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Fonte do texto: (CUNHA, A.; COSTA, M.A.; MARTELOTTA, M. E. In: MARTELOTTA, M. E. (Org.). Manual de Linguística, 2015, p.15-29) A linguística é definida como a disciplina que estuda cientificamente a linguagem. Linguagem → qualquer processo de comunicação. ⇒ linguagem dos animais, corporal, das artes, da sinalização, escrita etc. línguas naturais, como português e italiano são formas de linguagem. Linguistas → cientistas que se dedicam à linguística. ⇒ definem linguagem como a capacidade que apenas os seres humanos possuem de se comunicar por meio de línguas. Língua → o termo é normalmente definido como um sistema de signos vocais utilizados como meio de comunicação entre os membros de um grupo social ou comunidade linguística. • Uma técnica articulatória complexa Um conjunto de movimentos corporais necessários para a produção dos sons que compõem a fala. A sutileza que caracteriza esses movimentos e, sobretudo, a particularidade que distingue os vários sons e sua função no sistema da língua fazem com que o domínio desse processo de produção vocal seja uma tarefa de complexidade tal que apenas a espécie humana parece ser capaz de realizar. A esse fato está associado o domínio que o falante tem sobre complexos fenômenos de ordem fonológica que caracterizam o uso diário de uma língua. O uso da linguagem implica o domínio de um conjunto de procedimentos bastante complexos, associados à produção e percepção dos diferentes sons da fala e aos efeitos característicos da distribuição funcional desses sons pela cadeia sonora. • Uma base neurobiológica composta de centros nervosos que são utilizados na comunicação verbal Um exemplo que ilustra bem essa relação entre a linguagem e nossa estrutura neurobiológica pode ser visto nas afasias, que são distúrbios de linguagem provenientes de acidentes cardiovasculares ou lesões no cérebro. A partir dos estudos de cientistas como Paul Broca e Karl Wernicke, ficou estabelecido que lesões ou traumatismos em determinadas áreas do cérebro provocam problemas de linguagem. ➢ Afasia de Broca: lesões que ocorrem na parte frontal do hemisfério esquerdo do cérebro causam à pessoa afetada uma articulação deficiente e uma séria dificuldade de formar frases, sem que sua compreensão daquilo que as outras pessoas falam seja comprometida. ➢ Afasia de Wernick: pacientes com lesão na parte posterior do lóbulo temporal esquerdo conseguem falar fluentemente, com boa pronúncia e com frases bem formadas, porém perdem a capacidade de produzir enunciados com significado e de compreender a fala de outras pessoas. A partir de então vêm sendo desenvolvidos estudos acerca da interface entre cérebro/mente/linguagem, caracterizando uma área de pesquisa normalmente chamada de neurolinguística ou afasiologia. As áreas de Broca e de Wernicke são conectadas por um feixe de fibras chamado fasciculus O linguista estuda os processos através dos quais essas várias línguas refletem, em sua estrutura, aspectos universais essencialmente humanos. Fonte do texto: (CUNHA, A.; COSTA, M.A.; MARTELOTTA, M. E. In: MARTELOTTA, M. E. (Org.). Manual de Linguística, 2015, p.15-29) arcuatus, cuja lesão gera um terceiro tipo de afasia chamado de afasia de condução. • Uma base cognitiva, que rege as relações entre o homem e o mundo biossocial e, consequentemente, a simbolização ou representação desse mundo em termos linguísticos Associado a essa base neurobiológica está o que poderíamos chamar, para usar uma expressão simplificada, de funcionamento mental: os processos associados à nossa capacidade de compreender a realidade que nos cerca, armazenar organizadamente na memória as informações consequentes dessa compreensão e transmiti-las aos nossos semelhantes em situações reais de comunicação. ➢ Hipótese do relativismo linguístico de Edward Sapir e Benjamin Lee Whorf: cada língua segmenta a realidade de um modo peculiar e impõe tal segmentação a todos os que a falam. A linguagem é importante não só para a organização do pensamento, como também para a compreensão e categorização do mundo que nos cerca. As diferenças de significados existentes numa língua são relativas às diferenças culturais relevantes para o povo que usa essa língua. Os autores procuram mostrar, portanto, a importância que a linguagem tem na compreensão e na construção da realidade. ➢ Noam Chomsky e linguistas gerativistas: o pensamento humano apresenta uma espécie de organização interna e universal, que, pelo menos em sua essência, pouco tem a ver com questões de caráter sociocultural. ➢ Linguistas sociocognitivistas: existem universais conceptuais que apenas motivam os conceitos humanos, mas que não têm a capacidade de prevê-los de modo definitivo. A capacidade da linguagem implica um tipo de organização mental sem a qual ela não existiria ou, pelo menos, não teria as características que tem. • Uma base sociocultural que atribui à linguagem humana os aspectos variáveis que ela apresenta no tempo e no espaço Cada grupo social tem um comportamento que lhe é peculiar e isso vai se manifestar também na maneira de falar de seus representantes. Em função da evolução cultural as línguas acabam sofrendo mudanças decorrentes de modificações nas estruturas sociais e políticas. As línguas variam e mudam ao sabor dos fenômenos de natureza sociocultural que caracterizam a vida na sociedade. Variam pela vontade que os indivíduos ou os grupos têm de se identificar por meio da linguagem e mudam em função da necessidade de se buscar novas expressões para designar novos objetos, novos conceitos ou novas formas de relação social. • Uma base comunicativa que fornece os dados que regulam a interação entre os falantes Como a linguagem se manifesta no exercício da comunicação, existem aspectos provenientes da interação entre os indivíduos que se revelam na estrutura das línguas, como a criação de formas novas e mais expressivas para substituir construções que perderam sua expressividade em função da alta frequência de uso. A exemplo tem-se a construção negativa dupla, como em "Não quero isso, não". No discurso falado no português do Brasil, a pronúncia do "não" tônico que precede o verbo frequentemente se reduz a um "num" átono, ou até mesmo a uma simples nasalização A linguística tem um objeto de estudo próprio: a capacidade da linguagem, que é observada a partir dos enunciados falados e escritos. Ela tende a ser empírica, e não especulativa ou intuitiva. A maioria dos modelos linguísticos contemporâneos trabalha com dados publicamente verificáveis por meio de observações e experiências. Fonte do texto: (CUNHA, A.; COSTA, M.A.; MARTELOTTA, M. E. In: MARTELOTTA, M. E. (Org.). Manual de Linguística, 2015, p.15-29) O caráter empírico da linguística está relacionado à atitude não preconceituosa em relação aos diferentes usos da língua. Nenhuma língua é intrinsecamente melhor ou pior do que outra, uma vez que todo sistema linguístico é capaz de expressar adequadamente a cultura do povo que a fala. A linguística respeita qualquer variação que uma língua apresente, independentemente da região e do grupo social que a utilize, pois é natural que toda língua apresente variações: ✓ de pronúncia: falar/fala; ✓ de vocabulário: aipim/macaxeira; ✓ de sintaxe: casa de Paulo/casa do Paulo. Todas as línguas e todas as variedades de uma mesma língua são igualmente apropriadas ao estudo, uma vez que interessa ao linguista a construção de uma teoria geral sobre a linguagem humana. Isso significa dizer que a linguística é não prescritiva. A língua falada, excluída durante muito tempo como objeto de pesquisa, tem características próprias que a distinguem da escrita e constitui foco de interesse de investigação. A linguística tem como objeto de estudo a linguagem humana através da observação de sua manifestação oralou escrita (ou gestual, no caso da língua dos sinais). a partir do início do século XX, com a publicação do Curso de linguística geral, por Ferdinand de Saussure, os estudiosos da linguagem adquirem consciência da tarefa que lhes cabe: utilizando se de uma metodologia adequada, estudar, analisar e descrever as línguas a partir dos elementos formais que lhes são próprios. Ciências que não têm a linguagem como seu objeto de estudo específico passam a se interessar por ela, porque a linguagem faz parte de alguns aspectos do seu objeto de estudo; quando falamos em interface, nos referimos a pontos de interseção entre a linguística e outras ciências. ✓ A sociologia: se interessa pelo estudo da linguagem, uma vez que a vida em sociedade só é possível em função da comunicação entre os indivíduos; ✓ A filosofia: que se ocupa da natureza da relação entre linguagem e realidade; ✓ A psicologia: que, estudante o funcionamento da mente, interessa-se por essa habilidade essencialmente humana. Linguística, gramática tradicional, filologia e, em menor grau, semiologia estudam específica e exclusivamente a linguagem, diferindo na concepção que possuem da natureza da linguagem, do foco que dão aos seus diferentes aspectos, dos objetivos a que se propõem e da metodologia que adotam. A semiologia pesquisa como a ciência geral dos signos; não se interessa apenas pela linguagem humana de natureza verbal, mas por qualquer sistema de signos naturais ou culturais. Para Ferdinand de Saussure, a linguística seria um ramo da semiologia, apresentando um caráter mais específico em função de seu particular interesse pela linguagem verbal. Porém, a semiologia vem se desenvolvendo separadamente da linguística como consequência do trabalho de não linguistas. O fator de diferenciação entre elas é que enquanto a linguística estuda a linguagem verbal, a semiologia interessa-se por todas as formas de linguagem. A filologia é uma ciência eminentemente histórica que estuda as civilizações passadas através da observação dos textos escritos que elas nos deixaram, com o intuito de interpretá-los, comentá-los, fixá-los e de esclarecer ao leitor o processo de transmissão textual. Os estudos filológicos podem variar de acordo com diferentes autores, por exemplo: ✓ o estudo da evolução das línguas; ✓ o estudo das transformações sofridas pelas formas da língua através da Fonte do texto: (CUNHA, A.; COSTA, M.A.; MARTELOTTA, M. E. In: MARTELOTTA, M. E. (Org.). Manual de Linguística, 2015, p.15-29) verificação de documentos cronologicamente sucessivos. O estudo da evolução do latim em direção às diferentes línguas românicas, tanto nos seus aspectos históricos (história externa) quanto estruturais (história interna). A filologia românica, busca tanto descrever os aspectos políticos, sociais e históricos característicos do crescimento do Império Romano que tiveram influência na evolução da língua, quanto os aspectos linguísticos associados à mudança fonética, morfossintática e semântica. Alguns autores identificam a filologia com a linguística histórica, cujo objetivo básico é o estudo comparativo entre as línguas a fim de classificá-las de acordo com as semelhanças que elas apresentam. Essa identificação NÃO é consensual. Muitos autores veem o surgimento da linguística histórica como o advento da própria linguística, já que marca o desenvolvimento de uma análise voltada para a compreensão da própria estrutura das línguas, bem como o aparecimento de teorias mais consistentes acerca da mudança linguística. Segundo essa visão, o campo de atuação da filologia se restringe ao estudo do texto escrito. Cabe à filologia interpretar e comentar os textos antigos a fim de fornecer as informações necessárias para sua compreensão: ✓ sentidos que as palavras possuíam num passado remoto ou recente que acabaram se perdendo; ✓ formas e usos linguísticos atualmente não utilizados, mas necessários para esclarecer-nos eventuais passagens obscuras de um texto. A disciplina visa apresentar ao leitor o texto que mais se aproxima da última forma materializada pelo seu autor. O filólogo deve saber de que época é a letra, se é texto original ou cópia, se o copista foi fiel ou se inseriu modernismos. Deve observar não apenas aspectos linguísticos, mas também aspectos não linguísticos. A filologia busca levantar o contexto em que o texto foi produzido, o que inclui: ✓ seu autor; ✓ sua época exata; ✓ suas condições de produção; ✓ tudo o que ajuda a compreender a sua estrutura. Para diferenciar a linguística da chamada gramática tradicional, é necessário pontuar que: a ela foi criada e desenvolvida por filósofos gregos, portanto tem suas raízes na filosofia e predominou na base dos estudos gramaticais até o século XIX, quando se desenvolveram novas teorias sobre a linguagem que caracterizariam o surgimento de uma nova ciência: a linguística. Além disso, essa tradição gramatical se caracterizava por uma orientação normativa, ao tentar impor o dialeto ático como ideal, buscou instituir uma maneira correta de usar a língua. Já os linguistas estão interessados no que é dito, e não no que alguns acham que deveria ser dito. É um equívoco comum achar que há um padrão absoluto de correção que é dever de linguistas, professores, gramáticos e dicionaristas manter. Os critérios de correção que privilegiam a forma- padrão em detrimento da coloquial não são estritamente linguísticos, mas decorrem de pressões políticas e/ou socioculturais. As formas consideradas corretas são, na realidade, aquelas utilizadas pelos grupos sociais predominantes. Os linguistas têm plena consciência da importância da norma-padrão para o ensino do português e reconhecem que o aprendizado ou não desse padrão tem implicações importantes no desenvolvimento sociocultural dos indivíduos, para a linguística não há formas de expressão corretas ou erradas, mas adequadas ou não aos diferentes contextos de uso. Uma segunda diferença importante entre a linguística e a gramática tradicional é que os linguistas consideram a língua falada, e não a escrita, como primária, já que: ✓ começamos a falar antes de aprender a escrever; ✓ falamos mais do que escrevemos em nossa rotina diária; Fonte do texto: (CUNHA, A.; COSTA, M.A.; MARTELOTTA, M. E. In: MARTELOTTA, M. E. (Org.). Manual de Linguística, 2015, p.15-29) ✓ todas as línguas naturais foram faladas antes de serem escritas. Enquanto todas as comunidades humanas existentes, ou que já existiram, possuem a capacidade de se comunicar através da fala, o sistema de escrita, pelo que se sabe, existe há seis ou sete mil anos no máximo. As línguas ágrafas, são línguas desprovidas de tradição escrita, como por exemplo algumas línguas indígenas brasileiras e algumas línguas africanas. Logo, embora sobrepostos, esses sistemas devem ser analisados separadamente: a fala primeiro, depois a escrita. A linguística aplicada, segundo alguns autores, surgiu na metade da década de 50 do século passado, quase simultaneamente na Inglaterra e nos Estados Unidos, motivado talvez pelo desejo dos professores de língua de se distinguirem dos professores de literatura e de se associarem a algo mais científico e objetivo, como a linguística. Em sua origem, a linguística aplicada tem sua atuação voltada para o ensino de línguas, especialmente de línguas estrangeiras. A literatura especializada frequentemente emprega uma definição operacional de linguística aplicada: a linguística aplicada é uma abordagem multidisciplinar para a solução de problemas associados à linguagem. Ela não está preocupada em descrever a linguagem em si mesma e, portanto, busca conhecimento também em uma variedade de outras ciências sociais, indo da antropologia, teoria educacional, psicologia e sociologia até a sociologia da aprendizagem, a sociologia da informação, a sociologia do conhecimento etc.Que parte da linguística pode ser utilizada nos problemas baseados na linguagem que a linguística aplicada se propõe a mediar? Que tipos de problemas podem ser resolvidos através da mediação da linguística aplicada? Todas as áreas da linguística contribuem para a linguística aplicada. Política e planejamento linguísticos, usos profissionais da linguagem, comportamento linguístico desviante e bilinguismo, multilinguismo e multiculturalismo, são as áreas em que a linguística aplicada tem estado ativa, intervindo nos modelos teóricos e nos praticantes A relação entre linguística e linguística aplicada é, pois, simbiótica. As aplicações da linguística não se restringem, porém, ao domínio do ensino de línguas ou ao campo de atuação da disciplina denominada linguística aplicada, mas também à afasiologia, a inteligência artificial, a tradução automática e o desenvolvimento de softwares capazes de traduzir a fala humana em escrita e vice-versa. Psicolinguistas e neurolinguistas têm procurado entender como a linguagem é processada no cérebro e como os vários danos cerebrais afetam tanto a memória linguística quanto a produção linguística. Em resumo, há vários domínios em que a linguística pode ser aplicada produtivamente. Dependendo do propósito da aplicação, as disciplinas relevantes a esses propósitos vão variar. Anna Gabrielly Santos de Almeida Universidade Federal da Bahia - UFBA Bacharelado Interdisciplinar em Saúde Língua Portuguesa, Poder e Diversidade Cultural
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