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RECUPERAÇÃO DE ÁREAS DEGRADADAS AULA 5 Prof. Francisco von Hartenthal 2 CONVERSA INICIAL Num primeiro momento, o significado de áreas litorâneas é apreensível até para um leigo. No entanto, quando pensamos o meio ambiente como um conceito que reúne, de forma conflitiva, definições ambientais, econômicas e legais, as coisas ficam mais complexas. O litoral é um espaço geográfico sobre o qual incidem diversos interesses, como um campo de batalha. Ainda que exista uma lei dizendo que determinada restinga deve ser recuperada, se houver uma avenida sobre ela, o uso estará consolidado e não será alterado. Se a restinga estiver preservada, mas uma avenida puder ser construída, abre-se uma nova disputa. As cidades brasileiras cresceram margeando o litoral, gerando degradação. Com o crescimento da economia, portos são criados ou aumentados, com diferentes impactos sobre o meio ambiente. Quanto mais próximos do mar, mais os empreendimentos imobiliários são valorizados. Ao mesmo tempo, muitas comunidades tradicionais ocupam o litoral. Para ser efetiva, a recuperação de áreas litorâneas degradadas exige um conhecimento aprofundado sobre as características ambientais locais, bem como sobre as pressões econômicas que as afetam e a legislação incidente. A presente aula abordará temas como litoral, biomas litorâneos, impactos socioambientais, resiliência e recuperação de áreas litorâneas. TEMA 1 – O LITORAL A Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM) define a Zona Costeira (ZC) como o espaço geográfico de interação do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos ambientais (CIRM, 1997). A ZC abrange a Faixa Marítima, até 12 milhas náuticas, e a Faixa Terrestre. A ZC brasileira tem 8.698 km de extensão e largura variável, sobre uma área de aproximadamente 388.000 km2. Nela, concentra-se quase um quarto da população do país, em cerca de 400 municípios, com uma densidade populacional cinco vezes maior do que a média nacional (Rodrigues, 2003). Por serem regiões de transição ambiental, as áreas costeiras apresentam elevadas diversidade e produtividade biológicas, que devem ser compreendidas dentro da diversidade geomorfológica que caracteriza o litoral. 3 As diferentes comunidades biológicas litorâneas existem em contextos ecológicos definidos pela geografia física local. O gerenciamento costeiro nacional é regido pela Lei n. 7.661, de 16 de maio de 1988 (Brasil, 1988). No entanto, como em todas as questões ambientais no país, não se pode ater-se ao texto legal sem se conhecer a realidade social e econômica específica de cada lugar. Empreendimentos imobiliários, infraestrutura urbana e portuária, comunidades tradicionais e áreas de preservação disputam o espaço litorâneo. TEMA 2 – BIOMAS LITORÂNEOS A Lei n. 7.661/1988, em seu art. 3º, prevê a proteção de “recifes, parcéis e bancos de algas; ilhas costeiras e oceânicas; sistemas fluviais, estuarinos e lagunares, baías e enseadas; praias; promontórios, costões e grutas marinhas; restingas e dunas; florestas litorâneas, manguezais e pradarias submersas”. Além desses, devem ser protegidos também os sítios ecológicos de relevância cultural e Áreas de Preservação Permanente (APP). Na prática, há uma dificuldade relevante em definir claramente onde começa e onde termina cada tipo ambiental. Por serem ambientes de transição, os biomas litorâneos desafiam a caracterização precisa, por vezes exigida pelas leis. A restinga é a planície litorânea paralela à linha da costa, formada pelo acúmulo de sedimentos arenosos. Sua caracterização é feita, principalmente, por critérios edáficos (o solo arenoso) e ecológicos (a composição biológica em conjunto com o clima e o solo), além da proximidade com o mar. A vegetação de restinga tende a ser arbustiva e rasteira, e em alguns lugares pode suportar espécies arbóreas. É nomeada APP pelo Código Florestal. Sua presença contém o avanço do mar, diminui a ação dos ventos litorâneos e preserva dunas. Dunas são formações arenosas que se deslocam com o vento, num ambiente bastante dinâmico. Elas podem ser móveis, quando o vento não encontra barreiras, ou fixas, quando existem ilhas de vegetação que mantêm a estabilidade da paisagem e oferecem resistência ao vento. Ocorrem de norte a sul do Brasil e, além da importância ecológica, têm grande apelo turístico. O manguezal é um ecossistema de transição entre os ambientes marinho e terrestre. Está sujeito à influência dos rios (com o aporte de água doce) e do mar (com a água salgada e a dinâmica das marés). Os manguezais 4 apresentam uma enorme diversidade e produtividade biológica, e sua característica paisagística fundamental é a presença de mangues, nome genérico de espécies vegetais arbóreas adaptadas ao solo lamacento, às marés e à alta salinidade dos manguezais. TEMA 3 – IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS As áreas litorâneas sofrem as mesmas pressões da urbanização descontrolada que afeta o interior do país. A valorização de regiões próximas ao mar atrai a especulação imobiliária e, por outro lado, áreas distantes e com pouco valor comercial são ocupadas irregularmente por população de baixa renda. Há, ainda, um impacto sazonal típico do litoral: o aporte de milhares de moradores temporários, que se deslocam para as praias no verão. As estruturas de saneamento, esgoto, coleta de lixo, iluminação, entre outras, nem sempre são capazes de suportar a demanda, deixando poluição e degradação que se acumulam ano após ano. Além disso, para facilitar o acesso dos turistas, são construídas ou aumentadas as estradas, com vários impactos associados. Grandes obras como estradas, portos e marinas, se mal planejadas, afetam o regime natural de transporte de sedimentos pelas marés. O resultado pode ser erosão em regiões costeiras distantes do empreendimento. Esse é um problema existente de norte a sul do nosso litoral. O turismo é uma importante atividade econômica, mas a falta de planejamento pode ser prejudicial às próprias paisagens cênicas que atraem os turistas. Onde não há barreiras físicas impedindo as pessoas de seguir em frente, elas acabam por abrir novos caminhos, levar animais domésticos, jogar lixo e entrar na restinga, até mesmo com motos e carros. O turismo ambiental deve estar sempre associado ao planejamento e à educação ambiental. Outra atividade econômica importante realizada no litoral é a produção de animais marinhos, principalmente camarão. A carcinicultura tem uma cadeia produtiva que produz empregos e gera renda. Porém, há casos em que invade mangues e prejudica as comunidades tradicionais. O litoral brasileiro é ocupado por centenas de povoados tradicionais que vivem da pesca, da extração e do cultivo em pequena produção. Quando atividades industriais passam a disputar os recursos, se não houver 5 planejamento e fiscalização, os pequenos podem perder sua condição de subsistência e reserva, sendo empurrados para áreas mais frágeis, aumentando a degradação ambiental. TEMA 4 – RESILIÊNCIA AMBIENTAL Resiliência é um conceito que se refere à capacidade que um ecossistema tem de retornar naturalmente ao seu estado anterior após um impacto nocivo. É diferente de resistência, que é a capacidade do ecossistema de não se alterar, resistindo ao impacto. A resiliência ambiental é a característica que permite a retomada da regeneração natural e, consequentemente, a recuperação de uma área degradada. Por serem regiões de transição ambiental, as áreas litorâneas costumam apresentar alta resiliência a eventos naturais, como enchentes, tempestades, ventos e estiagem prolongada. Porém, esses eventos podem dificultar a recuperação ou remediação de uma área degradada por fatores antrópicos. Como as áreas litorâneas estão sujeitas a condições ambientais extremas, precisamos mapearas correntes, conhecer o regime das marés, ventos, a condição do solo e outros fatores físicos para planejar a recuperação. Muitas vezes, esses dados não existem e é preciso realizar estudos ambientais prévios para levantá-los. Esse conhecimento é imprescindível para um projeto de recuperação de área degradada no litoral, ainda mais num contexto mundial de acúmulo de lixo plástico nos mares e elevação do nível dos oceanos. TEMA 5 – RECUPERAÇÃO DE ÁREAS LITORÂNEAS A recuperação de áreas litorâneas pode exigir intervenções de engenharia ambiental, como o preenchimento de dunas ou a remoção de areia por tratores. Canais de drenagem da chuva ou de água acumulada com a maré alta também podem ser necessários, assim como a construção de cercas e estruturas de contenção da areia, usando madeira. Tudo isso exige um estudo anterior minucioso sobre as condições de marés, ventos, solo e vegetação. Deve-se buscar a extração de espécies exóticas e invasoras, como Pinus e Ficus, ou outras usadas em arborização urbana de algumas cidades do 6 litoral. Em seu lugar, serão privilegiadas espécies nativas primárias e secundárias. Gramíneas, arbustos e plantas rasteiras auxiliam na contenção da areia e logo atraem pequenos animais. O sombreamento proporcionado por árvores capazes de atingir grande porte em pouco tempo ajuda a eliminar gramíneas invasoras como Brachiaria. Em manguezais, pode-se coletar propágulos e plântulas das espécies de mangue típicas do local em áreas preservadas adjacentes e, então, plantá-los na área a ser reflorestada. Com experimentos, pode-se aferir se o melhor é o plantio direto ou o desenvolvimento anterior das plântulas em vasos, bem como a necessidade de estacas de proteção. A taxa de sobrevivência vai depender da força das marés e da intensidade de insolação, requerendo monitoramento e manutenção constantes. O envolvimento das comunidades locais nos projetos de recuperação de áreas degradadas é particularmente importante no litoral, principalmente porque a pressão sobre essas áreas não vai ser superada só com a recuperação. É preciso que as pessoas se sintam responsáveis pela preservação ambiental. Educação ambiental, mutirões de plantio, divulgação pela imprensa e construção de passarelas e cercas que protejam a área são atitudes essenciais para o sucesso do projeto. NA PRÁTICA Em 18 de janeiro de 2000, um duto da Petrobrás se rompeu na Baía de Guanabara, provocando um vazamento de 1,3 milhão de litros de óleo combustível. Potencializada pela maré de sizígia que atuava no momento, a mancha se espalhou por 50 km² pelo interior da baía. Imediatamente, houve enorme mortandade de mangue, peixes e aves, e dezenas de famílias de extrativistas e pescadores foram afetadas. O episódio é um dos maiores desastres ambientais do Brasil. A mortandade em massa das duas principais espécies de mangue da região gerou uma clareira na floresta que foi monitorada após o acidente por cinco anos. Durante esse período, a clareira foi constantemente revegetada por propágulos advindos de outras áreas preservadas da região. 7 As plântulas cresciam até formar grandes densidades de árvores jovens, mas estas tinham grande mortandade e poucas chegavam à fase adulta (Soares et al., 2006). Durante o tempo do estudo, a clareira não se recompôs, levando a concluir que, apesar dos processos ecológicos de recuperação estarem presentes, os efeitos da contaminação persistiam. Por outro lado, em outra região de manguezais afetados, um projeto de recuperação foi realizado, recuperando mais de 15 hectares de mangue (Gianotti, 2018). O projeto contou com o apoio de artistas e personalidades públicas, o envolvimento de moradores, do Poder Público e da imprensa. Isso demonstra a necessidade de coordenação de interesses conflituosos para o sucesso de planos de recuperação de áreas degradadas. FINALIZANDO Nesta aula, falamos sobre a difícil tarefa de recuperar áreas litorâneas degradadas. Vimos como são ecossistemas complexos, que precisam ser compreendidos em todos os seus aspectos ambientais, mas reforçamos que isso ainda não é suficiente, sendo preciso conhecer as dinâmicas sociais e econômicas envolvidas. Saiba mais BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Gerenciamento costeiro. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/gestao-territorial/gerenciamento-costeiro>. Acesso em: 5 ago. 2018. EVANGELISTA, J. Cultivo de camarões em manguezais ameaça fauna e flora. Ciência e Cultura, 6 dez. 2011. Disponível em: <http://www.cienciaecultura.ufba.br/agenciadenoticias/noticias/destaques/cultiv o-de-camaroes-nos-manguezais-ameaca-a-fauna-a-flora-e-o-homem/>. Acesso em: 5 ago. 2018. TABAJARA, L. L. C. A.; WESCHENFELDER, J. Recuperação de dunas frontais em área degradada por sangradouro na praia de Xangri-Lá/RS. Gravel, Porto Alegre, v. 9, n. 1, p. 69-85, dez. 2011. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/gravel/9/1/Gravel_9_V1_06.pdf>. Acesso em: 5 ago. 2018. 8 REFERÊNCIAS BRASIL. Lei n. 7.661, de 16 de maio de 1988. Institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 18 maio 1988. BRASIL. Comissão Interministerial para os Recursos do Mar. Resolução CIRM n. 5, de 3 de dezembro de 1997. Brasília: CIRM, 1997. GIANOTTI, L. 18 anos do desastre na Baía de Guanabara: mutirão e parque ecológico. EcoDebate, 24 jan. 2018. Disponível em: <https://www.ecodebate.com.br/2018/01/24/18-anos-do-desastre-na-baia-de- guanabara-mutirao-e-parque-ecologico/>. Acesso em: 5 ago. 2018. RODRIGUES, A. M. T. A Gestão Ambiental e a Zona Costeira: como operar nesta área complexa, onde se sobrepõem tantos usos e conflitos. Revista Contrapontos, Itajaí, v. 3, n. 1, p. 97-105, jan./abr. 2003. Disponível em: <http://www.icmbio.gov.br/cepsul/images/stories/biblioteca/download/artigos_ci entificos/art_2003_zona_costeira.pdf>. Acesso em: 5 ago. 2018. SOARES, M. L. G. et al. Regeneração de floresta de mangue atingida por óleo na Baía de Guanabara (Rio de Janeiro, Brasil): resultados de 5 anos de monitoramento. Geochimica Brasiliensis, Ouro Preto, v. 20, n. 1, p. 38-61, 2006. Disponível em: <http://www.geobrasiliensis.org.br/geobrasiliensis/article/v iew/234/pdf>. Acesso em: 5 ago. 2018.
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