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A CASA DE TODOS OS SANTOS

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS 
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião 
 
 
 
 
Ana Carolina Gomes 
 
 
 
 
A CASA DE TODOS OS SANTOS 
Estudo da Umbanda no Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi- Itabira/MG 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Belo Horizonte 
2018
 
 
 
Ana Carolina Gomes 
 
 
 
A CASA DE TODOS OS SANTOS 
Estudo da Umbanda no Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi- Itabira/MG 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Ciências da Religião da Pontifícia 
Universidade Católica de Minas Gerais, como 
requisito parcial para a obtenção do título de Mestre 
em Ciências da Religião. 
 
 
Orientador: Prof. Dr. Wellington Teodoro da Silva 
 
Área de concentração: Religião, política e espaço 
público 
 
 
 
 
 
 
 
 
Belo Horizonte 
2018 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FICHA CATALOGRÁFICA 
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 
 
Gomes, Ana Carolina 
G633c A casa de todos os santos estudo da Umbanda no Lar Espírita Filhos de 
Ogum e Oxóssi- Itabira/MG / Ana Carolina Gomes. Belo Horizonte, 2018. 
 142 f. : il. 
 
 Orientador: Wellington Teodoro da Silva 
 Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. 
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião 
 
 1. Umbanda - Brasil. 2. Sincretismo (Religião). 3. Universalismo (Teologia). 
4. Religião e cultura. 5. Cultos afro-brasileiros. I. Silva, Wellington Teodoro da. 
II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação 
em Ciências da Religião. III. Título. 
 
 CDU: 299.6 
Ficha catalográfica elaborada por Rosane Alves Martins da Silva – CRB 6/2971 
 
 
 
 
Ana Carolina Gomes 
 
A CASA DE TODOS OS SANTOS 
Estudo da Umbanda no Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi- Itabira/MG 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Ciências da Religião da Pontifícia 
Universidade Católica de Minas Gerais, como 
requisito parcial para a obtenção do título de Mestre 
em Ciências da Religião. 
 
 
Orientador: Prof. Dr. Wellington Teodoro da Silva 
 
Linha de pesquisa: Religião, política e espaço 
público 
 
 
 
 
_________________________________________________________________ 
Prof. Dr. Wellington Teodoro da Silva- PUC-Minas (Orientador) 
 
 
____________________________________________________________ 
Prof. Dr. Emerson José Sena da Silveira- UFJF (Banca Examinadora) 
 
 
____________________________________________________________ 
Prof. Dr. Carlos Ribeiro Caldas Filho- PUC-Minas (Banca Examinadora) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Belo Horizonte, 25 de abril de 2018. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico este trabalho aos filhos e filhas de fé. Aos que, por sua fé, são mal compreendidos, 
hostilizados, desrespeitados e demonizados. Dedico este trabalho aos que buscam amparo 
nos braços dos pretos-velhos, que buscam forças nos caboclos, persistência nos baianos, 
pureza nos erês, proteção nos exus, amor próprio nas pombogiras, equilíbrio nos 
marinheiros, cura nos povos do oriente, altivez nos boiadeiros e alegria nos malandros. 
Dedico aos que buscam o sentido da vida, aos que encontram o sagrado em suas diversas 
manifestações, aos que o encontram dentro de si. 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Nessas próximas palavras venho demonstrar minha gratidão, demonstrar meu 
reconhecimento por todos aqueles e aquelas, pessoas e instituições, que acreditaram nesse 
trabalho, em mim e na sua relevância para a sociedade brasileira. 
Nessa caminhada, entre livros, artigos, imagens e trocas de experiências, muitos 
sentimentos afloraram. A cada passo nesse trajeto percorrido, novos aprendizados e novas 
dúvidas surgiram, assim como novas convicções e novas formas de se ver e perceber o 
mundo, as religiões e as religiosidades. 
Venho agradecer à Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, em especial aos 
professores e demais funcionários; venho agradecer à FAPEMIG (Fundação de Amparo à 
Pesquisa de Minas Gerais), instituição de fomento dessa pesquisa; agradeço aos colegas de 
curso que compartilharam suas angústias, descobertas e novos olhares. 
Agradeço aos membros do Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi pelo acolhimento, 
pelas palavras, pela experiência e por terem deixado abertas as portas para o universo 
umbandista. Agradeço ao Babalaô Gilman e o Yaô Chinayd. Agradeço as entidades pelo 
ensinamento, por mostrarem que este mundo é de dor, mas, também de amor e compreensão 
aos que buscam conforto, acolhimento e aceitação. 
Agradeço ao meu orientador pela paciência, perseverança e por me guiar nessa seara 
até então desconhecida. 
Agradeço aos amigos que compreenderam as ausências e que se mantiveram firmes no 
cultivo e fortalecimento das amizades! Agradeço a todos e todas que, apesar das atribulações, 
intolerâncias, falta de compreensão e injúrias, se mantém firmes na fé, nas energias, na 
humanidade e em si mesmos. 
Agradeço aos percursores, aqueles e aquelas que se embrenharam na busca por 
desvendar e compreender a Umbanda, deixando trilhas abertas para aqueles que, assim como 
eu, peregrinam-se nos mistérios dessa religião. 
Agradeço aos orixás, aos anjos, santos e entidades por todo axé recebido! 
Por fim, agradeço ao meu Babaji, à Sete Coroas e à Satã. 
 
 
 
RESUMO 
 
A presente dissertação tem como objetivo compreender o processo de universalidade 
espiritual e cultural da Umbanda e identificar, no Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi, 
elementos de caráter universalista e acolhedor umbandista. Partindo da análise da formação 
do povo brasileiro, períodos de violências, exploração, imposições, mas, também de 
encontros, empréstimos, trocas culturais e religiosas foram evidenciados. Ao longo desses 
séculos, um povo foi tomando forma biológica e culturalmente e novos tipos sociais e 
biológicos marcam essa multiplicidade nacional. Assim como, novas formas de se ligar ao 
sagrado também foram surgindo. Entre benzeções, chás e banhos de ervas, velas, mesas, 
igrejas, choupanas e tendas, aqui se cultivava e cultiva a religiosidade. A Umbanda se mostra 
presente no cenário religioso brasileiro com seus ritos, liturgias e fundamentos que estampam 
a face desse povo. Desta forma, a diversidade na prática umbandista sinaliza para a própria 
diversidade do povo brasileiro e suas configurações. Essa diversidade apresenta-se como uma 
característica dessa religião que abriga e acolhe a todos, tanto no plano espiritual, quanto entre 
os encarnados. Assim, buscamos compreender essa abertura, essa diversidade, enfim, essa 
universalidade na e da Umbanda. Para tanto, além de uma pesquisa bibliográfica, adentramos 
no cosmos da casa umbandista Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi, na cidade de Itabira-
MG. A busca por um entendimento sobre a Umbanda nos levou a uma melhor compreensão 
do próprio povo brasileiro e da plasticidade de se cultuar e consagrar e de se conjugar o 
sagrado e o profano. 
 
Palavras-chave: Umbanda; Brasil, Sincretismo; Universalidade; Lar Espírita Filhos de Ogum 
e Oxóssi 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
The aim of this study is to understand Umbanda's process of spiritual and cultural universality 
and to identify elements of a universalistic and welcoming umbandist character in the Spiritist 
Center of Ogum and Oxóssi, in Itabira/MG. Starting from the analysis of the formation of the 
Brazilian people, periods of violence, exploration, impositions, but also encounters,cultural 
and religious exchanges were evidenced. All over these centuries, people has taken 
biologically and culturally form. And now, new social and biological types express this 
national multiplicity. As well as, new forms of bound to the sacred also arose. Among the 
blessings, herbal teas and baths, candles, tables, churches, huts and tents, they cultivated and 
nurtured the religiosity. Umbanda is present in the Brazilian religious scene with its rites, 
liturgies and foundations that portray the face of this people. In this way, diversity in the 
Umbandist practice points to the center of Brazilian diversity and their configurations. This 
diversity presents itself as a characteristic of this religion that shelters and welcomes all, both 
spiritually and incarnate. Thus, we seek to understand this openness, this diversity, in other 
words, this universality in and of Umbanda. For that reason, in addition to a bibliographical 
research, we arrive to the cosmos of the umbandist home called Spiritist Home Children of 
Ogum and Oxóssi, in the city of Itabira-MG. The search for an understanding about Umbanda 
has led us to a better thought of the Brazilian people themselves and the importance of rituals 
and consecrating plasticity, even of conjugating the sacred and the profane. 
 
Keywords: Umbanda; Brazil, Syncretism; Universality; Spiritist Children of Ogum and 
Oxóssi Home. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE FIGURAS 
 
FOTO 1 - Bandeira do Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi .............................................. 135 
FOTO 2 - Frente do Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi. ................................................. 135 
FOTO 3 - Zé Pelintra .............................................................................................................. 136 
FOTO 4 - Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi. .................................................................. 136 
FOTO 5 - Cantinho de Iemanjá. ............................................................................................. 137 
FOTO 6 - Cruz das Almas ...................................................................................................... 137 
FOTO 7 - Orixá Xangô ........................................................................................................... 138 
FOTO 8 - Imagens cobertas na quaresma .............................................................................. 138 
FOTO 9 - Oferenda para Cosme e Damião e a Linha de Ibeji na abertura do ano. ............... 139 
FOTO 10 - Oferenda a Iemanjá na abertura do ano. .............................................................. 139 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 11 
 
2 A FORMAÇÃO DE UM POVO E DE UMA RELIGIOSIDADE .................................15 
2.1 Brasil: a formação de um povo ........................................................................................ 15 
2.1.1 Brasileiros- dos donos da terra Brasil ao atual mestiço ................................................. 15 
2.1.2 A Umbanda entre sincretismo(s) e/ou síntese ................................................................. 27 
2.1.3 A “casa” Brasil ............................................................................................................... 30 
2.2 Umbanda: a aurora de uma religião ............................................................................... 32 
2.2.1 Uma visão histórico-mítica: Zélio de Moraes: o “mito fundador” ................................ 33 
2.2.2 Uma visão ancestral: a formação da Umbanda a partir dos cultos afro-brasileiros ..... 32 
2.2.3 Uma visão político-histórica: a fundação e legitimação da Umbanda na Era Vargas .. 30 
2.3 Campo religioso e a Umbanda no cenário religioso brasileiro atual ........................... 44 
2.3.1 O campo religioso e algumas considerações sobre o caso brasileiro ............................ 44 
2.3.2 A Umbanda no cenário religioso brasileiro atual .......................................................... 48 
 
3 “UMBANDA DE TODOS NÓS”: A UMBANDA E SEU UNIVERSO .......................... 50 
3.1- O uno e o diverso na Umbanda ...................................................................................... 50 
3.1.1 Gerando sentidos: a referência de uma matriz religiosa brasileira ............................... 51 
3.1.2 Germinando em solo sagrado: a Umbanda enquanto espaço de sincretismos ............... 57 
3.1.3 Florescendo em ramificações: as tradições na Umbanda .............................................. 61 
3.2- “A Umbanda tem fundamento, é preciso preparar”: as diversas formas de se ligar 
ao sagrado na Umbanda ........................................................................................................ 66 
3.2.1 Em busca de uma estrutura: fundamentos de Umbanda ................................................. 67 
3.2.2 O espaço e o sagrado: as giras de Umbanda .................................................................. 71 
3.3- Entre imagens e vibrações: do orum ao aiyê ................................................................. 75 
3.3.1 Os Orixás e as Sete Linhas de Umbanda ....................................................................... 75 
3.3.1.1 As senhoras do Orum- Oxum, Iemanjá, Nanã e Iansã ................................................. 77 
3.3.1.2 Os irmãos: Ogum, Oxóssi e Exu ................................................................................... 79 
3.3.1.3 Os senhores da criação, do reino e da cura: Oxalá, Xangô e Obaluaê ....................... 80 
3.3.2- Guias, entidades e protetores- os trabalhadores do astral ........................................... 82 
3.3.2.1 Caboclos, pretos-velhos e erês ..................................................................................... 83 
3.3.2.2 Baianos, marinheiros e boiadeiros ............................................................................... 85 
3.3.2.3 O povo da rua: o “cumpadre” Exu, a “moça/senhora” Pombogira e o Malandro .... 86 
3.3.2.4 Optchá- a irradiação da Linha do Oriente ................................................................. 88 
3.3.3 Anjo da guarda e santos na Umbanda ........................................................................... 91 
 
4 A UMBANDA DE TODOS OS SANTOS NO LAR ESPÍRITA FILHOS DE OGUM E 
OXÓSSI ................................................................................................................................... 94 
4.1- A casa de Umbanda- o sagrado e o espaço: a Umbanda no Lar Espírito Filhos de 
Ogum e Oxóssi ........................................................................................................................ 95 
 
 
 
 
4.2- A universalidade umbandista na prática mágico-religiosa do Lar Espírita Filhos de 
Ogum e Oxóssi ........................................................................................................................ 98 
4.2.1 A corrente de médiuns ..................................................................................................... 99 
4.2.2 Pedimos licença para trabalhar- entidades a serviço do plano superior ..................... 102 
4.2.3 As giras de sexta-feira ................................................................................................... 105 
4.3 O corpo mediúnico em algumas atribuições ................................................................ 109 
4.3.1 Ao som do atabaque- o ogã ........................................................................................... 110 
4.3.2- O Yaô Pai Pequeno ...................................................................................................... 111 
4.3.3 A cambona Maria e Camila, a zeladora de santo ........................................................113 
4.3.4 João: um filho desta casa .............................................................................................. 115 
 
5 CONCLUSÃO .................................................................................................................... 120 
 
6 REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 125 
 
ANEXO A- IMAGENS DO LAR ESPÍRITA FILHOS DE OGUM E OXÓSSI ............ 135 
 
ANEXO B - ORAÇÕES E HINOS RECITADOS PELOS MEMBROS EM REUNIÕES 
E SESSÕES ........................................................................................................................... 140 
 
 11 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
Esse trabalho teve como ponto inicial uma inquietação: se a Umbanda acolhe a todos, 
tanto no plano espiritual, quanto no plano material; ela é universal, ou seja, ela apresenta em 
sua essência, a universalidade, sendo de todos e para todos! Essa problematização passou a 
ser, então, uma hipótese a ser verificada. 
Buscando elementos que comprovassem ou não essa hipótese, um caminho foi trilhado 
entre trânsitos religiosos, desde a tenra idade, sempre em busca de explicações que dessem 
sentido às relações humanas e com esse desconhecido, esse sobrenatural, o além de nós, o 
sagrado. 
“Tomando passe” com preto-velho, comendo doces nas festas de Cosme e Damião, 
assistindo a sessões de “mesa branca”, conversando com entidades em centros espíritas, 
participando de encontro de jovens de um centro kardecista e também de uma igreja católica, 
dentre outras, e, também, por vezes, vivendo momentos de incredulidade, as experiências 
religiosas foram diversas, assim como foram diversas as religiosidades nas quais mantivemos 
contato. 
Frequentando uma casa umbandista há anos, as observações e questionamentos se 
pautavam, quase sempre, sob um olhar sociológico e epistemológico. O aprender a sentir, a 
deixar as energias atuarem, vieram com o tempo. Desta forma, a Umbanda, não mais 
totalmente desconhecida, mas essa a ser buscada e sentida, tornou-se, também, nosso objeto 
de investigação. 
 A compreensão de uma religião perpassa o seu cosmos, pois, entendida como uma 
instituição social, está presente em uma sociedade e encontra-se sob o julgo de uma cultura. A 
religião é passível de ser investigada enquanto comunidade, ou seja, enquanto um grupo de 
pessoas que professam a mesma fé; é passível de ser estudada a partir do seu conjunto de 
doutrinas e, também, como acumulação de experiências. 
Alguns desses pontos são de acesso ao pesquisador, porém, uma dificuldade se 
apresenta ao cientista da religião: a experiência religiosa. Considerada como uma força vital 
que anima as religiões, alimentando seus ensinamentos e os ritos transmitidos, apresenta-se, 
desta forma, como uma medidora de força de uma religião. Assim, quanto mais fieis 
encontramos vivenciando uma determinada crença, mais forte ela se torna, e, também ao 
contrário, quanto menos fieis a vivenciam, menos força ela apresenta no cenário religioso. 
 12 
 
 
Inserida em uma cultura, a religião, também apresenta esse dinamismo, esse equilíbrio 
entre passado e presente. Desta forma, concilia a tradição com a reatualização, buscando sua 
manutenção no cenário religioso. 
Pensando no empreendimento de investigação que levasse à compreensão de alguns 
aspectos da religião, sem perder a noção do seu todo, iniciamos o estudo sobre a Umbanda. 
Buscando compreender o “início” da Umbanda, seus ritos, doutrina e algumas das 
experiências dos fieis, a partir de uma comunidade de fé, demos início aos estudos delineando 
a metodologia a ser abordada. 
Neste sentido, dividimos essa pesquisa em duas etapas: na primeira foi desenvolvida 
uma pesquisa bibliográfica, que norteou a seguinte, pois, é a partir desta que se encontram os 
pressupostos teóricos e as atuais informações referentes ao problema que fundamentarão o 
referencial. A pesquisa bibliográfica foi direcionada para a análise de trabalhos relacionados 
às temáticas: o povo brasileiro, sincretismo cultural e religioso, a universalidade e sobre a 
constituição e trajetória da Umbanda, assim como, a sua cosmovisão, práticas ritualísticas e 
demais elementos religiosos. 
A segunda etapa consiste na pesquisa de campo. Nesta etapa, foram observadas e 
descritas as práticas e ensinamentos religiosos do Lar Espírita Filhos de Ogum e Oxóssi, na 
cidade de Itabira/MG. Foram, também, utilizadas as técnicas de observação sistemática não 
participativa e entrevistas pré-estruturadas com alguns membros que compõe a direção da 
referida instituição, sendo eles: um sacerdote e/ou líder religioso, a cambona, o ogã, a 
zeladora de santo e o filho de santo com mais tempo na casa. As observações foram realizadas 
em dias de reuniões fechadas e sessões abertas à comunidade e as entrevistas foram 
agendadas1. As observações foram direcionadas tanto para os membros incorporados, quanto 
para os não incorporados, buscando a compreensão do universo religioso umbandista e sua 
singularidade, bem como a diversidade dos trabalhadores do astral (entidades). 
Expostas as formas de obtenção de informações, passemos para a estrutura deste 
trabalho. Esta pesquisa está dividida em três capítulos. No primeiro, buscamos a compreensão 
da formação do povo brasileiro; da legitimação da Umbanda enquanto religião e sua presença 
no campo religioso brasileiro. Ao que se refere à formação do povo brasileiro, destacamos o 
processo de colonização pelos portugueses que desencadeou uma série de outros processos 
firmando o protagonismo desse povo europeu e sua visão de mundo nesta terra. 
 
1 O período destinado às observações e entrevistas foi de maio de 2017 a janeiro de 2018. 
 13 
 
 
 Por séculos os povos indígenas, africanos e portugueses conviveram e se misturaram, 
biológica e culturalmente nesta terra. Atravessando matas e sertões, foram povoando esta terra 
“sem fim”. Desta forma, novas configurações e transfigurações foram surgindo em cada canto 
desta terra, a partir dos trânsitos, desenraizamentos, destribalizações e desagregações. Este 
povo brasileiro, representado aqui pelas figuras do mameluco, do caboclo, do sertanejo, do 
caipira, do crioulo, o paulista e do gaúcho, filhos desta terra, sem identidade, vivendo, como 
diria Ribeiro (2013), sua ninguentude, foram sobrevivendo selva e sertão adentro. Ora 
perdendo alguns elementos culturais de uma de suas matrizes, ora se agarrando aos saberes 
das mesmas, esses filhos da terra, vivendo em trânsito, em busca de um lugar em que 
pudessem fincar suas raízes, fundiram-se entre religiosidades, técnicas, línguas, biotipos 
múltiplos e fundiram-se entre cores. 
 Este espaço de miscigenação, vem agregando novos povos ao longo da sua 
colonização e posterior à constituição republicana. Igualmente desenraizados, alemães, 
italianos, espanhóis, poloneses, japoneses e árabes vem compondo esta trama brasileira. A 
partir da segunda metade do século XIX, estes povos iniciaram sua jornada nesta terra, 
principalmente nas regiões Sul e Sudeste. Vem se abrasileirando, misturando-se a um povo já 
mestiço, plural, múltiplo, universal e único. Estes povos foram se fixando, arando a terra, 
plantando, produzindo artesanatos, se adaptando à língua, ao clima, a um novo modo de vida, 
a um novo povo. Quando estes novos habitantes chegaram, encontraram um povo arquitetado, 
mas, que não estava vedado constitutivamente. Aliás, esta é uma característica do brasileiro, 
estar aberto ao outro, por isso ele abriu suas portas para os que aqui desejavam adentrar, para 
os que desejavam uma nova casa. 
 A trajetória deste povo novo, o brasileiro, marcada por longas caminhadas, entre 
encontros e desencontros, proporcionou ao mesmo tempo um crescimento desigual. Para além 
das adversidades da natureza, encontrou-seas adversidades estruturais. Assim, Ribeiro (1972) 
aponta, ao direcionar seu olhar sobre os aspectos culturais deste povo, que é nas camadas 
subalternas e como cultura vulgar, recheada de elementos indígenas e africanos, que se exerce 
a criatividade que viria a atender aos requisitos necessários à sobrevivência material; à 
convivência humana e ao atendimento de necessidades espirituais, para esta última, 
correspondente à criação de cultos sincréticos e explicações míticas e lendárias sobre a 
natureza e a sociedade. 
Essa lógica cultural, em interface à religiosa fez emergir uma diversidade de formas de 
se ligar ao sagrado. Dentre essas formas, sinalizamos a umbandista. Entre trocas, simbioses e 
 14 
 
 
empréstimos, sincretismos e sínteses constituíram-se formas pelas quais novos elementos e 
novas ressignificações dos antigos foram surgindo. 
Assim, ao nos direcionarmos para o entendimento que marca um possível início da 
Umbanda, encontramos algumas perspectivas de origem ligadas entre a sua “fundação” a 
partir do “mito” da incorporação do médium Zélio de Morares pelo Caboclo das Sete 
Encruzilhadas e entre a ressignificação a partir da herança da antiga macumba, prática 
religiosa de forte herança africana e entre sua legitimação nas décadas de 1920 e 1940, em um 
Brasil em processos de urbanização e industrialização. 
Entre essas perspectivas, que serão analisadas ao longo do primeiro capítulo, a 
Umbanda vem se firmando no cenário religioso brasileiro. Ora se ascendendo e confirmando 
sua força enquanto religião brasileira, ora, como nos últimos dados do IBGE, perdendo fieis 
declarados. 
No segundo capítulo adentraremos no universo religioso brasileiro em busca de uma 
melhor compreensão da formação de uma matriz religiosa brasileira. Assim, chegaremos à 
Umbanda enquanto espaço de sincretismos e sínteses, características que se destacam nessa 
religião. Entre o sagrado e o profano, divagamos entre energias superiores, tipos sociais, ritos 
e fundamentos, buscando um ponto em comum nesta diversidade umbandista. Diversidade 
esta que também se destaca na busca por uma melhor compreensão dessa religião brasileira. 
Conheceremos a representatividade e a atuação dos orixás, anjos, santos e entidades, na vida e 
no imaginário umbandista, dentro do espaço sagrado que é o abaçá. 
No terceiro capítulo analisaremos uma casa umbandista: o Lar Espírita Filhos de 
Ogum e Oxóssi, na cidade de Itabira/MG. Ao sairmos das páginas dos livros e artigos e da 
tela do computador nas visitas a sites institucionais que continham produções acadêmicas e, 
também, os discursos dos fieis, iremos em direção a uma análise do fato em si, adentrando o 
espaço sagrado. Observamos as giras, a estrutura física, os atendimentos, a doutrinação, 
enfim, percebemos uma gama de linguagens usadas para a expressão religiosa desta 
comunidade de fé e ouvimos, também, as vozes desses filhos de fé. Vozes estas que ecoam 
nessas páginas. 
Por fim, acreditando que qualquer conclusão é a delineação de um novo começo, 
chegamos a um desfecho originado por uma inquietação. Após as pesquisas, alguns pontos se 
mostraram mais seguros para se caminhar. Ressaltando que qualquer tentativa de se enformar 
a Umbanda se torna uma tentativa de enformar tradições culturais e ressignificações, 
buscamos mostrar os laços que unem essa diversidade peculiar. Essa essência que se ramifica 
 15 
 
 
no solo e no imaginário brasileiros, vai desembocar nas mais multifacetadas manifestações, 
interpretações, mas sem perder seu foco de irradiação. 
Apresentamos, também, em anexo, algumas fotos dessa casa umbandista e algumas 
orações proferidas por seus fieis. Apresentamos a casa de todos os santos, a casa onde não 
somente “Deus fez sua morada”, mas, onde todos os seres encontram morada. 
 
2 A FORMAÇÃO DE UM POVO E DE UMA RELIGIOSIDADE 
 
 Neste primeiro capítulo, nos atentamos para a compreensão da formação do povo 
brasileiro e para as perspectivas relacionadas ao surgimento da Umbanda. Para tanto, 
dividimos o texto em três partes. Na primeira parte, analisamos os processos de formação do 
povo brasileiro, bem como, alguns aspectos das religiosidades que emergiram nesta terra. Nas 
segunda e terceira partes, nos direcionamos para a Umbanda. Desta forma, apresentaremos 
algumas perspectivas relacionadas ao seu surgimento e os processos de legitimação social e 
estatal, da mesma forma, situaremos essa religião no cenário religioso brasileiro atual. 
 
2.1 Brasil: a formação de um povo 
 
 O Brasil é um país que apresenta, também, como característica em destaque, a 
miscigenação. Nestas terras vastas, vários povos mantiveram e mantêm contatos. Em 
processos que se iniciaram há mais de cinco séculos e que, pela própria dinâmica que 
mantêm, não se cessarão, diversos elementos culturais são inseridos e ressignificados, assim 
como, biotipos vão tomando forma. 
 Os encontros e contatos vão dando contornos às mais variadas formas de percepção de 
mundo, de interação com o meio ambiente, da utilização de técnicas para a sobrevivência e da 
compreensão do outro. Enfim, o povo brasileiro vem se firmando nesse solo, semeando sua 
cultura e religiosidade. Desta forma, iniciaremos este trabalho a partir da compreensão da 
formação do povo que habita este solo e da compreensão dos processos sincréticos e 
sintéticos que aqui sucederam. 
2.1.1 Brasileiros- dos donos da terra Brasil ao atual mestiço 
 
 16 
 
 
 A história do Brasil inicia-se para além-mar, para terras longínquas, na Península 
Ibérica, precisamente, para Portugal e Espanha. Portugal, país central desta trama que se 
transfigurará no Brasil, também apresenta uma história de tecitura cultural. 
 Durante séculos, Portugal foi ocupada pela civilização árabe, que, mesmo 
permanecendo em território ibérico por séculos, não se propôs à conversão do povo português 
(RIBEIRO, 2013, p. 64-65). A convivência em terras ibéricas, entre o cristianismo, o 
judaísmo e o islamismo, enquanto representavam forças relativamente equivalentes, 
apresentava um espírito de certa tolerância. Porém, a partir da hegemonia do cristianismo, 
esta coexistência pacífica deixou de existir e mouros e judeus acabaram sendo expulsos 
(WACHHOLZ, 2011, p. 784). Este mesmo povo ibérico, liberto da ocupação moura, se 
constitui, neste contexto, como os primeiros Estados nacionais do mundo moderno 
(RIBEIRO, 2013, p. 65- 67). Esta libertação, caracterizou-se, inclusive, com o 
estabelecimento de uma legislação discriminatória contra judeus, mouros e negros, como 
aponta DaMatta (1986, p. 46). 
 Assim, a partir das transformações ocorridas em solo europeu, e, em especial, neste 
território, evidencia-se a emergência do feudalismo e sua posterior queda, a partir do 
mercantilismo; distingue-se uma precoce unificação nacional de Portugal e Espanha, incitada 
por uma revolução tecnológica e mercantil, surtidas nos mundos árabe e oriental, que 
permitiu, em destaque, o acesso ao mundo, através das técnicas navais (RIBEIRO, 2013). 
 Os ibéricos lançam-se ao mar em busca de conquistas, apropriações e evangelização, 
em uma visão mercantilista e missionária salvacionista, aos continentes africano, asiático e 
americano, dando luz às novas configurações sociais, econômicas, históricas, culturais, 
geográficas e étnicas. 
Deste modo, esse povo português que chega à terra, posteriormente intitulada Brasil, 
para além-mar da sua terra europeia, apresenta, em sua formação étnica, uma heterogeneidade 
de povos e costumes, proporcionada por uma convivência multi secular entre diferenças 
também religiosas, que, porém, os permitiu manter sua identidade católica. Em relação a esta 
identidade católica, Sanchis, aponta que o catolicismo foi inserido em Portugal, entre as 
religiões pré-celtas, celta e romana, predisposto a “haurir das sedimentações que abrigam sua 
raiz os elementos culturais – e religiosos – com osquais vai nutrir sua identidade”, e esta 
identidade é recapitulativa, no sentido em que, mesmo consciente e unificadamente 
“católica”, é portadora das virtualidades das camadas religiosas que preparam sua germinação 
(SANCHIS, 2001, p. 24). 
 17 
 
 
 Desta forma, ainda com o ímpeto das recentes batalhas contra os mouros, esse povo 
português chega, na América, agora, contra os povos nativos (RIBEIRO, 2013, p. 70-73). 
Assim, este primeiro contato entre estes povos com diferenças biológicas e culturais 
acentuadas, acontece por duas visões distintas: por um lado, os índios litorâneos, espantados, 
não podiam prever que aqueles homens fétidos, cobertos, feios e barbudos não seriam 
generosos e enviados do seu deus criador. Por outro lado, esses homens de além-mar, 
“civilizados”, práticos, sofridos, que traziam em sua bagagem, além de instrumentos da vida 
moderna e a sua concepção cristã do mundo, viam, aquela gente despida. Porém, viam-nos 
também, como fúteis. A partir deste primeiro contato pacífico, as intenções dos novos 
habitantes ficaram mais evidentes e as relações de gentileza e submissão indígenas, deram 
lugar às lutas por sobrevivência (RIBEIRO, 2013, p. 42-44). Neste sentido, DaMatta ressalta 
o interesse mercantilista do português, que, visando um enriquecimento fácil, inicia o 
extrativismo imediatista e predatório (1994, p. 103). Assim, esta terra fértil, rica, passiva e 
inexplorada, na lógica mercantil, será vista como uma terra boa para devastar, para sugar e 
explorar. 
 A serviço dos portugueses estavam os braços dos índios para a derrubada de paus-de-
tinta, como diria Riberio (2013), como produto de comercialização em sua terra natal, 
estavam, também, a força de trabalho da índia para a plantação e colheita, para o cativeiro 
doméstico e gestação de crianças (2013, p. 100). Posteriormente, o próprio índio, além de 
escravizado, se torna peça comercial, desencadeando, assim, um processo no qual os próprios 
índios, em troca de instrumentos e utensílios portugueses e da própria imposição escravista, 
auxiliaram na captura de mais índios na promoção de intensas e contínuas batalhas. 
 Ao indígena, coube sobreviver às mais diversas doenças trazidas pelo português, 
sobreviver às batalhas contra os próprios “irmãos” e adentrar selva e sertão, fugindo de um 
destino certo: a morte (RIBEIRO, 2013, p. 47). A respeito deste povo dono da terra, o autor 
expõe as multiplicidades dos grupos étnicos indígenas, cuja sabedoria milenar os possibilitou 
um vasto e intenso conhecimento da terra, das plantas, dos animais e dos próprios povos, 
amigos e inimigos. Dentre as diversidades e especificidades destes grupos, Ribeiro aponta os 
Guaikuru, chamados também de cavaleiros, que travaram inúmeras batalhas contra os 
invasores. Considera-se que estavam em via evolutiva, pois, fisicamente, se destoavam dos 
demais, eram altos, utilizavam peles para proteção contra o frio e conquistavam outros povos 
submetendo-os a um sistema análogo à servidão. Mantiveram alianças tanto com os 
espanhóis, quanto com os portugueses, na captura de índios de outras tribos (p. 35-36). Já os 
 18 
 
 
povos Tupi mantinham o ritual antropofágico que consistia em comer os honrados 
prisioneiros de guerra (RIBEIRO, 2013, p. 34). 
 Este contato entre povos tão diferentes em sua cosmovisão e avanço técnico e bélico, 
foi se desenvolvendo por séculos, trazendo, como consequências, a assimilação, pelos 
portugueses, das técnicas de sobrevivência na nova terra e, aos índios, uma perda quase total 
da sua identidade étnica. Neste sentido, Ribeiro, aponta-nos a língua nheengatu, que surge no 
século XVI, como a língua geral e, sua substituição, pela língua portuguesa, como língua 
materna dos brasileiros, no século XVIII (2013, p. 122-123). 
 O contato, a assimilação, a inculturação e a dominação cultural e religiosa foram 
decisivos no processo de formação desse novo povo: o brasileiro, assim como os seus 
diversos biotipos. Ribeiro já havia mencionado o nascimento desse novo habitante: o 
brasileiro, o filho da índia com o português. Esclarece que o sistema conhecido por 
cunhadismo contribuiu para o surgimento e multiplicação deste filho da terra. Foi somente a 
partir deste sistema que o Brasil começou a ser povoado. Em sua prática, o índio oferecia ao 
estranho uma moça índia como esposa, então, a partir desses laços de parentesco, os índios 
estariam a seu serviço. Essa prática fez emergir, a partir dessa massa de mestiços, à qual 
Ribeiro se refere como mameluco ou brasilíndio, grandes núcleos de povoação e, não 
atendendo à demanda, essa mão-de-obra mestiça deu lugar à captura de escravos (RIBEIRO, 
2013, p. 81- 83). Esse mameluco, rejeitado pelo pai português, que o via impuro, e pela mãe 
índia, já que na visão indígena, o filho é do pai e não da mãe (p. 108); esse primeiro fruto da 
terra, ao não se identificar com seus ancestrais, se constrói nesta terra que não é sua e com 
este povo que não é o seu. 
 Este novo gênero, o mameluco, que é a mão de obra mestiça, não atendia às 
necessidades dos interesses do português que, a partir do reconhecimento do potencial 
econômico desta terra Brasil, desenvolveu novas formas e produtos de comercialização e, viu-
se com uma nova carência de mão de obra. Neste sentido, iniciou-se o processo de 
escravização africana com a função de suprir essa demanda na lavoura açucareira no 
Nordeste. Assim como os indígenas, os africanos viviam em sistema tribal e em diversos 
grupos étnicos, apresentando, inclusive, certo conflito entre alguns (RIBEIRO, 2013, p. 96-
98). 
 Desenraizados, desqualificados, arrancados de sua terra, os africanos chegam aos 
canaviais nordestinos, e, posteriormente às minas, se adaptando, para a própria sobrevivência, 
a um sistema econômico, a uma língua, alimentação, cosmovisão, enfim, a um mundo novo. 
 19 
 
 
 Os africanos chegam de múltiplas tribos, línguas e costumes, e, esta diversidade, será 
um elemento essencial para a não união dos mesmos na composição de um corpo contestador 
eficiente para ameaçar os senhores de engenho. Assim, este africano vai se adaptando 
ecológica e culturalmente à nova terra. Ribeiro apresenta os processos de deculturação e 
aculturação exemplificando o que aconteceu com o africano e com o indígena, no Brasil. 
Desta forma, afirma que 
a deculturação tem como elementos básicos, seu caráter compulsório, expresso no 
esforço por inviabilizar sua transmissão; e a sua natureza de procedimento 
deliberado de incorporação de pessoas já integradas numa tradição em um novo 
corpo de compreensões comuns, tendente a cristalizar-se como uma nova cultura 
(RIBEIRO, 1972, p. 101). 
 
 Neste processo, o africano perdeu sua condição humana ao ser tratado como coisa, 
posteriormente, foi “reumanizado”, a partir do aprendizado da língua, da apropriação das 
técnicas de trabalho e integração à nova cultura (RIBEIRO, 1972, p. 102). Assim, o negro foi 
compelido a se desmemoriar do seu universo simbólico e a interiorizar um novo. 
 Essa nova matriz, o negro, foi se multiplicando com os mestiços e com os portugueses 
e, somando à diversidade das atividades de rentabilidade e de subsistência, formaram núcleos 
de base econômica, mas que, se tornariam, também, núcleos culturais. Ribeiro destaca a área 
cultural crioula: 
[...] à configuração histórico-cultural resultante da implantação da economia 
açucareira e de seus complementos e anexos na faixa litorânea do Nordeste 
brasileiro, que vai do Rio Grande do Norte à Bahia. [...] A polaridade social básica 
da economia açucareira- o senhor de engenho e o escravo – uma vez plasmada como 
uma forma viável de coexistências, constituiria uma matriz estrutural que, adaptada 
a diferentes setores produtivos, possibilitaria a edificação da sociedade brasileira 
tradicional (RIBEIRO, 2013, p. 277). 
 
 Neste sentido, tanto o senhor de engenho, quanto o escravo, interiorizadosem 
estrutura hierarquizante, compartilham a mesma língua, se abrasileirando, se enraizando nas 
relações de codependência. Para além da visão de desenraizamento que se reconhece no 
escravo, e que, aqui, se traduz na figura deste africano, Ortiz, assim como Ribeiro, aponta 
para a situação de submissão racial que o levará a não se reconhecer como humano, se vendo, 
assim, por meio do olhar do colonizador (ORTIZ, 2003, p. 57). 
 Ocupar esta vastidão territorial, demarcando não somente seu chão, mas, 
principalmente, tomando posse de tudo o que nela vivia, foi um empreendimento que levou 
séculos para se concretizar. Cada passo desses desbravadores mercantilistas foi marcado pela 
multiplicidade climática, geográfica, étnica e da biodiversidade. Diante desta longa 
 20 
 
 
caminhada que buscou a ocupação e a dominação desta terra, destacamos alguns desses 
passos. 
 Ao que se refere ao que hoje conhecemos por região amazônica, tem-se o que Ribeiro 
chama de Brasil Caboclo. A ocupação portuguesa deste território se iniciou com o objetivo de 
expulsar holandeses, franceses e ingleses; ocupação esta que desencadeou inúmeras batalhas 
para quais se chantageou e escravizou os nativos, compondo, assim, o corpo bélico necessário 
para a derradeira vitória (2013, p. 311). A partir deste contato entre os índios da região 
amazônica e o português, alinhado à prática do cunhadismo, forma-se um povo mestiço, um 
“tipo racial” mais indígena, o caboclo da Amazônia. Inserido em uma nova forma de 
sociedade, este caboclo, que não possui uma identidade indígena e nem europeia, torna-se 
mão de obra para o extrativismo português e, também, caçador de índio (RIBEIRO, 2013, p. 
316-320). 
 Para além da Amazônia e das terras férteis e frescas, adentrando na terra Brasil, 
encontra-se um território agreste, terras semiáridas, encontra-se a caatinga e o cerrado. Não 
havendo especiarias e drogas da floresta amazônica para extrair e as lavouras açucareiras com 
seus tipos societários específicos, desenvolveu-se, no sertão, uma economia pastoril que foi 
introduzida objetivando o fornecimento de carne, couros e bois de serviço à produção 
açucareira. Esse novo povo, o sertanejo, não era escravo, seu pagamento consistia em 
fornecimento de gêneros de manutenção, como sal e crias de rebanho (RIBEIRO, 2013, p. 
342). Assim, essa subcultura sertaneja, caracterizava-se pela formação de núcleos, chamados 
currais, que se organizavam em torno do proprietário, que era autoridade indiscutida, assim 
como, por uma vestimenta específica e uma vida pobre, dispersa nos núcleos pelo sertão. 
Estampado em sua face, a face da vaqueirada e do povo nordestino, em geral, originários 
deste sertanejo, está o fenótipo típico dos povos indígenas originais deste território, que 
encontrava momentos de convívios entre famílias nos cultos aos santos padroeiros e nas 
festividades do calendário regido pela religião católica (RIBEIRO, 2013, p. 340-344). 
 Desta forma, vivendo esta vida minguada e árida, quase estéril, este povo encontrou 
formas de luta contra esta penúria e miséria através do cangaço e da vivência de uma 
religiosidade messiânica. Exemplos dessas expressões vivenciadas são Lampião e o seu 
banditismo sertanejo e Antônio Conselheiro e Padre Cícero (RIBEIRO, 2013, p. 356). 
 A respeito da vida religiosa, DaMatta aponta os ritos da religião, assim como os ritos 
cívicos ou do Estado e os orgiásticos ou carnavalescos, como um dos três modos de 
ritualização vigentes na sociedade brasileira. O autor destaca a reza como um modo 
 21 
 
 
privilegiado de comunicação, que impulsiona homens e deuses, que aproxima o sagrado e o 
profano (DAMATTA, 1994, p. 75). Neste sentido, essas atividades religiosas, 
predominantemente católicas, proporcionavam, não somente um elo, mesmo que temporário, 
social, mas, também, uma conexão desses homens de vida escassa aos santos e a Deus. 
 O sertão foi sendo cortado e ocupado por este povo, que introduziu, além da criação de 
bode, atividades extrativistas, e, em terras mais prósperas, uma lavoura comercial. A natureza 
dura e seca conduzia a vida parca e miserável deste sertanejo e o moldou como uma mão de 
obra barata e adaptativa, que contribuiu para diversas atividades econômicas, tais como a 
mineração e o extrativismo nos seringais da região amazônica (RIBEIRO, 2013, p. 340-344). 
Assim, vivendo em constante trânsito, vivendo em terras que não são suas, se agregando e, 
contraditoriamente, se desgarrando, em busca de uma vida menos miserável, o sertanejo se 
mescla e se mistura Brasil adentro. 
 Já na região sudeste, os paulistas, considerados os deserdados do Brasil, pois, com a 
economia voltada para a lavoura açucareira e os currais de gado, a eles coube se 
especializarem como homens de guerra, caçadores para a escravização e saqueadores. Esses 
bandeirantes cortavam sertões em busca de índios, mas, também, formavam núcleos 
familiares, mesclando-se, originando, também, os mamelucos. Esse povo novo, fruto de gente 
desgarrada das tribos, tinha, como grande esperança, encontrar minas de ouro, prata ou pedras 
preciosas (RIBEIRO, 2013, p. 368-372). 
 A partir da descoberta do ouro em Minas Gerais, Mato Grosso e, posteriormente, em 
Goiás, o fluxo migratório se intensificou, desencadeando inúmeros conflitos entre seus 
descobridores e baianos, pernambucanos e demais brasileiros e a gente vinda da corte, 
seduzida pelas minas (RIBEIRO, 2013, p. 374). A mineração desencadeou um processo de 
intensa urbanização nas regiões e estimulou a expansão do pastoreio nordestino pelos campos 
são-franciscanos e Centro-Oeste; possibilitou a ocupação da região sulina, além, é claro, de 
contar com uma massa de escravos africanos e indígenas e novos contingentes de brasileiros 
de outras regiões e europeus. Assim, esta atividade de maior lucro para a colônia, possibilitou, 
a esta sociedade colonial, uma integração dessa gente semeada na imensidão desta terra 
(RIBEIRO, 2013, p. 376-377). Referindo-se a este deslocamento para a região do centro do 
Brasil, Bastide apontará, que, de certo modo, deu, a este Brasil colonial, seu centro de 
gravidade, para onde se convergiram os interesses e atividades econômicas, políticas, sociais e 
artísticas (1978, p. 29). Esta nova sociedade apresentava uma estratificação social 
diferenciada das anteriores, pois contava com uma ampla camada intermediária, assim como, 
 22 
 
 
com uma diversidade nas atividades econômicas e sociais, sendo, estas últimas, também 
regidas pelas atividades religiosas (RIBEIRO, 2013, p. 378). 
 Esta vida barroca à brasileira, de luxo e ostentação, entrou em decadência e a vida 
pobre e rústica retorna a esta terra; as cidades se esvaziam, antigos mineradores e negociantes 
se transformam em fazendeiros; a busca, agora, é por terras para a subsistência, sendo para 
lavoura e/ou a criação. A esta área cultural rusticamente cristalizada, Ribeiro chama de 
caipira. Esta, antes rica em ouro, transforma-se em uma área ocupada por uma população 
extremamente dispersa e desarticulada (RIBEIRO, 2013, p. 383). Porém, esta mesma gente 
caipira foi se estruturando em unidades solidárias, apresentando participação em formas 
coletivas de trabalho e de lazer, assim, a ideia da primazia do núcleo familiar permanece, 
agora, associada às formas de auxílio e convívio mútuos, que se estenderá, em algumas 
ocasiões, às atividades religiosas, como os cultos aos santos e missas. Aos rituais religiosos, 
DaMatta esclarece um importante ponto: a ordenação do mundo de acordo com os valores da 
Igreja Católica e estes espaços religiosos demarcaram uma área onde a possibilidade de 
convivência entre os diferentes extratos sociais fazia-se presente (DAMATTA, 1986, p. 83). 
 Constatando, neste sentido, que, este era um espaço onde se mantinha uma identidade 
religiosa e uma identificação com o santo padroeiro, em suma, mantinha-se uma relação de 
proteçãoe pessoalidade com o mesmo. Assim, este posseiro caipira que, após a decadência da 
atividade mineradora, se reorganizou e desenvolveu novas formas de subsistência e estrutura 
social, passa, agora, a ser mais um desenraizado, por promoção do Estado oligárquico, que 
remonopolizou a terra e o surgimento de novos cultivos comerciais como o algodão, o tabaco 
e, posteriormente, o café. Este último, de grande importância para a economia brasileira, 
possibilitou uma reordenação social e uma nova configuração econômica, social, cultural e 
biológica (RIBEIRO, 2013, p. 394-396). 
 Esse novo produto exportador, recrutou a mão de obra escrava até a proibição do 
tráfico de escravos e a abolição; posteriormente, o caipira conseguiu se inserir como força de 
trabalho na lavoura cafeeira, assim como, imigrantes europeus, porém, em regime de trabalho 
de colonato. Este europeu que aqui se estabeleceu, veio de um processo de desenraizamento 
dos campos para as cidades, proporcionado pelo capitalismo industrial (RIBEIRO, 2013, p. 
399). Essa multidão de alemães, espanhóis, italianos e poloneses, enquanto mão de obra mais 
especializada e enquanto um povo cuja mentalidade foi moldada a partir do advento das 
Revoluções Francesa e Industriais, familiares ao trabalho assalariado, aos direitos às 
liberdades religiosa e política, assim como, experiências com os ideais comunistas e 
 23 
 
 
anarquistas e com o sindicalismo foi, progressivamente, se inserido na nova terra, num 
processo em que o ex escravo e o caipira foram sendo, cada vez mais, impelidos à 
marginalidade social pela oligarquia cafeeira (RIBEIRO, 2013, p. 400). 
 Os bandeirantes paulistas também chegaram à região sulina. Esta, que carrega em sua 
história uma prévia dominação espanhola, a partir da catequização e estruturação social 
jesuíta, que destribalizou e uniformizou culturalmente o índio, teve os núcleos das missões 
devastados pelos paulistas, que escravizaram os nativos e se apropriaram das terras 
(RIBEIRO, 2013, p. 410). Este povo gaúcho também apresenta o início da sua configuração 
étnica a partir da mestiçagem da índia com o português, porém, com um diferencial: o 
espanhol, cuja presença e tentativa de permanência desencadearam conflitos por séculos 
(RIBEIRO, 2013, p. 414). Este gaúcho, assim como os demais povos brasileiros acima 
citados, é desenraizado, não é índio, cuja matriz é guarani, nem espanhol, nem português; este 
gaúcho desenvolve atividades pastoris e possui sua vestimenta peculiar. Assim como nas 
demais regiões do Brasil, também no Sul, foi-se utilizada, primeiro, a mão de obra escrava 
indígena e, posteriormente, a africana. 
 Ao se analisar a concepção que Ribeiro desfia acerca do caipira, vê-se, no gaúcho-a-
pé, este mesmo trabalhador de terras e criação alheias; desgarrado, finca suas hastes em terras 
de ninguém, quando encontra, visando sua subsistência, até que um agente do poder estatal 
rompa com sua miserabilidade, condicionando-o a mais um desenraizamento (RIBEIRO, 
2013, p. 424). Tal qual se deu no Nordeste, também no Sul, houve um movimento 
messiânico; assim, também no Sul, uma massa de gente pobre, miserável, degredada, sem 
lugar, buscou expressar sua miserabilidade e sua contestação da marginalidade na qual 
viviam. Em comunhão, esses marginalizados passaram a enfrentar a ordem social que os 
conduzia à mazela. Desamparados socialmente, se agarraram à visão de um novo mundo, 
ocupavam terras do governo, fincando seus ideais de uma vida comunitária, próspera e justa. 
Em movimentos messiânicos, fortaleciam as lideranças dos “monges” caminheiros, tidos 
como curandeiros, milagreiros e conselheiros (RIBEIRO, 2013, p. 431-433). Desta forma, não 
mais como colônia ou império, mas, enquanto república, entre os anos de 1910 e 1916, 
principalmente, na Guerra do Contestado, esses movimentos, a partir da busca por justiça 
social e de uma vida digna, eclodiram, tornando-se preocupantes para o governo, assim como 
ocorreu em Canudos. Tal como em Canudos, a força bélica estatal silenciou milhares de vozes 
brasileiras que gritavam por justiça, que bravejavam por dignidade, enfim, que clamavam pela 
vida (RIBEIRO, 2013, p. 433-434). 
 24 
 
 
 A composição do povo gaúcho vai se diferenciar das demais regiões do Brasil devido 
a uma maior imigração de europeus, da imigração de japoneses e açorianos. 
Assim Darcy Ribeiro arremata este longo processo: 
Efetivamente, o Brasil não nasceu como etnia e se estruturou como nação em 
consequência de um desígnio de seus criadores. Surgiu, ao contrário, como uma 
espécie de subproduto indesejado de um empreendimento colonial, resultante da 
Revolução Mercantil, cujo propósito era produzir açúcar, ouro ou café e, sobretudo, 
gerar lucros exportáveis. Desse empreendimento resultou ocasionalmente um povo 
e, mais tarde, uma nação. Esta emergiu da condição de feitoria colonial à de nação 
aspirante ao comando de seu destino, por força de um outro processo civilizatório de 
âmbito mundial – a Revolução Industrial – que a afetou reflexamente (RIBEIRO, 
1972, p. 3-4). 
 
 Esta lógica portuguesa de exploração da natureza farta, pronta a ser domesticada, 
permeou e se consolidou nas relações entre os povos, aonde o escravo se torna a figura mais 
emblemática, pronto também a ser explorado. O povoamento, a ocupação e o 
desenvolvimento dessa nova gente se estruturam em uma hierarquia em que, assim como a 
natureza, o escravo foi visto com igual domabilidade. Esta relação hierárquica é facilmente 
reconhecida nas relações acima citadas e entre os tipos sociais que são, caracteristicamente, a 
prole dessa configuração brasileira, sendo eles: os senhores de engenho, os bandeirantes 
paulistas, os senhores das minas e os senhores dos gados e dos currais, como aponta DaMatta 
(1994, p. 113). 
 Esta história, que se iniciou além-mar, se caracteriza por trânsitos, desenraizamentos, 
destribalizações, desagregações, configurações e transfigurações. Na terra, povos nativos e 
múltiplos; vindos do mar, o português, também mestiço, que trouxe os africanos, também em 
sua pluralidade cultural. Esses povos vêm se formando, gerando, assim, o que Ribeiro chama 
de Povos-Novos, pois “originaram-se da conjunção de matrizes étnicas mais diferenciadas, 
impostas por empreendimentos coloniais-escravistas, seguida da deculturação destas matrizes, 
do caldeamento racial de seus contingentes e de sua aculturação no corpo de novas etnias” 
(RIBEIRO, 1972, p. 31). Assim, cada uma dessas matrizes étnicas deste “novo povo”, 
contribuiu para a formação deste novo ser: o brasileiro. Desta forma, o indígena contribuiu 
como matriz genética e agente cultural, através da experiência para a adaptação ecológica; o 
negro, na qualidade de força de trabalho e, o branco, como promotor desta miscigenação 
forçadamente instituída (RIBEIRO, 1972, p. 35-36). 
 O mameluco, o caboclo, o sertanejo, o caipira, o crioulo, o paulista e o gaúcho, filhos 
desta terra, sem identidade, vivendo, como diria Ribeiro, sua ninguentude, foram 
sobrevivendo selva e sertão adentro; desgarrados, se mesclaram à natureza, se configurando e 
se moldando frente às diversidades encontradas neste ambiente por vezes hostil e nas relações 
 25 
 
 
de poderio. Ora perdendo alguns elementos culturais de uma de suas matrizes, ora se 
agarrando aos seus saberes, esses filhos da terra, vivendo em trânsito, em busca de um lugar 
em que pudessem fincar suas raízes, fundiram-se entre religiosidades, técnicas, línguas, 
biotipos múltiplos, fundiram-se entre cores, formando, assim, o Brasil mestiço. 
 Este espaço de miscigenação destacado por Ortiz (2003, p. 19), que experimentou 
conflitos contra franceses, holandeses, ingleses e espanhóis, para a defesa de uma terra ainda 
em formação, vem agregando, ao longo da sua colonização e posterior constituição 
republicana, novos povos. Igualmente desenraizados, alemães, italianos, espanhóis,poloneses, 
japoneses e árabes vem compondo esta trama brasileira. Vem se abrasileirando, misturando-se 
a um povo já mestiço, plural, múltiplo, universal e único. 
 A respeito desses outros povos igualmente desenraizados que aqui chegaram, Bastide 
apresenta algumas das condições que os impeliram à nova vida em terra além-mar, dentre 
elas: a fuga da miséria e das perseguições políticas e a busca pela sobrevivência e a segurança 
de um futuro (1978, p. 184). Assim, italianos, espanhóis, japoneses, alemães, poloneses, 
portugueses, romenos, russos e sírio-libaneses, iniciam sua chegada a partir da segunda 
metade do século XIX, se fixando, principalmente, nas regiões Sul e Sudeste. 
 Em busca de refazer suas vidas, estes novos habitantes, mantiveram este ideal, seja na 
lavoura cafeeira, seja na formação de pequenas colônias em regiões pouco povoadas. Assim, 
italianos, os mais numerosos, juntamente com os portugueses, apresentaram uma ligação 
maior à terra, trouxeram suas danças, músicas, seu modo festivo e o cultivo da uva, embora 
tivessem vindo para substituir a mão de obra escrava nas fazendas (BASTIDE, 1978, p. 202). 
Já os alemães, muito diversos em seus dialetos, regionalismos, em suas atividades laborais e 
religiões, vieram tanto católicos, quanto protestantes; primeiro, processaram o sincretismo 
inter-regional, na formação de uma comunidade teuto-brasileira, para, posteriormente, 
passarem ao sincretismo com a civilização brasileira. Mesmo com esta heterogeneidade, 
alguns traços culturais mais gerais podem ser destacados, tais como: a criação de porcos, o 
gosto pela cerveja e as festas de natal (BASTIDE, 1978, p. 203). 
 Aos poloneses, Bastide atribui as características de conservação da vida rural, o 
catolicismo, o cultivo do trigo, centeio, cevada e linho e a manutenção da língua natal (1978, 
p. 204). Os russos, também rurais e conservadores, assim como os poloneses, buscavam a 
vida na aldeia (p. 205). Continuando a análise que Bastide apresenta desses novos moradores, 
os japoneses foram os que mais se destoaram. Assim, a sociedade japonesa, na visão de 
Bastide, foi reconhecida como um verdadeiro quisto, o que, o mesmo explica como: “um 
 26 
 
 
núcleo de população que permanece não assimilado e que não se mistura com a população 
nacional” (p. 191). Desembarcando em 1908, os primeiros japoneses não se dispersaram na 
população, mantiveram o bilinguismo, a religião, em destaque o xintoísmo e o budismo, e, os 
que apresentaram melhores condições financeiras, o estilo arquitetônico de suas casas 
(BASTIDE, 1978, p. 192-193). 
 Os sírio-libaneses, embora apresentassem uma semelhança com a estrutura familiar 
brasileira, que era a patriarcal, apresentavam, também, como característica desta estrutura, a 
vida secreta e submissão da mulher, uma disposição para o casamento endógeno e a religião, 
que Bastide também considerava um obstáculo, a maometana ou maronita (BASTIDE, 1978, 
p. 197). Por fim, Bastide chamará atenção para as influências dos ingleses, principalmente, 
com a introdução do maquinário nas fábricas, indústrias e ferrovias e dos missionários 
estadunidenses, principalmente com a abertura de escolas. A internalização e difusão da 
influência francesa partiu dos próprios brasileiros, compondo, inclusive, elementos culturais 
da elite, destacando-se no vestuário, na chapelaria, perfumes, nos salões, tornando-se a 
segunda língua desta elite (1978, p. 207- 208). 
 Desta forma, estes povos foram se fixando, arando a terra, plantando, produzindo 
artesanatos, se adaptando à língua, ao clima, a um novo modo de vida, a um novo povo, povo 
este, que já encontrava formado, após séculos de convivência forçada. Quando estes novos 
habitantes chegaram, encontraram um povo arquitetado, mas, que não estava vedado 
constitutivamente. Aliás, esta é uma característica do brasileiro, estar aberto ao outro, por isso 
ele abriu suas portas para os que aqui desejavam adentrar, para os que desejavam uma nova 
casa. 
 Este povo brasileiro não fala mais nheengatu, não vive mais sua ninguendade 
(RIBEIRO, 2013, p. 453), não é mais órfão em busca de um pai ou uma mãe, este povo 
brasileiro sabe quem é, ele traz, estampada em seu corpo, sua marca genética e, em sua 
identidade, sua memória coletiva, vinculada a esta totalidade dos seus povos formadores, que 
vem sendo vivenciadas cotidianamente por seus filhos e pelos filhos dos seus filhos. Os 
brasileiros, agora, são os agentes da sua própria história, sobreviventes das brutalidades 
seculares, são um povo, uma pátria, guardam sua memória nacional, memória esta, produto 
desta história social, que transcende aos seus agentes (ORTIZ, 2003, p. 135). 
 Este povo tem rosto, tem história, é múltiplo, é plural, é universal, é tradicional e é 
moderno e, como diria DaMatta (1994, p. 34): “no Brasil a morte mata, mas os mortos, pela 
força dos elos que temos com todos eles, não morrem”, e não morreram, pois estão vivos em 
 27 
 
 
sua memória, estão vivos em cada batucada, em cada canto de agradecimento à chuva, em 
cada capela, vivem em cada filho desta terra Brasil. 
2.1.2 A Umbanda entre sincretismo(s) e/ou síntese2 
 
 A trajetória deste povo novo, marcada por longas caminhadas, entre encontros e 
desencontros, desencadeou um crescimento desigual. Para além das adversidades da natureza, 
este povo encontrou as adversidades estruturais. Assim, Ribeiro aponta, ao direcionar seu 
olhar sobre os aspectos culturais deste povo brasileiro, que é nas camadas subalternas e como 
cultura vulgar, recheada de elementos indígenas e africanos, que se exerce a criatividade que 
viria a atender aos requisitos necessários à sobrevivência material; à convivência humana e ao 
atendimento de necessidades espirituais, para esta última, correspondente à criação de cultos 
sincréticos e explicações míticas e lendárias sobre a natureza e a sociedade (RIBEIRO, 1972, 
p. 107-108). 
 Ao analisar este sincretismo brasileiro, Sanchis destaca vários pontos. Sua análise se 
inicia a partir do destaque em relação à porosidade do catolicismo: 
se constitui em um sincretismo entre duas dimensões, com uma consequência 
concreta muito imediata: se é uma religião, no momento em que vai se implantar em 
um campo social já ocupado por outras religiões, entra em jogo esse processo 
estrutural do sincretismo: essa aproximação e essa transformação de si em função da 
detecção (ou da criação) de homologias com o outro (2012, p. 31). 
 
 Assim, esse catolicismo, ao acessar outras religiosidades, não se mistura, mas, entra 
em processo de simbiose e empréstimos, possibilitando sua transformação e, mesmo, 
dominação sincronicamente. Ao considerar este catolicismo do povo português, este povo de 
além-mar, que chega à terra Brasil e inicia o processo de formação de um novo povo, este 
apontará um sincretismo diacrônico e uma identidade recapitulativa deste (SANCHIS, 2012, 
p. 31). 
 Sanchis explica que esta identidade católica, específica deste povo, abriga elementos 
culturais e religiosos diversos. Ou seja, esse catolicismo que aqui adentra mata e selva pelo 
português, já é constitutivamente sincrético. No que, posteriormente, se chamará Brasil, este 
português católico aqui, desenraizado, entrará em contato com os outros dois povos, o 
 
2 Este tópico contém título similar e excertos da comunicação apresentada no VI Congresso da Associação 
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Teologia e Ciências da Religião: Religião, migração e mobilidade da 
religião- Set. 2018. Ver mais em: https://drive.google.com/file/d/1vggr8lpcngthwmbxgsbekqex0niatoge/view 
(página 79). 
 
https://drive.google.com/file/d/1VggR8LpCNGTHWMbXGsbEKQEx0NiatogE/view
 28 
 
 
indígena e o negro, destribalizados, com os seus respectivos universos simbólicos. Esta 
pluralidade de universos simbólicos manifesta-se por porosidades e contaminaçõesmútuas 
(SANCHIS, 2001, p. 24-25). No curso de sua análise, Sanchis aponta que a articulação entre 
a porosidade das identidades e a permanência de uma multiplicidade de processos de 
construção de um sujeito plural, para além do campo individual, e, ao perpassar para o campo 
institucional, mesmo com suas diferenças e oposições simbólicas, inicia, em torno das 
componentes “sincréticas”, uma verdadeira dialética (2001, p. 27). 
Acerca do catolicismo que aqui chega pelos portugueses, Sanchis destaca sua estrutura 
virtualmente sincrética. Desta forma, esta predisposição estrutural para os cruzamentos e as 
porosidades das experiências religiosas de seus fieis, poderá ser inscrita, de diferentes 
maneiras na história (SANCHIS, 2001, p. 23-24). Ao esmiuçar o que se entende por 
sincretismo, o autor indica a existência de uma variedade, e, sendo um processo, este 
sincretismo, nem sempre está relacionado a uma estratégia política. Mesmo tendo o português 
católico como principal matriz política, econômica, social e cultural, este Brasil plural e 
múltiplo, é sincrético, poroso e fluido, não é uma simples fusão e mistura. Este sincretismo 
brasileiro, diferente do português, envolve diferentes formas e transformações sem buscar 
uma unidade sistemática. Neste sentido, o autor aponta a Umbanda, a religião brasileira, como 
uma construção “sincrética” até mesmo na forma lógica de sua montagem institucional 
(SANCHIS, 2012, p. 40). 
 Já Ortiz (1980), ao se referir ao sincretismo, iniciará sua trajetória de construção desta 
concepção, a partir das análises de Roger Bastide, fundamentadas na memória coletiva do 
negro em solo brasileiro. Assim, essa memória coletiva africana, encarnada neste solo, vem, 
desde a escravidão, a abolição da escravatura, a urbanização e demais transformações 
socioeconômicas, se transfigurando, produzindo, assim, a desagregação da mesma (1980, p. 
93). Para o autor, o que define o sincretismo não é uma mistura incoerente de elementos 
culturais, pois, há o fator similitude que regulamentará a disposição das significações destes 
elementos (p. 97). Assim, este sincretismo despontará a partir do contato de duas tradições, no 
qual a tradição dominante fornece o sistema de significação, escolhe e ordena os elementos da 
tradição subdominante. Contando, este novo esquema sincrético poderá sofrer modificações, 
desencadeando o que o referido autor chamará de ““corte epistemológico” que separa o novo 
sistema da antiga tradição dominante” (ORTIZ, 1980, p. 105-106). 
Para exemplificar o que nos diz Ortiz, tomemos a análise realizada por Guerra (2010) 
sobre a memória e a identidade cultural da cidade de Itabira, Minas Gerais. Guerra, ao 
 29 
 
 
dissertar sobre a diversidade das expressões culturais e folclóricas dessa cidade, destaca, 
dentre os múltiplos elementos materiais e imateriais da cultura Itabira, substâncias culturais 
como Marujadas, Congados e Guardas. Definindo os Congados como “autos populares 
brasileiros de motivação africana”, o autor, nos explica que é uma forma de culto aos 
ancestrais de hierarquia superior realizado por nações diversas de escravos africanos. 
Somados aos cultos, há percussões africanizadas de cantoria, que eram venerativas somente 
ao Rei do Congo. Porém, essa manifestação foi, posteriormente, cristianizada por influência 
jesuíta (GUERRA, 2010, p. 69). 
Guerra indica a existência, na cidade de Itabira, de mais de dez Guardas filiadas e um 
grupo de Folia de Reis. Destaca a antiguidade da Guarda de Marujos de Nossa Senhora do 
Rosário, do Distrito de Senhora do Carmo, tendo mais de cem anos (2010, p. 60). 
 Assim como Sanchis, Ortiz, ao analisar a Umbanda e os elementos e significações de 
diversas religiosidades como a africana, a católica, espírita e oriental, que a estruturam, aponta 
o sincretismo desta, não como espontâneo, mas, refletido. Deste modo, nesta tentativa de uma 
síntese coerente dessas diversas religiões, reconhece, assim, o caráter de síntese e de 
brasilidade na mesma. 
 Bastide, ao analisar os processos de assimilação, sincretismo e simbiose na terra Brasil 
ressalta que 
a religião é sempre o centro de resistência mais importante nas mudanças culturais. 
Muda-se mais facilmente de língua, de maneiras de viver, de concepções amorosas. 
A religião forma o último baluarte, e em torno dela cristalizam-se todos os valores 
que não querem morrer. O sagrado constitui, nas batalhas das civilizações, a última 
trincheira que recusa entregar-se (1978, p. 193). 
 
 Ao analisar a trajetória dos povos matrizes e destes novos povos que compõem o povo 
brasileiro, esta afirmação de Bastide, nos impele a pensar nas permanências de algumas 
religiosidades, em processo adaptativo e sincrético. Este processo de sincretismo, decorrente 
dos históricos e constantes contatos entre os diferentes povos que, agregados aos povos 
matrizes da terra Brasil, vem formando, configurando e sintetizando um novo povo: o 
brasileiro. 
 Para além das elucidações acima acerca do sincretismo, ainda temos, em Sérgio 
Ferretti (2013), um estudo mais recente sobre este prisma. Ferretti, em Repensando o 
Sincretismo, apresenta uma revisão e discussão da literatura sobre o sincretismo afro-
brasileiro, sintetizando e identificando as principais tendências e usos deste termo, ainda tão 
debatido, apresentando-se ambíguo e contraditório (2013, p. 19, 25-26). Assim, ao examinar 
estas tendências ou fases do referido debate, destaca: 1- a primeira, a teoria evolucionista com 
 30 
 
 
Nina Rodrigues; 2- a segunda, a teoria culturalista, com Arthur Ramos e seguidores; 3- a 
terceira, a de Roger Bastide e seguidores, a partir de explicações mais sociológicas; 4- a 
quarta fase, que se desenvolveu nas décadas de 1970 e 1980 e que continua até hoje, 
analisando o mito da pureza africana e, 5- a quinta fase ou tendência, inclui os pesquisadores 
atuais e se iniciou na década de 1980, criticam a ideia de sincretismo como estratégia de 
resistência e justaposição (FERRETTI, 2013, p. 96- 97). 
 Em síntese da sua análise, Ferretti irá agrupar os principais significados relacionados 
ao sincretismo: i- mistura, junção ou fusão; ii- paralelismo ou justaposição e, iii- convergência 
ou adaptação. O autor afirma que o sincretismo existe em todas as religiões, que está presente 
na sociedade brasileira e chama a atenção para a explicação do sentido a ser utilizado, 
evitando, assim, mal entendidos e confusões (FERRETTI, 2013, p. 99-100). 
 Deste modo, seguindo as orientações de Ferretti, se segue o entendimento de 
sincretismo não como uma justaposição ou mistura, mas como reformulação e redefinição 
identitária, a partir do contato com o outro, a partir do confronto com outros sistemas 
simbólicos, num processo contínuo e fluídico (SANCHIS, 2012, p. 17). 
 
2.1.3 A “casa” Brasil 
 
 Ainda sobre este novo povo, o brasileiro, em sua trajetória, enquanto agente histórico, 
vem se definindo, construindo, se formando e transformando, se relacionando com 
representações, estruturas e simbologias diversas. Sua face, estampada no espelho, ora turva, 
ora translúcida; ora contornada, ora disforme. Neste processo sociocultural e religioso, este 
povo brasileiro vai se conhecendo, reconhecendo e se firmando. Estes povos geradores deste 
novo povo, abarcados nas antigas selvas, matas e sertões, agora, encontram-se na casa Brasil. 
 Essa casa, antes de se tornar a casa Brasil, era um grande ponto de terra emerso em 
águas longínquas da Península Ibérica. Essa terra foi, por séculos, morada de inúmeros grupos 
étnicos indígenas. Esses nativos, com a chegada dos portugueses, perderam sua condição de 
anfitriões, para se tornarem personas úteis para a sobrevivência e exploração desta terra. 
Somados a estes, chegaram os desterrados africanos, desgarrados forçadamente do seu chão e 
da sua identidade, pelo “patriarca” português, formando assim, inicialmente, um barracãosustentado por uma armação comercial. A partir dos contatos, esses povos começaram a se 
estruturar, a se fincarem em solo e em construção identitária. Foram recebendo visitas, 
 31 
 
 
convidados, mais desterrados, agregados que também habitariam esta casa. Assim, este 
celeiro se estruturou, fez-se barracão e, hoje, é uma casa, a casa Brasil. 
 Nesta lógica da “casa”, DaMatta apresenta, assim, a “casa” e a “rua” como categorias 
sociológicas para os brasileiros, por isso, são consideradas “entidades morais, esferas de ação 
social, províncias éticas dotadas de positividade, domínios culturais institucionalizados, e, por 
causa disso, capazes de despertar emoções, reações, leis, orações, músicas e imagens” (1997, 
p. 14). Desta maneira, para o autor, esta entidade moral, a casa, é o espaço íntimo e privativo 
da pessoa, com seus códigos, fundada na família, por laços afetivos e “de sangue”, na amizade 
e lealdade. Este espaço, de intensa pessoalidade, possui uma ordem, cômodos 
estrategicamente dispostos, espaços funcionais e papeis e funções a serem exercidos por seus 
moradores. É um espaço marcado pela familiaridade e hospitalidade perpétuas, espaço para 
expressão de sentimentos e afetividades e, principalmente, pelo sentimento de pertença. E, 
esta lógica da casa, ao se transpor para a sociedade brasileira, DaMatta utiliza o conceito de 
“englobamento”, de Louis Dumont. Definido como “uma operação lógica em que um 
elemento é capaz de totalizar o outro em certas situações específicas”, este “englobamento”, 
no caso brasileiro, apresenta a dinâmica familiar. Assim, nas relações e problemas brasileiros, 
há a preferência por englobar a rua, este espaço externo, impessoal, na casa. Desta maneira, a 
sociedade brasileira é tratada como uma “grande família” (DAMATTA, 1997, p. 16). 
 Desta forma, o que nos direciona para o espaço destinado à rua, neste contexto de 
formação desta casa Brasil, são as leituras pelo ângulo da rua, que, segundo DaMatta, “são 
discursos muito mais rígidos e instauradores de novos processos sociais. É o idioma do 
decreto, da letra dura da lei [...] permite a exclusão, a cassação, o banimento, a condenação 
(1997, p. 18). Assim, o Estado português, detentor da tutela desta terra, era a lei que 
emoldurava as fundações desta casa, é o espaço de fora, é a rua que enformava esta casa. 
 Ao se definir esta “casa”, pelo prisma damattiano, somada à visão de Ortiz de que a 
Umbanda apresenta um caráter sintético e de brasilidade e à visão de Sanchis de que essa é 
uma construção sincrética, A casa de todos os santos, o título deste trabalho, reflete a essência 
desta religião, que, assim como a terra Brasil, é um espaço aberto, sem muros, que agrega, 
acomoda, partilha, acolhe, abriga e ampara. Esta casa Umbanda é a morada e residência de 
todos aqueles que a ela adentram e desejam permanecer, pessoas e entidades de todos os 
povos e lugares, tempos e espaços. Na Umbanda, o povo da rua e o povo do “outro mundo” 
são convidados a conhecer e a ficar, a trazer e a levar, a trabalhar e a visitar, na Umbanda, 
todos são “de casa”. 
 32 
 
 
2.2 Umbanda: a aurora de uma religião 
 
A Umbanda, religião brasileira que integra, sincrética e sinteticamente, em sua 
estrutura, elementos advindos das religiosidades destes povos constituintes do povo brasileiro, 
será tratada, neste tópico, de forma mais circunstanciada. Assim, busca-se nestas próximas 
laudas, elucidar os processos, pelos quais a Umbanda foi gerada. Busca-se a germinação desta 
unidade de formulação religiosa e cultural, enfim, a sua aurora. Neste sentido, dirigiremos 
nosso olhar para a contextualização do “surgimento” e legitimação desta religião. 
 Este “surgimento” encontra-se em destaque por indiciar uma compreensão que, apesar 
de não ser atual, apresenta algumas reflexões advindas de pesquisadores contemporâneos, 
como Rivas (2008), Jorge (2012), Carneiro (2014), Silva (2005), Giumbelli (2002), Isaia 
(1999, 2009, 2012) e Oliveira (2007, 2008, 2013) e clássicos, como Birman (1985), Brown 
(1985), Negrão (1985) e Ortiz (1978, 1980), dentre outros que serão citados. 
Assim, constata-se, inicialmente, que a fundação da Umbanda não apresenta uma 
unanimidade, não apresenta uma visão única que explique a sua origem, aliás, apresenta 
algumas controvérsias. Para tanto, Jorge e Rivas (2012, p. 122-123) apresentam três correntes 
para esta fundação: a primeira relaciona-se à incorporação do médium Zélio de Moraes, pelo 
Caboclo das Sete Encruzilhadas, no ano de 1908. A segunda está concebida na ideia que a 
Umbanda foi manifestada em diversos lugares do Brasil, em especial na região sudeste, 
através das práticas religiosas conhecidas por macumba. Já a terceira, compreende que a 
Umbanda surge como uma religião nova, entre as décadas de 1920 e 1930, frente aos 
processos de urbanização e industrialização brasileiros, buscando afirmar sua identidade, esta, 
mais aceita entre os acadêmicos (CARNEIRO, 2014, p. 65). 
Brown (1985, p. 10), questiona a explicação da fundação da Umbanda por parte do 
médium Zélio de Moraes, e, também, que esta tenha tido um único fundador e, Carneiro, 
considera que este mito fundante é mais conhecido nas regiões Sul e Sudeste do país (2014, p. 
66). Relacionada à segunda corrente, da Umbanda ter sido manifestada em diversos lugares 
do país, em movimentos coletivos, Rivas (2008) destaca Juca Rosa e João de Camargo como 
exemplos, já no final do século XIX e início do século XX, como propagadores das práticas, 
posteriormente conhecidas como umbandistas. Já a terceira, a da fundação da Umbanda nas 
décadas de 1920 e 1930, num contexto de transformações sociais, econômicas, políticas e 
culturais brasileiras, se apresenta como a mais trabalhada entre diversos autores, tais como 
Ortiz (1978), Silva (2005) e Brown (1985). 
 33 
 
 
2.2.1 Uma visão histórico-mítica: Zélio de Moraes: o “mito fundador” 
 
Ao nos depararmos com este cenário de possibilidades de compreensão e identificação 
sobre esta gênese umbandista, iniciaremos esta análise a partir da perspectiva do mito 
fundante ou mito fundador. Acima citados, Carneiro (2014), Rivas (2008), Oliveira (2013) e 
Birman (1985) não confirmam esta teoria em estudos acadêmicos, porém, essa ainda 
permanece produzindo sentido para membros desta comunidade de fé. Neste sentido, há que 
se citar os livros Umbanda- Religião Brasileira- guia para leigos e iniciantes (2014, p. 26-
27), de Flávia Pinto, sacerdotisa umbandista e socióloga, que reconhece a importância da 
manifestação do Caboclo das Sete Encruzilhadas para esta religião. Da mesma forma, Flávio 
de Oxóssi, médium umbandista, em seu livro Umbanda- sem medo e sem preconceito, 
identifica o nascimento da Umbanda a partir da incorporação do Caboclo das Sete 
Encruzilhadas (2014, p. 43). 
Ainda para citar referências desta comunidade de fé e a afirmação deste “mito”, em Os 
Orixás na Umbanda e no Candomblé, Trindade, Linares e Costa (2013, p. 31-41) reservam 
algumas páginas sobre o “mito fundador”, explicitando a manifestação do Caboclo das Sete 
Encruzilhadas e a importância deste fato para a anunciação da Umbanda. O sacerdote 
umbandista e cientista da religião, Alexandre Cumino, cita, em seu livro História da 
Umbanda uma religião brasileira, o período entre 1908 a 1928, como a “primeira onda”, que 
compreende o nascimento e expansão inicial, no Rio de Janeiro, da Umbanda. Embora não 
utilize o termo “mito fundador”, o autor considera o nascimento da Umbanda a partir da 
manifestação do Caboclo das Sete Encruzilhadas (2015, p. 136-137) e reconhece, também, a 
partir de Ronaldo Linares, que o conhecimento acerca da pessoa de Zélio de Moraes se deu 
tardiamente. Assim, Linares afirma que, na década de 1970, em São Paulo, ninguém conhecia 
Zélio (LINARES apud CUMINO, 2015, p. 123). 
Neste mesmo caminho, Giumbelli, após a análise de textos acadêmicos e umbandistas, 
observa, sem

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