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Coleção Lingua[gem] 1. Português ou brasileiro? Um convite à pesquisa, Marcos Bagno 2. Linguagem & comunicação social, · Manoel Luiz Gonçalves Corrêa 3. Por uma linguística crítica, Kanavill il Rajagopa lan 4. Educação em língua materna: a sociolinguística na sala de aula, Stella Maris Bortoni-Ricardo 5. Sistema, mudança e linguagem, Dante Lucchesi 6. "O português são dois", Rosa Virgínia Mattos e Silva 7. Ensaios para uma sócio-história do português brasileiro, Rosa Virgín ia Mattos e Silva 8. A linguística que nos faz falhar, Kanavilli l Raj agopa lan & Fábio Lopes da Silva [orgs.] 9. Do signo ao discurso, Inês Lacerda Araújo 1 O. Ensaios de filosofia da linguística, José Borges Neto 11 . Nós cheguemu na escola, e agora?, Stella Maris Bortoni-Ricardo 12. Doa-se lindos filhotes de poodle, Maria Marta Pereira Scherre 13. A geopolítica do inglês, Yves Lacoste [org.J, Kanavilli l Rajagopa lan 14. Gêneros, José Lu iz Meurer, Ada ir Bon ini & Désirée Motta-Roth [orgs.] 15. O tempo nos verbos do português, M• Luiza M. S. Corôa 16. Considerações sobre a fala e a escrita, Darci lia Simões 17. Princípios de linguística descritiva, Mário A. Perin i 18. Por uma linguística aplicada indisciplinar, Luiz Paulo da Moita Lopes 19. Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística, U. Weinreich, W. Labov & M. 1. Herzog 20. Origens do português brasileiro, Anthony Julius Naro & Maria Marta Pereira Scherre 21. Introdução à gramaticalização, Sebastião Carlos Leite Gonçalves, M• Célia Lima-Hernandes & Vânia Cristina Casseb-Galvão [orgs.J )2. O acento em português, Gabriel Antunes de Araújo [org.] 23. oclollngulstica quantitativa, Gregory R. Guy & Ana Maria Stahl Zi lles ) 4. Metáfora, Tony Berber Sa rdinha J'1 Norma culta brasileira, Carlos Alberto Faraco Jt1 . /!adrôes sociolinguísticos, Wil liam Labov J I C1~11 rse dos discursos, Dominique Maingueneau Jll C 1•11os da enunciação, Dominique Maingueneau JIJ l 11 11tlos de gramática descritiva, Mário A. Perini 111 f 111r1l11ho1 da linguística histórica, 1111 ~ 11 Vhglnla Mattos e Silva 11 / l111lr r1 tio discurso, Sírio Possenti 1 J 1J11~1 lf11•1 11ma analistas do discurso, Sírio Possenti 11 11111111111)1•111 /lt diá logo, Carlos Alberto Faraco 1 N. 1111r111 /11 11 11a Gramatical Brasileira, 1 l 1111 1111! 1 1111 l l ~ nrlq ues 11111111111111111/t //11, ~ lrlo Possenti ~fof/, 1111111111 111t1111 1!11q11as, Sírio Possenti 37. Linguagem. Gênero. Sexualidade, Ana Cristina Ostermann & Beatriz Fontana [orgs.] 38. Em busca de Ferdinand de Saussure, Michel Arrivé 39. A noção de "fórmula" em análise do discurso, Alice Krieg-Planque 40. Geolinguística, Suzana Alice Marcelino Cardoso 41 . Doze conceitos em análise do discurso, Dominique Maingueneau 42. O discurso pornográfico, Dominique Maingueneau 43. Falando ao pé da letra, Roxane Rojo 44. Nova pragmática, Kanavill il Rajagopalan 45. Bakhtin desmascarado, Jean-Paul Bronckart & Cristian Bota 46. Gênero textual, agência e tecnologia, Carolyn R. Miller 47. Linguística de texto: o que é e como se faz?, Luiz Antônio Marcuschi 48. A gramática passada a limpo, Maria Helena de Moura Neves 49. O sujeito em peças de teatro (1833-1992), Maria Eugênia Lammoglia Duarte [org.] SO. Português no século XXI, Luiz Paulo da Moita Lopes [org.] 51. Da linguística formal à linguística social, Roberto Gomes Camacho 52. Estudos do discurso, Luciano Amaral Oliveira [org.J 53. Gênero, Anis B. Bawarshi & Mary Jo Reiff 54. Introdução à teoria enunciativa de Benveniste, Va ldir do Nascimento Flores 55. Linguística aplicada na modernidade recente, Lu iz Pau lo da Moita Lopes [org.J 56. Gramáticas contemporâneas do português, Maria Helena de Moura Neves & Vânia Cristina Casseb-Galvão 57. Letramentos sociais, na etnografia e na educação, Brian V. Street 58. A ordem das palavras no português, Erotilde Goreti Pezatti 59. Frases sem texto, Dominique Maingueneau 60. Espanhol e português brasileiro, Adrián Pablo Fanjul & Neide Maia González [org s.] 61 . Sujeitos em ambientes virtuais, Maria Cecilia Mollica, Cynthia Patusco & Hadinei Ribeiro Batista [orgs.] 62. Volosinov e a filosofia da linguagem, Patrick Séri ot 63. A história das línguas, Tore Janson 64. Discurso e análise do discurso, Dominique Maingueneau 65. Sobre a fala dialogal, Lev Jakubinskij 66. Retórica da ação letrada, Charles Bazerman 67. Teoria da ação letrada, Charl es Bazerman 68 . Unidade e variação na língua portuguesa: suas representações, André C. Va lente 69. Linguística funcional: teoria e prática, Maria Angélica Fu rtado da Cunha, Mariangela Rios de Oliveira & Mário Eduardo Martelotta [orgs.J 70. O texto e seus conceitos, Rona ldo de Oliveira Batista [org.J [_ l KANAVILLIL RA AGOPAlAN Por uma linguística crítica LINGUAGEM, IDENTIDADE E A QUfSTÃO ÉílCA A~A ~Hiii llH HA~ll 111 A11d1 !111 t 11 1 ~11111 1111()111 M111 1Mu1 lcmll CON LHO EDITORIAL: Ana Stahl Zlll s [Unlslnos] Angela Paiva Dlonlsio [UFPEJ Carlos Alberto Faraco [UFPR] Egon de Oliveira Rangel [PUC-SP] Henrique Monteagudo [Universidade de Santiago de Compostelaj José Ribamar Lopes Batista Jr. [UFPl/CTF/ LPTJ \ Kanavil lil Rajagopalan [UN ICAMPJ Marcos Bagno [UnBJ Maria Marta Pereira Scherre [UFES] Rachel Gazolla de Andrade [PUC-SPJ Roberto Mulinacci [Universidade de Bolonha] Roxane Rojo [UNICAMP] Sa lma Tannus Muchail [PUC-SP] Sírio Possenti [UNICAMP] Stella Maris Bortoni-Ricardo [Un BJ CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ R131p Rajagopalan, Kanavillil Por uma linguística crítica: linguagem, identidade e a questão ética/ Kanavillil Rajagopalan. - São Pau lo : Parábola Editorial, 2003. -(Lingua[gem]; 5) Inclui bibliografia ISBN 978-85-88456-13-6 1. Linguística, 2. Pragmática, 3. Fi losofia da linguagem. 1. Título. li. Série. 03-1266. Direitos reservados à Parábola Editorial Rua Dr. Mário Vicente, 394- lpiranga 04270-000 São Paulo, SP CDD:410 CDU 81 °1 pabx: [11 l 5061-926215061-8075 I fax: [11 l 2589-9263 home page: www.parabolaed itorial.com.br mall: parabola@parabolaed itorial.com.br lorlll os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode s~r reprodu- 1ld11 0 11 transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou 111 e nico, Incluindo fotocôpia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema 111 1 l 11mc >d dados sem permissão por escrito da Parábola Editorial Ltda. 1•.11N 'l/H as 88456-13-6 dl~ 11I '• ' 11 Impressão - julho de 2016 1 I• 111111vllll l H11) ICJ pa lan, 2003 ' d 111 Ili~ 11 1'1u IJ 1, Ed itorial, São Paulo, julho de 2003 e.o ...... o N ro õ .D ...... ro -- ü ~ Sumário ÂPIUlSENTAÇÃO ..................................................................................... 7 L1N UAGEM E ÉTICA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES GERAIS ................................ 15 l.IN ,UAGEM E IDENTIDADE 23 l.IN UÍSTICA E A POLÍTICA DE REPRESENTAÇÃO .... ........................................ 29 HHLEVÂNCIA SOCIAL DA LINGUÍSTICA ......................................................... 37 , 1 0 1\IHl A DIMENSÃO ÉTICA DAS TEORIAS LINGUÍSTICAS ................................... 49 Objetivo.. ......... ............. ............................. .. ........................................... 49 1 . A ética na linguística: a elaboração de uma nova hipótese . ......... .... .. . 49 2. A ciência e a questão ética: três correntes distintas......................... 52 2.1. A corrente racionalista ................... .............................................. 53 2.2. A resposta pragmatista............... .... .............................................. 54 2.3. A alternativa marxista................................................................. 54 : . Comentários sobre as três correntes............................................. ... 55 Â li llNTIDADE LINGUÍSTICA EM UM MUNDO GLOBALIZADO ............................ 57 l.INC:UAESTRANGEIRA E AUTOESTIMA........................... .............................. 65 Â ' NSTRUÇÃO DE IDENTIDADES: LINGUÍSTICA E A POLÍTICA DE REPRESENTAÇÃO 71 Â 1.IN UÍSTICA APLICADA E A NECESSIDADE DE UMA NOVA ABORDAGEM ........... 77 1 )l(Sf ,NAÇÃO: A ARMA SECRETA, PORÉM INCRIVELMENTE PODEROSA, DA MÍDIA l!M CONFLITOS INTERNACIONAIS ......... .. .. ... ........ ... . .. ..... .............. .......... 81 5 l11tt ocluç. <> .................................................................................... 8 1 l. Nom s: afinal, o que há de tão curioso nessas palavras? .... ... 82 2. O discurso jornalístico e a escolha dos termos de designação. 3. O poder da designação ............................................................ . LINGUAGEM E XENOFOBIA ····································· ······· ···· ······ ················· 84 87 89 A POLÊMICA SOBRE OS "ESTRANGEIRISMOS" E O PAPEL DOS LINGUISTAS NO BRASIL 99 LINGUÍSTICA APLICADA: PERSPECTIVAS PARA UMA PEDAGOGIA CRÍTICA .. .. .......... 105 SOBRE A ARTE, A FICÇÃO E A POLÍTICA DE REPRESENTAÇÃO ...... ..... ........... .. ..... 115 POR UMA LINGUÍSTICA CRÍTICA .................................................... . ............. 123 Ü LINGUISTA E O LEIGO: POR UM DIÁLOGO CADA VEZ MAIS NECESSÁRIO E URGENTE .............................................................................. 129 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .. ...... ... ..... .. ............. ...... ..... ... ......... .... 136 ÍNDICE DE NOMES ....... .... ........ . ...................................................... 142 6 L \ ___ J l presentação Estão reunidos nesta coletânea textos originalmente apresen- 1, dos em congressos brasileiros nos últimos cinco anos, resultantes l comunicações, de participação em mesas-redondas e de conferên- d s. O que une todos eles são alguns temas que têm me interessado 11 stes anos e continuam a fazê-lo. Dentre esses, posso destacar a J r ocupação constante de fazer com que os avanços da linguística s jam postos ao alcance da população fora dos centros de pesquisa 1 ensino superior. É preciso, convencer o leigo de que vale a pena investir no estudo da linguagem e de que pensar sobre a linguagem implica, em última análise, indagar, de um lado, sobre a própria na- Lureza humana e do outro, sobre a questão da cidadania. A linguística é uma ciência que, indiscutivelmente, se encontra r uma fase madura em nosso país. Porém, como é do conhecimento omum, poucas pessoas fora do mundo acadêmico têm noção, ainda que vaga, do que trata a linguística. Essa situação se repete no mun- do inteiro. Estou convencido de que há uma necessidade urgente de e fazer algo a respeito. Sinto que, assim como eu, há muitos outros linguistas preocupados com isso. Mas, como venho dizendo, já há algum tempo, nem sempre dedicamos a devida atenção às possíveis razões para a nossa invisibilidade perante a opinião pública. A total ignorância do que nós, linguistas, fazemos tem levado o público leigo a achar que somos acadêmicos com ideias estranhas sobre coisas tão comuns como o é, em seu entender, a língua. Sem dú- 7 V cl.1, q11 .dq11 •t ( IH "t1 11111 1 f't 1.tl 1 . ( , q11 'v. () clP 'll(()tllro .l() St' lll () cw 1n111i . 1\111 1wHHO ,i: o, 11 1 " 11d.i m,1is iri nt , poi t d mundo h, u s •1i1 1 1t' t 0 111>1• m ti t s oisas sobre a linguag m. u s ja, a autoridad d li1 iuis t, 1 o automaticamente aceita pela sociedade ampla. Ela pr cisa ser conquistada. E para conquistá-la é necessário usar bastante persuasão. Não é derramando o nosso saber - como se fosse um punhado de pérolas em meio a um amontoado de porcos ávidos - que vamos conseguir convencer o público leigo de que temos algo importante a dizer. Infelizmente, muitos linguistas acreditam que o que falta é maior divulgação das nossas pesquisas. Vou citar apenas um caso como exemplo. Há alguns anos, a comunidade dos linguistas nos EUA foi surpreendida por um acontecimento no estado da Califórnia, mais precisamente numa cidade perto de San Francisco, chamada Oakland. Os habitantes dessa cidade, em sua maioria pertencentes à raça negra, se rebelaram contra as autoridades educacionais que, segundo eles, ignoravam o fato de que os negros têm marcas distintas na forma de falar. Cansados de tanta discriminação, eles declararam que a língua que falavam não era inglês, e sim "Ebonics". O episódio gerou bastante polêmica. E, para variar, os linguistas foram os últimos a saber. Correndo atrás do prejuízo, muitos vieram a público para divulgar suas opiniões sobre variação linguística, dizendo que todos os falares são iguais no que diz respeito à sua lógica e inteligibilidade e que nenhuma variante de dada língua pode ser caracterizada como superior a outra etc. Era, porém, tarde demais. O estrago já estava feito. Assim como em tantos outros casos (como, por exemplo, a onda de chauvinismo que atravessa aquele país, com clamores cada vez mais ensurdecedores para que o governo declare o inglês como a única língua de ensino em todo o território - política já posta em prática no estado da Califórnia-), ficou evidente, mais uma vez, a total inabilidade dos linguistas para intervir em questões relativas à política linguística. Para nós, aqui no Brasil, não se trata de nenhuma novidade, como demonstrou a polêmica que estourou no país reboque do Projeto de Lei nº 1676/1999 do nobre deputado Aldo Rebelo. Voltando, pois, ao caso "Ebonics" nos EUA, assim que a poeira b, ix u, alguns linguistas que haviam se entregado de corpo e alma 8 .10 dc •h,111 • f1 :1,1• 1.i111 11111 ,1 .1v.di.1~, o 11•l10 l!H'< l v 1 tio 11111111•1 1111•1il11 , U11i 1 1 'il foi o 1'101. ,Joltn 1 i kí 1, I, Univt IH cl.1cl1• ele ,it.11d111 ri , lln l x l publi ,1 l > 11n r •vislc Language & Soei 'ly ( 1 DDH/~)!I , 1111 t 11 I, d "O que o s i linguistas têm a dizer sobr s gr.i 11d1•11 dc•l> .1t 11 1 i nguisticos dos nossos tempos?", ele chega a admitir: Quando a controvérsia sobre o Ebonics estourou, muitos linguisl, s manifestaram frustração sobre tamanho preconceito popular contra as variantes linguísticas - preconceito que acreditavam ter sido dissipado havia muito, como coisas do tipo: que elas eram fruto de preguiça ou falta de lógica, ou que elas não tinham raiz histórica, nem estrutu~a e nem sequer regularidades, ou que se tratava de gírias e falares, sobre os quais se podia fazer ou dizer qualquer coisa que se entendesse. Até aqui, tudo bem. Poder-se-ia dizer que o desabafo até tem Llrn certo ar de déjà-vu. Mas, feito o diagnóstico, o autor nos oferece ,, seguinte receita para curar o mal: No entanto, ao amargar as nossas frustrações, parece que simples- mente esquecemos o que os peritos de propaganda, aqueles que vendem a pasta de dente Colgate e outros produtos, nunca esque- cem: que a mensagem tem de ser repetida muitas e muitas vezes, e repetida novamente para cada geração e para cada tipo de público, e, de preferência, numa linguagem simples, direta e cativante para que o público possa compreender e digerir. Confesso que fico estarrecido toda vez que ouço opm10es tão .wrogantes, petulantes e cheias de desprezo para com o leigo. O leigo não é por definição nem ignorante nem débil mental. Muito menos, um camundongo, que pode ser treinado para obedecer comandos mediante o uso repetido da sequência "estímulo-recompensa". Con- trariamente a muitos colegas, no Brasil e no exterior, que acreditam que o que falta é maior divulgação dos resultados das pesquisas realizadas numa linguagem acessível ao leigo, sou da opinião de que preciso também rever alguns postulados fundadores da disciplina. No lugar da divulgação, penso que, o que deve haver é uma maior interação. Entre o linguista e o leigo. Interação implica, por sua vez, ntrosamento. A divulgação é monológica, unilateral. A interação é 9 u•1 ~ 1"''"'1 1 '"'n11 r"n n cli.11 g ,1, u111.1 011v •u;.1 I< m, o dup l.1. 1 • 11, I, v, l • noss, v nt.1 d , mlinguis as, d no comuni r om o público leigo, s limita a uma vontade de "promulgar" os ensinamentos da linguística. Por mais óbvias ou racionais que pareçam as nossas posições a res- peito da linguagem e seu funcionamento, é preciso sempre lembrar que elas não são tão óbvias para quem não compartilha conosco os postulados fundamentais da ciência. Os desafios envolvidos na empreitada de "divulgar" a linguística entre os não linguistas não são, em última análise, diferentes dos desafios encontrados na tarefa de ensinar, principalmente, aos alunos ingressantes num curso de linguística. Alguns anos atrás, na Unicamp, onde trabalho há quase vinte anos, houve um caso inusitado que, no meu entender, ilustra bem o que estou dizendo. Um grupo de alunos do curso de graduação em linguística - salvo engano, o único do gê- nero em todo o país - fizeram um abaixo-assinado, encaminhado ao corpo docente. A única reivindicação era a de que houvesse algumas aulas sobre a gramática tradicional. Um episódio como esse nos ensina muitas lições. Primeiro, nem mesmo todos os nossos alunos estão ne- cessariamente convencidos de que as gramáticas tradicionais - objetos de vilipêndio dos linguistas que, desde o nascimento da nova ciência, vêm usando os gramáticos como uma espécie de saco de pancadas - são dispensáveis ao ensino. Indiscutivelmente, houve falha em nossa comunicação. Segundo, devemos lembrar que a nossa forma de interagir com nossos alunos leva o nome de ensino. Houve, em outras palavras, algum erro grave nas estratégias utilizadas em sala de aula. Porém, há um aspecto mais grave ainda sobre o episódio relatado no parágrafo anterior. Os alunos também estavam ficando cada vez mais perplexos diante da fúria contra algo que nem sequer conhe- ciam suficientemente. Explico. Quando, nós, os linguistas de hoje, começamos os nossos estudos iniciais no campo da linguística, há l rinta, vinte, ou mesmo dez anos atrás, tínhamos uma boa base nos princípios da gramática tradicional. Na verdade, a nossa "conversão" , 1 va ciência se deu precisamente em virtude do fato de que éramos 1 i1p,1z , de cotejar o velho e o novo e, dessa forma, chegar às nossas pt >1 l. s onclusões a respeito da superioridade da linguística moderna 10 1 111 tt•l.1~. o , g1.1111 ,1li .1 l ,\li lon, l ' , tH' '. 11 1 l.1cl d 1 'V(' < 111~.1 111 111 •111 •n t t• 0rr i' d,' r or isso m sm r r m nl posl s ob 0Jh ,1r e 1 11 l o. /\ ont que os nossos alunos, principalmente aquel s qu " t, o m ursos introdutórios, com frequência, não têm a mesma t,1111 ili ridade com a chamada gramática tradicional ou normativa e, 111u ilo menos, com os princípios e preceitos que norteavam o traba- 111 0 1 or trás daquelas obras. A questão é que os livros didáticos de llllj' são, em muitos casos, fortemente influenciados pelos avanços ti< ,mçados na linguística. Até mesmo termos técnicos como sintagma 110111inal, estrutura profunda, deslocamento à esquerda, referência, pressu- 1111s10, coesão etc. são assiduamente empregados pelos autores desses 1 vr s. Ou seja, muitos alunos já foram expostos à terminologia da ll11guistica moderna, muito embora nem sempre de forma adequada cn1 sistemática. O que lhes falta é, em muitos casos, conhecimento l1ll mático da gramática tradicional. Quando nós os encontramos em 11 w1 os cursos introdutórios, a nossa forma de ensinar não é muito 1 l l f rente da forma como fomos apresentados à linguística moderna: por intermédio de uma crítica ferrenha à gramática tradicional. Creio q11 1 há uma necessidade urgente de aprender a lidar com os alunos de lioj , que tiveram uma formação diferente da nossa. Não estou dizendo om isso que devemos voltar a ensinar a gramática tradicional; longe 1 l l11so, estou dizendo que precisamos urgentemente pensar em novas e•. l r tégias de abordar a linguística, já que a velha tática de apresentar 1 linguística moderna discutindo as limitações da gramática tradicional 11 , o funciona mais pelos motivos expostos. É preciso chegar aos nossos ,tlunos, ao invés de esperar que eles cheguem até nós. Aprender a falar com o público geral não é muito diferente de 1pr nder a ensinar. O conteúdo por si não convence ninguém. É p ciso pensar as formas de se comunicar. E, como, já disse, voltar- nos sobre nós mesmos, vez por outra, e perguntar se não haveria e• q ço para repensar e rever as nossas posições. Por que devemos p.1rtir da premissa de que somos nós que temos o que ensinar e c• I só que aprender? Se um pai pode aprender com o próprio filho (p r que não?), e um professor pode aprender com o aluno - al- p1tns dos textos que escrevi e dos quais ainda me orgulho foram 11 spirados em perguntas feitas por alunos durante a aula - por 11 n111 1 n t I qu< pw ,, lto1v1 •1 d)',11 11,1 ,d 1 lo i, 1 op ul.1t qu 1 H •j, p ·quiH do '? O fato é que, como já diss , linguística sempre destratou a opinião pública - a mesma que agora quer conquistar. O leigo não sabe de nada. O gramático tradicional sabe muito, mas tudo errado. Não é com base nessas premissas que a linguística vai ter alguma aceitação junto à opinião pública. Quando me refiro a uma linguística crítica, quero, antes de mais nada, me referir a uma linguística voltada para questões práticas. Não é a simples aplicação da teoria para fins práticos, mas pensar a própria teoria de forma diferente, nunca perdendo de vista o fato de que o nosso trabalho tem que ter alguma relevância. Relevância para as nossas vidas, para a sociedade de modo geral. Como dizia Horkhei- mer, a teoria crítica se distingue da teoria em seu sentido tradicional ao partir de uma importante premissa que é de ordem existencial: que as coisas podem ser diferentes da maneira em que se encontram. Ou melhor, é possível mudar as coisas, ao invés de nos contentar em simplesmente descrevê-las e fazer teorias engenhosas a respeito delas. Acreditar numa linguística crítica é acreditar que podemos fazer diferença. Acreditar que o conhecimento sobre a linguagem pode e deve ser posto a serviço do bem-estar geral, da melhoria das nossas condições do dia a dia. É também acreditar que o verdadeiro espírito crítico tem de estar voltado, vez por outra, para si próprio. É preciso, em outras palavras, submeter as nossas práticas ao escrutínio crítico. Para isso, é necessário nos lembrar, com frequência, que podemos estar errados sobre esta ou aquela questão. E, finalmente, acreditar que nunca é tarde para aprender e nunca se sabe de quem se pode aprender a nossa próxima lição. O falecido filósofo inglês, J. L. Austin, de quem sou fã confesso, dizia que a sabedoria popular contém muito mais do que reconhece a nossa v filosofia. Recomendava a todos que queriam se iniciar na filosofia qu começassem comprando um bom dicionário. Dizia que as nossas 1 ngu s, talhadas no uso continuado por gerações e gerações de usuários, onl m dicas preciosas sobre muitas coisas e que são, em muitos casos, p1 ·<1 <'rfv is às engenhosas distinções inventadas pelo filósofo solitário 12 t'lll 1 c111 dc •l 1 lo. N. o ln , 'e llop< 11d1,n 11 1 qu • l< 1v< .1 IM< ,1d,1 j',< 1111.d d<• q11<· ,1 11nlc ,, dif <'r ·11~,1 •ttt 11 1 d1 1I rio ' L •ori, é qu , , nLr. r i 1 prim iro, q11c 1 s li t. ri , • s 1gl111 l 1 s d d maneira col tiva e contagiant ? ~ pr ciso s utar m is o leigo e prestar mais atenção à sabedoria 1>< pular, se quisermos manter um diálogo profícuo no qual contextos .11 < r ntemente diferentes - leigo e acadêmico - possam mostrar tlll interação - que, aliás, existe, apesar de algumas controvérsias. A iência pensa a vida e, como tal, pensar sobre a vida não elimina p •nsar em vida. É um engodo criar um espaço estratosférico para ,, vida da ciência, pois sem o oxigênio vital que nos cerca podemos p, r r de respirar e de nos alimentar da vida (aliás, não é este o ob- J Lo maior da ciência?). Pensar sobre indica distanciamento; pensar 1•1n indica o mergulho. No entanto, ambas as posições comungam no p nsar:não há como excluir ramos de uma mesma teia. As propostas contidas nos textos a seguir fazem parte de um l r balho contínuo. A ideia de oferecê-las ao leitor tem como objetivo c•stimular um debate - a única forma de aguçar as nossas próprias ideias a respeito e levá-las adiante. Gostaria, antes de encerrar esta apresentação, de registrar meus .1graqecimentos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico 1 Tecnológico (CNPq) por ter apoiado as minhas pesquisas durante l dos estes anos (Processo nº 306151/88-0) . Campinas, 12 de _junho de 2003 PROF. DR. KANAVILLIL RAJAGOPALAN Professor Titular na área de Semântica e Pragmática das Línguas Naturais Departamento de Linguística Universidade Estadual de Campinas 13 inguagem e ética /\LGUMAS CONSIDERAÇÕES GERAIS Questões de ordem ética, via de regra, não são levantadas qu ndo o que está em pauta é a língua natural. Isso tem a ver justa- m nte com o fato de a língua ser considerada um fenômeno natural. l!xiste uma crença, amplamente compartilhada, de que a natureza cl 1 conhece qualquer espécie de ética. Ninguém, por exemplo, discute ,1 dimensão ética de um desastre natural, como um terremoto, por c•x mplo. As questões éticas podem ser levantadas, isto sim, no que diz respeito às atitudes das autoridades - se elas poderiam ou não 11.1 r tomado as providências necessárias antecipadamente, inclusive divulgando a tempo os eventuais avisos emitidos pelo departamento d1.1 sismologia; se os órgãos de serviço público como polícia, corpo de bombeiros, médicos etc. poderiam ou não ter socorrido as vítimas 1 om maior presteza e empenho etc. O acontecimento em si, quando c percebido como além do controle humano direto, como no caso c le um terremoto, é entendido como algo acima das considerações 11l icas - exceção feita às práticas de nos queixarmos contra as for- ~· s do mal, ou contra deuses contrariados etc., que fazem parte das ntperstições e mitos. Mesmo nesses casos, é interessante frisar que o evento é antes desnaturalizado para então lhe serem atribuídas 1 onotações éticas. Resumindo, o pressuposto amplo que sustenta h a parte de nossas discussões relativamente à questão ética é o de e 1ue só se pode falar em ética quando estão em discussão ações in- 15 PI li 1 IPI "~1 1 n n1 n n111 r, n 1 11r" l t' l l( lo11,1l1 p 1,1ti< ,1cl ,1, p(lt ol)',1'111<' 1111111 ,111 0 , 11 0 'X ' s 1 n L n , v n L, 1 elo l 1 11 u.i l lvr• Não é difícil perceber, portanto, que enquanto est iver comprometido com a tese de que a língua é um fenômeno, um produto natural, fica difícil levar adiante qualquer discussão acerca das possíveis questões éticas dela decorrentes - o que, decerto, não acontece nas abordagens teóricas que preferem encarar a língua como um fato social, produto de ações de seres humanos organizados em comunidades etc. É por esse motivo que a corrente gerativista tem demonstrado uma certa ambi- guidade em relação à responsabilidade ética do teórico da linguagem. A título de exemplo, vale a pena nos deter um pouco no seguinte trecho, citado sem recortes ou interrupções, da conversa entre Noam Chomsky e Mitsou Ronat (Chomsky, 1977: 3)1: M. R. : Paradoxalmente, seus escritos políticos e suas análises sobre a ideologia imperialista norte-americana parecem ser mais bem conhecidos, aqui na França e nos EUA, do que a nova disciplina que você criou: a gramática gerativa. Isso nos leva a perguntar: você vê alguma ligação entre seus estudos científr.cos - o estudo da linguagem - e suas ativi- dades políticas? Por exemplo, nos métodos de análise? N. C.: Se houver uma conexão, ela se dá num patamar bastante abstrato. Eu não disponho de nenhum acesso a métodos inusita- dos (unusual) de análise, e todo o conhecimento especializado que possuo acerca da linguagem não tem nenhuma influência imediata sobre questões sociais e políticas. Tudo o que tenho escrito sobre essas questões poderia ter sido escrito por outro qualquer. Não há nenhuma conexão direta entre as minhas atividades políticas, artigos etc. e o trabalho sobre a estrutura da língua, embora de alguma forma ambos provavelmente derivem de determinadas afirmações comuns e atitudes em relação a aspectos básicos da natureza hu- mana. Parece-me que a análise crítica na esfera ideológica é matéria 1 As conversas foram publicadas primeiro em francês, sob o t ítulo Langue, linguistique, /JOll l ltf111': dialogues avec Mitsou Ronat. Paris: Flammarion, 1999 e, posteriormente, em inglês, 111 111 o r h L mativo título de Language and Responsibility [esta é a edição aqui utilizada] . 16 IJ 11 11,ljl ''"' 1 11"1.f' llJr'fiHlllllf''tl'' 'Jll"Fl fii 1>.1 t.11111 1 l.1< il d • t• e w11p11 1t• 1HI , <'lll om1>< " , o,, uiní'.I ,1[ or<lLg 1 111 q ( • t qtt<' urn 1•,r,lll cl' , bstr ç onceptual. É int r ssant observar nessa resposta que Chomsky descart a 1u lquer possib ilidade de que as teorias que elaboramos sobre a li nguagem venham a ter implicações de ordem ideológica e política, t' portanto, a fortiori, éticas. Ou seja, a afirmação de Chomsky de 1ue a ciência e política nada têm a ver uma com a outra não é uma ,\firmação feita por um linguista; a afirmação de Chomsky parte de , lguém que está tomando uma posição no campo do saber que de- nominamos 'filosofia da ciência' . É de grande relevância para nossa discussão a origem do título lo livro do qual foi extraída a longa citação acima. Trata-se de uma uriosidade editorial. O livro original em francês não mencionava a p lavra 'responsabilidade'; dizia apenas Langue: linguistique, politique: dialogues avec Mitsou Ronat. O diálogo que deu origem ao livro havia ,1 ontecido de forma bilíngue - a entrevistadora fazendo as suas per- puntas em francês e o entrevistado respondendo a cada pergunta em H u idioma de preferência, o inglês. Depois da publicação do livro em francês, surgiu a ideia de uma versão em inglês para o público norte- mericano. Segundo nos relata John Viertel, o "tradutor" encarrega- lo pelo próprio Chomsky, descobriu-se que as fitas com as gravações e riginais "não estavam mais disponíveis" (p. vii) - de tal forma que o conteúdo da versão inglesa precisou ser praticamente "reconstruído" (, expressão é do próprio tradutor) e não simplesmente traduzido. 1 talhe curioso: não há nenhuma menção quanto ao motivo pelo qual ,1 palavra 'responsabilidade' recebeu tamanho destaque na nova versão cio livro, tendo sido estampada no próprio título. Voltando à questão da compatibilidade ou da incompatibilidade C'ntre a ciência e a política, ou melhor, das posturas assumidas por um l ntista (no caso, linguista) enquanto cientista e enquanto cidadão < mum e portanto um ser político, é preciso chamar a atenção para 11 m possível deslize de raciocínio e um possível equívoco decorrente li sso. Uma questão é argumentar, como o fazem o próprio Chomsky 17 ' 1,1111 0. rnt l 101 1 qu t• 1 ll11 g 11 .1 1• 11 d 1•v1• 1 c• t .11 o d.1 l,1 t m uni ol j •o d<> mun 1 n tu r 1. J\ ulr, q 1 t, o, orn1 l t~m nt difer n t inde- p nd n t da prim ira, é perguntar se h averia ou não qualquer ligação ntre as categorias que postulamos em nossa tentativa de teorizar a linguagem e a postura político-ideológica que assumimos em outras ocasiões e a respeito de outros assuntos. Isso porque a premissa de que a língua seja um objeto natural não é suficiente para concluir que os conceitos e as categorias que postulamos em nosso esforço de compreendê-la também sejam objetos naturais. Acredito que nossas teorias sejam tentativas de fazer sentido para um mundo real que, na ausência de tais teorias, deixar-nos-ia embasbacados diante de tantos fenômenos que escapam ao nosso senso comum, ou seja, nós seres humanos somos por força de nossa própria natureza criaturas que teorizam compulsivamente2• Ora, dentro dessa perspectiva, é perfei- tamente possível que embora partam de uma necessidade imposta pela própria naturezahumana, as teorias que defendemos reflitam os anseios do momento histórico em que propomos e defendemos as nossas ideias. Em outras palavras, percebe-se a perfeita compatibilidade entre a ciência e um posicionamento político-ideológico. Melhor ainda, percebe-se que mesmo por trás das teorias que possam ostentar uma aparência de mais alto nível de isenção e neutralidade podem estar presentes propostas de cunho político-ideológico. É lícito, em outras palavras, perguntar quais os motivos e programas secretos que estão por trás de certas teorias e que as ajudam a ganhar destaque e aceitação quase que instantâneos entre os membros da comunidade acadêmica e mesmo fora dela. No campo da linguística, é bem verdade que os pesquisadores que lidam com a chamada "pesquisa pura" tendem a relegar a um segundo plano qualquer discussão a respeito das consequências éti- cas de suas elucubrações teóricas ou mesmo negar sumariamente (Rajagopalan, 1999b) que elas existam. Deborah Cameron, autora ~ f. Rajagopalan, 1998b para uma discussão maior - esta questão é, sem dúvida po l m i , . V ja, por ex. Thomas, 1999. 18 cl • 11 111 livro 1>.1111.11111 1 111 111 •n l.1clo (d . '1 n 1t•to 11 , 1 DH! ), 110. t •l. \l 1 o s uint ' 1 is li o <> orrl clo num on urso doe nte, d qu 1 p rli ipou orno candidata logo pós ter concluído uma versão preliminar do referido livro. Ao ser informado sobre o título do livro que acabara de t erminar, a saber Feminism and Linguistic Theory, um dos membros da banca examinadora exclama: "Mas, espera aí, isso não é igual a escrever um livro sobre linguística e jardinagem orgânica?" (Cameron, 1985: 2). A autora prossegue, afirmando que talvez a reação não fosse tão negativa se o título fosse algo como Marxismo e a teoria linguística. Embora a intenção da autora fosse, com certeza, salientar o relativo desprestígio do feminismo em face de outras ideologias de respeitabilidade assegurada como o marxismo, devemos discordar dela quanto à possível aceitação pelos linguistas pertencentes ao chamado "núcleo duro" de uma obra com o título sugerido. Em primeiro lugar, convém lembrar que o título do livro de Voloshinov (1977), bastante divulgado no Ocidente, contém a palavra "marxismo", porém faz par, não com "a teoria linguística", e sim com "a filosofia da linguagem". Na linguística oficial, a chamada mainstream linguistics, a situação é bem diferente. Não por acaso Newmeyer, marxista declarado e de carteirinha, se acha devendo ao leitor do seu livro Linguistic Theory in America (Newmeyer, 1980) uma explicação do porquê da ausência da orientação marxista em seu empreendimento historiográfico. Eis a explicação do autor: Algumas pessoas que me conhecem como um marxista podem ficar surpresas e, talvez, até desapontadas pelo fato de não haver nenhuma 'análise marxista' clara dos eventos que descrevo. Porém, não me sinto na obrigação de pedir desculpas por isso. Simplesmente não há qualquer base para afirmar que a estrutura linguística (fora dos aspectos restritos do léxico) seja um fenômeno superestrutura! no sentido marxista desse termo (Newmeyer, 1980: xii). Diga-se de passagem (pois os detalhes mencionados a seguir não interessam ao argumento em desenvolvimento, apenas enfraquecem a explicação que o autor do livro oferece para sua análise não ideoló- gica) que (a) "os eventos" a que se refere o autor não são linguísticos, 19 111.1 . p1•tt1•11C t llll 1 • li 1 to1 lop,1.ll1.1 di1 l l11g111~ li ·' ' IHI 1,\lllO dl H lpll 11t ,, ,, l mi , rn i , um rbul 11 i<l • (b) própri autor, lgumas Jinh s cima do mesmo trecho, admitia o seguinte: Como não há historiografia totalmente não tendenciosa, seria utópico imaginar que um autor possa estar livre de posições ou crenças prévias que influenciem sua percepção dos eventos (ibid.). De todo modo, linguistas como Cameron sinalizam uma tendência cada vez mais evidente no campo da linguística, ainda que a maior parte, se não a quase totalidade, desses pesquisadores se situe nas subáreas ·tradicionalmente tidas como periféricas ao "núcleo duro" - a saber as áreas "hifenizadas" e aplicadas. A título de exemplo, podemos citar o trabalho de Cameron et alii (1993), onde os autores discutem a questão das obrigações éticas que um linguista pesquisador assume, ou deveria assumir, ao se engajar em suas pesquisas e se discute em detalhe o episódio protagonizado por William Labov, que se dispôs a depor a favor de grupos minoritários (no caso, negros norte-americanos) em sua reivindicação contra uma certa secretaria de ensino estadual que, sem qualquer discussão, decidiu impor como único padrão de língua aceitável nas escolas o inglês padrão norte-americano. Trata-se do caso que mais tarde se tornou uma cause célebre, instigando o próprio Labov a escrever um famoso artigo (Labov, 1982), justificando sua decisão de abraçar a causa dos pais dos alunos, apresentando-se perante os juízes para pleitear que, do ponto de vista linguístico, além do inglês padrão dos brancos americanos, também existe, entre tantos outros, um padrão próprio à fala dos negros (o chamado American Vernacular Black English, AVBE), tão regrado e tão "lógico" quanto o outro. Embora louvável enquanto gesto de gratidão para com seus informantes, que tanto o ajudaram a realizar suas pesquisas e a colher os resultados, inclusive os benefícios materiais e profissionais de suas descobertas, a postura de Labov é submetida a uma reflexão profunda e crítica por C meron et alii (1993). A principal objeção levantada é a de que, ao se 1 r por a falar em nome dos seus antigos informantes, Labov estaria 1li mpl smente assumindo uma posição que imagina ser congruente e om s us interesses. Eis as próprias palavras dos autores: 20 1,,dH>V 1\ 1 () f,1lot1 1'11\ 1\!Hl\t' dt• todOI 011 t1q I OI 111 11 't C.1110 ; •lt• f :t., lt • to, u1 , ,' olh., n qu diz: r s it e rt ' int 'r'ss s q 1' i, L p i, r. C m rt za, é in vitáv 1 que as comunidad s brigu m uma diversidade de interesses. Mas se os membros dessas comu- nidades não realizarem um debate interno, existe o perigo de que defensores externos acabem fazendo as escolhas por eles ( Cameron et alii, 1993: 85). Os autores prosseguem, partindo para uma crítica à tradição positivista de fazer pesquisa. Alegam que, enquanto estiver compro- metida com tal tradição, a sociolinguística laboviana não terá como vitar cair nas armadilhas que o próprio modelo arma. Não é propósito deste texto discutir em detalhe todas as questões suscitadas por Cameron et alii (1993). Gostaria, no entanto, de chamar atenção para dois aspectos da probleqiática geral que foi objeto das observações desses autores. Como falar em nome de outro e com que utoridade? Em primeiro lugar, note-se que a questão ética é invocada nessas discussões a partir da premissa, nem sempre explicitada, de que o linguista tem o dever de ajudar os leigos, especialmente aqueles que serviram de informantes, como se fosse a quitação de uma dívida já ontraída. Em segundo lugar, presume-se que o que torna o linguista pto para ajudar os outros é o conhecimento especializado que ele possui, ou seja o linguista se auto-outorga um dever - junto com o dever, um enorme privilégio - na medida em que se considera de- t ntor de um saber que lhe dá acesso às verdades sobre a linguagem, v rdades essas que, quando postas a serviço de todos, podem trazer benefícios e justiça para todos. O que sustenta a visão esboçada acima é a crença de que o saber 1 m si está acima de qualquer consideração ética - o que nos conduz cl volta à questão com a qual iniciamos toda essa discussão, a sa- l r, a de que não se discute a dimensão ética dos fatos da natureza p rque ela simplesmente inexiste. No fundo, o que impede que o t órico da linguagem tenha consciência do lado ético da sua atividade t' justamente a tendência a relegar toda a ética à esfera da prática.21 l '1111 11~1 1111111 li 111 1 111111 11111 li 1 1 "· 1111 11 1 111~111 1 Evicl( 1 11 lt• 11 u•11 t •, u rn q u t• 11 t lo 11 .1111t 11 10 1•t i l,l 1 . lu 1 011v •11 1011.1 1 , •s · r ''P ilo L r d om ç r p r um,1 r O. xão d tida d ssas crenças incrustadas . Como um primeiro passo nessa empreitada, tomemos consciência de que, independentemente do estatuto que se queira conferir à teoria em si, não se pode negar que a atividade de formular teorias é algo que se dá como parte de uma prática social. Dito de outra forma, as teorias são formuladas por pessoas que fazem parte de comunidades específicas (dentre as quais, as comunidades acadêmicas); as pessoas reagem umas às outras e propõem suas teorias, atendendo a certos interesses, muitas vezes ignorados por elas mesmas. Se concorda- mos que a confecção de teorias é uma atividade que se processa sob determinadas condições sociológicas muito precisas, não há como não aceitar também a consequência de que elas reflitam, ainda que de forma sutil, os anseios e as inquietações que movem aqueles que estão por trás daquelas reflexões teóricas. Estamos, em outras palavras, no terreno da sociologia do co- nhecimento, e não mais no da epistemologia do saber. Ao perguntar quais as considerações éticas, ideológicas e políticas que subjazem a determinadas posturas teóricas, estamos em verdade inquirindo as condições em que o novo "saber" se produz e se reproduz. Estamos procurando entender, entre outras coisas, quais os recortes que o novo saber efetua, e ao fazer isso, quais exclusões ele legítima. A preocupação principal aqui é dar largada a uma discussão acerca dessas questões com a esperança de que ela traga subsídios para uma maior conscientização do aspecto ético das nossas práticas teóricas. 22 inguagem e identidade ; E lugar-comum na filosofia da ciência que todo esforço de 1 l.1boração de teorias exige como primeiro passo a identificação e dt •limitação razoavelmente precisas do objeto de estudo. Evidente- 111t nte, a linguística não podia fugir à regra. No caso da ciência da ll11guagem, porém, há certos fatores peculiares que tornam um pouco 111 ,lis delicada a questão da identificação exata do objeto. O que torna a linguística um caso à parte é que, na tentativa cl1 1 compreender seu objeto de estudo, a linguagem, ela é obrigada 1 proceder valendo-se, enquanto instrumento de análise, do objeto 111< smo, isto é, da própria linguagem - o que não acontece num 1 .11npo do saber como, por exemplo, a botânica, onde o pesquisador 1 tuda a flora e recorre à linguagem para descrever o seu objeto de 1•, tudo e posteriormente documentar e divulgar os resultados . Como é sabido, há artifícios bastante engenhosos como a distinção 1• 11tre "linguagem-objeto" e "metalinguagem" que foram instituídos p.1ra afastar qualquer possibilidade de "contaminação" ou "distorção" (< f. Eaton, 1996) do objeto de análise pelo instrumento de análise 1 vice-versa. Permanece, porém, o fato de que tais recursos foram adotados j11 . tamente para evitar que a necessidade de o linguista utilizar o próprio objeto como instrumento de análise faça com que sua em- 23 I' li llflA 111111111 Ili 111111 1\ 1111111\11~1 1 11 1111111 li\ 1 IJ\11 11\111111 1\ p1 <1it,1cl .1 1t 1j,1 viHl1\ (() Ili() .ligo d f l'I t 111 (1 cl.1 l 1111 ,tiH 'r 1, 8 i 1111 ÍI Ml. Ou j , rn i r ju Li 1 , Liv, p.1 ,, postul ,1r up st distinçã r tr o obj to e o instrumento, ainda qu os dois sejam indistinguíveis um do outro •sob qualquer outro prisma, é a necessidade premente de reivindicar para a linguística o status de uma ciência com todo o enorme respeito que essa palavra inspira em nossos meios (cf. Ra- jagopalan e Arrojo, 1992). Afinal de contas, é um fato incontestável que a linguística, desde a sua inserção no mundo acadêmico como uma área importante do saber, fez questão de se projetar como uma ciência com todo o rigor da palavra. Segundo autores como Sampson (1980), a escolha da linguística como "a rainha das ciências humanas" no início desse século deveu-se, em grande parte, ao enorme prestígio que a própria palavra "ciência" adquirira junto às grandes massas de leigos, bem como à insistência por parte dos linguistas em caracte- rizar sua área de estudo como uma ciência e assim distingui-la dos esforços de seus antecessores, entre eles os filólogos e os gramáticos "tradicionais". Ou seja, ironicamente, a linguística foi eleita como modelo para as demais ciências humanas por adotar - ou melhor dizendo, imitar - os métodos das ciências exatas e se distanciar dos procedimentos mais comuns nas humanas. Em seu livro Politics of Linguistics, Frederick Newmeyer defende a autonomia da linguística, afirmando que ela se preocupa em abordar a lii;guagem como um cientista natural estudaria um fe- nômeno físico, isto é, concentrando-se naqueles seus atributos que existem independentemente ·das crenças e dos valores dos falantes individuais de uma determinada língua ou da natureza da sociedade na qual a língua é falada (Newmeyer, 1986: 5-6). Todavia é possível constatar na literatura recente uma certa in- quietação crescente em relação à pouca semelhança entre a linguagem 1 qual vislumbrada pela linguística enquanto objeto de estudo e a 1 in uagem como percebida e vivenciada pelos leigos, como também 1wl s especialistas em outras áreas de conhecimento. Como chega a d1rnh r Segerdahl (1995: 41): 24 1 ... 1.1 llnp,11111 1 , , 11 , 11 Vt'l l ti .w1 /J11• ,dgo I li 1 t•xl1it 1 l11d1 1 1•11d1•1111•11H 1111 cl1 1 :-il 111 •1m1,1 . A li11gl1 , ti , , e ir v s, um rnod artifl in/ d Lr, t, r cl .1 no ', Jingu g m qu , st sim, xist ind p nd ntem nt d lc. Yngv , autor do livro Linguistics as a Science (Yngve, 1986), é 111 .11 1-1 ntundente ainda quando afirma que a linguística não terá 111•11huma utilidade social, nem tampouco credibilidade acadêmica, a 1111111 s que adote uma atitude científica mais apropriada tanto em 11•l,1 ão a seus métodos como no que tange a seu discurso. A crescente 111 • pção por parte de uma parcela significativa de pesquisadores de qt1t 1 hegou a hora de repensar os fundamentos é curiosa, pois até l 11 tn pouco, os teóricos raramente se mostravam constrangidos com 11 l .1 Lo de a linguística ter deixado de lado a própria tarefa de explicar 11 11 nômeno da linguagem (por mais estranho que isso pareça!). Em ttil ula inaugural, proferida na Universidade de Londres em 1983, Nc• 1 Smith (1983: 4) foi surpreendentemente direto e categórico ao d1tmar que "a linguística não versa sobre a linguagem, nem sobre t lfnguas, pelo menos estas não estão em seu foco; ela versa sobre t gr máticas." Na verdade, Smith estava apenas ecoando as palavras de • Ch~msky (1980: 129), para quem" ... a linguagem é um conceito ele 1 ivativo e talvez algo não muito interessante." O objetivo deste capítulo é pleitear que nós, linguistas, devemos, 1 11m urgência, rever muitos dos conceitos e das categorias com os q11.il estamos acostumados a trabalhar, no intuito de torná-los mais 1111 quados às mudanças estonteantes, principalmente em nível social, r 11político, e cultural, em curso neste início de milênio. Como bem lt ala Hutton (1996: 209), "a linguística talvez seja a disciplina que 111.tls encarna o espírito do século XIX dentre as que são ensinadas nas 1111 v rsidades hoje". Os nossos conceitos básicos relativos à linguagem f 111, 11n em grande parte herdados do século XIX, quando imperava o 11 111, "Uma nação, uma língua, uma cultura". Previsivelmente eles estão 1 mostrando cada vez mais incapazes de corresponder à realidade v la neste novo milênio, realidade marcada de forma acentuada por 1111v fenômenos e tendências irreversíveis como a globalização e a 25 1 1111 IJ\11\ 11111111 1 111 l 111111 llllltll 1 fol 1 11111'11111Mlll 1 \ Ili 1 '1 1 Ili l11t •r,,ç, o t 11H r • tllu .1H, 0111 011, •qu 11c l,1, lirL.1s s 1 r' 1 vi l,1 1 o ompor amento cotidi no dos pov , in lusiv no qu diz r sp i o a hábitos e costumes linguísticos. O próprio conceito de língua está aí como prova cabal. Do modo como é conceituada, a língua é tradicionalmente entendida como algo fechado em si e autossuficiente. Para Saussure (1959), o pai da linguística moderna, tratava-se de uma questão óbvia demais para merecer qualquer discussão mais aprofundada. Todo mundo sabe o que é e o que não é pertencente a qualquer língua x. Max Muller, grande linguista alemão do século XIX, foi taxativo em sua afirmação de que inexistem línguas "mistas" (cf. Muller, 1871). O preconceito contra a miscigenação linguística está presente, por exemplo, no modo como são tratadas até hoje as línguas "pidgins" - marginalizadas por não possuírem a pureza de 24 quilates que se credita às línguas "normais" (Thomason e Kaufman, 1991). Os linguistas do início deste século adotaram como princípio norteador a ideia de que todas as línguas são funcionalmente equivalentes, ou seja, todas elas são igualmente dota- das de recursos para atender a todos os interesses dos seus usuários. Sucessivas gerações de linguistas adotaram-no como um pressuposto teórico autoevidente e não merecedor de qualquer averiguação em- pírica. A título de exemplo, Lippi-Green (1994: 165) sugere que, na falta de prova em contrário, a "tese básica" deve ser mantida intacta. Ora, o fato é que o conceito de "língua" que os estudiosos adota- ram a priori, ou seja, antes mesmo de qualquer verificação empírica, não admite qualquer possibilidade de que as línguas encontradas no mundo real - sobretudo nos dias de hoje, quando os contatos entre os povos estão se processando na velocidade da luz e em volumes ini- magináveis algumas décadas atrás - possam evidenciar instabilidades, não passageiras, mas estruturais e constitutivas (Rajagopalan, 1997b, l998a). Isto é, enquanto se insistir numa definição do que é a língua m primeiro lugar, definição que parta da ideia de que todas as línguas . t nstituem em sistemas autossuficientes, simplesmente não se pode 111,1gin r que qualquer "dado empírico" recolhido de forma aleatória 26 p111 , 1 lllll d ,1 V 1 ,1 1110 t 1 li ti 11111 1.1\ t'll cl.Hllll l.t 1111 111,1 d1 1111 \ 11 1 Â e t( ' li''' 11, •xi:1 l 11< ,, clt• d.H los rn 11ll(' 11101 e 1111 e 111 1111 e1 11111 dos rniL s 1u ,1ind. r nd m i • ii 1h rio do e •111 t 1 1 11. 11 1il11l11 l t do sr nles esforços por par d ti :ofm1 d.1 e i 11< .1 1111110 Kuhn (1962) e Feyerabend (1975). Nas palavras d Jo'ish ( 1 DHO), .1 vt•rd deira proeza seria encontrar uma teoria que não funcionass • (). que a reação instintiva por parte do defensor convicto da teoria, 111•t,mte o surgimento de evidência contrária, é a de desqualificar e, 1 111 seguida, descartar o "dado" rebelde como "não relevante"). O que torna o conceito clássico da língua cada vez mais difícil rlc• sustentar é que ele abriga não só a ideia de autossuficiência, mas t.1111bém faz vistas grossas às heterogeneidades que marcam todas ,, omunidades de fala. Isto é, as diferenças são tratadas como fe- 11 menos contingentes a ser estudados num segundo momento. Nas p.davras de Fairclough (1992), a língua é abordada como ela poderia 1•r num mundo ideal e paradisíaco e não como ela de fato é em 110. so mundo vivido. Da mesma forma que a língua é conceituada em termos de tudo e 111 nada, os falantes dessas mesmas línguas também são classificados 1•m termos categóricos, isto é, como nativos ou, se não, obrigatoria- 111t•nte não nativos em relação a qualquer língua específica (a qual, por sua vez, passa a ser ou "materna" ou, se não, forçosamente "es- 11.mgeira" com respeito a cada um daqueles falantes), não permitindo, 1 l1•ssa forma, qualquer possibilidade de categorias mistas. Embora, 111 gavelmente, tenha sua função heurística em um primeiro mo- 111 nto, tal manobra vai de encontro ao fato de que o multilinguismo 1 • ·tá se tornando cada vez mais a norma e não a exceção em nosso mundo. Como diz Desai (1955: 20), o "multilinguismo já é a língua f , nca da África". As palavras do referido autor têm igual pertinên- c i, para outros continentes e "subcontinentes" como a Índia, bem 1 orno para as novas realidades geopolíticas como a União Europeia. l!ste aumento exponencial e, ao que parece, irreversível, de casos de 111ultilinguismo se deve, de um lado, a ondas migratórias envolvendo 27 <' do d !', .rn l ·1 m ,11 i .H:J d • po1 ul.1 ~. o 111> (• 11 , tio ""'" 11,11 p< ulr 1 do , p pul ri:t , o d, i nf rm Li distâncias en tre continentes, resultando no contato cr · sccnt entre povos (Rajagopalan, 1997a, 1998a, 1999d). Ao fazer vista grossa às mudanças geopolíticas em curso no mundo inteiro, mudanças com resultados concretos plenamente visíveis a olho nu, a linguística de hoje mostra sinais de querer se enclausurar numa torre de marfim, contemplando, com saudade, o mundo perdido de identidades fixas e delineadas uma vez por todas. Como. chega a exclamar Donald Davidson, filósofo norte-americano de grande repercussão internacional, a facilidade com que costumamos falar de línguas tende a ofuscar o fato elementar de que tais entes inexistem no mundo real, mas são verdadeiros construtos criados em resposta a certas demandas históricas. O perigo reside em acreditar que, uma vez reificados, tais objetos estariam imunes a quaisquer questionamentos quanto à sua utilidade contínua. Num mundo em rápida transformação como o nosso, tal ati- tude ameaça condenar a linguística à total irrelevância, sobretudo em comparação a disciplinas conexas como a sociologia, onde o questionamento dos próprios alicerces e conceitos básicos (veja, por exemplo, Wellerstein, 1991) só tem trazido ótimos subsídios para a adequação dos mesmos a novas realidades. 28 ·nguística e a política representação A ideia de que a função principal e imprescindível da lingua- 1 ltl seja a de representar o mundo está muito fortemente arraigada 1 11 t r nós e escancaradamente presente em quase todas as teorias ll11guisticas. Não é à toa que a gramática tradicional sempre pres- 1 l): lou a forma declarativa das sentenças. Acreditava-se que em sua 1111 ma declarativa a sentença exprimisse um "pensamento completo", 11 qu 1, por sua vez, pudesse então ser "cotejado" com a realidade t r linguística para se saber se era verdadeiro ou não. Em seus primeiros modelos de análise sintática, a gramática 1• 1,1tiva (que, nesse particular, simplesmente seguiu a orientação da 1,1 mática tradicional) postulava regras t ransformacionais para con- e t t r sentenças declarativas em interrogativas ou imperativas, mas 11 1111 ca na direção oposta. Evidentemente, a ideia subjacente era a de q11c • forma declarativa deve ser considerada como a forma canônica, pois é mediante essa forma que a sentença desempenha sua função 1 e nt ral de representar o mundo. Na verdade, a justificativa nem era l c 1 t, nesses exatos termos, já que a questão da represen tação fazia I'" ti dos pressupostos de todas as discussões. Apenas para citar mais um exemplo de abordagem linguíst ica, 1 Ir ta vez de orientação funcionalista, o modelo de análise proposto 29 1 r l Lalli l< y pr 1 i i<i lu 1.1 1 • l 1 ·t.1q 1 1 lunç. o "i d " ion,1 1" ( •n inglês, ideational) - a qual, de acordo com a d fi.nição forn id por Crystal (1980: 178), se refere ao aspecto do significado relacionado à consciência cogni- tiva, por parte do falante, do mundo externo, ou (numa definição behaviorista) aos estados de coisas objetivamente verificáveis no mundo externo. Na tradição lógica, a atenção também sempre se concentrou na forma declarativa, entendida como a forma que melhor exprime uma . proposição completa. À sentença interrogativa, por exemplo, corres- ponderia uma proposição incompleta, já que a forma lógica de uma pergunta conteria uma lacuna, sinalizadapor uma variável, sendo que, do ponto de . vista da lógica, uma pergunta nada mais é do que um pedido para que o interlocutor forneça o termo que, ao substituir a variável, complete a proposição. Assim, a lógica erotética (a que es- tuda as sentenças interrogativas) é vista como uma simples extensão da lógica clássica e binária, ao contrário das lógicas polivalentes, que se constituiriam num desafio à tradição lógica (cf. Haack, 1978: 4). Até mesmo nas abordagens teóricas mais atuais como a teoria dos atos de fala (tal como trabalhada por John Searle), vê-se uma nítida preocupação de privilegiar a força ilocucionária de asserção (cf. Sear- le, 1969; Searle e Vanderveken, 1985). Searle propõe que, da mesma forma que um ato de asserção está sujeito a um compromisso, por parte do emissor, com a verdade da proposição afirmada e uma série de outros requisitos, uma ordem, uma promessa etc. - enfim, todos os demais atos, também teriam "condições de satisfação" (conditions of satisfaction) semelhantes, que podem ser pensadas, usando-se como modelo as condições que "satisfazem" o ato de asserção. Em todas as abordagens examinadas até aqui, conforme vimos, , t se do representacionalismo faz parte dos pressupostos sobre a linguagem. Como diz Korg (1977: 977): "As línguas não podem, sob f H'll.1 l deixar de ser línguas,· escapar às suas funções representacionais 1 1•xp 'ssivas" . Por se tratar de algo que subjaz, que legitima, o resto 30 1111 ,, < 11·11~.i 1111 p1of1111d,1 '" 111< 1 cl.1 l 11• 11 .1w 111 , , 11111111111 1tbt1H'Llcl,1 1\ \llll l'Xil tlH ' li (), lJ1n , for cl' inlt•rro r noção d r pr 1wnl,1~. o, 11 , 1w 11 1l111n, cl 1• rnpr nd r ua importância na hist ri< do pp11 !1,1111t 111to 111111 ,, lingu g m dev rá começar pelo reconhecimento d qu 1 • l '.'t' 111 1 Ppr 'S ntacionalismo é, ao mesmo tempo, uma lamentação e uma d desejo. Ela é um gesto de lamentação, porque afirma a 111 1p,1 idade dos seres humanos de apreenderem o mundo numenal 1 1 1 qu l (em oposição ao mundo fenomenal); a linguagem, diz ela, 111•1 :t. m nte, se coloca como uma barreira entre a mente humana e 1111111 lo, dificultando qualquer apreensão deste de maneira direta 1 1111 •rgueu toda a sua "epistemologia transcendental" a partir daí). l 111 1111lro lado, ela também é uma expressão (digamos, até patética) de 1111 d1 1H jo, pois elege como condição ideal (embora confessadamente li 11 11g vel) da linguagem a total transparência, qualidade que tornaria l' 1t 1 .1mente ,inconsequente o papel intermediador da linguagem. 1 )j o de outra forma, a tese do representacionalismo se alicerça q11ilo que Jacques Derrida chama de a "metafísica da presença". O que l.1111 nta é, no fundo, a impossibilidade que a linguagem nos impõe • I' 11 os significados se apresentem sem qualquer intermediação. Dessa 11111.1 1 a tese do representacionalismo na verdade esconde o sonho de l'''','/1111tação, de uma espécie de "epifania", do significado - o sonho, tl1 <'jo, de, enfim, desvencilhar-se da própria linguagem humana. 1 , o ideal mesmo seria que o mundo pudesse mostrar (apresentar) 1 l.1 sem a intermediação da linguagem e que as mentes huma- p11dessem comunicar-se entre si sem ter que recorrer ao uso de 1v,11.1 - uma ferramenta, afinal, tão imperfeita! Por mais paradoxal f"' p.1reçam, as nossas teorias da linguagem, erguidas em sua grande 11l11ri<, sobre a tese do representacionalismo, são, no fundo, desejos 111111 ssos de superar ou transcender a própria linguagem, como, por 1111 lo, por meio da telepatia (cf. Rajagopalan, 1996b). A ideia da "apresentação" também foi, conforme nos costumam 111l>tt1r os historiadores, a precursora da nossa concepção de democra- 31 l.t 1 •pr '8 •11t.1 i Hi.11. N, o do b rço da d moer i f lll l ili,, li m l rn. ateniense era, ou pelo menos se supô lll t • t 1 •mi ,\ Ollf l.int •111 •nl ntig . A d m r i que fosse, o "suprassumo" (ou, o caso limite) da r~presentação - a apresentação. Pois cada cidadão "representava" a si próprio, ou equivalentemente, se fazia presente, isto é, se apresentava, na assembleia. A voz de cada cidadão era ouvida pelos seus pares sem qualquer intermediação, ou instâncias representa- cionais. A implicação clara é a de , que boa parte das deficiências que os sistemas democráticos de hoje evidenciam tem a ver com a falta de representatividade, isto é, o fato de o povo não estar adequadamente representado nas diferentes instâncias de tomada das decisões. Há um paralelismo gritante entre o modo como pensamos a lin- guagem enquanto meio representacional, e o modo como lamentamos com frequência que a prática democrática dos dias de hoje está muito aquém da "transparência" (qualidade essa que é, supostamente, a sua maior virtude possível, e era, conforme se acredita em larga escala, a sua marca registrada no seu nascedouro, a Atenas da antiguidade). Note-se que as metáforas são as mesmas em ambos os discursos. Exige-se transparência na conduta dos políticos com o mesmo espírito com que procuramos tornar o nosso uso da linguagem claro, cristalino, direto, literal, enfim, transparente. Com a mesma veemência e paixão, denunciamos a circunlocução e a linguagem ·figurada, de um lado, e, de outro lado, o descaso dos nossos "representantes" eleitos para com os eleitores, isto é, a traição praticada por eles ao não representarem mais os anseios daqueles em nome de quem deveriam se apresentar. Uma outra possibilidade de pensar o paralelismo apontado acima seria concluir que as duas questões, a saber, a representação política e a representação linguística, são apenas duas faces de uma mesma moeda. Ou seja, a tese do representacionalismo é, ao mesmo tempo, uma questão política e linguística - ou, quem sabe, política por ser linguística e linguística por ser política. Em outras palavras, segundo t1 " 8• análise - por sinal, a que me parece mais interessante e capaz cl1 t•xplic r uma série de outras questões pendentes - a questão 32 o1 q111 1 11 pnlll 1 .1 t 1 .1111 11111,1 11 , At1 1,tl 11 11111 1 li11 •tt 1 • 1 11 11111 c•11p,o1J.i11n111 11.1 .11 v cl.1d' lin11u 111i., •11 t.1t .111111, l11cl11 1111 '11 111p Otfü l •11 lo polit i nm nl p rli ip. 11 lo clt• 11111.1 .il v cl 1d1• 111 111 •11 1 •1i1 nt 1 lf Li c 1. 1 r utro lado, e como o ro l. rio ck~rn .i 11 H , 111.i 111111.1 • , t da atividad política também passari p la q 1 s l, o l,1 l 11w1.1g m, s ria uma atividade de ordem inescapavelmente discursiva I' 1111111, n, 1975; Shapiro, 1981). /\ 1 ipótese que acabamos de levantar v·en~o-etteeHH<EH:ba,a.i~:;i..Q~ 1 .,•11 11d Bernard Williams, sustenta a própria tese do representaciona- 11 1110, < saber, a plena convicção de que "podemos escolher entre as 1111• .1: crenças [ ... ] uma que possa ser então reivindicada como repre- 11t.11 do o mundo de uma forma, a um grau máximo, independente 1 11os s perspectivas e peculiaridades" (Williams, 1985: 138-9). O que 1111 11,1 afirmação de Williams extremamente interessante é a questão l 1 1w olha que o autor traz à baila. Para Williams, a representação li 11 lgo que se dá automaticamente. Ela necessariamente passa por 11.111 escolhas conscientes. Ou seja, o ser cognoscente e o ser ético 1 o empre presentes no m~smo ato e de forma inseparável.. /\. questão da escolha é geralmente reconhecida como ques- 1 11 have quando se discute política. A representatividade de um 111 <'Sentante sempre foi e sempre será uma questão discutível, tc11 110 demonstram claramente as inúmeras polêmicas com relação 1 nrmação de colégios eleitorais, a escolha entre presidencialismo p.1 lamentarismo (ou ainda, monarquia - que também não deixa 11 1c•r uma forma de representação do povo), a conveniência ou não 11 1 instituir o voto distrital etc. Mesmo nos tempos da suposta 1 po áurea" da democracia, a da democracia ateniense, mulheres r e ravos não tinham o direito de voto, ou seja,simplesmente não 1 1111 representados. Como chegou a brincar o escritor George Orwell u romance Revolução dos bichos, todos erám em princípio iguais, 111.I' lguns eram de fato "mais iguais que os outros". De qualquer forma, está subentendido que a ética, e portanto t 11d,1 tividade que envolve a política, envolve escolha. E a escolha 33 pr •1.1 11p (' ,1 •xi. l 11 ,1 de• 11111 1 e < , tl ,1 cl1 v,1 lm ll, u11i.1 ltl •1,11 q11i.1 . Â qu s d r pr s nl , o wll ,1 qu • 11, o p 1 i pr is m nl ' por envolver escolha. O difícil no nx rgar a presença da escolha quando o assunto é a representação linguística. A tentação é pensar que é a linguagem que representa o mundo, sendo que nós, enquanto, usuários da língua, estamos inteiramente à mercê das representações que nossa linguagem nos impõe. Ademais, existe a crença de que, sob condições ideais, a linguagem possa ser totalmente transparen- te. Como podemos, então, falar em escolhas no interior da relação representacional entre a linguagem e o mundo? Do ponto de vista histórico, a alternativa à tese do representaciona- lismo tem sido a tese da causalidade, segundo a qual o mundo da materialidade, embora inacessível à percepção direta, como argumen- tam os representacionalistas, pode, mesmo assim, ser apreendido enquanto causa de nossas sensações sensoriais. Ou seja, não haveria, pois, nenhuma justificativa para se continuar acreditando na ideia de que a relação entre o mundo e a palavra seja inexoravelmente arbitrária. Dentre os estudiosos que têm defendido uma postura cau- sal, destaca-se, por exemplo, Saul Kripke, autor do texto (cf. Kripke, 1972) que inaugurou uma nova linha de pesquisa. Segundo Kripke, a ligação da mente com o mundo se dá por nomeação (naming), ou seja, pelo mecanismo chamado de "rigid designation'', o qual dispensa o uso de uma descrição para designar o referente. Trata-se, portanto de um questionamento da respeitável tradição inaugurada por Frege, segundo a qual, a referência (Bedeutung) sempre se daria mediante o sentido (Sinn) e jamais ao contrário. A teoria causal também tem um cunho nitidamente ideológico- -político. Aliás, pode-se dizer que ela se destaca, entre outras coisas, como uma resposta política a uma das vertentes do representacio- nalismo, a saber, aquela que nega qualquer possibilidade de se ter certeza de nossa compreensão do mundo, posto que estaríamos sempre lidando com as suas mais variadas representações e jamais com o 111un.do tal qual ele de fato é. A teoria causal de referência procura, 34 rn1111 11 1 rf' 111 111111,11 p.il.1vt,11, t'I t.1 11 c.1r o c.1 111 11'10 .• t•d11 t01 1•111 cl 11 · ~ 11 111 11 I 11v 1 111 0 <', ,, p, tl ir d, , , o Li ismo lll 'rl. s po i\ 1• td1• , tl 1 1 (p111 c•x. ~ d B rk l y) radicalm nt mpirisl, s (rn 111 0 ,1 de• 1111111 •) 1 f 11d1 n e nos conduzir. A L cria causal, é preciso que se diga, não nega necessariam nl t 1 c'H do representacionalismo; apenas, põe em xeque qualquer in- 1 r 1 1 > tação daquela tese para pôr em dúvida a existência do mundo f 1 tco material, ou negar a possibilidade de conhecê-lo. Em outras l' ·tl .1vr s, ela parte de um forte compromisso com a metafísica. /\.. alternativa mais radical à tese do representacionalismo tem cio proposta neopragmatista, em especial, na forma em que vem 1•1HI defendida pelo filósofo norte-americano contemporâneo, Ri- ' l1 ,1rd Rorty. Rorty se identifica como um "pós-representacionalista". l 1.t 1, -se, em sua ótica, da única saída que nos resta, uma vez que 11111 onscientizarmos da futilidade da antiga preocupação metafísica. l1.1t , Rorty, a metafísica pertence à história da filosofia, da mesma f 111 ma que quem se refere a "fl.ogístico" ou "éter" está se referindo t < <'rtos descaminhos e falsas suposições na história da química .1slronomia. Uma série de termos, entre eles, representação, que 1 1 ~ i , m sentido quando ainda se acreditava na metafísica, diz Rorty, l1njc• fazem parte de um "vocabulário" ultrapassado e que já não serve 111.tls aos interesses atuais da filosofia que, no seu entendimento, está de e ididamente atravessando uma fase "pós-metafísica". A postura neopragmatista diz desconhecer qualquer conotação pnlftica, ao menos enquanto atividade que se desenvolve na esfera p11hlica. Para Rorty, a política, assim como a religião, deve ser estri- 1,1111 nte confinada à esfera privada, pois, da mesma forma que o fim 1 I t metafísica implica a impossibilidade de falar em nome de uma Vl'rdade última, supra-histórica, isto é, de caráter absoluto, também 11, o faz sentido apelar a uma noção de um bem absoluto, válido p.tr todos os tempos e todas as circunstâncias. Para Rorty, então, já 11. há mais nenhum espaço para uma Ética, assim, com maiúscula. Hc•f rindo-se ao notório "caso Heidegger'', diz ele num artigo recen- 35 Ili 11 ~1~ 11111 111 111 1 1•1111 l " " ' •i > 1u •r. 111 .li11 1. 1 li c•p.1 1.11 1 v cl ,1 ,, olH .1 dt• 11111 .111lm • m did qu cone b rm · o ,1 , l •t 1110 li 11 ss , Ih io rn variável independente do curso d s talentos" (Rorly, 997). Há quem diga que, a despeito de todos os desmentidos, o neo- pragmatismo também acaba assumindo uma certa posição ideológico- -política. Isto é, segundo esses críticos, a própria ideia de que teoria alguma teria consequências (como insistem em dizer Rorty e seus seguidores) teria, ela mesma, consequências sérias - entre elas, por exemplo, a consequência de marginalizar a questão política e, ao praticar tal manobra, tornar seus efeitos muito mais sutis e difíceis de serem detectados. Evidentemente, seria preciso nos aprofundar muito mais nos diferentes aspectos da proposta neopragamatista, antes de nos apres- sar a qualquer veredicto. Contudo, independentemente de qualquer conclusão, parece lícito afirmar que mesmo a decisão de abrir mão da tese do representacionalismo também tem conotações (para não usar a palavra consequências) políticas. Ora, isso apenas confirmaria a nossa suspeita inicial de que todas as formas de pensar a represen- tação, até mesmo aquela que explicitamente procura negá-la, acabam tendo certos desdobramentos políticos. 36 L elevância social da linguística Estamos vivendo no Brasil a reprise de um fenômeno que 1 l Pve em evidência nos países da Europa e nos Estados Unidos há 1lg11111as décadas: a "explosão" da disciplina chamada "linguística" que 1• v rifica no Brasil hoje já não é mais algo que possa ser observado 111 muitos outros países. Na verdade, o que se verifica em alguns desses países é uma l minuição da demanda pela linguística e uma migração de pesqui- 1dores e estudantes para outras áreas. Em países como os EUA, há 1 mbém uma nítida tendência de diminuição de verbas para as pes- 111isas em áreas humanas de forma geral, e em linguística de forma 1 1.1is acentuada - tendência que, ao que parece, está começando a 111 .1r visível aqui no Brasil também. Há também casos de fechamento lc lepartamentos inteiros, com o deslocamento de parte do corpo 11111•nte para outros departamentos. O caso mais comentado nos últimos tempos foi o da Universi- d.11 I de Yale nos EUA, onde o setor de linguística cantou seu canto ele isne sem qualquer cerimônia ou aviso prévio. Há alguns anos, lt1 guei a presenciar coisa parecida no Reino Unido, onde também se t ~\istra um número crescente de fechamentos sumários de unidades d1• departamentos que não conseguem mais atrair tantos alunos 111110 antigamente. À época, circulavam via internet abaixo-assinados 37 1'1111 11~111111\t,\ll JI• 111111 Jll<to 1 •1 11 11111<111• 111 l'º 1 1' ' 11• < bj •llv.llldo d •11u1H l,\t o 1 •1 111,1 11 l1 •L11 11 1•11lo 1 I lt•111 ,11 lc o tl.1 11 11 vt'Y. i d d' brilânic s h lfü r ( • l •11ç. lo 1 ti l li . e mo si r. l ij, d sobrevivência ou, melhor dizendo, como a última cartada para salvar o pouco que resta, muitos departamentos de linguística naquele paístêm sido obrigados nos últimos tempos a se transformar em simples prestadores de serviços a longa distância, assinando convênios com países distantes na África e no Oriente Médio que necessitam de trei- namento em larga escala de profess'ores de inglês etc. Longe de querer iniciar aqui um debate sobre a política que vem sendo adotada pelos órgãos públicos de fomento à pesquisa (sem negar, é claro, neste sentido a necessidade de uma ampla discussão e mobilização dos interessados), proponho-me levantar alguns sub- sídios pára uma reflexão a respeito das seguintes perguntas, todas elas de ordem interna à própria disciplina, ou melhor, relacionadas ao modo como nós, enquanto pesquisadores e profissionais, temos nos comportado na condução dos rumos da disciplina: *Por que a linguística se encontra numa fase de desgaste, de es- tagnação, ou até. mesmo de franco declínio, em países como os EUA e a Grã-Bretanha? (Evidentemente, estamos nos referindo à situação verificada em termos quantitativos: o número de alunos matriculados, teses e dissertações defendidas etc.) . *Haveria, além das explicações externas (tais como a atual tendência de transformar as universidades em empresas que visam lucros, o que progressivamente inviabiliza as áreas humanas em geral, posto que elas não geram resultados imediatos ou mensuráveis da mesma forma que as exatas e as biológicas), também fatores internos à própria ciência (a linguística, no caso) que podem ter contribuído para a atual queda de interesse e procura? *Finalmente, é possível recuperar o terreno perdido, reverter o quadro, e - se a resposta for sim - que tipo de ação concreta tal esforço demandaria? Evidentemente, não terei condições (nem fôlego) suficientes para cl is utir cada uma dessas questões exaustivamente. São, todas elas, 1wrpuntas bastante complexas que podem ser respondidas de diver- 38 .1, fot1 11.11 . O 111 •1 1 1111 u l o .1q 11 l , 011 f ot 11 H' J• d 11•, 11 .1 .1 1 tl p11111.i 111 11 1 lcl<1r, 'S 1,1r prorn v r, qu m s b, Llln. 111p lo dt 11.111• 11h11 11 11 •111.1 1 u o 1 n , 1 nç r proposta p r qu' o 111!'1 11 10 .1to 11l 1 ~· 1111n1 futuro não muito distante . /\. primeira pergunt a, a que diz respeito aos fatores int rn s 1111 )1 ria disciplina que poderiam ser responsabilizados pelo atual estado d1• isas , tem a ver com o modo como a disciplina tem se con duzi- 1lc > m relação à gama das questões relativas à linguagem. Estamos l.1' ,111do das questões relativas à linguagem que qualquer leigo tem 11 eito de imaginar como estando dentro do escopo de uma ciência qtH' se propõe estudá-la. Ora, qualquer um que se tenha debruçado obre a história das teorias linguísticas (ou melhor, dos chamados 'p. r digmas linguísticos') sabe que tal gama varia de um momen- 111 h istórico para o outro. A saúde de uma disciplina se mede pela 11r steza com a qual ela consegue responder a novas realidades que 11rgem no mundo em que vivemos e pelo interesse que ela evidencia 1• 111 atender aos anseios e preocupações t!picos de cada época. O que 1 e rtamente não equivale a dizer que os pesquisadores devem rever . 11 . s prioridades conforme a opinião pública. Por outro lado, também 11 , vejo nenhum mérito na postura adotada em certos setores de 111 squisa, segundo a qual os pesquisadores devem trilhar seu próprio e .1ininho, tomando decisões sobre os rumos futuros estritamente de 11 ordo com os interesses acadêmicos, não se importando com o que 11 mundo lá fora da academia pensa. Não é difícil perceber que, conforme a amplitude e o alcance 1l.1s questões levantadas pelos teóricos, as pesquisas desenvolvidas cl1 •ntro da disciplina têm repercussão nas áreas conexas. A linguís- 1 ic do século XIX encarnava muito bem o Zeitgeist daquele século, e ontribuindo efetivamente para as grandes questões em discussão, t.11 como a tese de evolucionismo de Darwin. Não é por acaso que, 1 w século XX, dois dos momentos mais significativos no campo da 1 nguística foram a publicação póstuma da obra de Saussure na dé- ' .ida de 1910 e o "estouro" da revolução chomskiana nos últimos ,1110s da década de 1950. Foram justamente moment os em que a 39 l ingulHl it ,1 101nm1 ,1 di.1nt •i '' d.1 dim w ( , • l •11 l 11do " 11111.t t •tl,1 1 ss id d pr min n d n vo M , b u m d mento dos vigentes. Foram também mom ntos históricos em qu linguística se envolveu em grandes debates sobre questões ~a época que tinham um interesse maior e pertinência para os estud10sos de muitas outras áreas. Numa conferência de abertura proferida por ocasião da George- town University Round Table em 1989, o linguista britânico John Lyons (1989) chegou a especular que, a cada quarenta anos, a lin- guística passa por uma sacudida que resulta numa reviravolta_ e n: instauração de um novo paradigma. Desse modo, para Lyons, nao ha nada a estranhar no fato de que o modelo saussuriano tenha se esgo- tado nos anos 1950, tendo sido superado - de acordo com muitos - pelo modelo gerativista1 . O que torna interessante o exercício de "numerologia historiográfica" proposto por Lyons é primeiramente o fato de que, pelo seu cálculo, estamos prestes a presenciar mais uma dessas reviravoltas de grande repercussão. Pessoalmente, acredito que as perspectivas são bastante boas. Do ponto de vista da presente discussão, o que chama a atenção na proposta de Lyons é que todos os momentos que ele identifica como marcas históricas são momentos em que a linguística fez sentir seu impacto em áreas conexas, como a sociologia, a antropologia, a psicologia, e assim por diante. Ou seja, os grandes momentos na 1 Lyons (1989: 18) aponta para cinco momentos cruciais na história da linguística e distingue cinco períodos correspondentes, cada um com quarenta anos de duração . São os seguintes: 1 . A época dos profetas, iniciada por Sir William Jones, com sua famosa conferência na reunião da Asiatic Society, em Calcutá, Índia, em 2 de fevereiro de 1786. 2.A época dos pais fundadores, iniciada por Rask e Grimm (respectivamente em 1818 e 1822). 3 . O período clássico (da filologia comparativa), iniciado pelos "neogramáticos' em meados da década de 1870. 4. O período pós-saussuriano (da chamada "linguística moderna", iniciada pelo próprio mestre genebrino em 1916). S. O periodo chomskiano e pós-chomskiano (da linguística moderna), iniciado por Chomsky. 40 11 101 l.1 cl.1 1 11g 11 1 I 1 .i 11v.11 l,1vt• l111 •111 • f n.1111 ,1q111 •l 1J 1101J 1 u .ti~1 lwt1v1• 1111111Hrn li, logo, i11t<•1 • lr 1 di iplin r s m Lorn d' qu sLõ 'S 111 .d:i ,11npl s nv lv 'n l ~ linguagem. Foram também momentos em qtl t' l l m proposta teórica advinda da linguística tinha claras conse- qtt n i s nos trabalhos que estavam sendo desenvolvidos em outras H 11.i s do conhecimento. Era assim a proposta estruturalista de Saus- 111 t', com impacto inquestionável na antropologia de Lévi-Strauss, e 11.1 l i.canálise de Jacques Lacan, para mencionar apenas dois casos. l.1.1m assim, com certeza, as ideias revolucionárias de Chomsky que 1 e p •rcutiram na psicologia, na biologia, nos estudos de inteligência 111 i 1cial e assim por diante. A proposta de Lyons nos fornece · uma excelente pista na procura c le uma explicação para a sensação de estagnação que se verifica no e .1111po de pesquisas linguísticas nos dias de hoje: a ausência de grandes cl .il c gos com os outros domínios de conhecimento. A impressão que se 1 e 111 que, passados os anos dourados de 1960 e 1970, que foram mar- c .1110 por intensos intercâmbios entre a linguística e as áreas conexas, l11111v , de repente, um recuo, um certo conformismo com os resultados le .lllçados, um desinteresse em olhar para o que os pesquisadores em 1111 r s áreas estão pensando a respeito de questões que também teriam v1•r com a linguagem, embora de forma indireta. É evidente, sem dúvida, que no plano individual há diversos es- f 11 1~ 0 em dialogar com outras áreasdo saber. Também é verdade que, 111 ,1lgumas das subáreas da linguística - como a pragmática, a análise 1 cli curso, a linguística textual etc. (para não mencionar as chamadas uh. reas hifenizadas"2 como as que, de forma declarada, se situam na 11 11 ,1 intermediária entre a linguística e áreas conexas como a sociologia, p. i ologia etc.) - há tendências claras de explorar novos caminhos 1 11 que é no meu modo de entender mais importante e mais urgente i A qualificação "hifenizada" já não faz mais sentido, visto que, conforme prevê 11 W·' de hifenização em inglês, o uso contínuo e em larga escala já fez desaparecer 1 liltr•n que originalmente era usado nos então neologismos como "socio-linguistics", I' v• lw-linguistics" etc. Em português, a regra de hifenização atual já resulta direto 111 " o iolinguística", "psicolinguística" etc. 41 1 l nd,1 1 ll' ve:m d p < ,11111111111 1• 111 f.1u• l,t 11ov. 11 n•,11 cl.1d1•1 qu' lo OH ,1 1•1 ,1 11 novid d s. Entre os exemplos mais xpr s ivos dessas novidades estão o da globalização que está em curso de forma, ao que parece, irrever- sível e suas consequências no que diz respeito aos contatos entre línguas, e o fenômeno que vem sendo denunciado como "imperialis- mo linguístico" . Este último, na ótica de alguns teóricos, prejudica a sobrevivência das línguas minoritárias. Outros exemplos são as novas formas de linguagem e de comunicação que estão surgindo em resposta ao crescimento vertiginoso da informática e comunicação via satélite - dentre as quais o e-mail, e assim por diante. O que se lamenta é que os poucos esforços que se observam em lidar com essas novas realidades são sempre individuais e isolados; como se a linguística, enquanto área do saber, se achasse no direito de pe~m~ necer à margem dessas novidades, por julgá-las de pouca relevanCia teórica3. O que precisa ser repensado urgentemente é a tendência que se observa em alguns setores da nossa disciplina de se fechar, de se recolher dentro de si, pouco se preocupando com o que se passa no mundo lá de fora - enquanto as grandes questões envolvendo a linguagem que assolam o mundo de hoje ficam a cargo de espe- cialistas em outras áreas como a filosofia, a sociologia, a psicologia etc. Qualquer disciplina que se dá ao luxo de permanecer restrita a uma torre de marfim corre o perigo de perder todo vínculo com os anseios da sociedade que, no · fim das contas, arca com as despesas necessárias para sua manutenção. É bem verdade que hoje as reflexões sobre linguagem que mais repercutem .na imprensa popular (o caderno Mais da Folha de S.Paulo, por exemplo) são oriundas de estudiosos como Richard Rorty, Jurgen Habermas, John Searle, Jacques Derrida, Michel Foucault, Jacques - :1 É preciso registrar que há gloriosas exceções neste particular. A título de exemplo, 1 H idl'i I ws m ncionar 0 recém-publicado volume Condse Encyclopedia of Pragmatics (Mey, 1998). 11 11 11 1 11 1 01 wrb tes incluídos nessa enciclopédia estão 'desenho animado', rlinguística emancipa- i 111111' , '11 J.1tp,. o d s economistas', 'etnocentrismo linguístico', 1inguagem politizada' e 'e-mail'. 42 1 1111 te 1 e• , P <111 <' Bn111 cl1e•11, lldw.1tcl , '.1id • oul rw, 11 •11clo qu 11 •nhwn dr Ir . H<' icl<•ntif1 il wrno lin 'Ui 'L, . O lin ist m is nh ido [ r· <las lto11lc lr,1. d.is iplinar 'S, No m Chomsky, é frequentemente lembrado • 1 t.1d n impr nsa, não por sua visão da linguagem, mas por suas I" H i~ 'S, independentes e ousadas, em questões políticas atuais. Cha- 111.1 .1 ,\L nção, no entanto, um aspecto extremamente preocupante no • 111 1,.1j , menta político desse grande linguista. Contrariamente a qualquer 11111 <los pensadores cujos nomes se encontram arrolados na lista acima, I" 111 .1 tores que frequentemente se posicionam sobre as grandes questões p11ltt l s que pairam sobre o mundo contemporâneo, e defendem suas 11p111iõ s sempre partindo das posições assumidas em suas respectivas tr .IH, Chomsky tem sido categórico em afirmar que suas reflexões sobre l 11pu gem nada têm a ver com suas opiniões políticas e ideológicas (cf. 1J.1g palan, 1999c). Como pergunta Toolan (1999: 102): "As posições lt11ir veis que Noam Chomsky assume na esfera política são apresen- d.111 como totalmente desvinculadas de seu trabalho na linguística; é p11 IV 1 que isso seja certo?" /\postura de Chomsky em relação a possíveis relações entre lin- 111 li a e política, ou melhor, ao engajamento político de um linguista 11q11, nto especialista em linguagem, não é, nem de longe, peculiar 11 111 idiossincrática; ela reflete muito fielmente a postura oficial 11mida pela disciplina desde a sua "reinvenção'', que ocorreu, de e 11e1 com Lyons, com a famosa conferência de Sir William Jones em l /1 li, proferida para os sócios da Asiatic Society, que se reuniram na cl 1ek de Calcutá, Índia. O que é muito importante perceber aqui é 111r • cl sde aquele momento inaugural da linguística, um certo espírito 1 q11ilo que se chama 'cientismo' tem varrido a disciplina. Trata-se 1 11 m desejo de fazer da linguística uma ciência a qualquer custo, 11 111 que isso implique ter que abrir mão de qualquer preocupação 1 111 d m prática - já que, questões de ordem prática (por ex. ensino 11 pl.rnejamento linguístico) envolvem relações entre pessoas, o que 1 vez prejudicaria o tratamento científico daquelas questões. 1 g.1 se de passagem, que pode-se notar uma profunda ironia nessa 111 .1 1 iva da linguística de se distanciar das preocupações de ordem 1 e., posto que em seus primórdios, os gramáticos da antiguidade 43 011 1 r • 111110 t' ll do1 't it'ltl 11 cl.i l 11g11.1gpn1' 1 ltoj • 1 •111pr f r~ rn impul sion ~ d . por mot lvo:1 p 1 1, 16 i s did ti .) Cab lembrar que um dos pilar s d a tese de que as chamadas 'ciências sociais' só se justificam como ciências na medida em que se submetem ao rigor científico próprio das ciências exatas, estas sim, tidas como ciências na plenitude semântica da palavra. O questionamento acerca do caráter científico da linguística deve começar, a meu modo de ver, com um esforço para entender quais os ganhos e as perdas que decorrem da opção de encará-la como ciência natural (como querem alguns - por ex., Chomsky) e não como ciência social (como querem outros - por ex., Halliday). Deve começar escutando vozes como a de Robin Lakoff (1989: 984), que num desabafo próprio de quem não vê outra forma de dar vazão às suas angústias, pergunta se a razão por que queremos que a linguís- tica seja uma ciência é que isso nos traz prestígio ou se haveria, de fato, justificativas independentes para tal opção. O que Lakoff está pondo em discussão é que podemos fazer da linguística o que quisermos que ela seja. Vai depender tão somente de nós, linguistas - aliás sempre foi assim e assim sempre será. Isto é, independentemente de a língua ser ou não um objeto natural, ou seja, algo que, por implicação, se nos impõe enquanto tal, a linguís- tica, enquanto um campo de saber e de pesquisa, é certamente algo criado pelo homem, e o que é moldado pelo homem pode sempre ser redesenhado e refeito de acordo com os anseios da época. Em outras palavras, a constituição da linguística enquanto área de estudo não está à mercê da natureza do objeto que ela estuda, a saber a lingua- gem humana. Enquanto área de estudo, a linguística é, sempre foi e sempre será uma atividade humana, na qual participam indivíduos com seus laços sociais, seus direitos e suas obrigações, e sobretudo seus anseios e interesses, que variam de acordo com o momento histórico em que se encontram. A discussão até aqui nos conduz diretamente a uma questão que vc m cupando o centro das atenções de um número crescente de 44 1 ' 1 1 H 11 1,, 1 11 I • 1 l'r 1 11 ~ltt !I 1 111 • q11i1 i1do1 i: q11t• .1111.1111 11<1 e .1111po d,1 ll11g1111 l lt" (t 1111111 1 1111111111 1 111 111111.1 11 ln 11. , cl 1 lonll,\g1r, 1) . 'l'r t. s l, rl'SJJJlllN1/Jl/lrl11t!t• do e 111 1 t.1, 1 p 'qui '< d r. Um r sposta im diat , n 111t.11Ho, 11g 1111.1, p1td<' , r a d qu o único compromisso do cientista m < v 1rcl.1d11, Â 1 < Hp usabilidade do pesquisador consistiria, de acordo com ssn , m zelar pela verdade das "coisas" que ele estuda. Em seguida, v 1 l, questão de um certo código de conduta. Se a primeira nos põe 11.1 obrigação de não "maquiar" as conclusões de nossas investigações, 11. <> mitir dados relevantes, porém, incômodos que enfraqueceriam nossas hipóteses e assim por diante, a segunda nos ensinaria a 11, o fazer plágios, citar todas as fontes, dar o devido crédito a outros 1111 res que fornecerem os subsídios necessários, sem os quais nossas 111•11quisas não teriam sido possíveis etc. Acontece que a responsabilidade do cientista, do pesquisador, não 1• •sgota nesse "bom samaritanismo acadêmico" - por mais louvável q11 ele seja, e por mais que seja ele um princípio que, na prática, e• <presenta como algo mais frequentemente transgredido do que nli •decido. Existe, a meu ver, algo tão sério e importante quanto o 1 nmpromisso com a verdade. (O que vem a ser essa verdade e como r• l.1 pode ser alcançada é outra questão, que foge às metas estabe- lc•c idas para a presente discussão). Trata-se da responsabilidade do pc•. quisador para com a sociedade que lhe proporciona as condições 111• ssárias de levar adiante suas pesquisas. Trata-se da responsabi- lid.1de social do cientista (do linguista, no caso) num sentido muito 11i.1is profundo do que uma simples questão de "dívida moral" em 11•1. ção aos informantes que tanto nos auxiliam em pesquisas de < .1mpo (cf. Labov, 1982; Cameron et alii, 1993). Conforme já disse, a literatura recente demonstra a clara preocu- 1'•' ão dos pesquisadores de se posicionar a respeito dessas questões. 1!11 mesmo enfrentei uma polêmica bastante acalorada (cf. Rajagopalan, 1' 9b, 1999c; Brumfit, 1999; Widdowson, 1999). O pomo da discórdia 1 .1 seguinte pergunta: é possível adotar um ponto de vista crítico em li11guística? Ou será que a linguística, enquanto ciência, estaria (ou, a 45 1 11 11 e ele 11111110 rigor, lt•v •ri.i H • ) Ht•1nptt 111•ul t,\ 11 .u 111.1 < ,u tOIHl e e• , ~ e . políti o ' id lógi o? Qu 'I st, om proin Lido m ,, l •111 eh> 1 ~' tismo - isto é, a tese de que as ciências sociais e human s só terao pleno êxito na medida em que sigam o caminho trilhado pelas ciências exatas e biológicas - terá certa dificuldade em aceitar a sugestão de que por trás de algumas das nossas reflexões científicas podem se es- conder motivos ideológicos ou de que a linha divisória entre ciência e ideologia, entre teoria e mitologia, entre razão e não senso pode não ser tão nítida quanto muitos gostariam que fosse (cf. Rajagopalan, 1998b). Infelizmente, é fato que, em razão da nossa preocupação de pre- servar ~ caráter impecavelmente científico da nossa disciplina, muitos entre nós temos preferido relegar as mais variadas questões de ordem ética, questões suscitadas por nossas próprias reflexões teóricas, a um segundo plano e, mesmo assim, aos cuidados de outros especialistas como educadores, assistentes sociais, planejadores de políticas linguísticas etc. Com efeito, a própria discussão acerca dos compromissos éticos do pesquisador, a respeito da necessidade de se fazer uma linguística etica- mente consequente, hoje se processa quase exclusivamente na subárea denominada "linguística aplicada" e, mesmo assim, praticamente restrita ao universo discursivo da linguística britânica. Creio que uma linguística eticamente compromissada e consequen- te só estará a nosso alcance se adotarmos uma atitude francamente aberta e ao mesmo tempo crítica em relação aos mais consagrados postulados e princípios que têm norteado os rumos da d~sc~pl~na desde sua "reinvenção" nos moldes atuais, isto é, como uma disoplma moderna. Um fato curioso, aliás, que merece menção especial aqui é o de que, como acontece em todos os demais campos institucionalmente fortes e consagrados do saber, a linguística também demonstra fortes tendências de resistência a todos os esforços, originários em seus próprios meios, de repensar os seus próprios fundamentos. Ou seja, são poucas as tentativas de questionamento dos prin- c pios básicos que conseguem ter algum tipo de repercussão dentro d, 1 omunidade. Como bem assinala Barris (1996: 42), "as disciplinas 11111 .r,iin orno repartições públicas, rechaçando qualquer responsa- 46 h l el.1cl1• 1•111 n•l,1~. o .1 q11,dq11t•r coln,1 q11' 11 , o 1 <'),1 de • e 11 1111 11 11 lvindi • ". u s j., Ili< 1 l > s Lr t d id l s r,Hlic.ll11w11tc 11111v.1d11 t 11, ,1 n i é qu s mpre marginalizá-! s p. r,1 1vit.1 1n.i 011•. p11•)L1 :tos forma pela qual se costumou levar adianl a dis iplin,. P.m1 itar, novamente, Barris: As profissões são, por definição autoperpetuadoras. Elas reivindicam um campo específico de perícia e criam uma metodologia própria. Elas desenvolvem uma terminologia técnica que serve, ao mesmo tempo, para excluir aqueles que se encontram fora e não são acostumados ao campo, e assegurar que apenas as questões que podem ser formuladas com auxílio daquela mesma terminologia possam ser reconhecidas como válidas. Elas estabelecem hierarquias de emprego e monitoram sua própria qualificação profissional. A pesquisa linguística não está imune a esse processo, da mesma forma que qualquer outra área de estudo. A ironia, porém, é que, no caso da linguagem, este sindica- lismo implica estabelecer uma divisão de trabalho que efetivamente perverte o rumo das investigações; ou melhor, serve para garantir que as pesquisas prossigam tão somente em direções convenientes às próprias profissões (Harris, 1996; 30-31). É preciso salientar que Harris não está simplesmente repetindo, de lnrma mais direta, como a "ciência normal" se encarrega de "abafar'', 11.1 medida do possível, os desafios internos, até que, em razão das pn•ssões crescentes e não mais suportáveis, é obrigada a passar por 11ma "revolução" e a consequente instalação de um novo "paradigma" (que, por sua vez, dá início a uma nova contagem regressiva, à espera d1 outra revolução e assim por diante) - tese bastante divulgada que tem como principal fonte de inspiração, Kuhn (1962). Barris Ili r que a questão seja entendida como pertencente à chamada so- lologia do conhecimento e não à epistemologia do saber - ou seja, , t amos lidando não com a questão de como o saber caminha rumo verdade das coisas, não obstante os percalços frequentes, e sim 1 om a questão de como os pesquisadores que compõem determinada 1 omunidade científica organizam sua própria conduta, disciplinando 1•u.s membros, impondo limites a sua liberdade de ação e de pensa- 11wnto, enfim, decidindo de antemão quais as perguntas procedentes q11 podem ser levantadas. 47 l 'tll m i ~ llllHll( llt l•lllo O pt op1 lo l l,11 ti 1 11111 g111p11 cl1 p1 q11 ,•,1 lor 11 q111 1• 11 pl1,1m •111 11c•us liv o ' v m pro111ov1 11do 11111 ttH>vim n o d nomi11,1clo "ir g n ·ionismo" ( f. 11 rris, 1 DH l ; 1 DH'/; 1 D90; llarris e Wolf, 19 8). Este movimento tem como prin ip l m L li vrar as pesquisas linguísticas d' amarras que, com o pretexto de assegurar que a linguística não omece a flutuar sem rumos, acabam de fato impedindo a livre mo- vimentação em direções não previstas. Para Harris, trata-se de uma questão de suma importância, p'ara resgatar o papel de destaque que as pesquisas sobre a linguagem podem e devem desempenhar. Evidentemente, o integracionismo não pode ser visto como a "boa nova" vinda para salvar a disciplina ou para injetar novos ânimos em meio ao marasmo que ameaça se instalar. Porém, acredito que se tra- ta de tendências contemporâneas que não podem ficar à margem das atenções dos nossos pesquisadores - apesar das resistências sobre as quais o próprio Harris nos alerta, conforme discussão anterior.É preciso, no meu entender, escutar com cada vez mais atenção essas vozes que, no mínimo, servem de indícios de que há muita coisa ainda para ser repensada. E, o que é mais importante ainda, é preciso rever . algumas das nossas certezas, ainda que, em razão de terem sobrevivido sem contestação anos a fio, muitas delas possam hoje estar gozando de um "status" privilegiado, comparável a dogmas inquestionáveis que norteiam seitas e outras formas de controle de massas . Gostaria de dar um desfecho às minhas reflexões num tom otimista. Como já apontei anteriormente, há claros sinais de que muitos pesqui- sadores estão se convencendo da consciência social do linguista. Está se formando um amplo consenso em tomo do papel social do linguista e de suas responsabilidades perante a sociedade. Entretanto, ainda é cedo para afirmar que essa tendência redundará numa guinada definitiva. Quem sabe, a mudança do paradigma no campo da linguística que, segundo os cálcu- los feitos por Lyons, deve ocorrer em breve (posto que a última ocorreu quatro décadas atrás), pode bem ter como pripcipal motivo o desejo de tomar as nossas investigações socialmente relevantes. 48 obre a dimensão ética das teorias linguísticas OBJETIVO Este texto tem o objetivo central de formular a hipótese (e não propriamente defendê-la, meta que demandaria muito mais tempo e 1•spaço) de que a questão ética está necessariamente presente no nível dito "propriamente teórico" - isto é, entre outras coisas, até mesmo n escolha do objeto de estudo. No caso da linguística, por exemplo, .1 questão ética se faz presente já no ato inaugural de definir o objeto cl estudo, a linguagem. Um segundo objetivo, não menos importante que o primeiro - na verdade, é esse o objetivo que vai ocupar a maior parte do nosso tempo - é argumentar que, por mais inconsequente que pareça a hipótese acima, sua aceitação tem um preço alto. Pois, se for correta, vai acarretar uma revisão radical de uma série de coisas em que se costuma crer a respeito da linguística, a "ciência da linguagem". A hipótese também vai ao encontro de diversas correntes de pensamento acerca do lugar <la ética na teoria, todas elas de grande prestígio e repercussão. 1. A ÉTICA NA LINGUÍSTICA: A ELABORAÇÃO DE UMA NOVA HIPÓTESE Ao contrário do que frequentemente se pensa, a questão ética se faz presente na própria escolha do objeto de estudo, o gesto inau- 49 1'1111 11~11\ l llhtlll ll1:JI 1111111\ li H1ll~1d M, 111111111' ltl 1 11111 'J 1111 gu, l 1•qu,il1 u ·1111 H • •1Hli11 1< 111 0 ( 1 •11 1 dr< o. 'onv 1111 l(11 11 h1,1r 1uc• d (inir um to d f 1 . i\.ustin (1 62: 1 G2) o in lui fü , l '1' ri, dos expositives, porém fica em dúvida e pergunta se não pertenc ria, ao invés, à categoria dos commissives, que têm por finalidade "compro- meter o locutor com um certo modo de ação no futuro". No caso da linguística, tudo começa pela definição de linguagem. O que é a linguagem? Algo que existe como uma potencialidade, uma capaci- dade, na mente humana? Ou existe, contrariamente, como algo que está materialmente presente - na qualidade de enteléquia, para usar o termo aristotélico - no dia a dia de cada um de nós? Quem tem a posse da linguagem? Um indivíduo concebido idealmente, dotado de atributos que o distingam dos seus primos distantes de carne e osso? Ou será que só faz sentido falar da linguagem em relação a uma comunidade de indivíduos, cujas identidades se revelariam atra- vessadas pelas marcas da rede de relações sociais da qual participam efetiva e inescapavelmente? A habilidade linguística é algo igualmente distribuído entre todos numa comunidade? Ou será que há diferenças entre subgrupos de uma mesma comunidade? Todas as línguas estão em pé de igualdade do ponto de vista funcional? Ou algumas seriam mais bem dotadas que outras para desempenhar as mesmas funções? Questões como as relacionadas acima não dizem respeito a meras opções teóricas iniciais, ou a simples pontos de partida. A escolha entre as diferentes respostas possíveis a cada uma delas é, em última análise, determinada pela filiação do teórico a essa ou aquela ideo- logia, algo que é, infelizmente, ignorado com frequência por razões que discutiremos adiante. O sujeito da linguagem, como indivíduo dotado de livre-arbítrio e de uma potencialidade que lhe é geneticamente assegurada, é a marca registrada do pensamento liberal. Dentro dessa concepção, o homo loquens é antes um ser solitário, porém autossuficient'e. A questão social só viria posteriormente, pois a sociedade nada mais é ~o que um agrupamento voluntário de indivíduos autossuficientes, )U seja, um estilo de vida inteiramente dispensável. O modelo de 50 l111111e •111 Ili' 1 .1 1 OIH l'P\• li id1•11l1>j 1,i1 ,\ cl ,1 lillj',ll.lj',1 '1111 1 11 111 1 1111 I)' 111 rl1 l<nl>i 1rno11 'runcw, cio to111.11H , t.1 in il s 1 • 1 i 1 Dt•lo1• < 111, 1 11cl 1, 11 d1 'I' 11:1.,111 1 d JJ. R. lhtrroll! 11 8. Ambo s s p 'Y80n.11•,t•11 11HI1 nl 11 111 p11 1 , lt, d conviv n ia ocial. O simples fato d 1 'rlt•rH •11•111 . 1.1~.i lt 11rn , na garante-lhes plenas condições de se integrar '111 , 80 iNl.1d1• lt 11 111 na, apesar dos percalços que cada um enfrenta e por for , los q 11,iis fica privado do convívio social com os pares. São várias as teorias linguísticas que postulam o sujeito da linguagem 111•11ses moldes. Por motivos de espaço, uma discussão detalhada deve ser po.'t rgada para outras oportunidades. Porém, o leitor pode facilmente 1l11ntificar traços dessa concepção do homem em algumas das abordagens 11 <'>ricas de grande prestígio na linguística. Note-se que, quando se postula 11 11ujeito da linguagem nesses termos, a concepção de comunicação que 11 . campanha também carrega marcas bem distintas. A comunicação é 1• 11 Lendida como um esforço cooperativo entre indivíduos constituídos c• m termos autônomos, com regras preestabelecidas de comum acordo, 1 m prol de interesses comuns. Eventuais falhas na comunicação seriam .w xceções, sempre passíveis de ser corrigidas. Sendo os sujeitos da lin- p,11 gem seres racionais por definição, em pleno controle de si e de seus pt•nsamentos, o processo de comunicação seria algo inteiramente explicável 1 m. termos racionais, por exemplo, com a ajuda da chamada game theory. Só para contrastar com a postura acima descrita e colocá-la em n•levo, vale a pena lembrar concepções alternativas do homem nas quais ele é visto antes e sobretudo como um ser social. O social 1wssas concepções é visto como um atributo essencial do homem, à ua própria natureza. As implicações dessa guinada são muitas e de longo alcance. A linguagem torna-se algo pertencente à comunidad , não a indivíduos concebidos isolada e independentemente. Em v z cl o conceito de linguagem entrar como um primitivo na teoria d < omunicação, esta sim é que vai servir de base para pensar a própria linguagem. Em vez de a linguagem - já definida em termos ind p n- cl ntes - ser vista como um instrumento de comunicação, a função 1 omunicativa pàssa a ser encarada como a razão de ser da linguagem. 51 l iv cl1•11t1'l11t•1111, c'I , , '' }', 11110 ,1 f 1111,11 qu ,1 111.tl 1 v.11 .1 l.w ,1bo 1 g 11 l óri < s .•01> 1 .1 ll11~•, 11,1gt•111 lnv. ri, v lm ' IH 1 s •n , ix{ m num ou noutra p rsp Liv i l 16 i . Nos últimos t mpos, t mos presenciado mudanças fundamentais nas posições ideológicas histo- ricamente consagradas. No lugar de posições ideológicas nitidamente delineadas, o que com frequência encontramos no cenário político de hoje são posturas 'mistas', sendo que os grandes '-ismos' (capitalismo, socialismo, absolutismo, anarquismo, comunismo, e assim por diante) de outras épocas apenas servem hoje em dia como pontos imaginários de referência, já que cada vez mais está se tomando difícil encontrar quem se identifique plenamente com qualquer um deles. O surgimento das novas ideologias 'híbridas' nãoinvalida a hipótese levantada no início deste trabalho; só torna mais difícil a caracterização precisa de cada uma e, em nosso caso, também torna mais complicada a tarefa· de detectar as implicações ideológicas das teorias . linguísticas que estão sendo veiculadas. Tendo formulado a hipótese, ainda que na forma de rápidas pinceladas, gostaria de me dirigir ao segundo objetivo deste trabalho, que é o de indagar por que a questão ética (a ideologia é entendida no âmbito deste trabalho como categoria subjacente à questão ética) não tem sido devidamente enfocada na literatura pertinente. Argu- mentarei a seguir que algumas das principais tendêndas na chamada filosofia de ciência desautorizam a hipótese. 2. A CIÊNCIA E A QUESTÃO ÉTICA: TRÊS CORRENTES DISTINTAS Para situar a hipótese deste trabalho no contexto da filosofia da ciência, gostaria de distinguir três posturas em relação à teoria e à ética que denominarei racionalista, pragmatista e marxista. (É evidente que se trata apenas de três rótulos que não descrevem necessariamente cada uma das correntes de pensamento - tanto racionalismo como o marxismo admitem variantes internas; pelo primeiro termo entendemos tão somente a corrente anti-historicista 52 ----- n 1f'f n1 rrrt P rJTn T I n1 (1 r '1'111il111i11, t !)~lU), ,111 p.11. o qut• 1u11lt ,11 d.11 t 0 111 •1111 ele 111• 11 11111 111 11 q111 • .a• .wt o l 1 omin , m " 1 0 1 • xis t, " ( í. M Cow.111, 1!l!l 1) 111 d 1 1110t h 1 •ri m1 l s gund r tulo.Ems guid ,L nl ,11 • 111111il1.11 q111• 1 11os. hipót s s choca com cada uma dessas p slur. s. 2.1. A corrente racionalista Comecemos por uma simples constatação: que toda e qualquer 1 e oria científica é passível de apreciação do ponto de vista ético pode p.1r cer, à primeira vista, um tanto óbvio e sem quaisquer desdobra- llH ntos posteriores. De maneira geral, porém, o que se entende por 11111 afirmação como essa é que toda postura científica pode ter con- •11•quências éticas, ou seja, uma teoria cientificamente bem concebida ,, 11laborada poderá provocar certos efeitos concretos, porém, se esses c• f Pitos vão ser benéficos ou maléficos depende, segundo essa mesma corrente de opinião, não da teoria em si, mas do uso que dela se faz. A t oria em si é neutra e indiferente em relação a eventuais aplicações 11 s . Ou seja, não há ética em nível teórico; só na hora de aplicar a l 1 ria é que se pode levantar a questão da ética. Um exemplo típico desse modo de raciocínio é o caso dos cien- t i. tas em Los Alamos envolvidos no projeto Manhattan que, tendo 1 omprovado, pela primeira vez, a possibilidade da fissão nuclear (e ,, onsequente liberação repentina de uma quantidade enorme de n rgia), nada teriam a ver com o uso militar que se fez no rastro d.1 sua descoberta. Da mesma forma, poder-se-ia argumentar que dl'terminada teoria linguística e a concepção da linguagem que r• l.1 legitima e nutre não podem ser responsabilizadas pelas con- 11quências desastrosas de um plano ·de ação prática (digamos, um programa de ensino ou planejamento linguístico) desencadeado a p.Htir das mesmas. Assim como o físico nuclear, o linguista teórico t.1mbém estaria totalmente isento de qualquer obrigação moral no que tange ao uso efetivo que porventura possa vir a ser feito de 11 s descobertas científicas; descobertas estas feitas presumivel- 111 nte com o único intuito de desvendar as verdades e não o de l t rmsformar o mundo. 53 1 IJI li 1 l lllttl!J Ili 11111 l IHl11I 1 1'11 11'1 l'fllll r Ili 1 1111 1 11 1111 Podt•1110H < h.11 11 .1 1 d1 • ' 1.11 011.d 1.1' 1 p<>Hl u ,1 d1 •l 11t •. 1d.1 .H 111 1,1, n, m did m qu , 1 crnt, 1i.1 1 o slbili I, 1' d um, r, ion, lidt1d n o voltada a interesses práti os, qu inoc nta a razão d qualqu r consequência prática. 2.2. A resposta pragmatista Em tempos mais recentes, o filósofo norte-americano Richard Rorty tem se notabilizado por advogar uma posição visceralmente contrária à postura resumida no parágrafo acima. Identificando-se com o movimento pragmatista (corrente filosófica que se iniciou com Charles Sanders Peirce e teve entre seus maiores defensores estudiosos como William James e James Dewey), Rorty argumenta que teoria alguma tem consequências. Para ele, a ideia de que a teoria possa moldar os acontecimentos jamais passou de um sonho; e o sonho já acabou. Com isso, também a nossa tradição filosófica está com os dias contados. Em nossos tempos "pós- -analíticos" e "pós-metafísicos", tudo o que resta é filosofar, se é que ainda temos vontade de continuar a fazê-lo, como um simples passatempo, como qualquer outro, cuja única finalidade seria a de cuidar dos laços de solidariedade entre os cidadãos. Para Rorty, junto com o sonho da filo- sofia (leia-se, de forma mais abrangente, de toda teoria) , acabou também qualquer esperança de fundamentar uma ética com base na metafísica. 2.3. A alternativa marxista Em sua obra A miséria da fzlosofza, Marx (184 7) já havia se posicio- nado visceralmente contra a corrente que identificamos como 'raciona- lista' . Contra a tese de que a razão seja algo atemporal, supra-histórico, e da ordem de um pensamento incorpóreo, Marx foi contundente em sua posição, inspirada em Hegel, porém reinterpretada nos moldes materialistas, de que a razão se constitui através da história. Contra o descompromisso ético publicamente assumido e alardeado pela tradição r cionalista, Marx foi igualmente insistente em sua tese de que uma íi 1 sofia não voltada para a práxis, que não se interesse em transformar 11 inundo, não teria nenhuma serventia. Como se lê na inscrição sobre a 54 l!H H 1 1• l 1 11! 1' •li 11'1 111 P \!! l 11 111 l 111111>.1 •111 l.n11tl11 · '/'Ili' 11!1//w1011'11 •u1 h11v1 •1J11/ /1111 •11111•11•,/ tfo 11 111,/,/ 11 11,11 /<rns woys; t 111' 1wt111, how1 •111 r, i. · to chonp.11 it. , COMBNTÁRIOS SOBRB AS TRÊS CORRBNTBS 1 fácil verificar que das t rês correntes de pensamento que ver- 11 n obre o comprom etimento ético ou não de uma teoria, as duas pt ltn iras, a racionalista e a pragmatista, são unânimes em rechaçar q1 1,1lquer vinculação entre ciência e ética (ou ideologia). Contudo, os 111 otivos são bem diferentes . Para a corrente racionalista, nenhuma 1 r•oria terá implicações éticas diretas, porque a ciência lida com os "f.1Los" , ao passo que na étiça estamos lidando com os "valores", e mplesmente não há como derivar enunciados que contêm termos d11 valor a partir de enunciados que dizem respeito a fatos . Para a corrente pragmatista, por outro lado, nenhuma teoria t1•rá consequências éticas, simplesmente porque o próprio conceito 1 IP teoria acha-se despojado de todo o brilho de outrora. Ao contrário do que se pensava em outras épocas, nem a ontologia e nem a epis- l 1 mologia estão aí para avalizar qualquer posição ética nos tempos pós-metafísicos que estaríamos vivendo. Finalmente, a corrente que identificamos como marxista distin- y,ue-se das duas primeiras ao pleitear que a teoria (ou se se quiser, .1 ciência ou a filosofia) deve estar voltada para fins práticos, que Incluem a transformação da própria realidade com a qual t rabalha. S m dúvida, trata-se da única entre as três correntes que nos permi- 1 <' pensar a questão do compromisso ético de uma teoria linguística qualquer. Há, porém, um empecilho . A abordagem marxista também prevê a possibilidade da existência de teorias descompromissadas ( f. Haldane, 1930). Toda a crítica que Marx dirigiu em sua obra A miséria da filosofia tem como alvo, justamente, esse tipo de filosofia. No caso de teorias linguísticas isso significaria que (a) é possível que exista uma teoria linguística que seja eticamente neutra e (b) tomá-la eticamente sensível seria uma questão de opção metateórica. 55 1111 11 llMll l ll H1llf Ili f\ 1 llflll li . l llil ll l/\l1l ·M, 1111 N l lll Alll 1 f\ IJlll 1 11 111 r , s l v d, , p d. 1 Lrn, , hipó ,La l iu.11 " 1• l,d)()n.1 1Y1 ' n início deste trabalho, vai d ncontro a ambas ss ' lm t li çõ da postura m arxist_a (cf. Rajagopalan, 1995 para uma discussão por menorizada sobre essa questão) . Nossa hipótese prevê que todas as teorias sobre a linguagem ne- cessariamente contêm marcas de determinado posicionamento ideoló- gico ou outro por parte de quem as constrói e, por conseguinte, terão necessariamente implicações éticas. Ao contrário do que se depreende da posição marxista, a escolha não estaria, em momento algum, entre uma teoria eticamente dimensionada e outra eticamente neutra e descompromissada; estaria sempre entre teorias, todas elas com claras implicações éticas. Em outras palavras, em nenhum momento estaría- mos pensando a linguagem em termos etico-ideologicamente neutros. Na medida em que todo posicionamento ético envolve a defesa de certos valores em oposição a outros, ou seja, a hierarquização de valores, a hipótese tal qual se acha formulada neste trabalho redunda em que todas as distinções são no fundo hierarquias (às vezes muito bem disfarçadas ou 'maquiadas') . No caso da linguística, aqui estão alguns exemplos mais ilustrativos: língua vs. dialeto, língua vs. fala, fala vs. escrita, locutor vs. destinatário, língua materna vs. língua estrangeira, (falante) nativo vs. estrangeiro, e assim por diante. Para finalizar, que destino teria a · mais celebrada de todas as distinções metateóricas que qualquer calouro no campo da linguística é invariavelmente convidado a aceitar - a saber, a distinção entre um saber descritivo e um saber prescritivo? Bem, ser prescritivo não seria mais o exclusivo privilégio dúbio dos gramáticos tradicionais, os pobres coitados que já foram explorados como 'sacos de pancada' pela moderna ciência da linguagem, a linguística! _JLJ identidade linguística m um mundo globalizado Queiramos ou não, vivemos num mundo globalizado. Entre 11 1t1 , coisas, isso significa que os destinos dos diferentes povos que li 1liit ma terra se encontram cada vez mais interligados e imbricados 11w nos outros - fenômeno que vem sendo chamado de "transna- 111 11 ,\lização" da nossa vida cultural e econômica (Robins, 1997). O 11 t 1 o lado dessa mesma moeda se chama "desterritorialização" das 1 r • o s - que, por motivos diversos, tornam-se, em número cada 'I. m ior, cidadãs do murido - e suas práticas identitárias (Krause H1• nwick, 1996). Essa nova relação entre as pessoas das diferentes v,lc ( s do mundo, das mais variadas etnias e línguas, de histórias e d 1ç ões diferentes, se deu como consequência imediata do rompi- 111 11 I o das barreiras que, até pouco tempo atrás, pareciam intranspo- 1lv1 1, serviam de impedimento a qualquer forma de aproximação Ili 11 os povos, a não ser com propósitos nada amigáveis . Estou m e l 1 t i ndo às inúmeras barreiras comerciais, econômicas, culturais e 11 l l rições à livre circulação de informações entre países, barreiras I"' e Hl , o desmoronando com rapidez impressionante. li 1 ro que seria demasiado ingênuo concluir que o mundo que 1 e m rgir da derrocada da velha ordem vai estar o mais próximo 1 " lvc •I 1' um paraíso terrestre, livre das dissensões e dos atritos qtH' 1t 1t\ ,, 11111 o 1Lrcw lt 1111pw 11 , o t. o tt •11 w to . '0 111 e tl1• ;.i:, 1, ,1 <Ili• l.1 d muro B rlim n. si 1nlfi ot1 o c>1 d L d nL. d~ paz mundial duradoura, como claram nte o demonstram as tensões qu ainda persistem em diferentes partes do mundo, bem como os fre quentes conflitos armados que ocorreram no curto espaço de tempo desde 1989. Também não nos podemos contentar com o fim da era do imperialismo e de seu avesso, o colonialismo, mais ou menos em meados do século XX, com a independência em série de dezenas de colônias europeias na África e na Ásia. Seria temerário e irresponsável concluir que o espírito do imperialismo e do colonialismo passou para as páginas da história. Em conferência proferida na Universidade de York, em Toronto, Canadá, em fevereiro de 1993, o critico literário e comentarista político Edward Said (1993) acusa os EUA de persistir em suas pretensões imperialistas, lembrando que o fenômeno "Estados Unidos" foi, desde o seu começo, fundado na ideia de um imperium. Foi fundado como um império, um estado soberano que se expandiria em população e território e aumento de poderio. E acrescenta: Curiosamente, porém, tão influente tem sido o discurso que insiste na especificidade [norte]americana, em seu altruísmo, e nas oportu- nidades [que o país oferece], que o imperialismo nos Estados Unidos, quer enquanto palavra quer como ideologia, tem aparecido rara e só recentemente em discussões sobre a cultura, política e história dos EUA Ou seja, Said está nos alertando sobre a prevalência de um cer- to discurso que só serve para camuflar as verdadeiras intenções de certos governantes; persegue-se a velha política expansionista, porém agora disfarçada de interesse altruísta. As relações internacionais ainda continuam como sempre foram: uma luta de foice onde se salva apenas quem tem "maior poder de barganha". As tensões e os frequentes desentendimentos entre povos, ao que tudo indica, não vão desaparecer como num passe de mágica. Talvez, até seja utópico d mais esperar que isso ocorra, se admitirmos a hipótese de que a 1 ropensão à violência faz parte da própria natureza humana. 58 () 1111 li 1 1 t>pOI li O Ili ' l 1• ( ol j>ll lllo 11 1 O • 1td,1j•,olt •I 1• I 1 111 t lll rt ilc .111 1• o :wnho .rntlgo cl .1 ",1ld 11, 1'1 b, I". :o. t ,11i,1 .1pc• 11 ,1 d1• 1 1 11 1 tlgum, Sr fl X 'S, ' IH puro ·pirito Sp ul, tiv , a t'HP •ln d.1~ 11111 rl.111 • s qu sinto star m em curso na identidad lingufsli 11 "'' c,1d,1 11111 cl nós como resultado da globalização. Digo desde já, a lftulo d 1111 ipação de minha principal conclusão, que nunca na história da l111n1 nidade a identidade linguística das pessoas esteve tão sujeita e nrno nos dias de hoje às influências estrangeiras. Volatilidade e insta- l11li dade tornaram-se as marcas registradas das identidades no mundo p<>s-moderno. Nossas vidas estão sendo cada vez mais literalmente ttv didas pelas informações advindas de fontes de todos os tipos, ,1lgumas bem-vindas, outras nem tanto. A internet nivelou em grande p.1rte as desigualdades que existiam entre o centro e a periferia no que tt speita ao acesso às informações, como cada vez mais estão desco- hri ndo, com espanto, os governantes autocráticos e inescrupulosos em v. rias partes do mundo que historicamente se valeram da possibilidade ri<' reter informações ou até mesmo do instrumento igualmente eficaz dt1 desinformação proposital para manter-se no poder. A radiodifusão e .1 televisão via satélite tornaram possível a transmissão de notícias em 1 t>tnpo real. Hoje, principalmente nas populações urbanas do mundo Inteiro, só vive desinformado quem quer se isolar do resto do mundo por vontade própria, sendo que os inúmeros cartazes e outdoors espa- 1 h, dos em lugares públicos e outras formas de propaganda agressiva tinda se esforçam para que o nosso "ludita" contumaz deixe de realizar t'U sonho em plenitude. Estamos vivendo a era da informação - hoje ornos o que sabemos. E a linguagem está no epicentro deste verdadeiro 1balo sísmico que está em curso na maneira de lidar com as nos~as vidas e as nossas identidades. Se a identidade linguística está em cris , 1. so se deve, de um lado, ao excesso de informações que nos circunda t•, por outro lado, às instabilidades e contradições que caracterizam tanto a linguagem na era da informação como as próprias r Jaçõ s ntre os povos e as pessoas. Tenho plena consciência de que estou propondo algo qu c rta- mente incomodará muitos dos meus leitores, uma vez que a perda de 59 l Ili llf\ H!Pllll 111 !'\ 1 1 Ili l h•11t l l.1cl • <' 11101 Ivo ele• .111)\ll l " 11111 q11 ,ilq111•t 11 t11 . 1 ~. o. N 1 v<•tcl.1d •, t m nh a ngúLi._ 1u 1 limo j. <1111, p r, n m mLiilos s l r s que, como bem ressalta Samu l llunlington (1997), pod mos cons tatar duas tendências, contraditórias entre si, em franca expansão: a globalização e a regionalização. A segunda se processa à revelia ou, talvez em resposta direta à primeira. Em suas próprias palavras, Nesse mundo novo, a política local é a política da etnia, e a política mundial é a política das civilizações. A rivalidade das superpotências é substituída pelo choque das civilizações (Huntington, 1997: 21) . Isto é, ao mesmo tempo em que se fala em interesses globais, as nações estão procurando cada vez mais cuidar dos · interesses regio- nais, haja vista a formação de zonas livres de comércio internacional, dentre as quais o Mercosul. Huntington cita em prol da sua tese a atitude de países como a Rússia, a Polônia, a Hungria, e a Grécia que, durante a guerra do Kosovo, não escondiam sua simpatia para com a Iugoslávia, colocando acima dos seus compromissos 'globais' interesses locais como a etnia (eslava) ou a religião (ortodoxa), mesmo tendo oficialmente endossado os bombardeios da OTAN. Huntington entende que já se foi o tempo em que os países se submetiam aos interesses alheios por motivos de vantagens imediatas ou em razão da incapacidade de se autoafirmar. As relações internacionais continuam a ser conturbadas, cheias de tensões e contradições. A política mundial está sendo configurada seguindo linhas cultu- rais e civilizacionais. Nesse mundo, os conflitos mais abrangentes, importantes e perigosos não se darão entre classes sociais, ricos e pobres, ou entre outros grupos definidos em termos econômicos, mas sim, entre povos pertencentes a diferentes entidades culturais. As guerras tribais e os conflitos étnicos irão ocorrer no seio das civilizações (Huntington, 1997: 21). A análise de Huntington tem muito a ver com a identidade linguística que está se formando no mundo inteiro. Por um lado, ela mostra marcas inconfundíveis da globalização que, segundo alguns r ticos, não passa de um eufemismo para a "estadunização" ou uma 60 1111v,101dc•111 1111111cl ,d oi> .1 •')\ 11 • d.1 "P,1x (Nml<• )/\111e'1 1 .1 11 i" :; du• 1, prn l'X 1 mp lo , (li <' O 1 IV 1ltl~O l ri tnf, 11l l. lfn •U,1 i11glt'lld 11111111 111 •o pt< f t1r id d omun i , , int rn cional s H d •m i línguas do mundo. Em tom propositadam nt , 1, rm, 1H <', l'hlllipson (1992) discute o fenômeno de "imperialismo linguístico" L1l.1 d "invasão linguística" a que vêm sendo submetidas as demais 11.1 õ s, mediante os empréstimos linguísticos em grandes quantidades. l l.1 quem fale em termos de "glotofagia" (Calvet, 1974), "linguicídio", "111atança linguística'', "canibalismo linguístico" (Phillipson e Skutnabb- 1 .ll'lgas, 1995) e "genocídio linguístico" (Day, 1980) etc., termos que, por si sós, contribuem para desenhar um quadro macabro e desolador. Em termos mais ousados ainda, Pennycook (1998) alega que tanto a 1111 'liª inglesa como a disciplina que se diz interessada em questões 1 nguísticas - a linguística - estão impregnadas da ideologia de 1 nlonização (voltaremos a essa questão adiante). Por outro lado, há também claros sinais de reação. Da mesma forma que prevalecem, conforme Huntington, tendências opostas e 1 ontraditórias de globalização e regionalização na esfera das relações 1111 rnacionais, a identidade linguística do cidadão do mundo globali- :r..1do também se acha rasgada ao meio pelas forças de submissão ao poder avassalador da influência estrangeira (representada pela língua Inglesa) e de resistência e enfrentamento com ingerências sofridas. A rr ente mobilização política contra estrangeirismos em diversos países, ln lusive o Brasil, pode ser vista como uma forma de enfrentamento, Inda que a ideia de que um punhado de leis e regulamentos locais 1 >ssa conter algo que ocorre em nível global pareça um tanto qui- xotesca. O fenômeno que merece maior atenção por parte de todos o interessados no assunto é a formação de focos de resistência bem mnis fundamentada em diferentes partes do mundo (Canagarajah, 1 ~)99) e a importância que a chamada pedagogia crítica assume cada Vt z mais nessa empreitada. Contrariamente aos políticos e demagogos 111 querem faturar resultados imediatos incitando a opinião pública ontra todas as influências estrangeiras e pregando uma espécie de li. uvinismo linguístico como antídoto, esses pesquisadores advogam 61 l 'lllJ IJ 111 11111 Ull 111 li 1 1'111 lllll.1 .1lit11dt1 llHtÍlo 111 ,il: N. 1di.1, qut• (()li i lt• ('111 i11v1 •1 lit (,Hl.1 Vt'!l. 111 .lil n s slr, l gi s tl' "•mpow rm •nt" provicl n i< r m lh or s ondiÇÕ('n para enfrentar o adversário em seu t erreno, em vez de s escondct por trás de uma muralha de autoisolamento. O traço mais visível da identidade linguística nesses tempos pós -modernos é a mestiçagem, da qual nenhuma língua escapa hoje em dia. Durante muito tempo, a linguística relutou contra a possibilidade de as línguas se influenciarem de outra maneira que não mediante , cadeia evolutiva. A chamada areal linguistics, segundo a qual as línguas faladas em regiões geograficamente contíguas podem, com o passar do tempo, influenciar uma à outra, ainda encontra focos de desconfiança e rejeição, apesar de trabalhos clássicos como o de Emeneau (1956) e, mais recentes como Thomason e Kaufman (1988). A linguística moderna ainda não conseguiu se desvencilhar da ideia de que as únicas mudanças que ocorrem ao longo da trajetória das línguas particulares devam-se a causas intrassistêmicas, isto é, a mudanças motivadas por fatores internos, genéticos. Trata-se de uma herança da chamada linguística comparativa que floresceu no século XIX. É uma ideia sutilmente preconceituosa - embora a maioria de seus defensores não tenha, ao que gostaria de crer, parado para pensar sobre isso - porque é alimentada pelo mesmo desejo de pureza e pelo mesmo medo de mestiçagem que costumam dar origem a outras formas de preconceito como racismo. Max Muller (apud Thomason e Kaufman, 1988: 1) foi taxativo em sua afirmação de que não pode haver línguas mistas. Isso nos conduz de volta a Pennycook, para quem a linguística, tal qual se encontra hoje, ainda permanece imbuída de ideias pre- conceituosas advindas da época do colonialismo. Talvez devamos ir mais longe ainda e afirmar, como faz Hutton (1996), que, enquanto disciplina acadêmica, a linguística ainda carrega traços de sua origem no século XIX. Afinal, foi no século XIX que não só o imperialismo uropeu atingiu seu ápice, mas, inebriado pelo espírito do Iluminis- mo, a identidade do homem dito "emancipado" adquiriu os matizes 62 d11 l11cl vld11.dl1111t1 1ix.11t1 h.1do t cl,1 .itrog. 11çl,1 1•1n tt'l ,1\ • o 110 , IH'lll 1i.111•N t' , M, • N.1Lun•:1.,1. ll pr iso r • onh r que a linguística - tal qual se encontra hoj 1•st mal equipada para nos fornecer subsídios para falar da iden- 1 1 l.Hl humana em nosso tempo de globalização. Parte da dificuldade 111 , eitar a tese de que nossa identidade linguística se caracteriza pn instabilidades talvez tenha a ver com o fato de que simplesmente 11 , o há lugar para um falante com tal perfil no mundo da linguística, 1111d as eventuais instabilidades são tipicamente tratadas ou como i 11 , is de desvio ou como evidenciando simples falta de competência (1 ,, o de falantes estrangeiros e pessoas portadoras de deficiências) 1111 orno marcas de estágios passageiros (caso de crianças e falantes d1 "pidgins") (Rajagopalan, 1997b, 1998a). Contudo, as instabilida- d1 8 têm sua origem naquilo que Bakhtin (1981) chama de "as forças 1 l'lltrífugas na vida da linguagem". Diz Bakhtin (1981: 273): A linguística, a estilística e a filosofia da linguagem que nasceram e foram forjadas pela corrente das tendências centralizadoras na vida da linguagem têm ignorado a heteroglossia dialógica na qual estão incorporadasas forças centrífugas na vida da linguagem. Por este motivo, elas não foram capazes de acomodar a natureza dialógica da linguagem, que é uma luta entre pontos de vista sociolinguís- ticos, e não uma luta intralinguística entre vontades individuais e contradições lógicas. . Ou seja, o falante que o linguista quer celebrar é o falante ide- 1, não contaminado pelo contato com os outros, uma espécie de bom selvagem (Rajagopalan, 1997a). O bom selvagem nunca saiu do mundo imaginário do seu criador Jean-Jacques Rousseau, para pisar na terra dos mortais comuns. Pelo que se vê, as chances de s d parar com ele em nosso mundo pós-moderno globalizado são cada vez mais remotas. 63 l íngua estrangeira autoestima No contexto de ensino de língua estrangeira, uma das per- 'tlntas quase nunca feitas pelos pesquisadores e professores é: "Por que é que os alunos querem aprender uma língua estrangeira?" Não difícil adivinhar o porquê de tamanho descaso e desinteresse em , ber algo que com certeza deveria nortear a elaboração de currículos 1 conteúdos curriculares, a adoção de metodologias apropriadas e a fixação de metas a ser alcançadas. O simples fato é que, com raríssi- mas exceções, sempre se pensou que só pode haver um único motivo pn.ra alguém querer aprender uma língua estrangeira: o acesso a um mundo melhor. As pessoas se dedicam à tarefa de aprender línguas strangeiras porque querem subir na vida. A língua estrangeira sempre r presentou prestígio. Quem domina uma língua estrangeira é admi- rado como pessoa culta e distinta. Tanto isso é verdade que a palavra 11 strangeira" é comumente reservada para qualificar uma outra língua que conta com mais respeitabilidade que a língua materna de quem f, la - por mais incrível que isso pareça à primeira vista! A maior prova disso é que, quando a língua é considerada de menor prestígio, quase sempre qualificada como "exótica" ou até mesmo como um "dialeto", e não como uma "língua" propriamente dita (a esse r sp ito, vale a pena lembrar o velho ditado que diz: uma língua é um dialeto riue conta com um exército e uma marinha). 65 ' ' ' ' ' ' " ~ 1 .,, l 1 1 t ,. 1 Ui• li 1 ' li 1 l li 1 ll I'! ' 11111 j 1 1 f li J 1\ .d do Ili ' . ll g11 111 do 111.1 de l.1 .H lm 111 tod o: lt- <• 11 11! 110 d<• lfngu tr ng ir 1 g , 1 11 o 1 rnllno d, S Jundt rr. Mundit 1 - como o método audiolingu l - [ r m ap rf içoados a partir das experiências acumuladas através do estudo de línguas "exóticas". Na primeira metade do século XX, quando o ensino de línguas estrangeiras adquiriu importância estratégica para os Estados Unidos, em grande parte como resultado das necessidades impostas pelas duas grandes guerras, a linguística - sobretudo nos EUA - quase exclusivamente se resumia ao estudo de línguas "exóticas". A expressão "linguista da selva" (jungle linguist), cunhada pelo filósofo Willard Quine, se refere precisamente a essa característica distintiva da linguística da época. Quando requisitados para desenvolver métodos e técnicas para ensi- nar línguas estrangeiras em um curto espaço de tempo, os linguistas simplesmente transferiam para o campo de ensino o conhecimento acumulado das línguas indígenas/exóticas (Rajagopalan, no prelo-2). Entretanto, a diferença crucial entre línguas "exóticas" e línguas "estrangeiras" continuou intacta. Afinal, trata-se, não de uma dife- rença objetiva, mas de uma diferença dependente de uma escala de valores. Trata-se, em outras palavras, de uma distinção com fortes conotações ideológicas. Como vêm chamando a nossa atenção auto- res como Phillipson (1992) e Pennycook (1994, 1998), o ensino de línguas estrangeiras sempre teve uma dimensão fortemente colonia- lista. Phillipson (1992: 4 7) entende que o imperialismo linguístico faz parte daquilo que se convencionou chamar de "linguicismo", termo este que se refere "às ideologias, estruturas e práticas que são mo- bilizadas para legitimar, efetuar, e reproduzir uma divisão desigual de poder e recursos (tanto material como não material) entre grupos demarcados com base linguística". Não seria difícil demonstrar que a linguística enquanto disciplina moderna é herdeira da antropologia na forma como esta se desen- volveu no século XIX. A piada recorrente a respeito da antropologia elo século XIX, segundo a qual antropologia seria fruto do olhar do h m m branco em direção ao índio (sendo o contrário considerado 66 11111ic) 111lol11l',l1), 11.1 v1•11l,11 l1 • de• l.1 ,, o vit•. colo11 d 11q111,111111 111 q11 IH i,\, m 1rcou 11111!101 clrn <11 t ucl >.· f ilos n 'H. <' e ,1111p11 d1• p1• qtd t, N. o 1 .•tr< 1 ht1r, 1 ort, 1 Lo, qu a linguísti , t,\1111> 111 d1•111011 l 11 11 11quf i s d id l gi qu tanto influenciou sua <lis iplin,1 111. l' . Voltando ao nosso ponto inicial, a principal diferença, cm t r- 111os práticos, entre uma língua "exótica" e uma língua "estrangeira" u melhor, entre considerar determinada língua como a primeira nu segunda - está em que, no caso da primeira, nosso interesse 1'111 estudá-la se resume a uma curiosidade científica - o prazer de 1 onhecer o estranho e o mítico - ao passo que, no caso da segunda, omos movidos pelo desejo de ampliar os nossos horizontes culturais, 1111 nos lançar a um melhor nível de · vida - em suma, de tirar pro- v •ito do contato com algo previamente entendido e encarado como 1 ttperior ao que já possuímos. É por este motivo que, no caso das línguas estrangeiras, sempre . ' fixou como meta para os esforços didáticos nada mais nada menos que a aquisição de uma competência perfeita, entendendo-se por com- p tência perfeita o domínio que o falante nativo supostamente possui ela sua língua. Aliás, a partir da chamada revolução chomskiana na lin- guística, tornou-se redundante qualificar a competência como perfeita. A competência do falante nativo de um idioma dado, segundo a visão t órica de Chomsky, é perfeita. O falante nativo sabe a sua língua, e pronto. De acordo com essa cartilha, cabe ao aprendiz de língua es- trangeira fazer o possível para se aproximar da competência do nativo. No entanto, havia também um corolário da premissa inicial - não explicitado como tal, mas sempre tomado como um pressuposto no campo de ensino de línguas: nenhum falante não nativo jamais pode sonhar em adquirir um domínio perfeito do idioma. Isso natu- ralmente levou à consequência de que o ensino de língua estrangeira fosse, durante muito tempo, considerado um empreendimento com um objetivo inatingível - não só na prática, como também em princípio. Daí as constantes propostas de melhorar a autenticidade do material didático na esperança de que a distância entre o objetivo almejado e o resultado efetivamente alcançado fosse cada vez mais diminuído. 67 , J.1 .11gi111w11t1 1i1• 111nt1t11 111111111111 d.1d1 1 qu 1 o p1up11u <OlHt•lto f. J< l l 1 t1t1Liv , lgo idt•olo~', < .i1111 111t 1 • Wi f 1il (1 íljc 'ºI • 1. n, 1997,, 1997b). Contrariam nt ÍI ur,1 1 n, tiv qu , na poca áur da lin guística estrutural era encarada como uma espécie de "bom selvagem", o nativo que emergiu do modelo chomskiano foi um ser cartesiana- mente onipotente. Em matéria de ensino de língua estrangeira, tal concepção do nativo, marcada por um grau de veneração desmedida, só deu ampla vazão à ideologia neocolonialista que sempre pautou o empreendimento. O que se viu foi uma verdadeira "apoteose do nativo" . Não é de estranhar que o ensino de língua estrangeira ainda leve muitos alunos a se sentirem envergonhados da sua própria condi- ção linguística. Pois o lado mais nocivo e macabro da ideologia que norteou, durante muito tempo, os programas de ensino de língua estrangeira é que, como resultado direto de determinadas práticas e posturas adotadas em sala de aula, os alunos menos precavidos se sentiam diminuídos em sua autoestima, passando a experimentar um complexo de inferioridade. A língua estrangeira e a cultura que asustenta sempre foram apresentadas como superiores às dos discentes. Felizmente, há sinais de que a situação está começando a sofrer mudanças significativas. Em grande parte, essas mudanças - sem dúvida, ainda tímidas - têm a ver com a percepção de que as lín- guas naturais não são estanques, mas, pelo contrário, suscetíveis a toda sorte de influência externa. Num mundo globalizado como o de hoje, as línguas estão sofrendo influências mútuas numa escala sem precedentes. As chamadas "línguas francas" do mundo moderno já não são mais línguas cujas trajetórias históricas permaneceram con- tínuas e sem influências externas ao longo do tempo. São todas elas formas de comunicação que tiveram origem no contato efetivo entre povos, processo que continua com maior força nos dias de hoje em razão do encurtamento de tempo e espaço que é a marca registrada do momento histórico em que vivemos. Os chamados "portunhol", "franglais", "spanglish" são exemplos concretos da realidade linguís- tica do mundo de hoje. São línguas mistas em constante processo de 68 •vo h1~ , o, 11e 01111•h1v1 i: 11n 1111.d do t < ulo XIX, q11.1111ln M.1x M! 11111, v,t 111 !1 1 inclc logo 11 <"l i ltdlo.'o d. s 1 n u ind \1rop11 i.1•i, h pou , d1 1<'r 1L r surn, ri< m 1 t in xistência de línguas mi s . /\. existência das línguas mistas nos dias de hoje corresponde miscigenação crescente entre povos e culturas no mundo inteiro. 11 m ainda pensa em termos de línguas estrangeiras, falantes nativos ' t . como se tais conceitos fossem definidos de uma vez por todas e 11 pazes de serem repensados, na verdade, ainda está vivendo no 11 ulo XIX quando entes como nação, povo, indivíduo eram conce- liiclos em termos de uma lógica binária segundo a qual só se admitia 11ina resposta categórica do tipo "sim" ou "não" (Rajagopalan, 2002f). Vivemos, na verdade, uma época em que a questão da identidade já 11. o pode ser mais considerada como algo pacífico. As identidades slão cada vez mais sendo percebidas como precárias e mutáveis, li cetíveis à renegociação constante. Uma das maneiras pela qual as identidades acabam sofrendo o processo de renegociação, de realinhamento, é o contato entre as pes- cas, entre os povos, entre as culturas. É por esse motivo que se torna e .1da vez mais urgente entender o processo de 'ensino-aprendizagem' d' uma língua "estrangeira" como parte integrante de um amplo pro- l sso de redefinição de identidades. Pois as línguas não são meros Instrumentos de comunicação, como costumam alardear os livros Introdutórios. As línguas são a própria expressão das identidades de 1uem delas se apropria. Logo quem transita entre diversos idiomas está redefinindo sua própria identidade. Dito de outra forma, quem prende uma língua nova está se redefinindo como uma nova pessoa. Num mundo que serve de palco para o contato, o intercâmbio · 'm precedentes entre povos, o multilinguismo adquire novas co- notações. O cidadão desse novo mundo emergente é, por definição, multilíngue. O multilinguismo como língua franca (cf. Desai, 1995) já tornou uma realidade no continente da África e nas comunidades <orno a União Europeia. Ao que tudo indica, o mesmo deve se r petir t 1m outras partes do mundo, se é que já não esteja em curso. 69 11, 1 l.11 d t • ( o 111pt'1 t 1 u , 1 e n 1111111 1 , 1 I v 1 t • 111 , 1 \l .t ~ t t • d e• 11111 li li l 11 iiuisn im1 li • r •v •r ,, pt 1p1 ,1 110~, o cl cmnp 1l n i,1 om11ni , liv.1 t 1 qual D 11 IIym s , d f1nit1 t•111 s 'l i L 1xt clássico (1 lyrn s, 1972). Pois a competência comunicaliv de um falante multilingue é algo em estado permanente de mutação. O destronamento da famigerad ,1 figura do falante nativo, junto com sua suposta competência linguís tica, significa, no entender de Davies (1989: 169), a possibilidade de pensar em metas mais razoáveis e exequíveis no ensino de línguas estrangeiras. Significa, antes de mais nada, que o verdadeiro propósi to do ensino de línguas estrangeiras é formar indivíduos capazes d 1 interagir com pessoas de outras culturas e modos de pensar e agir. Significa transformar-se em cidadãos do mundo. As atividades de ensino e aprendizagem de línguas "estrangeiras" fazem parte de um processo muito mais amplo que podemos chamar de redefinição cultural. Nesse processo, não faz o menor sentido falar em termos de perdas e ganhos. Nós simplesmente nos transforma- mos em outras pessoas (Rajagopalan, 2001c). Afinal, é na linguagem e através dela que as nossas personalidades são constantemente submetidas a um processo de reformulação ou àquilo que o filósofo canadense Charles Taylor batizou de "self-fashioning" (Taylor, 1992). O importante em todo esse processo é jamais abrir mão do nosso direito e dever no que tange à nossa "autoestima". É preciso dominar a língua estrangeira, fazer com que ela se torne parte da nossa própria personalidade; e jamais permitir que ela nos domine. 70 ~ _ [_ [ construção de identidades l .[NGUÍSTICA E A POLÍTICA DE REPRESENTAÇÃO [ ... ] aquele objeto ilusório dos estudos fi.lo sófi.cos, a história interna da ciência. STEVE FULLER Entre os pesquisadores que se interessam pela questão da icl ntidade, já não há mais quem, em sã consciência, acredite que as icl ntidades se apresentam como prontas e acabadas. Pelo contrário, ,\ redita-se, em larga escala, que as identidades estão, todas elas, em 1 rmanente estado de transformação, de ebulição. Elas estão sendo t cmstantemente reconstruídas. Em qualquer momento dado, as identi- cl~ des estão sendo adaptadas e adequadas às novas circunstâncias que v, o surgindo. A única forma de definir uma identidade é em oposição íl outras identidades em jogo. Ou seja, as identidades são definidas struturalmente. Não se pode falar em identidade fora das relações struturais que imperam em um momento dado. Em última análise, esta nova postura nos obriga a adotar uma visão nominalista em relação ao mundo. A função de nomear, de "dar nomes os bois" ou, como diz Shakespeare, "give a local habitation anda name", aba assim se revelando um ato genuinamente criativo. A linguagem dâmica, ou melhor, a forma como, de acordo com a Bíblia, o primeiro homem é conduzido por Deus a passar em revista todos os animais que acabara de criar e dar a cada um deles um nome, começa a adqui- rir uma interpretação totalmente nova· e com implicações profund s. Ao dar um nome "próprio" a cada animal, distinguindo-o dos d mais hichos, o primeiro homem estava dando largada, sob o olhar at n to do Todo-Poderoso, à prática de identif7.car cada um com base naquilo qu e, da um não compartilhava com seus pares. 71 1 ·111• 1111 1111 11 111 li• Ll• ll I A i I 1111 l l,ul • 1 ~ t • p1• lo 11. o o .1rn •tt' vlvm m1 oi J1• to. on cr os n m 1 1 , mi on 1i(j .11n 1•lt Ili , p r motivos bvi ' , m i. rv m d ex mplo n lit r Lur, 1 rLin n . N da nos imp d d' estender a discussão da identidad para nglobar o caso de conceit s abstratos. Estes também são afinal distinguidos e demarcados um dos outros através do mesmo procedimento. A cor azul se distingue da cor amarela, e ambas são mantidas separadas pelo "verde'', a qual se de taca como terreno disputado tanto pelo azul como pelo amarelo. Dito de outra forma, algo pode ser considerado amarelo apenas na medidél em que não pode ser considerado também azul, e assim por diante. Neste capítulo, gostaria de entender o processo pelo qual se dá a construção de disciplinas acadêmicas distintas. Afinal de contas, uma disciplina também tem sua própria identidade. Podemos dizer que ' através da reivindicação de uma identidade própria que uma disciplina nasce. E, para reivindicar uma identidade própria, os defensores da nova disciplina se empenham na tarefa de apontar as razões pelas quais en- tendem que a nova disciplina difere das demais que a circundam. Em um primeiro momento, trata-se de uma reivindicação de autonomia. Mas o nascimentoda disciplina em si só ocorre com um grito de independência e separação definitiva do campo de estudos que abrigava até então. Assim que se estabelece no cenário acadêmico como independen- te das demais disciplinas, a nova disciplina começa a demarcar suas linhas fronteiriças. Cabe aos novos "donos" do recém-conquistado terreno zelar pela sua integridade e repelir ataques do lado de fora, como também possíveis movimentos de secessão, oriundos do lado de dentro. Ou seja, a história se repete. Os revolucionários de outrora se transformam nos conservadores após a conquista das suas reivin- dicações. É o que preconiza a tese de Kuhn (1962), segundo a qual a ciência vive um eterno ciclo, a começar por um período de relativa calma, a da "ciência normal'', o qual é repentinamente interrompido por uma "revolução" (que, com frequência, culmina na tomada de poder por intermédio de "um golpe palaciano"), que cede seu lugar a um novo período de calmaria, agora regido pela nova ordem. Como veremos adiante, do ponto de vista da "identidade" de disciplinas que participam do empreendimento chamado "ciência'', há fortes razões para repensar tal suposto movimento da ciência em fases tão opostas. A linguística não foge à regra. Pelo contrário, ilustra muito ht o processo descrito acima. Como se sabe, ela se firmou como a 72 "11111rl1•111t1 1 11 ti cl.1 1 llJ•,11 ,1g1• 11 1" .10 • 1 dt • v IH 1d.11 cl.1 ldnl11 ~l 1 1111 d 1 1 l11n1,1d ,1 "li11gu1st l .1 cli,H 1 rin iJ 1 11101 vo p.11 ,1 11 t l1e 11 t.d H •1, r, , foi - 01 Linu nd o ' di 1H d l111J1 • Jll t.i 111< 1 11L u propal d rát r científico. Segund in1w •11 ( 1 !)() '/ : li) , "l.i l r ivindicaçãomaisimportantequeoslinguistasf z m 1. r•sp itc ci o ' u próprio trabalho] é que ele é científico". Já Sampson ( 1 80: 1 :i) v i diretamente ao ponto que nos interessa aqui quando diz: O estudo científico da linguagem decerto não começou no século XX; mas os anos próximos ao ano 1900 presenciaram uma importante reviravolta na história da linguística moderna. Mais ou menos na mesma época, de forma independente na Europa e na América, a linguística sofreu uma mudança em sua orientação, de tal sorte que os trabalhos feitos no campo no século XIX hoje parecem relativa- mente remotos quando comparados às preocupações que movem os linguistas dos tempos mais recentes. Uma vez consolidado como disciplina, um determinado campo ele • estudos precisa vigiar constantemente as suas fronteiras, se pro- l 1•p r contra incursões indesejáveis e ceréear os trabalhos que são c le . envolvidos dentro dos seus limites, estabelecendo para tal fim 11111 conjunto de critérios que serão utilizados para decidir se uma clc •terminada proposta, digamos de cunho teórico, cabe ou não dentro cio limites estabelecidos para o campo. Quem opta por pensar a questão da construção de identidades em t 1•rmos não essencialistas se depara com duas posturas alternativas, 1ntagônicas entre si, ambas bem consolidadas nos dias de hoje. Uma rc e.luz a problemática da identidade a uma espécie de acordo tácito n re os membros de uma determinada comunidade de fala. A outra nsiste em que deve haver algo por trás desse aparente consenso. l!ntendem os seguidores dessa segunda corrente que tal suposto con- ' nso não pode se dar senão como fruto de um jogo de poder, jogo .'te que, por sua vez, não pode estar, de forma alguma, no próprio 1stema simbólico em si, porém, mesmo assim, deve atuar sobr ele de> maneira decisiva. Como Bourdieu salienta com muita proprieda- d1', ambas as posturas são igualmente falhas - a primeira, por não 11 onhecer a presença oculta das estruturas de poder e a segunda, por ignorar que as estruturas simbólicas têm, afinal de contas, uma e e•rta realidade própria. Ambas, enfim, pecam ao não prever o devido 111 ar nos seus respectivos arcabouços para a vontade do agente social. 73 11 1 1 1 r 11 1 ''I 1 lll ' li objt•I V() Ili' lt • l t ti> dl111 1' 11 clt lt'< (' I .ilg11111,11 t , p cl ,1, sidl1 , õ •s , r 1 rn111tlt11 \•o l.1 li11gu sli ,i 'nqw11\l , m s guida, s br 1, J><'I cio 1wsqui ,. l r su tu ç. ag nte. Em primeiro lug r, nv m fri r que a identidad da lingufs tica, como qualquer outra identidade, também é algo construído e n. o dado a nós como definido de uma vez por todas (Rajagopalan, 198'/, 1988). Dito de outra forma, quem faz linguística está necessariamenlt' participando da história da disciplina, quer consciente, quer inconscien temente (Rajagopalan, 1989). Uma consequência dessa abordagem, nem sempre lembrada, é que todo trabalho de pesquisa, por mais "rotineiro" ou "bem comportado" que pareça, contribui para a transformação d<i disciplina. Ora, isso significa que a tão decantada "revolução" kuhnian, nada mais é do que uma visão que ainda carrega resquícios da mesm. filosofia da ciência com a qual se pretendia romper. Para quem insiste em olhar para a história da disciplina de forma não participativa, ou adotando o olhar do outsider, parece que a ciência progride "aos tran cose barrancos" - um longo período de "ciência normal", de repent sacudido por uma "revolução", em cujo rastro se segue outro período de tranquilidade, de novo de "ciência normal". Aquilo que parece uma revolução se revela, dentro dessa perspectiva, um determinado momen to na lenta evolução da ciência visto de forma apressada. No fundo, a própria distinção entre revolução repentina e evolução gradual tem a ver com os pontos de vista do outsider e do insider. Entre os filósofos da ciência que perceberam o caráter surpre- endentemente conservador da tese de Kuhn (1962) está Fuller. Para Fuller (1993), o problema todo começa com a insistência de Kuhn na possibilidade de haver uma visão "interna" da ciência em oposição à visão externa. A própria distinção interna vs. externa acaba atra- palhando o projeto de Kuhn. No entender de Fuller, Kuhn herdou dos positivistas lógicos a preocupação com a sociedade restrita dos cientistas, excluindo as pessoas comuns daquele clube de seletos - a sociedade no sentido amplo. Com isso, a ciência deixou de ser um empreendimento normativo. No século XIX, filósofos como Auguste Comte e John Stuart Mill teriam se inspirado no preceito kantiano de desvincular o problema do conhecimento da meta de compreen- der a realidade como ela é (noumenon ou Ding an Sich) para chegar à conclusão de que o conhecimento que se busca deveria ser o conheci- mento mais valioso para a humanidade (e não o conhecimento mais 74 I 11111 111111 1\•1111 1111111111 1\ 111 111111111lllA1 A l'IJllllll\ 11 1111·111• llHA• •I .11111.iclo ()li f1t•I ' V 1d.11l1, 11)111() 1 (' Jlt'illl1lV1I .11 1111. o) .. J. llO Ht titio , '' i 1H i.1 1H to111m1 t•xc lud 111 1 so i l 1 l 1 .11npl,1, •os pr ptios e 1 111 lst, s om •ç.11.11n ,1 .1 r dil r n n e ssid d d distan i r d" 11pi11i l ig , íim d' l·>v r diante seu trabalho. Como resultado do distanciamento proposital e progressivo entre 11 i ntista e o cidadão comum, nasce uma nova identidade do cientista. 1 >1 1 um lado, "nós, os cientistas". Do outro, eles, "os leigos''. Como nos lc'll1bra Hobsbawm (1996: 40), "as identidades coletivas são sempre clc•linidas de forma negativa. Nós nos reconhecemos enquanto 'nós' porque somos diferentes 'deles"'. A partir daí, o cientista passa a ser 1 ti lo o que o cidadão comum não é. Ganha força e começa a habitar 11 imaginário popular a imagem caricatural estereotipada do cientista e omo um ser excêntrico, completamente distraído e desinteressado das 1jl1 stões do dia a dia (personagem principal do filme The Ahsent-Minded l'rofessor, no Brasil, O fantástico super-homem). Um cientista de verdade , dentro desse novo olhar, um ser humano movido pela razão, sendo l l única paixão da vida uma devoção - verdadeiro culto - à ciência. O surgimento da linguística como a nova "ciência da linguagem" l.1mbém foi o momento do nascimento da figura do linguista como 1 i ntista. É muito mais do que uma simples coincidência o fatode mbos os eventos - concomitantes, na verdade - terem também < oincidido com o auge do positivismo lógico. O discurso do linguista logo após a consolidação da recém-inaugurada disciplina, reivindicando 1 ara si o título de cientista, precisa ser compreendido como um exercício d ' construção de uma identidade. E nessa empreitada foi necessário id ntificar um Outro, já que as novas identidades só se criam a partir da exclusão das outras já existentes. A figura do gramático tradicional/ filólogo serviu para preencher exatamente tal papel. Até hoje, o linguista • autodefine em oposição a esta figura. Enquanto eles prescrevem, nós descrevemos. Eles se preocupam com as normas; já nós queremos ntender como os falantes de fato se comportam linguisticamente. A construção da identidade do linguista - como aliás da iden- tidade de qualquer outro profissional ou, simplesmente, qualquer p ssoa ~ passa pela questão da política de representação. Em seu livro Schools of Linguistics, Geoffrey Sampson (1980) chega a insinuar que até mesmo alguns dos princípios tidos como "monstros sagrados" da linguística foram, ao menos em parte, motivados pelo interesse 75 .1gt.1 l,11 ,1 opl11i, () p11hl t .i t, 1l 1o1v1• d1 •l.1, ohl •1 1 '< 0 11111• l11 1< •1110 omo di s ÍJ li n n 1 r . 1\ 11! 1 (' t'lll 1•1 pt i11 q i s hoj •nt •n li l s pot muitos como axiomáti os - •s i,, .· 1un o S mpson, id i d que• todas as línguas estão em pé d igualdade em se tratando da com plexidade interna. Nas palavras de Hymes (1974: 317) A simples verdade é que a maioria dos linguistas aceita sem ques tionamento uma ideologia que pode ser descrita como liberal t• humanista, formulada na virada do século, a fim de justificar o estudo de línguas e para combater noções racistas, imperialistas e etnocêntricas sobre línguas "primitivas". Esta ideologia está cert<1 no que ela nega . .. [porém] equivocada no que afirma. O discurso da linguística como um campo do saber institucio nalmente consolidado e vigiado por agentes devidamente autorizados pelos membros da comunidade dos linguistas é uma prática discur- siva como outra qualquer. Nele também estão presentes vestígios do exercício de poder, ou melhor, do funcionamento do jogo complexo do poder, da ação interventora daqueles que, em dados momentos históricos, ajudam a moldar os rumos da pesquisa, enfim o rumo da própria disciplina. É, no entanto, no confronto com o "outro" que o linguista se vê obrigado a reafirmar sua identidade, invocando até mesmo uma unidade fictícia, com base em compromisso comum com um certo número de princípios. Segundo Gray (1980), isso acontece até nos momentos de grandes debates, como foi o caso da polêmica acirrada entre os mentalistas e os mecanicistas - no entender de Gray, tal debate foi prejudicado pela recusa de ambas as partes de abrir para a discussão princípios comuns tratados como "sagrados". A linguística, em outras palavras, é muito mais uma prática discursiva do que um campo do saber. Ao reduzir a linguística a um certo tipo do saber, alguns filósofos da ciência deixam escapar insi- ghts valiosos sobre o real funcionamento da ciência. Muitos pecam ao não levar em consideração o fato de que em sua prática científica cotidiana os linguistas estão construindo sua identidade junto à so- ciedade. De forma lenta, porém certeira, os linguistas estão moldando sua identidade. Como não podia deixar de ser, só se pode entender modo como isso acontece se levarmos em conta as preocupações ,' iopolíticas que marcam cada momento histórico pelo qual a dis- < lp lina passa. 76 linguística aplicada a necessidade de uma nova abordagem ; Developing an adaptive fram ework for AL is one great challenge for a new millennium! The other great challenge, along with keeping their own house in arder, is that applied linguists will have the job of resuscitat ing lin- guistics as a discipline - one with a more socially responsible role to play in a post -colonial, post-modern world. J. R. M ARTIN (2000: 123-144) [. . .] though science is rarely a guide in areas of human signi fz cance. N oAM C HOMSKY (1995: 10) E sabido que o campo de estudos que se convencionou chamar de ''linguística aplicada" surgiu à sombra da linguística. Em parte, isso se cleu em função da necessidade que todas as novas áreas de estudo sen- tem de reivindicar para si caráter científico (Rajagopalan, no prelo-2). A palavra "ciência" tem ao redor de si uma certa aura - o suficiente para atrair novos seguidores e impressionar aqueles que se encontram do lado de fora. Expressão clássica desse sentimento foi sem dúvida a afirmação categórica de Corder (1973) , um dos pioneiros do campo, de que um lin- gtiista aplicado é por definição um consumidor de teorias, jamais produtor. Ou seja, somos todos ainda herdeiros do espírito do positivismo, como diz Holliday (1996), fomos todos, em nossa grande maioria, criados dentro de uma "cultura" do positivismo. Posto que nossa cultura ainda valoriza o conhecimento teórico em detrimento das possíveis aplicações do conhecimento, era perfeitamente compreen- sível na época (e, do ponto de vista estratégico, até justificável) que os primeiros linguistas aplicados buscassem se apoiar na linguística 77 lt•oti< .1 ou ll11gulNl 1<" )',1 11.d (11111111 p11• l1•11• 11 1 diz1 t mi 1111~11•1 <. ). 1\111.1 j, s' n onlr< v, no , ugt• cl1 1•11 ptt• t gio, , mp ll\m 11l rt onh' i da como uma ci6ncia om tod,ls ,11-; 1 •Lr, s, junto às mai · d if r 1 U1H instâncias do poder público. E, o r boque do grande prestígio, n, o faltavam também financiamentos generosos para aqueles que se de clicassem aos estudos da linguagem. Contudo, passados todos estes anos, aquilo que era vantajoso no começo tornou-se m otivo de dor de cabeça, como demonstra Moita Lopes (1998: 115). Hoje, com a visão retrospectiva da qual dispomos, fica evident que as vultosas somas investidas em pesquisas linguísticas nas décadas de 1960 e 1970, sobretudo nos EUA, tinham por trás a esperança d que elas, de alguma forma, contribuíssem com os interesses estra- tégico-militares do país. Basta consultar os nomes que costumavam figurar na lista de agradecimentos nos livros da época: era comum autores de livros deixarem registrados agradecimentos, quem diria, à Marinha dos Estados Unidos e a outros órgãos governamentais que pouco ou nada têm a ver com a linguística em si. Quem confessa estranhar tais relações entre o progresso da ciência e os int eresses do Estado está apenas se revelando um tanto ingênuo a respeito do trabalho cientifico e dos motivos que levam os órgãos financiadores de pesquisa a apoiarem este e não aquele projeto. De qualquer forma, de 1980 em diante a linguística vem experi- mentando um certo desgaste. As matrículas têm despencado em diversas universidades do mundo inteiro. As verbas vêm escasseando a cada ano. Há casos até de encerramento sumário de centros e departamentos. Finalmente, em diversas partes do mundo, verifica-se a adoção de po- líticas linguísticas pelos governantes, sem que haja efetiva participação dos linguistas. É o caso, por exemplo, dos próprios EUA, onde os gover- nantes se curvam cada vez mais à pressão exercida por organizações do tipo "English Only'', fundadas e financiadas com intenção explícita de sufocar línguas minoritárias (cf. Rajagopalan e Freitas, 2002). No caso específico do Brasil, o surgimento de grupos como o dos "Linguistas pela Democracia" - que no entanto declaram não ter nenhum vínculo com nenhum centro de estudo, nem formação em linguística (pelo contrário, s orgulham em não tê-la) - sinaliza um profundo desconhecimento do trabalho do linguista em meio à sociedade fora dos campi universitários . 78 Volt.indo, pnl1, .111 e .1 o cl.i l 11 g11111l lc ,, .ipllc .ido1, v1•tif 1 " m• 1.11nb1•111 11111 i11.111dc•d(•1wjo •11t 11•0: 1ws 1tiHMI rsd cr' d n.om,is,lr•IL1r c•w1 •sludos, o tr, b, lho ilo p 1 disciplina mãe. Ou s ja, p rc b us , ,w longo d todos st sano , que para levar adiante a proposta original cl 1• 1ma linguística aplicada, era preciso decretar sua plena autonomia. lm;o já aconteceu. No entanto, há problemas ainda não resolvidos <orno pretendo argumentar a seguir. Em primeiro lugar, há quem en~ 1 l'nda que a declaração de autonomia da linguística aplicada deve ter e omo contrapartida uma perfeita divisão do trabalho entre aqueles que l r balham na linguística "pura" e os que optaram pela nova disciplina, 1 • cém-emancipada. Além da conotação indesejável de "impura" (pela 11 1 mples exclusão) que tal oposição engendra, há um perigo de que isso ll've algu~m a concluir que a linguística aplicada não precisa se preo- cupar mais com o trabalho teórico. Se, em outras épocas, o "trabalho 1 órico" ficou entregue aos colegas do outro lado da linha divisória com a declaração da autonomia, muitos chegaram a pensar que 0 tra~ balho prático (ou aplicado) começa onde o teórico acaba. Acredito que cl vemos rechaçar tal tendência com toda veemência. Porque, a médio < 1 longo prazos, uma decisão apressada como esta terá consequências <'Xtremamente danosas para o desenvolvimento da linguística aplicada. O que a linguística aplicada precisa com urgência é repensar sua própria razão de ser enquanto disciplina e buscar suas próprias r~~denciais acadêmicas, admitindo até mesmo, como uma das possi- b1hdades no fim dessa trilha, a de a nova disciplina poder vir a ser uma alternativa à disciplina mãe, ou quem sabe até mesmo, algo que a própria disciplina mãe pode emular em proveito próprio. Se, ou melhor, quando isso acontecer, poderemos dizer que a história acabou de refutar a afirmação confiante de Robins (1981: 11) quando disse: É importante reconhecer os produtos secundários que podem resultar dos estudos linguísticos, mas os próprios linguistas não precisam associar-se à linguística aplicada. O seu assunto é de interess sig~ificância suficientes no mundo para manter-se por direito nat , assim como se mantêm a botânica sem referência à horticultura a entomologia sem referência ao controle das doenças transmitid, por insetos ou peste de plantas. Dito de outra forma, à linguística aplicada pode estar res rvad< a tarefa histórica de reanimar a própria disciplina mãe que, conform vi- 79 l ll()IJ , l( 111 ,1, 1 (1 (ll,1j, J P• 1, n, t.1cln clc11• 11 I o , 111<t' 11 ). 1 1 qw• f o t l ll 1l 'SIM 1 () • .,,, Há sinais inconfundív is qu · p rmitem dizer qu sta tran f r mação da disciplina mãe já está em curso (Rajagopalan, 2002e: 147). Esl. aí como prova o avanço de um certo movimento (ou talvez, um conjunto de movimentos, com metas e procedimentos nem sempre convergent s ou comensuráveis, mas com propostas bastante paralelas) chamado ''. linguística crítica". Adoto este termo como termo guarda-chuva para me referir ao conjunto de propostas que incluem a "análise do discurso críti ca'', a "crítica linguística" e outras com nomes diferentes (Chilton, 1985; Choulíaraki e Faírclough, 1999; Fairclough, 1989, 1992, 1995; Fowler, 1986; Fowler et alii, 1979; Kress e Hodge, 1979; Wodak, 1989), como também a chamada "linguística aplicada crítica" (Pennycook, no prelo) . A grande inovação, com a chegada da postura crítica no campo da linguística aplicada, tem a ver com a percepção crescente de que é preciso repensar a própria relação 'teoria/prática'. Aliás, é isso que toma uma postura genuinamente crítica. A postura crítica tem como ponto de partida a recusa do binômio tal qual ele se encontra posto desde a época dos filósofos da Grécia Antiga. A teoria crítica, tal qual foi con- cebida e articulada pelos teóricos da Escola de Frankfurt, começa com um questionamento do preceito socrático, segundo o qual tudo tem que começar por uma definição. A procura de definições como pré-condição para desencadear qualquer tipo de explicação posterior é típico da tra- dição racionalista que também prega que a prática tem que suceder a teoria, jamais podendo ser conduzida de forma paralela ou independente. Concluindo, devemos saudar a tendência já emergente, embora ainda tímida, de repensar os termos em que foi feita a divisão do bolo entre a teoria e prática, entre reflexão e aplicação. A nova linguística aplicada que certamente surgirá das cinzas das práticas vigentes até h á pouco conduzirá suas próprias reflexões teóricas, motivadas pelo critério de sua aplicabilidade como o mais importante de todos. E nesse sentido, a linguística aplicada do futuro não só englobará determina- d s funções que eram monopólio da disciplina mãe, como ocupará o l rreno perdido por ela, sobretudo nos anseios populares do dia a dia. 80 . ,..,, es1gnaçao /\ /\.RMA SECRETA, PORÉM INCRIVELMENTE P DEROSA, DA MÍDIA EM CONFLITOS INTERNACIONAIS It was 1992, and the old Soviet system had collapsed less than a year before. Russians had the feeling that now they were living in a democracy everyone should be âllowed to do anything. Secret documents were being released at a breath-taking rate; we could ring any senior offi.cial, no matter how high up, and expect that he ar she would speak to us on camera; the Russian newspa- pers were revealing truths about their government and society which had been secret for ever. Nane of it lasted, of course. As Russians carne to know and understand more about the West, they found out that there is little freedom of information there either. J OHN SIMPSON (2000: 155) My impression is the media aren't very different from scholarship ar from, say, journals of intellectual opinion - there are some extra constraints - but it's not radically different. They interact, which is why people go up and back quite easily among them. N OAM C HOMSKY (1997) INTRODUÇÃO Desde a Guerra do Golfo, já há mais de uma década, o papel da mídia tornou-se inconfundivelmente visível e inegável. Há quem diga que aquele famigerado confronto entre as tropas de Saddam Hussein o poderio militar dos EUA, auxiliado pelo poder de fogo das demais potências da OTAN, foi a primeira guerra inteiramente travada sob os holofotes da atenção midiática. A guerra contra o Iraque inaugurou a nova era de conflito em grande escala como verdadeiro espetáculo a ser comercializado e apreciado pelo público, e t ransmitido, mui- tas vezes, ao vivo - com direito a replays e intervalos 'com reiais'. Como detentores dos rumos do conflito travado no des rto - e poeticamente apelidado de "operação Tempestade na Areia" - e das 81 111111111 ,1~ <" (<1•11111,1d.1,11l.110,11 ,d .1 drn <011t1ol.11.1111,1 g11 •t1 ,1, de• pont, .1 J onL,, l • i lindo 11 t llll v1• o: i11l 1tv,1l o1·. /\s gu • r,t• d hoj1• · o v rd d iros shows 1' udi n i,1 'lll 'S , 1 pl n tári - dign s cl.1 "sociedade de espetáculo" ( bord, 967) em que vivemos. Já na guerra do Afeganistão, a situação mudou bastante, dest.1 vez em total prejuízo da CNN e das demais emissoras que dom i nam o mundo da mídia, uma vez que quem controlava o fluxo e .1 transmissão de informações era, não o lado vitorioso, mas sim, o lado dos derrotados. E, como acontece com frequência em eventos de audiência assegurada como a Fórmula-1, a Copa do Mundo etc. , os talehan acharam por bem lotear os direitos de transmissão entre os "amigos". Assim a rede árabe Al-Jazira ficou com o monopólio da transmissão dos vídeos gravados pelo inimigo número um dos aliados, Osama Bin Laden, vídeos que eram entregues por mãos invisíveis a uma das sucursais da emissora de tempo em tempo. Foi também nessa guerra que a questão da censura veio à tona. Embora se diga, com muita. propriedade, que a primeira vítima de qualquer guerra é a verdade, nunca havia ficado tão escancarada a forma como a mídia manipula a notícia, mesmo nos momentos em que os responsáveis negam estar fazendo propositadamente qualquer tipo de maquiagem. Meu objetivo neste texto é refletir sobre como a mídia imprime certas interpretações pelo simples atode designação de determinados acontecimentos, dos responsáveis por tais acontecimentos, dos atos específicos praticados pelos lados em situações de conflito etc. Posto que, de acordo com certas teorias semânticas de grande prestígio, os nomes não passam de meras "etiquetas" identificadoras de objetos, é preciso pensar além da semântica dos nomes próprios para encarar o fenômeno de nomeação como um ato eminentemente político. Sustenta- rei a tese de que é no 'uso político de nomes e de apelidos que consiste o primeiro passo que a mídia dá no sentido de influenciar a opinião pública a favor ou contra personalidades e acontecimentos noticiados. 1. NOMES: AFINAL, O QUE HÁ DE TÃO CURIOSO NESSAS PALAVRAS? Ao longo dos tempos, as teorias de referência dedicaram-se à ingrata tarefa de desvendar os mistérios dos nomes próprios e conti- 82 1111 .11 11 .111•1 111p1 •1il1 ,1 1 111 "1 111 i. o li •1c 1111•.1(lt1j.1p,op.d.111,110 p1«"lo :n. 1 1•1 l r,wcl lhrntH• ll ( 1D1 1 ), por <'X 'tn l l , l s , rlou u mo impr eis s ', p111 e ons 1uint' t ri m nt desinteressantes, os nom s próprios 11 ,1 f orm como os gramáticos os conhecem, e adotou no seu lugar 11 • "nomes logi.camente próprios". O filósofo inglês, segundo confiam .1qu 1 s que chegaram a conhecê-lo pessoalmente, mudava de assunto t nel a vez que era solicitado a fornecer um exemplo concreto do que l'ria um nome logicamente próprio (Rajagopalan, 2000c). Tratava-se, 11 ,1 verdade, de um gesto muito acertado, posto que uma das quali- d.1 des mais destacadas de um nome logicamente próprio é a de ser implesmente inominável. No momento em que é nomeado, o objeto dl•ixa de ser exclusivo ou único, pois o próprio ato de nomeação se 1•ncarrega de emprestar-lhe um atributo (a saber, a própria descrição definida, no caso - utilizada para nomeá-lo) , que é publicamen- l e disponível e, em princípio, apto a ser aplicado a outros objetos. Ou seja, o destino de nomes próprios comuns - aqueles descritos p las gramáticas - é de um definhamento progressivo, na medida <'m que acabam se transformando em substantivos comuns. Donde o saudosismo velado em relação à chamada "linguagem adâmica", isto ti, a linguagem em sua forma cristalina, quando substantivos comuns seriam todos nomes próprios - posto que Adão escolhia cada palavra para nomear um único bicho a cada vez! Não nos interessa aqui passar em revista as mais variadas propos- tas teóricas que objetivaram, ao longo dos últimos cem anos ou mais (a preocupação em si remonta a um passado bem mais longínquo, tàlvez começando pelo próprio surgimento da filosofia enquanto campo do saber), entender o funcionamento do nome próprio. A preocupação sempre se deu na seguinte forma. Se descrições são nada mais que representações verbais de atributos e se atributos são da ordem de acidente (e não de essência), é no nome próprio que devemos encontrar algo que pertence ao objeto de forma inalienável. Ou seja, o nome próprio deve estar "grudado' ao objeto de maneira inseparável. Este é, no fundo, o ímpeto, ou desejo, que move teóricos das chamadas direct theories of reference (teorias que defendem referência direta 83 011 Il i o 1111 •d ,1C l,1) . () "c•x lc 111 d 111n c•111, 111 <o" d 1111111,1111 ( 1 !)'/!,), o n il l , "ripid dt1si1 natm s" de•: g11.1dn '. ' r ~il l H) 1' l<rl1 k ( 1 7'2), ou o cone ito d "Dhat" prop : to 1 or 1( 1 1 n (1978) sã t d form,11 diferentes de captar e concretiz r t oricamente tal desejo. 2. 0 DISCURSO JORNALÍSTICO E A ESCOLHA DOS TERMOS DE DESIGNAÇÃO Sabemos que toda notícia, toda reportagem jornalística, começ. com um ato de designação, de nomeação. Aliás, a própria gramática tradicional nos ensina que é preciso primeiro identificar o sujeito da frase para então dizer algo a. respeito ou, equivalentemente, predi car alguma coisa sobre o sujeito já identificado. É preciso, primeiro, nomear, para então dizer algo a respeito do objeto no mundo assim designado. Apesar de tudo o que os filósofos e os lógicos dizem a esse respeito, as pessoas comuns acreditam (e nisso, de certa forma, elas estão sendo influenciadas por anos a fio de ensino de gramática normél;tiva) que o nome próprio está livre de qualquer marca de pre- dicação - afinal, o ato de predicação incide sobre o nome próprio, identificado, portanto anteriormente a qualquer predicação. É, no entanto, no uso dos nomes próprios - ou, melhor dizendo, na fabricação de novos termos de designação para se referir às per- sonagens novas que surgem no cenário e aos acontecimentos novos que capturam a atenção dos leitores - que o discurso jornalístico imprime seu ponto de vista. Logo depois do susto de 11 de setembro de 2001, o presidente Bush decretou guerra total aos terroristas de todos os naipes, a começar pelos seguidores do Taliban do Afega- nistão. Afora o fato simples de que os terroristas para uns são os mártires para outros, o uso do termo em si serviu para identificar e isolar o inimigo "invisível" (como foi amplamente alardeado pela imprensa internacional). Daí em diante, ficou fácil partir para todos os desdobramentos da lógica binária, na qual aquele pronunciamento do presidente dos EUA se baseara, ao designar os fundamentalistas islâmicos como terroristas. Foi com uma simples afirmação - na 84 vctt d.ide • 11111 ,1 .11111•.1~.t q11<' ,1 'w,1 " ,u1 ,\ ,1 1 li lo l.1 t' 1u,\I Ili •r v >1. ele p ot '.' lo onl ,1 <1. nç, o 1 r pr sáli qu d' n 1 , ri p rLir ,(, ó" cl .1 l t 1 in tant : "Qu m não está conosco estd contra n s . É in gável o importante papel desempenhado pelos termos cuida- 11 sarnente escolhidos a fim de designar indivíduos, acontecimentos, 11 1 res etc. na formação de opinião pública a respeito daqueles entes. ( ·ama bin Laden foi tachado de "terrorist mastermind" (o cabeça dos IPrroristas). A mesma figura enigmática, nascida na Arábia Saudita, 1 m fortes ligações com a família real daquele país - que, convém 11 0 esquecer, serviu de importante aliado na guerra contra a ocupação . viética - transformou-se, da noite para o dia, na imagem do pró- prio Satanás. Quem não se lembra daquele cidadão norte-americano que, ao olhar assustado para a foto da destruição das Torres Gêmeas 1lo World Trade Center, chegou a identificar o rosto do Senhor das Trevas em meio à fumaça negra que encobria os céus de Nova York naquele malfadado 11 de setembro de 2001? Como chega a exclamar Slavoj Zizek (2001: 6) Sempre que encontramos um mal tão puro no exterior, devemos reunir a coragem para apoiar a lição hegeliana: nesse exterior puro, nós devemos reconhecer a versão destilada de nossa própria essência. Pois nos últimos cinco séculos a prosperidade e paz (relativas) do Ocidente "civilizado" foram compradas pela exportação de impiedosa violência e destruição ao Exterior "bárbaro": a longa história desde a conquista da América ao massacre no Congo. Por mais que soe cruel e indiferente, nós também deveríamos, agora mais do que nunca, ter em mente que o efeito desses ataques é de fato muito mais simbólico do que real. E o filósofo esloveno acrescenta: Os EUA apenas experimentaram o que acontece no resto do mundo diariamente, de Sarajevo a Grozni, de Ruanda e do Congo a S rra Leoa. Se forem adicionados à situação em New York atirador s de elite e estupros em massa, é possível ter uma ideia do qu ra Sarajevo uma década atrás. Foi quando assistimos na t la de TV ao colapso das duas torres do World Trade Center que se tornou 85 1 • ' 1 ~ ' ' 1 1 11 prn 1 tv1• I t'X iH't l111c•11t.11 " 1 d d.tc l1 cio "11•. tlll y lww1 " d,1 'l'V: 1111•11 111 0 • 1 18. (.' ' 110 ' f "1 1 1 ,, ' " w. Ott'lll e t' Vt't( ilt I' 1 1lH 1 t'S8(), 8 Jlnd. 1 l\11 m n lt•: las simpl sm nt atu m omo 11 m sm s. De qualquer forma, uma vez estampado o rótulo "terrorista" ' o nome de Bin Laden logo se tornou sin ônimo do Mal. A partir daí torna-se um dever cristão ajudar na caça incansável ao "gêniodo mal" « ' o terrorista mais procurado do planeta", e assim por diante. Quando, no afã do sucesso na caça aos seus seguidores, o presidente dos EUA decreta guerra contra o "Eixo do Mal" (termo escolhido para designar os países Irã, Iraque, e Coreia do Norte), a eficácia absoluta da no- menclatura remontava à Segunda Grande Guerra. Se o outro lado é o "Eixo do Mal", por simples analogia (como também pela lógica da exclusão do meio-termo) , quem se coloca contra os estados renegados é do Bem. Diga-se de passagem, não foi à toa também que, tanto na Guerra do Golfo, quanto na Guerra contra o Afeganistão, os países da OTAN preferiram se autodesignar de "Aliados". Quem tem a mídia a seu lado escolhe não só os termos para designar as forças de cada lado, mas também, ao escolher os termos, determina quem vai desempenhar o papel do mocinho e quem vai desempenhar o do bandido. Na socie- dade do espetáculo, tudo depende do script - os capítulos diários da novela chamada guerra (não é à toa que se diz o "teatro da guerra" para designar o espaço físico onde acontecem as batalhas) obedecem rigorosamente às previsões feitas por quem redige o script inicial. É verdade que nem sempre os nomes escolhidos funcionam da forma que os estrategistas de guerra esperam. Um exemplo notório d.isso é a escolha do codinome "cruzada contra o terror" que 0 pre- sidente Bush chegou a empregar no início da ação armada contra os seguidores fanáticos da Al Qaeda e do Taleban. O tropeço custou muito caro para as pretensões da Casa Branca, que fez questão de fazer entender que a iniciativa bélica não tinha como alvo nem 0 mundo árabe, nem os seguidores do Islã, mas sim, um grupo de radicais e fanáticos que lutavam contra a própria civilização. O erro r sso, desastroso do ponto de vista diplomático, foi o de esquecer lll a própria palavra cruzada possuía conotações - na verdade, se 86 ' 1 ' ' j 1 r 1 1 1 "' ' ~ 1 ' 1 l l 1 J 11 1 ''I 1 ' " j I' i 1H11 1 ! 1 • •ti H 1 li • 1 1 1 1 1 l p Jt li 1 e l<•t i.1 ,1 11111 t•pilwclio l.i hl , 1 cnl.1 0111 url .1d,1 d.11 tt•l.1~ 111 'lll te• 1 >1 o rit n 1 , .r pi d tr i õ s, < >1 1 8 111 ntid s insist nt s até mesmo a decisão d não mais usar 11 l rm maldito não foram capazes de consert ar o estrago provoca- ' ln. At hoje há quem duvide das verdadeiras intenções por trás da p p lada afirmativa de que a guerra contra o terror é uma guerra da e ivilização contra a barbárie. Chamar o bombardeio indiscriminado dt1 regiões densamente habitadas por populações civis de "operação e l rúrgica" ou a carnificina promovida em razão de tais bombardeios d ' "efeito colateral" pouco contribui para aliviar a dor de milhares e 1 pessoas inocentes que foram vítimas das brutalidades praticadas. Por incrível que pareça, o uso continuado de tais "eufemismos" acaba n inimizando a culpa daqueles que foram diretamente responsáveis p los atos envolvidos - ao menos aos olhos de quem sofre a "lava- g m cerebral" praticada pela imprensa. 3. 0 PODER DA DESIGNAÇÃO Ao caracterizar de terrorista suicida alguém que sacrifica sua própria vida em prol de uma causa (qualquer que seja) , a imprensa não está apenas se referindo à pessoa que pratica tal ato de pro- porções incomuns. Ela está emitindo uma opinião a respeito de si mesma. Há, pois um julgamento de valores, disfarçado de um ato de referência neutra. E é justamente por estar camuflado como um simples ato referencial que tais descrições acabam exercendo t ama- nha influência sobre o leitor de jornal. À medida que o leitor vai se acostumando ao rótulo, deixa de perceber que a descrição não passa de uma opinião avaliativa. Como todas as opiniões avaliativas, esta também comporta um outro lado. Assim, os mesmos indivíduos que são chamados de "homens bomba" e "terroristas suicidas" p 1 imprensa ocidental são lembrados como "mártires" e "soldados da guerra santa" pela imprensa árabe. Convém frisar que o nosso intuito aqui não é perguntar qual dos dois lados tem razão. O objetivo das afirmações no parágrafo anterior 87 !oi o clt d •1t1oi11 t1,11 q11c• t 111to 11111q11.111to011110 ;,\o p.11 1 tvt•l: lt• 011 p rigo •st. 1w falo lt• qtH' o l 'il r ing nu ou d 's. vi. •.1clo t nde a confundir descriç com t rm r f r ncial, opini m í.H o consumado. É nisso que reside o maior perigo. 88 inguagem e xenofobia A palavra xenos, em grego clássico, era ambígua, podendo sig- nificar tanto "estranho" como "estrangeiro". Aliás, tal fato não chega ,1 ser, de maneira alguma, surpreendente, quando se verifica que as cluas palavras da língua portuguesa, da mesma maneira que suas ognatas nas demais línguas românicas, têm parentesco etimológico. Embora, do ponto do vista etimológico, se constitua em uma mera curiosidade ou, quem sabe, em uma simples coincidência, penso que estamos diante de algo de suma importância para a filosofia da linguagem, pois o que isso nos leva a perceber é que a ideia do Outro faz parte constitutiva da maneira como conceituamos tanto a língua como a pátria. Para os antigos gregos, o conceito de "self' e de sua etnia (palavra que até nos dias de hoje encobre todo o espaço semântico ocupado por "nação", "pátria'', e "etnia" em idiomas como o português), dependia da presença do outro, por sinal, sempre uma incógnita, e, por isso mesmo, sempre uma presença ameaçadora. E esse outro era nada mais nada menos que a representação coletiva dos bárbaros, assim chamados porque emitiam sons incompreensíveis aos ouvidos gregos. Os gregos eram o que os bárbaros não eram e vice-versa. Para os falantes de qualquer idioma, o estranho/ estrangeiro é aquele com quem não se entendem, ao menos com a mesma faci- lidade com que supõem poder compreender a fala de um dos seus. 89 I' o 1 d,\l l J ,1 h poli• <' cl1 q111•, 10 11 1',t' dt , 1•1 .1 d npo 11 ihlli l,1dc • d um língua m muin < 1 ondiç, 1 , < iu cor a omu r i ,1 ção, é a possibilidade, ou o reconh cim nto da possibilidad d 1u 1• seja possível comunicar-se com o outro que nos leva a afirmar que• falamos "a mesma língua". Não é à toa que se diz: "Fulano fala outr,1 língua" quando, a bem da verdade, tudo o que aconteceu entre os doi s indivíduos no caso foi nada mais que um simples desentendimento . É preciso, à luz do argumento acima, rever a nossa ideia de qm1 a linguagem seja um simples meio de comunicação, pois isso implirn que a linguagem por si só garante a comunicação. Pelo contrário, como acabamos de ver, é o interesse, a disposição, a vontade para interagir com os nossos vizinhos que nos dá a certeza de que falamos a mesma língua. Da passagem do homem primitivo para o homem civilizado, o que houve foi a disposição de se comunicar com os pares - pois foi esse gesto que resultou na formação de sociedades. À medida que essas sociedades foram se consolidando, percebeu-se a necessidade de formular regras de comportamento para coibir excessos por parte de alguns em detrimento dos demais. Entre essas regras coercitivas estão as regras da gramática en- tendida como um esforço prescritivo de cercear o comportamento linguístico do outro. Sempre que alguém sugere que se faça um esforço para controlar comportamentos linguísticos considerados indesejáveis, estamos diante de uma questão extremamente delicada. Ninguém duvida da necessidade de haver regras, não só do tipo "constitutivo", mas também do tipo "regulador", sendo que o primeiro se refere às regras que descrevem, ou melhor, constituem o próprio comporta- mento, ao passo que o segundo engloba todas as regras formuladas a fim de coibir comportamentos indesejados. O que torna problemáticas as regras do tipo regulador é a arbitrariedade na forma como elas são impostas. Ou seja, as regras reguladoras são formuladas e impostas sobre o resto da sociedade em nome de uma autoridade que nem sempre é universalmente aceita. D í o seu caráter arbitrário. A história da humanidademostra que, 90 < 11111 111p1c•c 11 lc•11l1• f11•q111111 ,1, 1 •111 i lo 11 : .id.i .10 ln11gn do 11•11qH>. ,1 l.1t ic,1 d' impo t•g .111 tot.d11H11l •, rbilr, ri s em, pr •l 1 s, d 'S ulp. dt oil ir 'X •ssos. Por 'X •mplo, invocando a n ssidad d coibir '11poslas atividades d guerrilhas anônimas que estariam ameaçando .1 ndição de govemabilidade de um país, os militares em diferentes 1 'rtes do mundo continuam, até nos dias de hoje, a fazer valer a 1iua força sobre a população civil, impondo leis como a do toque de r colher, censura sobre a livre circulação de ideias etc. Nesses casos, e remédio logo se revela mais letal que a própria doença. No que diz respeito às línguas naturais, o desejo de controlá-las, erceá-las mediante regras é tão antigo quanto a própria história da ivilização dos diferentes povos que habitam a terra. Assim como é também a crença bastante arraigada em diferentes culturas de que, a menos que haja alguma intervenção externa, o destino natural das línguas é crescer até um certo ponto e, a partir daí, entrar num processo de definhamento progressivo que terá como desfecho a decadência total e a dissipação. É dessa forma que o leigo tende a interpretar o "sumiço" das línguas nobres como o latim e o sânscrito. Neste sentido, o mito da torre de Babel sintetiza algo que é amplamente entendido como o destino de todas as línguas: as línguas nobres de outrora entraram num processo irreversível de degradação, dissipando-se em línguas menos nobres e "vulgares" - como no caso do latim vulgar e a prakrita, a versão vulgarizada do sânscrito. A própria palavra samskrita em sânscrito significa 'aquilo que foi submetido a processo de purificação'. A prakrita, a fala do povo, era vista como a forma 'deselegante' e 'contaminada'. Para se ter uma ideia da ampla difusão, nas mais variadas culturas, desse preconceito contra a fala do povo, vale a pena lembrar que, durante o período da ocupação da Inglaterra pelos romanos, era comum referir-se à língu inglesa como 'the vulgar tangue' isto é, 'a língua vulgar' (em oposiç ao latim, a língua de prestígio e de ascensão social da época) . O desejo de manter a língua pura se traduz no medo mórbido d "contaminação" com as demais línguas e na desconfiança em relação 91 .i q11 ,11q11 t• t t lpo dt• 101t l. 1t 11 t 11 111 l'l. t , M.1x M11ll 1• 1 (,qi11d 'l'l1 0 111 ,wo 11 l' l(, ufm, n, 1991: 1 ), l 11clo logo 1• 11111 dcrn plon ' ir H ci o m L 1 om p r tivo, foi o au tor d f, mos. f • .'' "/Js gibt keine Mischsprach ", ou seja , n ão se admite que possa hav r línguas mistas . Embora se tr H' de uma tese acadêmica como qualquer outra, sujeita a comprovação ou contestação futura, a ideia de que não pode haver línguas mistas adquire conotações assombrosas quando se percebe que o século XIX foi crucial na história da Alemanha no que diz respeito ~ formação d sua identidade nacional e que a filologia (a que antecedeu a moderna linguística) teve papel crucial naquela empreitada (cf. Smith, 1991). Ou seja, o que tornava a ideia de línguas mistas algo impensável n o imaginário alemão do século XIX era o mesmo que deu origem ao medo da miscigenação, do contato com raças "inferiores" etc. Da mesma forma que a raça ariana precisava ser resguardada do contato com as raças inferiores, a língua alemã também precisava ser protegida contra as influências estrangeiras. Ao lembrar o surgimento do nacionalismo alemão, Adolf Hitler escreve o seguinte em seu livro Mein Kampf: O que aconteceu sempre e em todos os cantos, em todas as lutas, também transcorreu na luta envolvendo a língua que foi travada na Áustria antiga. Havia três grupos - os lutadores, os indecisos e os traidores. Até nas escolas, essa diferença começava a se manifestar. E vale observar que a luta pela língua talvez tenha sido travada em sua forma mais intensa dentro da escola; porque essa era o berçário onde precisavam ser cuidadas as sementes que desabrochariam e formariam as futuras gerações. O objetivo estratégico era o de fazer a cabeça das crianças, e foi à criança que o primeiro grito de guerra foi dirigido: "Jovem alemão, jamais te esqueças de que tu és alemão" e "Lembra-te, menininha, que um dia serás uma mãe alemã". Para Hitler, tanto a língua alemã como a raça alemã precisavam ser urgentemente resgatadas da influência estrangeira. A pureza da língua alemã era o primeiro passo para conseguir a pureza da raça ariana. Contra a "contaminação" que já havia ocorrido devido aos descuidos do passado, só havia um antídoto: limpeza linguística n o 92 pt i11 H•l to e .11 o; li11q ><•:t.11 1• t ide .1 1 11 0 . l'!'l 111 1 . J! ' 1-dog.1 11 do li ll1 lor .tl <• m:I r,: "Jiin Volk, /J'in H •ich, fün Fuhrer". O T r iro R i h, como .ir u m nta Victor Kl mp r r (2000), é, antes de tudo, uma linguagem. Da rápida discussão sobre a forma como foi trabalhada a questão 1 i nguística na Alemanha nazista, podemos e devemos tirar algumas lições l mportantes - pois, como diz o ditado, quem não dá a devida impor- [ ncia às lições da história está condenado a repetir os mesmos erros do passado. A língua. é muito mais que um simples código ou um instru- mento de comunicação. Ela é, antes de qualquer outra coisa, uma das principais marcas da identidade de uma nação, um povo. Ela é uma ban- deira política (Rajagopalan, 1999e, 2001c; 2002e). Como observa Pandit (1975: 178): A questão da lealdade à língua não é tão externa à linguística quanto pode parecer. Uma quantidade enorme de informações de natureza social e cultural está codificadà numa mensagem qualquer; a interação verbal no interior de uma comunidade de fala constitui-se em um evento cultural; ela reitera o sentido de pertencer e assinala a existência das pessoas envolvidas dentro da comunidade. Nesse sentido, a identificação com a língua não é externa, não é uma superposição - política ou social - mas, sim, uma marca linguística intrínseca. O apego do falante à sua variante e à sua língua é sintomático e denuncia o significado cultural que sua língua representa para ele. Como já dizia Buck, quase um século atrás (Buck 1916 - apud Greenfield 1998: 635): De todas as instituições que sinalizam uma comum nacionalidade, a língua é uma da qual um povo é altamente consciente e à qual se encontra fanaticamente ligado. Ela é a bandeira mais conspícua de nacionalidade, para ser defendida contra invasões, como também é o primeiro alvo de ataque por parte de um conquistador que se dedica a destruir o sentimento de nacionalidade dos povos sob seu domínio. E, como no caso de todas as demais ban deiras políticas, constitui- -se em um símbolo e está sempre sujeita à exploração engenhosa por parte daqueles que sabem usá-la em prol de interesses obscuros e inconfessáveis. Foi isso que aconteceu na Alemanha nazista. Como 93 t.11n lH'tll 1111 lt.11" l.1: ti . t.1 1 • oi> .1 lide•ti111~.1 de Bc•11tlo M11 oli11i (1 ld11 , 1988). D m 'Sm< form. iu o s •nl im 1Ho cl' , mor , P• lri, p.1:11 o1 pelo amor à língua materna, o sentim nto d chauvinismo (grilo de • guerra de todas os regimes fascistas) aflora por intermédio d \1111 ódio desmedido à língua estrangeira. As línguas minoritárias são, com frequência, alvos preferidos cl.1 queles ditadores que, em nome da unificação do povo, querem forL1 lecer o seu próprio controle sobre as instâncias do poder e, ao mesmo tempo, calar as vozes que possam se insurgir contra eles. Na Espanh<t, a ditadura de Franco logo cuidou de reprimir as línguas minoritárias, notadamente o basco. Se dependesse dele, a líng~a basca estaria sim plesmente silenciada para sempre, varrida da face da terra de uma vez por todas. Dentre as ten.tativas recentes mais ousadas e quase levadas ,1 cabo está o caso da tentativa, por parte de Franjo Tudjman, o falecido presidente da Croácia, de extirpar todas as palavras de origem sérvia , a fim de tornar a língua servo-croataincompreensível para os recém -desafetos da sua nação, os sérvios (Treanor, 1997: 69). Creio ser desnecessário arrolar mais exemplos para sustentar a tese de que a língua sempre serviu e servirá como ponto de agluti- nação de um povo e, por isso mesmo, a arma mais fácil nas mãos de líderes maquiavélicos que querem se consolidar no poder. É preciso, porém, perguntar se há casos que realmente justifiquem a defesa de uma determinada língua, em nome de perigo externo iminente. Afinal, foi esse o argumento usado pelo deputado Aldo Rebelo em defesa do seu controvertido projeto de lei n. 1679/99. Respondendo à critica feita ao projeto pelo linguista Carlos Alberto Faraco (2001: 31) para quem "[o] projeto [ .. . ] poderia ser visto apenas pelo seu lado grotesco ou como um oportunismo devido aos seus evidentes efeitos midiáticos", diz o deputado que seu projeto "longe da xenofobia de que é acusado ou de rejeitar contribuições de línguas estranhas, tão somente deseja a valorização. da nossa" (Rebelo, 2001: 22). O de- putado procura defender o seu ponto de vista com fatos históricos incontestáveis quando observa: 94 /\ 1tt1 p,1 i.1, e n 111 n n t 111 , 11 H •, 11 1 • p. 1 d .1, 11 po 1vo1 .1 e• , 1 1 n od1 • t 11.i t t'< 1101 og l ,1, t •m 1ilclo 111 11.1 I<•• r 111 w nt.1 I<• onquist,. A ultur, lomin n l i p s u v , bu l, ri , ullur, dominada. Quando as tropas indon sias o up ram o Timor L ste em 197 4, a primeira providência dos inva- ores foi proibir o ensino e o uso do português. Banido das escolas, o português passou a ser defendido pelas armas dos guerrilheiros da Fretilin, que restabeleceram o uso do idioma tão logo alcançaram a autonomia da antiga colônia portuguesa. O uso da palavra para a conquista de nações e territórios tem um exemplo eloquente no Brasil. Quando Portugal decidiu empreender a colonização, cuidou de providenciar um idioma para a comunicação com os nativos (ihid.). Rebelo tem toda a razão quando assinala que privar um povo elo direito de usar seu idioma é roubar-lhe a sua própria identidade enquanto povo. Entretanto, ele deixa de perceber que os fatos apon- tados não justificam, por si sós, nem o ataque à língua do colonizado nem a defesa da língua nativa contra as pretensões do colonizador. Eles apenas nos fornecem uma explicação, uma racionalização do fato de a língua ser o alvo preferido do colonizador e a bandeira mais querida do colonizado. Explica, isto sim, por que a língua provoca tantas paixões, até mesmo tanto derramamento de sangue. O nobre deputado prossegue afirmando: Penso que acusar o projeto de repetir a política linguística de Fran- co, Mussolini e outros parecidos não resiste a um sopro sobre a poeira de preconceito e ignorância que reveste o argumento. Franco e Mussolini, notadamente o primeiro, tentaram impor as línguas dominantes, no caso a de Castela, a povos que tinham línguas próprias, fossem bascos, catalães ou galegos (ihid.) . Novamente, o problema não está nos fatos que ele apresenta. O problema está na sua crença de que a defesa da língua portugues que ele quer promover através de lei envolve um . direito legítimo e portanto não é comparavel à atitude fascista .inerente aos casos citados. Pois, logo após, as palavras citadas acima, diz ele: Nós não queremos impor o português a ninguém, mas apenas pr - servá-lo para aqueles que o têm como língua materna e na condição 95 dt olll g. 1 ~, u e 11 11 111111 11 11 d 1 111 cl !'v1 11.11110 ,1( 11 t.11 q11 • ,1 llHlt'd.1 cl,1 glol .dl 11:,1ç o (o do l.11 ) 111p11 11l1 ,1, .dc •111 d1 • B ' li . '.' 11 11n ,1H mon •t, lo , .' us m c.l 1 , ul1 u1 ,1 11 t 1111ht1 111 111• u 11 padrõ ling u s i s? Ou .d gu m acha qu o i1 1111 ><> 11 1 110t cl t'. 1i1 qu d nomina um p qu ' 110 rio de riinho, ria ho, ri, hl1 h , rgo, corguinho esculpiu s l 1•1 vocábulos pelo mesmo inz l dos esnobes da Barra da Tijuca qut• entronizaram uma estátua da liberdade em pleno Rio de Janeiro t' infestaram suas ruas de placas e anúncios em inglês, no que fo ra 111 ridicularizados pelo próprio The New York Times? Não é difícil perceber que o deputado cai numa tremenda con tradição quando alega não "querer impor o português a ninguém", para em seguida, mostrar interesse em isolar e legislar contra aquel s que ele condena e despreza como "os esnobes da Tijuca". Ou seja, primeiro invoca o fantasma de um perigo externo: a globalizaçã . Em seguida, prega a defesa da língua nacional como antídoto contr, os invasores "externos", decretando que aqueles que se opõem à su, iniciativa são estranhos à pátria, tão maus quanto os invasores se nã piores - por estarem agindo como uma "quinta coluna". Erri outras palavras, em nome da defesa de um povo, esforça-se por efetuar um uniformização dos diferentes segmentos que compõem tal povo, t a chando de maus elementos todos aqueles que se põem no caminho da legislação proposta. Por implicação, "os esnobes da Tijuca" seriam os agentes das forças de globalização, aqueles que estariam traindo os verdadeiros interesses da pátria etc. Para Rebelo, o verdadeiro povo brasileiro seria composto pelos camponeses e não os esnobes desenraizados da verdadeira cultura. É impressionante verificar um certo paralelismo entre o racio- cínio desenvolvido pelos defensores da defesa das línguas nacionais e o argumento que Hitler oferece no capítulo XI (volume I) do seu livro Mein Kampf. Para Hitler também, a questão toda se resumia à defesa da pátria alemã (isto é, o "povo alemão", no sentido mais amplo que ele mesmo defendia para que ele, austríaco de nascimento, pudesse ser considerado um autêntico alemão) . E nessa empreitada valia tudo; até mesmo discriminar "as raças inferiores", que seriam 96 1 1 t,111h.i: 110 1il11 h o t' pot t.1111 o 111t11 t' clor.Hi dt• 1 t'puclio . No tt' f 11 ido 1,1p l1ulo, ll itl rpr ur, cl( li1H.r s nLidodopovo l •tn od SS'U ' 0 1 h . A pr s nça da figura do judeu logo se revela um "empecilho" 11 ' sa empreitada. Eis a forma engenhosa que o autor descobre para lucionar o problema ("solução" que anos mais tarde seria decretada rmalmente na macabra "Noite dos Cristais"): Os judeus não têm as habilidades criativas necessárias para fundar uma civilização. Pois, neles nunca houve nem haverá o espírito de idealismo, elemento absolutamente necessário para o desenvolvi- mento mais alto da humanidade. Portanto, o intelecto judeu nunca será construtivo, sempre será destrutivo. Na melhor das hipóteses, servirá de estímulo, em raros casos porém apenas no âmbito do significado das seguintes linhas do poeta: "O Poder que sempre quer o Mal, mas sempre trabalha o Bem" ("Kraft, die stets das Bõse will und stets das Gute schafft"). Esse raciocínio vai levar Hitler a concluir no epílogo de seu livro: "Um Estado que, numa época de adulteração racial, se dedica ao dever de preservar os melhores elementos do seu patrimônio racial, está destinado a um dia tornar-se o dono do mundo". E, falando mais especificamente da relação entre o judeu e a questão das línguas nacionais Hitler pondera: Até que consiga dominar os demais povos, [o judeu] é obrigado a falar a língua daqueles povos, querendo ou não. Mas no momento em que o mundo acaba sendo o escravo do judeu, terá que aprender algum outro idioma (esperanto, por exemplo) a fim de que, por meio disso, o judeu consiga dominá-lo mais facilmente. Gostaria de concluir este capítulo observando que, ao longo da história da humanidade, houve vários momentos em que as maior s atrocidades foram cometidas em nome de objetivos aparentem nt nobres. Os objetivos foram, nesses casos, apenas aparentemente no- bres por que as abstrações feitas pelos defensores para justificá-los simplesmente ignoravam os elementos que não se encaixavam nas generalizações desejadas. Mais ainda, em nome de uma suposta maio- ria, isolavam e, em seguida, execravam todos aqueles que não estavam 97 a •ti 11 1 1 !I H l dJ I li' i l l l d<• .1<01do <0111 01 < 1 l1'lt() 111111 .11 11111111< 1 t' rn llt cio p,1t,1 Jw l lf1<o11 , s bstr, õ s. J, . ç li . IH q111 , qtt< 111 p.11or, , li s d, hi ·t ri , . 1. ond nado a pass r p l s 111 · ~1111,1 •xp •ri 1 i s m rg s. P r nó .'o resta a esperança de que o b m ns pr valeça, antes que iniciativ, ~1 intempestivas acabem redundando em danos irreversíveis. 98 A polêmica sobre os "estrangeirismos" e o papel dos linguistas no Brasil A polêmica instaurada já há algum tempo no Brasil acerca do uso/abuso (dependendo de que lado da controvérsia se contempla o fenômeno) dos assim chamados "estrangeirismos" já se tornou uma verdadeira cause célebre (com o perdão da palavra, é claro!). De um lado dessa polêmica, um contingente impressionante de pessoas, ao que parece em número crescente, reivindica uma toma- da de atitude firme e decidida diante da enxurrada de expressões estrangeiras no português brasileiro e da facilidade e falta de senso crítico com que elas são absorvidas pelo uso corrente do idioma, quer na mídia, quer nos cartazes e letreiros. Se depender do desejo desses defensores do idioma, com certeza será dado um "basta", curto e sonoro, ao processo em curso, visto que tal processo é tido como nada mais nada menos que uma agressão a um valioso patrimônio da nação. Nessa perspectiva, quem não se enquadrar na nobre missão de zelar pelo bem público será enquadrado na forma da lei e punido de acordo com regras de comportamento linguístico preestabelecidas mediante legislação. Proteger a língua nacional significa, afirmam eles, salvaguardar a soberania nacional. E quando o assunto é esse, todo esforço de responder à altura possíveis ameaças à soberania 99 I'" :ili 1:1: I" " ,. I~ : ll.t C io11 1d c 1 1' 111 0111!>1 ,1 d1 dt1 11.1 , V ti cio . l )lt I' ,) <1111 cl 1' 111 , iH clir ' iLos, 1st.dw l1•1 ci o: pnt lc 1 ou O outro lado, d 88, pol llli< ,, <' s t ~ mos nós, os linguistas. N, o Ili , como linguistas, ist , profi ssi nais interessados em desvc11 [, r os mistérios da linguagem e pensar sobre a melhor man eira d<• nstruir teorias sobre ela, já não n os houvéssemos posicionado .1 r speito de questões da ordem da política linguística. Mas a verdad <· que a dimensão política envolvendo as línguas nunca foi o nosso forte . Havíamos nos acostumado a nos esquivar de questões como planejamento linguístico. O próprio termo soa, 'para muitos de nós, como algo que sobrou do entulho autoritário que marcou outras pocas. Faz parte da cartilha da nossa disciplina a ideia de que as línguas obedecem às suas próprias leis . Elas evoluem, se renovam, s ajustam a novas exigências de comunicação e de contato com outros povos. Em relação às línguas, portanto, o melhor a fazer deveria ser deixá-las em paz. Mexer com o destino das línguas revelar-se-ia tão perigoso quanto trabalhar com engenharia genética - brincar de Deus, o Todo-Poderoso, uma vez que nunca se sabe como tudo vai terminar ou que surpresas desagradáveis nos esperam. O fato é que a maioria de nós foi pega de calças curtas pelos últimos acontecimentos. As diferentes tentativas de estancar o avanço dos estrangeirismos, inclusive através de projeto de lei, surpreende- ram-nos não só pela maneira como foram feitas, à revelia dos nos- sos esforços científicos sobre o assunto, mas também pela enorme repercussão que tiveram na mídia, como também nas conversas de bar. Que os leigos costumam ter ideias pouco científicas a respeito da linguagem sempre foi matéria de qualquer curso introdutório sobre a linguística. O primeiro passo, dizem esses manuais de linguística, para adquirir o espírito da moderna ciência da linguagem, é justamente o de se desvencilhar das ideias preconcebidas sobre a linguagem. Infelizmente, muitas dessas ideias escancaradamente errôneas ou no mínimo discutíveis, como costumamos ensinar em nossos cursos introdutórios, acabam se alojando até mesmo no discurso acadêmico mais precavido e acabam sendo preservadas para a posteridade na f rma de preconceitos linguísticos. Muitos desses preconceitos, por 100 TT 11.1 vt·~ , .ic ,d).1111 c 111011t1 ,111do 1 <' Il i ,,1 lo 11.1 s h,rn1.1d.i . " 1r,1111 , ti ,1H t r, li i 11, is" ,,, 11 im d •1101 inadas por não t r m sido subm t idas s rutinio rig roso dos métodos científicos da linguística. Afinal, não foi contra a tirania da gramática t radicional que a linguíst ica moderna se insurgiu no começo do século XX? Perplexos diante da volta e do recrudescimento de algumas dessas ideias falsas ou ingênuas, aqueles entre nós mais preocupados com o rumo dos acontecimentos, perguntam: o que saiu errado? Por que motivo os ensinamentos da moderna ciência da linguagem não estão tendo a devida repercussão na sàciedade civil? Por que razão a ideia - bastante elementar e singela para nós - de que as línguas naturais evoluem constantemente e, ao longo desse processo de evolução, entram em contato com outras línguas, incorporam novas palavras e expressões, e, longe de serem prejudicadas pela absorção dos elementos estranhos, acabam na verdade se beneficiando e se enriquecendo etc., não consegue sensib ilizar aqueles que insistem em legislar contra a própria natureza da linguagem? Para podermos fazer qualquer avaliação da maneira como a polêmi- ca tem evoluído, é preciso, antes de qualquer outra coisa, reconhecer que o que presenciamos hoje é um empate. Isto é, a discussão se encontra simplesmente travada. Cada lado marcou sua posição irredutível e não está disposto a ceder. O que vem a ser p ior, para quem vê a situação do lado de fora da contenda (hipótese puramente imaginária, já que os linguistas e os leigos se complementam, esgotando o universo do discurso), a polêmica se t ransformou em uma conversa entre surdos, cada lado gritando cada vez mais alto, sem ter o menor interesse em ouvir o que o outro lado tem a dizer, e sem sequer acreditar que o outro lado esteja realmente interessado em ouvir as suas razões. A pergunta com a qual gostaria de iniciar a minha discussão do tema em pauta é: por que razão está se revelando tão difícil, para não dizer impossível, um diálogo entre as partes? A resposta instan- tânea pode ser resumida numa só palavra: desconfiança. Existe uma desconfiança mútua entre as partes. Já vimos que a linguística se ergueu como ciência a partir de um certo repúdio ao senso comum a respeito da linguagem. O sen- 101 ,)1 1 ,, 1 '" ",1 ... , ,I " :.1 :.:: :'.1 li ;,; ·: ''" 1 li Jlll I ~IJ 111 () ()11\11111 , 1 if, , \ ( . 11 t 111 1 d 1 1 t 1rn d, u , l v<•ll d1 • f. 1 n, s 11 11 m m nto m qu . ll HIH'tl l 1111 01 t ud qu o nso mum 1 0 11 nsina para que pos m s 11l •mpl r o fenômeno a ser estud do m ideias preconcebidas. Por sua parte, o leigo (leia-se o não linguista) não consegue en tender como Um grupo de estudiosos, de credenciais inquestionáveis, consegue colocar-se contrário a propostas que, no seu entender, parecem tão evidentes e em perfeita sintonia com ... bem, o senso comum. Mesmo disposto a dar-lhes todo o respeito que merecem, o leigo vê os linguistas como pessoas que investiram tantos anos no estudo da linguagem e que, no entanto, tomam posições tão difíceis de entender. Ou seja, no atual empate entre o público leigo e os linguistas, são estes últimos que se acham cada vez mais isolados e vistos como quem pouco ou nada têm para contribuir. Para o linguista, o leigo é demasiado ingênuo e precisa ser devidamente instruído para pensar de forma correta. Para o leigo, perplexo diante daquilo que parece pura insensatez por parte do lin- guista, é preciso procurar outras fontes do saber quando o assunto é a língua nacional enquanto patrimônio público. É fato que, com raríssimas e · honrosas exceções, poucos entre nós, linguistas, paramos para pensar que as línguas, além de serem instrumentos de comunicação, atributo distintivo do ser humano etc., também são verdadeiras bandeiras políticas,atrás das quais se reúnem povos e em nome das quais muitos se dispõem a derramar o próprio sangue. Pois não será o caso de levar em conta que muitas das nossas consagradas teorias a respeito da linguagem estão des- preparadas para o desafio de refletir sobre a política linguística, em particular sobre o planejamento linguístico de uma nação? Com o intuito de trazer mais subsídios para a discussão, trago as seguintes considerações: Em primeiro lugar, é preciso que nós, linguistas, nos interessemos cada vez mais pela dimensão política, sob pena de permanecer à margem das discussões em curso no país. Se dentro dos arcabouços teóricos, com 102 ' 11' lil 1 111 1 Ili 1 1 l t 1 1' l!I 1 1 !Hlilll 1 \ HI ! 111 ' H w q11.li1 <' t.11111 1 li.ili t11 .11 lo " t .11 ,1lli,1r, 11 , o lt, t1 11 ,1 o p.i ,1 kv, 111 ,1 1 lll sl •s r ' lílt lv.111 , polll i ,1 lin :u sti , p rtamo bu c d 11 v s < minh n d di nt r clamar que as propostas que vêm sendo of reciclas por políticos ávidos por atender aos anseios do povo (e, não raramente, canalizá-los em benefício próprio) estão em desacordo com os ensinamentos da ciência, se não perguntarmos primeiramente se a própria ciência, no caso, se interessou pela questão política em algum momento. É preciso, em outras palavras, reconhecer que a questão da política linguística não pode ser tratada como um simples adendo a teorias concebidas ao largo de qualquer vínculo entre linguagem e política. É aí que talvez tenha havido o nosso maior tropeço: o de tentar achar uma ligação direta entre duas coisas tão desvinculadas uma da outra. De um lado, está um corpo de conhecimentos acumula- dos através de anos de estudo que, no entanto, nunca tiveram espaço algum na reflexão sobre as conotações políticas que a linguagem car- rega, principalmente para os falantes dos diversos idiomas. Do outro lado, encontramos propostas concretas no campo de planejamento linguístico, inclusive propostas da ordem da "engenharia linguística'', com finalidade de intervir em determinadas realidades linguísticas. Por bem ou por mal, intervenções políticas no rumo das línguas são mais comuns do que gostaríamos que fossem. A história da hu- manidade está repleta de casos de intervenção proposital no destino de determinadas línguas, com objetivos diversos. De um lado há casos como o do hebraico moderno, língua recuperada da poeira da história em nome da unificação de um povo e do seu desejo de fundar uma nação própria, e o do hindustâni, língua literalmente "inventada" pelo líder indiano Mahathma Gandhi, ao pleitear que o híndi e o urdu (línguas faladas majoritariamente pelos hindus e muçulmanos respectivamente no subcontinente da Índia) fossem considerados uma só língua. Do outro lado, encontramos casos como o do alemão que, em diversos momentos da sua história, sofreu tentativas de pu- rificação a partir do expurgo das palavras de origem latina, e o caso, bem mais recente, do esforço do falecido líder Franjo Tudjman, da Croácia, para introduzir sistematicamente grande número de neo- logismos, a fim de que, com o passar do tempo, a fala dos croatas se tornasse incompreensível para os sérvios, vizinhos com os quais 103 i:::: t 0 111p.it t íl h ,1v. 11 11 .1 1111 111.1 1111 1 I 1 11 11 11 111 0 lcl io 11 1.1 .1t ( o i11I( lo d.1 . ho.11ilicl.1clt11 t•nt <'o. do povo , p. 11 11 i os f, , n ligil lugos l, viil. A moral da hilll >rl. 1: i 11d 1•pp 111 l(111 l<• m nt do que s m algumas teorias sobr o func 1011,111 1 'nLo da linguagem e a proprir dade ou não de tentar int rvir na volução de diferentes línguas, ,1 política linguística sempre imperou no mundo inteiro, em diferent s momentos da sua história, e sempre houve quem pleiteasse inter venções sistemáticas a fim de "salvar" certas línguas dos possíveis descaminhos. Mais ainda: como sempre acontece nesses casos, tais intervenções são feitas, via de regra, ou com propósitos nobres e jus tificáveis, como os de unir povos ou de fazer a paz entre povos que não se entendem ou, ao contrário, para semear o ódio entre povos e pescar proveito político nessas águas turvas. De nada adianta bater na tecla de que falta uma boa dose de linguística nas discussões políticas a respeito da língua portuguesa e seus rumos no Brasil. O que falta não é linguística, mas sim o reco- nhecimento de que com ou sem nós, as coisas vão se desenrolando no cenário político, e que a atitude mais sensata no atual quadro é entrar na discussão n os termos em que ela está colocada, com o objetivo de mostrar a todos as consequências políticas que podem ter, a longo prazo, medidas apressadas tomadas hoje . Finalizando: o que se deve pergunt ar não é se faz sentido tentar influenciar o destino de um povo, int ervindo nas línguas que efeti- vamente colaboram na construção da identidade daquele povo. A pergunta que urgentemente precisamos fazer é: que esforços podem ser feitos de imediato a fim de trazer à baila os interesses ocultos e escusos que podem eventualmente estar por trás das propostas po- líticas e descortinar as consequências longínquas de adotarmos esta ou aquela política no momento atual? É preciso, com urgência, encarar a dimensão política da linguagem, sob pena de sermos ultrapassados pela marcha dos acontecimentos ao nosso redor. 104 =:J [_ [_ Linguística aplicada PERSPECTIVAS PARA UMA PEDAGOGIA CRÍTICA A pedagogia crítica nasceu das inquietações vividas ou repro- duzidas na sala de aula, não enquanto um espaço acadêmico no seu sentido tradicional, isto é, um lugar .onde se confere o saber àqueles que dele carecem, mas enquanto um autêntico espelho das contradi- ções e tensões que marcam a realidade que se verifica fora da escola (Rajagopalan, no prelo-3). Ou seja, o primeiro compromisso de um pedagogo crítico é com a comunidade, da qual a sala de aula é uma pequena, porém fiel, amostra. Resumindo o pensamento de Paulo Freire, Henry Giroux (1996: 570) diz o seguinte: Ensinar, nos termos de Freire, não é simplesmente estar na sala de aula, mas estar na história, na esfera mais ampla de um imaginário político que oferece aos educadores a oportunidade de uma enorme coleção de campos para mobilizar conhecimentos e desejos que podem levar a mudanças significativas na minimalização do grau de opressão na vida das pessoas. Durante o famoso debate entre Myles Horton e Paulo Freire (cf. Horton e Freire, 1990), o educador norte-americano lembra que a pa- lavra educação, em sua acepção histórica, não incluía a aprendizagem fora da escola. Tanto isso era tido como ponto pacífico que quando ele fundou a famosa e pioneira Highlander Folk School no Tennes- 105 1 11 • 1, <" l1Hlo 11 0 11 1• ,11111 11 1 11111111 ,1 111 lnt ,1 1 Lr b lho s ravo 11111 J !! Ili ult 11 .1 de• p lo s inim gináv i , " s p ssoas de dentro do is rn, duc cional disseram, quase un 11i m mente, que a Highlander nada tinha a ver com educação" (Horton e Freire, 1990: 200-1). Isso incluía, segundo Horton, até mesmo as pessoas favoráveis à nova proposta educacional. Por sua parte, Paulo Freire deixa claro que não há como se es- quivar da luta, tanto déntro como fora do sistema educacional. Do ponto de vista da pedagogia crítica, a linha divisória entre o "dentro" e o "fora" neste caso é bastante tênue e precária, pois o que se faz dentro logo repercute fora e vice-versa. O que torna a pedagogia crí- tica distinta é a vontade do pedagogo de servir de agente catalisador das mudanças sociais. O pedagogo crítico é, em outras palavras, um ativista, um militante, movido por um certo idealismo e convicção inabalável de que, a partir da sua ação, por mais limitada e localiza- da que ela possa ser, seja possível desencadear mudanças sociais de grande envergadura e consequência. Diferentemente das origens da pedagogia crítica, a área aca- dêmica que se convencionou chamar de "linguística aplicada" tem origens "nobres" e se mantém distante das preocupações do dia a diado mundo do comum dos mortais. É lícito dizer que a linguísti- ca aplicada nasceu no berço esplêndido do mundo acadêmico, como 1 A Highlander Folk School, situada em Monteagle, TN, foi fundada por Don West, diretor de distrito do Partido Comunista da Carolina do Norte, e Myles Norton, diretor do Commonwealth College. Com base em testemunho de membros da escola, ela foi processada pelo estado do Tennessee, sob alegação de promover atividades sub- versivas, e fechada por ordem judicial em 1960. Inicialmente a escola se concentrou no treinamento de líderes sindicais, mas nos anos 1960 Highlander se tornou um centro do movimento pelos direitos civis. Quando do fechamento da escola por ordem dos juízes de Monteagle, Horton mudou a escola, primeiro para Knoxville, depois para New Market. Nos anos 1980, o foco da escola se voltou para as questões ambientais, especialmente diante da luta pela recuperação econômica no sul dos EUA A Highlander Polk School pode ser considerada uma expressão da cultura americana de esquerda. 106 11 '"' ll t:: lllll,I 11b1 ti' 1 d' llVC' l •'•''~'li d1 dl .1 l.1 11 'V 1tllll 1ll.I ,1p l ( .1~ d1 11111.1 di. i1 111 , n, lin u ti r 1 u t óri . E L'", su v :t, p u s' 1 ' cup v com coisas mundanas para pod r nt mplar de forma c n ntrada os mistérios da linguagem humana - tornando-se, nas mãos de alguns dos seus adeptos, um ramo da psicologia cognitiva. Di Pietro (1977) se refere a uma pergunta - um tanto desnorteadora - feita por um aluno logo após uma aula introdutória sobre a linguística: "Como é que um linguista ganha o Prêmio Nobel?" Lembrando que o cobiçado prêmio é outorgado àqueles que de forma significativa contribuíram para a melhoria das condições em que vive a humanidade, o autor acrescenta: "Um possível candidato pode ser um linguista, porém ele vai ter que se qualificar para o prêmio por algum outro motivo" (Di Pietro, 1977: 3). A tão decantada emancipação da linguística aplicada é hoje, sem sombra de dúvida, um fato institucionalmente consumado. Contudo, há fortes indícios de que a disciplina mãe continua a exercer fascínio desmesurado sobre uma parcela dos pesquisadores. Isso ficou evi- denciado num debate patrocinado pela revista International Journal of Applied Linguistics (cf. Rajagopalan, 1999a, b; Widdowson, 1999; Brumfit, 1999). O subtítulo ostentado por um volume recentemente publicado na Grã-Bretanha é prova contundente dessa hierarquização tacitamente aceita: Solving Language Problems: From General to Applied Linguistics (Hartmann, 1996). Seguindo à risca a mesma política edi- torial - que por sua vez fielmente reproduz o preconceito contra as questões de ordem prática - adotada pela série pioneira The Edinburgh Course in Applied Linguistics, de 1973, o livro de Hartmann começa com um conjunto de artigos de cunho teórico escritos por diferentes especialistas e termina com uma seção dedicada a assuntos práticos, reiterando, dessa forma, a crença amplamente divulgada entre nós d que a prática só se justifica e adquire confi.abilidade quando decorre da teoria e jamais o contrário. De onde vem o enorme prestígio da teoria, do pensamento abs- trato e o relativo desprestígio da prática e sua posição de subalter- 107 111d.11l1 1•111 11•1.1\, n . 111i111111.1 V tl1 ,, p• 11 .1 111 1: l1•t1•1 11111 po11c o p.11.1 .1prnfunclil Ulll1I q111•: t 11 1 1111 111 fmt1•11 in lf io.· 1 •que B tr<'llil I<' um 1 r on il JU • H<' 111 t.d1111 1'1 11 t 1~. d um s ri d p qu no:-i ' 1 sliz s' de raciocínio . S<•gu 11 lo Mi h l Oakeshott, a origem do pr conceito contra a pr ti • st. n forma equivocada de se pensar . natureza do conhecimento e sua aquisição. Para Oakeshott, é possív 1 apontar para uma certa diferença entre "dois tipos de conhecimento [ ... ] distinguíveis porém inseparáveis" - a saber, "conhecimento técnico" e "conhecimento prático". O primeiro se adquire de forma consciente e é, em seguida, posto em prática. Funciona como um conjunto de técnicas abstratas e desvinculadas das condições pe- culiares que marcam suas eventuais aplicações. Os exemplos mais ilustrativos seriam as normas descritas em manuais para motoristas, receitas culinárias, procedimentos de verificação, observação e expe- rimentação para a pesquisa em ciências naturais. O conhecimento técnico consistiria, noutras palavras, em um conjunto de diretrizes padronizadas e explicitadas em fórmulas sucintas, destinadas a serem válidas para todos os tempos, lugares, e condições. Em contrapartida, o conhecimento prático existiria só na prática e não pode ser formulado na forma de regras rígidas. Trata-se de uma espécie de "know-how" e não de um corpo de conhecimentos que pode ser "transportado" de um lugar para outro. É, no entanto, o . tipo de conhecimento que transforma um pianista em um verdadeiro gênio da música e que dá a um jogador de xadrez seu estilo e ao cientista tarimbado o toque extra. Por não ser mensurável, não há como ensinar ou aprender o conhecimento prático; ele só pode ser adquirido através de contato contínuo, isto é, se praticado por um longo período. A distinção que Oakeshott propõe entre conhecimento técnico e conhecimento prático não é algo inédito ou sem precedentes. Propostas análogas foram feitas por William James (1890) e Gilbert Ryle (1949). O primeiro defendia uma distinção entre "conhecimento sobre" e "co- nhecimento por familiaridade (acquaintance)" e o segundo distinguia o "saber como" do "saber que''. A originalidade de Oakeshott está em que, para ele, os dois tipos de conhecimento são inseparáveis, pois um sim- 108 11 " 1111 rni pi<: 1111•1111• 11, o 1•xil tl11i1 1•111 .i p11 : <•11ç.i do outro. ) .111101, 110 < 111.11110, v. i , ind m, is lon1 e• .10 .1pont,1r p._ r dim ns._ pr min nL m nl poHLic d qu stão do onh' imento - assunto usualmente tratado como exclusivamente pertencente ao domínio da epistemologia. Segundo Oakeshott, há circunstâncias históricas que favorecem um desequilíbrio perverso entre os dois modos de conhecimento, criando a ilusão de autonomia entre os dois. A sociedade moderna, em nome da razão e do racionalismo inspirado na herança do Iluminismo, tem importante parcela de culpa ao enaltecer demasiadamente a razão téc- nica às custas da razão prática. Nas palavras do próprio filósofo inglês, A superioridade do conhecimento técnico [reside] em sua aparência de ter surgido da pura ignorância e de ter redundado em conhe- cimento total, isto é em sua aparência de começar e terminar em certeza (Oakeshott, 1991: 16-17). O caminho de ceticismo radical trilhado por Descartes, até chegar (até se convencer de ter chegado) a uma certeza sólida e in- questionável - contida na fórmula "cogi.to ergo sum" - é exemplo típico do gesto, ao qual se refere Oakeshott, de enaltecimento do conhecimento técnico. Quando o conhecimento técnico é visto como autônomo e to- talmente desvinculado da vida vivida no mundo real, nasce a ilusão de um saber contido em si, autossuficiente, insulado de todos , os demais campos do saber - e, o que vem a ser pior ainda, aparen- temente segregado do conhecimento prático ao qual ele está a rigor inseparavelmente ligado. A pior de todas as ilusões que isso cria é, no entender de Oakeshott, a ideia de que o conhecimento técnico seja não só superior, mas também anterior ao conhecimento prático. Cria-se, ademais, outra ilusão de que o conhecimento prático estaria presente no conhecimento teórico de forma, digamos, latente ou "cristalizada" - quando, na verdade, é o conhecimento técnico que, na visão de Oakeshott, surge como um "resumo da atividade concreta" ("abridgement of concrete activity)". Voltando à questão posta no título deste trabalho - a que diz respeito à possibilidade de a linguística aplicada vir a se alinhar à pe- 109 1 ·111 11~1 l llH dll 111 1 li• lt" 1 ' ' 1, 11111 ~ 1 111 "1 1 Jll 1 lt\I ' ' llt d.1p,op,l.1 e t1tl1 .i < du 111 ,11111 1 drd1 ).1 q111• ,1 tt'H lH>l l.1 v.d d1 11>t• t1 dc•t , .11 11 11 1 m 11. 11 Hl,1, du p 1p1 1 q111 11 , t rlhui l ingufsli , 1 li , l.1. r 'P it la:.i p" IH'< t v.111 p, r uma p d gogia ríti 1 111 à linguístic p li .Hlt1 • ipni i luz das breves colocaç · ~1 n ima - abrir mão de um s ri d posicionam en t os equivocados qu<' • inda se acham incrustados no meio acadêmico. Dentre eles dest aca-S(' < ideia, fortemente arraigada em setores expressivos da comunidack ientífica, de que a pesquisa científica e o trabalho pedagógico devem manter-se distantes das questões políticas que a comunidade enfrenl, no seu dia a dia. Há quem defenda a tese de que qualquer esforço por parte de um pedagogo de opinar sobre essas questões equivale a um ato de intromissão indevida em questões que não lhe dizem respeito. De acordo com esse raciocínio, a atividade do educador deve proceder de forma neutra em relação às questões que envolvem a vida fora da sala de aula. O professor que se atreve a criar um espaço dentro de sala para que seus alunos possam discutir livremente a própria vida fora da sala de aula e procurar relacionar o que se aprende n os livros à realidade que eles vivem no seu dia a dia é visto com des- confiança e tachado de agente provocador ou alguém que confunde a nobre tarefa de educar com a prática nefasta de "fazer cabeças", de doutrinar. Em seu livro Campus War, John Searle (1971), filósofo que tanto influenciou os rumos da linguística nas últimas décadas, chega a t ecer as seguintes e surpreendentes considerações: O liberalismo acadêmico consiste não apenas em um conjunto de crenças a respeito de questões públicas, inclui também um conjunto de atitudes tão embutidas que se tornam uma parte significativa de todo um tipo de sensibilidade, um conjunto de categorias para se enxergar a realidade. Uma das características mais gritantes desse tipo de sensibilidade é que ela envolve uma suspeita crônica da autoridade estabelecida e às vezes até hostilidade para com ela. É difícil, de antemão, para aqueles que têm essa sensibilidade aceitar que, num conflito entre a autoridade entrincheirada e ultrapassada e a juventude rebelada, as autoridades possam estar com a razão e os rebelados, não (Searle, 1971: 129). 110 l · lli• t !I 111 11111 11 < 11110 1 • 11 l'H l t 11111 111' •'11 '11 1 111111 ,'<•1111• 111 1 1 110111C11ilod 1 q11 111 1, \ 1 1 lí1 ,, l'' o .n1lo diHc11l1 ( . ltt r •fl x s, 1 , diz m r sp ito à r volta stud nti l do ano 1968, com destaque para os acon tecimen tos na Universidade da C lifórnia, campus de Berkeley), o que salta aos olhos na generalização d Searle é a insinuação de que o liberalismo acadêmico não passa de uma ideologia como qualquer outra ("um tipo de sensibilidade, um conjunto de categorias para enxergar a realidade"). Segundo o raciocínio de Searle, é preciso combater todas as ideologias com igual veemência e determinação. Já discuti o caráter eminentemente ideo- lógico do próprio argumento que ele desenvolve contra a presença da ideologia no meio acadêmico e não pretendo entrar em detalhes aqui (cf. Rajagopalan, 1996a). O que deve ficar claro é que a posição assumida por Searle e outros intelectuais que defendem uma pedagogia despolitizada é que a crença na neutralidade do educador é ela mesma uma atitude política - a de não perturbar a ordem das coisas que se encontra instalada, ainda que nela possam estar abrigadas severas injustiças e arbitrariedades gritantes. Não se trata de simplesmente dar as costas àqueles que ainda ingenuamente acreditam que as escolas devem ser encaradas como verdadeiros templos sagrados do saber e os mestres (educadores) como autênticos sacerdotes. Embora seja de grande relevância denunciar os falsos ídolos e os falsos profetas, é igualmente importante tirar lições dos erros dos outros. Uma delas, a meu ver, é a percepção de que a caça à ideologia é um empreendimento infindável. Isso porque a ideologia e a teoria (ou, seja qual for o termo oposto escolhido: ciência, razão etc.) não são opostas como fogo e água, pois são feitas a partir da mesma matéria-prima (de onde a pertinência do velho ditado "O fogo se combate com fogo") . Aquilo que chamamos de ideologia, com frequência, nada mais é do que uma teoria cujas implicações nos incomodam. O contrário também procede. Nossa preferência por determinada teoria é frequentemente teleguiada por motivos ideológicos (cf. Rajagopalan, 1998b, 1999b). Ao educador crítico cabe a tarefa de estimular a visão crítica dos alunos , de implantar uma postura crítica, de constante questiona- mento das certezas que, com o passar do tempo, adquirem a aura e a 111 'i n t bili d d ' d ' dugin.11 . 1. pnt 111 l <' m tivo que o ducad r r l ic o tr ·, via de regra, a ir d<tq u 1 H qu stão plenamente satisf i LOH com o status quo e interpretam qualquer forma de questionam nto das regras do jogo estabelecidas como uma grave ameaça a si sua situação confortável e privilegiada. A história vem se repetindo desde longínquos tempos na Grécia Antiga, quando Sócrates, o p, i da filosofia no mundo ocidental, foi obrigado a se retratar de tudo o que ensinara aos atenienses sob pena de pagar pelo crime de pertur bar a ordem com a sua própria vida. O educador crítico sempre foi e' sempre será uma ameaça para os poderes constituídos. No contexto da linguística aplicada, uma proposta de pedagogi, crítica terá que começar agindo em duas frentes: a primeira, assu mindo uma postura crítica - no lugar da tradicional postura d ' subserviência - em relação à linguística teórica. Não se trata, como entendem muitos, de se limitar a escolher o que é útil e descartar aquilo que não interessa aos fins práticos. Trata-se, antes de mais nada, de questionar a própria validade da teorização feita in vitro e da sua aplicação automática no mundo da prática. Muitas vezes, tal postura deverá redundar na rejeição das propostas teóricas 0\1 na formulação de propostas alternativas, oriundas da vida vivida (' moldadas pelas exigências práticas nela verificadas. A segunda frente de ação - que, no fundo, depende do êxito obtido na primeira - procurará proporcionar aos aprendizes cap<1 cidade de desenvolver formas de resistência e dar-lhes condições de• enfrentar os desafios e decidir o que é melhor para si. No caso do ensino de línguas, mais especificamente de línguas estrangeiras, ,, questão adquire uma certa urgência, diante do efeito avassalador do fr nômeno conhecido como "imperialismo linguístico" (Phillipson, 199/; Pennycook, 1994, 1998). Como reagir diante deste rolo compressm que ameaça a própria sobrevivência das línguas regionais? A quest, o do imperialismo linguístico é posta frequentemente como o aspe t o linguístico do fenômeno mais amplo e assustador da globalizaç, o que na prática significa a pasteurização e n rt .rn1 •ri , nização d.1 1 diferentes culturas: o surgimento daquil q\I( lo i, e nni 111 1i t, pr pri1• dad batizado de "homo co a- ol ns", tN111 0 111 1111 1dn 1111111 ongrt•m10 l.1 111,11!• 111 Al'l 11 111\ ' l ll'ol'lll ll VA l'AHA llMA l' llllAl llH l lA 1'1\l ll l 'A oi r' "cri~ , o 1 ele•: •11vc lvim ' nt " que aconteceu na Sorbonn m 1 e 83 (cf. Cinqui 1 , 1 87) - despertando outros neologismos como " ca-colonização" e "as coca-colônias dos EUA". Em Rajagopalan (1999d, 1999e), chamei a atenção para o fato de qu o discurso atual sobre o fenômeno do imperialismo linguístico tende ,\esconder premissas questionáveis que dizem respeito à identidade da língua, do sujeito falante, da cultura etc., que, no fundo, não passam cl anacronismos que sobreviveram ao século XIX, quando identidades 1 chadas em si e duráveis foram postuladas por motivos políticos incon- f ssáveis. Argumentei, em seguida, que o tempo em que vivemos exige cl nós novas formas de pensar e teorizar tais identidades, reconhecendo H u caráter eminentemente político - ou seja, identidade linguística, e ultural etc. comobandeiras políticas, erguidas e exploradas conforme .1 conveniências do momento (Rajagopalan, 1999, 1998a e 2001b). Por outro lado, não resta dúvida de que há formas de enfrentar as .imeaças - que são reais - representadas pela globalização desenfreada 1 pelo jogo de interesses das multinacionais que muitas vezes contrariam os interesses locais. Cabe ressaltar trabalhos como o de Canagarajah ( l 999b), que se dedica à importante questão de como os alunos e professores nos países de periferia podem e, muitas vezes, conseguem d safiar o esmagador poder de fogo das instituições encarregadas da missão de divulgar a língua inglesa e os valores culturais a ela associadas, p uco se preocupando com o impacto negativo que tal invasão cultural possa ter sobre a vida dos cidadãos comuns naqueles países. Canagarajah distingue entre teorias de reprodução inspiradas 1•m algumas variantes determinísticas de estruturalismo e marxismo eorias de resistência, que têm como fonte de inspiração abor- cl;igens pós-estruturalistas, mais abertas. No contexto de ensino e .1prendizagem da língua inglesa nos países da periferia, a orientação t 'l rodutivista é imediatista, pois objetiva apenas divulgar a língua e 1 ultura e os valores associados a ela, de forma mais eficaz e rápida, l'm se importar com o custo social que a comunidade 'beneficiária' é obrigada a pagar. Dentro d ssa orientação, os aprendizes são agentes 11tdr< m nt passivos, p •clindo para ser 'moldados' na forma que 111,1L onv m , os intr.n·H~H'.l drn clu , lor s. /\ pt•t 11 1 t' t iv,1 dt n ptoc 11t.1 t .1l>.dh.1r o poll'rl i,11 1 • qu ti n mento e a uL , ri 11 ,,, ,o 1u j.. sL pr s 'nL dt aluno, de forma que cada um poss s nvolver estratégias d lid r com a invasão cultural. Não se trata, evidentemente, de simples terminantemente rechaçar toda influência vinda de fora, pois Canaga- rajah entende que tal atitude seria tão imprudente quanto a atitude exigida pela orientação reprodutivista, isto é, a de submissão total. Para o autor, a perspectiva de resistência tem por objetivo aprender a digerir a influência estrangeira, de tal forma que surja uma nova identidade, não a partir da negação total da identidade anterior, mas sim um aprimoramento a partir dela, em virtude de um diálogo saudável entre as culturas em conflito. Poder-se-ia dizer que propostas como as de Canagarajah manifes- tam, no fundo, resquícios de um certo apego à lógica do "NóS-ELEs" ou seja, à ideia de que o mundo se divide em dois blocos, o de amigos (mocinhos) e inimigos (bandidos) (cf. Rajagopalan, 1999c, 200la) . Afinal, fomos todos aculturados sob o regime da lógica binária, que é própria da metafísica do mundo ocidental. O maior de todos os desafios talvez seja o de nos desvencilhar das garras daquela lógica que nos aprisiona como uma camisa de força e pensar o mundo como composto de entes cujas identidades se acham em permanente estado de renovação e recriação. A postura pós-estruturalista que estudiosos como Canagarajah preferem adotar requer que o mundo seja pensado como algo em constante evolução. Ora, para que a nossa ação transformadora sobre o mundo em estado de fluxo seja eficaz é imprescindível que ela seja também pensada e praticada de maneira pragmática - isto é, atendo-se a mudanças em curso o tempo todo. Finalizando, a pedagogia crítica para os nossos tempos neces- sariamente terá que levar em conta o fato de que estamos lidando com identidades em rápida transformação. No caso específico da linguística aplicada, isso quer dizer que já não há mais desculpas para não adotarmos uma postura crítica em relação às teorias que advêm das áreas como a linguística que tradicionalmente forneceram o embasamento teórico sem que houvesse qualquer possibilidade de uma interrogação crítica sobre o mesmo. 114 _J _ll J Sobre a arte, a ficção e a política de . representaçã A passagem de Alice ao mundo misterioso do País das Mara vilhas se dá ao cabo de um gesto impulsivo, tempestivo, da menina, segundo nos relata o autor do romance, Lewis Carroll. Sem saber por quê, ela corre atrás de um 'Coelho Branco com olhinhos vermelhos' que aparece de repente, e em seguida corre em direção à sua toca, reclamando estar atrasado e, para confundir a pobre menina ainda mais, tirando um relógio do bolso do colete e olhando-o. Sem refletir, Alice entrou também na toca atrás do coelho, sem pensar que talvez fosse difícil sair de lá depois. A toca percorria um bom trecho em linha reta, como se fosse um túnel, e, de súbito, afun- dava tão bruscamente que Alice nem tempo teve de estacar e acabou caindo em uma espécie de poço muito profundo (Carrol, 1966: 4). O leitor está informado, logo de início, do estado de cansaço e tédio que Alice sentia, o tempo todo sentada à margem de um rio num dia quente - o momento ideal para um cochilo. Ou seja, Alice está em condições ideais para ser transportada a um mundo de sonho, de imagi nação. No estado em que se encontrava, tudo era possível: um coelho qll(' fala, olha para o relógio, age como gente. Que maneira perfeita d cl.H entrada em um mundo diferente, tão diferente que tudo pode aconl<'c <•1 I Acontece que nem tudo é tranquilo a partir daí. Carrol! f.1z questão de ressaltar que a queda na toca foi uma experiên i, ím.1 115 do < 0 11111111 . Poli " 1111 11 11 1 d • 1 1 d1•v,11'," ' , '0 111 0 Ili • 1111 1111 fdm • t• 111 "s low lllo t i Hl", d, 11 11 ln 1111 l 1• 111p11 1 11 1 i ' ' t.' p r r gistr r o qu h vi su v lt (< ! s.r d,1<H 11t l l,o) •, qu é mais surpreenden t inda, engajar-se num monólogo prol ngado: "Quantos quilômetros terei já feito? - disse ela em voz alta - Sem dúvida chegarei a algum lugar no centro da Terra. Acho que, pelo menos, desci quatro mil quilômetros" (p. 6). A incerteza e o mistério logo dão lugar à apreensão e saudade de casa: Continuava descendo, descendo ... Como não podia fazer nada, senão pensar, continuou a monologar: - Dina vai sentir muita falta de mim esta noite, coitadinha. Dina era a gata de Alice - Espero que, à hora do lanche, não se esqueçam de lhe dar o seu pires de leite ... Oh, querida Dina! Como gostaria que você estivesse agora comigo! No ar não há ratos, mas talvez haja morcegos. E os ratos e os morcegos são muito parecidos, só que os morcegos têm uma espécie de asas. Mas os gatos comerão morcegos? (Carroll, 1966: 7) Em meio à sonolência que a partir daí começa a tomar conta, Alice chega ao fim da sua queda; ou melhor, ao fim de uma viagem e ao começo de outra. ••• Segundo uma possível leitura da obra Alice no País das Maravilhas, a toca seria o portal do mundo da imaginação, a linha divisória entre o mundo real e o mundo ao qual Lewis Carroll transportou gerações e gerações de crianças iguais a Alice e, por que não, muitos adultos tam- bém. O artifício da toca e da queda serviria, segundo nossa leitura, para "suavizar" a passagem de um mundo para o outro. A descrição minuciosa dos detalhes da paisagem que antecede a queda - a margem do rio, o calor da tarde etc. - seria nada mais que uma espécie de preparativo para o mundo da ficção. Acredito que tal leitura proceda enquanto tal. Ela até pode ser invocada e, com um pouco de esforço, trabalhada para emprestar sustento à tese defendida por Searle (1979), segundo a qual a chave para compreender a natureza do discurso fictício seria a noção de fingimento. O autor de uma obra de ficção apenas finge estar executando os atos de fala que compõem sua obra (Searle faz questão de salientar que 116 t d f 111gl 11 1t 111tn 0\1 ptl'I •11 n 11 , 11 vll 1 t 11g.1 11.1 1 11l 11g111• 111 , ol>Jt• t lv.1 •'I t• 11 ,11 cl lv 'l t l o. OlllYWl (Ol l " H ll H'.l lllO'?). s guncl s (ri ', ( 1 s ·ibil icl, d' d\ rn 1i rn nto s' d 'V'" <1x ist n i d um conjunto de conv nçõ s qu sus- p nd m a operaç o nonnal das regras que relacionam atos ilocucionários o mundo". Acrescenta o autor: Neste sentido, para utilizar o jargão de Wittgenstein, contar estóriasrealmente se constitui em um jogo de linguagem distinto; um jogo que para ser jogado pede um conjunto distinto de convenções, em- bora essas convenções não sejam regras do significado; e o jogo da linguagem não está no mesmo nível que os jogos ilocucionários da linguagem, mas é parasitário em relação a eles (Searle, 1979: 67). Num artigo escrito em 1971, Ohmann chegou à mesma conclu- são quando disse: O escritor [de uma obra literária] finge que está relatando determi- nado discurso e o leitor aceita tal fingimento. Mais especificamente, o leitor constrói (imagina) um falante e um conjunto de circunstân- cias que acompanham o "quase" ato de fala (Ohmann, 1971: 14). Segundo a proposta de Searle e também de Ohmann, então, quando Lewis Carroll nos diz, logo no início do livro, que Alice já começava a se cansar de estar sentada à margem do rio, ao lado da irmã, sem saber com que se divertir; tinha olhado para o livro que a outra lia, mas era um volume sem diálogos nem gra- vuras, e Alice dizia com os seus botões: "Para que serve um livro que não tenha nem gravuras?" (p. 4) , tudo não passaria de uma grande encenação, um gran de exercício de faz de conta. Aparências à parte, nada daquilo que o autor nos parece afirmar valeria por atos ilocucionários normais de afirmação. Searle e Ohmann entendem, ao que parece, que o mundo de fatos e o mundo de ficção são totalmente distintos ontologicamente, sendo qu o segundo se constituiria em uma instância parasitária em relação ao primeiro. Entende, ademais, que a entrada para o mundo de ficção se dá a partir de um gesto consciente por parte do escritor da obra, o g sto de sinalizar para o leitor de que vão vigorar para o jogo de linguag m que se inicia a partir daí apenas e tão somente convenções pertcnc nt s àquele conjunto todo especial, que suspendem as regras que regem os 117 111111 \ 1~11\ 1 1 1~1.l li 111 li 1 Ili 111 li 1 1111,11111, 1 'I 1 1111 " 11" 1 •1 • atos ilocucionários 'normais'. Do 1 do d 1 it r d, br. d f 1 ç. >, li ,\ veria, segundo Searle, uma clara percepção de que estão em j 1 l , is convenções diferentes das normais, ou para lembrar expressão usad por Samuel Taylor Coleridge, poeta e crítico inglês do século XVIII, um~ "suspensão consentida da descrença" (willing suspension of disbelief). Ou, conforme explica Ohmann, o leitor terá de compactuar com o aut or da obra fictícia/literária no sentido de aceitar de bom grado o fato de que os atos de fala que ele vai encontrar na obra têm suas forças ilocucio- nárias garantidas apenas mimeticamente (Ohmann, ibidem.). Teóricos como Searle e Ohmann entendem que o fenômeno da ficção passa pela questão de representação. Para Searle, a represen- tação fictícia em nada difere da representação factual, a não ser na questão das intenções do escritor. Pratt defende a mesma posição nas seguintes palavras: Do ponto de vista teórico, não há razão alguma para esperar que o corpo de enunciados que chamamos de "literatura" seja sistematica- mente distinguível dos demais enunciados com base em propriedades gramaticais ou textuais (Pratt, 1977: xi) . Diz Searle: "Um conto fictício é a pretensa representação de um estado de coisas" (Searle, 1979: 69). Ou seja, enquant o representação não há como distinguir uma obra de ficção de um texto que relata acontecimentos verídicos . Ou seja, a diferença não está visível no produto final. Ela está nas intenções comunicativas de quem produz 0 discurso. Ao comentar sobre a possibilidade de realismo em obras de ficção, Searle escreve: Os teóricos da literatura tendem a emitir observações vagas sobre como o autor cria um mundo fictício, um mundo de romance, ou coisa parecida. Acredito que estamos em posição de fazer essas observações terem sentido. Ao fingir referir-se a pessoas e relatar eventos a seu respeito, o autor cria personagens e eventos fictícios. No caso de ficção realista ou naturalista, o autor fará referência a lugares e eventos reais, entremeando-os com referências fictícias, dessa forma tornando possível tratar do conto fictício como se fosse uma extensão do nosso conhecimento já existente (Searle, 1979: 73). *** 118 11 t I " 1 " 1 1 I ' I ' I t lljl<H .1 < 1' t•xp 1 ,11 n 11 11 1111 1110 < 1.1 111,1< O H ~·O O tll > ,1 < t S \ l 1 (11 11 0 11HO d1 1 ( llin1,11111 1 O f 1 11 ln 11 lc li tlltJr, ( ,)111h 1 111 b rn, 1 v rcl l , i t d m is pr b l mas teóricos do qtH' co 11 gu m solucionar. u m lhor, substituem um problema p r oul 1 o. Como diz Petrey: A tese de Searle de que tenha conseguido solucionar o problema d<' l 11 < i< 1 nalidade não tem nenhum embasamento fora da sua decisão d' h.H l:r..11 a ficção de 'fingimento', um belo exemplo de truque mágico, long1• do método austiniano de fazer coisas com as palavras (Petrey, 1 990: Cl!I) Subjacente à proposta de Searle está a convicção de qu li1 < t1t 11 ficcional seja parasitário em relação ao discurso 'sério'. Um x '111plo cio discurso sério seria o discmso do próprio filósofo . Para Searl ', ,11 111 como todos aqueles que procuram explicar as formas discur ivi\ H q111 parecem não obedecer aos critérios estabelecidos para o discurso , •1 < 1, a condição sine qua non para qualquer explicação é a de que l ~ 111•J. 1 conduzida como parte de um discurso sério. Ou seja, se o explanandw11 é discurso parasitário, o mesmo não pode acontecer com o explanans. Ficção só se explica por meio da realidade, a linguagem figurada mt• diante a linguagem literal, e assim por diante (cf. Rajagopalan, 199 ~). De forma mais abrangente, diria Searle, o discurso literário só s • explica com o auxílio do discurso filosófico - ou seja, quem deve expli , o que é a literatura ou a ficção é o filósofo, jamais um poeta. Pois st 1 simplesmente produz o discurso que é o objeto da investigação e portanto está incapacitado para explicá-lo; ao passo que aquele, por ser detento de um discurso radicalmente diferente - e não 'viciado' pelas mar , s do discurso que está sob a investigação - está plenamente habilit d para executar a tarefa com isenção. Por incrível que tudo isso pareça, L, 1 atitude tem decidido os rumos da crítica literária ao longo dos temp s. Está por trás dos movimentos como o de New Criticism no sentido k tomar a crítica literária um empreendimento 'científico'. A crítica literári, , segundo os adeptos dessa ótica, deve consagrar o estatuto sui generis d. literatura em relação ao discurso científico, a vitória da ciência sobr n arte, da razão sobre os sentimentos. Nas palavras de Harth: O que era novo [em New Criticism] não foi simplesment s11,1 preocupação em defender as reivindicações da poesia contra , s d.1 ciência ao insistir em que a poesia se constitui em uma esp it• dt' 119 1 l!I !Jllo llll'~ll li' 1 •·1111 1 HI li' ll 1 ll 'lli'j l'I 1 li LI 80 '8 1 11 l~dtll 111({1 dll 'll'l ll t• 1) ll s l i so l,1 l 11 l,1, Ili.IH 'l ll t1 posição de que a po si n, 1 r , d modo lgum, inf ri r eia. A novidade estava numa guinada proposital das consideraç expressivas a considerações objetivas, em meio a qual os critérios exclusivos para a poesia não foram extraídos da mente criativa ou da sensibilidade por trás da obra, mas das estruturas verbais que constituíam as próprias obras (Harth, 1981: 526). *** "[ ... ] a história da teoria literária," decreta Eagleton, "faz parte da história política e ideológica da nossa época" (Eagleton, 1983: 194). Isto é a ideia kantiana de uma estética desvinculada de interesses alheios ' e frequentemente ocultos é ela mesma sobrecarregada de conotações ideológicas (Smith, 1988; Rajagopalan, 1997c). Ou seja, toda representa- ção, inclusive a representação da própria literatura pela crítica literária, é uma questão eminentemente ideológica e responde aos interesses políticos que norteiam seus defensores. Não há, em outras palavras, como escapar ao jogo da ideologia. Ela está presente em toda atividade humana, inclusive - e, talvez, de maneira mais traiçoeiraainda - em momentos em que acreditamos estar em condições de transcendê-la, como na construção de teorias (cf. Rajagopalan, 1998b, 1999b). Toda representação é política porque se constitui num ato de intervenção. Ora, enquanto representações das realidades que se pro- põem a descrever, as teorias também funcionam como intervenções, fazendo com que nós comecemos a olhar para o mundo de uma forma e não de outra. Daí o motivo da tese defendida por Kuhn e outros de que, a menos que aconteça uma revolução, no curso normal do andamento da pesquisa científica - a chamada 'ciência normal - os cientistas costumam olhar para o mundo de forma idêntica, concor- dando a respeito dos 'problemas' a serem resolvidos bem como as formas de resolvê-los. Como diz Hacking, Novas teorias são novas representações. Elas representam em formas diferentes para que haja novas formas de realidade (Hacking, 1983: 139). Hacking quer que o termo 'representação' seja compreendido de forma radicalmente diferente da noção kantiana sintetizada pela palavra .11 mã Vorstellung, para a qual o termo usualmen te serve de tradução e é t'tlt ndida como uma forma neutra e desint eressada em que os objetos 120 1'1111111 11111 1, 1111 1 1 ~ 1'1111111 A Ili 1'11'111 11111111 i\11 rn•tl.111 1e01110 qlll' 'pw to ' dl .11 1lt d,1 111 •11 1 1 liu 11 1,11ht P.n,1 11 .i ld11p,1 prn 1111, "n, o h,, l 1 q 1 , ,1 lwmrn1, 11 s nt • s m 'slil "(l l,1 ld 11g, 1 DH:i: L37) - i to , disp nibi lid d d alt rnativas , port nto, d 1 •s olli,1 atributo indispensável de toda representação. "Os seres hum no.· , . < > 'representadores' . Não homo faber, digo eu, mas homo depictor. S, o .i1 pessoas que fazem as representações" (Hacking, 1983: 132). *** O que significa dizer que a representação é uma atividade polític.1 1 t reflete as predileções ideológicas de quem representa? Há uma form.1 clt' lidar com a questão da ideologia que, a meu ver, pouco contribui p. r, 11111.1 melhor compreensão de como a ideologia funciona, influencia s 11 0111 o modos de pensar e agir e interfere na própria realidade na qual nw 1•11 contramos inseridos. Trata-se do esforço de identificar a ideologi, 0111 < > ponto de vista. Por exemplo, Paul Simpson, autor inglês simpatizant dt1HI .i postura, entende que "a linguagem [funciona] como representação, 0 1no uma projeção de posições e perspectivas, como uma forma de comuni .11 atitudes e suposições" (Simpson, 1993: 2). Para esse autor, todo olhn1 seria imbuído de seu estilo próprio, e sua própria coloração ideológi , . Ora, a consequência imediata da posição adotada por Simpson e outros tantos teóricos que entendem o estilo, a ideologia, e a subjetividade como farinha de um mesmo saco é deslocar toda a discussão para o velhc sonho de transcender todos eles. Na medida em que a ideologia, como vimos na citação acima, está diretamente vinculada ao ponto de vista , representação, esse sonho, em sua forma mais intensa e inconfessável, Sl' transforma em desejo de superar a própria necessidade de representaçã ). Isto é, o sonho redunda num desejo de suplantar a representação e 1 ' implantar no seu lugar a apresentação, sem qualquer intermediação, d significado em seu estado mais puro - enfim, a epifania do significad . A esse desejo da epifania do significado é que Jacques Derrida I, o nome de "a metafísica da presença". Concepções de ideologia como a de Simpson são no fundo apologias dessa metafísica, na medid. em que entendem ql!e a ideologia seja um empecilho no caminh l,1 compreensão do verdadeiro "estado de coisas" - enfim, da realid< lt•. Contrariamente a essa forma de trabalhar a questão da representa , o, Hacking insiste em que toda representação é necessariamente públic .1. Diz ele: "Tudo o que chamo de representação é público" (Ha ki11g, 121 1111 llMA lllH11i l' i11 1D8': 11 3). qu i "o ig11ll 1t.i • q11t • .i 1 cJ 'r 'I r 1s um substit utivo à antiga pr o up çã pistemológica. rn ·i1 - tima an álise, um aprofundamento da própria questão epistemológic •. Em um ensaio de 1988, Eagleton faz a seguinte afirmação: Abandonar a epistemologia em prol da política não é indesejáv 1, é impossível; todos os enunciados de cunho político são implicita- mente teorias sobre a realidade (Eagleton, 1988: 471). E esclarece: A posição do pragmatista que toma "interesse", "poder", ou "desejo" como seu ponto de partida epistemológico [ .... ] está sujeita à contestação. Tal contestação inevitavelmente acarretará debate em tomo de como são as coisas no mundo lá fora. Falar a respeito do mundo lá fora não quer dizer necessariamente que as coisas são uma vez por todas de uma só forma ou que o conhecimento do mundo está transcendentalmente descontaminada de interesses e desejos (Eagleton, ibidem). *** À guisa de conclusão, podemos afirmar, ainda que de forma provisória, que as tentativas de distinguir ficção da realidade, litera- tura do discurso científico mal conseguem dar conta do recado, pois todas elas repousam sobre a questão da representação. Ocorre que a representação é, antes de mais nada, política. Logo, são os interesses políticos que vão ditar os critérios de demarcação. Começamos a nossa discussão a partir da viagem ao mundo das maravilhas da menina Alice. Talvez a forma mais adequada de encerrar a nossa discussão seja lembrando uma outra viagem realizada por uma outra menina - Sophie Amundsen, para um mundo igualmente misterioso (ou, quem sabe, mais misterioso ainda). Alguns detalhes também chamam a atenção. Sophie está, segundo nos assegura o autor, Jostein Gaarder (1997), no rumo de sua própria casa, voltando da escola - Alice, em contrapar- tida, estava, como vimos, em pleno descanso, com a sonolência tomando conta de tudo aos poucos e abrindo o portal para o mundo dos sonhos. Coincidência ou não, também não falta o Coelho Branco para compor o elenco. Eis uma das frases mais memoráveis de O mundo de Sona: Um filósofo de verdade nunca desiste. Se pelo menos a gente con- seguisse desprendê-lo ... (Gaarder, 1997: 546). 122 Por uma linguística crítica O clamor para que as reflexões teóricas em torno do fenôm - no da linguagem sejam conduzidas com base em uma postura crítica tem, no máximo, umas duas ou três décadas de história. As primeiras conclamações nesse sentido ocorreram no Reino Unido (Fowler e Cress, 1979; Hodge e Kress, 1979; Fowler, 1986). Hoje, a linguística crítica se apresenta como um movimento fortemente consolidado (Fairclough, 1989, 1992, 1995; Cameron et alii, 1992; Chouliaraki e Fairclough, 1999), com adeptos nos quatro cantos do mundo. A julgar pela quantidade de livros, artigos em revistas especializadas, teses e dissertações defendidas ou em curso em diversos centros de pesquisa no mundo inteiro, congressos internacionais e até mesmo novas revistas sendo lançadas para atender ao público interessado cada vez crescente, a linguística crítica veio para ficar. E, aos poucos, o linguista vai recuperando seu verdadeiro papel enquanto cientista so.cial, com um importante serviço a prestar à comunidade e, com isso, contribuir para a melhoria das condições de vida dos setores m eno privilegiados da sociedade à qual pertence (Rajagopalan, 1999a, 1999b). Abordar a linguística de forma crítica implica, antes de tudo, abrir mão de uma das ideias preconcebidas a respeito de pesqu is. linguística que na verdade apenas tem funcionado como um entr V<'. Trata-se da crença bastante arraigada de que, por ser um cienlist. , um estudioso que pretende estudar o fenômeno da linguagem no.' mesmos moldes em que qualquer outro cientista estudaria o seu bj Lo 123 111111 11~111 11111 1111 1 li 11 1 1 fi ~ dt• <•st u lo, o li11)'tti. t.1 de vc• qu 11 .1 l>u e .1 um, m,1i r om 1 r •(• 1ui. o í'I r 'P ito d quilo qu • •s ol lwu <'• L t 1 r, a sab r, a lingu g m. Ou , j , como um cientista da linguagem, não cabe ao linguista faz r qualquer coisa além de descrever a linguagem na melhor formapos- sível. Qualquer tentativa de interferir no fenômeno estudado, seja no sentido de recomendar certos tipos de comportamento linguístico m detrimento de outros, seja no sentido de influenciar as decisões tomadas na esfera de planejamento linguístico, deve ser sumariamente rechaçada, segundo a cartilha de conduta que sempre norteou os ru- mos da linguística desde que ela se ergueu como disciplina autônoma, digamos, no início do século XX. A famigerada noção da "neutralidade" do cientista nada mais é do que uma herança do positivismo que imperou na época em que a linguística se consolidava enquanto disciplina autônoma. Nas palavras de Cameron et alii (1992: 6): O positivismo acarreta um certo apego ao estudo das frequências, das distribuições e das tendências manifestadas pelos fenômenos observáveis, seguida por uma descrição, em termos nomológicos, das relações entre os fenômenos. Para lembrar um exemplo bastan- te utilizado, uma descrição nos moldes positivistas de um jogo de bilhar faria referência às bolas de bilhar rolando de um lado para o outro com velocidades diferentes, colidindo entre si e contra as bordas da mesa, e sendo lançadas em novas direções e com outras velocidades - todas previsíveis e capazes de serem calculadas, recorrendo-se às leis da mecânica clássica. As únicas entidades reais nesse cenário seriam as bolas, os tacos, e a mesa; porém não as forças de fricção, inércia, e gravitação (e parece nunca haver joga- dores de bilhar numa descrição positivista de um jogo em curso). Contudo, o fato é que nem os cientistas pertencentes às áreas exatas creem mais na total isenção das suas atividades enquanto pesquisadores. Dizem eles com toda a franqueza e sem qualquer constrangimento que o seu trabalho também tem fortes conotações ideológicas e políticas. Ora, logo, os estudiosos em áreas mais "ame- nas" (que, no entanto, sempre procuraram emular os passos dos seus 124 pt llH> 111 .11 "1101>11 "), q111 ,1 tHl .1i11111 t•m11.1 t 11 1 d.i n •utr,dld.1cl • cio i nt i1-1 t,, 1Hl. o qut'H'IHlo ' m~ is r lisL s qu pr prio r •i. P lizm n L , p r m, onforme já disse, as coisas estão mudando. Ou· melhor, começando a dar sinais de que estão prestes a mudar. Essa mudança está se firmando ao cabo de uma percepção de que a linguagem funciona como algo mais que um simples espelho da mente humana. Longe de ser um simples tertium quid entre a men- te humana de um lado e o mundo externo do outro, a linguagem se constitui em importante palco de intervenção política, onde se manifestam as injustiças sociais pelas quais passa a comunidade em diferentes momentos da sua história e onde são travadas constantes lutas. A consciência crítica começa quando se dá conta do fato de que é intervindo na linguagem que se faz valer suas reivindicações e suas aspirações políticas. Em outras palavras, toma-se consciência de que trabalhar com a linguagem é necessariamente agir politicamente, com toda a responsabilidade ética que isso acarreta. A ideia de que a atividade de teorizar, de construir teorias, não é uma atividade ideologicamente isenta ou neutra não se constitui, evidentemente, em nenhuma novidade. Talvez tenha sido essa a ideia que norteou os fundadores da Escola de Frankfurt, escola de crítica social que surgiu na Alemanha logo após a Primeira Guerra Mundial. Para o grupo de pensadores que se reuniram sob a égide dessa instituição, a questão urgente a ser debatida era: o que afinal saiu errado no velho sonho iluminista da aposta na Razão, na pro- palada capacidade dessa razão de conduzir a humanidade em direção à paz e à prosperidade para todos? Por que motivo os intelectu is que tanto apostavam na supremacia da Razão não conseguiram n 1 sequer prever tanta devastação numa parte do mundo supostam n L ' civilizado, muito menos fazer com que tais acontecimentos fossem parte de um passado enterrado de uma vez por todas? A desconfiança em relação à suposta capacidade da R, ~' o d conduzir a humanidade em direção a dias melhores 1 g iri , d r lu- gar à total desesperança. Assim, um quarto de século d p is, j nos 125 11111 ll Mf. lll l•1lll ' 111 1 11111 111 '. ' •s f111,1i. cl.1 S 1gl111 l.1 C:1.11u lc C: 11 p1t.1 1 o 11 1 1n lo smtb • cl.1s ,1t to idad s inimagináv is pr. Li ,1cl,1s d 1r,ltll 1 , qu l gu rr •. ''R l ssfv •! fazer poesia após Auschwitz?"- p rgunta levantada por Adorno não só acenava para o desmoronamento definitivo de certos sonhos acalentados pelos intelectuais da época, mas também sublinhava a necessidade urgente de repensar todo o quadro teórico então vigente. A irracionalidade e a crueldade imensurável não se restringiam aos atos bárbaros praticados pelos derrotados - atos que vieram à tona mais tarde precisamente por terem sido derrotados, como acontece, com frequência, nesses casos. Os vitoriosos também não foram ca- pazes de mostrar qualquer piedade, ou demonstrar domínio da razão sobre a emoção, ou da temperança e da equanimidade sobre a sede de vingança. O ataque punitivo e vingativo a Hiroshima e Nagasaki fez Oppenheimer, um dos pais da descoberta científica que tornou possível tamanha destruição indiscriminada, reunir sua equipe de pesquisado- res e admitir responsabilidade direta nas consequências práticas da sua descoberta. Ou seja, foi enterrada definitivamente a ideia de que ciência pura desconheça qualquer moral, que a epistemologia possa estar desvinculada de considerações éticas ou juízos deontológicos. Juntamente com a percepção de que a Razão Iluminista havia fa- lhado na nobre tarefa que lhe fora confiada - a saber, a de promover a emancipação de toda a humanidade -, estava se firmando outra ideia: de que a linguagem ocupava lugar central em nossas ponderações acerca da condição humana. Trata-se, na verdade, de um desdobramento natural da chamada "virada linguística" que houve no final do século XIX, acontecimento esse associado ao nome do lógico-filósofo alemão Gottlob Frege. Cada vez mais estava ficando patente que é na própria linguagem que devemos buscar as respostas para boa parte dos enig- mas em torno da conduta humana que tanto afligiam os pensadores. A linguística crítica é herdeira de todas essas tendências na história da filosofia dos séculos passados. Ela nasceu a partir da onscientização de que trabalhar com a linguagem é necessariamen- intervir na realidade social da qual ela faz parte. Linguagem é, 126 1•111 ou11.1 1-1 p.tl.1v1.1 , 11111.i 1111tlllft sot/11/. /\ ll11g111 tl1.1 t.11111> 'Ili 0 1 . /\ lingu . t k.1 • lllll.1 1 1, t 11 ,, 1 o i.11 m > llllll [ t<'r oulr.t 1 t 1 111 p<H Ht111 pr pri lin 'Ut:l m, qu , onform b rdag m L ri , qut• s dota, s esforça para caracterizá-la como uma realidad m 1 t.tl ou um objeto de natureza algorítmica etc. - em suma como qu, 1- quer coisa menos uma prática social. Pois, as reflexões teóricas q1H' os teóricos da linguagem, os linguistas, costumam fazer também s. o atividades conduzidas na - e através da - linguagem, como ali, :i não poderia ser de outra forma. Isso quer dizer que, ao contrári do que alguns teóricos gostariam de crer, suas atividades não estão e jamais podem estar - fora da linguagem. Pelo contrário, elas s, o atividades eminentemente linguísticas. Ora, logo temos a consequ n ;,1 inevitável de que pensar sobre a linguagem é também uma das tant. s formas de pensar na linguagem. Ou, dito de outra forma, a oposiç o "metalinguagem/linguagem objeto" torna-se insustentável quando estamos trabalhando com as chamadas línguas "naturais" - termo esse que surgiu em oposição às "linguagens formais" que os lógicos e os matemáticos costumam inventar para finalidades específicas. A possibilidade de se dispor de uma metalinguagem depende, por sua vez, da possibilidade de se apoderar de um ponto de vista trans- cendental em relação ao objeto de estudo. Dizer que tal possibilidad não está ao alcance do linguista é apenasuma outra forma de dizer qu não há como sair da linguagem para contemplá-la como se nada tivess a ver com ela. Ao reconhecer isso, estamos apenas levando a sério a tese de que a linguagem é envolvente. Ora, isso por sua vez significa que todo olhar é um olhar a partir de algum lugar sócio-historicament marcado, e como tal atravessado por conotações ideológicas. Não é por coincidência que os linguistas que abraçam a corrent crítica partem do pressuposto inicial de que as nossas falas são atra- vessadas palas conotações político-ideológicas. E, isso que acabamos de observar vale também para as nossas falas a respeito da própri, linguagem, já que não há como sair da linguagem para falar sobre 1 l,1 de forma descompromissada. Como frisa Horkheimer (1989: 69) c1 111 seu ensaio Philosophie und kritische Theorie, escrito em 1937: 127 1111 \IM I\ 1111 11 111 ' 111 1\ 111 111 /\ l ori, 1m u 11Hi lo lt 1 li ioll.11, ,11 L 11Jl,1 no, 0 111 0 .1 qlit' 1 • encontra em vigor m tod s s ci nci s sp i lizad, s, r , n i ~, a experiência à base da formulação de questões que surg m m conexão com a reprodução da vida dentro da sociedade atual. Os sistemas das disciplinas contêm os conhecimentos de tal forma qu , sob circunstâncias dadas, são aplicáveis ao maior número possível de ocasiões ... A teoria crítica da sociedade, ao contrário, tem como objeto os homens como produtores de todas as suas formas históricas de vida (ênfase acrescida). A comunidade linguística está felizmente se conscientizando cada vez mais do fato de que, da mesma forma que nos demais campos do saber, fazer ciência também é uma prática social, repleta de conotações ideológico-políticas que as práticas sociais acarretam (Rajagopalan, 1998d) .. Cada vez mais pesquisadores estão tomando consciência de que não há como se esquivar da responsabilidade ética que tal reconhecimento impõe à sua conduta enquanto pesquisadores. Donde o crescente interesse numa linguística de forte cunho crítico. 128 ·Ü linguista e o leigo POR UM DIÁLOGO CADA VEZ MAIS NECESSÁRIO E URGENTE Nos últimos anos, temos testemunhado um acirramento extr mamente preocupante - mensurável tanto em centígrados como m decibéis - nas discussões sobre questões relativas à língua portugu SL e à política linguística em vigor no país. O projeto Aldo Rebelo (já ar- quivado - ufa!!! - tendo dado lugar ao substitutivo do senador Amir Lando - ainda assim, ao que parece, longe de se constituir no capítul final desta novela) trouxe à tona o enorme fosso existente entre os lin- guistas, de um lado, e os leigos, do outro. Os leigos não se conformam com a atitude dos linguistas, que se recusam a fazer coro com a grita- ria geral contra a enxurrada de estrangeirismos que, em seu entender, desvirtuam a própria identidade da língua nacional. Os linguistas, por sua vez, denunciam o espírito de sensacionalismo e alarmismo qu tomou conta da reação popular diante de um assunto sério e insist m em dizer que procurar combater os efeitos danosos da globalização 1 do avanço do neoimperialismo com medidas protecionistas dirigida , língua nacional de forma concentrada é tapar o sol com a peneira. Para os linguistas, os leigos estão redondamente enganados , o pleitearem uma ação governamental para "disciplinar" os rum s cl.1 língua nacional e protegê-la contra a invasão estrangeira, principalm •ntc• 129 1111 llJ'<I lllll J li IP t Ili• llJ 1 1 l fl 1 lltlHllP ltl 1 lJ lll 1 ti 11 11 .1dvli1cl,1 l.1 l n)•,lt.I 11)•,lt• ,, /\ 11111•11.1 , 01 ll :t. •n1 •lc•11, liivm,111 lo 11111 s, h r, urnul< do, Lr< v H. cl1• .1110 11 .1 110:; d stucl s, si. lC'm,. Ili<' olw d cem às suas próprias l •is. ll lJs r •s m, adquirem novos v , bulo: te., graças ao contato com outras línguas, ou minguam e definhnm :H• forem submetidas ao isolamento prolongado. Dentro dessa lógi , , 11 contato com outras línguas não só não é prejudicial, mas, pelo contr, rio, é extremamente vantajoso e imprescindível para o crescimento e, a 1 t • mesmo, a sobrevivência, de qualquer língua. Em outras palavras, o ti n > que o leigo quer disparar só vai sair pela culatra. Olha só para o caso do inglês, apontam eles. Por sinal, justamente a língua que agora esl. na mira de todos aqueles irados com os rumos da política linguística no Brasil. Não fosse o fato de a língua inglesa ter sofrido tanta influênci.1 de outras línguas, notadamente do latim, ela talvez não tivesse adqu i rido um vocabulário tão rico e versátil, e, por conseguinte, se tomado merecedora do título de língua universal nos dias de hoje. Por sua parte, os leigos (leia-se, os não linguistas, já que muitos daqueles que são rotulados de "leigos" têm um vasto conhecimento sobre questões relativas à língua, à literatura e assuntos afins, embora tal conhecimento não seja reconhecido como "científico" pelo establish- ment da linguística) se revelam igualmente impacientes em relação aos linguistas que, a seu ver, fazem vista grossa ao fato de a língua inglesa hoje representar o poder avassalador de uma superpotência (aliás, a única que sobrou após a queda do muro de Berlim). Eles também de- monstram cada vez mais impaciência diante da recusa dos linguistas a compartilharem suas angústias sobre a integridade da língua portuguesa e suas chances de enfrentar a invasão estrangeira e de sobreviver à luta desigual com a língua inglesa. Do ponto de vista dos leigos, os linguistas são um grupo de estudiosos que se refugiaram numa torre de marfim e se isolaram completamente dos anseios dos falantes comuns do idioma. Como se não bastassem as desconfianças entre os linguistas de um lado e os ditos "leigos" do outro, surgiu há pouco um novo desafio para os linguistas no Brasil. Trata-se de um grupo de pessoas autode- nominado "linguistas brasileiros para a democracia" que, dizendo falar em nome de todas as pessoas leigas e insistindo em não ter nenhum vínculo com universidades, nem nenhuma formação em linguística, faz questão de rechaçar como antidemocrática a fala dos linguistas. 130 'I 1 lllJlll 1 1 1 1111111 11111 li"\ l 'I lt!tdl !Ir 1 li 1 IH! 1 1 Jll U l !l"ll l lll H:l11• 1wvo dt• 1>1,1v.1dn111 u1lll:1..11n .1 l11t 1•t 1u•t p.it .1 dlvul)•,,11 11,1. n 1 nH. g<' ll ,, 1 m gr,tncl<' p11rtc• r li ... , lin 1ufs li • oft i, 1 m of r r p lo m nos, l , , r, r nhuma proposta concreta no lugar. Até o nd par e possív l inferir da sua postura, os linguistas que lecionam fazem pesquisas nas universidades etc. não são democráticos, uma vez que frequentemente remam contra a maré da opinião pública. Pela lógica, ser democrático significa falar em nome do "povo", ou melhor, reproduzir a voz do povo. Ou seja, as teses linguísticas não devem ser elaboradas mediante horas e horas de estudos em bibliotecas e pes- quisas de campo, sob pena de não refletirem o pensamento dos leigos. Se dependesse da vontade dos membros do grupo autodenominado "linguistas brasileiros para a democracia", as únicas proposições ver- dadeiramente "democráticas" seriam fruto de uma enquête. A pesquisa linguística deve, portanto, passar das mãos dos linguistas para, quem sabe, os institutos de pesquisa de opinião com capacidade comprovada para levantar dados nos quatro cantos deste imenso país. Diante da situação descrita acima, quero examinar as seguintes questões: * É possível que haja algo que nós, enquanto linguistas profissio- nais, lotados em universidades e nos demais centros de pesquisa, possamos fazer, a fim de desfazer o total desconhecimento ou opiniões distorcidas acerca do nosso trabalho? (Rajagopalan, 2001d). * É possível que, durante muito tempo, tenhamos simplesmente ignorado as opiniões dos leigos ao nos dedicar à nossa missão de elaborar teorias a respeito da linguagem? (Rajagopalan 2000b) . * É possível que, em meio a nossa firme atuação durante a aca- lorada discussão sobre a língua e a pátria, tenhamos esquecido que o leigo também tem direito à sua opinião,que tal opinião precisa não só ser respeitada enquanto tal, mas levada em cont na hora de divulgar a posição que assumimos com base em anos de estudos? * É possível, enfim, iniciar uma discussão franca e proveitosa p, r, ambos os lados? Evidentemente, o assunto é muito mais complexo e multifac t, lo do que possa parecer à primeira vista. Com certeza, diz r sp iLo < 131 um · ri d pr ssup 'L • 'to1 bj, 1 11 s , próµ i, i n lin)'u •Li ,1. Por exemplo, é sabido que a linguística enquanto ci ~ncia foi. rguida sob a premissa de que a opinião do leigo, do informante que fornec os dados para as análises posteriores, não vale quase nada, a não ser do ponto de vista de curiosidade, digamos, antropológica. A linguística enquanto disciplina moderna, desde seus primórdios, desenvolveu seus conceitos básicos à revelia do senso comum, a partir de uma premissa que se convencionou chamar de "clean-slate principle" (prin- cípio de lousa limpa) - ou seja, o princípio de que a reflexão teórica a respeito da natureza da linguagem tem que se dar pressupondo o mínimo possível (Johnson, 2001; Aitchison, 2001; Garrett, 2001) . O senso comum sempre foi tratado como um empecilho, algo a ser sumariamente descartado, a fim de que a reflexão teórica pudesse ser conduzida de maneira livre. Está aí como prova mais contundente dessa postura o ensaio clássico de Leonard Bloomfield (1944) intitula- do Secondary and Tertiary Responses to Language, no qual as eventuais observações de ordem metalinguíStica emitidas pelos informantes são sumariamente descartadas como não merecedoras de atenção séria pelo linguista (Rajagopalan 1999b, 2002e, no prelo-1). Acontece que o nosso autoimposto distanciamento em relação ao senso comum é visto pelos leigos como forma de um certo elitismo intelectual e de puro desprezo às opiniões leigas. No fundo, tal atitude se relaciona com a dificuldade que o público leigo tem em perceber o próprio estatuto da linguística como ciência. Neste sentido, a situação do linguista na sociedade é muito diferente da de um, digamos, físico ou biólogo. Ninguém estranha quando um físico expõe suas ideias, muitas das quais contrárias às crenças populares. O leigo não só não aceita a legitimidade da física enquanto um corpo de conhecimento muitas ve- zes na contramão do senso comum, como também se diz pronto para escutar o que o físico tem a dizer e aceitá-lo como opinião respeitável, ainda que se diga incapaz de compreendê-la. Da mesma forma, a maioria das pessoas leigas escuta o que um biólogo diz e não parte para um onfronto, com base nas crenças folclóricas que afirmam o contrário. /\ é mesmo os meteorologistas contam grande prestígio entre os leigos, 11 H'H m quando erram mais vezes do que acertam em suas previsões e 1 , ti,1H. P r que os leigos têm opinião diferente a respeito dos linguistas? 132 lJ111,1 po tvc• I 1 pn 1 1 , 1wrgunt 1 l1•v,111t,1d,1 .te 11111 poclf't.1 t'I ,1 lll O. h•ip,o. ,\ 11d,1 1\, () , 1 'lll qu [' Í, lO ), li11p1ti Ht.1 . l.t i m. EI s n m s qu r i; b m do qu a linguísLi Lr t . O lingttiHl.I é frequentemente confundido com um poliglota ou um gr m, t irn tradicional. "Você é linguista? Então me diga, como se diz m h i n : 'saudade' ou qual é a forma correta de dizer ... et c." Em sua últi111,1 visita aos EUA, João Paulo II foi saudado pelo então president l~ill Clinton com as seguintes palavras: "Não sou, nem de longe, urn li11 guista como o senhor, Santo Padre". Clinton estava, evidentem nlc , fazendo alusão ao fato de o Papa mandar mensagens aos pov s cio mundo inteiro em seus respectivos idiomas. Em grande parte, o total desconhecimento por parte dos leigos lo que se faz no campo da linguística provavelmente tem a ver com u 111 certo desinteresse por parte do linguista em divulgar o seu traball o ou, como ficou evidente durante o desenrolar dos últimos acont i mentos, uma certa inabilidade ou falta de savoir-faire em defender s 'li quinhão. Aliás, nas áreas denominadas "humanas'', observa-se c rn frequência um desejo de se aliar às ciências mais "nobres" - l i, -se as "exatas" ou, se possível, à matemática. Em matéria publicad,1 recentemente na revista Veja, o economista Gustavo Franco cheg ,1 celebrar o fato de que cada vez um maior número dos seus col g, ,' está, segundo ele, aderindo à corrente que vê a economia como um, disciplina regida pela matemática. Diz ele: "A matemática é apenas u 111 idioma, mas é certo que multiplica a inteligência humana" (Fran o, 2003: 112). Uma obs~rvação equivocada, pois longe de ser "apen. H um idioma", a matemática é vista como o idioma pela civilizaç, o ocidental - Leibniz, impressionado pela beleza e a "perfeição" d, linguagem da matemática, chega a exclamar que uma língua tão p r feita deve ter como falante número um - se não como seu úni o falante - o próprio Deus, o Ser Perfeito por excelência. Ou sej , , o pleitear a aproximação da economia à matemática, Franco está q11t' rendo transformá-la numa ciência exata. O título do seu tex o cli~ tudo: "Matemática e neoliberalismo". Pela implicação, a matem, 1 i1 .1 seria a própria forma de expressão do novo deus do liberalismo: o Mercado. Tão implacável, onisciente, onipresente, onipotent q11,111 133 1111) ll~t lltll ,ll i' Ili ~ 1 [f11 11111.llAI I M, lltllflllllAlll 1 A11111' IAll 1 lll J\ to • · 1 'is l<' m.1t •m. l < .1. O .iutor d t xt 1 mbr Uri J lobsl , win , historiador inglês e e l •br· o fato de que "a matemática assinalou o divórcio entre a ciência e o s nso comum". Assim como no caso da economia, há .quem deseje transformar a linguística numa ciência exata. Aliás, desde o momento do seu surgimento como campo de estudo autônomo, a linguística sempre foi saudada como uma ciência. Livros introdutórios fazem questão de ressaltar o caráter científico da disciplina. Os gramáticos tradicio- nais foram convocados para servir de contraponto, de sparring para que os detentores do novo saber pudessem alardear suas credenciais científicas e se autoproclamarem autênticos cientistas. Infelizmente porém, o modelo da ciência que norteou a linguística desde seus primórdios se revela um tanto esgotado. Mais grave ainda, apenas tem servido para que houvesse um distanciamento progressivo entre o especialista e as pessoas comuns. O surpreendente é que muitos entre nós reconhecemos isso. Mas achamos que nada há a lamentar. O desprezo para com as preocupações das pessoas comuns também se manifesta na forma como é tratada a questão da aplicação das teorias para fins práticos. Um caso exemplar é o campo de pesquisa denominado "Aquisição da Segunda Língua (ASL)". "Progresso em ASL", diz um pesquisador de peso, "como em qualquer outra disciplina científica, ocorre quando focamos no problema explanatório, e não quando olhamos para as possíveis aplicações" (Gregg, 1996: 74-75). Atitudes como a de Gregg são sintomáticas de uma certa herança racionalista que orienta o trabalho de muitos pesquisadores na área. De acordo com um dos preceitos da tradição racionalista, a prática sempre deve andar a reboque da teoria, o "como" deve suceder o "quê". Feliz- mente, há sinais de que um número cada vez crescente de pesquisadores stá questionando tal premissa. Por exemplo, van Lier (1991: 78) chega < r chaçar a posição de Gregg argumentando que, pela mesma lógica, 11 ri o único objetivo das pesquisas sobre a AIDS a elaboração de uma 1 c•ori, obre a doença e não a descoberta de uma cura. 134 ln 1 li 1 N I O Lllo e' q11c , l,11111 •11li1vc•l111e•11t1 1, 11111il m pt• q11i1 ,ulot1•1 1111 .1111po I<' 11J lud 11 iwhtt' .1 lii1g11 .1j•,< 11111 r •f r m tr b. Ih, r , r ' V 'li,1 d<1 . 1 cwll v< 1l1 0 1 qu n i s los 1u Lr b Ih para o mundo para p ss · d 1 , 11<' e osso que nele habitam. Muitos se orgulham de estar em compa nhi ,1 de outros cientistas - de preferência, físicos ou químicos - Ili<.\ na sua ótica, não costumam se preocupar com os desdobram ntos práticosdas suas experiências científicas no laboratório. A pergunt,1 que devemos fazer neste instante é: será que a linguagem pod s analisada da mesma maneira que os físicos e químicos costumam an. lisar os seus objetos de estudo? Ao considerar a linguagem como um objeto natural e não cultural, que escolhas, que estratégias de exclusão estariam sendo operacionalizadas e para que finalidades? Finalment , é lícito fazer vista grossa ao fato de que reflexões sobre a linguagem são necessariamente conduzidas por intermédio da mesma linguagem, o que por si só distinguiria a linguagem de qualquer outro fenômen enquanto objeto de estudo? Ter interesse ou não em se dirigir aos anseios populares, em dialogar com os leigos, em pensar nas consequências práticas das nossas elucubrações teóricas é uma questão de escolha. Em outras palavras, é uma questão política. Como também é uma questão emi- nentemente política qualquer decisão a respeito de como abordar ciência da linguagem - como um físico encara seu objeto ou um sociólogo o faz. No primeiro caso, estamos lavando as mãos ant qualquer responsabilidade ético-política relativa ao nosso trabalho como pesquisadores. No segundo caso, aí sim, estamos realçando o caráter social do próprio trabalho do estudioso. A linguística, ao que parece, ainda sofre de uma decisão tomada no seu momento inaugural, a de se aliar às ciências exatas (pelo motiv evidente de prestígio que isso pudesse trazer). E o preço que se pag é um distanciamento cada vez mais evidente do interesse popular. O que está em jogo não é apenas uma questão interna à ciência. que está em jogo é a própria sobrevivência da disciplina e a quest, o da relevância social dessa disciplina (Rajagopalan, 1997, b, c; 20001>; 2001 a, b; 2002 a, b, c, d). 135 D DDDLJLI Referências bibliográficas AlTCHlSON, J. (2001). Misunderstandings about language: a historical view. Journal of Soci~linguistics . vol. 5. nº 4. pp. 61-620. AUSTlN, John L. (1962) . How to Do Things with Words. Oxford: Clarendon Press [ed. br. (1990). Quando dizer é fazer. Porto Alegre: Artes Médicas]. BAKHTlN, Michael M. (1981). The Dialogic Imagination. Org. M. Holquist. Austin: University ofTexas Press. BLOOMFIELD, L. (1944). Secondary and tertiary responses to language. Language. 20: PP· 45-55. BRUMFIT, Christopher. (1999). A reply to Rajagopalan. International Journal of Applied Lznguzstzcs. vol. 9. nº. 1. pp. 120-122. . . . . . BUCK, C. D. (1916). Language and the sentiment of nationality. 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S. 55, 137 Halliday, 29, 44 Harris, R. 46, 47, 48, 137 Harth, P. 119, 120, 138 Hartmann, R. R. K. 107, 138 Hegel, W. F. 54 Heidegger, M. 35 l lltli •1, /\ , !l'.J, IHl, !1'/ l lobril h1w111 '/f1, 1:111, 1:m Jlodg 80, 123, 137, 13H Holliday, A 77, 138 Holmes, J. 138 Horkheimer, M. 12, 127, 138 Horton, M. 105, 106, 138 Hume, D. 34 Huntington, S. 59, 60, 61, 138 Hussein, S. 82 Hutton, C. 25, 62, 138 Hymes, D. 70, 76, 137, 138 J James, W. 54, 108, 138 João Paulo II 133 Johnson, S. 132, 138 Jones, W. 40, 43 K Kant,!. 31 Kaplan, D. 84, 138 Katz, A N. 139 Kaufman, T. 26, 62, 91 Klein, G. 93, 138 Klemperer, V. 92, 138 Korg, J. 30, 138 Krause, 57 Kress, G. 80, 123, 137, 138 Kripke, S. 34, 84, 138 Kuhn, T. 26, 47, 72, 74, 120, 138 L Labov, W.20, 45,138 Lacan, J . 40 Lakoff, R. 44, 138 Lando, A 129 Leibniz, G. W. 133 Lévi-Strauss, C. 40 Lippi-Green, R. 26, 138 Lopes da Silva, F. L. 140 Lyons, J. 40, 41, 43, 48, 138 M Martin, J. R. 77, 138 Marx, K. 54, 55, 138 McGowan, J. 52, 138 Mio, J. 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C. 137 Robins, K. 57, 79, 141 Ronat, M. 16, 17 Rorty, R. 35, 42, 53, 54, 141 Rousseau, J.-J. 63 Russell, B. 83, 139, 141 Ryle, G. 108, 141 s Said, E. 42, 58, 141 Sampson, G. 24, 73, 75, 76, 141 143 !l1lll MN llll 1 JI, d1• :_i/i, l'l, \ \ , 1 :l'I, l '1 1 Stl1op1• 11li 11 u1•1, /\ , 1:1 S , ri , J. IUlO, '12, 1 1 O, 11 1, 116, lJ 7, l 1 , 1 1 D Segerdahl, P. 24, 141 Shakespeare, W. 71 Shapiro, M. J. 33, 14J Signorini, I. 138, 139 Silva, I. A 13 9, 140 Simpson, P. 81, 121, 141 Skutnabb-Kangas 61, 139 Smith, W. 25, 92, 120, 141 Sócrates 111 Stuart Mill, J . 74 T Taylor, C. 70, 118, 137, 141 Thomas 138, 139, 141 Thomason, S. R. 26, 62, 91, 141 Toolan, M. 43, 141 Toulmin, S. 52, 141 Treanor 94, 141 Trew, T.137 Tudjman, F. 94, 104, 141 u Umiker-Semeok 136 V Van Lier, L. 134, 141 Vanderveken, D. 30, 141 Vennemann, T. 139 Viertel, J. 17 Voloshinov, V. N. 19, 14 1 w Wellerstein, I. 28, 141 West, D.106 Widdowson, H. G. 45 , 111 / , 139,141 Williams, B. 33, 141 Wittgenstein, L. 117 Wodak, R. 80, 138, J '11 Wolf, G. 47, 137 y Yngve 24, 141 z Zizek, S. 85 CAPA Sumário Apresentação Linguagem e Ética: Algumas considerações gerais Linguagem e Identidade Linguística e a Política de Representação Relevância Social da Linguística Sobre a Dimensão Ética das Teorias Linguísticas A Identidade Linguística em um mundo globalizado Língua Estrangeira e Autoestima A Construção de Identidades: Linguística e a política de representação Linguística Aplicada e a Necessidade de uma Nova Abordagem Designação: A arma secreta, porém incrivelmente poderosa, da mídia em conflitos internacionais Linguagem e Xenofobia A Polêmica sobre os "estrangeirismos" e o Papel dos Linguistas no Brasil Linguística Aplicada: Perspectivas para uma pedagogia crítica Sobre a Arte, a Ficção e a Política de Representação Por uma Linguística Crítica O Linguista e o Leigo: Por um diálogo cada vez mais necessário e urgente Referências Bibliográficas Índice de Nomes