entre as pes-
cas, entre os povos, entre as culturas. É por esse motivo que se torna 
e .1da vez mais urgente entender o processo de 'ensino-aprendizagem' 
d' uma língua "estrangeira" como parte integrante de um amplo pro-
l sso de redefinição de identidades. Pois as línguas não são meros 
Instrumentos de comunicação, como costumam alardear os livros 
Introdutórios. As línguas são a própria expressão das identidades de 
1uem delas se apropria. Logo quem transita entre diversos idiomas 
está redefinindo sua própria identidade. Dito de outra forma, quem 
prende uma língua nova está se redefinindo como uma nova pessoa. 
Num mundo que serve de palco para o contato, o intercâmbio 
· 'm precedentes entre povos, o multilinguismo adquire novas co-
notações. O cidadão desse novo mundo emergente é, por definição, 
multilíngue. O multilinguismo como língua franca (cf. Desai, 1995) já 
tornou uma realidade no continente da África e nas comunidades 
<orno a União Europeia. Ao que tudo indica, o mesmo deve se r petir 
t 1m outras partes do mundo, se é que já não esteja em curso. 
69 
11, 1 l.11 d t • ( o 111pt'1 t 1 u , 1 e n 1111111 1 , 1 I v 1 t • 111 , 1 \l .t ~ t t • d e• 11111 li li l 11 
iiuisn im1 li • r •v •r ,, pt 1p1 ,1 110~, o cl cmnp 1l n i,1 om11ni , liv.1 
t 1 qual D 11 IIym s , d f1nit1 t•111 s 'l i L 1xt clássico (1 lyrn s, 1972). 
Pois a competência comunicaliv de um falante multilingue é algo 
em estado permanente de mutação. O destronamento da famigerad ,1 
figura do falante nativo, junto com sua suposta competência linguís 
tica, significa, no entender de Davies (1989: 169), a possibilidade de 
pensar em metas mais razoáveis e exequíveis no ensino de línguas 
estrangeiras. Significa, antes de mais nada, que o verdadeiro propósi 
to do ensino de línguas estrangeiras é formar indivíduos capazes d 1 
interagir com pessoas de outras culturas e modos de pensar e agir. 
Significa transformar-se em cidadãos do mundo. 
As atividades de ensino e aprendizagem de línguas "estrangeiras" 
fazem parte de um processo muito mais amplo que podemos chamar 
de redefinição cultural. Nesse processo, não faz o menor sentido falar 
em termos de perdas e ganhos. Nós simplesmente nos transforma-
mos em outras pessoas (Rajagopalan, 2001c). Afinal, é na linguagem 
e através dela que as nossas personalidades são constantemente 
submetidas a um processo de reformulação ou àquilo que o filósofo 
canadense Charles Taylor batizou de "self-fashioning" (Taylor, 1992). 
O importante em todo esse processo é jamais abrir mão do 
nosso direito e dever no que tange à nossa "autoestima". É preciso 
dominar a língua estrangeira, fazer com que ela se torne parte da 
nossa própria personalidade; e jamais permitir que ela nos domine. 
70 
~ _ [_ [ 
construção de identidades 
l .[NGUÍSTICA E A POLÍTICA DE REPRESENTAÇÃO 
[ ... ] aquele objeto ilusório dos estudos fi.lo sófi.cos, 
a história interna da ciência. 
STEVE FULLER 
Entre os pesquisadores que se interessam pela questão da 
icl ntidade, já não há mais quem, em sã consciência, acredite que as 
icl ntidades se apresentam como prontas e acabadas. Pelo contrário, 
,\ redita-se, em larga escala, que as identidades estão, todas elas, em 
1 rmanente estado de transformação, de ebulição. Elas estão sendo 
t cmstantemente reconstruídas. Em qualquer momento dado, as identi-
cl~ des estão sendo adaptadas e adequadas às novas circunstâncias que 
v, o surgindo. A única forma de definir uma identidade é em oposição 
íl outras identidades em jogo. Ou seja, as identidades são definidas 
struturalmente. Não se pode falar em identidade fora das relações 
struturais que imperam em um momento dado. 
Em última análise, esta nova postura nos obriga a adotar uma visão 
nominalista em relação ao mundo. A função de nomear, de "dar nomes 
os bois" ou, como diz Shakespeare, "give a local habitation anda name", 
aba assim se revelando um ato genuinamente criativo. A linguagem 
dâmica, ou melhor, a forma como, de acordo com a Bíblia, o primeiro 
homem é conduzido por Deus a passar em revista todos os animais 
que acabara de criar e dar a cada um deles um nome, começa a adqui-
rir uma interpretação totalmente nova· e com implicações profund s. 
Ao dar um nome "próprio" a cada animal, distinguindo-o dos d mais 
hichos, o primeiro homem estava dando largada, sob o olhar at n to do 
Todo-Poderoso, à prática de identif7.car cada um com base naquilo qu 
e, da um não compartilhava com seus pares. 
71 
1 ·111• 1111 1111 11 111 li• Ll• ll I 
A i I 1111 l l,ul • 1 ~ t • p1• lo 11. o o .1rn •tt' vlvm m1 oi J1• to. on 
cr os n m 1 1 , mi on 1i(j .11n 1•lt Ili , p r motivos bvi ' , m i. 
rv m d ex mplo n lit r Lur, 1 rLin n . N da nos imp d d' 
estender a discussão da identidad para nglobar o caso de conceit s 
abstratos. Estes também são afinal distinguidos e demarcados um dos 
outros através do mesmo procedimento. A cor azul se distingue da cor 
amarela, e ambas são mantidas separadas pelo "verde'', a qual se de 
taca como terreno disputado tanto pelo azul como pelo amarelo. Dito 
de outra forma, algo pode ser considerado amarelo apenas na medidél 
em que não pode ser considerado também azul, e assim por diante. 
Neste capítulo, gostaria de entender o processo pelo qual se dá a 
construção de disciplinas acadêmicas distintas. Afinal de contas, uma 
disciplina também tem sua própria identidade. Podemos dizer que ' 
através da reivindicação de uma identidade própria que uma disciplina 
nasce. E, para reivindicar uma identidade própria, os defensores da nova 
disciplina se empenham na tarefa de apontar as razões pelas quais en-
tendem que a nova disciplina difere das demais que a circundam. Em um 
primeiro momento, trata-se de uma reivindicação de autonomia. Mas o 
nascimentoda disciplina em si só ocorre com um grito de independência 
e separação definitiva do campo de estudos que abrigava até então. 
Assim que se estabelece no cenário acadêmico como independen-
te das demais disciplinas, a nova disciplina começa a demarcar suas 
linhas fronteiriças. Cabe aos novos "donos" do recém-conquistado 
terreno zelar pela sua integridade e repelir ataques do lado de fora, 
como também possíveis movimentos de secessão, oriundos do lado 
de dentro. Ou seja, a história se repete. Os revolucionários de outrora 
se transformam nos conservadores após a conquista das suas reivin-
dicações. É o que preconiza a tese de Kuhn (1962), segundo a qual 
a ciência vive um eterno ciclo, a começar por um período de relativa 
calma, a da "ciência normal'', o qual é repentinamente interrompido 
por uma "revolução" (que, com frequência, culmina na tomada de 
poder por intermédio de "um golpe palaciano"), que cede seu lugar a 
um novo período de calmaria, agora regido pela nova ordem. Como 
veremos adiante, do ponto de vista da "identidade" de disciplinas que 
participam do empreendimento chamado "ciência'', há fortes razões 
para repensar tal suposto movimento da ciência em fases tão opostas. 
A linguística não foge à regra. Pelo contrário, ilustra muito 
ht o processo descrito acima. Como se sabe, ela se firmou como a 
72 
"11111rl1•111t1 1 11 ti cl.1 1 llJ•,11 ,1g1• 11 1" .10 • 1 dt • v IH 1d.11 cl.1 ldnl11 ~l 1 1111 d 1 
1 l11n1,1d ,1 "li11gu1st l .1 cli,H 1 rin iJ 1 11101 vo p.11 ,1 11 t l1e 11 
t.d H •1, r, , foi - 01 Linu nd o ' di 1H d l111J1 • Jll t.i 
111< 1 11L u propal d rát r científico. Segund in1w •11 ( 1 !)() '/ : li) , 
"l.i l r ivindicaçãomaisimportantequeoslinguistasf z m 1. r•sp itc 
ci o ' u próprio trabalho] é que ele é científico". Já Sampson ( 1 80: 
1 :i) v i diretamente ao ponto que nos interessa aqui quando diz: 
O estudo científico da linguagem decerto não começou no século XX; 
mas os anos próximos ao ano 1900 presenciaram uma importante 
reviravolta na história da linguística moderna. Mais ou menos na 
mesma época, de forma independente na Europa e na América, a 
linguística sofreu uma mudança em sua orientação, de tal sorte que 
os trabalhos feitos no campo no século XIX hoje parecem relativa-
mente remotos quando comparados às preocupações que movem 
os linguistas dos tempos mais recentes. 
Uma vez consolidado como disciplina, um determinado campo 
ele • estudos precisa vigiar constantemente as suas fronteiras, se pro-
l 1•p r contra incursões indesejáveis e ceréear os trabalhos que são 
c le . envolvidos dentro dos seus limites, estabelecendo para tal fim 
11111 conjunto de critérios que serão utilizados para decidir se uma 
clc •terminada proposta, digamos de cunho teórico, cabe ou não dentro 
cio limites estabelecidos para o campo. 
Quem opta por pensar a questão da construção de identidades em 
t 1•rmos não essencialistas se depara com duas posturas alternativas, 
1ntagônicas entre si, ambas bem consolidadas nos dias de hoje. Uma 
rc e.luz a problemática da identidade a uma espécie de acordo tácito 
n re os membros de uma determinada comunidade de fala. A outra 
nsiste em que deve haver algo por trás desse aparente consenso. 
l!ntendem os seguidores dessa segunda corrente que tal suposto con-
' nso não pode se dar senão como fruto de um jogo de poder, jogo 
.'te que, por sua vez, não pode estar, de forma alguma, no próprio 
1stema simbólico em si, porém, mesmo assim, deve atuar sobr ele 
de> maneira decisiva. Como Bourdieu salienta com muita proprieda-
d1', ambas as posturas são igualmente falhas - a primeira, por não 
11 onhecer a presença oculta das estruturas de poder e a segunda, 
por ignorar que as estruturas simbólicas têm, afinal de contas, uma 
e e•rta realidade própria. Ambas, enfim, pecam ao não prever o devido 
111 ar nos seus respectivos arcabouços para a vontade do agente social. 
73 
11 1 1 1 r 11 1 ''I 1 
lll ' li objt•I V() Ili' lt • l t ti> dl111 1' 11 clt lt'< (' I .ilg11111,11 t , p cl ,1, 
sidl1 , õ •s , r 1 rn111tlt11 \•o l.1 li11gu sli ,i 'nqw11\l 
, m s guida, s br 1, J><'I cio 1wsqui ,. l r su tu ç. 
ag nte. Em primeiro lug r, nv m fri r que a identidad da lingufs 
tica, como qualquer outra identidade, também é algo construído e n. o 
dado a nós como definido de uma vez por todas (Rajagopalan, 198'/, 
1988). Dito de outra forma, quem faz linguística está necessariamenlt' 
participando da história da disciplina, quer consciente, quer inconscien 
temente (Rajagopalan, 1989). Uma consequência dessa abordagem, nem 
sempre lembrada, é que todo trabalho de pesquisa, por mais "rotineiro" 
ou "bem comportado" que pareça, contribui para a transformação d<i 
disciplina. Ora, isso significa que a tão decantada "revolução" kuhnian, 
nada mais é do que uma visão que ainda carrega resquícios da mesm. 
filosofia da ciência com a qual se pretendia romper. Para quem insiste 
em olhar para a história da disciplina de forma não participativa, ou 
adotando o olhar do outsider, parece que a ciência progride "aos tran 
cose barrancos" - um longo período de "ciência normal", de repent 
sacudido por uma "revolução", em cujo rastro se segue outro período 
de tranquilidade, de novo de "ciência normal". Aquilo que parece uma 
revolução se revela, dentro dessa perspectiva, um determinado momen 
to na lenta evolução da ciência visto de forma apressada. No fundo, a 
própria distinção entre revolução repentina e evolução gradual tem a 
ver com os pontos de vista do outsider e do insider. 
Entre os filósofos da ciência que perceberam o caráter surpre-
endentemente conservador da tese de Kuhn (1962) está Fuller. Para 
Fuller (1993), o problema todo começa com a insistência de Kuhn na 
possibilidade de haver uma visão "interna" da ciência em oposição 
à visão externa. A própria distinção interna vs. externa acaba atra-
palhando o projeto de Kuhn. No entender de Fuller, Kuhn herdou 
dos positivistas lógicos a preocupação com a sociedade restrita dos 
cientistas, excluindo as pessoas comuns daquele clube de seletos -
a sociedade no sentido amplo. Com isso, a ciência deixou de ser um 
empreendimento normativo. No século XIX, filósofos como Auguste 
Comte e John Stuart Mill teriam se inspirado no preceito kantiano 
de desvincular o problema do conhecimento da meta de compreen-
der a realidade como ela é (noumenon ou Ding an Sich) para chegar à 
conclusão de que o conhecimento que se busca deveria ser o conheci-
mento mais valioso para a humanidade (e não o conhecimento mais 
74 
I 11111 111111 1\•1111 1111111111 1\ 111 111111111lllA1 A l'IJllllll\ 11 1111·111• llHA• •I 
.11111.iclo ()li f1t•I ' V 1d.11l1, 11)111() 1 (' Jlt'illl1lV1I .11 1111. o) .. J. llO Ht titio 
, '' i 1H i.1 1H to111m1 t•xc lud 111 1 so i l 1 l 1 .11npl,1, •os pr ptios 
e 1 111 lst, s om •ç.11.11n ,1 .1 r dil r n n e ssid d d distan i r d" 
11pi11i l ig , íim d' l·>v r diante seu trabalho. 
Como resultado do distanciamento proposital e progressivo entre 
11 i ntista e o cidadão comum, nasce uma nova identidade do cientista. 
1 >1 1 um lado, "nós, os cientistas". Do outro, eles, "os leigos''. Como nos 
lc'll1bra Hobsbawm (1996: 40), "as identidades coletivas são sempre 
clc•linidas de forma negativa. Nós nos reconhecemos enquanto 'nós' 
porque somos diferentes 'deles"'. A partir daí, o cientista passa a ser 
1 ti lo o que o cidadão comum não é. Ganha força e começa a habitar 
11 imaginário popular a imagem caricatural estereotipada do cientista 
e omo um ser excêntrico, completamente distraído e desinteressado das 
1jl1 stões do dia a dia (personagem principal do filme The Ahsent-Minded 
l'rofessor, no Brasil, O fantástico super-homem). Um cientista de verdade 
, dentro desse novo olhar, um ser humano movido pela razão, sendo 
l l única paixão da vida uma devoção - verdadeiro culto - à ciência. 
O surgimento da linguística como a nova "ciência da linguagem" 
l.1mbém foi o momento do nascimento da figura do linguista como 
1 i ntista. É muito mais do que uma simples coincidência o fatode 
mbos os eventos - concomitantes, na verdade - terem também 
< oincidido com o auge do positivismo lógico. O discurso do linguista 
logo após a consolidação da recém-inaugurada disciplina, reivindicando 
1 ara si o título de cientista, precisa ser compreendido como um exercício 
d ' construção de uma identidade. E nessa empreitada foi necessário 
id ntificar um Outro, já que as novas identidades só se criam a partir 
da exclusão das outras já existentes. A figura do gramático tradicional/ 
filólogo serviu para preencher exatamente tal papel. Até hoje, o linguista 
• autodefine em oposição a esta figura. Enquanto eles prescrevem, 
nós descrevemos. Eles se preocupam com as normas; já nós queremos 
ntender como os falantes de fato se comportam linguisticamente. 
A construção da identidade do linguista - como aliás da iden-
tidade de qualquer outro profissional ou, simplesmente, qualquer 
p ssoa ~ passa pela questão da política de representação. Em seu 
livro Schools of Linguistics, Geoffrey Sampson (1980) chega a insinuar 
que até mesmo alguns dos princípios tidos como "monstros sagrados" 
da linguística foram, ao menos em parte, motivados pelo interesse 
75 
.1gt.1 l,11 ,1 opl11i, () p11hl t .i t, 1l 1o1v1• d1 •l.1, ohl •1 1 '< 0 11111• l11 1< •1110 
omo di s ÍJ li n n 1 r . 1\ 11! 1 (' t'lll 1•1 pt i11 q i s hoj •nt •n li l s pot 
muitos como axiomáti os - •s i,, .· 1un o S mpson, id i d que• 
todas as línguas estão em pé d igualdade em se tratando da com 
plexidade interna. Nas palavras de Hymes (1974: 317) 
A simples verdade é que a maioria dos linguistas aceita sem ques 
tionamento uma ideologia que pode ser descrita como liberal t• 
humanista, formulada na virada do século, a fim de justificar o 
estudo de línguas e para combater noções racistas, imperialistas e 
etnocêntricas sobre línguas "primitivas". Esta ideologia está cert<1 
no que ela nega . .. [porém] equivocada no que afirma. 
O discurso da linguística como um campo do saber institucio 
nalmente consolidado e vigiado por agentes devidamente autorizados 
pelos membros da comunidade dos linguistas é uma prática discur-
siva como outra qualquer. Nele também estão presentes vestígios do 
exercício de poder, ou melhor, do funcionamento do jogo complexo 
do poder, da ação interventora daqueles que, em dados momentos 
históricos, ajudam a moldar os rumos da pesquisa, enfim o rumo da 
própria disciplina. É, no entanto, no confronto com o "outro" que o 
linguista se vê obrigado a reafirmar sua identidade, invocando até 
mesmo uma unidade fictícia, com base em compromisso comum com 
um certo número de princípios. Segundo Gray (1980), isso acontece 
até nos momentos de grandes debates, como foi o caso da polêmica 
acirrada entre os mentalistas e os mecanicistas - no entender de 
Gray, tal debate foi prejudicado pela recusa de ambas as partes de 
abrir para a discussão princípios comuns tratados como "sagrados". 
A linguística, em outras palavras, é muito mais uma prática 
discursiva do que um campo do saber. Ao reduzir a linguística a um 
certo tipo do saber, alguns filósofos da ciência deixam escapar insi-
ghts valiosos sobre o real funcionamento da ciência. Muitos pecam 
ao não levar em consideração o fato de que em sua prática científica 
cotidiana os linguistas estão construindo sua identidade junto à so-
ciedade. De forma lenta, porém certeira, os linguistas estão moldando 
sua identidade. Como não podia deixar de ser, só se pode entender 
modo como isso acontece se levarmos em conta as preocupações 
,' iopolíticas que marcam cada momento histórico pelo qual a dis-
< lp lina passa. 
76 
linguística aplicada 
a necessidade de 
uma nova abordagem 
; 
Developing an adaptive fram ework for AL is one great challenge for 
a new millennium! The other great challenge, along with keeping their own 
house in arder, is that applied linguists will have the job of resuscitat ing lin-
guistics as a discipline - one with a more socially responsible role 
to play in a post -colonial, post-modern world. 
J. R. M ARTIN (2000: 123-144) 
[. . .] though science is rarely a guide in areas of human signi fz cance. 
N oAM C HOMSKY (1995: 10) 
E sabido que o campo de estudos que se convencionou chamar 
de ''linguística aplicada" surgiu à sombra da linguística. Em parte, isso se 
cleu em função da necessidade que todas as novas áreas de estudo sen-
tem de reivindicar para si caráter científico (Rajagopalan, no prelo-2). A 
palavra "ciência" tem ao redor de si uma certa aura - o suficiente para 
atrair novos seguidores e impressionar aqueles que se encontram do lado 
de fora. Expressão clássica desse sentimento foi sem dúvida a afirmação 
categórica de Corder (1973) , um dos pioneiros do campo, de que um lin-
gtiista aplicado é por definição um consumidor de teorias, jamais produtor. 
Ou seja, somos todos ainda herdeiros do espírito do positivismo, 
como diz Holliday (1996), fomos todos, em nossa grande maioria, 
criados dentro de uma "cultura" do positivismo. Posto que nossa 
cultura ainda valoriza o conhecimento teórico em detrimento das 
possíveis aplicações do conhecimento, era perfeitamente compreen-
sível na época (e, do ponto de vista estratégico, até justificável) que 
os primeiros linguistas aplicados buscassem se apoiar na linguística 
77 
lt•oti< .1 ou ll11gulNl 1<" )',1 11.d (11111111 p11• l1•11• 11 1 diz1 t mi 1111~11•1 <. ). 1\111.1 
j, s' n onlr< v, no , ugt• cl1 1•11 ptt• t gio, , mp ll\m 11l rt onh' i 
da como uma ci6ncia om tod,ls ,11-; 1 •Lr, s, junto às mai · d if r 1 U1H 
instâncias do poder público. E, o r boque do grande prestígio, n, o 
faltavam também financiamentos generosos para aqueles que se de 
clicassem aos estudos da linguagem. Contudo, passados todos estes 
anos, aquilo que era vantajoso no começo tornou-se m otivo de dor 
de cabeça, como demonstra Moita Lopes (1998: 115). 
Hoje, com a visão retrospectiva da qual dispomos, fica evident 
que as vultosas somas investidas em pesquisas linguísticas nas décadas 
de 1960 e 1970, sobretudo nos EUA, tinham por trás a esperança d 
que elas, de alguma forma, contribuíssem com os interesses estra-
tégico-militares do país. Basta consultar os nomes que costumavam 
figurar na lista de agradecimentos nos livros da época: era comum 
autores de livros deixarem registrados agradecimentos, quem diria, à 
Marinha dos Estados Unidos e a outros órgãos governamentais que 
pouco ou nada têm a ver com a linguística em si. Quem confessa 
estranhar tais relações entre o progresso da ciência e os int eresses 
do Estado está apenas se revelando um tanto ingênuo a respeito do 
trabalho cientifico e dos motivos que levam os órgãos financiadores 
de pesquisa a apoiarem este e não aquele projeto. 
De qualquer forma, de 1980 em diante a linguística vem experi-
mentando um certo desgaste. As matrículas têm despencado em diversas 
universidades do mundo inteiro. As verbas vêm escasseando a cada ano. 
Há casos até de encerramento sumário de centros e departamentos. 
Finalmente, em diversas partes do mundo, verifica-se a adoção de po-
líticas linguísticas pelos governantes, sem que haja efetiva participação 
dos linguistas. É o caso, por exemplo, dos próprios EUA, onde os gover-
nantes se curvam cada vez mais à pressão exercida por organizações do 
tipo "English Only'', fundadas e financiadas com intenção explícita de 
sufocar línguas minoritárias (cf. Rajagopalan e Freitas, 2002). No caso 
específico do Brasil, o surgimento de grupos como o dos "Linguistas pela 
Democracia" - que no entanto declaram não ter nenhum vínculo com 
nenhum centro de estudo, nem formação em linguística (pelo contrário, 
s orgulham em não tê-la) - sinaliza um profundo desconhecimento do 
trabalho do linguista em meio à sociedade fora dos campi universitários . 
78 
Volt.indo, pnl1, .111 e .1 o cl.i l 11 g11111l lc ,, .ipllc .ido1, v1•tif 1 " m• 1.11nb1•111 
11111 i11.111dc•d(•1wjo •11t 11•0: 1ws 1tiHMI rsd cr' d n.om,is,lr•IL1r 
c•w1 •sludos, o tr, b, lho ilo p 1 disciplina mãe. Ou s ja, p rc b us , 
,w longo d todos st sano , que para levar adiante a proposta original 
cl 1• 1ma linguística aplicada, era preciso decretar sua plena autonomia. 
lm;o já aconteceu. No entanto, há problemas ainda não resolvidos 
<orno pretendo argumentar a seguir. Em primeiro lugar, há quem en~ 
1 l'nda que a declaração de autonomia da linguística aplicada deve ter 
e omo contrapartida uma perfeita divisão do trabalho entre aqueles que 
l r balham na linguística "pura" e os que optaram pela nova disciplina, 
1 • cém-emancipada. Além da conotação indesejável de "impura" (pela 
11 1 mples exclusão) que tal oposição engendra, há um perigo de que isso 
ll've algu~m a concluir que a linguística aplicada não precisa se preo-
cupar mais com o trabalho teórico. Se, em outras épocas, o "trabalho 
1 órico" ficou entregue aos colegas do outro lado da linha divisória 
com a declaração da autonomia, muitos chegaram a pensar que 0 tra~ 
balho prático (ou aplicado) começa onde o teórico acaba. Acredito que 
cl vemos rechaçar tal tendência com toda veemência. Porque, a médio 
<
1 longo prazos, uma decisão apressada como esta terá consequências 
<'Xtremamente danosas para o desenvolvimento da linguística aplicada. 
O que a linguística aplicada precisa com urgência é repensar 
sua própria razão de ser enquanto disciplina e buscar suas próprias 
r~~denciais acadêmicas, admitindo até mesmo, como uma das possi-
b1hdades no fim dessa trilha, a de a nova disciplina poder vir a ser 
uma alternativa à disciplina mãe, ou quem sabe até mesmo, algo que 
a própria disciplina mãe pode emular em proveito próprio. Se, ou 
melhor, quando isso acontecer, poderemos dizer que a história acabou 
de refutar a afirmação confiante de Robins (1981: 11) quando disse: 
É importante reconhecer os produtos secundários que podem resultar 
dos estudos linguísticos, mas os próprios linguistas não precisam 
associar-se à linguística aplicada. O seu assunto é de interess 
sig~ificância suficientes no mundo para manter-se por direito nat , 
assim como se mantêm a botânica sem referência à horticultura 
a entomologia sem referência ao controle das doenças transmitid, 
por insetos ou peste de plantas. 
Dito de outra forma, à linguística aplicada pode estar res rvad< a 
tarefa histórica de reanimar a própria disciplina mãe que, conform vi-
79 
l ll()IJ , l( 111 ,1, 1 (1 
(ll,1j, J P• 1, n, 
t.1cln clc11• 11 I o , 111<t' 11 
). 1 1 qw• f o t l ll 1l 'SIM 1 () • .,,, 
Há sinais inconfundív is qu · p rmitem dizer qu sta tran f r 
mação da disciplina mãe já está em curso (Rajagopalan, 2002e: 147). Esl. 
aí como prova o avanço de um certo movimento (ou talvez, um conjunto 
de movimentos, com metas e procedimentos nem sempre convergent s 
ou comensuráveis, mas com propostas bastante paralelas) chamado ''. 
linguística crítica". Adoto este termo como termo guarda-chuva para me 
referir ao conjunto de propostas que incluem a "análise do discurso críti 
ca'', a "crítica linguística" e outras com nomes diferentes (Chilton, 1985; 
Choulíaraki e Faírclough, 1999; Fairclough, 1989, 1992, 1995; Fowler, 
1986; Fowler et alii, 1979; Kress e Hodge, 1979; Wodak, 1989), como 
também a chamada "linguística aplicada crítica" (Pennycook, no prelo) . 
A grande inovação, com a chegada da postura crítica no campo 
da linguística aplicada, tem a ver com a percepção crescente de que é 
preciso repensar a própria relação 'teoria/prática'. Aliás, é isso que toma 
uma postura genuinamente crítica. A postura crítica tem como ponto 
de partida a recusa do binômio tal qual ele se encontra posto desde a 
época dos filósofos da Grécia Antiga. A teoria crítica, tal qual foi con-
cebida e articulada pelos teóricos da Escola de Frankfurt, começa com 
um questionamento do preceito socrático, segundo o qual tudo tem que 
começar por uma definição. A procura de definições como pré-condição 
para desencadear qualquer tipo de explicação posterior é típico da tra-
dição racionalista que também prega que a prática tem que suceder a 
teoria, jamais podendo ser conduzida de forma paralela ou independente. 
Concluindo, devemos saudar a tendência já emergente, embora 
ainda tímida, de repensar os termos em que foi feita a divisão do bolo 
entre a teoria e prática, entre reflexão e aplicação. A nova linguística 
aplicada que certamente surgirá das cinzas das práticas vigentes até 
h á pouco conduzirá suas próprias reflexões teóricas, motivadas pelo 
critério de sua aplicabilidade como o mais importante de todos. E nesse 
sentido, a linguística aplicada do futuro não só englobará determina-
d s funções que eram monopólio da disciplina mãe, como ocupará o 
l rreno perdido por ela, sobretudo nos anseios populares do dia a dia. 
80 
. ,..,, 
es1gnaçao 
/\ /\.RMA SECRETA, PORÉM INCRIVELMENTE 
P DEROSA, DA MÍDIA EM CONFLITOS INTERNACIONAIS 
It was 1992, and the old Soviet system had collapsed less than a year before. 
Russians had the feeling that now they were living in a democracy everyone 
should be âllowed to do anything. Secret documents were being released at a 
breath-taking rate; we could ring any senior offi.cial, no matter how high up, 
and expect that he ar she would speak to us on camera; the Russian newspa-
pers were revealing truths about their government and society which had been 
secret for ever. Nane of it lasted, of course. As Russians carne to know and 
understand more about the West, they found out that there is little freedom of 
information there either. 
J OHN SIMPSON (2000: 155) 
My impression is the media aren't very different from scholarship ar from, say, 
journals of intellectual opinion - there are some extra constraints -
but it's not radically different. They interact, which is why people 
go up and back quite easily among them. 
N OAM C HOMSKY (1997) 
INTRODUÇÃO 
Desde a Guerra do Golfo, já há mais de uma década, o papel da 
mídia tornou-se inconfundivelmente visível e inegável. Há quem diga 
que aquele famigerado confronto entre as tropas de Saddam Hussein 
o poderio militar dos EUA, auxiliado pelo poder de fogo das demais 
potências da OTAN, foi a primeira guerra inteiramente travada sob os 
holofotes da atenção midiática. A guerra contra o Iraque inaugurou 
a nova era de conflito em grande escala como verdadeiro espetáculo 
a ser comercializado e apreciado pelo público, e t ransmitido, mui-
tas vezes, ao vivo - com direito a replays e intervalos 'com reiais'. 
Como detentores dos rumos do conflito travado no des rto - e 
poeticamente apelidado de "operação Tempestade na Areia" - e das 
81 
111111111 ,1~ <" (<1•11111,1d.1,11l.110,11 ,d .1 drn <011t1ol.11.1111,1 g11 •t1 ,1, de• 
pont, .1 J onL,, l • i lindo 11 t llll v1• o: i11l 1tv,1l o1·. /\s gu • r,t• d hoj1• 
· o v rd d iros shows 1' udi n i,1 'lll 'S , 1 pl n tári - dign s cl.1 
"sociedade de espetáculo" ( bord, 967) em que vivemos. 
Já na guerra do Afeganistão, a situação mudou bastante, dest.1 
vez em total prejuízo da CNN e das demais emissoras que dom i 
nam o mundo da mídia, uma vez que quem controlava o fluxo e .1 
transmissão de informações era, não o lado vitorioso, mas sim, o 
lado dos derrotados. E, como acontece com frequência em eventos 
de audiência assegurada como a Fórmula-1, a Copa do Mundo etc. , 
os talehan acharam por bem lotear os direitos de transmissão entre 
os "amigos". Assim a rede árabe Al-Jazira ficou com o monopólio da 
transmissão dos vídeos gravados pelo inimigo número um dos aliados, 
Osama Bin Laden, vídeos que eram entregues por mãos invisíveis 
a uma das sucursais da emissora de tempo em tempo. Foi também 
nessa guerra que a questão da censura veio à tona. Embora se diga, 
com muita. propriedade, que a primeira vítima de qualquer guerra é 
a verdade, nunca havia ficado tão escancarada a forma como a mídia 
manipula a notícia, mesmo nos momentos em que os responsáveis 
negam estar fazendo propositadamente qualquer tipo de maquiagem. 
Meu objetivo neste texto é refletir sobre como a mídia imprime 
certas interpretações pelo simples atode designação de determinados 
acontecimentos, dos responsáveis por tais acontecimentos, dos atos 
específicos praticados pelos lados em situações de conflito etc. Posto 
que, de acordo com certas teorias semânticas de grande prestígio, os 
nomes não passam de meras "etiquetas" identificadoras de objetos, é 
preciso pensar além da semântica dos nomes próprios para encarar o 
fenômeno de nomeação como um ato eminentemente político. Sustenta-
rei a tese de que é no 'uso político de nomes e de apelidos que consiste 
o primeiro passo que a mídia dá no sentido de influenciar a opinião 
pública a favor ou contra personalidades e acontecimentos noticiados. 
1. NOMES: AFINAL, O QUE HÁ DE TÃO CURIOSO NESSAS PALAVRAS? 
Ao longo dos tempos, as teorias de referência dedicaram-se à 
ingrata tarefa de desvendar os mistérios dos nomes próprios e conti-
82 
1111 .11 11 .111•1 111p1 •1il1 ,1 1 111 "1 111 i. o li •1c 1111•.1(lt1j.1p,op.d.111,110 p1«"lo :n. 
1 1•1 l r,wcl lhrntH• ll ( 1D1 1 ), por <'X 'tn l l , l s , rlou u mo impr eis s ', 
p111 e ons 1uint' t ri m nt desinteressantes, os nom s próprios 
11 ,1 f orm como os gramáticos os conhecem, e adotou no seu lugar 
11 • "nomes logi.camente próprios". O filósofo inglês, segundo confiam 
.1qu 1 s que chegaram a conhecê-lo pessoalmente, mudava de assunto 
t nel a vez que era solicitado a fornecer um exemplo concreto do que 
l'ria um nome logicamente próprio (Rajagopalan, 2000c). Tratava-se, 
11 ,1 verdade, de um gesto muito acertado, posto que uma das quali-
d.1 des mais destacadas de um nome logicamente próprio é a de ser 
implesmente inominável. No momento em que é nomeado, o objeto 
dl•ixa de ser exclusivo ou único, pois o próprio ato de nomeação se 
1•ncarrega de emprestar-lhe um atributo (a saber, a própria descrição 
definida, no caso - utilizada para nomeá-lo) , que é publicamen-
l e disponível e, em princípio, apto a ser aplicado a outros objetos. 
Ou seja, o destino de nomes próprios comuns - aqueles descritos 
p las gramáticas - é de um definhamento progressivo, na medida 
<'m que acabam se transformando em substantivos comuns. Donde o 
saudosismo velado em relação à chamada "linguagem adâmica", isto 
ti, a linguagem em sua forma cristalina, quando substantivos comuns 
seriam todos nomes próprios - posto que Adão escolhia cada palavra 
para nomear um único bicho a cada vez! 
Não nos interessa aqui passar em revista as mais variadas propos-
tas teóricas que objetivaram, ao longo dos últimos cem anos ou mais (a 
preocupação em si remonta a um passado bem mais longínquo, tàlvez 
começando pelo próprio surgimento da filosofia enquanto campo do 
saber), entender o funcionamento do nome próprio. A preocupação 
sempre se deu na seguinte forma. Se descrições são nada mais que 
representações verbais de atributos e se atributos são da ordem de 
acidente (e não de essência), é no nome próprio que devemos encontrar 
algo que pertence ao objeto de forma inalienável. Ou seja, o nome 
próprio deve estar "grudado' ao objeto de maneira inseparável. Este 
é, no fundo, o ímpeto, ou desejo, que move teóricos das chamadas 
direct theories of reference (teorias que defendem referência direta 
83 
011 Il i o 1111 •d ,1C l,1) . () "c•x lc 111 d 111n c•111, 111 <o" d 1111111,1111 ( 1 !)'/!,), o 
n il l , "ripid dt1si1 natm s" de•: g11.1dn '. ' r ~il l H) 1' l<rl1 k ( 1 7'2), 
ou o cone ito d "Dhat" prop : to 1 or 1( 1 1 n (1978) sã t d form,11 
diferentes de captar e concretiz r t oricamente tal desejo. 
2. 0 DISCURSO JORNALÍSTICO E A ESCOLHA DOS TERMOS DE DESIGNAÇÃO 
Sabemos que toda notícia, toda reportagem jornalística, começ. 
com um ato de designação, de nomeação. Aliás, a própria gramática 
tradicional nos ensina que é preciso primeiro identificar o sujeito da 
frase para então dizer algo a. respeito ou, equivalentemente, predi 
car alguma coisa sobre o sujeito já identificado. É preciso, primeiro, 
nomear, para então dizer algo a respeito do objeto no mundo assim 
designado. Apesar de tudo o que os filósofos e os lógicos dizem a 
esse respeito, as pessoas comuns acreditam (e nisso, de certa forma, 
elas estão sendo influenciadas por anos a fio de ensino de gramática 
normél;tiva) que o nome próprio está livre de qualquer marca de pre-
dicação - afinal, o ato de predicação incide sobre o nome próprio, 
identificado, portanto anteriormente a qualquer predicação. 
É, no entanto, no uso dos nomes próprios - ou, melhor dizendo, 
na fabricação de novos termos de designação para se referir às per-
sonagens novas que surgem no cenário e aos acontecimentos novos 
que capturam a atenção dos leitores - que o discurso jornalístico 
imprime seu ponto de vista. Logo depois do susto de 11 de setembro 
de 2001, o presidente Bush decretou guerra total aos terroristas de 
todos os naipes, a começar pelos seguidores do Taliban do Afega-
nistão. Afora o fato simples de que os terroristas para uns são os 
mártires para outros, o uso do termo em si serviu para identificar 
e isolar o inimigo "invisível" (como foi amplamente alardeado pela 
imprensa internacional). Daí em diante, ficou fácil partir para todos 
os desdobramentos da lógica binária, na qual aquele pronunciamento 
do presidente dos EUA se baseara, ao designar os fundamentalistas 
islâmicos como terroristas. Foi com uma simples afirmação - na 
84 
vctt d.ide • 11111 ,1 .11111•.1~.t q11<' ,1 'w,1 " ,u1 ,\ ,1 1 li lo l.1 t' 1u,\I Ili •r v >1. 
ele p ot '.' lo onl ,1 <1. nç, o 1 r pr sáli qu d' n 1 , ri p rLir 
,(, ó" cl .1 l t 1 in tant : "Qu m não está conosco estd contra n s . 
É in gável o importante papel desempenhado pelos termos cuida-
11 sarnente escolhidos a fim de designar indivíduos, acontecimentos, 
11 1 res etc. na formação de opinião pública a respeito daqueles entes. 
( ·ama bin Laden foi tachado de "terrorist mastermind" (o cabeça dos 
IPrroristas). A mesma figura enigmática, nascida na Arábia Saudita, 
1 m fortes ligações com a família real daquele país - que, convém 
11 0 esquecer, serviu de importante aliado na guerra contra a ocupação 
. viética - transformou-se, da noite para o dia, na imagem do pró-
prio Satanás. Quem não se lembra daquele cidadão norte-americano 
que, ao olhar assustado para a foto da destruição das Torres Gêmeas 
1lo World Trade Center, chegou a identificar o rosto do Senhor das 
Trevas em meio à fumaça negra que encobria os céus de Nova York 
naquele malfadado 11 de setembro de 2001? Como chega a exclamar 
Slavoj Zizek (2001: 6) 
Sempre que encontramos um mal tão puro no exterior, devemos 
reunir a coragem para apoiar a lição hegeliana: nesse exterior puro, 
nós devemos reconhecer a versão destilada de nossa própria essência. 
Pois nos últimos cinco séculos a prosperidade e paz (relativas) do 
Ocidente "civilizado" foram compradas pela exportação de impiedosa 
violência e destruição ao Exterior "bárbaro": a longa história desde 
a conquista da América ao massacre no Congo. Por mais que soe 
cruel e indiferente, nós também deveríamos, agora mais do que 
nunca, ter em mente que o efeito desses ataques é de fato muito 
mais simbólico do que real. 
E o filósofo esloveno acrescenta: 
Os EUA apenas experimentaram o que acontece no resto do mundo 
diariamente, de Sarajevo a Grozni, de Ruanda e do Congo a S rra 
Leoa. Se forem adicionados à situação em New York atirador s 
de elite e estupros em massa, é possível ter uma ideia do qu ra 
Sarajevo uma década atrás. Foi quando assistimos na t la de TV 
ao colapso das duas torres do World Trade Center que se tornou 
85 
1 • ' 1 ~ ' ' 1 1 11 
prn 1 tv1• I t'X iH't l111c•11t.11 " 1 d d.tc l1 cio "11•. tlll y lww1 " d,1 'l'V: 1111•11 111 0 
• 1 18. (.' ' 110 ' f "1 1 1 ,, ' " w. Ott'lll e t' Vt't( ilt I' 1 1lH 1 t'S8(), 8 Jlnd. 1 l\11 m n lt•: 
las simpl sm nt atu m omo 11 m sm s. 
De qualquer forma, uma vez estampado o rótulo "terrorista" 
' o nome de Bin Laden logo se tornou sin ônimo do Mal. A partir daí 
torna-se um dever cristão ajudar na caça incansável ao "gêniodo mal" 
« ' 
o terrorista mais procurado do planeta", e assim por diante. Quando, 
no afã do sucesso na caça aos seus seguidores, o presidente dos EUA 
decreta guerra contra o "Eixo do Mal" (termo escolhido para designar 
os países Irã, Iraque, e Coreia do Norte), a eficácia absoluta da no-
menclatura remontava à Segunda Grande Guerra. Se o outro lado é 
o "Eixo do Mal", por simples analogia (como também pela lógica da 
exclusão do meio-termo) , quem se coloca contra os estados renegados 
é do Bem. Diga-se de passagem, não foi à toa também que, tanto na 
Guerra do Golfo, quanto na Guerra contra o Afeganistão, os países da 
OTAN preferiram se autodesignar de "Aliados". Quem tem a mídia a 
seu lado escolhe não só os termos para designar as forças de cada lado, 
mas também, ao escolher os termos, determina quem vai desempenhar 
o papel do mocinho e quem vai desempenhar o do bandido. Na socie-
dade do espetáculo, tudo depende do script - os capítulos diários da 
novela chamada guerra (não é à toa que se diz o "teatro da guerra" 
para designar o espaço físico onde acontecem as batalhas) obedecem 
rigorosamente às previsões feitas por quem redige o script inicial. 
É verdade que nem sempre os nomes escolhidos funcionam da 
forma que os estrategistas de guerra esperam. Um exemplo notório 
d.isso é a escolha do codinome "cruzada contra o terror" que 0 pre-
sidente Bush chegou a empregar no início da ação armada contra 
os seguidores fanáticos da Al Qaeda e do Taleban. O tropeço custou 
muito caro para as pretensões da Casa Branca, que fez questão de 
fazer entender que a iniciativa bélica não tinha como alvo nem 0 
mundo árabe, nem os seguidores do Islã, mas sim, um grupo de 
radicais e fanáticos que lutavam contra a própria civilização. O erro 
r sso, desastroso do ponto de vista diplomático, foi o de esquecer 
lll a própria palavra cruzada possuía conotações - na verdade, se 
86 
' 1 ' ' j 1 r 1 1 1 "' ' ~ 1 ' 1 l l 1 J 11 1 ''I 1 ' " j I' i 1H11 1 ! 1 • •ti H 1 li • 1 1 1 1 1 l p Jt li 
1 e l<•t i.1 ,1 11111 t•pilwclio l.i hl , 1 cnl.1 0111 url .1d,1 d.11 tt•l.1~ 111 'lll te• 
1 >1 o rit n 1 , .r pi d tr i õ s, 
< >1 1 8 111 ntid s insist nt s até mesmo a decisão d não mais usar 
11 l rm maldito não foram capazes de consert ar o estrago provoca-
' ln. At hoje há quem duvide das verdadeiras intenções por trás da 
p p lada afirmativa de que a guerra contra o terror é uma guerra da 
e ivilização contra a barbárie. Chamar o bombardeio indiscriminado 
dt1 regiões densamente habitadas por populações civis de "operação 
e l rúrgica" ou a carnificina promovida em razão de tais bombardeios 
d ' "efeito colateral" pouco contribui para aliviar a dor de milhares 
e 1 pessoas inocentes que foram vítimas das brutalidades praticadas. 
Por incrível que pareça, o uso continuado de tais "eufemismos" acaba 
n inimizando a culpa daqueles que foram diretamente responsáveis 
p los atos envolvidos - ao menos aos olhos de quem sofre a "lava-
g m cerebral" praticada pela imprensa. 
3. 0 PODER DA DESIGNAÇÃO 
Ao caracterizar de terrorista suicida alguém que sacrifica sua 
própria vida em prol de uma causa (qualquer que seja) , a imprensa 
não está apenas se referindo à pessoa que pratica tal ato de pro-
porções incomuns. Ela está emitindo uma opinião a respeito de si 
mesma. Há, pois um julgamento de valores, disfarçado de um ato 
de referência neutra. E é justamente por estar camuflado como um 
simples ato referencial que tais descrições acabam exercendo t ama-
nha influência sobre o leitor de jornal. À medida que o leitor vai se 
acostumando ao rótulo, deixa de perceber que a descrição não passa 
de uma opinião avaliativa. Como todas as opiniões avaliativas, esta 
também comporta um outro lado. Assim, os mesmos indivíduos 
que são chamados de "homens bomba" e "terroristas suicidas" p 1 
imprensa ocidental são lembrados como "mártires" e "soldados da 
guerra santa" pela imprensa árabe. 
Convém frisar que o nosso intuito aqui não é perguntar qual dos 
dois lados tem razão. O objetivo das afirmações no parágrafo anterior 
87 
!oi o clt d •1t1oi11 t1,11 q11c• t 111to 11111q11.111to011110 ;,\o p.11 1 tvt•l: lt• 011 
p rigo •st. 1w falo lt• qtH' o l 'il r ing nu ou d 's. vi. •.1clo 
t nde a confundir descriç com t rm r f r ncial, opini m í.H o 
consumado. É nisso que reside o maior perigo. 
88 
inguagem e xenofobia 
A palavra xenos, em grego clássico, era ambígua, podendo sig-
nificar tanto "estranho" como "estrangeiro". Aliás, tal fato não chega 
,1 ser, de maneira alguma, surpreendente, quando se verifica que as 
cluas palavras da língua portuguesa, da mesma maneira que suas 
ognatas nas demais línguas românicas, têm parentesco etimológico. 
Embora, do ponto do vista etimológico, se constitua em uma 
mera curiosidade ou, quem sabe, em uma simples coincidência, penso 
que estamos diante de algo de suma importância para a filosofia da 
linguagem, pois o que isso nos leva a perceber é que a ideia do Outro 
faz parte constitutiva da maneira como conceituamos tanto a língua 
como a pátria. Para os antigos gregos, o conceito de "self' e de sua 
etnia (palavra que até nos dias de hoje encobre todo o espaço semântico 
ocupado por "nação", "pátria'', e "etnia" em idiomas como o português), 
dependia da presença do outro, por sinal, sempre uma incógnita, e, por 
isso mesmo, sempre uma presença ameaçadora. E esse outro era nada 
mais nada menos que a representação coletiva dos bárbaros, assim 
chamados porque emitiam sons incompreensíveis aos ouvidos gregos. 
Os gregos eram o que os bárbaros não eram e vice-versa. 
Para os falantes de qualquer idioma, o estranho/ estrangeiro é 
aquele com quem não se entendem, ao menos com a mesma faci-
lidade com que supõem poder compreender a fala de um dos seus. 
89 
I' o 1 d,\l l J ,1 h poli• <' cl1 q111•, 10 11 1',t' dt , 1•1 .1 d npo 11 ihlli l,1dc • 
d um língua m muin < 1 ondiç, 1 , < iu cor a omu r i ,1 
ção, é a possibilidade, ou o reconh cim nto da possibilidad d 1u 1• 
seja possível comunicar-se com o outro que nos leva a afirmar que• 
falamos "a mesma língua". Não é à toa que se diz: "Fulano fala outr,1 
língua" quando, a bem da verdade, tudo o que aconteceu entre os doi s 
indivíduos no caso foi nada mais que um simples desentendimento . 
É preciso, à luz do argumento acima, rever a nossa ideia de qm1 
a linguagem seja um simples meio de comunicação, pois isso implirn 
que a linguagem por si só garante a comunicação. Pelo contrário, como 
acabamos de ver, é o interesse, a disposição, a vontade para interagir 
com os nossos vizinhos que nos dá a certeza de que falamos a mesma 
língua. Da passagem do homem primitivo para o homem civilizado, 
o que houve foi a disposição de se comunicar com os pares - pois 
foi esse gesto que resultou na formação de sociedades. À medida que 
essas sociedades foram se consolidando, percebeu-se a necessidade 
de formular regras de comportamento para coibir excessos por parte 
de alguns em detrimento dos demais. 
Entre essas regras coercitivas estão as regras da gramática en-
tendida como um esforço prescritivo de cercear o comportamento 
linguístico do outro. Sempre que alguém sugere que se faça um esforço 
para controlar comportamentos linguísticos considerados indesejáveis, 
estamos diante de uma questão extremamente delicada. Ninguém 
duvida da necessidade de haver regras, não só do tipo "constitutivo", 
mas também do tipo "regulador", sendo que o primeiro se refere às 
regras que descrevem, ou melhor, constituem o próprio comporta-
mento, ao passo que o segundo engloba todas as regras formuladas 
a fim de coibir comportamentos indesejados. 
O que torna problemáticas as regras do tipo regulador é a 
arbitrariedade na forma como elas são impostas. Ou seja, as regras 
reguladoras são formuladas e impostas sobre o resto da sociedade em 
nome de uma autoridade que nem sempre é universalmente aceita. 
D í o seu caráter arbitrário. A história da humanidademostra que, 
90 
< 11111 111p1c•c 11 lc•11l1• f11•q111111 ,1, 1 •111 i lo 11 : .id.i .10 ln11gn do 11•11qH>. ,1 
l.1t ic,1 d' impo t•g .111 tot.d11H11l •, rbilr, ri s em, pr •l 1 s, d 'S ulp. 
dt oil ir 'X •ssos. Por 'X •mplo, invocando a n ssidad d coibir 
'11poslas atividades d guerrilhas anônimas que estariam ameaçando 
.1 ndição de govemabilidade de um país, os militares em diferentes 
1 'rtes do mundo continuam, até nos dias de hoje, a fazer valer a 
1iua força sobre a população civil, impondo leis como a do toque de 
r colher, censura sobre a livre circulação de ideias etc. Nesses casos, 
e remédio logo se revela mais letal que a própria doença. 
No que diz respeito às línguas naturais, o desejo de controlá-las, 
erceá-las mediante regras é tão antigo quanto a própria história da 
ivilização dos diferentes povos que habitam a terra. Assim como é 
também a crença bastante arraigada em diferentes culturas de que, 
a menos que haja alguma intervenção externa, o destino natural das 
línguas é crescer até um certo ponto e, a partir daí, entrar num processo 
de definhamento progressivo que terá como desfecho a decadência 
total e a dissipação. É dessa forma que o leigo tende a interpretar o 
"sumiço" das línguas nobres como o latim e o sânscrito. Neste sentido, 
o mito da torre de Babel sintetiza algo que é amplamente entendido 
como o destino de todas as línguas: as línguas nobres de outrora 
entraram num processo irreversível de degradação, dissipando-se em 
línguas menos nobres e "vulgares" - como no caso do latim vulgar 
e a prakrita, a versão vulgarizada do sânscrito. 
A própria palavra samskrita em sânscrito significa 'aquilo que foi 
submetido a processo de purificação'. A prakrita, a fala do povo, era 
vista como a forma 'deselegante' e 'contaminada'. Para se ter uma 
ideia da ampla difusão, nas mais variadas culturas, desse preconceito 
contra a fala do povo, vale a pena lembrar que, durante o período da 
ocupação da Inglaterra pelos romanos, era comum referir-se à língu 
inglesa como 'the vulgar tangue' isto é, 'a língua vulgar' (em oposiç 
ao latim, a língua de prestígio e de ascensão social da época) . 
O desejo de manter a língua pura se traduz no medo mórbido d 
"contaminação" com as demais línguas e na desconfiança em relação 
91 
.i q11 ,11q11 t• t t lpo dt• 101t l. 1t 11 t 11 111 l'l. t , M.1x M11ll 1• 1 (,qi11d 'l'l1 0 111 ,wo 11 
l' l(, ufm, n, 1991: 1 ), l 11clo logo 1• 11111 dcrn plon ' ir H ci o m L 1 om 
p r tivo, foi o au tor d f, mos. f • .'' "/Js gibt keine Mischsprach ", ou 
seja , n ão se admite que possa hav r línguas mistas . Embora se tr H' 
de uma tese acadêmica como qualquer outra, sujeita a comprovação 
ou contestação futura, a ideia de que não pode haver línguas mistas 
adquire conotações assombrosas quando se percebe que o século XIX 
foi crucial na história da Alemanha no que diz respeito ~ formação d 
sua identidade nacional e que a filologia (a que antecedeu a moderna 
linguística) teve papel crucial naquela empreitada (cf. Smith, 1991). 
Ou seja, o que tornava a ideia de línguas mistas algo impensável n o 
imaginário alemão do século XIX era o mesmo que deu origem ao medo 
da miscigenação, do contato com raças "inferiores" etc. Da mesma 
forma que a raça ariana precisava ser resguardada do contato com 
as raças inferiores, a língua alemã também precisava ser protegida 
contra as influências estrangeiras. 
Ao lembrar o surgimento do nacionalismo alemão, Adolf Hitler 
escreve o seguinte em seu livro Mein Kampf: 
O que aconteceu sempre e em todos os cantos, em todas as lutas, 
também transcorreu na luta envolvendo a língua que foi travada na 
Áustria antiga. Havia três grupos - os lutadores, os indecisos e os 
traidores. Até nas escolas, essa diferença começava a se manifestar. 
E vale observar que a luta pela língua talvez tenha sido travada em 
sua forma mais intensa dentro da escola; porque essa era o berçário 
onde precisavam ser cuidadas as sementes que desabrochariam e 
formariam as futuras gerações. O objetivo estratégico era o de fazer 
a cabeça das crianças, e foi à criança que o primeiro grito de guerra 
foi dirigido: "Jovem alemão, jamais te esqueças de que tu és alemão" 
e "Lembra-te, menininha, que um dia serás uma mãe alemã". 
Para Hitler, tanto a língua alemã como a raça alemã precisavam 
ser urgentemente resgatadas da influência estrangeira. A pureza da 
língua alemã era o primeiro passo para conseguir a pureza da raça 
ariana. Contra a "contaminação" que já havia ocorrido devido aos 
descuidos do passado, só havia um antídoto: limpeza linguística n o 
92 
pt i11 H•l to e .11 o; li11q ><•:t.11 1• t ide .1 1 11 0 . l'!'l 111 1 . J! ' 1-dog.1 11 do li ll1 lor 
.tl <• m:I r,: "Jiin Volk, /J'in H •ich, fün Fuhrer". O T r iro R i h, como 
.ir u m nta Victor Kl mp r r (2000), é, antes de tudo, uma linguagem. 
Da rápida discussão sobre a forma como foi trabalhada a questão 
1 i nguística na Alemanha nazista, podemos e devemos tirar algumas lições 
l mportantes - pois, como diz o ditado, quem não dá a devida impor-
[ ncia às lições da história está condenado a repetir os mesmos erros do 
passado. A língua. é muito mais que um simples código ou um instru-
mento de comunicação. Ela é, antes de qualquer outra coisa, uma das 
principais marcas da identidade de uma nação, um povo. Ela é uma ban-
deira política (Rajagopalan, 1999e, 2001c; 2002e). Como observa Pandit 
(1975: 178): 
A questão da lealdade à língua não é tão externa à linguística 
quanto pode parecer. Uma quantidade enorme de informações 
de natureza social e cultural está codificadà numa mensagem 
qualquer; a interação verbal no interior de uma comunidade de 
fala constitui-se em um evento cultural; ela reitera o sentido de 
pertencer e assinala a existência das pessoas envolvidas dentro 
da comunidade. Nesse sentido, a identificação com a língua não é 
externa, não é uma superposição - política ou social - mas, sim, 
uma marca linguística intrínseca. O apego do falante à sua variante 
e à sua língua é sintomático e denuncia o significado cultural que 
sua língua representa para ele. 
Como já dizia Buck, quase um século atrás (Buck 1916 - apud 
Greenfield 1998: 635): 
De todas as instituições que sinalizam uma comum nacionalidade, 
a língua é uma da qual um povo é altamente consciente e à qual se 
encontra fanaticamente ligado. Ela é a bandeira mais conspícua de 
nacionalidade, para ser defendida contra invasões, como também é o 
primeiro alvo de ataque por parte de um conquistador que se dedica 
a destruir o sentimento de nacionalidade dos povos sob seu domínio. 
E, como no caso de todas as demais ban deiras políticas, constitui-
-se em um símbolo e está sempre sujeita à exploração engenhosa por 
parte daqueles que sabem usá-la em prol de interesses obscuros e 
inconfessáveis. Foi isso que aconteceu na Alemanha nazista. Como 
93 
t.11n lH'tll 1111 lt.11" l.1: ti . t.1 1 • oi> .1 lide•ti111~.1 de Bc•11tlo M11 oli11i (1 ld11 , 
1988). D m 'Sm< form. iu o s •nl im 1Ho cl' , mor , P• lri, p.1:11 o1 
pelo amor à língua materna, o sentim nto d chauvinismo (grilo de • 
guerra de todas os regimes fascistas) aflora por intermédio d \1111 
ódio desmedido à língua estrangeira. 
As línguas minoritárias são, com frequência, alvos preferidos cl.1 
queles ditadores que, em nome da unificação do povo, querem forL1 
lecer o seu próprio controle sobre as instâncias do poder e, ao mesmo 
tempo, calar as vozes que possam se insurgir contra eles. Na Espanh<t, 
a ditadura de Franco logo cuidou de reprimir as línguas minoritárias, 
notadamente o basco. Se dependesse dele, a líng~a basca estaria sim 
plesmente silenciada para sempre, varrida da face da terra de uma vez 
por todas. Dentre as ten.tativas recentes mais ousadas e quase levadas ,1 
cabo está o caso da tentativa, por parte de Franjo Tudjman, o falecido 
presidente da Croácia, de extirpar todas as palavras de origem sérvia , 
a fim de tornar a língua servo-croataincompreensível para os recém 
-desafetos da sua nação, os sérvios (Treanor, 1997: 69). 
Creio ser desnecessário arrolar mais exemplos para sustentar a 
tese de que a língua sempre serviu e servirá como ponto de agluti-
nação de um povo e, por isso mesmo, a arma mais fácil nas mãos de 
líderes maquiavélicos que querem se consolidar no poder. É preciso, 
porém, perguntar se há casos que realmente justifiquem a defesa 
de uma determinada língua, em nome de perigo externo iminente. 
Afinal, foi esse o argumento usado pelo deputado Aldo Rebelo em 
defesa do seu controvertido projeto de lei n. 1679/99. Respondendo 
à critica feita ao projeto pelo linguista Carlos Alberto Faraco (2001: 
31) para quem "[o] projeto [ .. . ] poderia ser visto apenas pelo seu lado 
grotesco ou como um oportunismo devido aos seus evidentes efeitos 
midiáticos", diz o deputado que seu projeto "longe da xenofobia de 
que é acusado ou de rejeitar contribuições de línguas estranhas, tão 
somente deseja a valorização. da nossa" (Rebelo, 2001: 22). O de-
putado procura defender o seu ponto de vista com fatos históricos 
incontestáveis quando observa: 
94 
/\ 1tt1 p,1 i.1, e n 111 n n t 111 , 11 H •, 11 1 • p. 1 d .1, 11 po 1vo1 .1 e• , 1 1 n od1 • t 11.i t t'< 1101 og l ,1, 
t •m 1ilclo 111 11.1 I<•• r 111 w nt.1 I<• onquist,. A ultur, lomin n l i p 
s u v , bu l, ri , ullur, dominada. Quando as tropas indon sias 
o up ram o Timor L ste em 197 4, a primeira providência dos inva-
ores foi proibir o ensino e o uso do português. Banido das escolas, 
o português passou a ser defendido pelas armas dos guerrilheiros 
da Fretilin, que restabeleceram o uso do idioma tão logo alcançaram 
a autonomia da antiga colônia portuguesa. O uso da palavra para 
a conquista de nações e territórios tem um exemplo eloquente no 
Brasil. Quando Portugal decidiu empreender a colonização, cuidou de 
providenciar um idioma para a comunicação com os nativos (ihid.). 
Rebelo tem toda a razão quando assinala que privar um povo 
elo direito de usar seu idioma é roubar-lhe a sua própria identidade 
enquanto povo. Entretanto, ele deixa de perceber que os fatos apon-
tados não justificam, por si sós, nem o ataque à língua do colonizado 
nem a defesa da língua nativa contra as pretensões do colonizador. 
Eles apenas nos fornecem uma explicação, uma racionalização do fato 
de a língua ser o alvo preferido do colonizador e a bandeira mais 
querida do colonizado. Explica, isto sim, por que a língua provoca 
tantas paixões, até mesmo tanto derramamento de sangue. 
O nobre deputado prossegue afirmando: 
Penso que acusar o projeto de repetir a política linguística de Fran-
co, Mussolini e outros parecidos não resiste a um sopro sobre a 
poeira de preconceito e ignorância que reveste o argumento. Franco 
e Mussolini, notadamente o primeiro, tentaram impor as línguas 
dominantes, no caso a de Castela, a povos que tinham línguas 
próprias, fossem bascos, catalães ou galegos (ihid.) . 
Novamente, o problema não está nos fatos que ele apresenta. 
O problema está na sua crença de que a defesa da língua portugues 
que ele quer promover através de lei envolve um . direito legítimo 
e portanto não é comparavel à atitude fascista .inerente aos casos 
citados. Pois, logo após, as palavras citadas acima, diz ele: 
Nós não queremos impor o português a ninguém, mas apenas pr -
servá-lo para aqueles que o têm como língua materna e na condição 
95 
dt olll g. 1 ~, u e 11 11 111111 11 11 d 1 111 cl !'v1 11.11110 ,1( 11 t.11 q11 • ,1 llHlt'd.1 cl,1 
glol .dl 11:,1ç o (o do l.11 ) 111p11 11l1 ,1, .dc •111 d1 • B ' li . '.' 11 11n ,1H mon •t, lo , 
.' us m c.l 1 , ul1 u1 ,1 11 t 1111ht1 111 111• u 11 padrõ ling u s i s? Ou .d 
gu m acha qu o i1 1111 ><> 11 1 110t cl t'. 1i1 qu d nomina um p qu ' 110 
rio de riinho, ria ho, ri, hl1 h , rgo, corguinho esculpiu s l 1•1 
vocábulos pelo mesmo inz l dos esnobes da Barra da Tijuca qut• 
entronizaram uma estátua da liberdade em pleno Rio de Janeiro t' 
infestaram suas ruas de placas e anúncios em inglês, no que fo ra 111 
ridicularizados pelo próprio The New York Times? 
Não é difícil perceber que o deputado cai numa tremenda con 
tradição quando alega não "querer impor o português a ninguém", 
para em seguida, mostrar interesse em isolar e legislar contra aquel s 
que ele condena e despreza como "os esnobes da Tijuca". Ou seja, 
primeiro invoca o fantasma de um perigo externo: a globalizaçã . 
Em seguida, prega a defesa da língua nacional como antídoto contr, 
os invasores "externos", decretando que aqueles que se opõem à su, 
iniciativa são estranhos à pátria, tão maus quanto os invasores se nã 
piores - por estarem agindo como uma "quinta coluna". Erri outras 
palavras, em nome da defesa de um povo, esforça-se por efetuar um 
uniformização dos diferentes segmentos que compõem tal povo, t a 
chando de maus elementos todos aqueles que se põem no caminho 
da legislação proposta. Por implicação, "os esnobes da Tijuca" seriam 
os agentes das forças de globalização, aqueles que estariam traindo 
os verdadeiros interesses da pátria etc. Para Rebelo, o verdadeiro 
povo brasileiro seria composto pelos camponeses e não os esnobes 
desenraizados da verdadeira cultura. 
É impressionante verificar um certo paralelismo entre o racio-
cínio desenvolvido pelos defensores da defesa das línguas nacionais 
e o argumento que Hitler oferece no capítulo XI (volume I) do seu 
livro Mein Kampf. Para Hitler também, a questão toda se resumia 
à defesa da pátria alemã (isto é, o "povo alemão", no sentido mais 
amplo que ele mesmo defendia para que ele, austríaco de nascimento, 
pudesse ser considerado um autêntico alemão) . E nessa empreitada 
valia tudo; até mesmo discriminar "as raças inferiores", que seriam 
96 
1 1 t,111h.i: 110 1il11 h o t' pot t.1111 o 111t11 t' clor.Hi dt• 1 t'puclio . No tt' f 11 ido 
1,1p l1ulo, ll itl rpr ur, cl( li1H.r s nLidodopovo l •tn od SS'U ' 
0 1 h . A pr s nça da figura do judeu logo se revela um "empecilho" 
11 ' sa empreitada. Eis a forma engenhosa que o autor descobre para 
lucionar o problema ("solução" que anos mais tarde seria decretada 
rmalmente na macabra "Noite dos Cristais"): 
Os judeus não têm as habilidades criativas necessárias para fundar 
uma civilização. Pois, neles nunca houve nem haverá o espírito de 
idealismo, elemento absolutamente necessário para o desenvolvi-
mento mais alto da humanidade. Portanto, o intelecto judeu nunca 
será construtivo, sempre será destrutivo. Na melhor das hipóteses, 
servirá de estímulo, em raros casos porém apenas no âmbito do 
significado das seguintes linhas do poeta: "O Poder que sempre quer 
o Mal, mas sempre trabalha o Bem" ("Kraft, die stets das Bõse will 
und stets das Gute schafft"). 
Esse raciocínio vai levar Hitler a concluir no epílogo de seu livro: 
"Um Estado que, numa época de adulteração racial, se dedica ao dever 
de preservar os melhores elementos do seu patrimônio racial, está 
destinado a um dia tornar-se o dono do mundo". E, falando mais 
especificamente da relação entre o judeu e a questão das línguas 
nacionais Hitler pondera: 
Até que consiga dominar os demais povos, [o judeu] é obrigado a 
falar a língua daqueles povos, querendo ou não. Mas no momento 
em que o mundo acaba sendo o escravo do judeu, terá que aprender 
algum outro idioma (esperanto, por exemplo) a fim de que, por 
meio disso, o judeu consiga dominá-lo mais facilmente. 
Gostaria de concluir este capítulo observando que, ao longo da 
história da humanidade, houve vários momentos em que as maior s 
atrocidades foram cometidas em nome de objetivos aparentem nt 
nobres. Os objetivos foram, nesses casos, apenas aparentemente no-
bres por que as abstrações feitas pelos defensores para justificá-los 
simplesmente ignoravam os elementos que não se encaixavam nas 
generalizações desejadas. Mais ainda, em nome de uma suposta maio-
ria, isolavam e, em seguida, execravam todos aqueles que não estavam 
97 
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d<• .1<01do <0111 01 < 1 l1'lt() 111111 .11 11111111< 1 t' rn llt cio p,1t,1 Jw l lf1<o11 
, s bstr, õ s. J, . ç li . IH q111 , qtt< 111 p.11or, , li s d, hi ·t ri , . 1. 
ond nado a pass r p l s 111 · ~1111,1 •xp •ri 1 i s m rg s. P r nó .'o 
resta a esperança de que o b m ns pr valeça, antes que iniciativ, ~1 
intempestivas acabem redundando em danos irreversíveis. 
98 
A polêmica sobre os 
"estrangeirismos" e o papel 
dos linguistas no Brasil 
A polêmica instaurada já há algum tempo no Brasil acerca do 
uso/abuso (dependendo de que lado da controvérsia se contempla o 
fenômeno) dos assim chamados "estrangeirismos" já se tornou uma 
verdadeira cause célebre (com o perdão da palavra, é claro!). 
De um lado dessa polêmica, um contingente impressionante de 
pessoas, ao que parece em número crescente, reivindica uma toma-
da de atitude firme e decidida diante da enxurrada de expressões 
estrangeiras no português brasileiro e da facilidade e falta de senso 
crítico com que elas são absorvidas pelo uso corrente do idioma, 
quer na mídia, quer nos cartazes e letreiros. Se depender do desejo 
desses defensores do idioma, com certeza será dado um "basta", curto 
e sonoro, ao processo em curso, visto que tal processo é tido como 
nada mais nada menos que uma agressão a um valioso patrimônio da 
nação. Nessa perspectiva, quem não se enquadrar na nobre missão 
de zelar pelo bem público será enquadrado na forma da lei e punido 
de acordo com regras de comportamento linguístico preestabelecidas 
mediante legislação. Proteger a língua nacional significa, afirmam 
eles, salvaguardar a soberania nacional. E quando o assunto é esse, 
todo esforço de responder à altura possíveis ameaças à soberania 
99 
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cl 1' 111 , iH clir ' iLos, 1st.dw l1•1 ci o: pnt lc 1 ou 
O outro lado, d 88, pol llli< ,, <' s t ~ mos nós, os linguistas. N, o 
Ili , como linguistas, ist , profi ssi nais interessados em desvc11 
[, r os mistérios da linguagem e pensar sobre a melhor man eira d<• 
nstruir teorias sobre ela, já não n os houvéssemos posicionado .1 
r speito de questões da ordem da política linguística. Mas a verdad <· 
que a dimensão política envolvendo as línguas nunca foi o nosso 
forte . Havíamos nos acostumado a nos esquivar de questões como 
planejamento linguístico. O próprio termo soa, 'para muitos de nós, 
como algo que sobrou do entulho autoritário que marcou outras 
pocas. Faz parte da cartilha da nossa disciplina a ideia de que as 
línguas obedecem às suas próprias leis . Elas evoluem, se renovam, s 
ajustam a novas exigências de comunicação e de contato com outros 
povos. Em relação às línguas, portanto, o melhor a fazer deveria ser 
deixá-las em paz. Mexer com o destino das línguas revelar-se-ia tão 
perigoso quanto trabalhar com engenharia genética - brincar de 
Deus, o Todo-Poderoso, uma vez que nunca se sabe como tudo vai 
terminar ou que surpresas desagradáveis nos esperam. 
O fato é que a maioria de nós foi pega de calças curtas pelos 
últimos acontecimentos. As diferentes tentativas de estancar o avanço 
dos estrangeirismos, inclusive através de projeto de lei, surpreende-
ram-nos não só pela maneira como foram feitas, à revelia dos nos-
sos esforços científicos sobre o assunto, mas também pela enorme 
repercussão que tiveram na mídia, como também nas conversas de 
bar. Que os leigos costumam ter ideias pouco científicas a respeito da 
linguagem sempre foi matéria de qualquer curso introdutório sobre a 
linguística. O primeiro passo, dizem esses manuais de linguística, para 
adquirir o espírito da moderna ciência da linguagem, é justamente 
o de se desvencilhar das ideias preconcebidas sobre a linguagem. 
Infelizmente, muitas dessas ideias escancaradamente errôneas ou 
no mínimo discutíveis, como costumamos ensinar em nossos cursos 
introdutórios, acabam se alojando até mesmo no discurso acadêmico 
mais precavido e acabam sendo preservadas para a posteridade na 
f rma de preconceitos linguísticos. Muitos desses preconceitos, por 
100 
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11.1 vt·~ , .ic ,d).1111 c 111011t1 ,111do 1 <' Il i ,,1 lo 11.1 s h,rn1.1d.i . " 1r,1111 , ti ,1H 
t r, li i 11, is" ,,, 11 im d •1101 inadas por não t r m sido subm t idas 
s rutinio rig roso dos métodos científicos da linguística. Afinal, 
não foi contra a tirania da gramática t radicional que a linguíst ica 
moderna se insurgiu no começo do século XX? 
Perplexos diante da volta e do recrudescimento de algumas 
dessas ideias falsas ou ingênuas, aqueles entre nós mais preocupados 
com o rumo dos acontecimentos, perguntam: o que saiu errado? Por 
que motivo os ensinamentos da moderna ciência da linguagem não 
estão tendo a devida repercussão na sàciedade civil? Por que razão a 
ideia - bastante elementar e singela para nós - de que as línguas 
naturais evoluem constantemente e, ao longo desse processo de 
evolução, entram em contato com outras línguas, incorporam novas 
palavras e expressões, e, longe de serem prejudicadas pela absorção 
dos elementos estranhos, acabam na verdade se beneficiando e se 
enriquecendo etc., não consegue sensib ilizar aqueles que insistem 
em legislar contra a própria natureza da linguagem? 
Para podermos fazer qualquer avaliação da maneira como a polêmi-
ca tem evoluído, é preciso, antes de qualquer outra coisa, reconhecer que 
o que presenciamos hoje é um empate. Isto é, a discussão se encontra 
simplesmente travada. Cada lado marcou sua posição irredutível e não 
está disposto a ceder. O que vem a ser p ior, para quem vê a situação 
do lado de fora da contenda (hipótese puramente imaginária, já que 
os linguistas e os leigos se complementam, esgotando o universo do 
discurso), a polêmica se t ransformou em uma conversa entre surdos, 
cada lado gritando cada vez mais alto, sem ter o menor interesse em 
ouvir o que o outro lado tem a dizer, e sem sequer acreditar que o 
outro lado esteja realmente interessado em ouvir as suas razões. 
A pergunta com a qual gostaria de iniciar a minha discussão do 
tema em pauta é: por que razão está se revelando tão difícil, para 
não dizer impossível, um diálogo entre as partes? A resposta instan-
tânea pode ser resumida numa só palavra: desconfiança. Existe uma 
desconfiança mútua entre as partes. 
Já vimos que a linguística se ergueu como ciência a partir de 
um certo repúdio ao senso comum a respeito da linguagem. O sen-
101 
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11 m m nto m qu . ll HIH'tl l 1111 01 t ud qu o nso mum 1 0 11 
nsina para que pos m s 11l •mpl r o fenômeno a ser estud do 
m ideias preconcebidas. 
Por sua parte, o leigo (leia-se o não linguista) não consegue en 
tender como Um grupo de estudiosos, de credenciais inquestionáveis, 
consegue colocar-se contrário a propostas que, no seu entender, 
parecem tão evidentes e em perfeita sintonia com ... bem, o senso 
comum. Mesmo disposto a dar-lhes todo o respeito que merecem, o 
leigo vê os linguistas como pessoas que investiram tantos anos no 
estudo da linguagem e que, no entanto, tomam posições tão difíceis 
de entender. Ou seja, no atual empate entre o público leigo e os 
linguistas, são estes últimos que se acham cada vez mais isolados e 
vistos como quem pouco ou nada têm para contribuir. 
Para o linguista, o leigo é demasiado ingênuo e precisa ser 
devidamente instruído para pensar de forma correta. Para o leigo, 
perplexo diante daquilo que parece pura insensatez por parte do lin-
guista, é preciso procurar outras fontes do saber quando o assunto 
é a língua nacional enquanto patrimônio público. 
É fato que, com raríssimas e · honrosas exceções, poucos entre 
nós, linguistas, paramos para pensar que as línguas, além de serem 
instrumentos de comunicação, atributo distintivo do ser humano 
etc., também são verdadeiras bandeiras políticas,atrás das quais se 
reúnem povos e em nome das quais muitos se dispõem a derramar 
o próprio sangue. Pois não será o caso de levar em conta que muitas 
das nossas consagradas teorias a respeito da linguagem estão des-
preparadas para o desafio de refletir sobre a política linguística, em 
particular sobre o planejamento linguístico de uma nação? 
Com o intuito de trazer mais subsídios para a discussão, trago 
as seguintes considerações: 
Em primeiro lugar, é preciso que nós, linguistas, nos interessemos 
cada vez mais pela dimensão política, sob pena de permanecer à margem 
das discussões em curso no país. Se dentro dos arcabouços teóricos, com 
102 
' 11' lil 1 111 1 Ili 1 1 l t 1 1' l!I 1 1 !Hlilll 1 \ HI ! 111 ' H 
w q11.li1 <' t.11111 1 li.ili t11 .11 lo " t .11 ,1lli,1r, 11 , o lt, t1 11 ,1 o p.i ,1 kv, 111 ,1 1 
lll sl •s r ' lílt lv.111 , polll i ,1 lin :u sti , p rtamo bu c d 11 v s 
< minh n d di nt r clamar que as propostas que vêm sendo 
of reciclas por políticos ávidos por atender aos anseios do povo (e, não 
raramente, canalizá-los em benefício próprio) estão em desacordo com os 
ensinamentos da ciência, se não perguntarmos primeiramente se a própria 
ciência, no caso, se interessou pela questão política em algum momento. 
É preciso, em outras palavras, reconhecer que a questão da 
política linguística não pode ser tratada como um simples adendo 
a teorias concebidas ao largo de qualquer vínculo entre linguagem 
e política. É aí que talvez tenha havido o nosso maior tropeço: o de 
tentar achar uma ligação direta entre duas coisas tão desvinculadas 
uma da outra. De um lado, está um corpo de conhecimentos acumula-
dos através de anos de estudo que, no entanto, nunca tiveram espaço 
algum na reflexão sobre as conotações políticas que a linguagem car-
rega, principalmente para os falantes dos diversos idiomas. Do outro 
lado, encontramos propostas concretas no campo de planejamento 
linguístico, inclusive propostas da ordem da "engenharia linguística'', 
com finalidade de intervir em determinadas realidades linguísticas. 
Por bem ou por mal, intervenções políticas no rumo das línguas 
são mais comuns do que gostaríamos que fossem. A história da hu-
manidade está repleta de casos de intervenção proposital no destino 
de determinadas línguas, com objetivos diversos. De um lado há casos 
como o do hebraico moderno, língua recuperada da poeira da história 
em nome da unificação de um povo e do seu desejo de fundar uma 
nação própria, e o do hindustâni, língua literalmente "inventada" 
pelo líder indiano Mahathma Gandhi, ao pleitear que o híndi e o 
urdu (línguas faladas majoritariamente pelos hindus e muçulmanos 
respectivamente no subcontinente da Índia) fossem considerados 
uma só língua. Do outro lado, encontramos casos como o do alemão 
que, em diversos momentos da sua história, sofreu tentativas de pu-
rificação a partir do expurgo das palavras de origem latina, e o caso, 
bem mais recente, do esforço do falecido líder Franjo Tudjman, da 
Croácia, para introduzir sistematicamente grande número de neo-
logismos, a fim de que, com o passar do tempo, a fala dos croatas 
se tornasse incompreensível para os sérvios, vizinhos com os quais 
103 
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t 0 111p.it t íl h ,1v. 11 11 .1 1111 111.1 1111 1 I 1 11 11 11 111 0 lcl io 11 1.1 .1t ( o i11I( lo d.1 . 
ho.11ilicl.1clt11 t•nt <'o. do povo , p. 11 11 i os f, , n ligil lugos l, viil. 
A moral da hilll >rl. 1: i 11d 1•pp 111 l(111 l<• m nt do que s m 
algumas teorias sobr o func 1011,111 1 'nLo da linguagem e a proprir 
dade ou não de tentar int rvir na volução de diferentes línguas, ,1 
política linguística sempre imperou no mundo inteiro, em diferent s 
momentos da sua história, e sempre houve quem pleiteasse inter 
venções sistemáticas a fim de "salvar" certas línguas dos possíveis 
descaminhos. Mais ainda: como sempre acontece nesses casos, tais 
intervenções são feitas, via de regra, ou com propósitos nobres e jus 
tificáveis, como os de unir povos ou de fazer a paz entre povos que 
não se entendem ou, ao contrário, para semear o ódio entre povos 
e pescar proveito político nessas águas turvas. 
De nada adianta bater na tecla de que falta uma boa dose de 
linguística nas discussões políticas a respeito da língua portuguesa e 
seus rumos no Brasil. O que falta não é linguística, mas sim o reco-
nhecimento de que com ou sem nós, as coisas vão se desenrolando 
no cenário político, e que a atitude mais sensata no atual quadro 
é entrar na discussão n os termos em que ela está colocada, com o 
objetivo de mostrar a todos as consequências políticas que podem 
ter, a longo prazo, medidas apressadas tomadas hoje . 
Finalizando: o que se deve pergunt ar não é se faz sentido tentar 
influenciar o destino de um povo, int ervindo nas línguas que efeti-
vamente colaboram na construção da identidade daquele povo. A 
pergunta que urgentemente precisamos fazer é: que esforços podem 
ser feitos de imediato a fim de trazer à baila os interesses ocultos e 
escusos que podem eventualmente estar por trás das propostas po-
líticas e descortinar as consequências longínquas de adotarmos esta 
ou aquela política no momento atual? 
É preciso, com urgência, encarar a dimensão política da linguagem, 
sob pena de sermos ultrapassados pela marcha dos acontecimentos 
ao nosso redor. 
104 
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Linguística aplicada 
PERSPECTIVAS PARA UMA PEDAGOGIA CRÍTICA 
A pedagogia crítica nasceu das inquietações vividas ou repro-
duzidas na sala de aula, não enquanto um espaço acadêmico no seu 
sentido tradicional, isto é, um lugar .onde se confere o saber àqueles 
que dele carecem, mas enquanto um autêntico espelho das contradi-
ções e tensões que marcam a realidade que se verifica fora da escola 
(Rajagopalan, no prelo-3). Ou seja, o primeiro compromisso de um 
pedagogo crítico é com a comunidade, da qual a sala de aula é uma 
pequena, porém fiel, amostra. Resumindo o pensamento de Paulo 
Freire, Henry Giroux (1996: 570) diz o seguinte: 
Ensinar, nos termos de Freire, não é simplesmente estar na sala de 
aula, mas estar na história, na esfera mais ampla de um imaginário 
político que oferece aos educadores a oportunidade de uma enorme 
coleção de campos para mobilizar conhecimentos e desejos que 
podem levar a mudanças significativas na minimalização do grau 
de opressão na vida das pessoas. 
Durante o famoso debate entre Myles Horton e Paulo Freire (cf. 
Horton e Freire, 1990), o educador norte-americano lembra que a pa-
lavra educação, em sua acepção histórica, não incluía a aprendizagem 
fora da escola. Tanto isso era tido como ponto pacífico que quando 
ele fundou a famosa e pioneira Highlander Folk School no Tennes-
105 
1 11 • 1, <" l1Hlo 11 0 11 1• ,11111 11 1 11111111 ,1 111 lnt ,1 1 
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ult 11 .1 de• 
p lo 
s inim gináv i , 
" s p ssoas de dentro do is rn, duc cional disseram, quase un 11i 
m mente, que a Highlander nada tinha a ver com educação" (Horton 
e Freire, 1990: 200-1). Isso incluía, segundo Horton, até mesmo as 
pessoas favoráveis à nova proposta educacional. 
Por sua parte, Paulo Freire deixa claro que não há como se es-
quivar da luta, tanto déntro como fora do sistema educacional. Do 
ponto de vista da pedagogia crítica, a linha divisória entre o "dentro" 
e o "fora" neste caso é bastante tênue e precária, pois o que se faz 
dentro logo repercute fora e vice-versa. O que torna a pedagogia crí-
tica distinta é a vontade do pedagogo de servir de agente catalisador 
das mudanças sociais. O pedagogo crítico é, em outras palavras, um 
ativista, um militante, movido por um certo idealismo e convicção 
inabalável de que, a partir da sua ação, por mais limitada e localiza-
da que ela possa ser, seja possível desencadear mudanças sociais de 
grande envergadura e consequência. 
Diferentemente das origens da pedagogia crítica, a área aca-
dêmica que se convencionou chamar de "linguística aplicada" tem 
origens "nobres" e se mantém distante das preocupações do dia a 
diado mundo do comum dos mortais. É lícito dizer que a linguísti-
ca aplicada nasceu no berço esplêndido do mundo acadêmico, como 
1 A Highlander Folk School, situada em Monteagle, TN, foi fundada por Don 
West, diretor de distrito do Partido Comunista da Carolina do Norte, e Myles Norton, 
diretor do Commonwealth College. Com base em testemunho de membros da escola, 
ela foi processada pelo estado do Tennessee, sob alegação de promover atividades sub-
versivas, e fechada por ordem judicial em 1960. Inicialmente a escola se concentrou no 
treinamento de líderes sindicais, mas nos anos 1960 Highlander se tornou um centro 
do movimento pelos direitos civis. Quando do fechamento da escola por ordem dos 
juízes de Monteagle, Horton mudou a escola, primeiro para Knoxville, depois para 
New Market. Nos anos 1980, o foco da escola se voltou para as questões ambientais, 
especialmente diante da luta pela recuperação econômica no sul dos EUA A Highlander 
Polk School pode ser considerada uma expressão da cultura americana de esquerda. 
106 
11 '"' ll t:: 
lllll,I 11b1 ti' 1 d' llVC' l •'•''~'li d1 dl .1 l.1 11 'V 1tllll 1ll.I ,1p l ( .1~ d1 11111.1 
di. i1 111 , n, lin u ti r 1 u t óri . E L'", 
su v :t, p u s' 1 ' cup v com coisas mundanas para pod r 
nt mplar de forma c n ntrada os mistérios da linguagem humana 
- tornando-se, nas mãos de alguns dos seus adeptos, um ramo da 
psicologia cognitiva. Di Pietro (1977) se refere a uma pergunta -
um tanto desnorteadora - feita por um aluno logo após uma aula 
introdutória sobre a linguística: "Como é que um linguista ganha 
o Prêmio Nobel?" Lembrando que o cobiçado prêmio é outorgado 
àqueles que de forma significativa contribuíram para a melhoria das 
condições em que vive a humanidade, o autor acrescenta: "Um possível 
candidato pode ser um linguista, porém ele vai ter que se qualificar 
para o prêmio por algum outro motivo" (Di Pietro, 1977: 3). 
A tão decantada emancipação da linguística aplicada é hoje, sem 
sombra de dúvida, um fato institucionalmente consumado. Contudo, 
há fortes indícios de que a disciplina mãe continua a exercer fascínio 
desmesurado sobre uma parcela dos pesquisadores. Isso ficou evi-
denciado num debate patrocinado pela revista International Journal 
of Applied Linguistics (cf. Rajagopalan, 1999a, b; Widdowson, 1999; 
Brumfit, 1999). O subtítulo ostentado por um volume recentemente 
publicado na Grã-Bretanha é prova contundente dessa hierarquização 
tacitamente aceita: Solving Language Problems: From General to Applied 
Linguistics (Hartmann, 1996). Seguindo à risca a mesma política edi-
torial - que por sua vez fielmente reproduz o preconceito contra as 
questões de ordem prática - adotada pela série pioneira The Edinburgh 
Course in Applied Linguistics, de 1973, o livro de Hartmann começa 
com um conjunto de artigos de cunho teórico escritos por diferentes 
especialistas e termina com uma seção dedicada a assuntos práticos, 
reiterando, dessa forma, a crença amplamente divulgada entre nós d 
que a prática só se justifica e adquire confi.abilidade quando decorre 
da teoria e jamais o contrário. 
De onde vem o enorme prestígio da teoria, do pensamento abs-
trato e o relativo desprestígio da prática e sua posição de subalter-
107 
111d.11l1 1•111 11•1.1\, n . 111i111111.1 V tl1 ,, p• 11 .1 111 1: l1•t1•1 11111 po11c o p.11.1 
.1prnfunclil Ulll1I q111•: t 11 1 1111 111 fmt1•11 in lf io.· 1 •que B tr<'llil I<' 
um 1 r on il JU • H<' 111 t.d1111 1'1 11 t 1~. d um s ri d p qu no:-i 
' 1 sliz s' de raciocínio . S<•gu 11 lo Mi h l Oakeshott, a origem do 
pr conceito contra a pr ti • st. n forma equivocada de se pensar . 
natureza do conhecimento e sua aquisição. Para Oakeshott, é possív 1 
apontar para uma certa diferença entre "dois tipos de conhecimento 
[ ... ] distinguíveis porém inseparáveis" - a saber, "conhecimento 
técnico" e "conhecimento prático". O primeiro se adquire de forma 
consciente e é, em seguida, posto em prática. Funciona como um 
conjunto de técnicas abstratas e desvinculadas das condições pe-
culiares que marcam suas eventuais aplicações. Os exemplos mais 
ilustrativos seriam as normas descritas em manuais para motoristas, 
receitas culinárias, procedimentos de verificação, observação e expe-
rimentação para a pesquisa em ciências naturais. O conhecimento 
técnico consistiria, noutras palavras, em um conjunto de diretrizes 
padronizadas e explicitadas em fórmulas sucintas, destinadas a serem 
válidas para todos os tempos, lugares, e condições. 
Em contrapartida, o conhecimento prático existiria só na prática 
e não pode ser formulado na forma de regras rígidas. Trata-se de uma 
espécie de "know-how" e não de um corpo de conhecimentos que pode 
ser "transportado" de um lugar para outro. É, no entanto, o . tipo de 
conhecimento que transforma um pianista em um verdadeiro gênio 
da música e que dá a um jogador de xadrez seu estilo e ao cientista 
tarimbado o toque extra. Por não ser mensurável, não há como ensinar 
ou aprender o conhecimento prático; ele só pode ser adquirido através 
de contato contínuo, isto é, se praticado por um longo período. 
A distinção que Oakeshott propõe entre conhecimento técnico e 
conhecimento prático não é algo inédito ou sem precedentes. Propostas 
análogas foram feitas por William James (1890) e Gilbert Ryle (1949). 
O primeiro defendia uma distinção entre "conhecimento sobre" e "co-
nhecimento por familiaridade (acquaintance)" e o segundo distinguia o 
"saber como" do "saber que''. A originalidade de Oakeshott está em que, 
para ele, os dois tipos de conhecimento são inseparáveis, pois um sim-
108 
11 " 1111 rni 
pi<: 1111•1111• 11, o 1•xil tl11i1 1•111 .i p11 : <•11ç.i do outro. ) .111101, 110 < 111.11110, 
v. i , ind m, is lon1 e• .10 .1pont,1r p._ r dim ns._ pr min nL m nl 
poHLic d qu stão do onh' imento - assunto usualmente tratado 
como exclusivamente pertencente ao domínio da epistemologia. 
Segundo Oakeshott, há circunstâncias históricas que favorecem um 
desequilíbrio perverso entre os dois modos de conhecimento, criando 
a ilusão de autonomia entre os dois. A sociedade moderna, em nome 
da razão e do racionalismo inspirado na herança do Iluminismo, tem 
importante parcela de culpa ao enaltecer demasiadamente a razão téc-
nica às custas da razão prática. Nas palavras do próprio filósofo inglês, 
A superioridade do conhecimento técnico [reside] em sua aparência 
de ter surgido da pura ignorância e de ter redundado em conhe-
cimento total, isto é em sua aparência de começar e terminar em 
certeza (Oakeshott, 1991: 16-17). 
O caminho de ceticismo radical trilhado por Descartes, até 
chegar (até se convencer de ter chegado) a uma certeza sólida e in-
questionável - contida na fórmula "cogi.to ergo sum" - é exemplo 
típico do gesto, ao qual se refere Oakeshott, de enaltecimento do 
conhecimento técnico. 
Quando o conhecimento técnico é visto como autônomo e to-
talmente desvinculado da vida vivida no mundo real, nasce a ilusão 
de um saber contido em si, autossuficiente, insulado de todos , os 
demais campos do saber - e, o que vem a ser pior ainda, aparen-
temente segregado do conhecimento prático ao qual ele está a rigor 
inseparavelmente ligado. A pior de todas as ilusões que isso cria é, 
no entender de Oakeshott, a ideia de que o conhecimento técnico 
seja não só superior, mas também anterior ao conhecimento prático. 
Cria-se, ademais, outra ilusão de que o conhecimento prático estaria 
presente no conhecimento teórico de forma, digamos, latente ou 
"cristalizada" - quando, na verdade, é o conhecimento técnico que, 
na visão de Oakeshott, surge como um "resumo da atividade concreta" 
("abridgement of concrete activity)". 
Voltando à questão posta no título deste trabalho - a que diz 
respeito à possibilidade de a linguística aplicada vir a se alinhar à pe-
109 
1 ·111 11~1 l llH dll 111 1 li• lt" 1 ' ' 1, 11111 ~ 1 111 "1 1 Jll 1 lt\I ' ' llt 
d.1p,op,l.1 e t1tl1 .i < du 111 ,11111 1 drd1 ).1 q111• ,1 tt'H lH>l l.1 v.d d1 11>t• t1 dc•t , 
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r 'P it la:.i p" IH'< t v.111 p, r uma p d gogia ríti 1 111 
à linguístic p li .Hlt1 • ipni i luz das breves colocaç · ~1 
n ima - abrir mão de um s ri d posicionam en t os equivocados qu<' 
• inda se acham incrustados no meio acadêmico. Dentre eles dest aca-S(' 
< ideia, fortemente arraigada em setores expressivos da comunidack 
ientífica, de que a pesquisa científica e o trabalho pedagógico devem 
manter-se distantes das questões políticas que a comunidade enfrenl, 
no seu dia a dia. Há quem defenda a tese de que qualquer esforço por 
parte de um pedagogo de opinar sobre essas questões equivale a um 
ato de intromissão indevida em questões que não lhe dizem respeito. 
De acordo com esse raciocínio, a atividade do educador deve proceder 
de forma neutra em relação às questões que envolvem a vida fora 
da sala de aula. O professor que se atreve a criar um espaço dentro 
de sala para que seus alunos possam discutir livremente a própria 
vida fora da sala de aula e procurar relacionar o que se aprende n os 
livros à realidade que eles vivem no seu dia a dia é visto com des-
confiança e tachado de agente provocador ou alguém que confunde 
a nobre tarefa de educar com a prática nefasta de "fazer cabeças", de 
doutrinar. Em seu livro Campus War, John Searle (1971), filósofo que 
tanto influenciou os rumos da linguística nas últimas décadas, chega 
a t ecer as seguintes e surpreendentes considerações: 
O liberalismo acadêmico consiste não apenas em um conjunto de 
crenças a respeito de questões públicas, inclui também um conjunto 
de atitudes tão embutidas que se tornam uma parte significativa de 
todo um tipo de sensibilidade, um conjunto de categorias para se 
enxergar a realidade. Uma das características mais gritantes desse 
tipo de sensibilidade é que ela envolve uma suspeita crônica da 
autoridade estabelecida e às vezes até hostilidade para com ela. É 
difícil, de antemão, para aqueles que têm essa sensibilidade aceitar 
que, num conflito entre a autoridade entrincheirada e ultrapassada 
e a juventude rebelada, as autoridades possam estar com a razão e 
os rebelados, não (Searle, 1971: 129). 
110 
l · lli• t !I 111 11111 11 < 11110 1 • 11 l'H l t 11111 111' •'11 '11 1 111111 
,'<•1111• 111 1 1 110111C11ilod 1 q11 111 1, \ 1 1 lí1 ,, l'' o .n1lo diHc11l1 
( . ltt r •fl x s, 1 , diz m r sp ito à r volta stud nti l do ano 
1968, com destaque para os acon tecimen tos na Universidade da 
C lifórnia, campus de Berkeley), o que salta aos olhos na generalização 
d Searle é a insinuação de que o liberalismo acadêmico não passa 
de uma ideologia como qualquer outra ("um tipo de sensibilidade, 
um conjunto de categorias para enxergar a realidade"). Segundo o 
raciocínio de Searle, é preciso combater todas as ideologias com igual 
veemência e determinação. Já discuti o caráter eminentemente ideo-
lógico do próprio argumento que ele desenvolve contra a presença 
da ideologia no meio acadêmico e não pretendo entrar em detalhes 
aqui (cf. Rajagopalan, 1996a). O que deve ficar claro é que a posição 
assumida por Searle e outros intelectuais que defendem uma pedagogia 
despolitizada é que a crença na neutralidade do educador é ela mesma 
uma atitude política - a de não perturbar a ordem das coisas que 
se encontra instalada, ainda que nela possam estar abrigadas severas 
injustiças e arbitrariedades gritantes. 
Não se trata de simplesmente dar as costas àqueles que ainda 
ingenuamente acreditam que as escolas devem ser encaradas como 
verdadeiros templos sagrados do saber e os mestres (educadores) como 
autênticos sacerdotes. Embora seja de grande relevância denunciar 
os falsos ídolos e os falsos profetas, é igualmente importante tirar 
lições dos erros dos outros. Uma delas, a meu ver, é a percepção de 
que a caça à ideologia é um empreendimento infindável. Isso porque 
a ideologia e a teoria (ou, seja qual for o termo oposto escolhido: 
ciência, razão etc.) não são opostas como fogo e água, pois são 
feitas a partir da mesma matéria-prima (de onde a pertinência do 
velho ditado "O fogo se combate com fogo") . Aquilo que chamamos 
de ideologia, com frequência, nada mais é do que uma teoria cujas 
implicações nos incomodam. O contrário também procede. Nossa 
preferência por determinada teoria é frequentemente teleguiada por 
motivos ideológicos (cf. Rajagopalan, 1998b, 1999b). 
Ao educador crítico cabe a tarefa de estimular a visão crítica dos 
alunos , de implantar uma postura crítica, de constante questiona-
mento das certezas que, com o passar do tempo, adquirem a aura e a 
111 
'i n t bili d d ' d ' dugin.11 . 1. pnt 111 l <' m tivo que o ducad r r l ic o 
tr ·, via de regra, a ir d<tq u 1 H qu stão plenamente satisf i LOH 
com o status quo e interpretam qualquer forma de questionam nto 
das regras do jogo estabelecidas como uma grave ameaça a si 
sua situação confortável e privilegiada. A história vem se repetindo 
desde longínquos tempos na Grécia Antiga, quando Sócrates, o p, i 
da filosofia no mundo ocidental, foi obrigado a se retratar de tudo o 
que ensinara aos atenienses sob pena de pagar pelo crime de pertur 
bar a ordem com a sua própria vida. O educador crítico sempre foi e' 
sempre será uma ameaça para os poderes constituídos. 
No contexto da linguística aplicada, uma proposta de pedagogi, 
crítica terá que começar agindo em duas frentes: a primeira, assu 
mindo uma postura crítica - no lugar da tradicional postura d ' 
subserviência - em relação à linguística teórica. Não se trata, como 
entendem muitos, de se limitar a escolher o que é útil e descartar 
aquilo que não interessa aos fins práticos. Trata-se, antes de mais 
nada, de questionar a própria validade da teorização feita in vitro 
e da sua aplicação automática no mundo da prática. Muitas vezes, 
tal postura deverá redundar na rejeição das propostas teóricas 0\1 
na formulação de propostas alternativas, oriundas da vida vivida (' 
moldadas pelas exigências práticas nela verificadas. 
A segunda frente de ação - que, no fundo, depende do êxito 
obtido na primeira - procurará proporcionar aos aprendizes cap<1 
cidade de desenvolver formas de resistência e dar-lhes condições de• 
enfrentar os desafios e decidir o que é melhor para si. No caso do 
ensino de línguas, mais especificamente de línguas estrangeiras, ,, 
questão adquire uma certa urgência, diante do efeito avassalador do fr 
nômeno conhecido como "imperialismo linguístico" (Phillipson, 199/; 
Pennycook, 1994, 1998). Como reagir diante deste rolo compressm 
que ameaça a própria sobrevivência das línguas regionais? A quest, o 
do imperialismo linguístico é posta frequentemente como o aspe t o 
linguístico do fenômeno mais amplo e assustador da globalizaç, o 
que na prática significa a pasteurização e n rt .rn1 •ri , nização d.1 1 
diferentes culturas: o surgimento daquil q\I( lo i, e nni 111 1i t, pr pri1• 
dad batizado de "homo co a- ol ns", tN111 0 111 1111 1dn 1111111 ongrt•m10 
l.1 111,11!• 111 Al'l 11 111\ ' l ll'ol'lll ll VA l'AHA llMA l' llllAl llH l lA 1'1\l ll l 'A 
oi r' "cri~ , o 1 ele•: •11vc lvim ' nt " que aconteceu na Sorbonn m 
1 e 83 (cf. Cinqui 1 , 1 87) - despertando outros neologismos como 
" ca-colonização" e "as coca-colônias dos EUA". 
Em Rajagopalan (1999d, 1999e), chamei a atenção para o fato de 
qu o discurso atual sobre o fenômeno do imperialismo linguístico tende 
,\esconder premissas questionáveis que dizem respeito à identidade da 
língua, do sujeito falante, da cultura etc., que, no fundo, não passam 
cl anacronismos que sobreviveram ao século XIX, quando identidades 
1 chadas em si e duráveis foram postuladas por motivos políticos incon-
f ssáveis. Argumentei, em seguida, que o tempo em que vivemos exige 
cl nós novas formas de pensar e teorizar tais identidades, reconhecendo 
H u caráter eminentemente político - ou seja, identidade linguística, 
e ultural etc. comobandeiras políticas, erguidas e exploradas conforme 
.1 conveniências do momento (Rajagopalan, 1999, 1998a e 2001b). 
Por outro lado, não resta dúvida de que há formas de enfrentar as 
.imeaças - que são reais - representadas pela globalização desenfreada 
1 pelo jogo de interesses das multinacionais que muitas vezes contrariam 
os interesses locais. Cabe ressaltar trabalhos como o de Canagarajah 
( l 999b), que se dedica à importante questão de como os alunos e 
professores nos países de periferia podem e, muitas vezes, conseguem 
d safiar o esmagador poder de fogo das instituições encarregadas da 
missão de divulgar a língua inglesa e os valores culturais a ela associadas, 
p uco se preocupando com o impacto negativo que tal invasão cultural 
possa ter sobre a vida dos cidadãos comuns naqueles países. 
Canagarajah distingue entre teorias de reprodução inspiradas 
1•m algumas variantes determinísticas de estruturalismo e marxismo 
eorias de resistência, que têm como fonte de inspiração abor-
cl;igens pós-estruturalistas, mais abertas. No contexto de ensino e 
.1prendizagem da língua inglesa nos países da periferia, a orientação 
t 'l rodutivista é imediatista, pois objetiva apenas divulgar a língua e 
1 ultura e os valores associados a ela, de forma mais eficaz e rápida, 
l'm se importar com o custo social que a comunidade 'beneficiária' é 
obrigada a pagar. Dentro d ssa orientação, os aprendizes são agentes 
11tdr< m nt passivos, p •clindo para ser 'moldados' na forma que 
111,1L onv m , os intr.n·H~H'.l drn clu , lor s. 
/\ pt•t 11 1 t' t iv,1 dt n ptoc 11t.1 t .1l>.dh.1r o poll'rl i,11 1 • 
qu ti n mento e a uL , ri 11 ,,, ,o 1u j.. sL pr s 'nL dt 
aluno, de forma que cada um poss s nvolver estratégias d lid r 
com a invasão cultural. Não se trata, evidentemente, de simples 
terminantemente rechaçar toda influência vinda de fora, pois Canaga-
rajah entende que tal atitude seria tão imprudente quanto a atitude 
exigida pela orientação reprodutivista, isto é, a de submissão total. 
Para o autor, a perspectiva de resistência tem por objetivo aprender 
a digerir a influência estrangeira, de tal forma que surja uma nova 
identidade, não a partir da negação total da identidade anterior, 
mas sim um aprimoramento a partir dela, em virtude de um diálogo 
saudável entre as culturas em conflito. 
Poder-se-ia dizer que propostas como as de Canagarajah manifes-
tam, no fundo, resquícios de um certo apego à lógica do "NóS-ELEs" ou 
seja, à ideia de que o mundo se divide em dois blocos, o de amigos 
(mocinhos) e inimigos (bandidos) (cf. Rajagopalan, 1999c, 200la) . 
Afinal, fomos todos aculturados sob o regime da lógica binária, que 
é própria da metafísica do mundo ocidental. O maior de todos os 
desafios talvez seja o de nos desvencilhar das garras daquela lógica 
que nos aprisiona como uma camisa de força e pensar o mundo 
como composto de entes cujas identidades se acham em permanente 
estado de renovação e recriação. A postura pós-estruturalista que 
estudiosos como Canagarajah preferem adotar requer que o mundo 
seja pensado como algo em constante evolução. Ora, para que a nossa 
ação transformadora sobre o mundo em estado de fluxo seja eficaz é 
imprescindível que ela seja também pensada e praticada de maneira 
pragmática - isto é, atendo-se a mudanças em curso o tempo todo. 
Finalizando, a pedagogia crítica para os nossos tempos neces-
sariamente terá que levar em conta o fato de que estamos lidando 
com identidades em rápida transformação. No caso específico da 
linguística aplicada, isso quer dizer que já não há mais desculpas 
para não adotarmos uma postura crítica em relação às teorias que 
advêm das áreas como a linguística que tradicionalmente forneceram 
o embasamento teórico sem que houvesse qualquer possibilidade de 
uma interrogação crítica sobre o mesmo. 
114 
_J _ll J 
Sobre a arte, a ficção 
e a política de . representaçã 
A passagem de Alice ao mundo misterioso do País das Mara 
vilhas se dá ao cabo de um gesto impulsivo, tempestivo, da menina, 
segundo nos relata o autor do romance, Lewis Carroll. Sem saber por 
quê, ela corre atrás de um 'Coelho Branco com olhinhos vermelhos' 
que aparece de repente, e em seguida corre em direção à sua toca, 
reclamando estar atrasado e, para confundir a pobre menina ainda 
mais, tirando um relógio do bolso do colete e olhando-o. 
Sem refletir, Alice entrou também na toca atrás do coelho, sem 
pensar que talvez fosse difícil sair de lá depois. A toca percorria um 
bom trecho em linha reta, como se fosse um túnel, e, de súbito, afun-
dava tão bruscamente que Alice nem tempo teve de estacar e acabou 
caindo em uma espécie de poço muito profundo (Carrol, 1966: 4). 
O leitor está informado, logo de início, do estado de cansaço e 
tédio que Alice sentia, o tempo todo sentada à margem de um rio num 
dia quente - o momento ideal para um cochilo. Ou seja, Alice está em 
condições ideais para ser transportada a um mundo de sonho, de imagi 
nação. No estado em que se encontrava, tudo era possível: um coelho qll(' 
fala, olha para o relógio, age como gente. Que maneira perfeita d cl.H 
entrada em um mundo diferente, tão diferente que tudo pode aconl<'c <•1 I 
Acontece que nem tudo é tranquilo a partir daí. Carrol! f.1z 
questão de ressaltar que a queda na toca foi uma experiên i, ím.1 
115 
do < 0 11111111 . Poli " 1111 11 11 1 d • 1 1 d1•v,11'," ' , '0 111 0 Ili • 1111 1111 fdm • 
t• 111 "s low lllo t i Hl", d, 11 11 ln 1111 l 1• 111p11 1 11 1 i ' ' t.' p r r gistr r o qu 
h vi su v lt (< ! s.r d,1<H 11t l l,o) •, qu é mais surpreenden t 
inda, engajar-se num monólogo prol ngado: 
"Quantos quilômetros terei já feito? - disse ela em voz alta - Sem 
dúvida chegarei a algum lugar no centro da Terra. Acho que, pelo 
menos, desci quatro mil quilômetros" (p. 6). 
A incerteza e o mistério logo dão lugar à apreensão e saudade de casa: 
Continuava descendo, descendo ... Como não podia fazer nada, senão 
pensar, continuou a monologar: 
- Dina vai sentir muita falta de mim esta noite, coitadinha. Dina 
era a gata de Alice - Espero que, à hora do lanche, não se esqueçam 
de lhe dar o seu pires de leite ... Oh, querida Dina! Como gostaria 
que você estivesse agora comigo! No ar não há ratos, mas talvez 
haja morcegos. E os ratos e os morcegos são muito parecidos, só 
que os morcegos têm uma espécie de asas. Mas os gatos comerão 
morcegos? (Carroll, 1966: 7) 
Em meio à sonolência que a partir daí começa a tomar conta, 
Alice chega ao fim da sua queda; ou melhor, ao fim de uma viagem 
e ao começo de outra. 
••• 
Segundo uma possível leitura da obra Alice no País das Maravilhas, 
a toca seria o portal do mundo da imaginação, a linha divisória entre 
o mundo real e o mundo ao qual Lewis Carroll transportou gerações e 
gerações de crianças iguais a Alice e, por que não, muitos adultos tam-
bém. O artifício da toca e da queda serviria, segundo nossa leitura, para 
"suavizar" a passagem de um mundo para o outro. A descrição minuciosa 
dos detalhes da paisagem que antecede a queda - a margem do rio, o 
calor da tarde etc. - seria nada mais que uma espécie de preparativo 
para o mundo da ficção. Acredito que tal leitura proceda enquanto tal. 
Ela até pode ser invocada e, com um pouco de esforço, trabalhada para 
emprestar sustento à tese defendida por Searle (1979), segundo a qual a 
chave para compreender a natureza do discurso fictício seria a noção de 
fingimento. O autor de uma obra de ficção apenas finge estar executando 
os atos de fala que compõem sua obra (Searle faz questão de salientar que 
116 
t d f 111gl 11 1t 111tn 0\1 ptl'I •11 n 11 , 11 vll 1 t 11g.1 11.1 1 11l 11g111• 111 , ol>Jt• t lv.1 •'I t• 11 ,11 
cl lv 'l t l o. OlllYWl (Ol l " H ll H'.l lllO'?). s guncl s (ri ', ( 1 s ·ibil icl, d' d\ 
rn 1i rn nto s' d 'V'" <1x ist n i d um conjunto de conv nçõ s qu sus-
p nd m a operaç o nonnal das regras que relacionam atos ilocucionários 
o mundo". Acrescenta o autor: 
Neste sentido, para utilizar o jargão de Wittgenstein, contar estóriasrealmente se constitui em um jogo de linguagem distinto; um jogo 
que para ser jogado pede um conjunto distinto de convenções, em-
bora essas convenções não sejam regras do significado; e o jogo da 
linguagem não está no mesmo nível que os jogos ilocucionários da 
linguagem, mas é parasitário em relação a eles (Searle, 1979: 67). 
Num artigo escrito em 1971, Ohmann chegou à mesma conclu-
são quando disse: 
O escritor [de uma obra literária] finge que está relatando determi-
nado discurso e o leitor aceita tal fingimento. Mais especificamente, 
o leitor constrói (imagina) um falante e um conjunto de circunstân-
cias que acompanham o "quase" ato de fala (Ohmann, 1971: 14). 
Segundo a proposta de Searle e também de Ohmann, então, 
quando Lewis Carroll nos diz, logo no início do livro, que 
Alice já começava a se cansar de estar sentada à margem do rio, 
ao lado da irmã, sem saber com que se divertir; tinha olhado para 
o livro que a outra lia, mas era um volume sem diálogos nem gra-
vuras, e Alice dizia com os seus botões: "Para que serve um livro 
que não tenha nem gravuras?" (p. 4) , 
tudo não passaria de uma grande encenação, um gran de exercício 
de faz de conta. Aparências à parte, nada daquilo que o autor nos 
parece afirmar valeria por atos ilocucionários normais de afirmação. 
Searle e Ohmann entendem, ao que parece, que o mundo de fatos e 
o mundo de ficção são totalmente distintos ontologicamente, sendo qu 
o segundo se constituiria em uma instância parasitária em relação ao 
primeiro. Entende, ademais, que a entrada para o mundo de ficção se 
dá a partir de um gesto consciente por parte do escritor da obra, o g sto 
de sinalizar para o leitor de que vão vigorar para o jogo de linguag m 
que se inicia a partir daí apenas e tão somente convenções pertcnc nt s 
àquele conjunto todo especial, que suspendem as regras que regem os 
117 
111111 \ 1~11\ 1 1 1~1.l li 111 li 1 Ili 111 li 1 1111,11111, 1 'I 1 1111 " 11" 1 •1 • 
atos ilocucionários 'normais'. Do 1 do d 1 it r d, br. d f 1 ç. >, li ,\ 
veria, segundo Searle, uma clara percepção de que estão em j 1 l , is 
convenções diferentes das normais, ou para lembrar expressão usad 
por Samuel Taylor Coleridge, poeta e crítico inglês do século XVIII, um~ 
"suspensão consentida da descrença" (willing suspension of disbelief). Ou, 
conforme explica Ohmann, o leitor terá de compactuar com o aut or da 
obra fictícia/literária no sentido de aceitar de bom grado o fato de que 
os atos de fala que ele vai encontrar na obra têm suas forças ilocucio-
nárias garantidas apenas mimeticamente (Ohmann, ibidem.). 
Teóricos como Searle e Ohmann entendem que o fenômeno da 
ficção passa pela questão de representação. Para Searle, a represen-
tação fictícia em nada difere da representação factual, a não ser na 
questão das intenções do escritor. Pratt defende a mesma posição 
nas seguintes palavras: 
Do ponto de vista teórico, não há razão alguma para esperar que o 
corpo de enunciados que chamamos de "literatura" seja sistematica-
mente distinguível dos demais enunciados com base em propriedades 
gramaticais ou textuais (Pratt, 1977: xi) . 
Diz Searle: "Um conto fictício é a pretensa representação de um 
estado de coisas" (Searle, 1979: 69). Ou seja, enquant o representação 
não há como distinguir uma obra de ficção de um texto que relata 
acontecimentos verídicos . Ou seja, a diferença não está visível no 
produto final. Ela está nas intenções comunicativas de quem produz 
0 discurso. Ao comentar sobre a possibilidade de realismo em obras 
de ficção, Searle escreve: 
Os teóricos da literatura tendem a emitir observações vagas sobre 
como o autor cria um mundo fictício, um mundo de romance, ou 
coisa parecida. Acredito que estamos em posição de fazer essas 
observações terem sentido. Ao fingir referir-se a pessoas e relatar 
eventos a seu respeito, o autor cria personagens e eventos fictícios. 
No caso de ficção realista ou naturalista, o autor fará referência a 
lugares e eventos reais, entremeando-os com referências fictícias, 
dessa forma tornando possível tratar do conto fictício como se fosse 
uma extensão do nosso conhecimento já existente (Searle, 1979: 73). 
*** 
118 
11 t I " 1 " 1 1 I ' I ' I t lljl<H .1 < 1' t•xp 1 ,11 n 11 11 1111 1110 < 1.1 111,1< O H ~·O O tll > ,1 < t 
S \ l 1 (11 11 0 11HO d1 1 ( llin1,11111 1 O f 1 11 ln 11 lc li tlltJr, ( ,)111h 1 111 
b rn, 1 v rcl l , i t d m is pr b l mas teóricos do qtH' co 11 
gu m solucionar. u m lhor, substituem um problema p r oul 1 o. 
Como diz Petrey: 
A tese de Searle de que tenha conseguido solucionar o problema d<' l 11 < i< 1 
nalidade não tem nenhum embasamento fora da sua decisão d' h.H l:r..11 
a ficção de 'fingimento', um belo exemplo de truque mágico, long1• do 
método austiniano de fazer coisas com as palavras (Petrey, 1 990: Cl!I) 
Subjacente à proposta de Searle está a convicção de qu li1 < t1t 11 
ficcional seja parasitário em relação ao discurso 'sério'. Um x '111plo cio 
discurso sério seria o discmso do próprio filósofo . Para Searl ', ,11 111 
como todos aqueles que procuram explicar as formas discur ivi\ H q111 
parecem não obedecer aos critérios estabelecidos para o discurso , •1 < 1, 
a condição sine qua non para qualquer explicação é a de que l ~ 111•J. 1 
conduzida como parte de um discurso sério. Ou seja, se o explanandw11 
é discurso parasitário, o mesmo não pode acontecer com o explanans. 
Ficção só se explica por meio da realidade, a linguagem figurada mt• 
diante a linguagem literal, e assim por diante (cf. Rajagopalan, 199 ~). 
De forma mais abrangente, diria Searle, o discurso literário só s • 
explica com o auxílio do discurso filosófico - ou seja, quem deve expli , 
o que é a literatura ou a ficção é o filósofo, jamais um poeta. Pois st 1 
simplesmente produz o discurso que é o objeto da investigação e portanto 
está incapacitado para explicá-lo; ao passo que aquele, por ser detento 
de um discurso radicalmente diferente - e não 'viciado' pelas mar , s 
do discurso que está sob a investigação - está plenamente habilit d 
para executar a tarefa com isenção. Por incrível que tudo isso pareça, L, 1 
atitude tem decidido os rumos da crítica literária ao longo dos temp s. 
Está por trás dos movimentos como o de New Criticism no sentido k 
tomar a crítica literária um empreendimento 'científico'. A crítica literári, , 
segundo os adeptos dessa ótica, deve consagrar o estatuto sui generis d. 
literatura em relação ao discurso científico, a vitória da ciência sobr n 
arte, da razão sobre os sentimentos. Nas palavras de Harth: 
O que era novo [em New Criticism] não foi simplesment s11,1 
preocupação em defender as reivindicações da poesia contra , s d.1 
ciência ao insistir em que a poesia se constitui em uma esp it• dt' 
119 
1 l!I !Jllo llll'~ll li' 1 •·1111 1 HI li' ll 1 ll 'lli'j l'I 1 
li LI 80 '8 1 11 l~dtll 111({1 dll 'll'l ll t• 1) ll s l i so l,1 l 11 l,1, Ili.IH 'l ll t1 
posição de que a po si n, 1 r , d modo lgum, inf ri r 
eia. A novidade estava numa guinada proposital das consideraç 
expressivas a considerações objetivas, em meio a qual os critérios 
exclusivos para a poesia não foram extraídos da mente criativa ou 
da sensibilidade por trás da obra, mas das estruturas verbais que 
constituíam as próprias obras (Harth, 1981: 526). 
*** 
"[ ... ] a história da teoria literária," decreta Eagleton, "faz parte da 
história política e ideológica da nossa época" (Eagleton, 1983: 194). Isto 
é a ideia kantiana de uma estética desvinculada de interesses alheios 
' 
e frequentemente ocultos é ela mesma sobrecarregada de conotações 
ideológicas (Smith, 1988; Rajagopalan, 1997c). Ou seja, toda representa-
ção, inclusive a representação da própria literatura pela crítica literária, 
é uma questão eminentemente ideológica e responde aos interesses 
políticos que norteiam seus defensores. Não há, em outras palavras, 
como escapar ao jogo da ideologia. Ela está presente em toda atividade 
humana, inclusive - e, talvez, de maneira mais traiçoeiraainda - em 
momentos em que acreditamos estar em condições de transcendê-la, 
como na construção de teorias (cf. Rajagopalan, 1998b, 1999b). 
Toda representação é política porque se constitui num ato de 
intervenção. Ora, enquanto representações das realidades que se pro-
põem a descrever, as teorias também funcionam como intervenções, 
fazendo com que nós comecemos a olhar para o mundo de uma forma 
e não de outra. Daí o motivo da tese defendida por Kuhn e outros 
de que, a menos que aconteça uma revolução, no curso normal do 
andamento da pesquisa científica - a chamada 'ciência normal - os 
cientistas costumam olhar para o mundo de forma idêntica, concor-
dando a respeito dos 'problemas' a serem resolvidos bem como as 
formas de resolvê-los. Como diz Hacking, 
Novas teorias são novas representações. Elas representam em formas 
diferentes para que haja novas formas de realidade (Hacking, 1983: 139). 
Hacking quer que o termo 'representação' seja compreendido de 
forma radicalmente diferente da noção kantiana sintetizada pela palavra 
.11 mã Vorstellung, para a qual o termo usualmen te serve de tradução e é 
t'tlt ndida como uma forma neutra e desint eressada em que os objetos 
120 
1'1111111 11111 1, 1111 1 1 ~ 1'1111111 A Ili 1'11'111 11111111 i\11 
rn•tl.111 1e01110 qlll' 'pw to ' dl .11 1lt d,1 111 •11 1 1 liu 11 1,11ht P.n,1 11 .i ld11p,1 prn 1111, 
"n, o h,, l 1 q 1 , ,1 lwmrn1, 11 s nt • s m 'slil "(l l,1 ld 11g, 1 DH:i: 
L37) - i to , disp nibi lid d d alt rnativas , port nto, d 1 •s olli,1 
atributo indispensável de toda representação. "Os seres hum no.· , . < > 
'representadores' . Não homo faber, digo eu, mas homo depictor. S, o .i1 
pessoas que fazem as representações" (Hacking, 1983: 132). 
*** 
O que significa dizer que a representação é uma atividade polític.1 1 t 
reflete as predileções ideológicas de quem representa? Há uma form.1 clt' 
lidar com a questão da ideologia que, a meu ver, pouco contribui p. r, 11111.1 
melhor compreensão de como a ideologia funciona, influencia s 11 0111 o 
modos de pensar e agir e interfere na própria realidade na qual nw 1•11 
contramos inseridos. Trata-se do esforço de identificar a ideologi, 0111 < > 
ponto de vista. Por exemplo, Paul Simpson, autor inglês simpatizant dt1HI .i 
postura, entende que "a linguagem [funciona] como representação, 0 1no 
uma projeção de posições e perspectivas, como uma forma de comuni .11 
atitudes e suposições" (Simpson, 1993: 2). Para esse autor, todo olhn1 
seria imbuído de seu estilo próprio, e sua própria coloração ideológi , . 
Ora, a consequência imediata da posição adotada por Simpson e outros 
tantos teóricos que entendem o estilo, a ideologia, e a subjetividade como 
farinha de um mesmo saco é deslocar toda a discussão para o velhc 
sonho de transcender todos eles. Na medida em que a ideologia, como 
vimos na citação acima, está diretamente vinculada ao ponto de vista , 
representação, esse sonho, em sua forma mais intensa e inconfessável, Sl' 
transforma em desejo de superar a própria necessidade de representaçã ). 
Isto é, o sonho redunda num desejo de suplantar a representação e 1 ' 
implantar no seu lugar a apresentação, sem qualquer intermediação, d 
significado em seu estado mais puro - enfim, a epifania do significad . 
A esse desejo da epifania do significado é que Jacques Derrida I, 
o nome de "a metafísica da presença". Concepções de ideologia como 
a de Simpson são no fundo apologias dessa metafísica, na medid. 
em que entendem ql!e a ideologia seja um empecilho no caminh l,1 
compreensão do verdadeiro "estado de coisas" - enfim, da realid< lt•. 
Contrariamente a essa forma de trabalhar a questão da representa , o, 
Hacking insiste em que toda representação é necessariamente públic .1. 
Diz ele: "Tudo o que chamo de representação é público" (Ha ki11g, 
121 
1111 llMA lllH11i l' i11 
1D8': 11 3). qu i "o ig11ll 1t.i • q11t • .i 1 cJ 'r 'I r 1s 
um substit utivo à antiga pr o up çã pistemológica. rn ·i1 -
tima an álise, um aprofundamento da própria questão epistemológic •. 
Em um ensaio de 1988, Eagleton faz a seguinte afirmação: 
Abandonar a epistemologia em prol da política não é indesejáv 1, 
é impossível; todos os enunciados de cunho político são implicita-
mente teorias sobre a realidade (Eagleton, 1988: 471). 
E esclarece: 
A posição do pragmatista que toma "interesse", "poder", ou "desejo" 
como seu ponto de partida epistemológico [ .... ] está sujeita à contestação. 
Tal contestação inevitavelmente acarretará debate em tomo de como 
são as coisas no mundo lá fora. Falar a respeito do mundo lá fora não 
quer dizer necessariamente que as coisas são uma vez por todas de uma 
só forma ou que o conhecimento do mundo está transcendentalmente 
descontaminada de interesses e desejos (Eagleton, ibidem). 
*** 
À guisa de conclusão, podemos afirmar, ainda que de forma 
provisória, que as tentativas de distinguir ficção da realidade, litera-
tura do discurso científico mal conseguem dar conta do recado, pois 
todas elas repousam sobre a questão da representação. Ocorre que a 
representação é, antes de mais nada, política. Logo, são os interesses 
políticos que vão ditar os critérios de demarcação. 
Começamos a nossa discussão a partir da viagem ao mundo das 
maravilhas da menina Alice. Talvez a forma mais adequada de encerrar a 
nossa discussão seja lembrando uma outra viagem realizada por uma outra 
menina - Sophie Amundsen, para um mundo igualmente misterioso (ou, 
quem sabe, mais misterioso ainda). Alguns detalhes também chamam a 
atenção. Sophie está, segundo nos assegura o autor, Jostein Gaarder (1997), 
no rumo de sua própria casa, voltando da escola - Alice, em contrapar-
tida, estava, como vimos, em pleno descanso, com a sonolência tomando 
conta de tudo aos poucos e abrindo o portal para o mundo dos sonhos. 
Coincidência ou não, também não falta o Coelho Branco para compor o 
elenco. Eis uma das frases mais memoráveis de O mundo de Sona: 
Um filósofo de verdade nunca desiste. Se pelo menos a gente con-
seguisse desprendê-lo ... (Gaarder, 1997: 546). 
122 
Por uma linguística crítica 
O clamor para que as reflexões teóricas em torno do fenôm -
no da linguagem sejam conduzidas com base em uma postura crítica 
tem, no máximo, umas duas ou três décadas de história. As primeiras 
conclamações nesse sentido ocorreram no Reino Unido (Fowler e 
Cress, 1979; Hodge e Kress, 1979; Fowler, 1986). Hoje, a linguística 
crítica se apresenta como um movimento fortemente consolidado 
(Fairclough, 1989, 1992, 1995; Cameron et alii, 1992; Chouliaraki 
e Fairclough, 1999), com adeptos nos quatro cantos do mundo. A 
julgar pela quantidade de livros, artigos em revistas especializadas, 
teses e dissertações defendidas ou em curso em diversos centros de 
pesquisa no mundo inteiro, congressos internacionais e até mesmo 
novas revistas sendo lançadas para atender ao público interessado 
cada vez crescente, a linguística crítica veio para ficar. E, aos poucos, 
o linguista vai recuperando seu verdadeiro papel enquanto cientista 
so.cial, com um importante serviço a prestar à comunidade e, com isso, 
contribuir para a melhoria das condições de vida dos setores m eno 
privilegiados da sociedade à qual pertence (Rajagopalan, 1999a, 1999b). 
Abordar a linguística de forma crítica implica, antes de tudo, 
abrir mão de uma das ideias preconcebidas a respeito de pesqu is. 
linguística que na verdade apenas tem funcionado como um entr V<'. 
Trata-se da crença bastante arraigada de que, por ser um cienlist. , 
um estudioso que pretende estudar o fenômeno da linguagem no.' 
mesmos moldes em que qualquer outro cientista estudaria o seu bj Lo 
123 
111111 11~111 11111 1111 1 li 11 1 1 fi ~ 
dt• <•st u lo, o li11)'tti. t.1 de vc• qu 11 .1 l>u e .1 um, m,1i r om 1 r •(• 1ui. o 
í'I r 'P ito d quilo qu • •s ol lwu <'• L t 1 r, a sab r, a lingu g m. Ou 
, j , como um cientista da linguagem, não cabe ao linguista faz r 
qualquer coisa além de descrever a linguagem na melhor formapos-
sível. Qualquer tentativa de interferir no fenômeno estudado, seja no 
sentido de recomendar certos tipos de comportamento linguístico 
m detrimento de outros, seja no sentido de influenciar as decisões 
tomadas na esfera de planejamento linguístico, deve ser sumariamente 
rechaçada, segundo a cartilha de conduta que sempre norteou os ru-
mos da linguística desde que ela se ergueu como disciplina autônoma, 
digamos, no início do século XX. 
A famigerada noção da "neutralidade" do cientista nada mais é 
do que uma herança do positivismo que imperou na época em que a 
linguística se consolidava enquanto disciplina autônoma. Nas palavras 
de Cameron et alii (1992: 6): 
O positivismo acarreta um certo apego ao estudo das frequências, 
das distribuições e das tendências manifestadas pelos fenômenos 
observáveis, seguida por uma descrição, em termos nomológicos, 
das relações entre os fenômenos. Para lembrar um exemplo bastan-
te utilizado, uma descrição nos moldes positivistas de um jogo de 
bilhar faria referência às bolas de bilhar rolando de um lado para 
o outro com velocidades diferentes, colidindo entre si e contra as 
bordas da mesa, e sendo lançadas em novas direções e com outras 
velocidades - todas previsíveis e capazes de serem calculadas, 
recorrendo-se às leis da mecânica clássica. As únicas entidades reais 
nesse cenário seriam as bolas, os tacos, e a mesa; porém não as 
forças de fricção, inércia, e gravitação (e parece nunca haver joga-
dores de bilhar numa descrição positivista de um jogo em curso). 
Contudo, o fato é que nem os cientistas pertencentes às áreas 
exatas creem mais na total isenção das suas atividades enquanto 
pesquisadores. Dizem eles com toda a franqueza e sem qualquer 
constrangimento que o seu trabalho também tem fortes conotações 
ideológicas e políticas. Ora, logo, os estudiosos em áreas mais "ame-
nas" (que, no entanto, sempre procuraram emular os passos dos seus 
124 
pt llH> 111 .11 "1101>11 "), q111 ,1 tHl .1i11111 t•m11.1 t 11 1 d.i n •utr,dld.1cl • cio 
i nt i1-1 t,, 1Hl. o qut'H'IHlo ' m~ is r lisL s qu pr prio r •i. 
P lizm n L , p r m, onforme já disse, as coisas estão mudando. 
Ou· melhor, começando a dar sinais de que estão prestes a mudar. 
Essa mudança está se firmando ao cabo de uma percepção de que 
a linguagem funciona como algo mais que um simples espelho da 
mente humana. Longe de ser um simples tertium quid entre a men-
te humana de um lado e o mundo externo do outro, a linguagem 
se constitui em importante palco de intervenção política, onde se 
manifestam as injustiças sociais pelas quais passa a comunidade em 
diferentes momentos da sua história e onde são travadas constantes 
lutas. A consciência crítica começa quando se dá conta do fato de 
que é intervindo na linguagem que se faz valer suas reivindicações e 
suas aspirações políticas. Em outras palavras, toma-se consciência de 
que trabalhar com a linguagem é necessariamente agir politicamente, 
com toda a responsabilidade ética que isso acarreta. 
A ideia de que a atividade de teorizar, de construir teorias, não 
é uma atividade ideologicamente isenta ou neutra não se constitui, 
evidentemente, em nenhuma novidade. Talvez tenha sido essa a 
ideia que norteou os fundadores da Escola de Frankfurt, escola de 
crítica social que surgiu na Alemanha logo após a Primeira Guerra 
Mundial. Para o grupo de pensadores que se reuniram sob a égide 
dessa instituição, a questão urgente a ser debatida era: o que afinal 
saiu errado no velho sonho iluminista da aposta na Razão, na pro-
palada capacidade dessa razão de conduzir a humanidade em direção 
à paz e à prosperidade para todos? Por que motivo os intelectu is 
que tanto apostavam na supremacia da Razão não conseguiram n 1 
sequer prever tanta devastação numa parte do mundo supostam n L ' 
civilizado, muito menos fazer com que tais acontecimentos fossem 
parte de um passado enterrado de uma vez por todas? 
A desconfiança em relação à suposta capacidade da R, ~' o d 
conduzir a humanidade em direção a dias melhores 1 g iri , d r lu-
gar à total desesperança. Assim, um quarto de século d p is, j nos 
125 
11111 ll Mf. lll l•1lll ' 111 1 11111 
111 '. ' •s f111,1i. cl.1 S 1gl111 l.1 C:1.11u lc C: 11 p1t.1 1 o 11 1 1n lo smtb • cl.1s ,1t to 
idad s inimagináv is pr. Li ,1cl,1s d 1r,ltll 1 , qu l gu rr •. ''R l ssfv •! 
fazer poesia após Auschwitz?"- p rgunta levantada por Adorno 
não só acenava para o desmoronamento definitivo de certos sonhos 
acalentados pelos intelectuais da época, mas também sublinhava a 
necessidade urgente de repensar todo o quadro teórico então vigente. 
A irracionalidade e a crueldade imensurável não se restringiam aos 
atos bárbaros praticados pelos derrotados - atos que vieram à tona 
mais tarde precisamente por terem sido derrotados, como acontece, 
com frequência, nesses casos. Os vitoriosos também não foram ca-
pazes de mostrar qualquer piedade, ou demonstrar domínio da razão 
sobre a emoção, ou da temperança e da equanimidade sobre a sede de 
vingança. O ataque punitivo e vingativo a Hiroshima e Nagasaki fez 
Oppenheimer, um dos pais da descoberta científica que tornou possível 
tamanha destruição indiscriminada, reunir sua equipe de pesquisado-
res e admitir responsabilidade direta nas consequências práticas da 
sua descoberta. Ou seja, foi enterrada definitivamente a ideia de que 
ciência pura desconheça qualquer moral, que a epistemologia possa 
estar desvinculada de considerações éticas ou juízos deontológicos. 
Juntamente com a percepção de que a Razão Iluminista havia fa-
lhado na nobre tarefa que lhe fora confiada - a saber, a de promover 
a emancipação de toda a humanidade -, estava se firmando outra 
ideia: de que a linguagem ocupava lugar central em nossas ponderações 
acerca da condição humana. Trata-se, na verdade, de um desdobramento 
natural da chamada "virada linguística" que houve no final do século 
XIX, acontecimento esse associado ao nome do lógico-filósofo alemão 
Gottlob Frege. Cada vez mais estava ficando patente que é na própria 
linguagem que devemos buscar as respostas para boa parte dos enig-
mas em torno da conduta humana que tanto afligiam os pensadores. 
A linguística crítica é herdeira de todas essas tendências na 
história da filosofia dos séculos passados. Ela nasceu a partir da 
onscientização de que trabalhar com a linguagem é necessariamen-
intervir na realidade social da qual ela faz parte. Linguagem é, 
126 
1•111 ou11.1 1-1 p.tl.1v1.1 , 11111.i 1111tlllft sot/11/. /\ ll11g111 tl1.1 t.11111> 'Ili 0 1 . /\ 
lingu . t k.1 • lllll.1 1 1, t 11 ,, 1 o i.11 m > llllll [ t<'r oulr.t 1 t 1 111 p<H Ht111 
pr pri lin 'Ut:l m, qu , onform b rdag m L ri , qut• 
s dota, s esforça para caracterizá-la como uma realidad m 1 t.tl 
ou um objeto de natureza algorítmica etc. - em suma como qu, 1-
quer coisa menos uma prática social. Pois, as reflexões teóricas q1H' 
os teóricos da linguagem, os linguistas, costumam fazer também s. o 
atividades conduzidas na - e através da - linguagem, como ali, :i 
não poderia ser de outra forma. Isso quer dizer que, ao contrári do 
que alguns teóricos gostariam de crer, suas atividades não estão 
e jamais podem estar - fora da linguagem. Pelo contrário, elas s, o 
atividades eminentemente linguísticas. Ora, logo temos a consequ n ;,1 
inevitável de que pensar sobre a linguagem é também uma das tant. s 
formas de pensar na linguagem. Ou, dito de outra forma, a oposiç o 
"metalinguagem/linguagem objeto" torna-se insustentável quando 
estamos trabalhando com as chamadas línguas "naturais" - termo 
esse que surgiu em oposição às "linguagens formais" que os lógicos 
e os matemáticos costumam inventar para finalidades específicas. 
A possibilidade de se dispor de uma metalinguagem depende, por 
sua vez, da possibilidade de se apoderar de um ponto de vista trans-
cendental em relação ao objeto de estudo. Dizer que tal possibilidad 
não está ao alcance do linguista é apenasuma outra forma de dizer qu 
não há como sair da linguagem para contemplá-la como se nada tivess 
a ver com ela. Ao reconhecer isso, estamos apenas levando a sério a 
tese de que a linguagem é envolvente. Ora, isso por sua vez significa 
que todo olhar é um olhar a partir de algum lugar sócio-historicament 
marcado, e como tal atravessado por conotações ideológicas. 
Não é por coincidência que os linguistas que abraçam a corrent 
crítica partem do pressuposto inicial de que as nossas falas são atra-
vessadas palas conotações político-ideológicas. E, isso que acabamos 
de observar vale também para as nossas falas a respeito da própri, 
linguagem, já que não há como sair da linguagem para falar sobre 1 l,1 
de forma descompromissada. Como frisa Horkheimer (1989: 69) c1 111 
seu ensaio Philosophie und kritische Theorie, escrito em 1937: 
127 
1111 \IM I\ 1111 11 111 ' 111 1\ 111 111 
/\ l ori, 1m u 11Hi lo lt 1 li ioll.11, ,11 L 11Jl,1 no, 0 111 0 .1 qlit' 1 • 
encontra em vigor m tod s s ci nci s sp i lizad, s, r , n i ~, 
a experiência à base da formulação de questões que surg m m 
conexão com a reprodução da vida dentro da sociedade atual. Os 
sistemas das disciplinas contêm os conhecimentos de tal forma qu , 
sob circunstâncias dadas, são aplicáveis ao maior número possível 
de ocasiões ... A teoria crítica da sociedade, ao contrário, tem como 
objeto os homens como produtores de todas as suas formas históricas 
de vida (ênfase acrescida). 
A comunidade linguística está felizmente se conscientizando 
cada vez mais do fato de que, da mesma forma que nos demais 
campos do saber, fazer ciência também é uma prática social, repleta 
de conotações ideológico-políticas que as práticas sociais acarretam 
(Rajagopalan, 1998d) .. Cada vez mais pesquisadores estão tomando 
consciência de que não há como se esquivar da responsabilidade ética 
que tal reconhecimento impõe à sua conduta enquanto pesquisadores. 
Donde o crescente interesse numa linguística de forte cunho crítico. 
128 
·Ü linguista e o leigo 
POR UM DIÁLOGO CADA VEZ MAIS 
NECESSÁRIO E URGENTE 
Nos últimos anos, temos testemunhado um acirramento extr 
mamente preocupante - mensurável tanto em centígrados como m 
decibéis - nas discussões sobre questões relativas à língua portugu SL 
e à política linguística em vigor no país. O projeto Aldo Rebelo (já ar-
quivado - ufa!!! - tendo dado lugar ao substitutivo do senador Amir 
Lando - ainda assim, ao que parece, longe de se constituir no capítul 
final desta novela) trouxe à tona o enorme fosso existente entre os lin-
guistas, de um lado, e os leigos, do outro. Os leigos não se conformam 
com a atitude dos linguistas, que se recusam a fazer coro com a grita-
ria geral contra a enxurrada de estrangeirismos que, em seu entender, 
desvirtuam a própria identidade da língua nacional. Os linguistas, por 
sua vez, denunciam o espírito de sensacionalismo e alarmismo qu 
tomou conta da reação popular diante de um assunto sério e insist m 
em dizer que procurar combater os efeitos danosos da globalização 1 
do avanço do neoimperialismo com medidas protecionistas dirigida , 
língua nacional de forma concentrada é tapar o sol com a peneira. 
Para os linguistas, os leigos estão redondamente enganados , o 
pleitearem uma ação governamental para "disciplinar" os rum s cl.1 
língua nacional e protegê-la contra a invasão estrangeira, principalm •ntc• 
129 
1111 llJ'<I lllll J li IP t Ili• llJ 1 1 l fl 1 lltlHllP ltl 1 lJ lll 1 ti 11 11 
.1dvli1cl,1 l.1 l n)•,lt.I 11)•,lt• ,, /\ 11111•11.1 , 01 ll :t. •n1 •lc•11, liivm,111 lo 11111 
s, h r, urnul< do, Lr< v H. cl1• .1110 11 .1 110:; d stucl s, si. lC'm,. Ili<' olw 
d cem às suas próprias l •is. ll lJs r •s m, adquirem novos v , bulo: 
te., graças ao contato com outras línguas, ou minguam e definhnm :H• 
forem submetidas ao isolamento prolongado. Dentro dessa lógi , , 11 
contato com outras línguas não só não é prejudicial, mas, pelo contr, rio, 
é extremamente vantajoso e imprescindível para o crescimento e, a 1 t • 
mesmo, a sobrevivência, de qualquer língua. Em outras palavras, o ti n > 
que o leigo quer disparar só vai sair pela culatra. Olha só para o caso 
do inglês, apontam eles. Por sinal, justamente a língua que agora esl. 
na mira de todos aqueles irados com os rumos da política linguística no 
Brasil. Não fosse o fato de a língua inglesa ter sofrido tanta influênci.1 
de outras línguas, notadamente do latim, ela talvez não tivesse adqu i 
rido um vocabulário tão rico e versátil, e, por conseguinte, se tomado 
merecedora do título de língua universal nos dias de hoje. 
Por sua parte, os leigos (leia-se, os não linguistas, já que muitos 
daqueles que são rotulados de "leigos" têm um vasto conhecimento 
sobre questões relativas à língua, à literatura e assuntos afins, embora 
tal conhecimento não seja reconhecido como "científico" pelo establish-
ment da linguística) se revelam igualmente impacientes em relação aos 
linguistas que, a seu ver, fazem vista grossa ao fato de a língua inglesa 
hoje representar o poder avassalador de uma superpotência (aliás, a 
única que sobrou após a queda do muro de Berlim). Eles também de-
monstram cada vez mais impaciência diante da recusa dos linguistas a 
compartilharem suas angústias sobre a integridade da língua portuguesa 
e suas chances de enfrentar a invasão estrangeira e de sobreviver à luta 
desigual com a língua inglesa. Do ponto de vista dos leigos, os linguistas 
são um grupo de estudiosos que se refugiaram numa torre de marfim e 
se isolaram completamente dos anseios dos falantes comuns do idioma. 
Como se não bastassem as desconfianças entre os linguistas de 
um lado e os ditos "leigos" do outro, surgiu há pouco um novo desafio 
para os linguistas no Brasil. Trata-se de um grupo de pessoas autode-
nominado "linguistas brasileiros para a democracia" que, dizendo falar 
em nome de todas as pessoas leigas e insistindo em não ter nenhum 
vínculo com universidades, nem nenhuma formação em linguística, 
faz questão de rechaçar como antidemocrática a fala dos linguistas. 
130 
'I 1 lllJlll 1 1 1 1111111 11111 li"\ l 'I lt!tdl !Ir 1 li 1 IH! 1 1 Jll U l !l"ll l lll 
H:l11• 1wvo dt• 1>1,1v.1dn111 u1lll:1..11n .1 l11t 1•t 1u•t p.it .1 dlvul)•,,11 11,1. 
n 1 nH. g<' ll ,, 1 m gr,tncl<' p11rtc• r li ... , lin 1ufs li • oft i, 1 m of r r 
p lo m nos, l , , r, r nhuma proposta concreta no lugar. Até 
o nd par e possív l inferir da sua postura, os linguistas que lecionam 
fazem pesquisas nas universidades etc. não são democráticos, uma 
vez que frequentemente remam contra a maré da opinião pública. Pela 
lógica, ser democrático significa falar em nome do "povo", ou melhor, 
reproduzir a voz do povo. Ou seja, as teses linguísticas não devem ser 
elaboradas mediante horas e horas de estudos em bibliotecas e pes-
quisas de campo, sob pena de não refletirem o pensamento dos leigos. 
Se dependesse da vontade dos membros do grupo autodenominado 
"linguistas brasileiros para a democracia", as únicas proposições ver-
dadeiramente "democráticas" seriam fruto de uma enquête. A pesquisa 
linguística deve, portanto, passar das mãos dos linguistas para, quem 
sabe, os institutos de pesquisa de opinião com capacidade comprovada 
para levantar dados nos quatro cantos deste imenso país. 
Diante da situação descrita acima, quero examinar as seguintes 
questões: 
* É possível que haja algo que nós, enquanto linguistas profissio-
nais, lotados em universidades e nos demais centros de pesquisa, 
possamos fazer, a fim de desfazer o total desconhecimento ou 
opiniões distorcidas acerca do nosso trabalho? (Rajagopalan, 
2001d). 
* É possível que, durante muito tempo, tenhamos simplesmente 
ignorado as opiniões dos leigos ao nos dedicar à nossa missão de 
elaborar teorias a respeito da linguagem? (Rajagopalan 2000b) . 
* É possível que, em meio a nossa firme atuação durante a aca-
lorada discussão sobre a língua e a pátria, tenhamos esquecido 
que o leigo também tem direito à sua opinião,que tal opinião 
precisa não só ser respeitada enquanto tal, mas levada em cont 
na hora de divulgar a posição que assumimos com base em anos 
de estudos? 
* É possível, enfim, iniciar uma discussão franca e proveitosa p, r, 
ambos os lados? 
Evidentemente, o assunto é muito mais complexo e multifac t, lo 
do que possa parecer à primeira vista. Com certeza, diz r sp iLo < 
131 
um · ri d pr ssup 'L • 'to1 bj, 1 11 s , próµ i, i n lin)'u •Li ,1. 
Por exemplo, é sabido que a linguística enquanto ci ~ncia foi. rguida 
sob a premissa de que a opinião do leigo, do informante que fornec 
os dados para as análises posteriores, não vale quase nada, a não ser 
do ponto de vista de curiosidade, digamos, antropológica. A linguística 
enquanto disciplina moderna, desde seus primórdios, desenvolveu 
seus conceitos básicos à revelia do senso comum, a partir de uma 
premissa que se convencionou chamar de "clean-slate principle" (prin-
cípio de lousa limpa) - ou seja, o princípio de que a reflexão teórica 
a respeito da natureza da linguagem tem que se dar pressupondo o 
mínimo possível (Johnson, 2001; Aitchison, 2001; Garrett, 2001) . 
O senso comum sempre foi tratado como um empecilho, algo a ser 
sumariamente descartado, a fim de que a reflexão teórica pudesse ser 
conduzida de maneira livre. Está aí como prova mais contundente 
dessa postura o ensaio clássico de Leonard Bloomfield (1944) intitula-
do Secondary and Tertiary Responses to Language, no qual as eventuais 
observações de ordem metalinguíStica emitidas pelos informantes são 
sumariamente descartadas como não merecedoras de atenção séria 
pelo linguista (Rajagopalan 1999b, 2002e, no prelo-1). 
Acontece que o nosso autoimposto distanciamento em relação ao 
senso comum é visto pelos leigos como forma de um certo elitismo 
intelectual e de puro desprezo às opiniões leigas. No fundo, tal atitude 
se relaciona com a dificuldade que o público leigo tem em perceber o 
próprio estatuto da linguística como ciência. Neste sentido, a situação 
do linguista na sociedade é muito diferente da de um, digamos, físico ou 
biólogo. Ninguém estranha quando um físico expõe suas ideias, muitas 
das quais contrárias às crenças populares. O leigo não só não aceita a 
legitimidade da física enquanto um corpo de conhecimento muitas ve-
zes na contramão do senso comum, como também se diz pronto para 
escutar o que o físico tem a dizer e aceitá-lo como opinião respeitável, 
ainda que se diga incapaz de compreendê-la. Da mesma forma, a maioria 
das pessoas leigas escuta o que um biólogo diz e não parte para um 
onfronto, com base nas crenças folclóricas que afirmam o contrário. 
/\ é mesmo os meteorologistas contam grande prestígio entre os leigos, 
11 H'H m quando erram mais vezes do que acertam em suas previsões 
e 1 , ti,1H. P r que os leigos têm opinião diferente a respeito dos linguistas? 
132 
lJ111,1 po tvc• I 1 pn 1 1 , 1wrgunt 1 l1•v,111t,1d,1 .te 11111 poclf't.1 t'I 
,1 lll O. h•ip,o. ,\ 11d,1 1\, () , 1 'lll qu [' Í, lO ), li11p1ti Ht.1 . l.t 
i m. EI s n m s qu r i; b m do qu a linguísLi Lr t . O lingttiHl.I 
é frequentemente confundido com um poliglota ou um gr m, t irn 
tradicional. "Você é linguista? Então me diga, como se diz m h i n : 
'saudade' ou qual é a forma correta de dizer ... et c." Em sua últi111,1 
visita aos EUA, João Paulo II foi saudado pelo então president l~ill 
Clinton com as seguintes palavras: "Não sou, nem de longe, urn li11 
guista como o senhor, Santo Padre". Clinton estava, evidentem nlc , 
fazendo alusão ao fato de o Papa mandar mensagens aos pov s cio 
mundo inteiro em seus respectivos idiomas. 
Em grande parte, o total desconhecimento por parte dos leigos lo 
que se faz no campo da linguística provavelmente tem a ver com u 111 
certo desinteresse por parte do linguista em divulgar o seu traball o 
ou, como ficou evidente durante o desenrolar dos últimos acont i 
mentos, uma certa inabilidade ou falta de savoir-faire em defender s 'li 
quinhão. Aliás, nas áreas denominadas "humanas'', observa-se c rn 
frequência um desejo de se aliar às ciências mais "nobres" - l i, 
-se as "exatas" ou, se possível, à matemática. Em matéria publicad,1 
recentemente na revista Veja, o economista Gustavo Franco cheg ,1 
celebrar o fato de que cada vez um maior número dos seus col g, ,' 
está, segundo ele, aderindo à corrente que vê a economia como um, 
disciplina regida pela matemática. Diz ele: "A matemática é apenas u 111 
idioma, mas é certo que multiplica a inteligência humana" (Fran o, 
2003: 112). Uma obs~rvação equivocada, pois longe de ser "apen. H 
um idioma", a matemática é vista como o idioma pela civilizaç, o 
ocidental - Leibniz, impressionado pela beleza e a "perfeição" d, 
linguagem da matemática, chega a exclamar que uma língua tão p r 
feita deve ter como falante número um - se não como seu úni o 
falante - o próprio Deus, o Ser Perfeito por excelência. Ou sej , , o 
pleitear a aproximação da economia à matemática, Franco está q11t' 
rendo transformá-la numa ciência exata. O título do seu tex o cli~ 
tudo: "Matemática e neoliberalismo". Pela implicação, a matem, 1 i1 .1 
seria a própria forma de expressão do novo deus do liberalismo: o 
Mercado. Tão implacável, onisciente, onipresente, onipotent q11,111 
133 
1111) ll~t lltll ,ll i' Ili ~ 1 [f11 11111.llAI I M, lltllflllllAlll 1 A11111' IAll 1 lll J\ 
to • · 1 'is l<' m.1t •m. l < .1. O .iutor d t xt 1 mbr Uri J lobsl , win , 
historiador inglês e e l •br· o fato de que "a matemática assinalou o 
divórcio entre a ciência e o s nso comum". 
Assim como no caso da economia, há .quem deseje transformar 
a linguística numa ciência exata. Aliás, desde o momento do seu 
surgimento como campo de estudo autônomo, a linguística sempre 
foi saudada como uma ciência. Livros introdutórios fazem questão 
de ressaltar o caráter científico da disciplina. Os gramáticos tradicio-
nais foram convocados para servir de contraponto, de sparring para 
que os detentores do novo saber pudessem alardear suas credenciais 
científicas e se autoproclamarem autênticos cientistas. 
Infelizmente porém, o modelo da ciência que norteou a linguística 
desde seus primórdios se revela um tanto esgotado. Mais grave ainda, 
apenas tem servido para que houvesse um distanciamento progressivo 
entre o especialista e as pessoas comuns. O surpreendente é que muitos 
entre nós reconhecemos isso. Mas achamos que nada há a lamentar. 
O desprezo para com as preocupações das pessoas comuns também 
se manifesta na forma como é tratada a questão da aplicação das 
teorias para fins práticos. Um caso exemplar é o campo de pesquisa 
denominado "Aquisição da Segunda Língua (ASL)". "Progresso em 
ASL", diz um pesquisador de peso, "como em qualquer outra disciplina 
científica, ocorre quando focamos no problema explanatório, e não 
quando olhamos para as possíveis aplicações" (Gregg, 1996: 74-75). 
Atitudes como a de Gregg são sintomáticas de uma certa herança 
racionalista que orienta o trabalho de muitos pesquisadores na área. De 
acordo com um dos preceitos da tradição racionalista, a prática sempre 
deve andar a reboque da teoria, o "como" deve suceder o "quê". Feliz-
mente, há sinais de que um número cada vez crescente de pesquisadores 
stá questionando tal premissa. Por exemplo, van Lier (1991: 78) chega 
< r chaçar a posição de Gregg argumentando que, pela mesma lógica, 
11 ri o único objetivo das pesquisas sobre a AIDS a elaboração de uma 
1 c•ori, obre a doença e não a descoberta de uma cura. 
134 
ln 1 li 1 N I 
O Lllo e' q11c , l,11111 •11li1vc•l111e•11t1 1, 11111il m pt• q11i1 ,ulot1•1 1111 .1111po 
I<' 11J lud 11 iwhtt' .1 lii1g11 .1j•,< 11111 r •f r m tr b. Ih, r , r ' V 'li,1 d<1 . 1 cwll v< 1l1 
0 1 qu n i s los 1u Lr b Ih para o mundo para p ss · d 1 , 11<' 
e osso que nele habitam. Muitos se orgulham de estar em compa nhi ,1 
de outros cientistas - de preferência, físicos ou químicos - Ili<.\ 
na sua ótica, não costumam se preocupar com os desdobram ntos 
práticosdas suas experiências científicas no laboratório. A pergunt,1 
que devemos fazer neste instante é: será que a linguagem pod s 
analisada da mesma maneira que os físicos e químicos costumam an. 
lisar os seus objetos de estudo? Ao considerar a linguagem como um 
objeto natural e não cultural, que escolhas, que estratégias de exclusão 
estariam sendo operacionalizadas e para que finalidades? Finalment , 
é lícito fazer vista grossa ao fato de que reflexões sobre a linguagem 
são necessariamente conduzidas por intermédio da mesma linguagem, 
o que por si só distinguiria a linguagem de qualquer outro fenômen 
enquanto objeto de estudo? 
Ter interesse ou não em se dirigir aos anseios populares, em 
dialogar com os leigos, em pensar nas consequências práticas das 
nossas elucubrações teóricas é uma questão de escolha. Em outras 
palavras, é uma questão política. Como também é uma questão emi-
nentemente política qualquer decisão a respeito de como abordar 
ciência da linguagem - como um físico encara seu objeto ou um 
sociólogo o faz. No primeiro caso, estamos lavando as mãos ant 
qualquer responsabilidade ético-política relativa ao nosso trabalho 
como pesquisadores. No segundo caso, aí sim, estamos realçando o 
caráter social do próprio trabalho do estudioso. 
A linguística, ao que parece, ainda sofre de uma decisão tomada no 
seu momento inaugural, a de se aliar às ciências exatas (pelo motiv 
evidente de prestígio que isso pudesse trazer). E o preço que se pag 
é um distanciamento cada vez mais evidente do interesse popular. 
O que está em jogo não é apenas uma questão interna à ciência. 
que está em jogo é a própria sobrevivência da disciplina e a quest, o 
da relevância social dessa disciplina (Rajagopalan, 1997, b, c; 20001>; 
2001 a, b; 2002 a, b, c, d). 
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Indice de nomes 
A 
Adorno, T. 125, 138 
Aitchison, J . 132, 136 
Arrojo, R. 24, 140 
Austin, J. L. 12, 50, 140 
B 
Bakhtin, M. M. 63 
Bartsch, R. 139 
Berkeley, G. 34, 110, 141 
Bhatia, T. K. 137 
Bin Laden 82, 85, 95, 96 
Bloomfield, L. 132, 139, 141 
Bourdieu, P. 42, 73 
Brumfit, C. 45, 107, 137, 140 
Buck,C.D.93,94,137 
Burroughs, F. R. 50 
Bush, G. 84, 86 
e 
Calvet 61, 136 
Cameron, D. 18, 19, 20, 21, 
45,123,124,136 
Canagarajah, A. S. 61, 113, 
114,136,140 
Carmagnani, A. M. G.140 
Carrol, L. 115, 116, 117, 
136 
Cavalcanti 138 
Chilton 80, 136 
Chomsky, N. A 16, 17, 25, 
40,41,42,43,44, 67, 
77, 81,136,138 
Chouliaraki, L. 80, 123, 136 
Cinquin, C. 112, 136 
Clinton, B. 133 
Cole, P. 138 
Coleridge, S. T. 118 
Comte, A 74 
Corder, S. P. 77, 136 
Crystal, D. 30, 136 
D 
Darwin, C. 39 
Davidson, D. 28, 138 
Davies, A 70, 137, 139, 140 
Davis, H. G. 137 
Day, R. 61, 136 
Debord, G. 82, 137 
Defoe, D. 50 
Derrida, J. 31, 42, 121 
Desai, Z. 27, 69 
Descartes, R. 109 
Dewey, J. 54 
Di Pietro, R. J. 107 
Dinneen, F. P. 73, 137 
E 
Eagleton, T. 120, 122, 137 
Eaton, T. 23, 137 
Elder, C. 139, 140 
Emeneau, M. B. 62, 137 
Engels, F. 138 
F 
Fairclough, N. 27, 80, 123, 
136,137 
Faraco, C. A 94, 137, 140 
142 
Ferreira, L. M. A 140 
Feyerabend, P. 26, 137 
Fish, S. 26, 137 
Foucault, M. 42 
Fowler, R. 80, 123, 137 
Franco, F. 94, 95 
Franco,G. 133, 137 
Frege, G. 34, 126 
Freire, P. 105, 106, 137, 138 
Freitas, A C. de 78, 140 
G 
Gaarder, J . 122, 137 
Gadotti, M. 119, 137 
Gandhi 103 
Garret, P. 132, 137 
Giroux, H. A 105, 137 
Gray, B. 76, 137 
Greenfield 93, 137 
Gregg, K. R. 134, 137 
Grigoletto, M. 140 
Grimm,40 
H 
Haack, S. 30, 137 
Habermas, J. 42 
Hacking, 120, 121 
Haldane, J. B. S. 55, 137 
Halliday, 29, 44 
Harris, R. 46, 47, 48, 137 
Harth, P. 119, 120, 138 
Hartmann, R. R. K. 107, 138 
Hegel, W. F. 54 
Heidegger, M. 35 
l lltli •1, /\ , !l'.J, IHl, !1'/ 
l lobril h1w111 '/f1, 1:111, 1:m 
Jlodg 80, 123, 137, 13H 
Holliday, A 77, 138 
Holmes, J. 138 
Horkheimer, M. 
12, 127, 138 
Horton, M. 105, 106, 138 
Hume, D. 34 
Huntington, S. 59, 60, 61, 
138 
Hussein, S. 82 
Hutton, C. 25, 62, 138 
Hymes, D. 70, 76, 137, 138 
J 
James, W. 54, 108, 138 
João Paulo II 133 
Johnson, S. 132, 138 
Jones, W. 40, 43 
K 
Kant,!. 31 
Kaplan, D. 84, 138 
Katz, A N. 139 
Kaufman, T. 26, 62, 91 
Klein, G. 93, 138 
Klemperer, V. 92, 138 
Korg, J. 30, 138 
Krause, 57 
Kress, G. 80, 123, 137, 138 
Kripke, S. 34, 84, 138 
Kuhn, T. 26, 47, 72, 74, 120, 138 
L 
Labov, W.20, 45,138 
Lacan, J . 40 
Lakoff, R. 44, 138 
Lando, A 129 
Leibniz, G. W. 133 
Lévi-Strauss, C. 40 
Lippi-Green, R. 26, 138 
Lopes da Silva, F. L. 140 
Lyons, J. 
40, 41, 43, 48, 138 
M 
Martin, J. R. 77, 138 
Marx, K. 54, 55, 138 
McGowan, J. 52, 138 
Mio, J. C. 139 
Moita Lopes, L. P. da 78, 138 
Moura, H. M. M. 140 
M11 ll1•1 'I , 11' , 011, 11 1, 1 ~lll 
M11 1111o lliil, li , !l :~. DS 
N 
Newmeyer, E. J. 19, 24, 139 
o 
Oakeshott 107, 108, 109, 
139 
Ohmann 117, 118, 139 
Oppenheimer, J. R. 126 
Orrico, E. G. D. 140 
Orwell, G. 33 
p 
Pandit, P. B. 93, 139 
Pateman, T. 33, 139 
Pratt, 118 
Peirce, C. S. 54 
Pennycook, A 61, 62, 66, 80, 
112,139 
Petrey, S. 119, 139 
Phillipson, R. 60, 66, 112, 139 
Pride, J. B. 138 
Putnam, H. 83, 139 
Q 
Quine, W. 66 
R 
Rajagopalan, K. 13, 18, 24, 26, 
27, 31, 43, 45, 55, 63, 
66, 67, 69, 70, 73 , 74, 
77, 78, 80, 83, 93, 105, 
107,111,112,113,114, 
119,120,123,128,131, 
132,135,139,141 
Ranciere, J. 42 
Rask, 60 
Rebelo,A.8, 94, 95, 96, 129, 140 
Renwick,N. 57,138 
Rickford, J. 9 
Ritchie, w. C. 137 
Robins, K. 57, 79, 141 
Ronat, M. 16, 17 
Rorty, R. 35, 42, 53, 54, 141 
Rousseau, J.-J. 63 
Russell, B. 83, 139, 141 
Ryle, G. 108, 141 
s 
Said, E. 42, 58, 141 
Sampson, G. 24, 73, 75, 76, 141 
143 
!l1lll MN llll 1 JI, d1• :_i/i, l'l, \ \ , 
1 :l'I, l '1 1 
Stl1op1• 11li 11 u1•1, /\ , 1:1 
S , ri , J. IUlO, '12, 1 1 O, 11 1, 
116, lJ 7, l 1 , 1 1 D 
Segerdahl, P. 24, 141 
Shakespeare, W. 71 
Shapiro, M. J. 33, 14J 
Signorini, I. 138, 139 
Silva, I. A 13 9, 140 
Simpson, P. 81, 121, 141 
Skutnabb-Kangas 61, 139 
Smith, W. 25, 92, 120, 141 
Sócrates 111 
Stuart Mill, J . 74 
T 
Taylor, C. 70, 118, 137, 141 
Thomas 138, 139, 141 
Thomason, S. R. 26, 62, 91, 
141 
Toolan, M. 43, 141 
Toulmin, S. 52, 141 
Treanor 94, 141 
Trew, T.137 
Tudjman, F. 94, 104, 141 
u 
Umiker-Semeok 136 
V 
Van Lier, L. 134, 141 
Vanderveken, D. 30, 141 
Vennemann, T. 139 
Viertel, J. 17 
Voloshinov, V. N. 19, 14 1 
w 
Wellerstein, I. 28, 141 
West, D.106 
Widdowson, H. G. 45 , 111 / , 
139,141 
Williams, B. 33, 141 
Wittgenstein, L. 117 
Wodak, R. 80, 138, J '11 
Wolf, G. 47, 137 
y 
Yngve 24, 141 
z 
Zizek, S. 85 
	CAPA
	Sumário
	Apresentação
	Linguagem e Ética: Algumas considerações gerais
	Linguagem e Identidade
	Linguística e a Política de Representação
	Relevância Social da Linguística
	Sobre a Dimensão Ética das Teorias Linguísticas
	A Identidade Linguística em um mundo globalizado
	Língua Estrangeira e Autoestima
	A Construção de Identidades: Linguística e a política de representação
	Linguística Aplicada e a Necessidade de uma Nova Abordagem
	Designação: A arma secreta, porém incrivelmente poderosa, da mídia em conflitos internacionais
	Linguagem e Xenofobia
	A Polêmica sobre os "estrangeirismos" e o Papel dos Linguistas no Brasil
	Linguística Aplicada: Perspectivas para uma pedagogia crítica
	Sobre a Arte, a Ficção e a Política de Representação
	Por uma Linguística Crítica
	O Linguista e o Leigo: Por um diálogo cada vez mais necessário e urgente
	Referências Bibliográficas
	Índice de Nomes

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