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RAJAGOPALAN, K Por uma linugística crítica - linguagem, identidade e a questão ética

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Prévia do material em texto

Coleção Lingua[gem] 
1. Português ou brasileiro? Um convite à pesquisa, 
Marcos Bagno 
2. Linguagem & comunicação social, · 
Manoel Luiz Gonçalves Corrêa 
3. Por uma linguística crítica, Kanavill il Rajagopa lan 
4. Educação em língua materna: a sociolinguística na sala de 
aula, Stella Maris Bortoni-Ricardo 
5. Sistema, mudança e linguagem, Dante Lucchesi 
6. "O português são dois", Rosa Virgínia Mattos e Silva 
7. Ensaios para uma sócio-história do português brasileiro, 
Rosa Virgín ia Mattos e Silva 
8. A linguística que nos faz falhar, 
Kanavilli l Raj agopa lan & Fábio Lopes da Silva [orgs.] 
9. Do signo ao discurso, Inês Lacerda Araújo 
1 O. Ensaios de filosofia da linguística, José Borges Neto 
11 . Nós cheguemu na escola, e agora?, 
Stella Maris Bortoni-Ricardo 
12. Doa-se lindos filhotes de poodle, Maria Marta Pereira Scherre 
13. A geopolítica do inglês, 
Yves Lacoste [org.J, Kanavilli l Rajagopa lan 
14. Gêneros, José Lu iz Meurer, Ada ir Bon ini 
& Désirée Motta-Roth [orgs.] 
15. O tempo nos verbos do português, M• Luiza M. S. Corôa 
16. Considerações sobre a fala e a escrita, Darci lia Simões 
17. Princípios de linguística descritiva, Mário A. Perin i 
18. Por uma linguística aplicada indisciplinar, 
Luiz Paulo da Moita Lopes 
19. Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança 
linguística, U. Weinreich, W. Labov & M. 1. Herzog 
20. Origens do português brasileiro, Anthony Julius Naro 
& Maria Marta Pereira Scherre 
21. Introdução à gramaticalização, Sebastião Carlos Leite 
Gonçalves, M• Célia Lima-Hernandes & Vânia Cristina 
Casseb-Galvão [orgs.J 
)2. O acento em português, Gabriel Antunes de Araújo [org.] 
23. oclollngulstica quantitativa, Gregory R. Guy 
& Ana Maria Stahl Zi lles 
) 4. Metáfora, Tony Berber Sa rdinha 
J'1 Norma culta brasileira, Carlos Alberto Faraco 
Jt1 . /!adrôes sociolinguísticos, Wil liam Labov 
J I C1~11 rse dos discursos, Dominique Maingueneau 
Jll C 1•11os da enunciação, Dominique Maingueneau 
JIJ l 11 11tlos de gramática descritiva, Mário A. Perini 
111 f 111r1l11ho1 da linguística histórica, 
1111 ~ 11 Vhglnla Mattos e Silva 
11 / l111lr r1 tio discurso, Sírio Possenti 
1 J 1J11~1 lf11•1 11ma analistas do discurso, Sírio Possenti 
11 11111111111)1•111 /lt diá logo, Carlos Alberto Faraco 
1 N. 1111r111 /11 11 11a Gramatical Brasileira, 
1 l 1111 1111! 1 1111 l l ~ nrlq ues 
11111111111111111/t //11, ~ lrlo Possenti 
~fof/, 1111111111 111t1111 1!11q11as, Sírio Possenti 
37. Linguagem. Gênero. Sexualidade, Ana Cristina Ostermann 
& Beatriz Fontana [orgs.] 
38. Em busca de Ferdinand de Saussure, Michel Arrivé 
39. A noção de "fórmula" em análise do discurso, 
Alice Krieg-Planque 
40. Geolinguística, Suzana Alice Marcelino Cardoso 
41 . Doze conceitos em análise do discurso, 
Dominique Maingueneau 
42. O discurso pornográfico, Dominique Maingueneau 
43. Falando ao pé da letra, Roxane Rojo 
44. Nova pragmática, Kanavill il Rajagopalan 
45. Bakhtin desmascarado, Jean-Paul Bronckart 
& Cristian Bota 
46. Gênero textual, agência e tecnologia, Carolyn R. Miller 
47. Linguística de texto: o que é e como se faz?, 
Luiz Antônio Marcuschi 
48. A gramática passada a limpo, 
Maria Helena de Moura Neves 
49. O sujeito em peças de teatro (1833-1992), 
Maria Eugênia Lammoglia Duarte [org.] 
SO. Português no século XXI, Luiz Paulo da Moita Lopes [org.] 
51. Da linguística formal à linguística social, 
Roberto Gomes Camacho 
52. Estudos do discurso, Luciano Amaral Oliveira [org.J 
53. Gênero, Anis B. Bawarshi & Mary Jo Reiff 
54. Introdução à teoria enunciativa de Benveniste, 
Va ldir do Nascimento Flores 
55. Linguística aplicada na modernidade recente, 
Lu iz Pau lo da Moita Lopes [org.J 
56. Gramáticas contemporâneas do português, Maria 
Helena de Moura Neves & Vânia Cristina Casseb-Galvão 
57. Letramentos sociais, na etnografia e na educação, 
Brian V. Street 
58. A ordem das palavras no português, 
Erotilde Goreti Pezatti 
59. Frases sem texto, Dominique Maingueneau 
60. Espanhol e português brasileiro, 
Adrián Pablo Fanjul & Neide Maia González [org s.] 
61 . Sujeitos em ambientes virtuais, Maria Cecilia Mollica, 
Cynthia Patusco & Hadinei Ribeiro Batista [orgs.] 
62. Volosinov e a filosofia da linguagem, Patrick Séri ot 
63. A história das línguas, Tore Janson 
64. Discurso e análise do discurso, Dominique Maingueneau 
65. Sobre a fala dialogal, Lev Jakubinskij 
66. Retórica da ação letrada, Charles Bazerman 
67. Teoria da ação letrada, Charl es Bazerman 
68 . Unidade e variação na língua portuguesa: suas 
representações, André C. Va lente 
69. Linguística funcional: teoria e prática, Maria Angélica 
Fu rtado da Cunha, Mariangela Rios de Oliveira & 
Mário Eduardo Martelotta [orgs.J 
70. O texto e seus conceitos, Rona ldo de Oliveira Batista [org.J 
[_ l 
KANAVILLIL RA AGOPAlAN 
Por uma linguística crítica 
LINGUAGEM, IDENTIDADE E A QUfSTÃO ÉílCA 
A~A ~Hiii llH HA~ll 111 A11d1 !111 t 11 1 ~11111 
1111()111 M111 1Mu1 lcmll 
CON LHO EDITORIAL: Ana Stahl Zlll s [Unlslnos] 
Angela Paiva Dlonlsio [UFPEJ 
Carlos Alberto Faraco [UFPR] 
Egon de Oliveira Rangel [PUC-SP] 
Henrique Monteagudo [Universidade de Santiago de Compostelaj 
José Ribamar Lopes Batista Jr. [UFPl/CTF/ LPTJ \ 
Kanavil lil Rajagopalan [UN ICAMPJ 
Marcos Bagno [UnBJ 
Maria Marta Pereira Scherre [UFES] 
Rachel Gazolla de Andrade [PUC-SPJ 
Roberto Mulinacci [Universidade de Bolonha] 
Roxane Rojo [UNICAMP] 
Sa lma Tannus Muchail [PUC-SP] 
Sírio Possenti [UNICAMP] 
Stella Maris Bortoni-Ricardo [Un BJ 
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE 
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ 
R131p 
Rajagopalan, Kanavillil 
Por uma linguística crítica: linguagem, identidade e a questão 
ética/ Kanavillil Rajagopalan. - São Pau lo : Parábola Editorial, 2003. 
-(Lingua[gem]; 5) 
Inclui bibliografia 
ISBN 978-85-88456-13-6 
1. Linguística, 2. Pragmática, 3. Fi losofia da linguagem. 1. Título. 
li. Série. 
03-1266. 
Direitos reservados à 
Parábola Editorial 
Rua Dr. Mário Vicente, 394- lpiranga 
04270-000 São Paulo, SP 
CDD:410 
CDU 81 °1 
pabx: [11 l 5061-926215061-8075 I fax: [11 l 2589-9263 
home page: www.parabolaed itorial.com.br 
mall: parabola@parabolaed itorial.com.br 
lorlll os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode s~r reprodu-
1ld11 0 11 transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou 
111 e nico, Incluindo fotocôpia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema 
111 1 l 11mc >d dados sem permissão por escrito da Parábola Editorial Ltda. 
1•.11N 'l/H as 88456-13-6 
dl~ 11I '• ' 11 Impressão - julho de 2016 
1 I• 111111vllll l H11) ICJ pa lan, 2003 
' d 111 Ili~ 11 1'1u IJ 1, Ed itorial, São Paulo, julho de 2003 
e.o ...... 
o 
N 
ro õ 
.D ...... 
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ü ~ 
Sumário 
ÂPIUlSENTAÇÃO ..................................................................................... 7 
L1N UAGEM E ÉTICA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES GERAIS ................................ 15 
l.IN ,UAGEM E IDENTIDADE 23 
l.IN UÍSTICA E A POLÍTICA DE REPRESENTAÇÃO .... ........................................ 29 
HHLEVÂNCIA SOCIAL DA LINGUÍSTICA ......................................................... 37 
, 
1
0 1\IHl A DIMENSÃO ÉTICA DAS TEORIAS LINGUÍSTICAS ................................... 49 
Objetivo.. ......... ............. ............................. .. ........................................... 49 
1 . A ética na linguística: a elaboração de uma nova hipótese . ......... .... .. . 49 
2. A ciência e a questão ética: três correntes distintas......................... 52 
2.1. A corrente racionalista ................... .............................................. 53 
2.2. A resposta pragmatista............... .... .............................................. 54 
2.3. A alternativa marxista................................................................. 54 
: . Comentários sobre as três correntes............................................. ... 55 
 li llNTIDADE LINGUÍSTICA EM UM MUNDO GLOBALIZADO ............................ 57 
l.INC:UAESTRANGEIRA E AUTOESTIMA........................... .............................. 65 
 ' NSTRUÇÃO DE IDENTIDADES: LINGUÍSTICA E A POLÍTICA DE REPRESENTAÇÃO 71 
 1.IN UÍSTICA APLICADA E A NECESSIDADE DE UMA NOVA ABORDAGEM ........... 77 
1 )l(Sf ,NAÇÃO: A ARMA SECRETA, PORÉM INCRIVELMENTE PODEROSA, DA MÍDIA 
l!M CONFLITOS INTERNACIONAIS ......... .. .. ... ........ ... . .. ..... .............. .......... 81 
5 
l11tt ocluç. <> .................................................................................... 8 1 
l. Nom s: afinal, o que há de tão curioso nessas palavras? .... ... 82 
2. O discurso jornalístico e a escolha dos termos de designação. 
3. O poder da designação ............................................................ . 
LINGUAGEM E XENOFOBIA ····································· ······· ···· ······ ················· 
84 
87 
89 
A POLÊMICA SOBRE OS "ESTRANGEIRISMOS" E O PAPEL DOS LINGUISTAS NO BRASIL 99 
LINGUÍSTICA APLICADA: PERSPECTIVAS PARA UMA PEDAGOGIA CRÍTICA .. .. .......... 105 
SOBRE A ARTE, A FICÇÃO E A POLÍTICA DE REPRESENTAÇÃO ...... ..... ........... .. ..... 115 
POR UMA LINGUÍSTICA CRÍTICA .................................................... . ............. 123 
Ü LINGUISTA E O LEIGO: POR UM DIÁLOGO CADA VEZ MAIS NECESSÁRIO 
E URGENTE .............................................................................. 129 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .. ...... ... ..... .. ............. ...... ..... ... ......... .... 136 
ÍNDICE DE NOMES ....... .... ........ . ...................................................... 142 
6 
L \ ___ J l 
presentação 
Estão reunidos nesta coletânea textos originalmente apresen-
1, dos em congressos brasileiros nos últimos cinco anos, resultantes 
l comunicações, de participação em mesas-redondas e de conferên-
d s. O que une todos eles são alguns temas que têm me interessado 
11 stes anos e continuam a fazê-lo. Dentre esses, posso destacar a 
J r ocupação constante de fazer com que os avanços da linguística 
s jam postos ao alcance da população fora dos centros de pesquisa 
1 ensino superior. É preciso, convencer o leigo de que vale a pena 
investir no estudo da linguagem e de que pensar sobre a linguagem 
implica, em última análise, indagar, de um lado, sobre a própria na-
Lureza humana e do outro, sobre a questão da cidadania. 
A linguística é uma ciência que, indiscutivelmente, se encontra 
r uma fase madura em nosso país. Porém, como é do conhecimento 
omum, poucas pessoas fora do mundo acadêmico têm noção, ainda 
que vaga, do que trata a linguística. Essa situação se repete no mun-
do inteiro. Estou convencido de que há uma necessidade urgente de 
e fazer algo a respeito. Sinto que, assim como eu, há muitos outros 
linguistas preocupados com isso. Mas, como venho dizendo, já há 
algum tempo, nem sempre dedicamos a devida atenção às possíveis 
razões para a nossa invisibilidade perante a opinião pública. 
A total ignorância do que nós, linguistas, fazemos tem levado 
o público leigo a achar que somos acadêmicos com ideias estranhas 
sobre coisas tão comuns como o é, em seu entender, a língua. Sem dú-
7 
V cl.1, q11 .dq11 •t ( IH "t1 11111 1 f't 1.tl 1 . ( , q11 'v. () clP 'll(()tllro .l() St' lll () 
cw 1n111i . 1\111 1wHHO ,i: o, 11 1 " 11d.i m,1is iri nt , poi t d mundo 
h, u s •1i1 1 1t' t 0 111>1• m ti t s oisas sobre a linguag m. 
u s ja, a autoridad d li1 iuis t, 1 o automaticamente aceita pela 
sociedade ampla. Ela pr cisa ser conquistada. E para conquistá-la é 
necessário usar bastante persuasão. Não é derramando o nosso saber 
- como se fosse um punhado de pérolas em meio a um amontoado 
de porcos ávidos - que vamos conseguir convencer o público leigo de 
que temos algo importante a dizer. 
Infelizmente, muitos linguistas acreditam que o que falta é maior 
divulgação das nossas pesquisas. Vou citar apenas um caso como 
exemplo. Há alguns anos, a comunidade dos linguistas nos EUA foi 
surpreendida por um acontecimento no estado da Califórnia, mais 
precisamente numa cidade perto de San Francisco, chamada Oakland. 
Os habitantes dessa cidade, em sua maioria pertencentes à raça negra, 
se rebelaram contra as autoridades educacionais que, segundo eles, 
ignoravam o fato de que os negros têm marcas distintas na forma de 
falar. Cansados de tanta discriminação, eles declararam que a língua 
que falavam não era inglês, e sim "Ebonics". O episódio gerou bastante 
polêmica. E, para variar, os linguistas foram os últimos a saber. Correndo 
atrás do prejuízo, muitos vieram a público para divulgar suas opiniões 
sobre variação linguística, dizendo que todos os falares são iguais no 
que diz respeito à sua lógica e inteligibilidade e que nenhuma variante 
de dada língua pode ser caracterizada como superior a outra etc. 
Era, porém, tarde demais. O estrago já estava feito. Assim como 
em tantos outros casos (como, por exemplo, a onda de chauvinismo que 
atravessa aquele país, com clamores cada vez mais ensurdecedores para 
que o governo declare o inglês como a única língua de ensino em todo o 
território - política já posta em prática no estado da Califórnia-), ficou 
evidente, mais uma vez, a total inabilidade dos linguistas para intervir em 
questões relativas à política linguística. Para nós, aqui no Brasil, não se trata 
de nenhuma novidade, como demonstrou a polêmica que estourou no país 
reboque do Projeto de Lei nº 1676/1999 do nobre deputado Aldo Rebelo. 
Voltando, pois, ao caso "Ebonics" nos EUA, assim que a poeira 
b, ix u, alguns linguistas que haviam se entregado de corpo e alma 
8 
.10 dc •h,111 • f1 :1,1• 1.i111 11111 ,1 .1v.di.1~, o 11•l10 l!H'< l v 1 tio 11111111•1 1111•1il11 , 
U11i 1 1 'il foi o 1'101. ,Joltn 1 i kí 1, I, Univt IH cl.1cl1• ele ,it.11d111 ri , 
lln l x l publi ,1 l > 11n r •vislc Language & Soei 'ly ( 1 DDH/~)!I , 1111 t 11 
I, d "O que o s i linguistas têm a dizer sobr s gr.i 11d1•11 dc•l> .1t 11 
1 i nguisticos dos nossos tempos?", ele chega a admitir: 
Quando a controvérsia sobre o Ebonics estourou, muitos linguisl, s 
manifestaram frustração sobre tamanho preconceito popular contra 
as variantes linguísticas - preconceito que acreditavam ter sido 
dissipado havia muito, como coisas do tipo: que elas eram fruto de 
preguiça ou falta de lógica, ou que elas não tinham raiz histórica, 
nem estrutu~a e nem sequer regularidades, ou que se tratava de 
gírias e falares, sobre os quais se podia fazer ou dizer qualquer 
coisa que se entendesse. 
Até aqui, tudo bem. Poder-se-ia dizer que o desabafo até tem 
Llrn certo ar de déjà-vu. Mas, feito o diagnóstico, o autor nos oferece 
,, seguinte receita para curar o mal: 
No entanto, ao amargar as nossas frustrações, parece que simples-
mente esquecemos o que os peritos de propaganda, aqueles que 
vendem a pasta de dente Colgate e outros produtos, nunca esque-
cem: que a mensagem tem de ser repetida muitas e muitas vezes, e 
repetida novamente para cada geração e para cada tipo de público, 
e, de preferência, numa linguagem simples, direta e cativante para 
que o público possa compreender e digerir. 
Confesso que fico estarrecido toda vez que ouço opm10es tão 
.wrogantes, petulantes e cheias de desprezo para com o leigo. O leigo 
não é por definição nem ignorante nem débil mental. Muito menos, 
um camundongo, que pode ser treinado para obedecer comandos 
mediante o uso repetido da sequência "estímulo-recompensa". Con-
trariamente a muitos colegas, no Brasil e no exterior, que acreditam 
que o que falta é maior divulgação dos resultados das pesquisas 
realizadas numa linguagem acessível ao leigo, sou da opinião de que 
preciso também rever alguns postulados fundadores da disciplina. 
No lugar da divulgação, penso que, o que deve haver é uma maior 
interação. Entre o linguista e o leigo. Interação implica, por sua vez, 
ntrosamento. A divulgação é monológica, unilateral. A interação é 
9 
u•1 ~ 1"''"'1 1 '"'n11 r"n n 
cli.11 g ,1, u111.1 011v •u;.1 I< m, o dup l.1. 1 • 11, I, v, l • noss, v nt.1 
d , mlinguis as, d no comuni r om o público leigo, s 
limita a uma vontade de "promulgar" os ensinamentos da linguística. 
Por mais óbvias ou racionais que pareçam as nossas posições a res-
peito da linguagem e seu funcionamento, é preciso sempre lembrar 
que elas não são tão óbvias para quem não compartilha conosco os 
postulados fundamentais da ciência. 
Os desafios envolvidos na empreitada de "divulgar" a linguística 
entre os não linguistas não são, em última análise, diferentes dos 
desafios encontrados na tarefa de ensinar, principalmente, aos alunos 
ingressantes num curso de linguística. Alguns anos atrás, na Unicamp, 
onde trabalho há quase vinte anos, houve um caso inusitado que, no 
meu entender, ilustra bem o que estou dizendo. Um grupo de alunos 
do curso de graduação em linguística - salvo engano, o único do gê-
nero em todo o país - fizeram um abaixo-assinado, encaminhado ao 
corpo docente. A única reivindicação era a de que houvesse algumas 
aulas sobre a gramática tradicional. Um episódio como esse nos ensina 
muitas lições. Primeiro, nem mesmo todos os nossos alunos estão ne-
cessariamente convencidos de que as gramáticas tradicionais - objetos 
de vilipêndio dos linguistas que, desde o nascimento da nova ciência, 
vêm usando os gramáticos como uma espécie de saco de pancadas -
são dispensáveis ao ensino. Indiscutivelmente, houve falha em nossa 
comunicação. Segundo, devemos lembrar que a nossa forma de interagir 
com nossos alunos leva o nome de ensino. Houve, em outras palavras, 
algum erro grave nas estratégias utilizadas em sala de aula. 
Porém, há um aspecto mais grave ainda sobre o episódio relatado 
no parágrafo anterior. Os alunos também estavam ficando cada vez 
mais perplexos diante da fúria contra algo que nem sequer conhe-
ciam suficientemente. Explico. Quando, nós, os linguistas de hoje, 
começamos os nossos estudos iniciais no campo da linguística, há 
l rinta, vinte, ou mesmo dez anos atrás, tínhamos uma boa base nos 
princípios da gramática tradicional. Na verdade, a nossa "conversão" 
, 1 va ciência se deu precisamente em virtude do fato de que éramos 
1 i1p,1z , de cotejar o velho e o novo e, dessa forma, chegar às nossas 
pt >1 l. s onclusões a respeito da superioridade da linguística moderna 
10 
1 111 tt•l.1~. o , g1.1111 ,1li .1 l ,\li lon, l ' , tH' '. 11 1 l.1cl d 1 'V(' < 111~.1 
111 111 •111 •n t t• 0rr i' d,' r or isso m sm r r m nl posl s ob 0Jh ,1r 
e 1 11 l o. /\ ont que os nossos alunos, principalmente aquel s qu 
" t, o m ursos introdutórios, com frequência, não têm a mesma 
t,1111 ili ridade com a chamada gramática tradicional ou normativa e, 
111u ilo menos, com os princípios e preceitos que norteavam o traba-
111 0 1 or trás daquelas obras. A questão é que os livros didáticos de 
llllj' são, em muitos casos, fortemente influenciados pelos avanços 
ti< ,mçados na linguística. Até mesmo termos técnicos como sintagma 
110111inal, estrutura profunda, deslocamento à esquerda, referência, pressu-
1111s10, coesão etc. são assiduamente empregados pelos autores desses 
1 vr s. Ou seja, muitos alunos já foram expostos à terminologia da 
ll11guistica moderna, muito embora nem sempre de forma adequada 
cn1 sistemática. O que lhes falta é, em muitos casos, conhecimento 
l1ll mático da gramática tradicional. Quando nós os encontramos em 
11 w1 os cursos introdutórios, a nossa forma de ensinar não é muito 
1 l l f rente da forma como fomos apresentados à linguística moderna: 
por intermédio de uma crítica ferrenha à gramática tradicional. Creio 
q11 1 há uma necessidade urgente de aprender a lidar com os alunos de 
lioj , que tiveram uma formação diferente da nossa. Não estou dizendo 
om isso que devemos voltar a ensinar a gramática tradicional; longe 
1 l l11so, estou dizendo que precisamos urgentemente pensar em novas 
e•. l r tégias de abordar a linguística, já que a velha tática de apresentar 
1 linguística moderna discutindo as limitações da gramática tradicional 
11 , o funciona mais pelos motivos expostos. É preciso chegar aos nossos 
,tlunos, ao invés de esperar que eles cheguem até nós. 
Aprender a falar com o público geral não é muito diferente de 
1pr nder a ensinar. O conteúdo por si não convence ninguém. É 
p ciso pensar as formas de se comunicar. E, como, já disse, voltar-
nos sobre nós mesmos, vez por outra, e perguntar se não haveria 
e• q ço para repensar e rever as nossas posições. Por que devemos 
p.1rtir da premissa de que somos nós que temos o que ensinar e 
c• I só que aprender? Se um pai pode aprender com o próprio filho 
(p r que não?), e um professor pode aprender com o aluno - al-
p1tns dos textos que escrevi e dos quais ainda me orgulho foram 
11 spirados em perguntas feitas por alunos durante a aula - por 
11 
n111 1 n 
t I qu< pw ,, lto1v1 •1 d)',11 11,1 ,d 1 lo i, 1 op ul.1t qu 1 H •j, 
p ·quiH do '? 
O fato é que, como já diss , linguística sempre destratou a 
opinião pública - a mesma que agora quer conquistar. O leigo não 
sabe de nada. O gramático tradicional sabe muito, mas tudo errado. 
Não é com base nessas premissas que a linguística vai ter alguma 
aceitação junto à opinião pública. 
Quando me refiro a uma linguística crítica, quero, antes de mais 
nada, me referir a uma linguística voltada para questões práticas. 
Não é a simples aplicação da teoria para fins práticos, mas pensar a 
própria teoria de forma diferente, nunca perdendo de vista o fato de 
que o nosso trabalho tem que ter alguma relevância. Relevância para 
as nossas vidas, para a sociedade de modo geral. Como dizia Horkhei-
mer, a teoria crítica se distingue da teoria em seu sentido tradicional 
ao partir de uma importante premissa que é de ordem existencial: 
que as coisas podem ser diferentes da maneira em que se encontram. 
Ou melhor, é possível mudar as coisas, ao invés de nos contentar em 
simplesmente descrevê-las e fazer teorias engenhosas a respeito delas. 
Acreditar numa linguística crítica é acreditar que podemos fazer 
diferença. Acreditar que o conhecimento sobre a linguagem pode e 
deve ser posto a serviço do bem-estar geral, da melhoria das nossas 
condições do dia a dia. É também acreditar que o verdadeiro espírito 
crítico tem de estar voltado, vez por outra, para si próprio. É preciso, 
em outras palavras, submeter as nossas práticas ao escrutínio crítico. 
Para isso, é necessário nos lembrar, com frequência, que podemos 
estar errados sobre esta ou aquela questão. E, finalmente, acreditar 
que nunca é tarde para aprender e nunca se sabe de quem se pode 
aprender a nossa próxima lição. 
O falecido filósofo inglês, J. L. Austin, de quem sou fã confesso, dizia 
que a sabedoria popular contém muito mais do que reconhece a nossa 
v filosofia. Recomendava a todos que queriam se iniciar na filosofia 
qu começassem comprando um bom dicionário. Dizia que as nossas 
1 ngu s, talhadas no uso continuado por gerações e gerações de usuários, 
onl m dicas preciosas sobre muitas coisas e que são, em muitos casos, 
p1 ·<1 <'rfv is às engenhosas distinções inventadas pelo filósofo solitário 
12 
t'lll 1 c111 dc •l 1 lo. N. o ln , 'e llop< 11d1,n 11 1 qu • l< 1v< .1 IM< ,1d,1 j',< 1111.d d<• q11<· 
,1 11nlc ,, dif <'r ·11~,1 •ttt 11 1 d1 1I rio ' L •ori, é qu , , nLr. r i 1 prim iro, 
q11c 1 s li t. ri , • s 1gl111 l 1 s d d maneira col tiva e contagiant ? 
~ pr ciso s utar m is o leigo e prestar mais atenção à sabedoria 
1>< pular, se quisermos manter um diálogo profícuo no qual contextos 
.11 < r ntemente diferentes - leigo e acadêmico - possam mostrar 
tlll interação - que, aliás, existe, apesar de algumas controvérsias. 
A iência pensa a vida e, como tal, pensar sobre a vida não elimina 
p •nsar em vida. É um engodo criar um espaço estratosférico para 
,, vida da ciência, pois sem o oxigênio vital que nos cerca podemos 
p, r r de respirar e de nos alimentar da vida (aliás, não é este o ob-
J Lo maior da ciência?). Pensar sobre indica distanciamento; pensar 
1•1n indica o mergulho. No entanto, ambas as posições comungam no 
p nsar:não há como excluir ramos de uma mesma teia. 
As propostas contidas nos textos a seguir fazem parte de um 
l r balho contínuo. A ideia de oferecê-las ao leitor tem como objetivo 
c•stimular um debate - a única forma de aguçar as nossas próprias 
ideias a respeito e levá-las adiante. 
Gostaria, antes de encerrar esta apresentação, de registrar meus 
.1graqecimentos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico 
1 Tecnológico (CNPq) por ter apoiado as minhas pesquisas durante 
l dos estes anos (Processo nº 306151/88-0) . 
Campinas, 12 de _junho de 2003 
PROF. DR. KANAVILLIL RAJAGOPALAN 
Professor Titular na área de Semântica e Pragmática das Línguas Naturais 
Departamento de Linguística 
Universidade Estadual de Campinas 
13 
inguagem e ética 
/\LGUMAS CONSIDERAÇÕES GERAIS 
Questões de ordem ética, via de regra, não são levantadas 
qu ndo o que está em pauta é a língua natural. Isso tem a ver justa-
m nte com o fato de a língua ser considerada um fenômeno natural. 
l!xiste uma crença, amplamente compartilhada, de que a natureza 
cl 1 conhece qualquer espécie de ética. Ninguém, por exemplo, discute 
,1 dimensão ética de um desastre natural, como um terremoto, por 
c•x mplo. As questões éticas podem ser levantadas, isto sim, no que 
diz respeito às atitudes das autoridades - se elas poderiam ou não 
11.1 r tomado as providências necessárias antecipadamente, inclusive 
divulgando a tempo os eventuais avisos emitidos pelo departamento 
d1.1 sismologia; se os órgãos de serviço público como polícia, corpo de 
bombeiros, médicos etc. poderiam ou não ter socorrido as vítimas 
1 om maior presteza e empenho etc. O acontecimento em si, quando 
c percebido como além do controle humano direto, como no caso 
c le um terremoto, é entendido como algo acima das considerações 
11l icas - exceção feita às práticas de nos queixarmos contra as for-
~· s do mal, ou contra deuses contrariados etc., que fazem parte das 
ntperstições e mitos. Mesmo nesses casos, é interessante frisar que 
o evento é antes desnaturalizado para então lhe serem atribuídas 
1 onotações éticas. Resumindo, o pressuposto amplo que sustenta 
h a parte de nossas discussões relativamente à questão ética é o de 
e 1ue só se pode falar em ética quando estão em discussão ações in-
15 
PI li 1 IPI "~1 1 n n1 n n111 r, n 1 11r" 
l t' l l( lo11,1l1 p 1,1ti< ,1cl ,1, p(lt ol)',1'111<' 1111111 ,111 0 , 11 0 'X 
' s 1 n L n , v n L, 1 
elo l 1 11 u.i l lvr• 
Não é difícil perceber, portanto, que enquanto est iver comprometido 
com a tese de que a língua é um fenômeno, um produto natural, fica 
difícil levar adiante qualquer discussão acerca das possíveis questões 
éticas dela decorrentes - o que, decerto, não acontece nas abordagens 
teóricas que preferem encarar a língua como um fato social, produto de 
ações de seres humanos organizados em comunidades etc. É por esse 
motivo que a corrente gerativista tem demonstrado uma certa ambi-
guidade em relação à responsabilidade ética do teórico da linguagem. A 
título de exemplo, vale a pena nos deter um pouco no seguinte trecho, 
citado sem recortes ou interrupções, da conversa entre Noam Chomsky 
e Mitsou Ronat (Chomsky, 1977: 3)1: 
M. R. : Paradoxalmente, seus escritos políticos e suas análises sobre a 
ideologia imperialista norte-americana parecem ser mais bem conhecidos, 
aqui na França e nos EUA, do que a nova disciplina que você criou: a 
gramática gerativa. Isso nos leva a perguntar: você vê alguma ligação 
entre seus estudos científr.cos - o estudo da linguagem - e suas ativi-
dades políticas? Por exemplo, nos métodos de análise? 
N. C.: Se houver uma conexão, ela se dá num patamar bastante 
abstrato. Eu não disponho de nenhum acesso a métodos inusita-
dos (unusual) de análise, e todo o conhecimento especializado que 
possuo acerca da linguagem não tem nenhuma influência imediata 
sobre questões sociais e políticas. Tudo o que tenho escrito sobre 
essas questões poderia ter sido escrito por outro qualquer. Não há 
nenhuma conexão direta entre as minhas atividades políticas, artigos 
etc. e o trabalho sobre a estrutura da língua, embora de alguma 
forma ambos provavelmente derivem de determinadas afirmações 
comuns e atitudes em relação a aspectos básicos da natureza hu-
mana. Parece-me que a análise crítica na esfera ideológica é matéria 
1 As conversas foram publicadas primeiro em francês, sob o t ítulo Langue, linguistique, 
/JOll l ltf111': dialogues avec Mitsou Ronat. Paris: Flammarion, 1999 e, posteriormente, em inglês, 
111 111 o r h L mativo título de Language and Responsibility [esta é a edição aqui utilizada] . 
16 
IJ 11 11,ljl ''"' 1 11"1.f' llJr'fiHlllllf''tl'' 'Jll"Fl fii 
1>.1 t.11111 1 l.1< il d • t• e w11p11 1t• 1HI , <'lll om1>< " , o,, uiní'.I ,1[ or<lLg 1 111 
q ( • t qtt<' urn 1•,r,lll cl' , bstr ç onceptual. 
É int r ssant observar nessa resposta que Chomsky descart a 
1u lquer possib ilidade de que as teorias que elaboramos sobre a 
li nguagem venham a ter implicações de ordem ideológica e política, 
t' portanto, a fortiori, éticas. Ou seja, a afirmação de Chomsky de 
1ue a ciência e política nada têm a ver uma com a outra não é uma 
,\firmação feita por um linguista; a afirmação de Chomsky parte de 
, lguém que está tomando uma posição no campo do saber que de-
nominamos 'filosofia da ciência' . 
É de grande relevância para nossa discussão a origem do título 
lo livro do qual foi extraída a longa citação acima. Trata-se de uma 
uriosidade editorial. O livro original em francês não mencionava a 
p lavra 'responsabilidade'; dizia apenas Langue: linguistique, politique: 
dialogues avec Mitsou Ronat. O diálogo que deu origem ao livro havia 
,1 ontecido de forma bilíngue - a entrevistadora fazendo as suas per-
puntas em francês e o entrevistado respondendo a cada pergunta em 
H u idioma de preferência, o inglês. Depois da publicação do livro em 
francês, surgiu a ideia de uma versão em inglês para o público norte-
mericano. Segundo nos relata John Viertel, o "tradutor" encarrega-
lo pelo próprio Chomsky, descobriu-se que as fitas com as gravações 
e riginais "não estavam mais disponíveis" (p. vii) - de tal forma que 
o conteúdo da versão inglesa precisou ser praticamente "reconstruído" 
(, expressão é do próprio tradutor) e não simplesmente traduzido. 
1 talhe curioso: não há nenhuma menção quanto ao motivo pelo qual 
,1 palavra 'responsabilidade' recebeu tamanho destaque na nova versão 
cio livro, tendo sido estampada no próprio título. 
Voltando à questão da compatibilidade ou da incompatibilidade 
C'ntre a ciência e a política, ou melhor, das posturas assumidas por um 
l ntista (no caso, linguista) enquanto cientista e enquanto cidadão 
< mum e portanto um ser político, é preciso chamar a atenção para 
11 m possível deslize de raciocínio e um possível equívoco decorrente 
li sso. Uma questão é argumentar, como o fazem o próprio Chomsky 
17 
' 1,1111 0. rnt l 101 1 qu t• 1 ll11 g 11 .1 1• 11 d 1•v1• 1 c• t .11 o d.1 l,1 t m uni ol j •o 
d<> mun 1 n tu r 1. J\ ulr, q 1 t, o, orn1 l t~m nt difer n t inde-
p nd n t da prim ira, é perguntar se h averia ou não qualquer ligação 
ntre as categorias que postulamos em nossa tentativa de teorizar a 
linguagem e a postura político-ideológica que assumimos em outras 
ocasiões e a respeito de outros assuntos. Isso porque a premissa de 
que a língua seja um objeto natural não é suficiente para concluir 
que os conceitos e as categorias que postulamos em nosso esforço 
de compreendê-la também sejam objetos naturais. 
Acredito que nossas teorias sejam tentativas de fazer sentido para um 
mundo real que, na ausência de tais teorias, deixar-nos-ia embasbacados 
diante de tantos fenômenos que escapam ao nosso senso comum, ou seja, 
nós seres humanos somos por força de nossa própria natureza criaturas 
que teorizam compulsivamente2• Ora, dentro dessa perspectiva, é perfei-
tamente possível que embora partam de uma necessidade imposta pela 
própria naturezahumana, as teorias que defendemos reflitam os anseios 
do momento histórico em que propomos e defendemos as nossas ideias. 
Em outras palavras, percebe-se a perfeita compatibilidade entre a ciência 
e um posicionamento político-ideológico. Melhor ainda, percebe-se que 
mesmo por trás das teorias que possam ostentar uma aparência de mais 
alto nível de isenção e neutralidade podem estar presentes propostas de 
cunho político-ideológico. É lícito, em outras palavras, perguntar quais os 
motivos e programas secretos que estão por trás de certas teorias e que 
as ajudam a ganhar destaque e aceitação quase que instantâneos entre os 
membros da comunidade acadêmica e mesmo fora dela. 
No campo da linguística, é bem verdade que os pesquisadores 
que lidam com a chamada "pesquisa pura" tendem a relegar a um 
segundo plano qualquer discussão a respeito das consequências éti-
cas de suas elucubrações teóricas ou mesmo negar sumariamente 
(Rajagopalan, 1999b) que elas existam. Deborah Cameron, autora 
~ f. Rajagopalan, 1998b para uma discussão maior - esta questão é, sem dúvida 
po l m i , . V ja, por ex. Thomas, 1999. 
18 
cl • 11 111 livro 1>.1111.11111 1 111 111 •n l.1clo (d . '1 n 1t•to 11 , 1 DH! ), 110. t •l. \l 1 o 
s uint ' 1 is li o <> orrl clo num on urso doe nte, d qu 1 p rli ipou 
orno candidata logo pós ter concluído uma versão preliminar do 
referido livro. Ao ser informado sobre o título do livro que acabara 
de t erminar, a saber Feminism and Linguistic Theory, um dos membros 
da banca examinadora exclama: "Mas, espera aí, isso não é igual a 
escrever um livro sobre linguística e jardinagem orgânica?" (Cameron, 
1985: 2). A autora prossegue, afirmando que talvez a reação não 
fosse tão negativa se o título fosse algo como Marxismo e a teoria 
linguística. Embora a intenção da autora fosse, com certeza, salientar 
o relativo desprestígio do feminismo em face de outras ideologias de 
respeitabilidade assegurada como o marxismo, devemos discordar dela 
quanto à possível aceitação pelos linguistas pertencentes ao chamado 
"núcleo duro" de uma obra com o título sugerido. Em primeiro lugar, 
convém lembrar que o título do livro de Voloshinov (1977), bastante 
divulgado no Ocidente, contém a palavra "marxismo", porém faz par, 
não com "a teoria linguística", e sim com "a filosofia da linguagem". 
Na linguística oficial, a chamada mainstream linguistics, a situação é 
bem diferente. Não por acaso Newmeyer, marxista declarado e de 
carteirinha, se acha devendo ao leitor do seu livro Linguistic Theory 
in America (Newmeyer, 1980) uma explicação do porquê da ausência 
da orientação marxista em seu empreendimento historiográfico. Eis 
a explicação do autor: 
Algumas pessoas que me conhecem como um marxista podem ficar 
surpresas e, talvez, até desapontadas pelo fato de não haver nenhuma 
'análise marxista' clara dos eventos que descrevo. Porém, não me 
sinto na obrigação de pedir desculpas por isso. Simplesmente não 
há qualquer base para afirmar que a estrutura linguística (fora dos 
aspectos restritos do léxico) seja um fenômeno superestrutura! no 
sentido marxista desse termo (Newmeyer, 1980: xii). 
Diga-se de passagem (pois os detalhes mencionados a seguir não 
interessam ao argumento em desenvolvimento, apenas enfraquecem 
a explicação que o autor do livro oferece para sua análise não ideoló-
gica) que (a) "os eventos" a que se refere o autor não são linguísticos, 
19 
111.1 . p1•tt1•11C t llll 1 • li 1 to1 lop,1.ll1.1 di1 l l11g111~ li ·' ' IHI 1,\lllO dl H lpll 11t 
,, ,, l mi , rn i , um rbul 11 i<l • (b) própri autor, lgumas 
Jinh s cima do mesmo trecho, admitia o seguinte: 
Como não há historiografia totalmente não tendenciosa, seria 
utópico imaginar que um autor possa estar livre de posições ou 
crenças prévias que influenciem sua percepção dos eventos (ibid.). 
De todo modo, linguistas como Cameron sinalizam uma tendência 
cada vez mais evidente no campo da linguística, ainda que a maior parte, 
se não a quase totalidade, desses pesquisadores se situe nas subáreas 
·tradicionalmente tidas como periféricas ao "núcleo duro" - a saber as 
áreas "hifenizadas" e aplicadas. A título de exemplo, podemos citar o 
trabalho de Cameron et alii (1993), onde os autores discutem a questão 
das obrigações éticas que um linguista pesquisador assume, ou deveria 
assumir, ao se engajar em suas pesquisas e se discute em detalhe o 
episódio protagonizado por William Labov, que se dispôs a depor a 
favor de grupos minoritários (no caso, negros norte-americanos) em 
sua reivindicação contra uma certa secretaria de ensino estadual que, 
sem qualquer discussão, decidiu impor como único padrão de língua 
aceitável nas escolas o inglês padrão norte-americano. Trata-se do caso 
que mais tarde se tornou uma cause célebre, instigando o próprio Labov 
a escrever um famoso artigo (Labov, 1982), justificando sua decisão 
de abraçar a causa dos pais dos alunos, apresentando-se perante os 
juízes para pleitear que, do ponto de vista linguístico, além do inglês 
padrão dos brancos americanos, também existe, entre tantos outros, 
um padrão próprio à fala dos negros (o chamado American Vernacular 
Black English, AVBE), tão regrado e tão "lógico" quanto o outro. Embora 
louvável enquanto gesto de gratidão para com seus informantes, que 
tanto o ajudaram a realizar suas pesquisas e a colher os resultados, 
inclusive os benefícios materiais e profissionais de suas descobertas, 
a postura de Labov é submetida a uma reflexão profunda e crítica por 
C meron et alii (1993). A principal objeção levantada é a de que, ao se 
1 r por a falar em nome dos seus antigos informantes, Labov estaria 
1li mpl smente assumindo uma posição que imagina ser congruente 
e om s us interesses. Eis as próprias palavras dos autores: 
20 
1,,dH>V 1\ 1 () f,1lot1 1'11\ 1\!Hl\t' dt• todOI 011 t1q I OI 111 11 't C.1110 ; •lt• f :t., 
lt • to, u1 , ,' olh., n qu diz: r s it e rt ' int 'r'ss s q 1' 
i, L p i, r. C m rt za, é in vitáv 1 que as comunidad s brigu m 
uma diversidade de interesses. Mas se os membros dessas comu-
nidades não realizarem um debate interno, existe o perigo de que 
defensores externos acabem fazendo as escolhas por eles ( Cameron 
et alii, 1993: 85). 
Os autores prosseguem, partindo para uma crítica à tradição 
positivista de fazer pesquisa. Alegam que, enquanto estiver compro-
metida com tal tradição, a sociolinguística laboviana não terá como 
vitar cair nas armadilhas que o próprio modelo arma. 
Não é propósito deste texto discutir em detalhe todas as questões 
suscitadas por Cameron et alii (1993). Gostaria, no entanto, de chamar 
atenção para dois aspectos da probleqiática geral que foi objeto das 
observações desses autores. Como falar em nome de outro e com que 
utoridade? Em primeiro lugar, note-se que a questão ética é invocada 
nessas discussões a partir da premissa, nem sempre explicitada, de que 
o linguista tem o dever de ajudar os leigos, especialmente aqueles que 
serviram de informantes, como se fosse a quitação de uma dívida já 
ontraída. Em segundo lugar, presume-se que o que torna o linguista 
pto para ajudar os outros é o conhecimento especializado que ele 
possui, ou seja o linguista se auto-outorga um dever - junto com o 
dever, um enorme privilégio - na medida em que se considera de-
t ntor de um saber que lhe dá acesso às verdades sobre a linguagem, 
v rdades essas que, quando postas a serviço de todos, podem trazer 
benefícios e justiça para todos. 
O que sustenta a visão esboçada acima é a crença de que o saber 
1 m si está acima de qualquer consideração ética - o que nos conduz 
cl volta à questão com a qual iniciamos toda essa discussão, a sa-
l r, a de que não se discute a dimensão ética dos fatos da natureza 
p rque ela simplesmente inexiste. No fundo, o que impede que o 
t órico da linguagem tenha consciência do lado ético da sua atividade 
t' justamente a tendência a relegar toda a ética à esfera da prática.21 
l '1111 11~1 1111111 li 111 1 111111 11111 li 1 1 "· 1111 11 1 111~111 1 
Evicl( 1 11 lt• 11 u•11 t •, u rn q u t• 11 t lo 11 .1111t 11 10 1•t i l,l 1 . lu 1 011v •11 1011.1 1 , 
•s · r ''P ilo L r d om ç r p r um,1 r O. xão d tida d ssas 
crenças incrustadas . 
Como um primeiro passo nessa empreitada, tomemos consciência 
de que, independentemente do estatuto que se queira conferir à teoria 
em si, não se pode negar que a atividade de formular teorias é algo 
que se dá como parte de uma prática social. Dito de outra forma, as 
teorias são formuladas por pessoas que fazem parte de comunidades 
específicas (dentre as quais, as comunidades acadêmicas); as pessoas 
reagem umas às outras e propõem suas teorias, atendendo a certos 
interesses, muitas vezes ignorados por elas mesmas. Se concorda-
mos que a confecção de teorias é uma atividade que se processa sob 
determinadas condições sociológicas muito precisas, não há como 
não aceitar também a consequência de que elas reflitam, ainda que 
de forma sutil, os anseios e as inquietações que movem aqueles que 
estão por trás daquelas reflexões teóricas. 
Estamos, em outras palavras, no terreno da sociologia do co-
nhecimento, e não mais no da epistemologia do saber. Ao perguntar 
quais as considerações éticas, ideológicas e políticas que subjazem a 
determinadas posturas teóricas, estamos em verdade inquirindo as 
condições em que o novo "saber" se produz e se reproduz. Estamos 
procurando entender, entre outras coisas, quais os recortes que o 
novo saber efetua, e ao fazer isso, quais exclusões ele legítima. A 
preocupação principal aqui é dar largada a uma discussão acerca 
dessas questões com a esperança de que ela traga subsídios para uma 
maior conscientização do aspecto ético das nossas práticas teóricas. 
22 
inguagem e identidade 
; 
E lugar-comum na filosofia da ciência que todo esforço de 
1 l.1boração de teorias exige como primeiro passo a identificação e 
dt •limitação razoavelmente precisas do objeto de estudo. Evidente-
111t nte, a linguística não podia fugir à regra. No caso da ciência da 
ll11guagem, porém, há certos fatores peculiares que tornam um pouco 
111 ,lis delicada a questão da identificação exata do objeto. 
O que torna a linguística um caso à parte é que, na tentativa 
cl1 1 compreender seu objeto de estudo, a linguagem, ela é obrigada 
1 proceder valendo-se, enquanto instrumento de análise, do objeto 
111< smo, isto é, da própria linguagem - o que não acontece num 
1 .11npo do saber como, por exemplo, a botânica, onde o pesquisador 
1 tuda a flora e recorre à linguagem para descrever o seu objeto de 
1•, tudo e posteriormente documentar e divulgar os resultados . 
Como é sabido, há artifícios bastante engenhosos como a distinção 
1• 11tre "linguagem-objeto" e "metalinguagem" que foram instituídos 
p.1ra afastar qualquer possibilidade de "contaminação" ou "distorção" 
(< f. Eaton, 1996) do objeto de análise pelo instrumento de análise 
1 vice-versa. 
Permanece, porém, o fato de que tais recursos foram adotados 
j11 . tamente para evitar que a necessidade de o linguista utilizar o 
próprio objeto como instrumento de análise faça com que sua em-
23 
I' li llflA 111111111 Ili 111111 1\ 1111111\11~1 1 11 1111111 li\ 1 IJ\11 11\111111 1\ 
p1 <1it,1cl .1 1t 1j,1 viHl1\ (() Ili() .ligo d f l'I t 111 (1 cl.1 l 1111 ,tiH 'r 1, 8 i 1111 ÍI Ml. 
Ou j , rn i r ju Li 1 , Liv, p.1 ,, postul ,1r up st distinçã r tr 
o obj to e o instrumento, ainda qu os dois sejam indistinguíveis 
um do outro •sob qualquer outro prisma, é a necessidade premente 
de reivindicar para a linguística o status de uma ciência com todo o 
enorme respeito que essa palavra inspira em nossos meios (cf. Ra-
jagopalan e Arrojo, 1992). Afinal de contas, é um fato incontestável 
que a linguística, desde a sua inserção no mundo acadêmico como 
uma área importante do saber, fez questão de se projetar como uma 
ciência com todo o rigor da palavra. Segundo autores como Sampson 
(1980), a escolha da linguística como "a rainha das ciências humanas" 
no início desse século deveu-se, em grande parte, ao enorme prestígio 
que a própria palavra "ciência" adquirira junto às grandes massas de 
leigos, bem como à insistência por parte dos linguistas em caracte-
rizar sua área de estudo como uma ciência e assim distingui-la dos 
esforços de seus antecessores, entre eles os filólogos e os gramáticos 
"tradicionais". Ou seja, ironicamente, a linguística foi eleita como 
modelo para as demais ciências humanas por adotar - ou melhor 
dizendo, imitar - os métodos das ciências exatas e se distanciar dos 
procedimentos mais comuns nas humanas. Em seu livro Politics of 
Linguistics, Frederick Newmeyer defende a autonomia da linguística, 
afirmando que ela se preocupa em 
abordar a lii;guagem como um cientista natural estudaria um fe-
nômeno físico, isto é, concentrando-se naqueles seus atributos que 
existem independentemente ·das crenças e dos valores dos falantes 
individuais de uma determinada língua ou da natureza da sociedade 
na qual a língua é falada (Newmeyer, 1986: 5-6). 
Todavia é possível constatar na literatura recente uma certa in-
quietação crescente em relação à pouca semelhança entre a linguagem 
1 qual vislumbrada pela linguística enquanto objeto de estudo e a 
1 in uagem como percebida e vivenciada pelos leigos, como também 
1wl s especialistas em outras áreas de conhecimento. Como chega a 
d1rnh r Segerdahl (1995: 41): 
24 
1 ... 1.1 llnp,11111 1 , , 11 , 11 Vt'l l ti .w1 /J11• ,dgo I li 1 t•xl1it 1 l11d1 1 1•11d1•1111•11H 1111 
cl1 1 :-il 111 •1m1,1 . A li11gl1 , ti , , e ir v s, um rnod artifl in/ d Lr, t, r 
cl .1 no ', Jingu g m qu , st sim, xist ind p nd ntem nt d lc. 
Yngv , autor do livro Linguistics as a Science (Yngve, 1986), é 
111 .11 1-1 ntundente ainda quando afirma que a linguística não terá 
111•11huma utilidade social, nem tampouco credibilidade acadêmica, a 
1111111 s que adote uma atitude científica mais apropriada tanto em 
11•l,1 ão a seus métodos como no que tange a seu discurso. A crescente 
111 • pção por parte de uma parcela significativa de pesquisadores de 
qt1t 1 hegou a hora de repensar os fundamentos é curiosa, pois até 
l 11 tn pouco, os teóricos raramente se mostravam constrangidos com 
11 l .1 Lo de a linguística ter deixado de lado a própria tarefa de explicar 
11 11 nômeno da linguagem (por mais estranho que isso pareça!). Em 
ttil ula inaugural, proferida na Universidade de Londres em 1983, 
Nc• 1 Smith (1983: 4) foi surpreendentemente direto e categórico ao 
d1tmar que "a linguística não versa sobre a linguagem, nem sobre 
t lfnguas, pelo menos estas não estão em seu foco; ela versa sobre 
t gr máticas." Na verdade, Smith estava apenas ecoando as palavras 
de • Ch~msky (1980: 129), para quem" ... a linguagem é um conceito 
ele 1 ivativo e talvez algo não muito interessante." 
O objetivo deste capítulo é pleitear que nós, linguistas, devemos, 
1 11m urgência, rever muitos dos conceitos e das categorias com os 
q11.il estamos acostumados a trabalhar, no intuito de torná-los mais 
1111 quados às mudanças estonteantes, principalmente em nível social, 
r 11político, e cultural, em curso neste início de milênio. Como bem 
lt ala Hutton (1996: 209), "a linguística talvez seja a disciplina que 
111.tls encarna o espírito do século XIX dentre as que são ensinadas nas 
1111 v rsidades hoje". Os nossos conceitos básicos relativos à linguagem 
f 111, 11n em grande parte herdados do século XIX, quando imperava o 
11 111, "Uma nação, uma língua, uma cultura". Previsivelmente eles estão 
1 mostrando cada vez mais incapazes de corresponder à realidade 
v la neste novo milênio, realidade marcada de forma acentuada por 
1111v fenômenos e tendências irreversíveis como a globalização e a 
25 
1 1111 IJ\11\ 11111111 1 111 l 111111 llllltll 1 fol 1 11111'11111Mlll 1 \ Ili 1 '1 1 Ili 
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ompor amento cotidi no dos pov , in lusiv no qu diz r sp i o a 
hábitos e costumes linguísticos. 
O próprio conceito de língua está aí como prova cabal. Do modo 
como é conceituada, a língua é tradicionalmente entendida como 
algo fechado em si e autossuficiente. Para Saussure (1959), o pai da 
linguística moderna, tratava-se de uma questão óbvia demais para 
merecer qualquer discussão mais aprofundada. Todo mundo sabe o que 
é e o que não é pertencente a qualquer língua x. Max Muller, grande 
linguista alemão do século XIX, foi taxativo em sua afirmação de que 
inexistem línguas "mistas" (cf. Muller, 1871). O preconceito contra a 
miscigenação linguística está presente, por exemplo, no modo como 
são tratadas até hoje as línguas "pidgins" - marginalizadas por não 
possuírem a pureza de 24 quilates que se credita às línguas "normais" 
(Thomason e Kaufman, 1991). Os linguistas do início deste século 
adotaram como princípio norteador a ideia de que todas as línguas são 
funcionalmente equivalentes, ou seja, todas elas são igualmente dota-
das de recursos para atender a todos os interesses dos seus usuários. 
Sucessivas gerações de linguistas adotaram-no como um pressuposto 
teórico autoevidente e não merecedor de qualquer averiguação em-
pírica. A título de exemplo, Lippi-Green (1994: 165) sugere que, na 
falta de prova em contrário, a "tese básica" deve ser mantida intacta. 
Ora, o fato é que o conceito de "língua" que os estudiosos adota-
ram a priori, ou seja, antes mesmo de qualquer verificação empírica, 
não admite qualquer possibilidade de que as línguas encontradas no 
mundo real - sobretudo nos dias de hoje, quando os contatos entre 
os povos estão se processando na velocidade da luz e em volumes ini-
magináveis algumas décadas atrás - possam evidenciar instabilidades, 
não passageiras, mas estruturais e constitutivas (Rajagopalan, 1997b, 
l998a). Isto é, enquanto se insistir numa definição do que é a língua 
m primeiro lugar, definição que parta da ideia de que todas as línguas 
. t nstituem em sistemas autossuficientes, simplesmente não se pode 
111,1gin r que qualquer "dado empírico" recolhido de forma aleatória 
26 
p111 , 1 lllll d ,1 V 1 ,1 1110 t 1 li ti 11111 1.1\ t'll cl.Hllll l.t 1111 111,1 d1 1111 \ 11 1 
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11111 dos rniL s 1u ,1ind. r nd m i • ii 1h rio do e •111 t 1
1 
11. 11 
1il11l11 l t do sr nles esforços por par d ti :ofm1 d.1 e i 11< .1 
1111110 Kuhn (1962) e Feyerabend (1975). Nas palavras d Jo'ish ( 1 DHO), 
.1 vt•rd deira proeza seria encontrar uma teoria que não funcionass • 
(). que a reação instintiva por parte do defensor convicto da teoria, 
111•t,mte o surgimento de evidência contrária, é a de desqualificar e, 
1 111 seguida, descartar o "dado" rebelde como "não relevante"). 
O que torna o conceito clássico da língua cada vez mais difícil 
rlc• sustentar é que ele abriga não só a ideia de autossuficiência, mas 
t.1111bém faz vistas grossas às heterogeneidades que marcam todas 
,, omunidades de fala. Isto é, as diferenças são tratadas como fe-
11 menos contingentes a ser estudados num segundo momento. Nas 
p.davras de Fairclough (1992), a língua é abordada como ela poderia 
1•r num mundo ideal e paradisíaco e não como ela de fato é em 
110. so mundo vivido. 
Da mesma forma que a língua é conceituada em termos de tudo 
e 111 nada, os falantes dessas mesmas línguas também são classificados 
1•m termos categóricos, isto é, como nativos ou, se não, obrigatoria-
111t•nte não nativos em relação a qualquer língua específica (a qual, 
por sua vez, passa a ser ou "materna" ou, se não, forçosamente "es-
11.mgeira" com respeito a cada um daqueles falantes), não permitindo, 
1 l1•ssa forma, qualquer possibilidade de categorias mistas. Embora, 
111 gavelmente, tenha sua função heurística em um primeiro mo-
111 nto, tal manobra vai de encontro ao fato de que o multilinguismo 
1 • ·tá se tornando cada vez mais a norma e não a exceção em nosso 
mundo. Como diz Desai (1955: 20), o "multilinguismo já é a língua 
f , nca da África". As palavras do referido autor têm igual pertinên-
c i, para outros continentes e "subcontinentes" como a Índia, bem 
1 orno para as novas realidades geopolíticas como a União Europeia. 
l!ste aumento exponencial e, ao que parece, irreversível, de casos de 
111ultilinguismo se deve, de um lado, a ondas migratórias envolvendo 
27 
<' do 
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!', .rn l ·1 m ,11 i .H:J d • po1 ul.1 ~. o 111> (• 11 , tio ""'" 11,11 p< 
ulr 1 do , p pul ri:t , o d, i nf rm Li 
distâncias en tre continentes, resultando no contato cr · sccnt entre 
povos (Rajagopalan, 1997a, 1998a, 1999d). 
Ao fazer vista grossa às mudanças geopolíticas em curso no 
mundo inteiro, mudanças com resultados concretos plenamente 
visíveis a olho nu, a linguística de hoje mostra sinais de querer se 
enclausurar numa torre de marfim, contemplando, com saudade, o 
mundo perdido de identidades fixas e delineadas uma vez por todas. 
Como. chega a exclamar Donald Davidson, filósofo norte-americano de 
grande repercussão internacional, a facilidade com que costumamos 
falar de línguas tende a ofuscar o fato elementar de que tais entes 
inexistem no mundo real, mas são verdadeiros construtos criados em 
resposta a certas demandas históricas. O perigo reside em acreditar 
que, uma vez reificados, tais objetos estariam imunes a quaisquer 
questionamentos quanto à sua utilidade contínua. 
Num mundo em rápida transformação como o nosso, tal ati-
tude ameaça condenar a linguística à total irrelevância, sobretudo 
em comparação a disciplinas conexas como a sociologia, onde o 
questionamento dos próprios alicerces e conceitos básicos (veja, por 
exemplo, Wellerstein, 1991) só tem trazido ótimos subsídios para a 
adequação dos mesmos a novas realidades. 
28 
·nguística e a política 
representação 
A ideia de que a função principal e imprescindível da lingua-
1 ltl seja a de representar o mundo está muito fortemente arraigada 
1 11 t r nós e escancaradamente presente em quase todas as teorias 
ll11guisticas. Não é à toa que a gramática tradicional sempre pres-
1 l): lou a forma declarativa das sentenças. Acreditava-se que em sua 
1111 ma declarativa a sentença exprimisse um "pensamento completo", 
11 qu 1, por sua vez, pudesse então ser "cotejado" com a realidade 
t r linguística para se saber se era verdadeiro ou não. 
Em seus primeiros modelos de análise sintática, a gramática 
1• 1,1tiva (que, nesse particular, simplesmente seguiu a orientação da 
1,1 mática tradicional) postulava regras t ransformacionais para con-
e t t r sentenças declarativas em interrogativas ou imperativas, mas 
11 1111 ca na direção oposta. Evidentemente, a ideia subjacente era a de 
q11c • forma declarativa deve ser considerada como a forma canônica, 
pois é mediante essa forma que a sentença desempenha sua função 
1 e nt ral de representar o mundo. Na verdade, a justificativa nem era 
l c 1 t, nesses exatos termos, já que a questão da represen tação fazia 
I'" ti dos pressupostos de todas as discussões. 
Apenas para citar mais um exemplo de abordagem linguíst ica, 
1 Ir ta vez de orientação funcionalista, o modelo de análise proposto 
29 
1 r l Lalli l< y pr 1 i i<i lu 1.1 1 • l 1 ·t.1q 1 1 lunç. o "i d " ion,1 1" ( •n 
inglês, ideational) - a qual, de acordo com a d fi.nição forn id por 
Crystal (1980: 178), 
se refere ao aspecto do significado relacionado à consciência cogni-
tiva, por parte do falante, do mundo externo, ou (numa definição 
behaviorista) aos estados de coisas objetivamente verificáveis no 
mundo externo. 
Na tradição lógica, a atenção também sempre se concentrou na 
forma declarativa, entendida como a forma que melhor exprime uma . 
proposição completa. À sentença interrogativa, por exemplo, corres-
ponderia uma proposição incompleta, já que a forma lógica de uma 
pergunta conteria uma lacuna, sinalizadapor uma variável, sendo 
que, do ponto de . vista da lógica, uma pergunta nada mais é do que 
um pedido para que o interlocutor forneça o termo que, ao substituir 
a variável, complete a proposição. Assim, a lógica erotética (a que es-
tuda as sentenças interrogativas) é vista como uma simples extensão 
da lógica clássica e binária, ao contrário das lógicas polivalentes, que 
se constituiriam num desafio à tradição lógica (cf. Haack, 1978: 4). 
Até mesmo nas abordagens teóricas mais atuais como a teoria dos 
atos de fala (tal como trabalhada por John Searle), vê-se uma nítida 
preocupação de privilegiar a força ilocucionária de asserção (cf. Sear-
le, 1969; Searle e Vanderveken, 1985). Searle propõe que, da mesma 
forma que um ato de asserção está sujeito a um compromisso, por 
parte do emissor, com a verdade da proposição afirmada e uma série 
de outros requisitos, uma ordem, uma promessa etc. - enfim, todos 
os demais atos, também teriam "condições de satisfação" (conditions 
of satisfaction) semelhantes, que podem ser pensadas, usando-se como 
modelo as condições que "satisfazem" o ato de asserção. 
Em todas as abordagens examinadas até aqui, conforme vimos, 
, t se do representacionalismo faz parte dos pressupostos sobre a 
linguagem. Como diz Korg (1977: 977): "As línguas não podem, sob 
f H'll.1 l deixar de ser línguas,· escapar às suas funções representacionais 
1 1•xp 'ssivas" . Por se tratar de algo que subjaz, que legitima, o resto 
30 
1111 ,, < 11·11~.i 1111 p1of1111d,1 '" 111< 1 cl.1 l 11• 11 .1w 111 , , 11111111111 
1tbt1H'Llcl,1 1\ \llll l'Xil tlH ' li (), 
lJ1n , for cl' inlt•rro r noção d r pr 1wnl,1~. o, 11 , 1w 11 
1l111n, cl 1• rnpr nd r ua importância na hist ri< do pp11 !1,1111t 111to 
111111 ,, lingu g m dev rá começar pelo reconhecimento d qu 1 • l '.'t' 
111 1 Ppr 'S ntacionalismo é, ao mesmo tempo, uma lamentação e uma 
d desejo. Ela é um gesto de lamentação, porque afirma a 
111 1p,1 idade dos seres humanos de apreenderem o mundo numenal 
1 1 1 qu l (em oposição ao mundo fenomenal); a linguagem, diz ela, 
111•1 :t. m nte, se coloca como uma barreira entre a mente humana e 
1111111 lo, dificultando qualquer apreensão deste de maneira direta 
1 1111 •rgueu toda a sua "epistemologia transcendental" a partir daí). 
l 111 1111lro lado, ela também é uma expressão (digamos, até patética) de 
1111 d1 1H jo, pois elege como condição ideal (embora confessadamente 
li 11 11g vel) da linguagem a total transparência, qualidade que tornaria 
l' 1t 1 .1mente ,inconsequente o papel intermediador da linguagem. 
1 )j o de outra forma, a tese do representacionalismo se alicerça 
q11ilo que Jacques Derrida chama de a "metafísica da presença". O que 
l.1111 nta é, no fundo, a impossibilidade que a linguagem nos impõe 
• I' 11 os significados se apresentem sem qualquer intermediação. Dessa 
11111.1 1 a tese do representacionalismo na verdade esconde o sonho de 
l'''','/1111tação, de uma espécie de "epifania", do significado - o sonho, 
tl1 <'jo, de, enfim, desvencilhar-se da própria linguagem humana. 
1 , o ideal mesmo seria que o mundo pudesse mostrar (apresentar) 
1 l.1 sem a intermediação da linguagem e que as mentes huma-
p11dessem comunicar-se entre si sem ter que recorrer ao uso de 
1v,11.1 - uma ferramenta, afinal, tão imperfeita! Por mais paradoxal 
f"' p.1reçam, as nossas teorias da linguagem, erguidas em sua grande 
11l11ri<, sobre a tese do representacionalismo, são, no fundo, desejos 
111111 ssos de superar ou transcender a própria linguagem, como, por 
1111 lo, por meio da telepatia (cf. Rajagopalan, 1996b). 
A ideia da "apresentação" também foi, conforme nos costumam 
111l>tt1r os historiadores, a precursora da nossa concepção de democra-
31 
l.t 1 •pr '8 •11t.1 i Hi.11. N, o 
do b rço da d moer i 
f lll l ili,, li 
m l rn. 
ateniense era, ou pelo menos se supô 
lll t • t 1 •mi ,\ Ollf l.int •111 •nl 
ntig . A d m r i 
que fosse, o "suprassumo" (ou, 
o caso limite) da r~presentação - a apresentação. Pois cada cidadão 
"representava" a si próprio, ou equivalentemente, se fazia presente, 
isto é, se apresentava, na assembleia. A voz de cada cidadão era ouvida 
pelos seus pares sem qualquer intermediação, ou instâncias representa-
cionais. A implicação clara é a de , que boa parte das deficiências que 
os sistemas democráticos de hoje evidenciam tem a ver com a falta de 
representatividade, isto é, o fato de o povo não estar adequadamente 
representado nas diferentes instâncias de tomada das decisões. 
Há um paralelismo gritante entre o modo como pensamos a lin-
guagem enquanto meio representacional, e o modo como lamentamos 
com frequência que a prática democrática dos dias de hoje está muito 
aquém da "transparência" (qualidade essa que é, supostamente, a sua 
maior virtude possível, e era, conforme se acredita em larga escala, 
a sua marca registrada no seu nascedouro, a Atenas da antiguidade). 
Note-se que as metáforas são as mesmas em ambos os discursos. 
Exige-se transparência na conduta dos políticos com o mesmo espírito 
com que procuramos tornar o nosso uso da linguagem claro, cristalino, 
direto, literal, enfim, transparente. Com a mesma veemência e paixão, 
denunciamos a circunlocução e a linguagem ·figurada, de um lado, e, 
de outro lado, o descaso dos nossos "representantes" eleitos para com 
os eleitores, isto é, a traição praticada por eles ao não representarem 
mais os anseios daqueles em nome de quem deveriam se apresentar. 
Uma outra possibilidade de pensar o paralelismo apontado acima 
seria concluir que as duas questões, a saber, a representação política 
e a representação linguística, são apenas duas faces de uma mesma 
moeda. Ou seja, a tese do representacionalismo é, ao mesmo tempo, 
uma questão política e linguística - ou, quem sabe, política por ser 
linguística e linguística por ser política. Em outras palavras, segundo 
t1 " 8• análise - por sinal, a que me parece mais interessante e capaz 
cl1 t•xplic r uma série de outras questões pendentes - a questão 
32 
o1 q111 1 11 pnlll 1 .1 t 1 .1111 11111,1 11 , At1 1,tl 11 11111 1 li11 •tt 1 
• 1 
11 11111 c•11p,o1J.i11n111 11.1 .11 v cl.1d' lin11u 111i., •11 t.1t .111111, l11cl11 
1111 '11 111p Otfü l •11 lo polit i nm nl p rli ip. 11 lo clt• 11111.1 .il v cl 1d1• 
111 111 •11 1 •1i1 nt 1 lf Li c 1. 1 r utro lado, e como o ro l. rio ck~rn .i 11 H , 111.i 
111111.1 • , t da atividad política também passari p la q 1 s l, o l,1 
l 11w1.1g m, s ria uma atividade de ordem inescapavelmente discursiva 
I' 1111111, n, 1975; Shapiro, 1981). 
/\ 1 ipótese que acabamos de levantar v·en~o-etteeHH<EH:ba,a.i~:;i..Q~ 
1 .,•11 11d Bernard Williams, sustenta a própria tese do representaciona-
11 1110, < saber, a plena convicção de que "podemos escolher entre as 
1111• .1: crenças [ ... ] uma que possa ser então reivindicada como repre-
11t.11 do o mundo de uma forma, a um grau máximo, independente 
1 11os s perspectivas e peculiaridades" (Williams, 1985: 138-9). O que 
1111 11,1 afirmação de Williams extremamente interessante é a questão 
l 1 1w olha que o autor traz à baila. Para Williams, a representação 
li 11 lgo que se dá automaticamente. Ela necessariamente passa por 
11.111 escolhas conscientes. Ou seja, o ser cognoscente e o ser ético 
1 o empre presentes no m~smo ato e de forma inseparável.. 
/\. questão da escolha é geralmente reconhecida como ques-
1 11 have quando se discute política. A representatividade de um 
111 <'Sentante sempre foi e sempre será uma questão discutível, 
tc11 110 demonstram claramente as inúmeras polêmicas com relação 
1 nrmação de colégios eleitorais, a escolha entre presidencialismo 
p.1 lamentarismo (ou ainda, monarquia - que também não deixa 
11 1c•r uma forma de representação do povo), a conveniência ou não 
11 1 instituir o voto distrital etc. Mesmo nos tempos da suposta 
1 po áurea" da democracia, a da democracia ateniense, mulheres 
r e ravos não tinham o direito de voto, ou seja,simplesmente não 
1 1111 representados. Como chegou a brincar o escritor George Orwell 
u romance Revolução dos bichos, todos erám em princípio iguais, 
111.I' lguns eram de fato "mais iguais que os outros". 
De qualquer forma, está subentendido que a ética, e portanto 
t 11d,1 tividade que envolve a política, envolve escolha. E a escolha 
33 
pr •1.1 11p (' ,1 •xi. l 11 ,1 de• 11111 1 e < , tl ,1 cl1 v,1 lm ll, u11i.1 ltl •1,11 q11i.1 . Â 
qu s d r pr s nl , o wll ,1 qu • 11, o p 1 i pr is m nl ' por 
envolver escolha. O difícil no nx rgar a presença da escolha 
quando o assunto é a representação linguística. A tentação é pensar 
que é a linguagem que representa o mundo, sendo que nós, enquanto, 
usuários da língua, estamos inteiramente à mercê das representações 
que nossa linguagem nos impõe. Ademais, existe a crença de que, 
sob condições ideais, a linguagem possa ser totalmente transparen-
te. Como podemos, então, falar em escolhas no interior da relação 
representacional entre a linguagem e o mundo? 
Do ponto de vista histórico, a alternativa à tese do representaciona-
lismo tem sido a tese da causalidade, segundo a qual o mundo da 
materialidade, embora inacessível à percepção direta, como argumen-
tam os representacionalistas, pode, mesmo assim, ser apreendido 
enquanto causa de nossas sensações sensoriais. Ou seja, não haveria, 
pois, nenhuma justificativa para se continuar acreditando na ideia 
de que a relação entre o mundo e a palavra seja inexoravelmente 
arbitrária. Dentre os estudiosos que têm defendido uma postura cau-
sal, destaca-se, por exemplo, Saul Kripke, autor do texto (cf. Kripke, 
1972) que inaugurou uma nova linha de pesquisa. Segundo Kripke, 
a ligação da mente com o mundo se dá por nomeação (naming), ou 
seja, pelo mecanismo chamado de "rigid designation'', o qual dispensa 
o uso de uma descrição para designar o referente. Trata-se, portanto 
de um questionamento da respeitável tradição inaugurada por Frege, 
segundo a qual, a referência (Bedeutung) sempre se daria mediante o 
sentido (Sinn) e jamais ao contrário. 
A teoria causal também tem um cunho nitidamente ideológico-
-político. Aliás, pode-se dizer que ela se destaca, entre outras coisas, 
como uma resposta política a uma das vertentes do representacio-
nalismo, a saber, aquela que nega qualquer possibilidade de se ter 
certeza de nossa compreensão do mundo, posto que estaríamos sempre 
lidando com as suas mais variadas representações e jamais com o 
111un.do tal qual ele de fato é. A teoria causal de referência procura, 
34 
rn1111 11 1 rf' 
111 111111,11 p.il.1vt,11, t'I t.1 11 c.1r o c.1 111 11'10 .• t•d11 t01 1•111 cl 11 · ~ 11 111 11 I 
11v 1 111 0 <', ,, p, tl ir d, , , o Li ismo lll 'rl. s po i\ 1• td1• , tl 1 1 
(p111 c•x. ~ d B rk l y) radicalm nt mpirisl, s (rn 111 0 ,1 de• 1111111 •) 
1 f 11d1 n e nos conduzir. 
A L cria causal, é preciso que se diga, não nega necessariam nl 
t 1 c'H do representacionalismo; apenas, põe em xeque qualquer in-
1 r 1 1 > tação daquela tese para pôr em dúvida a existência do mundo 
f 1 tco material, ou negar a possibilidade de conhecê-lo. Em outras 
l' ·tl .1vr s, ela parte de um forte compromisso com a metafísica. 
/\.. alternativa mais radical à tese do representacionalismo tem 
cio proposta neopragmatista, em especial, na forma em que vem 
1•1HI defendida pelo filósofo norte-americano contemporâneo, Ri-
' l1 ,1rd Rorty. Rorty se identifica como um "pós-representacionalista". 
l 1.t 1, -se, em sua ótica, da única saída que nos resta, uma vez que 
11111 onscientizarmos da futilidade da antiga preocupação metafísica. 
l1.1t , Rorty, a metafísica pertence à história da filosofia, da mesma 
f 111 ma que quem se refere a "fl.ogístico" ou "éter" está se referindo 
t < <'rtos descaminhos e falsas suposições na história da química 
.1slronomia. Uma série de termos, entre eles, representação, que 
1 1 ~ i , m sentido quando ainda se acreditava na metafísica, diz Rorty, 
l1njc• fazem parte de um "vocabulário" ultrapassado e que já não serve 
111.tls aos interesses atuais da filosofia que, no seu entendimento, está 
de e ididamente atravessando uma fase "pós-metafísica". 
A postura neopragmatista diz desconhecer qualquer conotação 
pnlftica, ao menos enquanto atividade que se desenvolve na esfera 
p11hlica. Para Rorty, a política, assim como a religião, deve ser estri-
1,1111 nte confinada à esfera privada, pois, da mesma forma que o fim 
1 I t metafísica implica a impossibilidade de falar em nome de uma 
Vl'rdade última, supra-histórica, isto é, de caráter absoluto, também 
11, o faz sentido apelar a uma noção de um bem absoluto, válido 
p.tr todos os tempos e todas as circunstâncias. Para Rorty, então, já 
11. há mais nenhum espaço para uma Ética, assim, com maiúscula. 
Hc•f rindo-se ao notório "caso Heidegger'', diz ele num artigo recen-
35 
Ili 11 ~1~ 11111 111 111 1 1•1111 
l " " ' •i > 1u •r. 111 .li11 1. 1 li c•p.1 1.11 1 v cl ,1 ,, olH .1 dt• 11111 .111lm • 
m did qu cone b rm · o ,1 , l •t 1110 li 11 ss , Ih io rn 
variável independente do curso d s talentos" (Rorly, 997). 
Há quem diga que, a despeito de todos os desmentidos, o neo-
pragmatismo também acaba assumindo uma certa posição ideológico-
-política. Isto é, segundo esses críticos, a própria ideia de que teoria 
alguma teria consequências (como insistem em dizer Rorty e seus 
seguidores) teria, ela mesma, consequências sérias - entre elas, 
por exemplo, a consequência de marginalizar a questão política e, ao 
praticar tal manobra, tornar seus efeitos muito mais sutis e difíceis 
de serem detectados. 
Evidentemente, seria preciso nos aprofundar muito mais nos 
diferentes aspectos da proposta neopragamatista, antes de nos apres-
sar a qualquer veredicto. Contudo, independentemente de qualquer 
conclusão, parece lícito afirmar que mesmo a decisão de abrir mão 
da tese do representacionalismo também tem conotações (para não 
usar a palavra consequências) políticas. Ora, isso apenas confirmaria 
a nossa suspeita inicial de que todas as formas de pensar a represen-
tação, até mesmo aquela que explicitamente procura negá-la, acabam 
tendo certos desdobramentos políticos. 
36 
L 
elevância social da linguística 
Estamos vivendo no Brasil a reprise de um fenômeno que 
1 l Pve em evidência nos países da Europa e nos Estados Unidos há 
1lg11111as décadas: a "explosão" da disciplina chamada "linguística" que 
1• v rifica no Brasil hoje já não é mais algo que possa ser observado 
111 muitos outros países. 
Na verdade, o que se verifica em alguns desses países é uma 
l minuição da demanda pela linguística e uma migração de pesqui-
1dores e estudantes para outras áreas. Em países como os EUA, há 
1 mbém uma nítida tendência de diminuição de verbas para as pes-
111isas em áreas humanas de forma geral, e em linguística de forma 
1 1.1is acentuada - tendência que, ao que parece, está começando a 
111 .1r visível aqui no Brasil também. Há também casos de fechamento 
lc lepartamentos inteiros, com o deslocamento de parte do corpo 
11111•nte para outros departamentos. 
O caso mais comentado nos últimos tempos foi o da Universi-
d.11 I de Yale nos EUA, onde o setor de linguística cantou seu canto 
ele isne sem qualquer cerimônia ou aviso prévio. Há alguns anos, 
lt1 guei a presenciar coisa parecida no Reino Unido, onde também se 
t ~\istra um número crescente de fechamentos sumários de unidades 
d1• departamentos que não conseguem mais atrair tantos alunos 
111110 antigamente. À época, circulavam via internet abaixo-assinados 
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d d' brilânic s h lfü r ( • l •11ç. lo 1 ti l li . e mo si r. l ij, d 
sobrevivência ou, melhor dizendo, como a última cartada para salvar 
o pouco que resta, muitos departamentos de linguística naquele paístêm sido obrigados nos últimos tempos a se transformar em simples 
prestadores de serviços a longa distância, assinando convênios com 
países distantes na África e no Oriente Médio que necessitam de trei-
namento em larga escala de profess'ores de inglês etc. 
Longe de querer iniciar aqui um debate sobre a política que vem 
sendo adotada pelos órgãos públicos de fomento à pesquisa (sem 
negar, é claro, neste sentido a necessidade de uma ampla discussão 
e mobilização dos interessados), proponho-me levantar alguns sub-
sídios pára uma reflexão a respeito das seguintes perguntas, todas 
elas de ordem interna à própria disciplina, ou melhor, relacionadas 
ao modo como nós, enquanto pesquisadores e profissionais, temos 
nos comportado na condução dos rumos da disciplina: 
*Por que a linguística se encontra numa fase de desgaste, de es-
tagnação, ou até. mesmo de franco declínio, em países como os 
EUA e a Grã-Bretanha? (Evidentemente, estamos nos referindo à 
situação verificada em termos quantitativos: o número de alunos 
matriculados, teses e dissertações defendidas etc.) . 
*Haveria, além das explicações externas (tais como a atual tendência 
de transformar as universidades em empresas que visam lucros, 
o que progressivamente inviabiliza as áreas humanas em geral, 
posto que elas não geram resultados imediatos ou mensuráveis 
da mesma forma que as exatas e as biológicas), também fatores 
internos à própria ciência (a linguística, no caso) que podem ter 
contribuído para a atual queda de interesse e procura? 
*Finalmente, é possível recuperar o terreno perdido, reverter o 
quadro, e - se a resposta for sim - que tipo de ação concreta 
tal esforço demandaria? 
Evidentemente, não terei condições (nem fôlego) suficientes para 
cl is utir cada uma dessas questões exaustivamente. São, todas elas, 
1wrpuntas bastante complexas que podem ser respondidas de diver-
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.1, fot1 11.11 . O 111 •1 1 1111 u l o .1q 11 l , 011 f ot 11 H' J• d 11•, 11 .1 .1 1 tl p11111.i 
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1111n1 futuro não muito distante . 
/\. primeira pergunt a, a que diz respeito aos fatores int rn s 
1111 )1 ria disciplina que poderiam ser responsabilizados pelo atual estado 
d1• isas , tem a ver com o modo como a disciplina tem se con duzi-
1lc > m relação à gama das questões relativas à linguagem. Estamos 
l.1' ,111do das questões relativas à linguagem que qualquer leigo tem 
11 eito de imaginar como estando dentro do escopo de uma ciência 
qtH' se propõe estudá-la. Ora, qualquer um que se tenha debruçado 
obre a história das teorias linguísticas (ou melhor, dos chamados 
'p. r digmas linguísticos') sabe que tal gama varia de um momen-
111 h istórico para o outro. A saúde de uma disciplina se mede pela 
11r steza com a qual ela consegue responder a novas realidades que 
11rgem no mundo em que vivemos e pelo interesse que ela evidencia 
1• 111 atender aos anseios e preocupações t!picos de cada época. O que 
1 e rtamente não equivale a dizer que os pesquisadores devem rever 
. 11 . s prioridades conforme a opinião pública. Por outro lado, também 
11 , vejo nenhum mérito na postura adotada em certos setores de 
111 squisa, segundo a qual os pesquisadores devem trilhar seu próprio 
e .1ininho, tomando decisões sobre os rumos futuros estritamente de 
11 ordo com os interesses acadêmicos, não se importando com o que 
11 mundo lá fora da academia pensa. 
Não é difícil perceber que, conforme a amplitude e o alcance 
1l.1s questões levantadas pelos teóricos, as pesquisas desenvolvidas 
cl1 •ntro da disciplina têm repercussão nas áreas conexas. A linguís-
1 ic do século XIX encarnava muito bem o Zeitgeist daquele século, 
e ontribuindo efetivamente para as grandes questões em discussão, 
t.11 como a tese de evolucionismo de Darwin. Não é por acaso que, 
1 w século XX, dois dos momentos mais significativos no campo da 
1 nguística foram a publicação póstuma da obra de Saussure na dé-
' .ida de 1910 e o "estouro" da revolução chomskiana nos últimos 
,1110s da década de 1950. Foram justamente moment os em que a 
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l ingulHl it ,1 101nm1 ,1 di.1nt •i '' d.1 dim w ( , • l •11 l 11do " 11111.t t •tl,1 
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mento dos vigentes. Foram também mom ntos históricos em qu 
linguística se envolveu em grandes debates sobre questões ~a época 
que tinham um interesse maior e pertinência para os estud10sos de 
muitas outras áreas. 
Numa conferência de abertura proferida por ocasião da George-
town University Round Table em 1989, o linguista britânico John 
Lyons (1989) chegou a especular que, a cada quarenta anos, a lin-
guística passa por uma sacudida que resulta numa reviravolta_ e n: 
instauração de um novo paradigma. Desse modo, para Lyons, nao ha 
nada a estranhar no fato de que o modelo saussuriano tenha se esgo-
tado nos anos 1950, tendo sido superado - de acordo com muitos 
- pelo modelo gerativista1 . O que torna interessante o exercício de 
"numerologia historiográfica" proposto por Lyons é primeiramente o 
fato de que, pelo seu cálculo, estamos prestes a presenciar mais uma 
dessas reviravoltas de grande repercussão. Pessoalmente, acredito que 
as perspectivas são bastante boas. 
Do ponto de vista da presente discussão, o que chama a atenção 
na proposta de Lyons é que todos os momentos que ele identifica 
como marcas históricas são momentos em que a linguística fez sentir 
seu impacto em áreas conexas, como a sociologia, a antropologia, 
a psicologia, e assim por diante. Ou seja, os grandes momentos na 
1 Lyons (1989: 18) aponta para cinco momentos cruciais na história da linguística 
e distingue cinco períodos correspondentes, cada um com quarenta anos de duração . 
São os seguintes: 
1 . A época dos profetas, iniciada por Sir William Jones, com sua famosa conferência 
na reunião da Asiatic Society, em Calcutá, Índia, em 2 de fevereiro de 1786. 
2.A época dos pais fundadores, iniciada por Rask e Grimm (respectivamente em 
1818 e 1822). 
3 . O período clássico (da filologia comparativa), iniciado pelos "neogramáticos' 
em meados da década de 1870. 
4. O período pós-saussuriano (da chamada "linguística moderna", iniciada pelo 
próprio mestre genebrino em 1916). 
S. O periodo chomskiano e pós-chomskiano (da linguística moderna), iniciado 
por Chomsky. 
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111 .d:i ,11npl s nv lv 'n l ~ linguagem. Foram também momentos em 
qtl t' l l m proposta teórica advinda da linguística tinha claras conse-
qtt n i s nos trabalhos que estavam sendo desenvolvidos em outras 
H 11.i s do conhecimento. Era assim a proposta estruturalista de Saus-
111 t', com impacto inquestionável na antropologia de Lévi-Strauss, e 
11.1 l i.canálise de Jacques Lacan, para mencionar apenas dois casos. 
l.1.1m assim, com certeza, as ideias revolucionárias de Chomsky que 
1 e p •rcutiram na psicologia, na biologia, nos estudos de inteligência 
111 i 1cial e assim por diante. 
A proposta de Lyons nos fornece · uma excelente pista na procura 
c le uma explicação para a sensação de estagnação que se verifica no 
e .1111po de pesquisas linguísticas nos dias de hoje: a ausência de grandes 
cl .il c gos com os outros domínios de conhecimento. A impressão que se 
1 e 111 que, passados os anos dourados de 1960 e 1970, que foram mar-
c .1110 por intensos intercâmbios entre a linguística e as áreas conexas, 
l11111v , de repente, um recuo, um certo conformismo com os resultados 
le .lllçados, um desinteresse em olhar para o que os pesquisadores em 
1111 r s áreas estão pensando a respeito de questões que também teriam 
v1•r com a linguagem, embora de forma indireta. 
É evidente, sem dúvida, que no plano individual há diversos es-
f 11 1~ 0 em dialogar com outras áreas

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