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Coleção Lingua[gem] 1. Português ou brasileiro? Um convite à pesquisa, Marcos Bagno 2. Linguagem & comunicação social, · Manoel Luiz Gonçalves Corrêa 3. Por uma linguística crítica, Kanavill il Rajagopa lan 4. Educação em língua materna: a sociolinguística na sala de aula, Stella Maris Bortoni-Ricardo 5. Sistema, mudança e linguagem, Dante Lucchesi 6. "O português são dois", Rosa Virgínia Mattos e Silva 7. Ensaios para uma sócio-história do português brasileiro, Rosa Virgín ia Mattos e Silva 8. A linguística que nos faz falhar, Kanavilli l Raj agopa lan & Fábio Lopes da Silva [orgs.] 9. Do signo ao discurso, Inês Lacerda Araújo 1 O. Ensaios de filosofia da linguística, José Borges Neto 11 . Nós cheguemu na escola, e agora?, Stella Maris Bortoni-Ricardo 12. Doa-se lindos filhotes de poodle, Maria Marta Pereira Scherre 13. A geopolítica do inglês, Yves Lacoste [org.J, Kanavilli l Rajagopa lan 14. Gêneros, José Lu iz Meurer, Ada ir Bon ini & Désirée Motta-Roth [orgs.] 15. O tempo nos verbos do português, M• Luiza M. S. Corôa 16. Considerações sobre a fala e a escrita, Darci lia Simões 17. Princípios de linguística descritiva, Mário A. Perin i 18. Por uma linguística aplicada indisciplinar, Luiz Paulo da Moita Lopes 19. Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística, U. Weinreich, W. Labov & M. 1. Herzog 20. Origens do português brasileiro, Anthony Julius Naro & Maria Marta Pereira Scherre 21. Introdução à gramaticalização, Sebastião Carlos Leite Gonçalves, M• Célia Lima-Hernandes & Vânia Cristina Casseb-Galvão [orgs.J )2. O acento em português, Gabriel Antunes de Araújo [org.] 23. oclollngulstica quantitativa, Gregory R. Guy & Ana Maria Stahl Zi lles ) 4. Metáfora, Tony Berber Sa rdinha J'1 Norma culta brasileira, Carlos Alberto Faraco Jt1 . /!adrôes sociolinguísticos, Wil liam Labov J I C1~11 rse dos discursos, Dominique Maingueneau Jll C 1•11os da enunciação, Dominique Maingueneau JIJ l 11 11tlos de gramática descritiva, Mário A. Perini 111 f 111r1l11ho1 da linguística histórica, 1111 ~ 11 Vhglnla Mattos e Silva 11 / l111lr r1 tio discurso, Sírio Possenti 1 J 1J11~1 lf11•1 11ma analistas do discurso, Sírio Possenti 11 11111111111)1•111 /lt diá logo, Carlos Alberto Faraco 1 N. 1111r111 /11 11 11a Gramatical Brasileira, 1 l 1111 1111! 1 1111 l l ~ nrlq ues 11111111111111111/t //11, ~ lrlo Possenti ~fof/, 1111111111 111t1111 1!11q11as, Sírio Possenti 37. Linguagem. Gênero. Sexualidade, Ana Cristina Ostermann & Beatriz Fontana [orgs.] 38. Em busca de Ferdinand de Saussure, Michel Arrivé 39. A noção de "fórmula" em análise do discurso, Alice Krieg-Planque 40. Geolinguística, Suzana Alice Marcelino Cardoso 41 . Doze conceitos em análise do discurso, Dominique Maingueneau 42. O discurso pornográfico, Dominique Maingueneau 43. Falando ao pé da letra, Roxane Rojo 44. Nova pragmática, Kanavill il Rajagopalan 45. Bakhtin desmascarado, Jean-Paul Bronckart & Cristian Bota 46. Gênero textual, agência e tecnologia, Carolyn R. Miller 47. Linguística de texto: o que é e como se faz?, Luiz Antônio Marcuschi 48. A gramática passada a limpo, Maria Helena de Moura Neves 49. O sujeito em peças de teatro (1833-1992), Maria Eugênia Lammoglia Duarte [org.] SO. Português no século XXI, Luiz Paulo da Moita Lopes [org.] 51. Da linguística formal à linguística social, Roberto Gomes Camacho 52. Estudos do discurso, Luciano Amaral Oliveira [org.J 53. Gênero, Anis B. Bawarshi & Mary Jo Reiff 54. Introdução à teoria enunciativa de Benveniste, Va ldir do Nascimento Flores 55. Linguística aplicada na modernidade recente, Lu iz Pau lo da Moita Lopes [org.J 56. Gramáticas contemporâneas do português, Maria Helena de Moura Neves & Vânia Cristina Casseb-Galvão 57. Letramentos sociais, na etnografia e na educação, Brian V. Street 58. A ordem das palavras no português, Erotilde Goreti Pezatti 59. Frases sem texto, Dominique Maingueneau 60. Espanhol e português brasileiro, Adrián Pablo Fanjul & Neide Maia González [org s.] 61 . Sujeitos em ambientes virtuais, Maria Cecilia Mollica, Cynthia Patusco & Hadinei Ribeiro Batista [orgs.] 62. Volosinov e a filosofia da linguagem, Patrick Séri ot 63. A história das línguas, Tore Janson 64. Discurso e análise do discurso, Dominique Maingueneau 65. Sobre a fala dialogal, Lev Jakubinskij 66. Retórica da ação letrada, Charles Bazerman 67. Teoria da ação letrada, Charl es Bazerman 68 . Unidade e variação na língua portuguesa: suas representações, André C. Va lente 69. Linguística funcional: teoria e prática, Maria Angélica Fu rtado da Cunha, Mariangela Rios de Oliveira & Mário Eduardo Martelotta [orgs.J 70. O texto e seus conceitos, Rona ldo de Oliveira Batista [org.J [_ l KANAVILLIL RA AGOPAlAN Por uma linguística crítica LINGUAGEM, IDENTIDADE E A QUfSTÃO ÉílCA A~A ~Hiii llH HA~ll 111 A11d1 !111 t 11 1 ~11111 1111()111 M111 1Mu1 lcmll CON LHO EDITORIAL: Ana Stahl Zlll s [Unlslnos] Angela Paiva Dlonlsio [UFPEJ Carlos Alberto Faraco [UFPR] Egon de Oliveira Rangel [PUC-SP] Henrique Monteagudo [Universidade de Santiago de Compostelaj José Ribamar Lopes Batista Jr. [UFPl/CTF/ LPTJ \ Kanavil lil Rajagopalan [UN ICAMPJ Marcos Bagno [UnBJ Maria Marta Pereira Scherre [UFES] Rachel Gazolla de Andrade [PUC-SPJ Roberto Mulinacci [Universidade de Bolonha] Roxane Rojo [UNICAMP] Sa lma Tannus Muchail [PUC-SP] Sírio Possenti [UNICAMP] Stella Maris Bortoni-Ricardo [Un BJ CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ R131p Rajagopalan, Kanavillil Por uma linguística crítica: linguagem, identidade e a questão ética/ Kanavillil Rajagopalan. - São Pau lo : Parábola Editorial, 2003. -(Lingua[gem]; 5) Inclui bibliografia ISBN 978-85-88456-13-6 1. Linguística, 2. Pragmática, 3. Fi losofia da linguagem. 1. Título. li. Série. 03-1266. Direitos reservados à Parábola Editorial Rua Dr. Mário Vicente, 394- lpiranga 04270-000 São Paulo, SP CDD:410 CDU 81 °1 pabx: [11 l 5061-926215061-8075 I fax: [11 l 2589-9263 home page: www.parabolaed itorial.com.br mall: parabola@parabolaed itorial.com.br lorlll os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode s~r reprodu- 1ld11 0 11 transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou 111 e nico, Incluindo fotocôpia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema 111 1 l 11mc >d dados sem permissão por escrito da Parábola Editorial Ltda. 1•.11N 'l/H as 88456-13-6 dl~ 11I '• ' 11 Impressão - julho de 2016 1 I• 111111vllll l H11) ICJ pa lan, 2003 ' d 111 Ili~ 11 1'1u IJ 1, Ed itorial, São Paulo, julho de 2003 e.o ...... o N ro õ .D ...... ro -- ü ~ Sumário ÂPIUlSENTAÇÃO ..................................................................................... 7 L1N UAGEM E ÉTICA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES GERAIS ................................ 15 l.IN ,UAGEM E IDENTIDADE 23 l.IN UÍSTICA E A POLÍTICA DE REPRESENTAÇÃO .... ........................................ 29 HHLEVÂNCIA SOCIAL DA LINGUÍSTICA ......................................................... 37 , 1 0 1\IHl A DIMENSÃO ÉTICA DAS TEORIAS LINGUÍSTICAS ................................... 49 Objetivo.. ......... ............. ............................. .. ........................................... 49 1 . A ética na linguística: a elaboração de uma nova hipótese . ......... .... .. . 49 2. A ciência e a questão ética: três correntes distintas......................... 52 2.1. A corrente racionalista ................... .............................................. 53 2.2. A resposta pragmatista............... .... .............................................. 54 2.3. A alternativa marxista................................................................. 54 : . Comentários sobre as três correntes............................................. ... 55 Â li llNTIDADE LINGUÍSTICA EM UM MUNDO GLOBALIZADO ............................ 57 l.INC:UAESTRANGEIRA E AUTOESTIMA........................... .............................. 65 Â ' NSTRUÇÃO DE IDENTIDADES: LINGUÍSTICA E A POLÍTICA DE REPRESENTAÇÃO 71 Â 1.IN UÍSTICA APLICADA E A NECESSIDADE DE UMA NOVA ABORDAGEM ........... 77 1 )l(Sf ,NAÇÃO: A ARMA SECRETA, PORÉM INCRIVELMENTE PODEROSA, DA MÍDIA l!M CONFLITOS INTERNACIONAIS ......... .. .. ... ........ ... . .. ..... .............. .......... 81 5 l11tt ocluç. <> .................................................................................... 8 1 l. Nom s: afinal, o que há de tão curioso nessas palavras? .... ... 82 2. O discurso jornalístico e a escolha dos termos de designação. 3. O poder da designação ............................................................ . LINGUAGEM E XENOFOBIA ····································· ······· ···· ······ ················· 84 87 89 A POLÊMICA SOBRE OS "ESTRANGEIRISMOS" E O PAPEL DOS LINGUISTAS NO BRASIL 99 LINGUÍSTICA APLICADA: PERSPECTIVAS PARA UMA PEDAGOGIA CRÍTICA .. .. .......... 105 SOBRE A ARTE, A FICÇÃO E A POLÍTICA DE REPRESENTAÇÃO ...... ..... ........... .. ..... 115 POR UMA LINGUÍSTICA CRÍTICA .................................................... . ............. 123 Ü LINGUISTA E O LEIGO: POR UM DIÁLOGO CADA VEZ MAIS NECESSÁRIO E URGENTE .............................................................................. 129 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .. ...... ... ..... .. ............. ...... ..... ... ......... .... 136 ÍNDICE DE NOMES ....... .... ........ . ...................................................... 142 6 L \ ___ J l presentação Estão reunidos nesta coletânea textos originalmente apresen- 1, dos em congressos brasileiros nos últimos cinco anos, resultantes l comunicações, de participação em mesas-redondas e de conferên- d s. O que une todos eles são alguns temas que têm me interessado 11 stes anos e continuam a fazê-lo. Dentre esses, posso destacar a J r ocupação constante de fazer com que os avanços da linguística s jam postos ao alcance da população fora dos centros de pesquisa 1 ensino superior. É preciso, convencer o leigo de que vale a pena investir no estudo da linguagem e de que pensar sobre a linguagem implica, em última análise, indagar, de um lado, sobre a própria na- Lureza humana e do outro, sobre a questão da cidadania. A linguística é uma ciência que, indiscutivelmente, se encontra r uma fase madura em nosso país. Porém, como é do conhecimento omum, poucas pessoas fora do mundo acadêmico têm noção, ainda que vaga, do que trata a linguística. Essa situação se repete no mun- do inteiro. Estou convencido de que há uma necessidade urgente de e fazer algo a respeito. Sinto que, assim como eu, há muitos outros linguistas preocupados com isso. Mas, como venho dizendo, já há algum tempo, nem sempre dedicamos a devida atenção às possíveis razões para a nossa invisibilidade perante a opinião pública. A total ignorância do que nós, linguistas, fazemos tem levado o público leigo a achar que somos acadêmicos com ideias estranhas sobre coisas tão comuns como o é, em seu entender, a língua. Sem dú- 7 V cl.1, q11 .dq11 •t ( IH "t1 11111 1 f't 1.tl 1 . ( , q11 'v. () clP 'll(()tllro .l() St' lll () cw 1n111i . 1\111 1wHHO ,i: o, 11 1 " 11d.i m,1is iri nt , poi t d mundo h, u s •1i1 1 1t' t 0 111>1• m ti t s oisas sobre a linguag m. u s ja, a autoridad d li1 iuis t, 1 o automaticamente aceita pela sociedade ampla. Ela pr cisa ser conquistada. E para conquistá-la é necessário usar bastante persuasão. Não é derramando o nosso saber - como se fosse um punhado de pérolas em meio a um amontoado de porcos ávidos - que vamos conseguir convencer o público leigo de que temos algo importante a dizer. Infelizmente, muitos linguistas acreditam que o que falta é maior divulgação das nossas pesquisas. Vou citar apenas um caso como exemplo. Há alguns anos, a comunidade dos linguistas nos EUA foi surpreendida por um acontecimento no estado da Califórnia, mais precisamente numa cidade perto de San Francisco, chamada Oakland. Os habitantes dessa cidade, em sua maioria pertencentes à raça negra, se rebelaram contra as autoridades educacionais que, segundo eles, ignoravam o fato de que os negros têm marcas distintas na forma de falar. Cansados de tanta discriminação, eles declararam que a língua que falavam não era inglês, e sim "Ebonics". O episódio gerou bastante polêmica. E, para variar, os linguistas foram os últimos a saber. Correndo atrás do prejuízo, muitos vieram a público para divulgar suas opiniões sobre variação linguística, dizendo que todos os falares são iguais no que diz respeito à sua lógica e inteligibilidade e que nenhuma variante de dada língua pode ser caracterizada como superior a outra etc. Era, porém, tarde demais. O estrago já estava feito. Assim como em tantos outros casos (como, por exemplo, a onda de chauvinismo que atravessa aquele país, com clamores cada vez mais ensurdecedores para que o governo declare o inglês como a única língua de ensino em todo o território - política já posta em prática no estado da Califórnia-), ficou evidente, mais uma vez, a total inabilidade dos linguistas para intervir em questões relativas à política linguística. Para nós, aqui no Brasil, não se trata de nenhuma novidade, como demonstrou a polêmica que estourou no país reboque do Projeto de Lei nº 1676/1999 do nobre deputado Aldo Rebelo. Voltando, pois, ao caso "Ebonics" nos EUA, assim que a poeira b, ix u, alguns linguistas que haviam se entregado de corpo e alma 8 .10 dc •h,111 • f1 :1,1• 1.i111 11111 ,1 .1v.di.1~, o 11•l10 l!H'< l v 1 tio 11111111•1 1111•1il11 , U11i 1 1 'il foi o 1'101. ,Joltn 1 i kí 1, I, Univt IH cl.1cl1• ele ,it.11d111 ri , lln l x l publi ,1 l > 11n r •vislc Language & Soei 'ly ( 1 DDH/~)!I , 1111 t 11 I, d "O que o s i linguistas têm a dizer sobr s gr.i 11d1•11 dc•l> .1t 11 1 i nguisticos dos nossos tempos?", ele chega a admitir: Quando a controvérsia sobre o Ebonics estourou, muitos linguisl, s manifestaram frustração sobre tamanho preconceito popular contra as variantes linguísticas - preconceito que acreditavam ter sido dissipado havia muito, como coisas do tipo: que elas eram fruto de preguiça ou falta de lógica, ou que elas não tinham raiz histórica, nem estrutu~a e nem sequer regularidades, ou que se tratava de gírias e falares, sobre os quais se podia fazer ou dizer qualquer coisa que se entendesse. Até aqui, tudo bem. Poder-se-ia dizer que o desabafo até tem Llrn certo ar de déjà-vu. Mas, feito o diagnóstico, o autor nos oferece ,, seguinte receita para curar o mal: No entanto, ao amargar as nossas frustrações, parece que simples- mente esquecemos o que os peritos de propaganda, aqueles que vendem a pasta de dente Colgate e outros produtos, nunca esque- cem: que a mensagem tem de ser repetida muitas e muitas vezes, e repetida novamente para cada geração e para cada tipo de público, e, de preferência, numa linguagem simples, direta e cativante para que o público possa compreender e digerir. Confesso que fico estarrecido toda vez que ouço opm10es tão .wrogantes, petulantes e cheias de desprezo para com o leigo. O leigo não é por definição nem ignorante nem débil mental. Muito menos, um camundongo, que pode ser treinado para obedecer comandos mediante o uso repetido da sequência "estímulo-recompensa". Con- trariamente a muitos colegas, no Brasil e no exterior, que acreditam que o que falta é maior divulgação dos resultados das pesquisas realizadas numa linguagem acessível ao leigo, sou da opinião de que preciso também rever alguns postulados fundadores da disciplina. No lugar da divulgação, penso que, o que deve haver é uma maior interação. Entre o linguista e o leigo. Interação implica, por sua vez, ntrosamento. A divulgação é monológica, unilateral. A interação é 9 u•1 ~ 1"''"'1 1 '"'n11 r"n n cli.11 g ,1, u111.1 011v •u;.1 I< m, o dup l.1. 1 • 11, I, v, l • noss, v nt.1 d , mlinguis as, d no comuni r om o público leigo, s limita a uma vontade de "promulgar" os ensinamentos da linguística. Por mais óbvias ou racionais que pareçam as nossas posições a res- peito da linguagem e seu funcionamento, é preciso sempre lembrar que elas não são tão óbvias para quem não compartilha conosco os postulados fundamentais da ciência. Os desafios envolvidos na empreitada de "divulgar" a linguística entre os não linguistas não são, em última análise, diferentes dos desafios encontrados na tarefa de ensinar, principalmente, aos alunos ingressantes num curso de linguística. Alguns anos atrás, na Unicamp, onde trabalho há quase vinte anos, houve um caso inusitado que, no meu entender, ilustra bem o que estou dizendo. Um grupo de alunos do curso de graduação em linguística - salvo engano, o único do gê- nero em todo o país - fizeram um abaixo-assinado, encaminhado ao corpo docente. A única reivindicação era a de que houvesse algumas aulas sobre a gramática tradicional. Um episódio como esse nos ensina muitas lições. Primeiro, nem mesmo todos os nossos alunos estão ne- cessariamente convencidos de que as gramáticas tradicionais - objetos de vilipêndio dos linguistas que, desde o nascimento da nova ciência, vêm usando os gramáticos como uma espécie de saco de pancadas - são dispensáveis ao ensino. Indiscutivelmente, houve falha em nossa comunicação. Segundo, devemos lembrar que a nossa forma de interagir com nossos alunos leva o nome de ensino. Houve, em outras palavras, algum erro grave nas estratégias utilizadas em sala de aula. Porém, há um aspecto mais grave ainda sobre o episódio relatado no parágrafo anterior. Os alunos também estavam ficando cada vez mais perplexos diante da fúria contra algo que nem sequer conhe- ciam suficientemente. Explico. Quando, nós, os linguistas de hoje, começamos os nossos estudos iniciais no campo da linguística, há l rinta, vinte, ou mesmo dez anos atrás, tínhamos uma boa base nos princípios da gramática tradicional. Na verdade, a nossa "conversão" , 1 va ciência se deu precisamente em virtude do fato de que éramos 1 i1p,1z , de cotejar o velho e o novo e, dessa forma, chegar às nossas pt >1 l. s onclusões a respeito da superioridade da linguística moderna 10 1 111 tt•l.1~. o , g1.1111 ,1li .1 l ,\li lon, l ' , tH' '. 11 1 l.1cl d 1 'V(' < 111~.1 111 111 •111 •n t t• 0rr i' d,' r or isso m sm r r m nl posl s ob 0Jh ,1r e 1 11 l o. /\ ont que os nossos alunos, principalmente aquel s qu " t, o m ursos introdutórios, com frequência, não têm a mesma t,1111 ili ridade com a chamada gramática tradicional ou normativa e, 111u ilo menos, com os princípios e preceitos que norteavam o traba- 111 0 1 or trás daquelas obras. A questão é que os livros didáticos de llllj' são, em muitos casos, fortemente influenciados pelos avanços ti< ,mçados na linguística. Até mesmo termos técnicos como sintagma 110111inal, estrutura profunda, deslocamento à esquerda, referência, pressu- 1111s10, coesão etc. são assiduamente empregados pelos autores desses 1 vr s. Ou seja, muitos alunos já foram expostos à terminologia da ll11guistica moderna, muito embora nem sempre de forma adequada cn1 sistemática. O que lhes falta é, em muitos casos, conhecimento l1ll mático da gramática tradicional. Quando nós os encontramos em 11 w1 os cursos introdutórios, a nossa forma de ensinar não é muito 1 l l f rente da forma como fomos apresentados à linguística moderna: por intermédio de uma crítica ferrenha à gramática tradicional. Creio q11 1 há uma necessidade urgente de aprender a lidar com os alunos de lioj , que tiveram uma formação diferente da nossa. Não estou dizendo om isso que devemos voltar a ensinar a gramática tradicional; longe 1 l l11so, estou dizendo que precisamos urgentemente pensar em novas e•. l r tégias de abordar a linguística, já que a velha tática de apresentar 1 linguística moderna discutindo as limitações da gramática tradicional 11 , o funciona mais pelos motivos expostos. É preciso chegar aos nossos ,tlunos, ao invés de esperar que eles cheguem até nós. Aprender a falar com o público geral não é muito diferente de 1pr nder a ensinar. O conteúdo por si não convence ninguém. É p ciso pensar as formas de se comunicar. E, como, já disse, voltar- nos sobre nós mesmos, vez por outra, e perguntar se não haveria e• q ço para repensar e rever as nossas posições. Por que devemos p.1rtir da premissa de que somos nós que temos o que ensinar e c• I só que aprender? Se um pai pode aprender com o próprio filho (p r que não?), e um professor pode aprender com o aluno - al- p1tns dos textos que escrevi e dos quais ainda me orgulho foram 11 spirados em perguntas feitas por alunos durante a aula - por 11 n111 1 n t I qu< pw ,, lto1v1 •1 d)',11 11,1 ,d 1 lo i, 1 op ul.1t qu 1 H •j, p ·quiH do '? O fato é que, como já diss , linguística sempre destratou a opinião pública - a mesma que agora quer conquistar. O leigo não sabe de nada. O gramático tradicional sabe muito, mas tudo errado. Não é com base nessas premissas que a linguística vai ter alguma aceitação junto à opinião pública. Quando me refiro a uma linguística crítica, quero, antes de mais nada, me referir a uma linguística voltada para questões práticas. Não é a simples aplicação da teoria para fins práticos, mas pensar a própria teoria de forma diferente, nunca perdendo de vista o fato de que o nosso trabalho tem que ter alguma relevância. Relevância para as nossas vidas, para a sociedade de modo geral. Como dizia Horkhei- mer, a teoria crítica se distingue da teoria em seu sentido tradicional ao partir de uma importante premissa que é de ordem existencial: que as coisas podem ser diferentes da maneira em que se encontram. Ou melhor, é possível mudar as coisas, ao invés de nos contentar em simplesmente descrevê-las e fazer teorias engenhosas a respeito delas. Acreditar numa linguística crítica é acreditar que podemos fazer diferença. Acreditar que o conhecimento sobre a linguagem pode e deve ser posto a serviço do bem-estar geral, da melhoria das nossas condições do dia a dia. É também acreditar que o verdadeiro espírito crítico tem de estar voltado, vez por outra, para si próprio. É preciso, em outras palavras, submeter as nossas práticas ao escrutínio crítico. Para isso, é necessário nos lembrar, com frequência, que podemos estar errados sobre esta ou aquela questão. E, finalmente, acreditar que nunca é tarde para aprender e nunca se sabe de quem se pode aprender a nossa próxima lição. O falecido filósofo inglês, J. L. Austin, de quem sou fã confesso, dizia que a sabedoria popular contém muito mais do que reconhece a nossa v filosofia. Recomendava a todos que queriam se iniciar na filosofia qu começassem comprando um bom dicionário. Dizia que as nossas 1 ngu s, talhadas no uso continuado por gerações e gerações de usuários, onl m dicas preciosas sobre muitas coisas e que são, em muitos casos, p1 ·<1 <'rfv is às engenhosas distinções inventadas pelo filósofo solitário 12 t'lll 1 c111 dc •l 1 lo. N. o ln , 'e llop< 11d1,n 11 1 qu • l< 1v< .1 IM< ,1d,1 j',< 1111.d d<• q11<· ,1 11nlc ,, dif <'r ·11~,1 •ttt 11 1 d1 1I rio ' L •ori, é qu , , nLr. r i 1 prim iro, q11c 1 s li t. ri , • s 1gl111 l 1 s d d maneira col tiva e contagiant ? ~ pr ciso s utar m is o leigo e prestar mais atenção à sabedoria 1>< pular, se quisermos manter um diálogo profícuo no qual contextos .11 < r ntemente diferentes - leigo e acadêmico - possam mostrar tlll interação - que, aliás, existe, apesar de algumas controvérsias. A iência pensa a vida e, como tal, pensar sobre a vida não elimina p •nsar em vida. É um engodo criar um espaço estratosférico para ,, vida da ciência, pois sem o oxigênio vital que nos cerca podemos p, r r de respirar e de nos alimentar da vida (aliás, não é este o ob- J Lo maior da ciência?). Pensar sobre indica distanciamento; pensar 1•1n indica o mergulho. No entanto, ambas as posições comungam no p nsar:não há como excluir ramos de uma mesma teia. As propostas contidas nos textos a seguir fazem parte de um l r balho contínuo. A ideia de oferecê-las ao leitor tem como objetivo c•stimular um debate - a única forma de aguçar as nossas próprias ideias a respeito e levá-las adiante. Gostaria, antes de encerrar esta apresentação, de registrar meus .1graqecimentos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico 1 Tecnológico (CNPq) por ter apoiado as minhas pesquisas durante l dos estes anos (Processo nº 306151/88-0) . Campinas, 12 de _junho de 2003 PROF. DR. KANAVILLIL RAJAGOPALAN Professor Titular na área de Semântica e Pragmática das Línguas Naturais Departamento de Linguística Universidade Estadual de Campinas 13 inguagem e ética /\LGUMAS CONSIDERAÇÕES GERAIS Questões de ordem ética, via de regra, não são levantadas qu ndo o que está em pauta é a língua natural. Isso tem a ver justa- m nte com o fato de a língua ser considerada um fenômeno natural. l!xiste uma crença, amplamente compartilhada, de que a natureza cl 1 conhece qualquer espécie de ética. Ninguém, por exemplo, discute ,1 dimensão ética de um desastre natural, como um terremoto, por c•x mplo. As questões éticas podem ser levantadas, isto sim, no que diz respeito às atitudes das autoridades - se elas poderiam ou não 11.1 r tomado as providências necessárias antecipadamente, inclusive divulgando a tempo os eventuais avisos emitidos pelo departamento d1.1 sismologia; se os órgãos de serviço público como polícia, corpo de bombeiros, médicos etc. poderiam ou não ter socorrido as vítimas 1 om maior presteza e empenho etc. O acontecimento em si, quando c percebido como além do controle humano direto, como no caso c le um terremoto, é entendido como algo acima das considerações 11l icas - exceção feita às práticas de nos queixarmos contra as for- ~· s do mal, ou contra deuses contrariados etc., que fazem parte das ntperstições e mitos. Mesmo nesses casos, é interessante frisar que o evento é antes desnaturalizado para então lhe serem atribuídas 1 onotações éticas. Resumindo, o pressuposto amplo que sustenta h a parte de nossas discussões relativamente à questão ética é o de e 1ue só se pode falar em ética quando estão em discussão ações in- 15 PI li 1 IPI "~1 1 n n1 n n111 r, n 1 11r" l t' l l( lo11,1l1 p 1,1ti< ,1cl ,1, p(lt ol)',1'111<' 1111111 ,111 0 , 11 0 'X ' s 1 n L n , v n L, 1 elo l 1 11 u.i l lvr• Não é difícil perceber, portanto, que enquanto est iver comprometido com a tese de que a língua é um fenômeno, um produto natural, fica difícil levar adiante qualquer discussão acerca das possíveis questões éticas dela decorrentes - o que, decerto, não acontece nas abordagens teóricas que preferem encarar a língua como um fato social, produto de ações de seres humanos organizados em comunidades etc. É por esse motivo que a corrente gerativista tem demonstrado uma certa ambi- guidade em relação à responsabilidade ética do teórico da linguagem. A título de exemplo, vale a pena nos deter um pouco no seguinte trecho, citado sem recortes ou interrupções, da conversa entre Noam Chomsky e Mitsou Ronat (Chomsky, 1977: 3)1: M. R. : Paradoxalmente, seus escritos políticos e suas análises sobre a ideologia imperialista norte-americana parecem ser mais bem conhecidos, aqui na França e nos EUA, do que a nova disciplina que você criou: a gramática gerativa. Isso nos leva a perguntar: você vê alguma ligação entre seus estudos científr.cos - o estudo da linguagem - e suas ativi- dades políticas? Por exemplo, nos métodos de análise? N. C.: Se houver uma conexão, ela se dá num patamar bastante abstrato. Eu não disponho de nenhum acesso a métodos inusita- dos (unusual) de análise, e todo o conhecimento especializado que possuo acerca da linguagem não tem nenhuma influência imediata sobre questões sociais e políticas. Tudo o que tenho escrito sobre essas questões poderia ter sido escrito por outro qualquer. Não há nenhuma conexão direta entre as minhas atividades políticas, artigos etc. e o trabalho sobre a estrutura da língua, embora de alguma forma ambos provavelmente derivem de determinadas afirmações comuns e atitudes em relação a aspectos básicos da natureza hu- mana. Parece-me que a análise crítica na esfera ideológica é matéria 1 As conversas foram publicadas primeiro em francês, sob o t ítulo Langue, linguistique, /JOll l ltf111': dialogues avec Mitsou Ronat. Paris: Flammarion, 1999 e, posteriormente, em inglês, 111 111 o r h L mativo título de Language and Responsibility [esta é a edição aqui utilizada] . 16 IJ 11 11,ljl ''"' 1 11"1.f' llJr'fiHlllllf''tl'' 'Jll"Fl fii 1>.1 t.11111 1 l.1< il d • t• e w11p11 1t• 1HI , <'lll om1>< " , o,, uiní'.I ,1[ or<lLg 1 111 q ( • t qtt<' urn 1•,r,lll cl' , bstr ç onceptual. É int r ssant observar nessa resposta que Chomsky descart a 1u lquer possib ilidade de que as teorias que elaboramos sobre a li nguagem venham a ter implicações de ordem ideológica e política, t' portanto, a fortiori, éticas. Ou seja, a afirmação de Chomsky de 1ue a ciência e política nada têm a ver uma com a outra não é uma ,\firmação feita por um linguista; a afirmação de Chomsky parte de , lguém que está tomando uma posição no campo do saber que de- nominamos 'filosofia da ciência' . É de grande relevância para nossa discussão a origem do título lo livro do qual foi extraída a longa citação acima. Trata-se de uma uriosidade editorial. O livro original em francês não mencionava a p lavra 'responsabilidade'; dizia apenas Langue: linguistique, politique: dialogues avec Mitsou Ronat. O diálogo que deu origem ao livro havia ,1 ontecido de forma bilíngue - a entrevistadora fazendo as suas per- puntas em francês e o entrevistado respondendo a cada pergunta em H u idioma de preferência, o inglês. Depois da publicação do livro em francês, surgiu a ideia de uma versão em inglês para o público norte- mericano. Segundo nos relata John Viertel, o "tradutor" encarrega- lo pelo próprio Chomsky, descobriu-se que as fitas com as gravações e riginais "não estavam mais disponíveis" (p. vii) - de tal forma que o conteúdo da versão inglesa precisou ser praticamente "reconstruído" (, expressão é do próprio tradutor) e não simplesmente traduzido. 1 talhe curioso: não há nenhuma menção quanto ao motivo pelo qual ,1 palavra 'responsabilidade' recebeu tamanho destaque na nova versão cio livro, tendo sido estampada no próprio título. Voltando à questão da compatibilidade ou da incompatibilidade C'ntre a ciência e a política, ou melhor, das posturas assumidas por um l ntista (no caso, linguista) enquanto cientista e enquanto cidadão < mum e portanto um ser político, é preciso chamar a atenção para 11 m possível deslize de raciocínio e um possível equívoco decorrente li sso. Uma questão é argumentar, como o fazem o próprio Chomsky 17 ' 1,1111 0. rnt l 101 1 qu t• 1 ll11 g 11 .1 1• 11 d 1•v1• 1 c• t .11 o d.1 l,1 t m uni ol j •o d<> mun 1 n tu r 1. J\ ulr, q 1 t, o, orn1 l t~m nt difer n t inde- p nd n t da prim ira, é perguntar se h averia ou não qualquer ligação ntre as categorias que postulamos em nossa tentativa de teorizar a linguagem e a postura político-ideológica que assumimos em outras ocasiões e a respeito de outros assuntos. Isso porque a premissa de que a língua seja um objeto natural não é suficiente para concluir que os conceitos e as categorias que postulamos em nosso esforço de compreendê-la também sejam objetos naturais. Acredito que nossas teorias sejam tentativas de fazer sentido para um mundo real que, na ausência de tais teorias, deixar-nos-ia embasbacados diante de tantos fenômenos que escapam ao nosso senso comum, ou seja, nós seres humanos somos por força de nossa própria natureza criaturas que teorizam compulsivamente2• Ora, dentro dessa perspectiva, é perfei- tamente possível que embora partam de uma necessidade imposta pela própria naturezahumana, as teorias que defendemos reflitam os anseios do momento histórico em que propomos e defendemos as nossas ideias. Em outras palavras, percebe-se a perfeita compatibilidade entre a ciência e um posicionamento político-ideológico. Melhor ainda, percebe-se que mesmo por trás das teorias que possam ostentar uma aparência de mais alto nível de isenção e neutralidade podem estar presentes propostas de cunho político-ideológico. É lícito, em outras palavras, perguntar quais os motivos e programas secretos que estão por trás de certas teorias e que as ajudam a ganhar destaque e aceitação quase que instantâneos entre os membros da comunidade acadêmica e mesmo fora dela. No campo da linguística, é bem verdade que os pesquisadores que lidam com a chamada "pesquisa pura" tendem a relegar a um segundo plano qualquer discussão a respeito das consequências éti- cas de suas elucubrações teóricas ou mesmo negar sumariamente (Rajagopalan, 1999b) que elas existam. Deborah Cameron, autora ~ f. Rajagopalan, 1998b para uma discussão maior - esta questão é, sem dúvida po l m i , . V ja, por ex. Thomas, 1999. 18 cl • 11 111 livro 1>.1111.11111 1 111 111 •n l.1clo (d . '1 n 1t•to 11 , 1 DH! ), 110. t •l. \l 1 o s uint ' 1 is li o <> orrl clo num on urso doe nte, d qu 1 p rli ipou orno candidata logo pós ter concluído uma versão preliminar do referido livro. Ao ser informado sobre o título do livro que acabara de t erminar, a saber Feminism and Linguistic Theory, um dos membros da banca examinadora exclama: "Mas, espera aí, isso não é igual a escrever um livro sobre linguística e jardinagem orgânica?" (Cameron, 1985: 2). A autora prossegue, afirmando que talvez a reação não fosse tão negativa se o título fosse algo como Marxismo e a teoria linguística. Embora a intenção da autora fosse, com certeza, salientar o relativo desprestígio do feminismo em face de outras ideologias de respeitabilidade assegurada como o marxismo, devemos discordar dela quanto à possível aceitação pelos linguistas pertencentes ao chamado "núcleo duro" de uma obra com o título sugerido. Em primeiro lugar, convém lembrar que o título do livro de Voloshinov (1977), bastante divulgado no Ocidente, contém a palavra "marxismo", porém faz par, não com "a teoria linguística", e sim com "a filosofia da linguagem". Na linguística oficial, a chamada mainstream linguistics, a situação é bem diferente. Não por acaso Newmeyer, marxista declarado e de carteirinha, se acha devendo ao leitor do seu livro Linguistic Theory in America (Newmeyer, 1980) uma explicação do porquê da ausência da orientação marxista em seu empreendimento historiográfico. Eis a explicação do autor: Algumas pessoas que me conhecem como um marxista podem ficar surpresas e, talvez, até desapontadas pelo fato de não haver nenhuma 'análise marxista' clara dos eventos que descrevo. Porém, não me sinto na obrigação de pedir desculpas por isso. Simplesmente não há qualquer base para afirmar que a estrutura linguística (fora dos aspectos restritos do léxico) seja um fenômeno superestrutura! no sentido marxista desse termo (Newmeyer, 1980: xii). Diga-se de passagem (pois os detalhes mencionados a seguir não interessam ao argumento em desenvolvimento, apenas enfraquecem a explicação que o autor do livro oferece para sua análise não ideoló- gica) que (a) "os eventos" a que se refere o autor não são linguísticos, 19 111.1 . p1•tt1•11C t llll 1 • li 1 to1 lop,1.ll1.1 di1 l l11g111~ li ·' ' IHI 1,\lllO dl H lpll 11t ,, ,, l mi , rn i , um rbul 11 i<l • (b) própri autor, lgumas Jinh s cima do mesmo trecho, admitia o seguinte: Como não há historiografia totalmente não tendenciosa, seria utópico imaginar que um autor possa estar livre de posições ou crenças prévias que influenciem sua percepção dos eventos (ibid.). De todo modo, linguistas como Cameron sinalizam uma tendência cada vez mais evidente no campo da linguística, ainda que a maior parte, se não a quase totalidade, desses pesquisadores se situe nas subáreas ·tradicionalmente tidas como periféricas ao "núcleo duro" - a saber as áreas "hifenizadas" e aplicadas. A título de exemplo, podemos citar o trabalho de Cameron et alii (1993), onde os autores discutem a questão das obrigações éticas que um linguista pesquisador assume, ou deveria assumir, ao se engajar em suas pesquisas e se discute em detalhe o episódio protagonizado por William Labov, que se dispôs a depor a favor de grupos minoritários (no caso, negros norte-americanos) em sua reivindicação contra uma certa secretaria de ensino estadual que, sem qualquer discussão, decidiu impor como único padrão de língua aceitável nas escolas o inglês padrão norte-americano. Trata-se do caso que mais tarde se tornou uma cause célebre, instigando o próprio Labov a escrever um famoso artigo (Labov, 1982), justificando sua decisão de abraçar a causa dos pais dos alunos, apresentando-se perante os juízes para pleitear que, do ponto de vista linguístico, além do inglês padrão dos brancos americanos, também existe, entre tantos outros, um padrão próprio à fala dos negros (o chamado American Vernacular Black English, AVBE), tão regrado e tão "lógico" quanto o outro. Embora louvável enquanto gesto de gratidão para com seus informantes, que tanto o ajudaram a realizar suas pesquisas e a colher os resultados, inclusive os benefícios materiais e profissionais de suas descobertas, a postura de Labov é submetida a uma reflexão profunda e crítica por C meron et alii (1993). A principal objeção levantada é a de que, ao se 1 r por a falar em nome dos seus antigos informantes, Labov estaria 1li mpl smente assumindo uma posição que imagina ser congruente e om s us interesses. Eis as próprias palavras dos autores: 20 1,,dH>V 1\ 1 () f,1lot1 1'11\ 1\!Hl\t' dt• todOI 011 t1q I OI 111 11 't C.1110 ; •lt• f :t., lt • to, u1 , ,' olh., n qu diz: r s it e rt ' int 'r'ss s q 1' i, L p i, r. C m rt za, é in vitáv 1 que as comunidad s brigu m uma diversidade de interesses. Mas se os membros dessas comu- nidades não realizarem um debate interno, existe o perigo de que defensores externos acabem fazendo as escolhas por eles ( Cameron et alii, 1993: 85). Os autores prosseguem, partindo para uma crítica à tradição positivista de fazer pesquisa. Alegam que, enquanto estiver compro- metida com tal tradição, a sociolinguística laboviana não terá como vitar cair nas armadilhas que o próprio modelo arma. Não é propósito deste texto discutir em detalhe todas as questões suscitadas por Cameron et alii (1993). Gostaria, no entanto, de chamar atenção para dois aspectos da probleqiática geral que foi objeto das observações desses autores. Como falar em nome de outro e com que utoridade? Em primeiro lugar, note-se que a questão ética é invocada nessas discussões a partir da premissa, nem sempre explicitada, de que o linguista tem o dever de ajudar os leigos, especialmente aqueles que serviram de informantes, como se fosse a quitação de uma dívida já ontraída. Em segundo lugar, presume-se que o que torna o linguista pto para ajudar os outros é o conhecimento especializado que ele possui, ou seja o linguista se auto-outorga um dever - junto com o dever, um enorme privilégio - na medida em que se considera de- t ntor de um saber que lhe dá acesso às verdades sobre a linguagem, v rdades essas que, quando postas a serviço de todos, podem trazer benefícios e justiça para todos. O que sustenta a visão esboçada acima é a crença de que o saber 1 m si está acima de qualquer consideração ética - o que nos conduz cl volta à questão com a qual iniciamos toda essa discussão, a sa- l r, a de que não se discute a dimensão ética dos fatos da natureza p rque ela simplesmente inexiste. No fundo, o que impede que o t órico da linguagem tenha consciência do lado ético da sua atividade t' justamente a tendência a relegar toda a ética à esfera da prática.21 l '1111 11~1 1111111 li 111 1 111111 11111 li 1 1 "· 1111 11 1 111~111 1 Evicl( 1 11 lt• 11 u•11 t •, u rn q u t• 11 t lo 11 .1111t 11 10 1•t i l,l 1 . lu 1 011v •11 1011.1 1 , •s · r ''P ilo L r d om ç r p r um,1 r O. xão d tida d ssas crenças incrustadas . Como um primeiro passo nessa empreitada, tomemos consciência de que, independentemente do estatuto que se queira conferir à teoria em si, não se pode negar que a atividade de formular teorias é algo que se dá como parte de uma prática social. Dito de outra forma, as teorias são formuladas por pessoas que fazem parte de comunidades específicas (dentre as quais, as comunidades acadêmicas); as pessoas reagem umas às outras e propõem suas teorias, atendendo a certos interesses, muitas vezes ignorados por elas mesmas. Se concorda- mos que a confecção de teorias é uma atividade que se processa sob determinadas condições sociológicas muito precisas, não há como não aceitar também a consequência de que elas reflitam, ainda que de forma sutil, os anseios e as inquietações que movem aqueles que estão por trás daquelas reflexões teóricas. Estamos, em outras palavras, no terreno da sociologia do co- nhecimento, e não mais no da epistemologia do saber. Ao perguntar quais as considerações éticas, ideológicas e políticas que subjazem a determinadas posturas teóricas, estamos em verdade inquirindo as condições em que o novo "saber" se produz e se reproduz. Estamos procurando entender, entre outras coisas, quais os recortes que o novo saber efetua, e ao fazer isso, quais exclusões ele legítima. A preocupação principal aqui é dar largada a uma discussão acerca dessas questões com a esperança de que ela traga subsídios para uma maior conscientização do aspecto ético das nossas práticas teóricas. 22 inguagem e identidade ; E lugar-comum na filosofia da ciência que todo esforço de 1 l.1boração de teorias exige como primeiro passo a identificação e dt •limitação razoavelmente precisas do objeto de estudo. Evidente- 111t nte, a linguística não podia fugir à regra. No caso da ciência da ll11guagem, porém, há certos fatores peculiares que tornam um pouco 111 ,lis delicada a questão da identificação exata do objeto. O que torna a linguística um caso à parte é que, na tentativa cl1 1 compreender seu objeto de estudo, a linguagem, ela é obrigada 1 proceder valendo-se, enquanto instrumento de análise, do objeto 111< smo, isto é, da própria linguagem - o que não acontece num 1 .11npo do saber como, por exemplo, a botânica, onde o pesquisador 1 tuda a flora e recorre à linguagem para descrever o seu objeto de 1•, tudo e posteriormente documentar e divulgar os resultados . Como é sabido, há artifícios bastante engenhosos como a distinção 1• 11tre "linguagem-objeto" e "metalinguagem" que foram instituídos p.1ra afastar qualquer possibilidade de "contaminação" ou "distorção" (< f. Eaton, 1996) do objeto de análise pelo instrumento de análise 1 vice-versa. Permanece, porém, o fato de que tais recursos foram adotados j11 . tamente para evitar que a necessidade de o linguista utilizar o próprio objeto como instrumento de análise faça com que sua em- 23 I' li llflA 111111111 Ili 111111 1\ 1111111\11~1 1 11 1111111 li\ 1 IJ\11 11\111111 1\ p1 <1it,1cl .1 1t 1j,1 viHl1\ (() Ili() .ligo d f l'I t 111 (1 cl.1 l 1111 ,tiH 'r 1, 8 i 1111 ÍI Ml. Ou j , rn i r ju Li 1 , Liv, p.1 ,, postul ,1r up st distinçã r tr o obj to e o instrumento, ainda qu os dois sejam indistinguíveis um do outro •sob qualquer outro prisma, é a necessidade premente de reivindicar para a linguística o status de uma ciência com todo o enorme respeito que essa palavra inspira em nossos meios (cf. Ra- jagopalan e Arrojo, 1992). Afinal de contas, é um fato incontestável que a linguística, desde a sua inserção no mundo acadêmico como uma área importante do saber, fez questão de se projetar como uma ciência com todo o rigor da palavra. Segundo autores como Sampson (1980), a escolha da linguística como "a rainha das ciências humanas" no início desse século deveu-se, em grande parte, ao enorme prestígio que a própria palavra "ciência" adquirira junto às grandes massas de leigos, bem como à insistência por parte dos linguistas em caracte- rizar sua área de estudo como uma ciência e assim distingui-la dos esforços de seus antecessores, entre eles os filólogos e os gramáticos "tradicionais". Ou seja, ironicamente, a linguística foi eleita como modelo para as demais ciências humanas por adotar - ou melhor dizendo, imitar - os métodos das ciências exatas e se distanciar dos procedimentos mais comuns nas humanas. Em seu livro Politics of Linguistics, Frederick Newmeyer defende a autonomia da linguística, afirmando que ela se preocupa em abordar a lii;guagem como um cientista natural estudaria um fe- nômeno físico, isto é, concentrando-se naqueles seus atributos que existem independentemente ·das crenças e dos valores dos falantes individuais de uma determinada língua ou da natureza da sociedade na qual a língua é falada (Newmeyer, 1986: 5-6). Todavia é possível constatar na literatura recente uma certa in- quietação crescente em relação à pouca semelhança entre a linguagem 1 qual vislumbrada pela linguística enquanto objeto de estudo e a 1 in uagem como percebida e vivenciada pelos leigos, como também 1wl s especialistas em outras áreas de conhecimento. Como chega a d1rnh r Segerdahl (1995: 41): 24 1 ... 1.1 llnp,11111 1 , , 11 , 11 Vt'l l ti .w1 /J11• ,dgo I li 1 t•xl1it 1 l11d1 1 1•11d1•1111•11H 1111 cl1 1 :-il 111 •1m1,1 . A li11gl1 , ti , , e ir v s, um rnod artifl in/ d Lr, t, r cl .1 no ', Jingu g m qu , st sim, xist ind p nd ntem nt d lc. Yngv , autor do livro Linguistics as a Science (Yngve, 1986), é 111 .11 1-1 ntundente ainda quando afirma que a linguística não terá 111•11huma utilidade social, nem tampouco credibilidade acadêmica, a 1111111 s que adote uma atitude científica mais apropriada tanto em 11•l,1 ão a seus métodos como no que tange a seu discurso. A crescente 111 • pção por parte de uma parcela significativa de pesquisadores de qt1t 1 hegou a hora de repensar os fundamentos é curiosa, pois até l 11 tn pouco, os teóricos raramente se mostravam constrangidos com 11 l .1 Lo de a linguística ter deixado de lado a própria tarefa de explicar 11 11 nômeno da linguagem (por mais estranho que isso pareça!). Em ttil ula inaugural, proferida na Universidade de Londres em 1983, Nc• 1 Smith (1983: 4) foi surpreendentemente direto e categórico ao d1tmar que "a linguística não versa sobre a linguagem, nem sobre t lfnguas, pelo menos estas não estão em seu foco; ela versa sobre t gr máticas." Na verdade, Smith estava apenas ecoando as palavras de • Ch~msky (1980: 129), para quem" ... a linguagem é um conceito ele 1 ivativo e talvez algo não muito interessante." O objetivo deste capítulo é pleitear que nós, linguistas, devemos, 1 11m urgência, rever muitos dos conceitos e das categorias com os q11.il estamos acostumados a trabalhar, no intuito de torná-los mais 1111 quados às mudanças estonteantes, principalmente em nível social, r 11político, e cultural, em curso neste início de milênio. Como bem lt ala Hutton (1996: 209), "a linguística talvez seja a disciplina que 111.tls encarna o espírito do século XIX dentre as que são ensinadas nas 1111 v rsidades hoje". Os nossos conceitos básicos relativos à linguagem f 111, 11n em grande parte herdados do século XIX, quando imperava o 11 111, "Uma nação, uma língua, uma cultura". Previsivelmente eles estão 1 mostrando cada vez mais incapazes de corresponder à realidade v la neste novo milênio, realidade marcada de forma acentuada por 1111v fenômenos e tendências irreversíveis como a globalização e a 25 1 1111 IJ\11\ 11111111 1 111 l 111111 llllltll 1 fol 1 11111'11111Mlll 1 \ Ili 1 '1 1 Ili l11t •r,,ç, o t 11H r • tllu .1H, 0111 011, •qu 11c l,1, lirL.1s s 1 r' 1 vi l,1 1 o ompor amento cotidi no dos pov , in lusiv no qu diz r sp i o a hábitos e costumes linguísticos. O próprio conceito de língua está aí como prova cabal. Do modo como é conceituada, a língua é tradicionalmente entendida como algo fechado em si e autossuficiente. Para Saussure (1959), o pai da linguística moderna, tratava-se de uma questão óbvia demais para merecer qualquer discussão mais aprofundada. Todo mundo sabe o que é e o que não é pertencente a qualquer língua x. Max Muller, grande linguista alemão do século XIX, foi taxativo em sua afirmação de que inexistem línguas "mistas" (cf. Muller, 1871). O preconceito contra a miscigenação linguística está presente, por exemplo, no modo como são tratadas até hoje as línguas "pidgins" - marginalizadas por não possuírem a pureza de 24 quilates que se credita às línguas "normais" (Thomason e Kaufman, 1991). Os linguistas do início deste século adotaram como princípio norteador a ideia de que todas as línguas são funcionalmente equivalentes, ou seja, todas elas são igualmente dota- das de recursos para atender a todos os interesses dos seus usuários. Sucessivas gerações de linguistas adotaram-no como um pressuposto teórico autoevidente e não merecedor de qualquer averiguação em- pírica. A título de exemplo, Lippi-Green (1994: 165) sugere que, na falta de prova em contrário, a "tese básica" deve ser mantida intacta. Ora, o fato é que o conceito de "língua" que os estudiosos adota- ram a priori, ou seja, antes mesmo de qualquer verificação empírica, não admite qualquer possibilidade de que as línguas encontradas no mundo real - sobretudo nos dias de hoje, quando os contatos entre os povos estão se processando na velocidade da luz e em volumes ini- magináveis algumas décadas atrás - possam evidenciar instabilidades, não passageiras, mas estruturais e constitutivas (Rajagopalan, 1997b, l998a). Isto é, enquanto se insistir numa definição do que é a língua m primeiro lugar, definição que parta da ideia de que todas as línguas . t nstituem em sistemas autossuficientes, simplesmente não se pode 111,1gin r que qualquer "dado empírico" recolhido de forma aleatória 26 p111 , 1 lllll d ,1 V 1 ,1 1110 t 1 li ti 11111 1.1\ t'll cl.Hllll l.t 1111 111,1 d1 1111 \ 11 1 Â e t( ' li''' 11, •xi:1 l 11< ,, clt• d.H los rn 11ll(' 11101 e 1111 e 111 1111 e1 11111 dos rniL s 1u ,1ind. r nd m i • ii 1h rio do e •111 t 1 1 11. 11 1il11l11 l t do sr nles esforços por par d ti :ofm1 d.1 e i 11< .1 1111110 Kuhn (1962) e Feyerabend (1975). Nas palavras d Jo'ish ( 1 DHO), .1 vt•rd deira proeza seria encontrar uma teoria que não funcionass • (). que a reação instintiva por parte do defensor convicto da teoria, 111•t,mte o surgimento de evidência contrária, é a de desqualificar e, 1 111 seguida, descartar o "dado" rebelde como "não relevante"). O que torna o conceito clássico da língua cada vez mais difícil rlc• sustentar é que ele abriga não só a ideia de autossuficiência, mas t.1111bém faz vistas grossas às heterogeneidades que marcam todas ,, omunidades de fala. Isto é, as diferenças são tratadas como fe- 11 menos contingentes a ser estudados num segundo momento. Nas p.davras de Fairclough (1992), a língua é abordada como ela poderia 1•r num mundo ideal e paradisíaco e não como ela de fato é em 110. so mundo vivido. Da mesma forma que a língua é conceituada em termos de tudo e 111 nada, os falantes dessas mesmas línguas também são classificados 1•m termos categóricos, isto é, como nativos ou, se não, obrigatoria- 111t•nte não nativos em relação a qualquer língua específica (a qual, por sua vez, passa a ser ou "materna" ou, se não, forçosamente "es- 11.mgeira" com respeito a cada um daqueles falantes), não permitindo, 1 l1•ssa forma, qualquer possibilidade de categorias mistas. Embora, 111 gavelmente, tenha sua função heurística em um primeiro mo- 111 nto, tal manobra vai de encontro ao fato de que o multilinguismo 1 • ·tá se tornando cada vez mais a norma e não a exceção em nosso mundo. Como diz Desai (1955: 20), o "multilinguismo já é a língua f , nca da África". As palavras do referido autor têm igual pertinên- c i, para outros continentes e "subcontinentes" como a Índia, bem 1 orno para as novas realidades geopolíticas como a União Europeia. l!ste aumento exponencial e, ao que parece, irreversível, de casos de 111ultilinguismo se deve, de um lado, a ondas migratórias envolvendo 27 <' do d !', .rn l ·1 m ,11 i .H:J d • po1 ul.1 ~. o 111> (• 11 , tio ""'" 11,11 p< ulr 1 do , p pul ri:t , o d, i nf rm Li distâncias en tre continentes, resultando no contato cr · sccnt entre povos (Rajagopalan, 1997a, 1998a, 1999d). Ao fazer vista grossa às mudanças geopolíticas em curso no mundo inteiro, mudanças com resultados concretos plenamente visíveis a olho nu, a linguística de hoje mostra sinais de querer se enclausurar numa torre de marfim, contemplando, com saudade, o mundo perdido de identidades fixas e delineadas uma vez por todas. Como. chega a exclamar Donald Davidson, filósofo norte-americano de grande repercussão internacional, a facilidade com que costumamos falar de línguas tende a ofuscar o fato elementar de que tais entes inexistem no mundo real, mas são verdadeiros construtos criados em resposta a certas demandas históricas. O perigo reside em acreditar que, uma vez reificados, tais objetos estariam imunes a quaisquer questionamentos quanto à sua utilidade contínua. Num mundo em rápida transformação como o nosso, tal ati- tude ameaça condenar a linguística à total irrelevância, sobretudo em comparação a disciplinas conexas como a sociologia, onde o questionamento dos próprios alicerces e conceitos básicos (veja, por exemplo, Wellerstein, 1991) só tem trazido ótimos subsídios para a adequação dos mesmos a novas realidades. 28 ·nguística e a política representação A ideia de que a função principal e imprescindível da lingua- 1 ltl seja a de representar o mundo está muito fortemente arraigada 1 11 t r nós e escancaradamente presente em quase todas as teorias ll11guisticas. Não é à toa que a gramática tradicional sempre pres- 1 l): lou a forma declarativa das sentenças. Acreditava-se que em sua 1111 ma declarativa a sentença exprimisse um "pensamento completo", 11 qu 1, por sua vez, pudesse então ser "cotejado" com a realidade t r linguística para se saber se era verdadeiro ou não. Em seus primeiros modelos de análise sintática, a gramática 1• 1,1tiva (que, nesse particular, simplesmente seguiu a orientação da 1,1 mática tradicional) postulava regras t ransformacionais para con- e t t r sentenças declarativas em interrogativas ou imperativas, mas 11 1111 ca na direção oposta. Evidentemente, a ideia subjacente era a de q11c • forma declarativa deve ser considerada como a forma canônica, pois é mediante essa forma que a sentença desempenha sua função 1 e nt ral de representar o mundo. Na verdade, a justificativa nem era l c 1 t, nesses exatos termos, já que a questão da represen tação fazia I'" ti dos pressupostos de todas as discussões. Apenas para citar mais um exemplo de abordagem linguíst ica, 1 Ir ta vez de orientação funcionalista, o modelo de análise proposto 29 1 r l Lalli l< y pr 1 i i<i lu 1.1 1 • l 1 ·t.1q 1 1 lunç. o "i d " ion,1 1" ( •n inglês, ideational) - a qual, de acordo com a d fi.nição forn id por Crystal (1980: 178), se refere ao aspecto do significado relacionado à consciência cogni- tiva, por parte do falante, do mundo externo, ou (numa definição behaviorista) aos estados de coisas objetivamente verificáveis no mundo externo. Na tradição lógica, a atenção também sempre se concentrou na forma declarativa, entendida como a forma que melhor exprime uma . proposição completa. À sentença interrogativa, por exemplo, corres- ponderia uma proposição incompleta, já que a forma lógica de uma pergunta conteria uma lacuna, sinalizadapor uma variável, sendo que, do ponto de . vista da lógica, uma pergunta nada mais é do que um pedido para que o interlocutor forneça o termo que, ao substituir a variável, complete a proposição. Assim, a lógica erotética (a que es- tuda as sentenças interrogativas) é vista como uma simples extensão da lógica clássica e binária, ao contrário das lógicas polivalentes, que se constituiriam num desafio à tradição lógica (cf. Haack, 1978: 4). Até mesmo nas abordagens teóricas mais atuais como a teoria dos atos de fala (tal como trabalhada por John Searle), vê-se uma nítida preocupação de privilegiar a força ilocucionária de asserção (cf. Sear- le, 1969; Searle e Vanderveken, 1985). Searle propõe que, da mesma forma que um ato de asserção está sujeito a um compromisso, por parte do emissor, com a verdade da proposição afirmada e uma série de outros requisitos, uma ordem, uma promessa etc. - enfim, todos os demais atos, também teriam "condições de satisfação" (conditions of satisfaction) semelhantes, que podem ser pensadas, usando-se como modelo as condições que "satisfazem" o ato de asserção. Em todas as abordagens examinadas até aqui, conforme vimos, , t se do representacionalismo faz parte dos pressupostos sobre a linguagem. Como diz Korg (1977: 977): "As línguas não podem, sob f H'll.1 l deixar de ser línguas,· escapar às suas funções representacionais 1 1•xp 'ssivas" . Por se tratar de algo que subjaz, que legitima, o resto 30 1111 ,, < 11·11~.i 1111 p1of1111d,1 '" 111< 1 cl.1 l 11• 11 .1w 111 , , 11111111111 1tbt1H'Llcl,1 1\ \llll l'Xil tlH ' li (), lJ1n , for cl' inlt•rro r noção d r pr 1wnl,1~. o, 11 , 1w 11 1l111n, cl 1• rnpr nd r ua importância na hist ri< do pp11 !1,1111t 111to 111111 ,, lingu g m dev rá começar pelo reconhecimento d qu 1 • l '.'t' 111 1 Ppr 'S ntacionalismo é, ao mesmo tempo, uma lamentação e uma d desejo. Ela é um gesto de lamentação, porque afirma a 111 1p,1 idade dos seres humanos de apreenderem o mundo numenal 1 1 1 qu l (em oposição ao mundo fenomenal); a linguagem, diz ela, 111•1 :t. m nte, se coloca como uma barreira entre a mente humana e 1111111 lo, dificultando qualquer apreensão deste de maneira direta 1 1111 •rgueu toda a sua "epistemologia transcendental" a partir daí). l 111 1111lro lado, ela também é uma expressão (digamos, até patética) de 1111 d1 1H jo, pois elege como condição ideal (embora confessadamente li 11 11g vel) da linguagem a total transparência, qualidade que tornaria l' 1t 1 .1mente ,inconsequente o papel intermediador da linguagem. 1 )j o de outra forma, a tese do representacionalismo se alicerça q11ilo que Jacques Derrida chama de a "metafísica da presença". O que l.1111 nta é, no fundo, a impossibilidade que a linguagem nos impõe • I' 11 os significados se apresentem sem qualquer intermediação. Dessa 11111.1 1 a tese do representacionalismo na verdade esconde o sonho de l'''','/1111tação, de uma espécie de "epifania", do significado - o sonho, tl1 <'jo, de, enfim, desvencilhar-se da própria linguagem humana. 1 , o ideal mesmo seria que o mundo pudesse mostrar (apresentar) 1 l.1 sem a intermediação da linguagem e que as mentes huma- p11dessem comunicar-se entre si sem ter que recorrer ao uso de 1v,11.1 - uma ferramenta, afinal, tão imperfeita! Por mais paradoxal f"' p.1reçam, as nossas teorias da linguagem, erguidas em sua grande 11l11ri<, sobre a tese do representacionalismo, são, no fundo, desejos 111111 ssos de superar ou transcender a própria linguagem, como, por 1111 lo, por meio da telepatia (cf. Rajagopalan, 1996b). A ideia da "apresentação" também foi, conforme nos costumam 111l>tt1r os historiadores, a precursora da nossa concepção de democra- 31 l.t 1 •pr '8 •11t.1 i Hi.11. N, o do b rço da d moer i f lll l ili,, li m l rn. ateniense era, ou pelo menos se supô lll t • t 1 •mi ,\ Ollf l.int •111 •nl ntig . A d m r i que fosse, o "suprassumo" (ou, o caso limite) da r~presentação - a apresentação. Pois cada cidadão "representava" a si próprio, ou equivalentemente, se fazia presente, isto é, se apresentava, na assembleia. A voz de cada cidadão era ouvida pelos seus pares sem qualquer intermediação, ou instâncias representa- cionais. A implicação clara é a de , que boa parte das deficiências que os sistemas democráticos de hoje evidenciam tem a ver com a falta de representatividade, isto é, o fato de o povo não estar adequadamente representado nas diferentes instâncias de tomada das decisões. Há um paralelismo gritante entre o modo como pensamos a lin- guagem enquanto meio representacional, e o modo como lamentamos com frequência que a prática democrática dos dias de hoje está muito aquém da "transparência" (qualidade essa que é, supostamente, a sua maior virtude possível, e era, conforme se acredita em larga escala, a sua marca registrada no seu nascedouro, a Atenas da antiguidade). Note-se que as metáforas são as mesmas em ambos os discursos. Exige-se transparência na conduta dos políticos com o mesmo espírito com que procuramos tornar o nosso uso da linguagem claro, cristalino, direto, literal, enfim, transparente. Com a mesma veemência e paixão, denunciamos a circunlocução e a linguagem ·figurada, de um lado, e, de outro lado, o descaso dos nossos "representantes" eleitos para com os eleitores, isto é, a traição praticada por eles ao não representarem mais os anseios daqueles em nome de quem deveriam se apresentar. Uma outra possibilidade de pensar o paralelismo apontado acima seria concluir que as duas questões, a saber, a representação política e a representação linguística, são apenas duas faces de uma mesma moeda. Ou seja, a tese do representacionalismo é, ao mesmo tempo, uma questão política e linguística - ou, quem sabe, política por ser linguística e linguística por ser política. Em outras palavras, segundo t1 " 8• análise - por sinal, a que me parece mais interessante e capaz cl1 t•xplic r uma série de outras questões pendentes - a questão 32 o1 q111 1 11 pnlll 1 .1 t 1 .1111 11111,1 11 , At1 1,tl 11 11111 1 li11 •tt 1 • 1 11 11111 c•11p,o1J.i11n111 11.1 .11 v cl.1d' lin11u 111i., •11 t.1t .111111, l11cl11 1111 '11 111p Otfü l •11 lo polit i nm nl p rli ip. 11 lo clt• 11111.1 .il v cl 1d1• 111 111 •11 1 •1i1 nt 1 lf Li c 1. 1 r utro lado, e como o ro l. rio ck~rn .i 11 H , 111.i 111111.1 • , t da atividad política também passari p la q 1 s l, o l,1 l 11w1.1g m, s ria uma atividade de ordem inescapavelmente discursiva I' 1111111, n, 1975; Shapiro, 1981). /\ 1 ipótese que acabamos de levantar v·en~o-etteeHH<EH:ba,a.i~:;i..Q~ 1 .,•11 11d Bernard Williams, sustenta a própria tese do representaciona- 11 1110, < saber, a plena convicção de que "podemos escolher entre as 1111• .1: crenças [ ... ] uma que possa ser então reivindicada como repre- 11t.11 do o mundo de uma forma, a um grau máximo, independente 1 11os s perspectivas e peculiaridades" (Williams, 1985: 138-9). O que 1111 11,1 afirmação de Williams extremamente interessante é a questão l 1 1w olha que o autor traz à baila. Para Williams, a representação li 11 lgo que se dá automaticamente. Ela necessariamente passa por 11.111 escolhas conscientes. Ou seja, o ser cognoscente e o ser ético 1 o empre presentes no m~smo ato e de forma inseparável.. /\. questão da escolha é geralmente reconhecida como ques- 1 11 have quando se discute política. A representatividade de um 111 <'Sentante sempre foi e sempre será uma questão discutível, tc11 110 demonstram claramente as inúmeras polêmicas com relação 1 nrmação de colégios eleitorais, a escolha entre presidencialismo p.1 lamentarismo (ou ainda, monarquia - que também não deixa 11 1c•r uma forma de representação do povo), a conveniência ou não 11 1 instituir o voto distrital etc. Mesmo nos tempos da suposta 1 po áurea" da democracia, a da democracia ateniense, mulheres r e ravos não tinham o direito de voto, ou seja,simplesmente não 1 1111 representados. Como chegou a brincar o escritor George Orwell u romance Revolução dos bichos, todos erám em princípio iguais, 111.I' lguns eram de fato "mais iguais que os outros". De qualquer forma, está subentendido que a ética, e portanto t 11d,1 tividade que envolve a política, envolve escolha. E a escolha 33 pr •1.1 11p (' ,1 •xi. l 11 ,1 de• 11111 1 e < , tl ,1 cl1 v,1 lm ll, u11i.1 ltl •1,11 q11i.1 . Â qu s d r pr s nl , o wll ,1 qu • 11, o p 1 i pr is m nl ' por envolver escolha. O difícil no nx rgar a presença da escolha quando o assunto é a representação linguística. A tentação é pensar que é a linguagem que representa o mundo, sendo que nós, enquanto, usuários da língua, estamos inteiramente à mercê das representações que nossa linguagem nos impõe. Ademais, existe a crença de que, sob condições ideais, a linguagem possa ser totalmente transparen- te. Como podemos, então, falar em escolhas no interior da relação representacional entre a linguagem e o mundo? Do ponto de vista histórico, a alternativa à tese do representaciona- lismo tem sido a tese da causalidade, segundo a qual o mundo da materialidade, embora inacessível à percepção direta, como argumen- tam os representacionalistas, pode, mesmo assim, ser apreendido enquanto causa de nossas sensações sensoriais. Ou seja, não haveria, pois, nenhuma justificativa para se continuar acreditando na ideia de que a relação entre o mundo e a palavra seja inexoravelmente arbitrária. Dentre os estudiosos que têm defendido uma postura cau- sal, destaca-se, por exemplo, Saul Kripke, autor do texto (cf. Kripke, 1972) que inaugurou uma nova linha de pesquisa. Segundo Kripke, a ligação da mente com o mundo se dá por nomeação (naming), ou seja, pelo mecanismo chamado de "rigid designation'', o qual dispensa o uso de uma descrição para designar o referente. Trata-se, portanto de um questionamento da respeitável tradição inaugurada por Frege, segundo a qual, a referência (Bedeutung) sempre se daria mediante o sentido (Sinn) e jamais ao contrário. A teoria causal também tem um cunho nitidamente ideológico- -político. Aliás, pode-se dizer que ela se destaca, entre outras coisas, como uma resposta política a uma das vertentes do representacio- nalismo, a saber, aquela que nega qualquer possibilidade de se ter certeza de nossa compreensão do mundo, posto que estaríamos sempre lidando com as suas mais variadas representações e jamais com o 111un.do tal qual ele de fato é. A teoria causal de referência procura, 34 rn1111 11 1 rf' 111 111111,11 p.il.1vt,11, t'I t.1 11 c.1r o c.1 111 11'10 .• t•d11 t01 1•111 cl 11 · ~ 11 111 11 I 11v 1 111 0 <', ,, p, tl ir d, , , o Li ismo lll 'rl. s po i\ 1• td1• , tl 1 1 (p111 c•x. ~ d B rk l y) radicalm nt mpirisl, s (rn 111 0 ,1 de• 1111111 •) 1 f 11d1 n e nos conduzir. A L cria causal, é preciso que se diga, não nega necessariam nl t 1 c'H do representacionalismo; apenas, põe em xeque qualquer in- 1 r 1 1 > tação daquela tese para pôr em dúvida a existência do mundo f 1 tco material, ou negar a possibilidade de conhecê-lo. Em outras l' ·tl .1vr s, ela parte de um forte compromisso com a metafísica. /\.. alternativa mais radical à tese do representacionalismo tem cio proposta neopragmatista, em especial, na forma em que vem 1•1HI defendida pelo filósofo norte-americano contemporâneo, Ri- ' l1 ,1rd Rorty. Rorty se identifica como um "pós-representacionalista". l 1.t 1, -se, em sua ótica, da única saída que nos resta, uma vez que 11111 onscientizarmos da futilidade da antiga preocupação metafísica. l1.1t , Rorty, a metafísica pertence à história da filosofia, da mesma f 111 ma que quem se refere a "fl.ogístico" ou "éter" está se referindo t < <'rtos descaminhos e falsas suposições na história da química .1slronomia. Uma série de termos, entre eles, representação, que 1 1 ~ i , m sentido quando ainda se acreditava na metafísica, diz Rorty, l1njc• fazem parte de um "vocabulário" ultrapassado e que já não serve 111.tls aos interesses atuais da filosofia que, no seu entendimento, está de e ididamente atravessando uma fase "pós-metafísica". A postura neopragmatista diz desconhecer qualquer conotação pnlftica, ao menos enquanto atividade que se desenvolve na esfera p11hlica. Para Rorty, a política, assim como a religião, deve ser estri- 1,1111 nte confinada à esfera privada, pois, da mesma forma que o fim 1 I t metafísica implica a impossibilidade de falar em nome de uma Vl'rdade última, supra-histórica, isto é, de caráter absoluto, também 11, o faz sentido apelar a uma noção de um bem absoluto, válido p.tr todos os tempos e todas as circunstâncias. Para Rorty, então, já 11. há mais nenhum espaço para uma Ética, assim, com maiúscula. Hc•f rindo-se ao notório "caso Heidegger'', diz ele num artigo recen- 35 Ili 11 ~1~ 11111 111 111 1 1•1111 l " " ' •i > 1u •r. 111 .li11 1. 1 li c•p.1 1.11 1 v cl ,1 ,, olH .1 dt• 11111 .111lm • m did qu cone b rm · o ,1 , l •t 1110 li 11 ss , Ih io rn variável independente do curso d s talentos" (Rorly, 997). Há quem diga que, a despeito de todos os desmentidos, o neo- pragmatismo também acaba assumindo uma certa posição ideológico- -política. Isto é, segundo esses críticos, a própria ideia de que teoria alguma teria consequências (como insistem em dizer Rorty e seus seguidores) teria, ela mesma, consequências sérias - entre elas, por exemplo, a consequência de marginalizar a questão política e, ao praticar tal manobra, tornar seus efeitos muito mais sutis e difíceis de serem detectados. Evidentemente, seria preciso nos aprofundar muito mais nos diferentes aspectos da proposta neopragamatista, antes de nos apres- sar a qualquer veredicto. Contudo, independentemente de qualquer conclusão, parece lícito afirmar que mesmo a decisão de abrir mão da tese do representacionalismo também tem conotações (para não usar a palavra consequências) políticas. Ora, isso apenas confirmaria a nossa suspeita inicial de que todas as formas de pensar a represen- tação, até mesmo aquela que explicitamente procura negá-la, acabam tendo certos desdobramentos políticos. 36 L elevância social da linguística Estamos vivendo no Brasil a reprise de um fenômeno que 1 l Pve em evidência nos países da Europa e nos Estados Unidos há 1lg11111as décadas: a "explosão" da disciplina chamada "linguística" que 1• v rifica no Brasil hoje já não é mais algo que possa ser observado 111 muitos outros países. Na verdade, o que se verifica em alguns desses países é uma l minuição da demanda pela linguística e uma migração de pesqui- 1dores e estudantes para outras áreas. Em países como os EUA, há 1 mbém uma nítida tendência de diminuição de verbas para as pes- 111isas em áreas humanas de forma geral, e em linguística de forma 1 1.1is acentuada - tendência que, ao que parece, está começando a 111 .1r visível aqui no Brasil também. Há também casos de fechamento lc lepartamentos inteiros, com o deslocamento de parte do corpo 11111•nte para outros departamentos. O caso mais comentado nos últimos tempos foi o da Universi- d.11 I de Yale nos EUA, onde o setor de linguística cantou seu canto ele isne sem qualquer cerimônia ou aviso prévio. Há alguns anos, lt1 guei a presenciar coisa parecida no Reino Unido, onde também se t ~\istra um número crescente de fechamentos sumários de unidades d1• departamentos que não conseguem mais atrair tantos alunos 111110 antigamente. À época, circulavam via internet abaixo-assinados 37 1'1111 11~111111\t,\ll JI• 111111 Jll<to 1 •1 11 11111<111• 111 l'º 1 1' ' 11• < bj •llv.llldo d •11u1H l,\t o 1 •1 111,1 11 l1 •L11 11 1•11lo 1 I lt•111 ,11 lc o tl.1 11 11 vt'Y. i d d' brilânic s h lfü r ( • l •11ç. lo 1 ti l li . e mo si r. l ij, d sobrevivência ou, melhor dizendo, como a última cartada para salvar o pouco que resta, muitos departamentos de linguística naquele paístêm sido obrigados nos últimos tempos a se transformar em simples prestadores de serviços a longa distância, assinando convênios com países distantes na África e no Oriente Médio que necessitam de trei- namento em larga escala de profess'ores de inglês etc. Longe de querer iniciar aqui um debate sobre a política que vem sendo adotada pelos órgãos públicos de fomento à pesquisa (sem negar, é claro, neste sentido a necessidade de uma ampla discussão e mobilização dos interessados), proponho-me levantar alguns sub- sídios pára uma reflexão a respeito das seguintes perguntas, todas elas de ordem interna à própria disciplina, ou melhor, relacionadas ao modo como nós, enquanto pesquisadores e profissionais, temos nos comportado na condução dos rumos da disciplina: *Por que a linguística se encontra numa fase de desgaste, de es- tagnação, ou até. mesmo de franco declínio, em países como os EUA e a Grã-Bretanha? (Evidentemente, estamos nos referindo à situação verificada em termos quantitativos: o número de alunos matriculados, teses e dissertações defendidas etc.) . *Haveria, além das explicações externas (tais como a atual tendência de transformar as universidades em empresas que visam lucros, o que progressivamente inviabiliza as áreas humanas em geral, posto que elas não geram resultados imediatos ou mensuráveis da mesma forma que as exatas e as biológicas), também fatores internos à própria ciência (a linguística, no caso) que podem ter contribuído para a atual queda de interesse e procura? *Finalmente, é possível recuperar o terreno perdido, reverter o quadro, e - se a resposta for sim - que tipo de ação concreta tal esforço demandaria? Evidentemente, não terei condições (nem fôlego) suficientes para cl is utir cada uma dessas questões exaustivamente. São, todas elas, 1wrpuntas bastante complexas que podem ser respondidas de diver- 38 .1, fot1 11.11 . O 111 •1 1 1111 u l o .1q 11 l , 011 f ot 11 H' J• d 11•, 11 .1 .1 1 tl p11111.i 111 11 1 lcl<1r, 'S 1,1r prorn v r, qu m s b, Llln. 111p lo dt 11.111• 11h11 11 11 •111.1 1 u o 1 n , 1 nç r proposta p r qu' o 111!'1 11 10 .1to 11l 1 ~· 1111n1 futuro não muito distante . /\. primeira pergunt a, a que diz respeito aos fatores int rn s 1111 )1 ria disciplina que poderiam ser responsabilizados pelo atual estado d1• isas , tem a ver com o modo como a disciplina tem se con duzi- 1lc > m relação à gama das questões relativas à linguagem. Estamos l.1' ,111do das questões relativas à linguagem que qualquer leigo tem 11 eito de imaginar como estando dentro do escopo de uma ciência qtH' se propõe estudá-la. Ora, qualquer um que se tenha debruçado obre a história das teorias linguísticas (ou melhor, dos chamados 'p. r digmas linguísticos') sabe que tal gama varia de um momen- 111 h istórico para o outro. A saúde de uma disciplina se mede pela 11r steza com a qual ela consegue responder a novas realidades que 11rgem no mundo em que vivemos e pelo interesse que ela evidencia 1• 111 atender aos anseios e preocupações t!picos de cada época. O que 1 e rtamente não equivale a dizer que os pesquisadores devem rever . 11 . s prioridades conforme a opinião pública. Por outro lado, também 11 , vejo nenhum mérito na postura adotada em certos setores de 111 squisa, segundo a qual os pesquisadores devem trilhar seu próprio e .1ininho, tomando decisões sobre os rumos futuros estritamente de 11 ordo com os interesses acadêmicos, não se importando com o que 11 mundo lá fora da academia pensa. Não é difícil perceber que, conforme a amplitude e o alcance 1l.1s questões levantadas pelos teóricos, as pesquisas desenvolvidas cl1 •ntro da disciplina têm repercussão nas áreas conexas. A linguís- 1 ic do século XIX encarnava muito bem o Zeitgeist daquele século, e ontribuindo efetivamente para as grandes questões em discussão, t.11 como a tese de evolucionismo de Darwin. Não é por acaso que, 1 w século XX, dois dos momentos mais significativos no campo da 1 nguística foram a publicação póstuma da obra de Saussure na dé- ' .ida de 1910 e o "estouro" da revolução chomskiana nos últimos ,1110s da década de 1950. Foram justamente moment os em que a 39 l ingulHl it ,1 101nm1 ,1 di.1nt •i '' d.1 dim w ( , • l •11 l 11do " 11111.t t •tl,1 1 ss id d pr min n d n vo M , b u m d mento dos vigentes. Foram também mom ntos históricos em qu linguística se envolveu em grandes debates sobre questões ~a época que tinham um interesse maior e pertinência para os estud10sos de muitas outras áreas. Numa conferência de abertura proferida por ocasião da George- town University Round Table em 1989, o linguista britânico John Lyons (1989) chegou a especular que, a cada quarenta anos, a lin- guística passa por uma sacudida que resulta numa reviravolta_ e n: instauração de um novo paradigma. Desse modo, para Lyons, nao ha nada a estranhar no fato de que o modelo saussuriano tenha se esgo- tado nos anos 1950, tendo sido superado - de acordo com muitos - pelo modelo gerativista1 . O que torna interessante o exercício de "numerologia historiográfica" proposto por Lyons é primeiramente o fato de que, pelo seu cálculo, estamos prestes a presenciar mais uma dessas reviravoltas de grande repercussão. Pessoalmente, acredito que as perspectivas são bastante boas. Do ponto de vista da presente discussão, o que chama a atenção na proposta de Lyons é que todos os momentos que ele identifica como marcas históricas são momentos em que a linguística fez sentir seu impacto em áreas conexas, como a sociologia, a antropologia, a psicologia, e assim por diante. Ou seja, os grandes momentos na 1 Lyons (1989: 18) aponta para cinco momentos cruciais na história da linguística e distingue cinco períodos correspondentes, cada um com quarenta anos de duração . São os seguintes: 1 . A época dos profetas, iniciada por Sir William Jones, com sua famosa conferência na reunião da Asiatic Society, em Calcutá, Índia, em 2 de fevereiro de 1786. 2.A época dos pais fundadores, iniciada por Rask e Grimm (respectivamente em 1818 e 1822). 3 . O período clássico (da filologia comparativa), iniciado pelos "neogramáticos' em meados da década de 1870. 4. O período pós-saussuriano (da chamada "linguística moderna", iniciada pelo próprio mestre genebrino em 1916). S. O periodo chomskiano e pós-chomskiano (da linguística moderna), iniciado por Chomsky. 40 11 101 l.1 cl.1 1 11g 11 1 I 1 .i 11v.11 l,1vt• l111 •111 • f n.1111 ,1q111 •l 1J 1101J 1 u .ti~1 lwt1v1• 1111111Hrn li, logo, i11t<•1 • lr 1 di iplin r s m Lorn d' qu sLõ 'S 111 .d:i ,11npl s nv lv 'n l ~ linguagem. Foram também momentos em qtl t' l l m proposta teórica advinda da linguística tinha claras conse- qtt n i s nos trabalhos que estavam sendo desenvolvidos em outras H 11.i s do conhecimento. Era assim a proposta estruturalista de Saus- 111 t', com impacto inquestionável na antropologia de Lévi-Strauss, e 11.1 l i.canálise de Jacques Lacan, para mencionar apenas dois casos. l.1.1m assim, com certeza, as ideias revolucionárias de Chomsky que 1 e p •rcutiram na psicologia, na biologia, nos estudos de inteligência 111 i 1cial e assim por diante. A proposta de Lyons nos fornece · uma excelente pista na procura c le uma explicação para a sensação de estagnação que se verifica no e .1111po de pesquisas linguísticas nos dias de hoje: a ausência de grandes cl .il c gos com os outros domínios de conhecimento. A impressão que se 1 e 111 que, passados os anos dourados de 1960 e 1970, que foram mar- c .1110 por intensos intercâmbios entre a linguística e as áreas conexas, l11111v , de repente, um recuo, um certo conformismo com os resultados le .lllçados, um desinteresse em olhar para o que os pesquisadores em 1111 r s áreas estão pensando a respeito de questões que também teriam v1•r com a linguagem, embora de forma indireta. É evidente, sem dúvida, que no plano individual há diversos es- f 11 1~ 0 em dialogar com outras áreas
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