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DIRETRIZ BRASILEIRA DE VALVOPATIAS – SBC 2011 I DIRETRIZ INTERAMERICANA DE VALVOPATIAS – SIAC 2011 Esta diretriz deverá ser citada como: Tarasoutchi F, Montera MW, Grinberg M, Barbosa MR, Piñeiro DJ, Sánchez CRM, Barbosa MM, Barbosa GV et al. Diretriz Brasileira de Valvopatias - SBC 2011 / I Diretriz Interamericana de Valvopatias - SIAC 2011. Arq Bras Cardiol 2011; 97(5 supl. 1): 1-67 Diretrizes Diretriz Brasileira de Valvopatias – SBC 2011 I Diretriz Interamericana de Valvopatias – SIAC 2011 Arq Bras Cardiol 2011; 97(5 supl.1):1-67 1. Objetivo da diretriz A América Latina forma um continente multicultural e etnicamente diversificado, com múltiplas disparidades regionais. Por exemplo, no Brasil, o país evolui com melhores índices sociais, maior urbanização e envelhecimento progressivo da população, porém apresenta Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) médio de 0,699, mortalidade infantil média de 19,3/mil nascidos vivos e expectativa de vida de 72,4 anos, o que o classifica no ranking mundial, respectivamente, na 73ª, 106ª e 92ª posições1-3.Esses dados evidenciam a pouca estrutura que o país oferece para o suporte de vida da maioria dos seus habitantes, situação também encontrada nos demais países latino-americanos. No Brasil, existem áreas com IDH de até 0,824, comparáveis a países desenvolvidos1. Essas características alteram o perfil das doenças cardiovasculares ao longo do país, com destaque para as valvopatias. Tais contrastes sociais fazem que poucos países experimentem a realidade brasileira e latino-americana: manutenção da sequela valvar reumatismal incidindo em jovens, incremento progressivo de valvopatias degenerativas nos mais idosos e falta de recursos elementares ao lado de ilhas de excelência em saúde. Apesar da melhora do poder aquisitivo, cerca de três quartos da população ainda dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS- )4, com previsão de dificuldades para suprir a demanda dos portadores de doença valvar. É imperiosa a necessidade de correto diagnóstico e acompanhamento, uso adequado de recursos e tratamento intervencionista no momento certo da história natural da valvopatia, para que se tenha uma menor morbimortalidade associada a essa doença. São poucos os trabalhos randomizados, controlados e com grande número de pacientes para guiar de forma definitiva o tratamento da doença valvar. A maioria das evidências das diretrizes internacionais é de nível C, ou seja, embasada em trabalhos de menor impacto e/ou na opinião de especialistas daqueles países. Há divergência para diagnóstico e conduta das valvopatias entre as diretrizes internacionais e há baixa aplicação de muitas dessas recomendações na prática médica diária. A experiência dos múltiplos centros brasileiros na condução de pacientes portadores de valvopatias é única no cenário mundial e são várias as publicações em revistas de bom impacto. No panorama nacional destaca-se a experiência com Febre Reumática (FR), conhecimento da história natural das valvopatias, desenvolvimento de técnicas cirúrgicas e próteses, experiência com bioprótese, manejo de anticoagulação, entre outros. Além disso, vários avanços recentes relatados em múltiplas publicações, principalmente em relação ao tratamento intervencionista por cateterismo, ainda não foram contemplados em diretrizes. Foi por essas razões que a Sociedade Brasileira de Cardiologia e a Sociedade Interamericana de Cardiologia (SIAC) empenharam-se em organizar a Diretriz Brasileira de Valvopatias - SBC 2011 / I Diretriz Interamericana de Valvopatias - SIAC 2011, com visão holística do problema e apoio de vários grupos e departamentos, contemplando as várias realidades possíveis dos países latino-americanos. Esta Diretriz é a compilação de múltiplas evidências nacionais e internacionais e opiniões de especialistas brasileiros e latino-americanos com intuito de auxiliar médicos na tomada de decisão ante um paciente portador de valvopatia. 2. Metodologia e evidências Os membros selecionados para escrever estas recomendações são médicos com reconhecida experiência na área, envolvidos no tratamento das valvopatias, atuantes em instituições reconhecidas e com grande volume de pacientes acompanhados e operados e com publicações de artigos pertinentes, em conjunto com médicos jovens que desde a graduação e a residência médica estão envolvidos com pacientes portadores de valvopatias. Foram levados em consideração os estudos relevantes publicados até 2011, obedecendo à hierarquia da pirâmide de evidências e ao enquadramento nos graus de recomendações (Classes I, IIa, IIb, III - tabela 1) e o impacto dos níveis de evidência (A,B,C). Tabela 1 – Classificação das indicações e definição das classes Classe I Consenso de que o procedimento / tratamento é útil e eficaz. Classe II Condições para as quais não há consenso acerca da utilidade e eficácia do procedimento/tratamento. Classe IIa A opinião favorece a indicação do procedimento/tratamento. Classe IIb A opinião não favorece claramente a indicação do procedimento/tratamento. Classe III Consenso de que o procedimento/tratamento não é útil e em alguns casos pode gerar risco. 2.1. Níveis de Evidência A - Dados obtidos a partir de estudos randomizados, de boa qua l idade, que seguem as or ientações do CONSORT (Consolidated Standards of Reporting Trials) ou meta-análises de grandes estudos randomizados que seguem as orientações do CONSORT; B - Dados obtidos de um único ensaio cl ínico randomizado de boa qualidade que segue a orientação do CONSORT ou vários estudos nãorandomizados; C - Dados obtidos de estudos que incluíram séries de casos e/ou dados de consenso e/ou opinião de especialistas. 3. Epidemiologia No Brasil, a doença valvar representa uma significativa parcela das internações por doença cardiovascular. Diferentemente de países mais desenvolvidos, a FR é a principal etiologia das valvopatias no território brasileiro, responsável por até 70% dos casos. Esta informação deve ser valorizada ao aplicar dados de estudos internacionais nessa população, tendo em vista que os doentes reumáticos apresentam média etária menor, assim como imunologia e evolução exclusivas dessa doença. 1 Diretrizes Diretriz Brasileira de Valvopatias – SBC 2011 I Diretriz Interamericana de Valvopatias – SIAC 2011 Arq Bras Cardiol 2011; 97(5 supl.1):1-67 Os dados brasileiros sobre FR são obtidos por meio de pesquisa feita no sistema Datasus, que se referem basicamente ao número de internações hospitalares e de intervenções valvares, subestimando o número real de casos de FR, uma vez que não inclui os pacientes que têm FR diagnosticada ambulatorialmente e que não necessitaram de internação5. Estudos realizados na população de escolares em algumas capitais brasileiras estimaram a prevalência de cardite reumática entre 1 e 7 casos/1.000, enquanto nos Estados Unidos a prevalência está entre 0,1 e 0,4 casos/1.000 escolares6,7. A valvopatia mitral reumática mais comum é a dupla disfunção não balanceada (insuficiência e estenose em diferentes estágios de evolução) manifestada entre a 2ª e a 5ª décadas de vida. Caracteristicamente, a Insuficiência Mitral (IM) corresponde à lesão aguda, enquanto a estenose, às lesões crônicas; entretanto, é possível que pacientes apresentem graus variados de estenose e insuficiência mitral. O Prolapso da Valva Mitral (PVM), no Brasil, é a segunda causa de IM, cuja evolução é dependente da intensidade do prolapso e tem idade média de apresentação em torno de 50 anos8. A valvopatia aórtica tem apresentação bimodal, e nos indivíduos jovens destacam-se a etiologia reumática e a doença congênita bicúspide, enquanto nos idosos prevalece a doença aórtica senil calcífica, que está associada aos fatores de risco tradicionais para aterosclerose (dislipidemia, tabagismo e hipertensão arterial)9. Alguns dados epidemiológicos emergentes vêm mudando a forma de apresentação de pacientescom doenças valvares. A população geriátrica, cada vez mais frequente nas unidades de internação e consultórios, apresenta índices elevados de calcificação e disfunção valvar. Em geral, os idosos realizam poucas atividades físicas ou são sedentários, sendo comuns achados sugestivos de lesões valvares importantes em indivíduos assintomáticos ou oligossintomáticos, frequentemente com Estenose Aórtica (EAo). Atualmente, há aumento de pacientes portadores de miocardiopatias (isquêmica, hipertensiva, alcoólica, por drogas etc.) nos quais há IM secundária, mas não menos importante. Também há aumento de pacientes portadores de valvopatias com comorbidades graves, com limitação para avaliação e indicação de tratamento intervencionista, como os portadores de neoplasia em radioterapia e/ou quimioterapia, entre outros. Nessa última década ocorreu um incremento de novos procedimentos executados com auxílio de técnicas videoassistidas e do uso da robótica, através de pequenas incisões de acesso no tórax e no coração, conhecidos como procedimentos minimamente invasivos, e muito embora já existam relatos de séries de casos com milhares de pacientes operados com resultados animadores, manda a cautela que seja aguardada a avaliação de sua eficácia e a manutenção dos bons resultados em longo prazo em estudos em andamento. A Endocardite Infecciosa (EI) incide cada vez mais em indivíduos idosos e hospitalizados, frequentemente associada a próteses, cateteres, fios de marca-passo e outros dispositivos invasivos, com maior participação de estafilococos e outros germes agressivos (bacilos gram negativos). Grande parte da população brasileira, contudo, apresenta má saúde bucal e baixo acesso a tratamento odontológico, com manutenção de alta incidência de endocardite estreptocócica em valva nativa e próteses. O manejo clínico da valvopatia continua dependente da escolha ideal para o momento do tratamento intervencionista, uma vez que esse constitui a única opção capaz de alterar a evolução natural da doença valvar. As medicações são utilizadas para tratar comorbidades e aliviar sintomas; além disso, medidas profiláticas são eficazes na prevenção da endocardite e surtos de atividade reumática. A história e o exame clínico continuam servindo como divisor de águas na tomada de decisão na doença valvar. Para o tratamento do portador de valvopatias, é fundamental reflexão sobre três fundamentos para condução à terapêutica: capacidade médica, evidências da ciência e relação médico-paciente. Após análise do benefício conceitual pelo conhecimento científico, deve-se analisar a segurança para o paciente e respeitar a sua autonomia, ponderar sobre a autonomia da equipe de saúde e instituição e, por fim, evitar negligência e imprudência. Essa estratégia foi denominada RESOLVA (Roteiro para Resolução de Valvopatia), elaborada por Grinberg e cols. e já aprovada para publicação. Tabela 2 – Recomendações para o diagnóstico das valvopatias Classe de recomendação Indicação Nível de evidência Classe I Exame físico direcionado ao diagnóstico de valvopatia em todos os pacientes com insuficiência cardíaca ou suspeita clínica de valvopatia ou cardiopatia estrutural. C Classe I Eletrocardiograma em todos os pacientes com suspeita clínica de valvopatia. C Classe I Radiografia de tórax em todos os pacientes com suspeita clínica de valvopatia. C Classe I Ecocardiografia em pacientes assintomáticos com sopros indicativos de alta probabilidade de doença cardíaca. C Classe IIa Ecocardiografia em pacientes com sopro, sem sintomas e com baixa probabilidade de doença cardíaca, mas que não pode ser excluída apenas pela clínica, eletrocardiograma e radiografia de tórax. C 4. Diagnóstico das valvopatias Um preciso diagnóstico anatômico e funcional é fundamental para o correto manejo das valvopatias10. O ponto de partida é a realização de anamnese e exame físico completos, com destaque para a ausculta cardíaca. 2 Diretrizes Diretriz Brasileira de Valvopatias – SBC 2011 I Diretriz Interamericana de Valvopatias – SIAC 2011 Arq Bras Cardiol 2011; 97(5 supl.1):1-67 O exame físico permite uma avaliação confiável, com alta especificidade para o diagnóstico das valvopatias, e o conhecimento prévio de dados da história pode guiar melhor o médico durante a realização do exame físico11,12. As múltiplas opções de métodos complementares de investigação não substituem e nem tornaram obsoleta a propedêutica cardiovascular. Não há exame complementar com sensibilidade e especificidade máximas para o diagnóstico anatômico, etiológico e funcional das valvopatias, fazendo que a impressão clínica inicial seja imprescindível para definição e interpretação da avaliação subsidiária, até mesmo maximizando a relação custo-benefício da saúde13. Destaca-se também a frequente dissociação entre achados clínicos e de exames complementares, e a progressão da avaliação complementar – principalmente com exames invasivos – só deve ser feita após alta suspeita clínica de valvopatia14. Aliás, sempre que possível, o profissional que vai executar o exame complementar deve também conhecer bem a anamnese e o exame físico, facilitando assim a compreensão e a correlação com os dados encontrados. Na Tabela 2, encontram-se as principais recomendações para o correto diagnóstico das valvopatias. Palpitações são queixas frequentes dos portadores de valvopatia mitral, enquanto dor torácica anginosa ao esforço e síncope ao esforço são mais frequentes em pacientes com valvopatia aórtica. Rouquidão (síndrome de Ortner) pode ser manifestação de EM16. Todas as valvopatias podem evoluir com sintomas de Insuficiência Cardíaca (IC) como dispneia aos esforços, ortopneia, dispneia paroxística noturna, tosse, chiado, hemoptise, edema periférico e fadiga16. A anamnese deve avaliar sintomas no passado e no presente, resposta a medicações, além da presença de comorbidades e se houve profilaxia para surto reumático e endocardite infecciosa. É fundamental procurar dados que indiquem se o paciente apresenta limitação de provável causa cardíaca para as atividades habituais. Nesse aspecto, o desafio é maior em pacientes idosos e com comorbidades. A presença de sintomas, especialmente dispneia aos esforços, é o principal indicador de tratamento intervencionista de uma valvopatia anatomicamente importante. Portanto, todo paciente com síndrome de intolerância ao esforço e síndrome de retenção hídrica deve ser considerado como potencial portador de valvopatia17,18. O exame físico segue a anamnese e é importante mesmo em assintomáticos, permitindo avaliar a presença e estimar a gravidade da valvopatia, o que terá implicações prognósticas e terapêuticas19. Antes da ausculta cardíaca, o exame físico geral pode fazer suspeitar da presença e repercussão das valvopatias. A facies mitralis16 é caracterizada pela hiperemia crônica dos maxilares, com ou sem teleangiectasias, justificada pela hipertensão venosa cefálica, geralmente consequente à EM moderada a importante. Estase jugular, hepatomegalia, esplenomegalia, ascite, edema sacral e edema de membros inferiores são marcadores de IC direita habitualmente por Hipertensão Pulmonar (HP) secundária à valvopatia mitral importante (mais frequentemente com estenose), apesar de ocorrer em qualquer valvopatia em estado avançado de evolução. O aumento da onda “a” do pulso venoso jugular (idealmente avaliado na jugular interna) pode ser por Estenose Tricúspide (ET) ou HP grave, enquanto o aumento da onda “v” é manifestação de insuficiência Tricúspide Importante (IT). Cianose de extremidades não é comum, porém pode ocorrer em baixo débito consequente a valvopatia importante (especialmente aórtica). Pectus excavatum aumenta a probabilidade de PVM. A presença de sinais compatíveis com síndrome de Marfan deve ser pesquisada, tendo em vista maior prevalência de prolapso com IM e aneurisma de aorta torácica com InsuficiênciaAórtica (IAo) nesses pacientes20. O ictus cordis não se altera de forma significativa na EM, porém pode ser desviado para a esquerda – permanecendo no quarto espaço intercostal – quando há disfunção do ventrículo direito. A EAo pode repercutir com ictus sustentado (muscular) com fases inicial e final mais demoradas, além de aumento da área de palpação (maior número de polpas digitais). As lesões regurgitativas importantes, especialmente IAo, cursam com ictus hiperdinâmico, com início e fim rápidos, habitualmente desviados para baixo e para a esquerda, com aumento da amplitude palpada. O pulso com ascenso lento e baixa amplitude, chamado parvus et tardus, é característico de EAo importante, porém nem sempre presente nos idosos. O pulso com ascenso rápido e alta amplitude, conhecido como martelo d’água ou Corrigan (palpado na carótida), é habitual manifestação da IAo importante, assim como a maior divergência entre os valores da pressão sistólica e diastólica, isto é, aumento da pressão de pulso (com pressão diastólica baixa). Múltiplos sinais propedêuticos são causados pelo alto volume sistólico ejetado na IAo importante, por exemplo: movimentação frontal da cabeça (de Musset), expansão da íris (Becker), pulsação carotídea ampla (dança das artérias), impulsões da úvula (Müller), pulso capilar ungueal (Quincke), impulsão do fígado (Rosenback), impulsão do baço (Gerhard), sopro nas artérias femorais (Traube), intensificação do sopro femoral com compressão da artéria (Duroziez), queda de 15mmHg da pressão diastólica com elevação do braço (Mayne) e diferença da pressão sistólica poplítea e braquial maior que 60mmHg (Hill). A palpação de pulso com frequência persistentemente irregular aumenta a probabilidade de Fibrilação Atrial (FA) ou outra taquicardia atrial – mais frequentes em valvopatia mitral –, podendo cursar com dissociação da frequência percebida pelo pulso e da frequência cardíaca auscultada no tórax. A análise do pulso carotídeo ou femoral permite melhor percepção da amplitude e frequência20,21. Há aparecimento de sopro cardíaco por uma ou mais das situações a seguir: aumento do fluxo sanguíneo em valvas normais ou anormais; obstrução ao fluxo anterógrado – lesões estenóticas; fluxo regurgitante por valvas incompetentes – insuficiências valvares21,22. Os sopros podem representar estados de alto fluxo, sem relevância fisiopatológica, ou serem consequentes a valvopatias e doenças congênitas. Portanto, é fundamental associar achados auscultatórios com dados da anamnese e informações obtidas pelo exame físico geral. Sopros têm grande valor quando se alteram em avaliações sequenciais, 3 Diretrizes Diretriz Brasileira de Valvopatias – SBC 2011 I Diretriz Interamericana de Valvopatias – SIAC 2011 Arq Bras Cardiol 2011; 97(5 supl.1):1-67 seja em valva nativa, seja em prótese, representando piora anatômica19. A percepção tátil do sopro (frêmito), apesar de pouco comum, é muito específica de valvopatia importante. É importante uma caracterização adequada do sopro para que se infira de forma fidedigna qual é a valvopatia subjacente. Todo sopro deve ser avaliado quanto a cronologia (sistólico ou diastólico), foco da ausculta (local mais audível), frequência (alta, melhor audível com o diafragma do estetoscópio, ou baixa, melhor audível com a campânula), configuração (platô, diamante, decrescendo, decrescendo-crescendo), duração (proto, meso, telessistólico ou diastólico), timbre (característica do som) e irradiação. Em geral, quanto maior a intensidade do sopro, maior a gravidade anatômica da valvopatia. Classifica-se a intensidade de 1 a 6: 1 – audível somente com manobras; 2 – facilmente audível, porém sem irradiação significativa; 3 – moderadamente alto e com irradiação ampla; 4 – alto e com frêmito; 5 – ausculta possível com parte do estetoscópio sobre a pele; 6 – ausculta com estetoscópio próximo à pele, sem contato. A ausculta deve ser realizada concomitantemente à palpação do pulso. Os sopros auscultados na base cardíaca habitualmente irradiam para fúrcula e carótidas e são amplificados com o tórax inclinado para a frente e com pausa expiratória. Os sopros auscultados no ápice cardíaco habitualmente irradiam para axila e são amplificados com ausculta em decúbito lateral esquerdo. Os sopros de câmaras direitas são mais bem auscultados com manobra de inspiração profunda, sem fechamento da glote, idealmente com paciente na posição sentada ou em pé22. De forma geral, existem quatro sopros principais: • Sopro sistólico em focos da base – alta frequência, configuração em diamante, rude: caracteriza ejeção pelas valvas semilunares com obstrução, portanto EAo e Estenose Pulmonar (EP). Quanto mais tardio o pico do sopro, maior a gravidade da valvopatia. Paciente com EAo importante e calcificação da aorta pode apresentar irradiação do sopro para o foco mitral, com timbre piante (fenômeno de Gallavardin). • Sopro diastólico em focos da base – alta frequência, conf iguração em decrescendo, aspirat ivo: resultado de regurgitação pelas valvas semilunares incompetentes, isto é, IAo e Insuficiência Pulmonar (IP). Quanto mais o sopro ocupar a diástole, maior a gravidade, sendo sopro holodiastólico marcador de regurgitação importante. Em casos de IAo importante podem ocorrer sopro mesossistólico aórtico por hiperfluxo e sopro mesodiastólico mitral por fluxo direcionado para valva mitral deixando-a semifechada durante a diástole ventricular (sopro de Austin-Flint). • Sopro sistólico em focos do ápice – alta frequência, configuração em platô, em jato de vapor: caracteriza regurgitação pelas valvas atr ioventriculares incompetentes, isto é, IM e IT. Sopros rudes e com duração mesotelessistólica representam regurgitação consequente a PVM e, com manobra de Valsalva, tornam-se holossistólicos. Sopros piantes podem ocorrer por ruptura de cordoalha ou de prótese mitral. • Sopro diastólico em focos do ápice – baixa frequência, configuração em decrescendo- crescendo se ritmo sinusal, ou apenas decrescendo se Fibrilação Atrial (FA), ruflar: resultado de obstrução pelas valvas atrioventriculares, característica da EM e ET. O sopro da estenose mitral frequentemente tem pouca intensidade e é precedido de estalido de abertura da valva (sinal patognomônico de sequela reumatismal). Quanto mais precoce o estalido e o início do sopro, mais importante a estenose20,21. Os sopros de câmaras esquerdas são mais prevalentes, mas é frequente o achado de IT, habitualmente secundária. A diferenciação do sopro de câmara esquerda para o da valva correspondente à direita é feita pelo foco, manobras de amplificação e alterações de pulso e pressão arterial20. Os sopros ejetivos nas valvas semilunares podem ocorrer mesmo na presença de aparato valvar normal, sendo chamados de sopros inocentes, que caracteristicamente aparecem em crianças e adultos jovens. Hiperfluxo por essas valvas que ocorre, por exemplo, no hipertiroidismo, na gestação, na anemia, nas fístulas arteriovenosas e na ejeção em artéria dilatada também é causa de sopro ejetivo. Outros diagnósticos diferenciais para esse sopro são a estenose subvalvar e supravalvar11. O sopro sistólico regurgitativo mitral funcional habitualmente é mesossistólico e de baixa intensidade e o da IM aguda é pouco audível, habitualmente protossistólico. IM importante pode cursar com sopro mesodiastólico mitral por hiperfluxo. O diagnóstico diferencial dos sopros regurgitantes pelas valvas atrioventriculares é o sopro da comunicação interventricular. A análise das bulhas e de outros sons cardíacos também é importante para o diagnóstico auscultatório das valvopatias. A primeira bulha é hiperfonética na EM e habitualmente hipofonética nas outras valvopatias, quando existe calcificação ou disfunção ventricular grave. A segunda bulha é hiperfonética quando há HP, porém fica hipofonética nas valvopatias aórticas. Na EAo importante, a segunda bulha podeser única ou apresentar desdobramento paradoxal. Clique protossistólico aórtico é marcador de valva aórtica bicúspide. Clique mesotelessistólico mitral é característico de PVM. Apesar da complexidade e múltiplas informações necessárias para a realização de um exame físico adequado, o treinamento de estudantes e profissionais para esse fim aumenta a sensibilidade e a especificidade desse método, com reprodutibilidade intergrupos12. De forma geral, após a avaliação clínica, Eletrocardiograma de 12 dDerivações (ECG) e radiografia de tórax completam a avaliação à beira-leito16. Em geral, apresentam bom valor preditivo negativo para afastar valvopatia com repercussão. Por sua vez, se houve pouca suspeita clínica, porém com alterações eletrocardiográficas como arritmias supraventriculares, sobrecargas atriais e ventriculares e/ou radiografia de tórax anormal com aumento do 4 Diretrizes Diretriz Brasileira de Valvopatias – SBC 2011 I Diretriz Interamericana de Valvopatias – SIAC 2011 Arq Bras Cardiol 2011; 97(5 supl.1):1-67 índice cardiotorácico, alterações da silhueta cardíaca esquerda e direita, do tronco da artéria pulmonar e da aorta, há necessidade de prosseguir investigação com ecocardiografia11,19. A ecocardiografia domina o diagnóstico complementar das valvopatias. Pode confirmar a presença de valvopatia, avaliar gravidade e sugerir etiologia e prognóstico. É exame não invasivo, sem radiação, acessível, reprodutível e de custo relativamente baixo. Deve ser realizado em todos os pacientes com suspeita de valvopatia, exceto em assintomáticos com sopro de intensidade 1, preferencialmente sem alterações significativas eletrocardiográficas e radiográficas23-25. Outros métodos diagnósticos podem ser utilizados: fluoroscopia, ventriculografia com radionuclídeos, teste de 6 minutos, teste ergométrico, teste ergoespirométrico, tomografia computadorizada, ressonância magnética, cateterismo e biomarcadores18,19,26-29. De forma geral, quando há dúvidas na real Classe Funcional (CF) do paciente apenas pela anamnese e ausência de complicadores que já indiquem tratamento intervencionista indicam-se exames como biomarcadores e provas funcionais (teste de 6 minutos, teste ergométrico, teste ergoespirométrico) para melhor definição da repercussão da valvopatia. Quando há dúvidas em relação à Fração de Ejeção (FE) ventricular obtida pela ecocardiografia podem-se utilizar a ventriculografia por radionuclídeos e a ressonância magnética para obtenção de informação mais fidedigna. A ressonância também é um excelente método para avaliação quantitativa da regurgitação, porém menos útil para quantificação e planimetria de estenoses, além de não estar validada para a avaliação de próteses valvares, morfologia valvar, valva aórtica bicúspide, demais valvas e vegetações30. A tomografia computadorizada pode auxiliar na compreensão de comorbidades e melhor caracterização das valvopatias, mas ainda não constitui um método que substitui os métodos tradicionais para o diagnóstico das valvopatias. Recentemente, demonstrou-se que a angiotomografia de coronárias apresenta bom valor preditivo negativo para afastar aterosclerose obstrutiva em pacientes com baixa a moderada probabilidade pré-teste de Doença Arterial Coronariana (DAC), de forma que esse exame pode ser uma alternativa ao cateterismo com cineangiocoronariografia em pacientes com esse perfil31. Tanto a ressonância magnética quanto a tomografia computadorizada podem ser úteis para avaliação da aorta (intensidade de calcificação e grau de dilatação), auxiliando na indicação de tratamento cirúrgico do paciente30,31. O cateterismo cardíaco diagnostica lesões estenóticas por meio da manometria de câmaras e lesões regurgitantes por meio de ventriculografia ou aortografia; é o método padrão de referência para o diagnóstico das valvopatias. No entanto, a maioria dos pacientes não necessita dessa avaliação invasiva, que é reservada a casos de discordância entre achados clínicos, eletrocardiográficos, radiográficos e ecocardiográficos11. 5. Estenose mitral 5.1. Introdução A estenose mitral (EM) caracteriza-se pela resistência ao fluxo sanguíneo transmitral em razão do espessamento e da imobilidade dos folhetos valvares, decorrendo fundamentalmente de sequela reumática11. Dentre outras possíveis causas, destacam- se a congênita, as doenças infiltrativas (mucopolissacaridoses), EI, lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide e estados serotoninérgicos (síndrome carcinoide)11,32. Os principais achados anatomopatológicos da EM consistem no espessamento dos folhetos valvares, áreas de calcificação, fusão comissural e encurtamento de cordoalhas33. Fisiopatologicamente, a obstrução ao deflúvio atrial gera um gradiente pressórico entre o átrio e o ventrículo esquerdos. A elevação da pressão atrial esquerda transmite-se de maneira retrógrada ao leito vascular pulmonar, determinando congestão passiva local, edema intersticial, HP e desenvolvimento progressivo de sintomas32. Os principais marcadores de mau prognóstico são o desenvolvimento de sintomas, a presença de FA e a evolução para HP11,19.Uma vez atingidos níveis muito elevados de Pressão Sistólica de Artéria Pulmonar (PSAP – acima de 80mmHg), a sobrevida média reduz-se para 2,4 anos34. 5.2. Diagnóstico Na avaliação diagnóstica da EM, o ECGpoderá mostrar sobrecarga atrial esquerda nos casos com lesão moderada a importante. Em presença de HP, poderá haver desvio do eixo elétrico cardíaco para a direita e sinais de aumento das câmaras direitas. Nesta última situação, é frequente a presença de FA. A radiografia de tórax mostra aumento do átrio esquerdo. A dilatação da artéria pulmonar e das cavidades direitas, assim como no ECG, é indicativa de HP associada. Pode haver graus variáveis de congestão pulmonar, sendo as linhas B de Kerley particularmente visíveis nos pacientes com EM importante de longa evolução. O teste ergométrico pode ser útil na avaliação da capacidade funcional em indivíduos com poucos sintomas, porém que limitaram sua atividade física de forma significativa. 5.2.1. Ecocardiografia A ecocardiografia com Doppler colorido é um exame complementar importante para o diagnóstico e avaliação da gravidade anatômica e funcional da EM. Além de possibilitar o acompanhamento de gestantes e pós-intervenção, esse método também influencia na decisão terapêutica. Comumente a via de acesso é a transtorácica – Ecocardiografia Transtorácica (ETT) –, mas há situações específicas em que é necessária a realização da Ecocardiografia Transesofágica (ETE). O exame fornece informações fundamentais para o manuseio adequado da doença. Dentre os dados mais relevantes destacamos a área valvar mitral, aferida pela planimetria, pelo Pressure Half-Time (PHT), o gradiente diastólico transvalvar, o escore valvar de Wilkins, a PSAP, trombos atriais esquerdos e a presença de IT11,19. Utilizando os valores de área valvar e gradiente pressórico médio é possível graduar a EM em discreta, moderada e importante (tabela 3). 5 Diretrizes Diretriz Brasileira de Valvopatias – SBC 2011 I Diretriz Interamericana de Valvopatias – SIAC 2011 Arq Bras Cardiol 2011; 97(5 supl.1):1-67 Tabela 3 – Graduação da estenose mitral Lesão (grau) Área (cm2) Gradiente * Discreta > 1,5 < 5 Moderada 1,0 a 1,5 5 a 10 Importante < 1,0 > 10 * Gradiente médio em repouso (mmHg) O escore de Wilkins, descrito em 1988, consiste na avaliação ecocardiográfica da valva mitral com ênfase na descrição dos aspectos estruturais35. Quatro parâmetros são considerados: mobilidade dos folhetos, espessamento valvar, grau de calcificação e acometimento do aparato subvalvar. Uma graduação de um a quatro pontos para cada item resulta num escore que pode variar de 4 a 16 pontos. Pacientes com escore de Wilkins inferior ou igual a 8 são candidatos a valvuloplastia mitral percutânea, na ausência de outras contraindicações. A tabela 4 descreve, em detalhes,os parâmetros avaliados. A acurácia do ETE para identificação de trombos no átrio esquerdo é muito superior à do ETT, especialmente no apêndice atrial. Principalmente nos pacientes em FA, mas também naqueles em ritmo sinusal, a identificação de trombos atriais deve ser realizada pelo ETE. Nos pacientes com antecedente de fenômeno embólico ou naqueles com indicação de valvuloplastia percutânea e suspeita de trombo atrial o ETE está indicado. As recomendações para realização de ETT e ETE encontram-se na tabela 5. Tabela 4 – Escore ecocardiográfico de Wilkins Mobilidade dos folhetos: 1 - Mobilidade elevada da valva com apenas restrição nas extremidades dos folhetos 2 - Regiões medial e basal apresentam mobilidade normal 3 - A valva continua se movendo adiante na diástole, principalmente na base 4 - Nenhum ou mínimo movimento dos folhetos em diástole Acometimento subvalvar: 1 - Mínimo espessamento subvalvar exatamente abaixo dos folhetos mitrais 2 - Espessamento de cordas estendendo-se por mais de um terço do comprimento 3 - Espessamento expandindo-se para o terço distal das cordas 4 - Espessamento extenso e encurtamento de todas as estruturas das cordas expandindo-se para os músculos papilares Espessura dos folhetos: 1 - Espessamento dos folhetos com espessura próxima do normal (4-5mm) 2 - Camadas médias normais, espessamento considerável de margens (5-8mm) 3 - Espessamento expandindo através de toda a camada (5-8mm) 4 - Espessamento considerável de toda a camada do tecido (>8-10mm) Calcificação valvar: 1 - Uma área única da ecoluminosidade aumentada 2 - Mínimas áreas de luminosidade confinadas às margens do folheto 3 - Luminosidade expandindo-se dentro da porção média dos folhetos 4 - Luminosidade extensa, além dos limites dos folhetos Tabela 5 – Recomendações da ecocardiografia na estenose mitral Classe de recomendação Indicação Nível de evidência Classe I ETT no diagnóstico e avaliação da morfologia e gravidade da estenose mitral, possíveis alterações estruturais e possíveis lesões associadas. B Classe I ETT na reavaliação de pacientes com mudanças de sinais e sintomas. B Classe I ETT para realização de escore ecocardiográfico em pacientes com EM moderada ou importante para determinar a possibilidade de tratamento percutâneo. B Classe I ETT após intervenção percutânea ou cirúrgica da valva mitral, como nova avaliação de base. C Classe I ETT para avaliação das alterações hemodinâmicas e adaptação ventricular durante a gravidez. C Classe I Ecocardiografia sob estresse para avaliação do gradiente médio e pressão arterial pulmonar quando há discrepância entre os sintomas e a gravidade da estenose mitral em repouso. C Classe I ETE na identificação de trombo atrial e avaliação do grau de insuficiência mitral associada em pacientes candidatos a valvuloplastia percutânea com suspeita de trombo atrial. B Classe I ETE na avaliação morfológica e hemodinâmica em pacientes com ETT inadequado. C Classe IIa ETT na avaliação de pacientes clinicamente estáveis com EM importante a cada ano, EM moderada a cada dois anos e EM discreta a cada três anos. C Classe IIa ETE durante procedimento intervencionista para valvuloplastia percutânea. C Classe III ETE na avaliação morfológica e hemodinâmica quando os dados obtidos pela ETT são satisfatórios. C ETT: Ecocardiografia transtorácica; ETE: Ecocardiografia transesofágica; EM: Estenose mitral 5.2.2. Cateterismo cardíaco As medidas hemodinâmicas no cateterismo cardíaco podem ser utilizadas para determinar a gravidade da EM. As pressões verificadas no átrio e no ventrículo esquerdos determinam o gradiente diastólico através da valva mitral, que consiste na expressão fundamental da gravidade da EM36. Pressões 6 Diretrizes Diretriz Brasileira de Valvopatias – SBC 2011 I Diretriz Interamericana de Valvopatias – SIAC 2011 Arq Bras Cardiol 2011; 97(5 supl.1):1-67 pulmonares e resistência vascular pulmonar também podem ser aferidas, contribuindo para avaliação da repercussão da valvopatia na circulação pulmonar. Com o advento da ecocardiografia com Doppler, em geral não há mais necessidade de cateterismo na maioria dos pacientes com EM. Frequentemente, a área valvar medida pelo gradiente mitral ao Doppler e a pressão na artéria pulmonar têm boa correlação entre si. O cateterismo está indicado quando existe discrepância entres as medidas ecocardiográficas e a situação clínica do paciente sintomático. A manometria dos átrios esquerdo e direito deve ser obtida no estudo hemodinâmico quando houver elevação desproporcional da PSAP em relação ao gradiente pressórico transvalvar e à área mitral11,19. A ventriculografia é recomendada para os casos de dupla lesão mitral que apresentem dificuldades na determinação clínicoecocardiográfica do grau de regurgitação valvar. Caso a CF de sintomas seja desproporcional à avaliação hemodinâmica não invasiva em repouso, pode ser necessária a realização de cateterismo esquerdo e direito com esforço físico ou mediante prova de volume associada à infusão de atropina. A cineangiocoronariografia é reservada a pacientes com suspeita de DAC associada ou na presença de fatores de risco: homens com mais de 40 anos de idade, mulheres após a menopausa ou que tenham mais de um fator de risco coronariano. Em pacientes com perfil de menor risco, a cineangiocoronariografia pode ser substituída pela angiotomografia de coronárias. A Tabela 6 sumariza as principais recomendações de cateterismo cardíaco na EM. Tabela 6 – Recomendações de cateterismo cardíaco na estenose mitral Classe de recomendação Indicação Nível de evidência Classe I Para avaliação da gravidade da EM quando os testes não invasivos são inconclusivos. C Classe I Cineangiocoronariografia antes do tratamento cirúrgico da valva mitral em pacientes com fatores de risco para DAC. C Classe IIa Para avaliação da resposta hemodinâmica da pressão da artéria pulmonar e pressões do átrio esquerdo ao teste de sobrecarga, quando os sintomas e estudo hemodinâmico em repouso são discordantes. C Classe III Para avaliação da gravidade da EM quando os dados do ecocardiograma forem concordantes com os achados clínicos. C EM - Estenose mitral; DAC - Doença arterial coronariana. 5.3. Tratamento 5.3.1. Tratamento farmacológico A terapia medicamentosa poderá apenas aliviar os sintomas, sem efeitos diretos sobre a obstrução fixa11.Nos casos de EM discreta, estando o paciente assintomático e em ritmo sinusal, não há necessidade de intervenção farmacológica específ ica. Nos pacientes com EM moderada a importante, poderá ser indicada enquanto o paciente aguarda procedimento intervencionista, visando à melhora dos sintomas, ou no controle de complicações (por exemplo, FA). O uso de diuréticos (especialmente os de alça) associado à restrição hidrossalina é recomendado quando manifestações de congestão pulmonar estiverem presentes (dispneia aos esforços, ortopneia e/ou dispneia paroxística noturna)37. Nos estágios evolutivos finais da EM surgem sinais de IC direita (edema periférico, hepatomegalia, ascite), determinando hipovolemia relativa devido ao sequestro hídrico pelo terceiro espaço. Essas alterações hemodinâmicas promovem ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, resultando em hiperaldosteronismo secundário. Nessas situações, os antagonistas da aldosterona, como a espironolactona, podem ser valiosos adjuvantes à terapia diurética habitual. Os sintomas de IC esquerda devem-se às altas pressões encontradas no átrio esquerdo e no leito capilar pulmonar, consequentes à obstrução mecânica ao fluxo transmitral. Como tal perturbação hemodinâmica encontra-se à montante do Ventrículo Esquerdo (VE), esse apresenta sua função contrátil íntegra. Sendo assim, o uso de digitálicos não é justificado nos pacientes com função contrátil normal e em ritmo sinusal. Entretanto, nas situações em que a EM associa-se à FA, os digitálicosrepresentam uma alternativa complementar para controle da frequência ventricular. O controle da Frequência Cardíaca (FC) constitui um dos pi lares do tratamento cl ínico da EM. As taquicardias geralmente são mal toleradas, na medida em que reduzem o tempo de enchimento diastólico ventricular. Caso esse tempo seja diminuído pela metade, o gradiente pressórico transmitral irá quadruplicar, acarretando elevação da pressão venosa pulmonar. Os betabloqueadores, ao controlar a FC em repouso, são capazes de reduzir os gradientes e as pressões desenvolvidas pelo átrio esquerdo37,38.Adicionalmente, essa classe de agentes também possui a propriedade de estabilizar a FC durante a atividade física, atenuando o incremento fisiológico no gradiente pressórico mitral nessas circunstâncias39. Eventos embólicos sistêmicos representam uma grave complicação da EM, ocorrendo em 13% a 26% dos pacientes e fortemente associados à idade e à presença de FA40.A anticoagulação oral plena [com INR-alvo (INR – International Normalized Ratio) entre 2,0 e 3,0] é recomendada na EM associada a evento embólico prévio, trombo atrial esquerdo ou FA11.O acréscimo de aspirina em baixas doses (50 a 100mg/dia) é sugerido quando houver ocorrência de evento embólico ou documentação de trombo atrial esquerdo em pacientes adequadamente anticoagulados41. As recomendações de tratamento farmacológico na EM estão na tabela 7. 7 Diretrizes Diretriz Brasileira de Valvopatias – SBC 2011 I Diretriz Interamericana de Valvopatias – SIAC 2011 Arq Bras Cardiol 2011; 97(5 supl.1):1-67 Tabela 7 – Recomendações para tratamento farmacológico na estenose mitral Classe de recomendação Indicação Nível de evidência Classe I Betabloqueadores na EM moderada a importante, sintomática, na ausência de contraindicações. C Classe I Betabloqueadores na EM moderada a importante, assintomática, na presença de fibrilação atrial e na ausência de contraindicações. C Classe I Diuréticos na EM moderada a importante sintomática. C Classe I Anticoagulação oral plena na EM associada a evento embólico prévio, trombo atrial esquerdo ou fibrilação atrial. B Classe IIa Digitálicos como terapia adjuvante no controle da frequência ventricular na EM moderada a importante na presença de fibrilação atrial. C Classe IIa Bloqueadores de canais de cálcio não diidropiridínicos na EM moderada a importante com necessidade de controle de frequência ventricular, na presença de contraindicações ao uso de betabloqueadores. C Classe IIa Anticoagulação oral plena na EM com átrio esquerdo > 55mm e evidência de contraste atrial espontâneo. C Classe IIa Associação de aspirina em baixas doses (50 a 100mg) à anticoagulação oral plena após ocorrência de evento embólico ou trombo atrial esquerdo em pacientes adequadamente anticoagulados. C Classe III Tratamento farmacológico da estenose mitral discreta em pacientes assintomáticos e em ritmo sinusal. C EM - Estenose mitral. 5.3.2. Tratamento intervencionista Há duas modalidades aceitas para o tratamento intervencionista da EM: a Valvuloplastia Mitral Percutânea por Cateter-Balão (VMCB) e a cirurgia (comissurotomia ou troca valvar). A escolha da melhor intervenção baseia-se em características clínicas (status funcional e preditores de risco operatório), anatomia valvar e na experiência da equipe cirúrgica (tabelas 8 e 9). 5.3.2.1. Valvuloplastia mitral percutânea por cateter- Balão (VMCB) A taxa de sucesso com esse tipo de terapia é alta, oscilando entre 80% e 95%. No entanto, a obtenção desses resultados exige uma equipe de hemodinâmica treinada e experiente. São considerados parâmetros de sucesso: redução de 50% a 60% no gradiente transmitral, área valvar mitral final acima de 1,5 cm2 e decréscimo da pressão capilar pulmonar para níveis abaixo de 18mmHg. Atualmente, em razão do maior treinamento dos diferentes centros de hemodinâmica, observamos menor incidência de complicações, sendo as principais os acidentes vasculares encefálicos (0,5% a 1%), o tamponamento cardíaco (0,7% a 1%) e a insuficiência mitral importante (0,9% a 2%). A mortalidade é baixa, usualmente inferior a 0,5%42. O principal critério de elegibilidade para a VMCB é a análise morfológica da valva mitral através da ETT. A ETE, no entanto, pode apresentar vantagens adicionais, comparada à ETT, já que avalia com maior precisão a presença de trombos no átrio esquerdo e o grau de insuficiência mitral. O paciente ideal apresenta os folhetos valvares flexíveis, não calcificados e pouco acometimento subvalvar. O critério ecocardiográfico mais utilizado na avaliação da morfologia do aparelho valvar é o escore descrito por Wilkins e cols.35, já citado anteriormente. Os pacientes ideais são aqueles que possuem escore ≤ 8 pontos, devido aos excelentes resultados imediatos e no seguimento clínico. Escores elevados (≥ 12 pontos) indicam valvas com deformidade acentuada e, nessa situação, a VMCB possui papel limitado, não sendo normalmente indicada. Aqueles que se situam entre 9 e 11 pontos necessitam avaliação individualizada, com ponderação de comorbidades e do risco cirúrgico para a escolha da melhor modalidade de tratamento43-46. As principais contraindicações à VMCB são a existência prévia de insuficiência mitral moderada a importante, trombo atrial esquerdo, escore ecocardiográfico de Wilkins desfavorável (acima de 8 pontos), presença de outras valvopatias concomitantes que requeiram tratamento cirúrgico e DAC com indicação de revascularização cirúrgica associada11. A avaliação de trombos atriais por meio do ETE é recomendada para pacientes com histórico de FA ou eventos embólicos prévios47. Tabela 8 – Recomendações para valvuloplastia por cateter-balão na estenose mitral Classe de recomendação Indicação Nível de evidência Classe I Pacientes com EM moderada a importante, sintomáticos (CF II, III ou IV), com anatomia valvar favorável, na ausência de trombo atrial esquerdo ou insuficiência mitral moderada a importante. A Classe I Pacientes com EM moderada a importante, assintomáticos, com anatomia valvar favorável à intervenção percutânea e HP (PSAP > 50mmHg em repouso ou > 60mmHg com atividade física), na ausência de trombo atrial esquerdo ou insuficiência mitral moderada a importante. C Classe IIa Pacientes com EM moderada a importante, sintomáticos (CF III ou IV), com morfologia não ideal à VMCB e de alto risco ou com contraindicação à intervenção cirúrgica. C Classe IIb Pacientes com EM moderada a importante, assintomáticos, com anatomia valvar favorável à intervenção percutânea e fibrilação atrial de início recente, na ausência de trombo atrial esquerdo ou insuficiência mitral moderada a importante. C Classe III Pacientes com EM discreta. C Classe III Pacientes com EM moderada a importante na vigência de trombo atrial esquerdo ou insuficiência mitral moderada a importante. C EM - Estenose mitral; CF - Classe funcional; HP - Hipertensão pulmonar; PSAP - Pressão sistólica da artéria pulmonar; VMCB - Valvuloplastia mitral por cateter-balão 8 Diretrizes Diretriz Brasileira de Valvopatias – SBC 2011 I Diretriz Interamericana de Valvopatias – SIAC 2011 Arq Bras Cardiol 2011; 97(5 supl.1):1-67 5.3.2.2. Tratamento cirúrgico A utilização de procedimentos terapêuticos invasivos para correção das lesões valvares provocadas por doenças estruturais do coração é muitas vezes necessária como a única opção capaz de restaurar a função dessas valvas, propiciando o remodelamento reverso das cavidades cardíacas, a recuperação da função ventricular e a remissão dos sintomas. O restabelecimento da função valvar é realizado por técnicas reconstrutivas denominadas plástica valvar ou, na impossibilidade dessa, por meio da substituição da valva lesada por substitutos valvares (próteses mecânicas ou biológicas), ou ainda utilizando-se homoenxertos heterólogos ou enxertos autólogos. Quanto à indicação, essa modalidadede intervenção reserva-se para pacientes sintomáticos (CF III-IV) com alguma das seguintes contraindicações à VMCB: anatomia valvar desfavorável (escore de Wilkins superior a 8 associado a calcificação e comprometimento do aparelho subvalvar); presença de dupla lesão mitral com insuficiência moderada a importante; concomitância de valvopatia tricúspide ou aórtica significativa e trombo atrial esquerdo persistente (sem resolução após tempo adequado de anticoagulação oral)11.Vários centros cardiológicos mundiais reportam bons resultados com a comissurotomia aberta. A sobrevida média em 15 anos é próxima a 96%, com sobrevida livre de complicações valvares em torno de 92%48.Também é possível benefício da cirurgia em pacientes com EM moderada a importante em pacientes com eventos embólicos apesar de anticoagulação adequada e naqueles com CF I a II, com HP grave, sem anatomia favorável à VMCB. Pacientes portadores de FA que irão se submeter a cirurgia valvar podem se beneficiar do tratamento cirúrgico concomitante da FA (como cirurgia de Maze ou ablação por radiofrequência). A preservação da valva mitral por meio da comissurotomia cirúrgica, apesar de desejável, nem sempre é exequível11.A mortalidade relacionada à troca valvar oscila entre 3% e 10%, sendo influenciada por idade, classe funcional, HP e presença de doença arterial coronariana concomitante48. Tabela 9 – Recomendações para tratamento cirúrgico na estenose mitral Classe de recomendação Indicação Nível de evidência Classe I Pacientes com EM moderada a importante, sintomáticos (CF III ou IV), com contraindicações à VMCB. B Classe I Pacientes com EM moderada a importante, sintomáticos (CF III ou IV), em centros sem equipe treinada para realização de VMCB. B Classe IIa Pacientes com EM moderada a importante associada a eventos embólicos recorrentes, apesar de adequada anticoagulação. C Classe IIa Tratamento cirúrgico combinado da fibrilação atrial em pacientes com EM moderada a importante, sintomática (CF III ou IV), quando indicado tratamento cirúrgico da EM. C Classe IIa Pacientes com EM importante, assintomáticos (CF I ou II), com HP grave (PSAP ≥ 80mmHg), não candidatos à VMCB. C Classe III Pacientes com EM discreta. C EM - Estenose mitral; CF - Classe funcional; VMCB - Valvuloplastia mitral por cateter-balão; HP - Hipertensão pulmonar; PSAP - Pressão sistólica da artéria pulmonar O fluxograma abaixo resume as estratégias de tratamento intervencionista na EM moderada e importante. CF - Classe funcional; VMCB - Valvuloplastia mitral por cateter-balão; PSAP - Pressão sistólica da artéria pulmonar. Fluxograma das estratégias de tratamento intervencionista na estenose mitral moderada e importante 9 Diretrizes Diretriz Brasileira de Valvopatias – SBC 2011 I Diretriz Interamericana de Valvopatias – SIAC 2011 Arq Bras Cardiol 2011; 97(5 supl.1):1-67 6. Insuficiência mitral 6.1. Introdução A Insuficiência Mitral (IM) é caracterizada pela regurgitação sanguínea para o átrio esquerdo durante a sístole ventricular. Pode ser decorrente de anormalidades em diferentes locais do aparato valvar, tais como folhetos, ânulo, cordas tendíneas e músculos papilares. Etiologicamente, a insuficiência mitral pode ser classificada em primária (resultante de deformidade estrutural valvar) ou secundária, quando relacionada a outra doença cardíaca. Dentre as causas primárias, destacam-se o prolapso valvar mitral, a endocardite infecciosa, a Febre Feumática (FR), traumas e as deformidades congênitas. As etiologias secundárias estão relacionadas à isquemia miocárdica, cardiomiopatia hipertrófica e disfunção ventricular esquerda do tipo sistólica. A prevalência do Prolapso da Valva Mitral (PVM) na população geral varia de 1% a 2,5%49. PVM pode ocorrer de forma familiar ou não, sendo transmitido como traço autossômico50,51. A história natural da evolução dos pacientes portadores de prolapso da valva mitral é variável, e a evolução é muito favorável na grande maioria dos casos52,53. A primeira avaliação para o diagnóstico de PVM deve ser o exame físico54,55.A ausculta cardíaca pode ser normal, ou ainda podem ser evidenciados múltipos clicks variáveis durante a sístole e a presença de sopro sistólico tardio ou holossistólico decorrente de insuficiência mitral. 6.2. Diagnóstico O ECG do paciente com IM crônica pode apresentar sobrecarga de câmaras esquerdas, assim como sinais de sobrecarga de câmaras direitas nos casos com HP. Pode haver área inativa ou bloqueio de ramo relacionados ao comprometimento ventricular. Na radiografia de tórax podem estar presentes o aumento das câmaras esquerdas e sinais de congestão pulmonar. 6.2.1. Ecocardiografia A quantificação ecocardiográfica da insuficiência valvar mitral pode ser realizada com o emprego das seguintes aferições: 1 área do jato regurgitante com Doppler colorido; 2 largura da vena contracta; 3 volume regurgitante; 4 fração regurgitante; 5 área do orifício regurgitante; além da aferição das dimensões das câmaras cardíacas, como mostra a tabela 10. O diagnóstico atualmente definido para PVM leva em consideração a evidência do deslocamento ≥ 2mm acima do ânulo mitral das cúspides da valva para dentro do átrio esquerdo em observação no plano paraesternal de câmaras esquerdas e em outros planos56. Não há concordância na literatura com relação ao diagnóstico quando o deslocamento das cúspides é observado somente na projeção apical 4 ou 5 câmaras57,58. O PVM pode ocorrer associado ou não ao espessamento das cúspides (5mm, observado durante a diástase), acompanhado ou não de insuficiência valvar. Espessamento valvar ≥ 5mm reforça a possibilidade do diagnóstico. A ecocardiografia permite o diagnóstico morfológico da valva e do mecanismo de regurgitação (inferindo etiologia) e a avaliação quantitativa (gravidade da regurgitação). É útil também na programação do tratamento cirúrgico (predição da probabilidade de plástica valvar). As recomendações para o uso da ecocardiografia na IM estão evidenciadas na tabela 11. 6.2.1.1. Eco 3D em insuficiência mitral A ecocardiografia tridimensional possibilita a análise acurada de todo o conjunto de estruturas que compõe o aparato valvar e subvalvar mitral. Proporciona uma melhor possibilidade de detalhamento para a determinação da estratégia cirúrgica, assim como pode vir a ter impacto na determinação do momento cirúrgico para o tratamento da valvopatia mitral. A rotação tridimensional permite a visualização da valva mitral a partir do átrio esquerdo (plano de observação próximo da visão do cirurgião na sala operatória), o que traz maior realidade à identificação estrutural cardíaca. Tabela 10 – Insuficiência valvar mitral: quantificação ecocardiográfica Insuficiência valvar mitral Quantificação ecocardiográfica discreta Moderada Importante Área do jato regurgitante com Doppler colorido (cm2) Área pequena, jato central (< 4cm2 ou < 20% da área do átrio esquerdo) 20% a 40% da área do átrio esquerdo > 40% da área do átrio esquerdo Vena contracta (cm) < 0,3 0,3-0,69 ≥ 0,7 Volume regurgitante (mL/batimento) < 30 30-59 ≥ 60 Fração regurgitante (%) < 30 30-49 ≥ 50 Área do orifício regurgitante (cm2) < 0,2 0,2-0,39 ≥ 0,4 Parâmetros adicionais Dimensão do átrio esquerdo - - Aumentada Dimensão do ventrículo esquerdo - - Aumentada 10 Diretrizes Diretriz Brasileira de Valvopatias – SBC 2011 I Diretriz Interamericana de Valvopatias – SIAC 2011 Arq Bras Cardiol 2011; 97(5 supl.1):1-67 Especialmente para a análise dos pacientes portadores de PVM, o emprego da ecocardiografia tridimensional (transtorácica e principalmente transesofágica) permite a identificação mais detalhada dos escalopes valvares (A1, A2, A3, P1, P2, P3), a aferição da área valvar, dos diâmetros intercomissurais, dos diâmetros ântero-posterior e médio- lateral do átrio esquerdo e da altura do anel valvar. Permite também a determinação da angulação espacialentre as valvas mitral e aórtica. Para a quantificação da insuficiência valvar mitral, permite a aferição da vena contracta tridimensional e do volume regurgitante sem a necessidade da aplicação de inferências matemáticas e geométricas. Para a observação da calcificação valvar mitral, a ecocardiografia tridimensional ainda não tem sido utilizada de forma consistente. Outra grande possibilidade de aplicação da ecocardiografia tridimensional relacionada ao PVM acompanhada de insuficiência valvar é a observação da anatomia e função do átrio esquerdo. O exame permite a aferição da fração de esvaziamento do átrio esquerdo, da análise da contração atrial e do remodelamento atrial relacionado à evolução da insuficiência valvar mitral. Dessa forma, é fundamental empregar método que possibilite a observação global do átrio esquerdo em seus diversos planos de apresentação espacial. Essa análise mais detalhada leva a um maior entendimento da fisiologia atrial na evolução do seu remodelamento temporal. Atualmente, a comparação da análise ecocardiográfica tridimensional do átrio esquerdo com a análise com a ressonância magnética demonstra correlação adequada entre os métodos, apresentando aplicabilidade na prática clínica diária59. Do ponto de vista teórico, esses métodos ecocardiográficos tridimensionais representam grande avanço para a investigação da valvopatia mitral, necessitando, no entanto, de maior validação com estudos populacionais para a determinação do seu real impacto clínico. 6.2.2. Cateterismo cardíaco O cateterismo cardíaco, com ou sem estresse, é necessário quando há discrepância entre a clínica e os achados não invasivos60. O cateterismo também deve ser realizado quando a cirurgia é contemplada em casos em que há dúvidas sobre a gravidade da IM após testes não invasivos, discrepância da pressão de artéria pulmonar ou quando há necessidade de avaliar presença, extensão e gravidade de DAC (idade avançada, hipercolesterolemia, ou hipertensão), ou ainda quando há suspeita de que a IM tenha etiologia isquêmica (quer seja por infarto do miocárdio conhecido, quer por suspeita de isquemia), devendo a cineangiocoronariografia ser realizada antes da cirurgia (vide tabela 12). Estudo hemodinâmico com esforço pode fornecer informações adicionais para a tomada de decisões61. Tabela 12 – Recomendações para cateterismo cardíaco na insuficiência mitral Classe de recomendação Indicação Nível de evidência Classe I Ventriculografia esquerda e medidas hemodinâmicas quando os testes não invasivos são inconclusivos em relação à gravidade da IM, função do VE ou necessidade de cirurgia. C Classe I Estudo hemodinâmico quando a pressão da artéria pulmonar é desproporcional à gravidade do refluxo mitral na avaliação por testes não invasivos. C Classe I Cineangiocoronariografia antes do tratamento cirúrgico da valva mitral em pacientes com fatores de risco para DAC. C Classe III Ventriculografia esquerda e medidas hemodinâmicas em pacientes com IM nos quais a cirurgia não é contemplada. C IM - Insuficiência mitral; VE - Ventrículo esquerdo; DAC - Doença arterial coronariana. Tabela 11 – Recomendações da ecocardiografia na insuficiência mitral Classe de recomendação Indicação Nível de evidência Classe I ETT no diagnóstico e na avaliação da morfologia e gravidade da IM, seu mecanismo etiológico e suas repercussões hemodinâmicas. B Classe I ETT na avaliação periódica semestral ou anual da função ventricular esquerda em pacientes com IM moderada ou importante, assintomáticos. C Classe I ETT na reavaliação de pacientes com mudanças de sinais e sintomas. C Classe I ETT após intervenção cirúrgica da valva mitral, como nova avaliação de base. C Classe I ETT na avaliação das alterações hemodinâmicas e adaptação ventricular durante a gravidez. C Classe I ETE perioperatório ou intraoperatório em pacientes com indicação de correção cirúrgica da IM. B Classe I ETE na avaliação de pacientes com IM nos quais o ETT seja inconclusivo. B Classe I Ecocardiografia sob estresse em pacientes com IM importante, assintomáticos, para avaliação da tolerância ao esforço e efeitos na pressão pulmonar. C Classe IIa ETE em pacientes com IM importante, assintomáticos, sob análise para correção cirúrgica conservadora. C Classe III ETT na avaliação periódica de rotina em pacientes com IM discreta, assintomáticos, com dimensões e função sistólica do ventrículo esquerdo normais. C Classe III ETE na avaliação periódica de rotina ou para investigação em pacientes com IM de valva nativa assintomáticos. C ETT - Ecocardiografia transtorácica; ETE - Ecocardiografia transesofágica; IM - Insuficiência mitral. 11 Diretrizes Diretriz Brasileira de Valvopatias – SBC 2011 I Diretriz Interamericana de Valvopatias – SIAC 2011 Arq Bras Cardiol 2011; 97(5 supl.1):1-67 6.3 Tratamento 6.3.1 Tratamento farmacológico Na insuficiência mitral aguda com repercussão clínica e hemodinâmica recomenda-se o uso de vasodilatadores e diuréticos preferencialmente por via intravenosa, objetivando redução das pressões de enchimento ventricular. Dentre os vasodilatadores, destacam-se os nitratos, especialmente o nitroprussiato de sódio, em razão da capacidade de redução de pós-carga e da fração regurgitante. Agentes inotrópicos, como a dobutamina, são indicados nos cenários mais críticos, em que a regurgitação valvar associada à disfunção ventricular determina baixo débito cardíaco e hipotensão arterial sistêmica62. Não há tratamento farmacológico definido para a insuficiência mitral crônica assintomática. Embora exista racional fisiopatológico para o uso de vasodilatadores, a evidência científica atual não demonstra benefícios clínicos63. Pequenos estudos não comprovaram melhora significativa dos volumes ventriculares e do grau de regurgitação mitral com o uso de Inibidores da Enzima de Conversão da Angiotensina (Ieca)64. Além disso, essa terapia pode mascarar a evolução clínica desses pacientes por abrandar o surgimento de sintomas, acarretando atraso na indicação do tratamento cirúrgico. Em contrapartida, na insuficiência mitral secundária resultante de miocardiopatia dilatada com disfunção ventricular sistólica, o uso de Ieca e de betabloqueadores, como verificado por diversos estudos, pode melhorar tanto o grau de regurgitação mitral quanto a classe funcional62. O uso de vasodilatadores e diuréticos é recomendado na insuficiência mitral crônica sintomática objetivando exclusivamente a melhora de classe funcional, enquanto o paciente aguarda o procedimento cirúrgico, sem demonstração de benefícios na mortalidade. A terapia anticoagulante é indicada na insuficiência mitral associada à fibrilação atrial permanente ou paroxística, com INR-alvo entre 2,0 e 3,0. A frequência cardíaca, nesses casos, deve ser controlada com bloqueadores de canais de cálcio do tipo nãodiidropiridínicos (diltiazem, verapamil), digoxina, amiodarona ou betabloqueadores. As recomendações acima encontram-se esquematizadas na tabela 13. Tabela 13 – Recomendações para tratamento farmacológico na insuficiência mitral Classe de recomendação Indicação Nível de evidência Classe I Vasodilatadores intravenosos na IM aguda, importante e sintomática, enquanto aguarda definição cirúrgica. B Classe I Diuréticos na IM crônica importante, sintomática e com sinais de congestão, enquanto aguarda definição cirúrgica. C Classe I Vasodilatadores orais na IM crônica importante, sintomática, enquanto aguarda definição cirúrgica. B Classe IIa Digitálicos no controle de frequência ventricular na FA de alta reposta associada à IM crônica importante. C Classe IIb Betabloqueadores para controle de frequência ventricular na FA de alta reposta associada à IM crônica importante. C Classe IIb Bloqueadores de canais de cálcio não diidropiridínicos para controle de frequência ventricular na FA de alta reposta associada à IM crônica importante. C ClasseIII Vasodilatadores na IM crônica assintomática com função ventricular normal e na ausência de hipertensão arterial sistêmica. C IM - Insuficiência mitral; FA - Fibrilação atrial. 6.3.2. Tratamento cirúrgico 6.3.2.1 Tipos de procedimentos Atualmente, a correção da IM é realizada por: 1 reconstrução por plástica; 2 substituição da valva por prótese com preservação parcial ou total das estruturas subvalvares; 3 substituição por prótese com remoção do aparelho valvar. Esses procedimentos têm indicações específicas, bem como riscos e benefícios (tabela 14). A plástica valvar preserva as estruturas da valva nativa, que fazem parte da estrutura morfológica e funcional do VE e são responsáveis pela manutenção da forma e volume dessa câmera e pela preservação da função ventricular no pós-operatório, com maiores taxas de sobrevivência imediata e tardia. Por essas razões, é o procedimento de escolha para a maioria dos pacientes. Esses benefícios são mantidos tanto nos pacientes assintomáticos com IM importante e com função do VE preservada quanto nos muito sintomáticos e com Fração de Ejeção do Ventrículo Esquerdo (FEVE) gravemente comprometida65. Os procedimentos reconstrutivos da valva mitral dependem das características morfológicas das lesões, como a quantidade de tecido flexível das cúspides, a presença e extensão de calcificação e o envolvimento de uma ou de ambas as cúspides, e da experiência do cirurgião. O ato operatório demanda mais tempo de Circulação Extracorpórea (CEC) nas reconstruções mais complexas comparado à substituição valvar e menor tempo nas correções de menor complexidade. Os índices de reoperação são similares aos da substituição valvar e cursam entre 7% e 10% em 10 anos em casos de IM recorrente importante, geralmente devidos ao procedimento inicial em aproximadamente 70% dos pacientes, e pela progressão da doença valvar em 30% deles. Os índices de sucesso são maiores e com baixas taxas de reoperações nos procedimentos sobre a cúspide posterior quando comparados com os procedimentos envolvendo a cúspide anterior ou ambas as cúspides. A falha técnica na reconstrução da função valvar implica substituição da valva, expondo o paciente aos riscos relacionados à prótese. Assim, a indicação em pacientes assintomáticos e com FEVE normal requer alto grau de certeza de sucesso operatório da plástica66. 12 Diretrizes Diretriz Brasileira de Valvopatias – SBC 2011 I Diretriz Interamericana de Valvopatias – SIAC 2011 Arq Bras Cardiol 2011; 97(5 supl.1):1-67 6.3.2.2 Indicações de tratamento cirúrgico O tratamento cirúrgico está indicado nos casos de insuficiência mitral importante e sintomática (CF II, III ou IV). Vários estudos retrospectivos mostraram que a plástica mitral correlaciona-se a maiores índices de sobrevida e menor mortalidade operatória comparativamente à substituição valvar67. Em 2003, uma grande análise prospectiva comparou os desfechos relacionados às duas técnicas cirúrgicas. A sobrevida em cinco anos para o grupo de pacientes submetidos aplástica mitral foi de 82%, diferindo significativamente da verificada no grupo em que a troca valvar foi realizada (72%)68. Adicionalmente, a plástica mitral, ao preservar o aparato valvar original do paciente, evita os riscos da anticoagulação crônica exigida para as próteses mecânicas, além de determinar menores taxas de reoperação que a substituição por biopróteses11,69,70. Enriquez-Sarano e cols. observaram que o tratamento cirúrgico por meio de plástica mitral foi exequível em 90% dos pacientes portadores de PVM, com mortalidade operatória de 1,7%. Nos casos de etiologia reumatismal ou secundários à endocardite infecciosa, a plástica mitral restringiu-se a 63% dos pacientes, com maior mortalidade operatória (5,7%)71. Especificamente para o PVM, diversos estudos demonstram melhores resultados cirúrgicos nos casos de insuficiência por acometimento do folheto posterior, com menor incidência de regurgitação residual e necessidade de reoperação66,72-74.O maior desses estudos foi conduzido pela equipe da clínica Mayo e analisou os desfechos clínicos em 1.411 pacientes tratados cirurgicamente. Foi realizada plástica valvar em cerca de 83% desses indivíduos. Na ocorrência de insuficiência mitral discreta a moderada associada a sintomatologia exuberante, faz-se necessária a consideração de outros possíveis diagnósticos, além de uma reavaliação da gravidade anatômica mediante diferentes métodos como a ETE, a Ressonância Nuclear Magnética Cardíaca (RNMC) e a ventriculografia convencional ou por radioisótopos. Para os pacientes assintomáticos, o momento ideal para a intervenção cirúrgica ainda é controverso. De modo geral, recomenda-se cirurgia quando surgirem sinais ecocardiográficos de disfunção ventricular (FE menor que 60% ou diâmetro sistólico final do VE – DsVE – acima de 40mm)11. A evidência para indicação de tratamento cirúrgico em pacientes portadores de disfunção ventricular sistólica provém de um estudo retrospectivo norte-americano que analisou os preditores de sobrevida em 409 indivíduos operados por insuficiência mitral importante75. Os pacientes foram alocados em três grupos de acordo com a função ventricular: FE ≥ 60%, FE entre 50% e 59% e FE menor do que 50%. Os valores de sobrevida para os diferentes grupos foram de 72%, 53% e 32%, respectivamente. No subgrupo com FE maior ou igual a 60%, os pacientes oligossintomáticos (CF I/ II) apresentaram maior sobrevida do que os demais (CF III/IV). Utilizando essas evidências, a diretriz norte-americana adota medidas de DsVE acima de 40mm como ponto de corte para indicação de tratamento cirúrgico na insuficiência mitral crônica assintomática. Em contrapartida, a Diretriz Europeia de Valvopatias recomenda valores de DsVE acima de 45mm para intervenção. Para pacientes com disfunção ventricular grave (FE abaixo de 30% e/ou DsVE acima de 55mm) e insuficiência mitral importante, os benefícios da cirurgia ainda são motivo de controvérsias. O tratamento cirúrgico também é recomendado para indivíduos assintomáticos com insuficiência mitral importante e função ventricular normal quando houver HP, com PSAP acima de 50mmHg em repouso, ou fibrilação atrial de início recente. Em trabalho prospectivo, Le Tourneau e cols. verificaram uma sobrevida pós-operatória de 86,6% para pacientes com insuficiência mitral importante e PSAP abaixo de 50mmHg, contrastando com o índice de 58,6% observado naqueles em que a PSAP pré-operatória foi maior que 50mmHg76.O desenvolvimento de FA também é considerado um preditor independente de mortalidade e insuficiência cardíaca77.A incidência de FA em pacientes com insuficiência mitral moderada a importante pode chegar a 5% ao ano, determinando consequências prognósticas. Nos últimos anos, tornou-se crescente o interesse pelo manejo dos pacientes assintomáticos com FE acima de 60%, diâmetros ventriculares limítrofes (DsVE entre 40 e 45mm), sem outros indicadores de intervenção cirúrgica como HP crítica ou fibrilação atrial recente. Duas formas de abordagem foram avaliadas para esse grupo de pacientes: a cirurgia precoce e o seguimento clínico cauteloso com monitoramento periódico de sintomas. Rosenhek e cols., por meiode estudo prospectivo randomizado, propuseram a estratégia de seguimento clínico cauteloso (“watchful waiting”), na qual 132 pacientes portadores de insuficiência mitral crônica degenerativa foram acompanhados por um período de oito anos, com avaliações médicas frequentes. O tratamento cirúrgico foi indicado quando constatada progressão para sintomas, DsVE acima de 45mm, FE abaixo de 60%, PSAP em repouso superior a 50mmHg ou FA de início recente78.A sobrevida geral ao final dos oito anos do estudo foi próxima à esperada (91%). O principal fator desencadeante da cirurgia foi o desenvolvimento de sintomas (cerca de dois terços dos pacientes operados). Embora com resultados consistentes, o estudo de Rosenhek não fez comparação diretacom um grupo submetido à estratégia de tratamento cirúrgico precoce. Essa limitação não esteve presente num estudo prospectivo posterior, conduzido por Kang e cols.79.Nesse trabalho, as duas modalidades de tratamento foram comparadas em um grupo de 447 pacientes com insuficiência mitral crônica degenerativa importante, com FE acima de 60%, DsVE abaixo de 45mm e sem FA ou HP grave. O tratamento cirúrgico precoce foi realizado em 161 pacientes. Os demais pacientes foram submetidos ao “watchful waiting”. Durante um tempo médio de seguimento de 5,4 anos, não foram registrados óbitos de causa cardiovascular no grupo operado precocemente. No grupo acompanhado clinicamente registraram-se 12 óbitos, além de 22 admissões hospitalares por insuficiência cardíaca descompensada. Essa aparente superioridade da intervenção cirúrgica precoce, no entanto, é passível de algumas críticas. Três óbitos ocorridos no grupo cirúrgico precoce não foram considerados de origem cardiovascular, embora tenham sido decorrentes de acidentes encefálicos com provável mecanismo cardioembólico subjacente. Além disso, dentre os óbitos registrados no grupo “watchful waiting”, cinco foram devido a insuficiência cardíaca com recusa ao tratamento cirúrgico. Considerando tais ressalvas, a estratégia de seguimento clínico, com reavaliações periódicas a cada seis a 12 meses e monitoramento de parâmetros ecocardiográficos, parece a mais adequada para esse perfil de pacientes. Outros métodos diagnósticos, como ventriculografia radioisotópica e ressonância nuclear magnética, auxiliam na decisão terapêutica nos casos com função ventricular limítrofe. Ante a dificuldade na avaliação de sintomas, recomenda-se a utilização do teste ergoespirométrico para determinação objetiva do grau de limitação funcional. 13 Diretrizes Diretriz Brasileira de Valvopatias – SBC 2011 I Diretriz Interamericana de Valvopatias – SIAC 2011 Arq Bras Cardiol 2011; 97(5 supl.1):1-67 Tabela 14 – Recomendações para tratamento cirúrgico na insuficiência mitral primária Classe de recomendação Indicação Nível de evidência Classe I Pacientes com IM crônica importante, sintomáticos (CF II, III ou IV), com FE > 30% e DsVE < 55mm. B Classe I Pacientes com IM crônica importante, assintomáticos, com FE entre 30% e 60% e DsVE ≥ 40mm. B Classe I A plástica da valva mitral é preferível em relação à substituição valvar nos pacientes com IM crônica importante que necessitam cirurgia, devendo ser realizada em centros com experiência no procedimento. C Classe IIa Plástica da valva mitral em pacientes com IM crônica por prolapso, importante, assintomáticos, com FE ≥ 60% e DsVE < 40mm, desde que realizada em centros experientes, nos quais a taxa de sucesso estimada da plástica é maior que 90%. B Classe IIa Pacientes com IM crônica importante, assintomáticos, com função ventricular esquerda preservada e fibrilação atrial de início recente. C Classe IIa Pacientes com IM crônica importante, assintomáticos, com função ventricular esquerda preservada e com HP (PSAP > 50mmHg em repouso ou > 60mmHg com exercício). C Classe IIa Tratamento cirúrgico combinado da fibrilação atrial em pacientes com IM moderada a importante, sintomática (CF III ou IV), quando indicado tratamento cirúrgico da IM. C Classe IIb Plástica da valva mitral em pacientes com IM crônica reumática, importante, assintomáticos, com FE ≥ 60% e DsVE < 40mm, desde que realizada em centros experientes, nos quais a taxa de sucesso estimada da plástica é maior que 90%. B Classe IIb Pacientes com IM crônica importante devido à disfunção ventricular grave (FE < 30%) que apresentem sintomas persistentes (CF III ou IV) a despeito de tratamento otimizado para insuficiência cardíaca, incluindo estimulação com marcapasso biventricular. C Classe III Pacientes com IM crônica importante, assintomáticos, com FE ≥ 60% e DsVE < 40mm, na ausência de HP ou fibrilação atrial de início recente, nos quais existe dúvida sobre a possibilidade de realização de plástica mitral. C IM - Insuficiência mitral; CF - Classe funcional; FE - Fração de ejeção; DsVE - Diâmetro sistólico de ventrículo esquerdo; HP - Hipertensão pulmonar; PSAP - Pressão sistólica de artéria pulmonar. Abaixo, Fluxograma para tratamento cirúrgico da Insusficiênica mitral FE - Fração de ejeção; DsVE - Diâmetro sistólico do ventrículo esquerdo; HP - Hipertensão pulmonar; FA- Fibrilação atrial 14 Diretrizes Diretriz Brasileira de Valvopatias – SBC 2011 I Diretriz Interamericana de Valvopatias – SIAC 2011 Arq Bras Cardiol 2011; 97(5 supl.1):1-67 6.3.2.3. Insuficiência mitral isquêmica A insuficiência mitral denominada isquêmica decorre de DAC com isquemia miocárdica. Pode manifestar-se agudamente pela ruptura do músculo papilar, causando grave instabilidade hemodinâmica e alta morbimortalidade. No entanto, a maioria dos casos relaciona-se à isquemia miocárdica crônica. Estima-se que 20% a 30% dos casos de infarto do miocárdico apresentem algum grau de insuficiência mitral associada80. Historicamente, o tratamento cirúrgico da insuficiência mitral isquêmica era associado com alta morbimortalidade. No entanto, estudos atuais documentam melhores desfechos clínicos, com taxas de mortalidade inferiores a 5%81,82. Nos casos de IM importante, a evidência científica atual demonstra que o tratamento combinado (revascularização miocárdica associada à cirurgia valvar) oferece os melhores resultados83. Quanto ao tipo de cirurgia valvar, a plástica possui melhores resultados do que a substituição valvar11,84. 6.3.3. Procedimentos percutâneos na insuficiência mitral Recentemente, a possibilidade de correção menos invasiva da insuficiência mitral tem despertado o interesse da comunidade científica internacional. As abordagens percutâneas da valva mitral por anuloplastia ou implante de um clipe nos bordos dos folhetos estão em ativa investigação. 6.3.3.1 Anuloplastia A anuloplastia pode ser executada através do seio coronariano, que cursa paralelamente com o ânulo mitral, implantando um dispositivo que tensiona ou reformata o seio, causando contração e deslocamento da parte posterior do ânulo mitral em direção ao septo. Vários dispositivos mostraram eficácia em experiências pré-clínicas e estão sendo testados em estudos clínicos. Alguns dos desafios dessa técnica incluem a grande variabilidade da relação do seio coronariano com o ânulo mitral, o curso da artéria coronária circunflexa e seus ramos sobre ou abaixo do seio coronariano, e o potencial de lesão do seio coronariano85. Atualmente existem três sistemas, descritos a seguir. O Edwards Monarc é baseado em âncoras semelhantes a um stent (stent-like) proximal e distal conectadas por uma ponte de nitinol semelhante a uma mola (spring-like). A redução da distância pós-procedimento entre as âncoras proximal e distal promove um deslocamento anterior da parte posterior do ânulo, reduzindo assim a distância septal-lateral do ânulo mitral. Até o momento, a experiência é limitada e modificações no dispositivo foram solicitadas após experiência inicial em humanos86. O estudo Evolution I já encerrado teve a inclusão de 55 pacientes, e o Evolution II está em andamento, desenhado como um estudo prospectivo, nãorandomizado e multicêntrico. O sistema Carillon também utiliza duas âncoras de nitinol desenhadas como dupla hélice, conectadas por uma ponte curvada, e a diferença entre esse e o Edwards Monarc é que pode ser completamente retirado se a tração realizada pela ponte causar compressão da artéria coronariana ou se as âncoras permanecerem instáveis. Após a conclusão do AMADEUS e TITAN, estudos de viabilidade e segurança na Europa, os sistemas receberam aprovação comercial87,88. O Viacor é um dispositivo que inclui um cateter triplo lúmen com uma ponta de silicone maleável que é avançada até a porção proximal da veia interventricular anterior. A rigidez do cateter produz uma pressão significante, que é máxima na parte póstero-lateral do
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