Prévia do material em texto
Indaial – 2022 da Libras Prof.ª Danielle Vanessa Costa Sousa Prof.ª Mariana Correia 1a Edição socioLinguística Elaboração: Prof.ª Danielle Vanessa Costa Sousa Prof.ª Mariana Correia Copyright © UNIASSELVI 2022 Revisão, Diagramação e Produção: Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI Impresso por: C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI. Núcleo de Educação a Distância. SOUSA, DANIELLE VANESSA COSTA. Sociolinguística da Libras. Danielle Vanessa Costa Sousa; Mariana Correia. Indaial - SC: UNIASSELVI, 2022. 216p. ISBN XXX-XX-XXX-XXXX-X “Graduação - EaD”. 1. Sociolinguística 2. Libras CDD XXXXX Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679 Prezado acadêmico, seja bem-vindo ao Livro Didático de Sociolinguística! É com muita satisfação que o apresentamos para você. Nesta edição, procuramos apresentar as discussões basilares da área e relacionar os estudos da Sociolinguística às discussões das línguas de sinais num geral e à Libras em específico. Para que possamos organizar o debate que envolverá essas questões, o livro está dividido em três unidades, que serão, brevemente, apresentadas a seguir. Na Unidade 1, serão estudadas as bases das discussões sobre língua e sociedade que envolvem o debate da Sociolinguística, para isso, iniciaremos com a compreensão das relações entre língua e sociedade, a apresentação da história de delimitação do campo de estudos e as correntes de pensamento que fazem parte dos debates da Sociolinguística. Ainda nesta unidade, serão estudados os conceitos de variação e mudanças linguísticas, bem como os tipos de variação, as noções de comunidade linguística e preconceito linguístico. Por fim, serão apresentadas possibilidades de contato linguístico de modo a serem estudados os conceitos de empréstimos, interferências, misturas e alternâncias; além disso, as concepções de pidgins e crioles também entrarão em pauta a partir da compreensão das consequências linguísticas do contato entre línguas. Para encerrar unidade, veremos, brevemente, alguns aspectos da emergência das línguas de sinais a partir dos contatos linguísticos. Em seguida, na Unidade 2, serão apresentadas as diferentes concepções de linguagem presentes na sociedade e, a partir desta discussão, será estabelecida uma reflexão sobre a relação entre língua, cultura e sociedade. Além disso, serão apresentadas as particularidades das abordagens de ensino de uma língua adicional e, após, mostraremos e diferenciaremos as visões ideológicas sobre os surdos e a surdez, a partir das filosofias de educação de surdos. Por fim, na Unidade 3, os debates serão desenvolvidos em torno da abordagem que discute os direitos linguísticos dos surdos, a partir de documentos oficiais que orientam sobre a educação de surdos e a Libras. Além disso, apresentaremos os conceitos de política e planejamento linguístico, focando em seguida, na política de educação bilíngue para surdos no Brasil. Após, discutiremos os elementos linguísticos envolvidos na noção de pertencimento social mediado pela língua na formação da identidade surda, em seguida, abordaremos alguns dos elementos importantes para compreensão da aquisição da Libras e da Língua Portuguesa. Por fim, serão discutidos características e conceitos referentes ao caso dos sinais internacionais e o desenvolvimento do Gestuno. APRESENTAÇÃO Desse modo, as três unidades que compõem este livro didático pretendem apresentar as bases teóricas dos estudos em Sociolinguística e demonstrar as discussões sobre língua, linguagem, surdez e políticas públicas na perspectiva deste campo de estudos. Assim, a ideia central deste livro é proporcionar, à teoria e implicações práticas, debates sobre os estudos sobre surdez da compreensão Sociolinguística dos fenômenos linguísticos. Ao longo deste livro, serão apresentados diferentes materiais, os quais servirão de apoio à aprendizagem, de modo a ampliar, sintetizar, relacionar ou exemplificar diferentes aspectos das discussões estabelecidas sobre o campo de estudos da Sociolinguística e suas implicações no debate sobre surdez, Libras, políticas linguísticas e aprendizagem, dentre outros assuntos correlatos. Desejamos uma boa leitura e bons estudos! Prof.ª Danielle Vanessa Costa Sousa Prof.ª Mariana Correia Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você – e dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, a UNIASSELVI disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar essa facilidade para aprimorar os seus estudos. GIO QR CODE Você lembra dos UNIs? Os UNIs eram blocos com informações adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento acadêmico como um todo. Agora, você conhecerá a GIO, que ajudará você a entender melhor o que são essas informações adicionais e por que poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto estudado em questão. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina. A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um novo visual – com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada também digital, em que você pode acompanhar os recursos adicionais disponibilizados através dos QR Codes ao longo deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de ações sobre o meio ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Portanto, acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Junto à chegada da GIO, preparamos também um novo layout. Diante disso, você verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os seus estudos com um material atualizado e de qualidade. ENADE LEMBRETE Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conheci- mento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa- res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira, acessando o QR Code a seguir. Boa leitura! SUMÁRIO UNIDADE 1 - O QUE A SOCIOLINGUÍSTICA ESTUDA? .......................................................... 1 TÓPICO 1 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS DA SOCIOLINGUÍSTICA .....................................3 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................3 2 CONCEPÇÃO SOCIALDA LÍNGUA ......................................................................................3 3 A CIÊNCIA DA LINGUAGEM E A DELIMTAÇÃO DA SOCIOLINGUÍSTICA ...........................6 3.1 HISTÓRIA DA DELIMITAÇÃO DO CAMPO DE ESTUDOS DA SOCIOLINGUÍSTICA .................... 9 3.2 ESTUDIOSOS EM LINGUAGEM E SOCIEDADE .............................................................................. 11 4 CORRENTES DE ESTUDO RELACIONADAS À SOCIOLINGUÍSTICA................................ 15 4.1 DIALETOLOGIA ..................................................................................................................................... 15 4.2 SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA ...............................................................................................17 4.3 SOCIOLINGUÍSTICA INTERACIONAL ................................................................................................21 RESUMO DO TÓPICO 1 ........................................................................................................ 28 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 30 TÓPICO 2 - VARIAÇÃO E MUDANÇAS LINGUÍSTICAS ...................................................... 33 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 33 2 AS CONCEPÇÃO DE NORMA E USO NA LÍNGUA ............................................................. 33 3 O QUE É VARIAÇÃO LINGUÍSTICA? ................................................................................. 39 4 COMUNIDADE LINGUÍSTICA E VARIAÇÃO LINGUÍSTICA .............................................. 45 5 DIFERENÇAS ENTRE VARIAÇÃO E MUDANÇAS LINGUÍSTICAS ................................... 48 RESUMO DO TÓPICO 2 .........................................................................................................57 AUTOATIVIDADE ..................................................................................................................59 TÓPICO 3 - CONTATO LINGUÍSTICO ................................................................................... 61 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 61 2 INTERFERÊNCIAS E EMPRÉSTIMOS LINGUÌSTICOS ..................................................... 64 3 ALTERNÂNCIAS (CODE-SWITCHING), MISTURAS (CODE-MIXING) E SOBREPOSIÇÕES (CODE-BLENDING) LINGUÍSTICAS ................................................67 4 PIDGINS, LÍNGUAS CRIOULAS E A EMERGÊNCIA DAS LÍNGUAS DE SINAIS ................70 6 PESQUISA SOBRE SURDEZ NA PERSPECTIVA DA SOCIOLINGUÍSTICA .......................74 LEITURA COMPLEMENTAR .................................................................................................79 RESUMO DO TÓPICO 3 ........................................................................................................ 82 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 84 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 86 UNIDADE 2 — LINGUAGEM E SOCIOLINGUÍSTICA ............................................................. 91 TÓPICO 1 — AS CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM ................................................................. 93 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 93 2 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E SOCIOLINGUÍSTICA .................................................. 94 2.1 PURISMO LINGUÍSTICO ......................................................................................................................99 RESUMO DO TÓPICO 1 .......................................................................................................107 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................108 TÓPICO 2 - UM OLHAR SOCIOLINGUÍSTICO SOBRE A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DE SURDOS ......................................................................................................111 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................111 2 AS CONCEPÇÕES SOBRE AS PESSOAS SURDAS ..........................................................111 3 AS FILOSOFIAS DE EDUCAÇÃO DE SURDOS ................................................................ 113 3.1 O ORALISMO ........................................................................................................................................114 3.2 A COMUNICAÇÃO TOTAL .................................................................................................................115 3.3 BILINGUISMO ......................................................................................................................................116 RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................... 119 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................ 121 TÓPICO 3 - LÍNGUAS EM CONTATO ..................................................................................123 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................123 2 A LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS .................................................................................123 3 CONTATO LINGUÍSTICO .................................................................................................. 127 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................134 RESUMO DO TÓPICO 3 .......................................................................................................139 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................ 141 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................143 UNIDADE 3 — POLÍTICAS LINGUÍSTICAS, AQUISIÇÃO, LÍNGUA E LÉXICO .................... 147 TÓPICO 1 — DIREITOS LINGUÍSTICOS: POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIOLINGUÍSTICA.....................................................................................149 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................149 2 POLÍTICAS PÚBLICAS E PLANEJAMENTO LINGUÍSTICO ............................................150 3 POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO BILÍNGUE PARA SURDOS .................................152 4 SOCIOLINGUÍSTICA, PLURILINGUÍSMO E LÍNGUA DE SINAIS ....................................156 5 PRESENÇA E INTERFERÊNCIAS LP E LIBRAS ..............................................................158 RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................... 161 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................163 TÓPICO 2 - PERTENCIMENTO SOCIAL MEDIADO PELA LÍNGUA NA FORMAÇÃO DA IDENTIDADE SURDA ................................................................................. 167 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 167 2 MACRO E MICROSSOCIOLINGUÍSTICA: BILINGUISMO E DIGLOSSIA ..........................168 3 SOCIOLINGUÍSTICA APLICADA AOS CONTEXTOS E SUJEITOS PARA A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE SURDA .......................................................................... 172 4 CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLINGUÍSTICAPARA O ENSINO DE SURDOS .................... 174 5 ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E SURDEZ ................................................................ 175 RESUMO DO TÓPICO 2 .......................................................................................................180 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................182 TÓPICO 3 - SINAIS INTERNACIONAIS ..............................................................................185 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................185 2 O PORQUÊ DE NÃO EXISTIR UMA LÍNGUA ÚNICA: LÍNGUA, LÉXICO E SOCIEDADE........ 186 3 LÍNGUAS NATURAIS E LÍNGUAS ARTIFICIAIS: O CASO DO ESPERANTO ...................187 4 GESTUNO E SINAIS INTERNACIONAIS: ORIGEM E POLÍTICA DE USO ........................189 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................195 RESUMO DO TÓPICO 3 .......................................................................................................201 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................... 203 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 205 1 UNIDADE 1 - O QUE A SOCIOLINGUÍSTICA ESTUDA? OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • perceber o lugar da sociolinguística dentro do campo dos estudos linguísticos; • conhecer o conceito da sociolinguística na perspectiva histórica dos estudos linguísticos; • localizar os estudos da sociolinguística dentro das vertentes teóricas da linguística; • discutir as vertentes teóricas de estudo no campo da sociolinguística; • compreender as noções de norma e uso dentro da perspectiva dos estudos da sociolinguística; • delimitar a variação linguística na perspectiva da sociolinguística; • ter um panorama de diferentes tipos de variação linguística; • perceber os diferentes contextos de ocorrência e de delimitação dos contatos linguísticos; • associar os conceitos presentes nos estudos dos contatos linguísticos aos estudos das línguas de sinais; • observar as estratégias utilizadas em contextos de contato linguístico; • relacionar as pesquisas feitas dentro dos estudos surdos ao campo de pesquisa da sociolinguística. A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS DA SOCIOLINGUÍSTICA TÓPICO 2 – VARIAÇÃO E MUDANÇAS LINGUÍSTICAS TÓPICO 3 – CONTATO LINGUÍSTICO Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 CONFIRA A TRILHA DA UNIDADE 1! Acesse o QR Code abaixo: 3 INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS DA SOCIOLINGUÍSTICA 1 INTRODUÇÃO Bem-vindo ao Tópico 1, do Livro Didático de Sociolinguística da Libras! Neste momento do nosso debate, serão estudas as bases teóricas desse campo de estudos para que possamos, ao longo das discussões apresentadas, compreender qual é a concepção social da língua estudada e como se deu a história da delimitação do objeto de estudos da Sociolinguística. Em seguida, serão debatidas, brevemente, as correntes de estudos teóricos, que são compreendidos dentro das discussões entre língua e sociedade, e apresentados alguns dos principais pesquisadores que estruturaram os debates sobre a língua em sua dimensão social. Depois disso, debateremos, sinteticamente, a respeito de alguns dos aspectos de estudo das línguas de sinais sob a perspectiva da Sociolinguística, relacionando as discussões entre língua e sociedade a aspectos específicos dos estudos sobre as línguas de sinais. Desse modo, a ideia é que seja possível perceber que as discussões linguísticas são importantes para o conhecimento dos fenômenos das línguas, independentemente da modalidade, seja oral-auditiva ou visuoespacial. O objetivo deste tópico é apresentar a perspectiva da Sociolinguística em relação ao estudo dos fenômenos linguísticos, a partir da compreensão do seu lugar no campo dos estudos linguísticos e da perspectiva histórica da compreensão da relação entre língua e sociedade. Por fim, conhecer as principais vertentes, ou correntes teóricas, e relacionar esses estudos entre língua e sociedade no âmbito dos estudos sobre línguas de sinais. No fim do tópico, você terá conhecido as bases da perspectiva que estuda a relação entre língua e sociedade. Bons estudos! 2 CONCEPÇÃO SOCIAL DA LÍNGUA Acadêmico, ao pensarmos na língua e no uso social dela, podemos perceber que o uso dela é algo que nos parece natural, pois faz parte do nosso cotidiano, com diferentes modalidades e usos. Seja qual for a língua, modalidade ou estrutura, nossas relações de sentido são perpassadas pelas estruturas linguísticas que aprendemos ao longo da vida, pelo contato com outras pessoas que se utilizam do mesmo código linguístico. Esse código é um “conjunto de todos os elementos linguísticos vigentes numa comunidade e postos à disposição dos indivíduos para lhes servir de meios de comunicação” (DICIO, s.d., s.p.). Assim, de modo amplo, esse código abarca os elementos específicos da comunicação, como os fonemas, os grafemas e os sinais, e TÓPICO 1 - UNIDADE 1 4 as referências linguísticas compartilhadas, as quais fazem parte da nossa relação com a língua e com a linguagem. Dito de outro modo, são nossas vivências em sociedade que nos permitem adquirir o sistema linguístico. Os usos específicos e as formas de comunicação fazem sentido na sociedade na qual estamos inseridos ao longo da nossa vida. Assim, é pela, e através da língua, que as nossas relações de sentido internas e externas são estabelecidas. Ao iniciar as discussões sobre a Sociolinguística, Alkmim (2011, p. 21) coloca que linguagem e sociedade estão ligadas ente si, de modo inquestionável. Mais do que isso, podemos afirmar que essa relação é a base da constituição do ser humano. A história da humanidade é a história de seres organizados em sociedade e detentores de um sistema de comunicação oral [ou sinalizado], ou seja, de uma língua. Desse modo, a autora salienta que a ligação entre linguagem e sociedade é, não apenas, evidente, mas está, também, na base da formação do ser humano como tal, logo, ao se viver em sociedade, pela e através da língua e da linguagem que se dão as relações entre os seres humanos, ou seja, na sociedade. Além disso, podemos destacar que, a partir da estrutura do sistema de comunicação, ou seja, da língua, os seres humanos organizam o próprio pensamento. Logo, o sistema da língua é a forma através da qual as pessoas ordenam as relações externas (entre seres humanos) e internas (em si mesmas). Em outras palavras, a língua é estrutura e estruturante da linguagem humana, pois, por ela, e através dela, as relações de sentido se arranjam. Ao mesmo tempo, através do contato com os demais indivíduos que fazem parte da sociedade, o uso da língua se modifica, ajusta, estrutura, organiza e reorganiza na interação com os diferentes grupos de interação, nas situações comunicativas, e frente a necessidades de estabelecimento de relações sociais organizadas a partir das situações comunicativas específicas. A figura a seguir demonstrará, graficamente, de modo muito interessante, as inter-relações estruturadas a partir do uso da língua em sociedade. Primeiramente, observe, atentamente, a figura, com a discussão feita, até agora, em mente: FIGURA 1 – IMAGEM ILUTRATIVA SOBRE A SOCIOLINGUÍSTICA FONTE: Trabalhos escolares (2021, s.p.) 5 Vamos aos destaques em relação à figura?! Então, podemos ver que são apresentadas cinco silhuetas coloridas, e, a partir delas, é interessante notar que o uso da corcria uma ideia de diversidade, explicita que são pessoas diferentes, mesmo que o desenho não tenha elementos que diferenciem, além de uma noção de gênero pautada no tamanho do cabelo. Veja, também, que, na extrema esquerda, aparecem as únicas duas pessoas que estão conversando entre si, já as demais não parecem estar em contato com mais nenhuma em específico, contudo, a partir dos balões de conversa que estão inseridos na parte de cima da figura, são evidenciadas as relações e inter- relações estabelecidas a partir do diálogo da esquerda. Isso posto, repare que os balõezinhos de diálogo têm diferentes formatos, sobrepõem-se, cruzam-se e se misturam entre si, de modo a demonstrar, graficamente, a interação que a língua permite entre os diferentes pensamentos, os entrecruzamentos que ela promove através dos diálogos internos ou externos, e como esses enunciados se mesclam entre as enunciações das diferentes pessoas que fazem parte de uma comunidade linguística. Também, são utilizados diferentes formatos, inclusive, aqueles semelhantes a nuvens, os quais indicam os pensamentos dos personagens, ou seja, demonstram a modificação que a língua sofre ao ser misturada durante as interações que ocorrem em sociedade. A figura utilizada consegue demonstrar como a língua permeia as interações sociais em diferentes níveis de modos. Assim, compreendemos que o campo de estudos dos fenômenos linguísticos, ao qual a Sociolinguística se dedica, é aquele em que são estudadas as relações entre língua e sociedade. Essa relação entre língua e sociedade é bem complexa, pois abarca discussões que envolvem as variações internas de uma língua e a relação entre as diferentes línguas e o modo através do qual essas ligações alteram as línguas que estão em contato. Sobre os estudos da Sociolinguística, Borin (s.d., p. 8) coloca que [...] a sociolinguística é uma área que estuda a língua em uso real, levando em consideração as relações entre a estrutura linguística e os aspectos sociais e culturais da produção linguística. Para essa corrente [dos estudos linguísticos], a língua é uma instituição social, e, portanto, não pode ser estudada como uma estrutura autônoma, independente do contexto situacional, da cultura e da história das pessoas que a utilizam como meio de comunicação. Assim, a língua, não apenas, está relacionada à sociedade, mas a uma entidade que se manifesta em sociedade, logo, não pode ser estudada sem que os fatores sociais sejam levados em conta. Por consequência, o contexto de enunciação, a cultura e a história do povo que utiliza a língua, incluindo a história pessoal dos indivíduos que se utilizam dela, devem ser levados em consideração para o estudo dos fenômenos linguísticos. Desse modo, “[...] é, precisamente, a DIVERSIDADE linguística, o objeto de estudos da Sociolinguística” (BRIGHT, 1964, p. 18, grifo do autor), ou seja, nesse amplo espectro de possibilidades, está o propósito dos estudos que observam a relação entre o uso da língua e os aspectos sociais. 6 Acadêmico, nesta seção, foi apresentado o modo através do qual a língua e a sociedade estão relacionadas para os estudos da Sociolinguística. No próximo subtópico, serão apresentados alguns dos aspectos históricos que levaram à delimitação desse campo de estudos dentro da linguística. Após, veremos como são organizadas as correntes teóricas que estruturam as perspectivas das pesquisas em Sociolinguística. NOTA O termo “comunidade linguística” será trabalhando mais adiante, nas discussões desta unidade, mas, por enquanto, vamos entendê-lo como apresentado no dicionário de Linguística, de Dubois et al. (1973, p. 133, grifo dos autores): “Chama-se comunidade linguística um grupo de seres humanos que usam a mesma língua ou o mesmo dialeto, num dado momento, e que podem se comunicar entre si”. Ou seja, uma comunidade linguística é aquela que compartilha as mesmas experiências linguísticas. 3 A CIÊNCIA DA LINGUAGEM E A DELIMTAÇÃO DA SOCIOLINGUÍSTICA Ao percebermos que língua e sociedade são, de fato, indissociáveis, podemos estranhar o porquê da necessidade de existir um campo específico para o estudo dos fatos linguísticos, pois, se são, assim, ligados, por que a Linguística não se estruturou, inicialmente, já com essa compreensão em seu horizonte? Ainda, nas palavras de Alkmim (2011, p. 21), “[...] por que existe uma área, dentro da Linguística, para tratar, especificamente, das relações entre língua e sociedade – a Sociolinguística? A linguagem não seria, essencialmente, um fenômeno de natureza social?” Para respondermos a essas indagações, Alkmim (2011) destaca que é preciso compreender o contexto histórico no qual a Linguística foi proposta como a ciência da linguagem, ou seja, as próprias circunstâncias sociais do estabelecimento da ciência da linguagem permitem compreender os motivos que levaram os estudiosos a descreverem e a analisarem o fenômeno linguístico, separadamente, dos fenômenos sociais. Dito de outro modo, o momento da proposição da Linguística, como a ciência que se propõe a estudar a língua por ela mesma, é, exatamente, fruto da sua época, tendo em vista que os estudiosos da linguagem estavam inseridos em uma conjuntura que valorizava o saber cientificista, ou seja, aquele que (per)segue uma lógica vinculada àquilo que pode ser testado e comprovado com o mínimo de influência do contexto, ou seja, o que pode ser estudado dentro de parâmetros, claramente, delimitados. 7 Sobre isso, Alkmim (2011, p. 23) coloca que a relação entre linguagem e sociedade, reconhecida, mas nem sempre assumida como determinante, encontra-se, diretamente, ligada à questão da determinação do objeto de estudo da Linguística. Isto é, embora se admita que a relação linguagem sociedade seja evidente por si só, é possível privilegiar uma determinada óptica, e essa decisão repercute na visão que se tem do fenômeno linguístico, da natureza e da caracterização dele. Isso quer dizer que a definição do objeto de estudo de uma ciência, como da Linguística, foi delimitada a partir de uma visão específica que enfatiza um modo específico de delimitar aquilo que é percebido como parte dos estudos linguísticos. Assim, a partir da observação dos eventos linguísticos e do modo através do qual eles são observados, será feita a compreensão daquilo que foi observado. Para exemplificar isso, observe o seguinte esquema: QUADRO 1 – EXEMPLO DE VISÕES DIFERENTES SOBRE O MESMO FENÔMENO LINGUÍSTICO Fenômeno: a existência de muitas línguas no mundo Estruturalismo Gerativismo Variacionismo A língua é um sistema subjacente à fala, e, socialmente, adquirido através do convívio entre os falantes de determinada língua. Ou seja, a estrutura de cada língua será adquirida através do contato, mas esse contato não é o foco dos estudos da linguagem, pois estes deverão se pautar no estudo dos caráteres formal e estrutural da língua. A língua é um sistema mental que nasce com os seres humanos, tendo parâmetros universais que são ativados, ou não, de acordo com a língua específica. Ou seja, as línguas são diferentes porque cada uma delas aciona, ou não, um parâmetro da Gramática Universal interna da mente dos seres humanos. A língua é uma propriedade da comunidade de fala, existindo diversas variedades que sofrem diversas pressões internas e externas, causando variações que, com o tempo, podem vir a se tornar outras línguas, de acordo com o status que atingem, a comunidade linguística de falantes e a complexidade estrutural. FONTE: Os autores O esquema anterior apresenta um exemplo simples de como três teorias diferentes percebem, de modos, também, diversos, um mesmo fenômeno linguístico. Desse modo, a escolha de qual será a centralidade da teoria delimitará como ela se desenvolverá e quais serão os rumos das pesquisas realizadas dentro dessa perspectiva teórica. Dito de outro modo, o mesmo fenômeno linguístico terá compreensões diferentes a partirda lente teórica que for utilizada pelo pesquisador, pois cada pesquisa se inscreve em um contexto teórico que prioriza certas compreensões em detrimento de outras, e essas compreensões diferenciadas abrem diversos percursos de pesquisa. 8 Ademais, como já discutimos, as teorias se estabelecem a partir do momento histórico e das correntes de pensamento da época. Assim, quando Saussure (1981) propõe que a língua, em oposição à fala, seja o objeto da Linguística, ele dá origem à visão estruturalista da língua, opondo-se aos estudos históricos e filológicos anteriores a ele, e à visão que percebia a língua como resultado de substâncias naturais do cérebro e do aparelho fonador, ou seja, aproximava a compreensão linguística do entendimento biológico. Logo, quando Saussure (1981) afirma que o objeto de estudos da Linguística é a língua em sua forma e estrutura, ele transforma o pensamento linguístico da época e inaugura toda uma vertente de estudos sobre a linguagem (ALKMIM, 2011). Para explicar a que linguística a sua teoria se vincula, Saussure (1981) divide a Linguística em Linguística Interna e Linguística Externa, divisão que, ainda, mantém- se no campo dos estudos linguísticos, mesmo na contemporaneidade: a Linguística Interna se ocupa das estruturações formais, e a Linguística Externa estuda as relações contextuais. Por isso, as áreas a que a Linguística está relacionada, a outros campos de estudo, encontram-se inseridas na Linguística Externa, como a Sociolinguística, a Etnolinguística, a Psicolinguística, dentre outras (ALKMIM, 2011). Antes de seguirmos adiante, com a história da delimitação do campo de estudos da Sociolinguística, é interessante chamar a atenção para o fato de que a maioria das discussões sobre Linguística parte dos estudos de Saussure (1981). Isso acontece porque ele foi o pesquisador que estabeleceu a Linguística como uma área do conhecimento independente das demais, pois, até aquele momento, os estudos sobre a linguagem ficavam, sempre, subordinados a outras áreas, como história e biologia, ou, então, tinham um cunho descritivo de regras, registro de sentidos ou de estudo de textos muito antigos. Assim, Saussure (1981) foi o teórico que estruturou a Linguística como a conhecemos, e, por isso, tem, sempre, lugar nas discussões sobre a língua(gem). Neste subtópico, debatemos a respeito de a Sociolinguística ser um campo específico dentro da área de estudos da Linguística, devido a fatores históricos e culturais que influenciaram a delimitação do campo de estudos. Além disso, também, discutimos que cada perspectiva teórica apresenta a própria compreensão do fenômeno linguístico, e, por isso, terá uma visão particular desse objeto, delimitada, teoricamente, através da perspectiva. Nos próximos subtópicos, estudaremos a delimitação específica da Sociolinguística como campo de estudos; brevemente, alguns dos nomes mais conhecidos entre os estudiosos que se dedicam a estudar a relação entre língua e sociedade; e, em linhas gerais, como cada um deles percebeu o fenômeno linguístico pela ótica da língua e sociedade. 9 3.1 HISTÓRIA DA DELIMITAÇÃO DO CAMPO DE ESTUDOS DA SOCIOLINGUÍSTICA Segundo Alkmim (2011), o termo Sociolinguística foi estabelecido em 1964, e isto se deu a partir do Congresso feito na UCLA (Universidade da Califórnia, em Los Angeles), organizado por William Brigth. A esse evento, compareceram muitos pesquisadores que acreditavam na estruturação desse campo de estudos interdisciplinar. Ao fazer a publicação dos anais desse Congresso, o organizador escreve um texto introdutório chamado de “As dimensões da Sociolinguística”, a partir do qual ele delimita o campo de estudos e caracteriza a nova área de pesquisas. O autor afirma que a Sociolinguística pretende “[...] demonstrar a covariação sistemática das variações linguística e social. E, talvez, até mesmo, demonstrar uma relação causal numa e noutra direção” (BRIGTH, 1964, p. 17). Assim, as pesquisas, nessa área, partem do pressuposto de que as línguas variam e que essa variação pode ser relacionada às características específicas percebidas na estrutura social, pela qual os falantes dessas línguas circulam. Logo, essa compreensão observa como as estruturas linguísticas são modificadas a partir dos diferentes contextos sociais nos quais as línguas estão inseridas. NOTA O conceito de interdisciplinaridade pressupõe a relação entre áreas do conhecimento, sendo que uma delas estabelece o rumo da pesquisa com o suporte dado pelas demais áreas envolvidas, ou seja, a coordenação das ações se dá a partir de uma das áreas envolvidas. No caso da Sociolinguística, a ideia é, exatamente, a de que a discussão da relação entre língua e sociedade se fixe dentro do campo das discussões linguísticas. Assim, a Sociolinguística é um campo interdisciplinar no qual as discussões se darão a partir do estudo da língua e da sociedade, mas com a coordenação dos estudos da linguagem. A figura a seguir demonstrará, graficamente, o que foi explicado: ESQUEMA ILUSTRATIVO INTERDISCIPLINARIDADE FONTE: Castro (2010, p. 4) Observe que a área que está no nível mais acima coordena esforços com as demais, pois as flechas são nos dois sentidos, logo, essa cooperação não acontece, apenas, de cima para baixo, mas ela se estabelece entre os níveis estruturantes, mesmo que uma das disciplinas envolvidas esteja, hierarquicamente, posicionada em um estágio acima das demais. 10 Ainda, nesse mesmo texto fundador da área de pesquisas, Brigth (1964) delineia um conjunto de elementos definidos socialmente, os quais ele acredita estarem, diretamente, vinculados às variações observáveis na diversidade linguística, ou seja, o autor desenha aquelas que, para ele, são as possibilidades de estudo vinculadas à língua(gem), abarcadas pelas perspectivas teórica e metodológica da Sociolinguística. De acordo com Alkmim (2011, p. 28-29), as possibilidades citadas pelo autor são: a) Identidade social do emissor ou falante. b) Identidade social do receptor ou ouvinte. c) Contexto social. d) O julgamento social distinto que os falantes fazem do próprio comportamento linguístico e sobre o dos outros, isto é, as atitudes linguísticas. Desse modo, percebe-se que as possibilidades de pesquisa estão vinculadas, exatamente, a esse modo interdisciplinar da Sociolinguística de perceber o fenômeno linguístico, pois estão relacionadas à identidade dos usuários da língua, ao contexto social e às discussões a partir das quais a língua é compreendida, como forma de estabelecer distinções de poder. Isso quer dizer que as pesquisas, nesta área, observarão como a língua e as pessoas interagem e se relacionam. Acadêmico, nem na vida nem na Linguística, as coisas surgem do nada, como já diria Bakhtin (1990), tudo, na língua, é resposta! Assim, tudo parte do conhecimento desenvolvido até aquele momento, confirmando ou contrariando a tradição. Seja um adolescente ou uma corrente teórica, todas as modificações partem daquilo que veio antes e do que está acontecendo no momento, em direção a algo que interage com o que já existe. Desse modo, os estudos sobre língua e sociedade não nasceram em 1964, mas foi, naquele momento, que vários pesquisadores encontraram o campo de atuação deles, a partir das perspectivas interdisciplinar, antropológica e social que tinham sido desvinculadas no início do século XX, da Linguística, por Saussure, que reconhece o aspecto social, mas que diz que, dele, a ciência da linguagem não se ocupará. Ainda, dos estudiosos que não concordavam com a perspectiva da Gramática Gerativa de Chomsky, que percebia a faculdade da linguagem como uma característica mental nascida com o ser humano. Tendo isso em vista, podemos destacar que, de um lado, a Sociolinguística abarcou uma tradição de estudos da Antropologia Linguística, vertente a partir da qual “[...] linguagem, cultura e sociedade são considerados fenômenos inseparáveis, linguistas e antropólogos trabalhavam ladoa lado, e, mesmo, de modo integrado” (ALKMIM, 2011, p. 29). Por outro lado, ela traz a definição específica de um campo de estudos interdisciplinar que funciona no interior da Linguística, em que linguistas e estudiosos do campo das Ciências Sociais serão atuantes. Em outras palavras, a Sociolinguística traz, para a centralidade dos estudos linguísticos, as relações entre 11 língua(gem), cultura e sociedade, a partir de uma perspectiva interdisciplinar que refuta a noção de língua como entidade autônoma, apenas, estrutural ou mental, mas, ao mesmo tempo, reconhece a Linguística como o lugar de debate do fenômeno linguístico com diferentes dimensões e entrecruzamentos. Assim, neste subtópico, foi apresentado como o campo de pesquisa da Sociolinguística foi delimitado, além do momento do estabelecimento dele como área de estudos. Brevemente, vimos que ele se inscreve na tradição da Antropologia Linguística, ao mesmo tempo em que coloca a relação entre língua e sociedade no interior da discussão da ciência da linguagem, refutando a noção estruturalista de Saussure e a teoria inatista de Chomsky. Acadêmico, no próximo subtópico, veremos alguns dos estudiosos que relacionaram língua(gem) e sociedade nas pesquisas deles. ESTUDOS FUTUROS No último tópico desta unidade, apresentaremos alguns exemplos de trabalhos a partir das perspectivas da Sociolinguística e dos Estudos Surdos, por isso, apenas, citamos os fatores linguísticos, sem abordar detalhes quanto aos estudos específicos. NOTA Nesta unidade, estamos usando o termo língua(gem) quando queremos fazer referência aos conceitos de língua e de linguagem ao mesmo tempo. Quando a ideia é remeter ao conceito de língua como entidade mais específica, usamos, apenas, essa palavra, porém, quando é necessário fazer referência à capacidade de simbolizar, utilizaremos linguagem. 3.2 ESTUDIOSOS EM LINGUAGEM E SOCIEDADE Neste espaço, o objetivo é que você seja apresentado, mesmo que, brevemente, a alguns dos estudiosos que pautaram as pesquisas deles sobre língua e linguagem. Com certeza, toda a seleção é complicada, mas procuramos apresentar aqueles que se tornaram referências básicas na área da Sociolinguística. 12 É necessário destacar que a fixação do campo de estudos da Sociolinguística tem um evento e uma data específicos, contudo, não quer dizer que os estudiosos e os pesquisadores da relação entre língua e sociedade existiram, apenas, a partir desse momento, ao contrário, foi, exatamente, a existência de trabalhos que conectavam os estudos da linguagem e os estudos da sociedade que acabou por provocar o surgimento de um campo de pesquisas interdisciplinar dentro da Linguística, que abrangia essa compreensão dos fenômenos linguísticos. Dito de outro modo, não é a área do conhecimento que faz surgirem estudos, mas é a quantidade, a qualidade e a divulgação dos estudos que fazem com que um campo de pesquisas seja delimitado. Contudo, é inegável que, depois do estabelecimento do campo de pesquisas, a divulgação e a estruturação darão origem a mais divulgação, assim, isso levará mais pessoas a conhecerem esse modo de compreender os fatos da língua, logo, surgirão estudiosos e serão feitas mais pesquisas dentro da mesma compreensão, e tentando refutar aquilo que a área de pesquisas menciona, ou seja, muita gente entende o fenômeno de jeito semelhante, e isso faz com que se estabeleça uma perspectiva teórica que dará origem a diferentes compreensões que podem ser reunidas sob o mesmo entendimento, ou, podem, inclusive, provocar dissidências que darão origem a outras áreas de pesquisa. A seguir, colocaremos os nomes de alguns dos pesquisadores que estudaram as questões linguísticas, fazendo conexões com os fatores sociais envolvidos. Esses nomes foram selecionados a partir de Alkmim (2011): • Meillet (1928 apud ALKMIM, 2011): ele foi aluno de Saussure e estudava a diacronia dos estudos linguísticos, ou seja, os estudos dele eram na direção de observar a língua ao longo da história dela. Defendia que a língua não era uma entidade autônoma, pois ela, apenas, ganha existência a partir dos indivíduos que a utilizam, por isso, a realidade da língua era, ao mesmo tempo, linguística e social. • Bakhtin (2014): para ele, todo o enunciado é resposta a outro enunciado em uma cadeia infinita de respostas, pois a interação verbal é a verdadeira realidade da língua, e não um sistema abstrato estruturado ou uma enunciação monológica. Dito de outro modo, toda a utilização da língua está vinculada às utilizações que a precederam e àquelas que serão posteriores a ela, pois não é possível desvincular o fenômeno linguístico da interação verbal. A compreensão do diálogo e da enunciação verbal é entendida, pelo autor, inclusive, nas obras literárias, pois, para ele, o diálogo escrito, sempre, está inserido em uma discussão ideológica em grande escala, respondendo, confirmando, contrariando, enfim, respondendo a algo. Por isso, é estudado na linguística e na Teoria Literária. • Jakobson (1974): este pesquisador parte do processo comunicativo de modo amplo, e, desse modo, evidencia os aspectos funcionais da linguagem. Ele nomeou e difundiu os termos específicos do ato da comunicação verbal, os quais são estudados até hoje: remetente, mensagem, destinatário, contexto, canal e código. Na figura a seguir, poderá ser visto o modo através do qual esses elementos se relacionam no momento da comunicação, de acordo com o autor: 13 FIGURA 2 – ESQUEMA DA COMUNICAÇÃO VERBAL DE JAKOBSON FONTE: Zambillo (2014, p. 3) É interessante perceber que, embora relacionados, diretamente, à mensagem, o contexto, o contato, ou canal, e o código precisam ser compartilhados pelo emissor e pelo receptor, para que a mensagem seja, efetivamente, compartilhada pelos participantes do evento de comunicação. Além disso, ele coloca que cada um dos fatores pode ter predominância na mensagem, e que determinará a estrutura verbal utilizada. Para exemplificar isso, Alkmim (2011, p. 25) observa que “[...] a predominância do fator remetente configura a função emotiva ou expressiva, a qual exprime a atitude de quem fala em relação àquilo de que está falando, e se evidencia, dentre outros procedimentos, pelo uso de interjeições, pela alteração de duração de vogais (por exemplo, grande)”. Em Libras, poderíamos ilustrar isso com o modo de sinalização de sinais com maior ou menor amplitude, ou com o uso de expressões não manuais que dão ênfase a aspectos específicos em um diálogo sinalizado. • Cohen (1956 apud ALKMIM, 2011): em 1956, o autor publicou a obra Por uma Sociologia da Linguagem (título original em francês “Pour une sociologie de langage”). Neste livro, ele defende a necessidade de que as ciências humanas dialoguem para a compreensão do fenômeno linguístico, a principal contribuição dele, para a delimitação do campo de pesquisa da Sociolinguística, é que ele estabelece, segundo Alkmim (2011, p. 26): [...] um repertório de tópicos de interesse para um estudo das relações entre as divisões sociais e as variedades da linguagem, que permite abordar temas, como: a distinção entre variedades rurais, urbanas e de classes sociais, os estilos de linguagem (variedades formais e informais), as formas de tratamento, a linguagem de grupos segregados (jargão de estudantes, de marginais, de profissionais etc.). Assim, o autor destaca tópicos que enfatizam os estudos das variações da linguagem, de acordo com as características dos grupos sociais observados, de modo que a análise procure perceber quais são as variedades da linguagem específicas de cada conjunto de indivíduos observados. É interessante chamar a atenção para uma 14 característica muito importante das pesquisas em Sociolinguística: a necessidade de recolhimento de dados para a análise, ou seja, é um tipo de pesquisa que é feito a partir do estudo das formas de uso na sociedade, e, para isso, faz-se preciso captar as informações para analisar com a própriasociedade. • Benveniste (1968 apud ALKMIM, 2011): para ele, a língua só existe no interior de uma organização linguística específica e em uma sociedade, também, específica, assim, não se pode compreender a língua sem a sociedade, e vice-versa. O estudioso reconhece que a língua e a sociedade são dimensões estruturais diferentes, mas, ao mesmo tempo, elas têm características que as aproximam: “[...] são realidades inconscientes, representam a natureza, são, sempre, herdadas, e não podem ser abolidas pela vontade do homem” (ALKMIM, 2011, p. 27). Ou seja, ao mesmo tempo em que funcionam em organizações diferentes, essas duas grandezas são aproximáveis, devido às peculiaridades que têm em comum. Para o autor, a língua é uma ferramenta de análise da sociedade, pois, no interior da língua, está contida a sociedade, por isso, esta última pode ser interpretada através da primeira, ou seja, a língua é um estruturante da sociedade, através de designações e fenômenos linguísticos ligados às questões vocabulares. Desse modo, a língua é a maneira pela qual o indivíduo se localiza na natureza e na sociedade, pois, através dela, podem ser observados os usos específicos que cada grupo, ou classe social, faz através da língua. Assim, o ser humano, e, por consequência, a sociedade, estruturam-se por e através da língua, de maneira indissociável. • Hymes (1962 apud ALKMIM, 2011): este autor propõe uma área de estudos interdisciplinares chamada de Etnografia da Comunicação, a qual envolve a Etnologia, a Psicologia e a Linguística. No artigo no qual propõe esse modo de organizar os estudos da linguagem, o autor, também, destaca que a ideia desloca o estudo linguístico da compreensão de código e estrutura e joga o foco para “[...] descrever e interpretar o comportamento linguístico no contexto cultural [...]”. Com esse objetivo, ele propõe a definição das “[...] funções da linguagem a partir da observação da fala e das regras sociais próprias de cada comunidade” (ALKMIM, 2011, p. 30). • Labov (1963 apud ALKMIN, 2011): este pesquisador foi o responsável por estabelecer as bases teórico-metodológicas da Sociolinguística Variacionista. O trabalho dele, a respeito da comunidade de Martha’s Vineyard, tornou-se célebre, devido ao modo através do qual ele “[...] sublinha o papel decisivo dos fatores sociais na explicação da variação linguística, isto é, da diversidade linguística observada” (ALKMIM, 2011, p. 30). Assim, ele relaciona as especificidades da pronúncia de determinados fonemas, em inglês, dos habitantes, às categorias de idade, sexo, ocupação, origem ética e atitude. Isso ocorre porque “[...] as pressões sociais estão operando, continuamente, sobre a língua, não de algum ponto remoto no passado, mas como uma força social imanente agindo no presente vivo” (LABOV, 2008, p. 21). Assim, os estudos dele têm uma perspectiva sincrônica, pois estudam a relação entre a língua e como as pressões sociais sofridas por ela geram variações, socialmente, determináveis. 15 Assim, nós vimos, de modo sintético, alguns dos pesquisadores que relacionaram língua(gem) e sociedade, de maneira a compreender o fenômeno linguístico e o fenômeno social como pares indissociáveis. Alkmim (2011) chama atenção para a obviedade e a complexidade de se estabelecer uma relação entre o linguístico e o social. No próximo subtópico, trataremos das vertentes, ou das correntes teóricas de compreensão dessa relação, de modo a entender como se estruturam os estudos na Sociolinguística. 4 CORRENTES DE ESTUDO RELACIONADAS À SOCIOLINGUÍSTICA Acadêmico, talvez, você esteja se perguntando como as infinitas possibilidades de relacionar língua e sociedade podem ser estruturadas em pesquisas dentro do campo de estudos da Sociolinguística. Isso porque, como visto anteriormente, existe uma infinidade de rumos que a pesquisa pode tomar e inúmeras maneiras de se compreender o fenômeno linguístico sob a perspectiva a partir da qual ele se estabelece com o fenômeno social. Então, para observar os fatos da língua, o que as áreas do conhecimento fazem, é estabelecer grupos de percepções que são passíveis de conexões, ou seja, mesmo que os fenômenos sejam infinitos, as lentes sob as quais eles são observáveis conseguem estabelecer semelhanças que permitem o agrupamento de estudos que apresentam características análogas. Tendo isso em vista, serão apresentadas as três principais correntes, ou vertentes de estudo, relacionadas às pesquisas no campo da Sociolinguística. Assim, como objetivo desta parte do Tópico 1, percebemos, não apenas, quais são as tendências dos estudos relacionadas à Sociolinguística, mas, também, quais são os fenômenos percebidos em cada uma delas. 4.1 DIALETOLOGIA A dialetologia, ou, também, geografia linguística, faz parte daqueles estudos anteriores à fixação do campo da Sociolinguística, os quais estudavam a relação entre língua e sociedade. De acordo com Dubois et al. (1973), ela é a disciplina que assumiu a tarefa de descrever, comparativamente, os diferentes sistemas, ou dialetos, a partir dos quais uma língua se diversifica no espaço, além de estabelecer limites. Para compreender essa afirmação, precisamos, primeiramente, definir o que é um dialeto, após, retomaremos essa citação. 16 Ainda, segundo Dubois et al. (1973, p. 185), dialeto é uma forma de língua que tem os próprios sistemas léxico, sintático e fonético, e que é usada em um ambiente mais restrito do que a própria língua. É um sistema de signos e de regras combinatórios da mesma origem que outro sistema considerado, como a língua, mas que se desenvolveu, apesar de não ter adquirido os status cultural e social dessa língua, independente daquela. Dessa maneira, o dialeto tem a mesma origem da língua, mas é utilizado em contextos específicos, porém, não é reconhecido, cultural e socialmente, como uma língua independente, às vezes, por, ainda, apresentar muitas semelhanças com a língua da qual é apontado como dialeto. Então, voltando à definição da dialetologia (agora, já tendo uma noção do que seria um dialeto), podemos afirmar que essa área pesquisa as variantes regionais de uma língua e delimita como essas variantes dialetais se estruturam em um dado contexto social. Ainda, a respeito dos estudos da Sociolinguística e da Dialetologia, nesta questão de dialeto, McCleary (2009, p. 14) coloca que: Os dialetos são idênticos às línguas do ponto de vista linguístico. Eles têm tudo o que as línguas têm. Não são menores ou mais simples, ou menos perfeitos. Os dialetos, do ponto de vista linguístico, são línguas. Mas do ponto de vista da sociolinguística, são línguas que não atingiram a autonomia na imaginação popular. Assim, a delimitação entre língua e dialeto não é algo muito simples, pois engloba elementos que fogem da percepção linguística em si mesma, ou seja, é, exatamente, o assunto de estudos dessa área que envolve língua e sociedade, pois são elementos de percepção das leis, da sociedade e da compreensão dos falantes que acabam por estabelecer a diferença entre língua e dialeto. Segundo Strobel e Fernandes (1998), o fato de a Libras possuir diferentes dialetos regionais é uma comprovação do status de língua natural que lhe cabe, ou seja, não é um problema, mas uma característica das línguas naturais. Ainda, com relação às discussões dialetais, McCleary (2009, p. 15, grifo do autor) exemplifica a questão que envolve língua e dialeto a partir da noção de que o português brasileiro e o português europeu são considerados dialetos da Língua Portuguesa, porém, mesmo que, muito semelhantes na escrita, a fala apresenta diferenças que dificultam a compreensão entre eles. Por isso, “os linguistas consideram que, atualmente, as duas variedades são tão diferentes que constituem dois sistemas linguísticos distintos, ou seja, que são duas línguas diferentes”. O português brasileiro e o português europeu, ainda, apresentam traços que permitem perceber a proximidade entre eles, contudo,os sistemas deles são, reconhecidamente, distintos, e, por isso, percebidos como duas línguas diferentes. Com relação à Libras, o mesmo autor coloca o seguinte: 17 A libras é um dialeto da ASL (língua de sinais americana)? É um dialeto da língua de sinais francesa? Qual é o grau de inteligibilidade entre as três? Historicamente, a libras e a ASL são línguas irmãs (duas "filhas" da língua de sinais francesa), mas cada uma tem sua autonomia, e, portanto, são consideradas línguas diferentes (MCCLEARY, 2009, p. 15, grifo do autor). Assim, historicamente, a Libras é uma língua que se desenvolveu a partir da Língua de Sinais Francesa (Langue de Signes Fançaise – LSF). De modo semelhante, a Língua de Sinais Americana (American Sign Language – ASL), também, tem origem a partir da LSF, logo, a Libras e a ASL são línguas que derivam de uma mesma origem, mas já se distanciaram dela de modo a terem sistemas autônomos diferentes e serem reconhecidas, politicamente, como línguas diferentes da língua-mãe, a LSF. Por fim, podemos afirmar que a Dialetologia é uma área de estudos que tem uma história particular e específica como campo de estudos, anterior à fixação do campo da Sociolinguística. Para delinear a relação entre elas, Macêdo (2012, p. 36-37) coloca que “[...] a dialetologia tem, como base de descrição, a localização espacial, configurando- se como, eminentemente, diatópica. A Sociolinguística, por sua vez, centra-se na correlação entre os fatos linguísticos e os fatores sociais”. Ou seja, a Dialetologia se preocupa mais com fatores geográficos, e, a Sociolinguística, com fatores sociais, mas ambas estudam como esses fatores influenciam a língua. Além disso, a autora chama a atenção para o fato de que as duas disciplinas têm o mesmo propósito de estudar a língua e as forças sociais que a modificam, porém, utilizam métodos diferentes para a análise desse objeto de estudos. Acadêmico, como vimos, a Dialetologia e a Sociolinguística têm semelhanças e diferenças, mas ambas estudam a língua e as variações sociais dela, inclusive, alguns autores as colocam, até certo ponto, como sinônimas (CARDOSO, 2010). Por isso, neste material, escolhemos manter a inserção da Dialetologia como uma das correntes, ou vertentes, vinculadas à Sociolinguística, pois ambas tratam da língua e da relação entre os elementos geográficos, culturais e sociais que a pressionam ou a influenciam. Apenas, escolhemos trazer, mesmo que, brevemente, esse debate, pois, ora a Dialetologia aparece nos materiais disponíveis como vertente, ora, como disciplina autônoma relacionada à Sociolinguística, logo, é interessante que você tenha a informação de que esse entendimento diferente poderá aparecer nas suas pesquisas. 4.2 SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA A Teoria da Variação se desenvolveu a partir dos estudos de Labov (1972), e deu origem à vertente mais conhecida da Sociolinguística: a linha de pesquisa variacionista. Aqui, veremos, apenas, algumas linhas gerais dessa teoria, pois os demais tópicos desta unidade falarão, especificamente, dela. 18 Conforme Coelho et al. (2010, p. 22), a visão laboviana, acerca da relação entre língua e sociedade, é a de que “não existe uma comunidade de fala homogênea, nem um falante-ouvinte ideal. Pelo contrário, a existência de variação e de estruturas heterogêneas nas comunidades de fala é um fato comprovado”. Dito de outro modo, é uma realidade da língua a diversidade de usos, incluindo a organização estrutural nos grupos linguísticos de fala, assim, a pluralidade linguística faz com que não exista um padrão homogêneo de usuário da língua. No interior das comunidades linguísticas, é uma realidade a existência da “variação inerente”, ou seja, “[...] como o sistema linguístico é heterogêneo, (i) a variação é uma propriedade regular do sistema; (ii) o falante tem competência linguística para lidar com regras variáveis”, segundo Coelho et al. (2010, p. 22). Dito de outro modo, a mutabilidade do sistema linguístico é uma característica constante do sistema, assim, a mudança é um traço, sempre, presente. A variação é certeza no sistema linguístico. Além disso, o usuário proficiente da língua consegue operar, linguisticamente, dentro das normas variáveis, ou seja, o falante/sinalizante que sabe a língua consegue compreender e operar mesmo dentro das regras variáveis que agem dentro da língua. Essas variações, e a compreensão do que foi dito, ficam bem evidentes quando se compreende que a comunicação acontece mesmo não havendo “[...] dois falantes que se expressam do mesmo modo, nem mesmo um falante que se expresse da mesma maneira em diferentes situações de comunicação”, conforme Coelho et al. (2010, p. 22). Para ilustrar isso, pense em duas pessoas sinalizando o sinal de OI em Libras. O modo de articular o léxico poderá variar, de acordo com a personalidade e com a situação na qual está interagindo: com o chefe, com os amigos, sóbrio, bêbado, feliz, triste, em uma entrevista de emprego. Cada uma dessas possibilidades poderá interferir na sinalização, pois mudará o modo através do qual a língua é utilizada. Em sua teoria, Labov (1972), também, delimita como a pesquisa, na Sociolinguística Variacionista, deverá perceber o fenômeno linguístico. De acordo com Coelho et al. (2010, p. 22): A busca por julgamentos intuitivos homogêneos é falha. Os linguistas não podem continuar a produzir teoria e dados ao mesmo tempo. Para lidar com a língua, é preciso olhar para os dados de fala do dia a dia e relacioná-los às teorias gramaticais o mais criteriosamente possível, ajustando a teoria de modo que ela dê conta do objeto. Desse modo, as pesquisas linguísticas, de acordo com os estudos da Sociolinguística Variacionista, deverão partir do pressuposto da heterogeneidade da língua e do estudo consciente e planejado da língua, pois os estudiosos da linguagem deverão pautar as próprias pesquisas em dados coletados pela fala cotidiana, e, partindo de critérios claros e pensados, relacionar o corpus coletado às teorias gramaticais, fazendo ajustes na teoria, para que ela dê conta do que ficou aparente nos dados 19 obtidos. Dito de outro modo, Labov (1972) afirma que é necessário observar a língua em uso através da coleta de dados, pois os pesquisadores precisam perceber aquilo que acontece no uso da língua, assim, os fenômenos linguísticos observáveis darão o rumo das descobertas teóricas. NOTA A palavra corpus é um termo que remete a todo o conjunto de materiais para a análise linguística, ou seja, o conjunto de dados para a investigação em uma pesquisa. Desse modo, a teoria da variação apresenta, em seu cerne, a preocupação com a metodologia da pesquisa da Sociolinguística Variacionista, pois Labov (1972 apud COELHO et al., 2010) se preocupa em detalhar o modo através do qual o olhar do pesquisador deverá se voltar ao objeto de estudos, e faz reflexões acerca do modo como a teoria deverá ser norteada a partir de dados verificáveis e da observação criteriosa destes. A partir dessas discussões propostas pelo autor, Veloso (2014, p. 3) apresenta a divisão das três ondas, ou das tendências de prática analítica, pela Teoria da Variação. Elencadas por Eckert (2012), essas tendências são modos de perceber o fenômeno linguístico a partir da perspectiva teórica da variação, e “[...] não se sucedem ou se substituem, mas, apenas, correspondem à maneira característica com que esses modelos lidaram/lidam com a variação linguística ao longo das décadas de estudo”. Isso quer dizer que essas são percepções utilizadas para a análise do corpus coletado para a pesquisa linguística, ou seja, não se sobrepõem ou substituem, podendo ser utilizadas de acordo com os objetivos da pesquisa, do pesquisador, dentre outras variáveis. Para sintetizar as três tendências de análise na Sociolinguística Variacionista, elaboramos um quadro-resumo no qual são apresentadas. 20 QUADRO 2 – RESUMO DAS TRÊS ONDAS DE ANÁLISE NA SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTAOndas Tendência analítica Características das pesquisas Primeira onda Desenvolvimento do grande quadro • Grandes estudos de levantamento de comunidades, geograficamente, definidas. • Hierarquia socioeconômica como um mapa do espaço social. • Variáveis, como marcadores de categorias sociais primárias, e carregando traços de prestígio/estigma. • Estilo, como atenção prestada à fala, e controlado pela orientação em direção ao prestígio/estigma. Segunda onda Desenvolvimento do quadro local • Estudos etnográficos de comunidades definidas geograficamente. • Categorias locais como elo para as demográficas. • Variáveis, como indicadores de categorias, localmente, definidas. • Estilo como atos de filiação. Terceira onda Perspectiva estilística • Estudos etnográficos de comunidades de prática. • Categorias locais construídas através de posições comuns. • Variáveis, como indicadores de posições, atividades, características. • Estilo como construção da persona. FONTE: Adaptado de Veloso (2014) Ao observarmos as três tendências apontadas pela autora, podemos perceber um movimento analítico que sai do geral para o individual, pois, na primeira onda, são detalhadas características de pesquisas que observam o panorama língua e sociedade de modo mais abrangente, pois os estudos pretendem delimitar macroestruturas comunitárias ou linguísticas que envolvem a forma através da qual o todo social é percebido ou se percebe o todo, pois os objetivos são observar e desenhar as comunidades de fala, as variáveis mais ou menos prestigiadas da sociedade e as variáveis atreladas às características socioeconômicas. Já na segunda onda, aparecem estudos nos quais a prioridade é a delimitação de características menos gerais, com comunidades linguísticas localizadas em lugares específicos, estilo linguístico, e modo de estabelecer o pertencimento a um grupo específico. Na terceira tendência de análise, as pesquisas são mais voltadas à estilística, ou seja, percebe-se uma preocupação em compreender como se dá a dinâmica de construção individual a partir do uso da linguagem. De acordo com Freitag et al. (2012, p. 922), “os estudos de terceira onda incorporam a dinamicidade 21 da estrutura, ou seja, como a estrutura se molda no cotidiano, com os condicionamentos sociais impostos e as relações de poder estabelecidas atuando sobre ela”. Assim, a terceira onda dos estudos da Sociolinguística Variacionista, proposta por Eckert (2012 apud VELOSO, 2014), está relacionada à compreensão de como a estrutura da língua varia em uso estilístico e de que modo isso influencia no uso diário dessa mesma língua a partir das forças externas sociais que a pressionam. Para compreendermos melhor a noção de estilística, segundo Veloso (2014, p. 5), a delimitação do conceito de estilo, dentro da perspectiva apresentada, é a de que “estilo diz respeito ao modo como os falantes combinam modos distintivos de fala [sinalização], e, por meio deles, constroem a própria identidade social, uma vez que esta depende, efetivamente, da linguagem, para se conceber e se consolidar. Os estilos de fala estão, intimamente, associados às categorias identitárias”. Assim, essa proposta da terceira onda está conectada à compreensão de como o indivíduo utiliza a língua a partir da própria identidade social, por e através da língua. Para exemplificar, uma pessoa surda, que tenha nascido surda, terá um estilo de uso da Libras diferente de um surdo que perdeu a audição quando adulto e aprendeu a língua de sinais após já ter adquirido a língua oral-auditiva. Assim, esses indivíduos terão a identidade social delimitada a partir da relação deles com a língua e o modo como se movimentam através das relações linguísticas estabelecidas a partir da Libras. Tendo isso em vista, debatemos, brevemente, as características da Sociologia Variacionista. Além disso, conhecemos as três tendências analíticas das pesquisas realizadas nesse campo de estudos e compreendemos a noção de estilo dentro da perspectiva teórica. 4.3 SOCIOLINGUÍSTICA INTERACIONAL A partir da perspectiva da Sociolinguística Interacional, ou Sociointeracionismo, o estudo do fenômeno linguístico, a partir da relação entre língua e sociedade, é pensado a partir da Análise do Discurso. De acordo com Gumperz (2015, p. 9): A Sociolinguística Interacional (SI) é uma abordagem de análise de discurso que tem sua origem na busca de métodos replicáveis de análise qualitativa que explicam nossa capacidade de interpretar o que os participantes pretendem transmitir na prática comunicativa cotidiana. É sabido que os conversadores, sempre, confiam no conhecimento que, além da gramática e do léxico, faz-se ouvir. Contudo, como esse conhecimento afeta a compreensão, ainda, não é, suficientemente, compreendido. Assim, o objetivo do Sociointeracionismo é perceber como os envolvidos em uma conversação conseguem interpretar aquilo que é transmitido para além das palavras/ sinais e da estrutura das normas gramaticais postas em uso durante a interação entre indivíduos. Nesta teoria, as informações subentendidas são parte da trama linguística 22 que sustenta as relações entre os usuários da língua. Segundo Witkowski (2013, p. 90), “nesse processo, a intenção comunicativa é a questão principal, e, para acessá-la, os interlocutores devem ir além do que está aparente, e se concentrar, não apenas, no que é dito, mas nas suposições que sustentam a negociação”. Assim, o objetivo é perceber esses pressupostos que estão subjacentes à comunicação, além de observar como eles são, socialmente, compartilhados, de modo a ser um problema quando os falantes/ sinalizantes não compartilham os mesmos códigos subjacentes. Dentro dessa teoria, são estudados os conceitos de posto (aquilo que é, expressamente, dito), pressuposto (aquilo que aparece como sugestão durante a comunicação) e subentendido (aquilo que o indivíduo precisa deduzir a partir da interpretação), por exemplo, na sentença: Pedro deixou de fumar. Posto: Pedro não fuma mais. Pressuposto: Pedro fumava. Subentendido: Pedro vai engordar novamente. Observe que, no exemplo dado, o pressuposto fica claro pelo léxico utilizado, pois quem não fuma mais é porque era fumante, mas o subentendido depende de informações que não se ancoram no posto nem no pressuposto, pois partem da dedução feita pelo indivíduo para quem a frase foi dita, podendo estar relacionada ao senso comum de que todo mundo que para de fumar engorda e do conhecimento compartilhado, com o interlocutor, de que Pedro era gordo. Assim, a Sociolinguística Interacional pretende estudar como se dá o processo de construção dessas informações subjacentes e como elas afetam o processo de compreensão do que foi dito. Acadêmico, essa síntese apresentada, apenas, relatou, brevemente, o objeto de estudo de cada uma das vertentes, ou correntes de estudos da Sociolinguística, porém, o objetivo era, exatamente, o de que você tivesse um panorama geral quanto a esse campo de pesquisa e a possibilidades teóricas e metodológicas dele. Nos próximos tópicos, estudaremos alguns dos conceitos imprescindíveis para os estudos em Sociolinguística. Até breve! NOTA Para acesso aos links dos materiais disponíveis on-line, serão colocados, ao longo do livro, QR-Codes, basta apontar a câmera do seu smartphone através de um dos aplicativos de leitura desses códigos que você será encaminhado, diretamente, ao site do material. Além disso, as referências completas estão colocadas no fim de cada unidade. 23 INTERESSANTE O artigo Reflexões Sociolinguísticas sobre a Libras (Língua Brasileira de Sinais), de Rodrigues e Silva, apresenta uma síntese muito interessante a respeito do estudo da Libras na perspectiva da Sociolinguística, por isso, sua leitura, na íntegra, está colocada neste livro didático, dividida em dois momentos distintos como Leitura Complementar, divididos de acordo com os elementos abordados ao longo do texto. Aqui, no fim do Tópico1, está posta a parte do texto dos autores que discutem os aspectos abordados neste tópico. No fim do Tópico 2, será colocado o restante dos autores, desse modo, retomando os conceitos e os debates efetuados no Tópico 2 e inserindo a temática abordada ao longo do Tópico 3. Assim, o texto tem, exatamente, a ideia de, não apenas, acrescentar elementos às discussões apresentadas, mas, também, de servir como uma forma de síntese do caminho teórico estabelecido ao longo desta unidade. Boa leitura! REFLEXÕES SOCIOLINGUÍSTICAS SOBRE A LIBRAS (LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS) Angelica Rodrigues Anderson Almeida da Silva Resumo O objetivo, neste artigo, é discutir questões caras à Sociolinguística, como variação e mudança linguística, heterogeneidade e contato linguístico, tendo a Libras (Língua Brasileira de Sinais) em perspectiva. Para isso, será necessário remeter a aspectos da gramática da Libras, e da comunidade de falantes, isto é, da sócio-história. Partimos dos pressupostos teóricos desenvolvidos pela Sociolinguística que, embora sejam mais explorados, tendo em vista as línguas faladas, devem ser considerados em discussões cujo objetivo seja desconstruir paradigmas a respeito das concepções de língua, de contato linguístico e de variação e mudança linguística nas línguas sinalizadas. Palavras-chave: Sociolinguística; Libras; contato linguístico; variação e mudança linguística. Sociolinguistics reflections on Libras – Brazilian Sign Language [...] Introdução Se a linguística pode ser considerada uma ciência nova, a linguística das línguas de sinais é ainda mais recente e pouco conhecida até mesmo entre os linguistas que historicamente têm se voltado mais fortemente para a análise de línguas faladas. No Brasil, os estudos linguísticos de línguas sinalizadas ganharam força nos anos 1990, depois dos trabalhos pioneiros de Ferreira-Brito (1984, 1995), Felipe (1989) e mais recentemente Quadros (2003) e Quadros e Karnopp (2004), que publicaram, dentre outros, dissertações, teses e livros sobre a língua dos surdos brasileiros. Nesse contexto, a Libras tem ganhado, a partir da última década, principalmente, destaque nos debates voltados para questões tanto pedagógicas quanto linguísticas relativas à educação de surdos. No entanto, no que diz respeito ao ensino e à aprendizagem de Libras por surdos e ouvintes, é possível encontrar referências às noções de "erro" e aos conceitos de "certo" e "errado" como um reflexo tanto do sentimento dos próprios falantes em relação a sua própria língua quanto de práticas pedagógicas tradicionais que elegem um padrão de língua a ser seguido por todos os membros da comunidade de fala. Esse "sentimento" e esse debate não divergem do observado em contextos de ensino e aprendizagem da língua oral, todavia, para o português, esses "pré-conceitos" 24 são amplamente discutidos na literatura, inclusive nos PCN, há mais de três décadas. Por ser uma língua silente, não sonora, muitos acreditam que as línguas de sinais estariam de certa forma “imunes” aos efeitos da estigmatização de formas linguísticas largamente estudados nas línguas orais, principalmente a partir de Labov (2008). Portanto, neste artigo, que é um resumo das ideias apresentadas no minicurso Reflexões sociolinguísticas sobre a Libras (Língua Brasileira de Sinais) durante o 64º.Seminário do GEL, nossa intenção é destacar, a partir da revisão dos pressupostos clássicos da Sociolinguística, os processos relacionados à variação e mudança presentes nas línguas de sinais, visando, sobretudo, apontamentos que possam fomentar trabalhos futuros nesse campo. O artigo está organizado do seguinte modo: inicialmente, defenderemos a legitimidade da Libras como língua natural a partir de pressupostos sociolinguísticos, buscando destacar sua natureza heterogênea. Num segundo momento, discutiremos a realidade sociolinguística da Libras num contexto de bilinguismo português e Libras. Finalmente, abordaremos a temática da variação e da mudança linguística aludindo, principalmente, a questões de ensino e aprendizagem da Libras por surdos e ouvintes. As conclusões e as referências bibliográficas serão apresentadas no final do artigo. O que é língua? Uma das principais demandas das comunidades surdas é o reconhecimento das línguas de sinais como línguas naturais, assim como as línguas orais. Esse reconhecimento é fundamental porque apenas com a legitimação de sua língua e, consequentemente, de sua cultura, os surdos podem ter garantidos seus direitos relacionados à sua identidade linguística. A história dos surdos é marcada por períodos de avanço no reconhecimento de seus direitos e capacidades, mas também por períodos de total desrespeito, o que determinou, inclusive, a proibição das línguas de sinais por aproximadamente um século, desde o congresso de Milão em 1880 até meados de 1980. Em nome da brevidade, não exploraremos esse aspecto da história dos surdos e nos concentraremos mais especificamente na história da Linguística das Línguas de Sinais, buscando enfatizar as contribuições da linguística para a legitimação das línguas de sinais (daqui em diante, LS) como línguas naturais. Nesse sentido, destacamos as pesquisas de W. Stokoe (1960) que foram extremamente importantes para a legitimação das línguas sinalizadas. Ao propor inicialmente três parâmetros para descrever a estrutura sublexical da Língua de Sinais americana, o autor consegue mostrar que, assim como as línguas orais, as línguas sinalizadas possuem estrutura gramatical que pode ser analisada segundo diferentes níveis, como fonologia, morfologia e sintaxe. Por essa razão, o trabalho pioneiro de Stokoe (1960) é recorrentemente usado para legitimar as línguas de sinais que são julgadas, muitas vezes, como mímicas ou pantomimas. Considerados um marco no desenvolvimento da linguística das LS, os estudos de Stokoe (1960) se desenvolveram dentro do paradigma estruturalista, que partia de uma concepção de língua marcada pelo pensamento saussuriano de que língua é um sistema (langue) que se opõe à fala (parole). Uma vez que é a partir de Saussure (2002) que, ao discutir, pela primeira vez, o objeto de estudo da linguística, a língua, temos a proposição da linguística como ciência, os estudos estruturalistas sobre as LS concentraram-se na descrição das línguas sinalizadas como um sistema estruturado, tal como proposto pelo linguista genebrino. Embora a língua seja descrita como um fato social no Curso de Linguística Geral (SAUSSURE, 2002), a metodologia da pesquisa estruturalista retira da língua tudo o que é social, concentrando as análises nos fatos de língua que podem ser usados para demonstrar a sistematicidade da língua, como o sistema de oposições fonológicas, por exemplo. 25 É fato pacífico que não há língua sem gramática, isto é, não há língua em que não se possam depreender aspectos fonológicos, morfológicos e sintáticos. Todavia, é preciso refletir sobre uma questão fundamental: nosso entendimento daquilo que seria uma língua está restrito à descrição de sua estrutura gramatical? O que é, afinal, a língua? Saussure, ao formular os pressupostos daquilo que passaria a ser reconhecido como a ciência da linguagem, afirma que, na linguística, diferente de outras ciências, é a visão do pesquisador que define o objeto de estudo. Desse modo, o objeto de estudo da linguística, isto é, a língua, será definido de diferentes maneiras a partir da perspectiva do analista. Os pressupostos estruturalistas são repensados a partir do desenvolvimento de outras duas correntes de pensamento, a saber, gerativismo e funcionalismo. Embora a concepção de língua no modelo gerativista não se afaste consideravelmente daquela proposto em Saussure, é no desenvolvimento do funcionalismo que encontramos uma nova concepção de língua e, consequentemente, uma nova linguística, em que não se discute oposições entre langue e parole (SAUSSURE, 2002) nem entre competência e desempenho (CHOMSKY, 1965). Omodelo funcionalista, ao definir a língua como um produto de interação, afasta-se da ideia de uma gramática pré-concebida e propõe a existência de uma gramática emergente (HOPPER, 1987), que resulta de pressões de uso ligadas às necessidades comunicativas e expressivas dos falantes. Todavia, é basicamente a partir de Weinreich, Labov e Herzog (2006) (WLH daqui em diante) e das primeiras pesquisas sociolinguísticas empreendidas principalmente por William Labov na década de 1960, que é proposto o desenvolvimento de uma perspectiva efetivamente social para a linguística, em que a língua é entendida como um sistema heterogêneo em uso numa comunidade de fala e sujeita a pressões linguísticas e extralinguísticas (sociais). A fim de enfrentar os problemas descritivos descartados na abordagem estruturalista, a sociolinguística se consolida a partir da eleição do estudo da variação e da mudança linguística, atributos vinculados grosso modo às noções de langue e desempenho. WLH defendem que qualquer análise linguística precisa dar conta daquilo que é parte constitutiva e fundamental de toda língua, a saber, a mudança linguística, e que fora, de certo modo, deixado de lado pelos estruturalistas, ocupados principalmente com a descrição sincrônica. A problematização do pensamento saussuriano é construída por WLH a partir da própria definição estruturalista de sistema: “se uma língua tem de ser estruturada, a fim de funcionar eficientemente, como é que as pessoas continuam a falar enquanto a língua muda, isto é, enquanto passa por períodos de menos sistematicidade?” (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006, p. 87). A solução para o dilema seria o rompimento da identificação entre estruturalidade e homogeneidade. Os autores propõem, portanto, um modelo de análise linguística que seja capaz de descrever a heterogeneidade ordenada, ou seja, a variação, considerando que nem toda variação leva à mudança, mas toda mudança pressupõe um período anterior de variação (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006). Essa correlação entre variação e mudança linguística instaura um modelo de análise linguística que assume a língua como um processo dinâmico, em que não é possível a separação de fenômenos diacrônicos e sincrônicos. O estado sincrônico de qualquer língua é resultado dos processos diacrônicos que se sucederam ao longo do tempo. Sendo assim, uma análise estritamente sincrônica é uma análise sociolinguisticamente agnóstica. Desse modo, para a sociolinguística, não existe língua fora do contexto social e toda língua é um conjunto de variedades; língua é um sistema constituído de heterogeneidade ordenada em que fatores linguísticos e extralinguísticos funcionam como condicionadores da variação e da mudança. A língua, nessa perspectiva, portanto, não pode ser analisada separada dos seus contextos de usos e, consequentemente, de 26 seus falantes. Considerando que não há língua com apenas um falante, as línguas devem ser analisadas no contexto social em que falantes de diferentes idades, origem social, etnia, graus de escolaridade, sexo e gênero interagem. A gramática não é produto acabado e fechado que esses falantes devem aprender. A gramática é construída justamente por esses falantes em situações de interação em que sentidos são negociados. Desse modo, a história interna de uma língua não se desvincula da sua história externa, ou seja, da história de seus falantes. Nesse sentido, cabe remeter às definições de usuário/falante apresentadas em Neves (2002): • No ser que fala, no que chamamos de usuário da língua, está, então, a gramática. • A imagem do usuário – que é o homem que fala – precedeu a da gramática. • Ela está nele: na sua fala há uma gramática, que ele possui. Se a gramática está no usuário, ele não é um aprendiz, pois não é possível aprender o que já se sabe. Não existe gramática como produto acabado que se configurou num determinado tempo e espaço e assim permanecerá a despeito de reconfigurações sociais a que seus falantes sejam submetidos. A gramática está num movimento contínuo de estruturação e reestruturação motivado pelas necessidades comunicativas de seus usuários. E sendo as necessidades comunicativas e a identidade dos falantes diferentes, não podemos esperar que a língua seja a mesma para todos os falantes em todas as situações de comunicação. Por isso, não podemos dizer, por exemplo, que a Língua Portuguesa ou Inglesa ou a Libras sejam únicas e homogêneas. Elas são todas, na verdade, um conjunto de variedades a que se atribui um rótulo. Se pensarmos, por exemplo, nas variedades brasileiras do português, não é possível dizer onde começa e onde termina a variedade mineira ou paulista (caipira). Aquilo que chamamos de português constitui- se como um conjunto de regras mais ou menos regulares que são compartilhadas por falantes. O que garante a unidade dessa língua, a despeito da intensa variação dialetal, é a normatização. A norma, difundida na escola através do material didático, na imprensa e nos documentos oficiais, garante um certo nível de unidade, que é mais perceptível na escrita formal. O que deve ser destacado, no entanto, é que, apesar da diversidade linguística, todos os falantes de português são capazes de se entender mutuamente. Como afirmam WLH, a variação dialetal faz parte da competência monolíngue do falante. No que diz respeito à Libras, pesquisas, como a de Xavier e Barbosa (2014) e Andrade (2013), mostram que há variação no nível fonológico da sinalização dos surdos de diferentes dialetos, e considerando diferentes variáveis. Todavia, apesar dos avanços das pesquisas sociolinguísticas, é comum ouvirmos na comunidade surda sinalizadores se referirem negativamente a outros sinalizadores que usam uma espécie de Libras misturada com o Português, comumente denominada de Português sinalizado Há também casos em que sinalizadores realizam, com uma mão só, sinais feitos, a priori, com duas mãos – o que pode soar como um deslize fonológico, a exemplo de expressões como "os menino", "praca", "bicicreta", "nóis vai" tão repreendidas pelos falantes de Português, e que acabam sendo objeto de preconceito linguístico. Utilizando-se do mesmo "argumento" de que “isso não é Português”, muitos sinalizadores dizem “isso não é Libras” ao se depararem com efeitos dialetais. Esse preconceito usa a variedade padrão como referência única de língua e atribui aos falantes das variedades não-padrão o estigma do "analfabeto" ou o dos "sem gramática". Se toda língua se constitui a partir de uma gramática, não é possível que qualquer produção linguística inteligível seja produzida fora de uma gramática. Todavia, se toda língua é constituída de variedades, então entre seus falantes circulam várias gramáticas sendo todas elas igualmente complexas e completas. 27 A sociolinguística, nesse sentido, pode ser usada para desconstruir esses preconceitos que sustentam as orientações pedagógicas e o senso comum no que diz respeito à língua. Nesse sentido, discutiremos nas próximas seções deste artigo dois conceitos importantes para a sociolinguística, a saber, contato linguístico e variação e mudança linguística, buscando correlacioná-los à realidade sociolinguística da Libras no Brasil. FONTE: Rodrigues e Silva (2017, p. 686-691) 28 Neste tópico, você aprendeu: • Nossas relações de sentido são perpassadas pelas estruturas linguísticas que aprendemos ao longo da vida, pelo contato com outras pessoas que se utilizem do mesmo código linguístico que nós. • Pela, e através da língua, as nossas relações de sentido internas e externas são estabelecidas. • O campo de estudos dos fenômenos linguísticos, ao qual a Sociolinguística se dedica, é aquele em que são estudadas as relações entre língua e sociedade. • A partir da observação dos eventos linguísticos e do modo através do qual eles são observados, é feita a compreensão daquilo que é observado. • O mesmo fenômeno linguístico tem compreensões diferentes a partir da lente teórica que éutilizada pelo pesquisador. • A maioria das discussões sobre linguística parte dos estudos de Saussure. • As línguas variam, e essa variação pode ser relacionada às características específicas percebidas na estrutura social pela qual os falantes dessas línguas circulam. • A Sociolinguística traz, para a centralidade dos estudos linguísticos, as relações entre língua(gem), cultura e sociedade, a partir de uma perspectiva interdisciplinar que refuta a noção de língua como entidade autônoma, apenas, estrutural ou mental. • O dialeto tem a mesma origem da língua, mas é utilizado em contextos específicos, porém, não é reconhecido, cultural e socialmente, como uma língua independente. • A Libras é uma língua que se desenvolveu a partir da Língua de Sinais Francesa (Langue de Signes Fançaise – LSF). De modo semelhante, a Língua de Sinais Americana (American Sign Language- ASL), também, tem origem na LSF. • A pluralidade linguística faz com que não exista um padrão homogêneo de usuário da língua. • A mutabilidade do sistema linguístico é uma característica constante do sistema, assim, a mudança é um traço, sempre, presente. A variação é certeza no sistema linguístico. RESUMO DO TÓPICO 1 29 • A palavra corpus é um termo que remete a todo o conjunto de materiais para a análise linguística, ou seja, o conjunto de dados para a investigação em uma pesquisa. • Uma pessoa surda, que tenha nascido surda, tem um estilo de uso da Libras diferente de um surdo que perdeu a audição quando adulto e que aprendeu a língua de sinais após já ter adquirido a língua oral-auditiva. • O objetivo do Sociointeracionismo é perceber como os envolvidos em uma conversação conseguem interpretar aquilo que é transmitido para além das palavras/ sinais e da estrutura das normas gramaticais postas em uso durante a interação entre indivíduos. • Dentro dessa teoria, são estudados os conceitos de posto (aquilo que é, expressamente, dito), pressuposto (aquilo que aparece como sugestão durante a comunicação) e subentendido (aquilo que o indivíduo precisa deduzir a partir da interpretação). • A Sociolinguística Interacional pretende estudar como se dá o processo de construção dessas informações subjacentes e como elas afetam o processo de compreensão do que é dito. 30 1 A partir da observação dos eventos linguísticos e do modo através do qual eles são observados, relacione, de forma CORRETA, Coluna I, Característica, à Coluna II, Justificativa: Coluna I (1) Estruturalismo (2) Gerativismo (3) Variacionismo Assinale a alternativa que apresenta a CORRETA numeração da Coluna II: a) ( ) 2, 3 e 1. b) ( ) 3, 1 e 2. c) ( ) 1, 2 e 3. d) ( ) 3, 2 e 1 AUTOATIVIDADE Coluna II ( ) A língua é propriedade da comunidade de fala, existindo diversas variedades que sofrem diversas pressões internas e externas, causando variações que, como o tempo, podem vir a se tornar outras línguas, de acordo com o status que atingem, com a comunidade linguística de falantes e com a complexidade estrutural. ( ) A língua é um sistema subjacente à fala e, socialmente, adquirido no convívio entre os falantes de determinada língua. Ou seja, a estrutura de cada língua é adquirida através do contato, mas esse contato não é o foco dos estudos da linguagem, pois estes devem se pautar no estudo dos caráteres formal e estrutural da língua. ( ) A língua é um sistema mental que nasce com os seres humanos, tendo parâmetros universais que são ativados, ou não, de acordo com a língua específica. Ou seja, as línguas são diferentes porque cada uma delas aciona, ou não, um parâmetro da Gramática Universal interna da mente dos seres humanos. 31 2 Brigth (1964) delineia um conjunto de elementos definidos, socialmente, que ele acredita estarem, diretamente, vinculados às variações observáveis na diversidade linguística, ou seja, o autor desenha aquelas que, para ele, são as possibilidades de estudo vinculadas à língua(gem), abarcadas pelas perspectivas teórica e metodológica da Sociolinguística. De acordo com Alkmim (2011, p. 28-29), as possibilidades citadas pelo autor são: I- Identidade social do emissor ou falante. II- Identidade social do receptor ou ouvinte. III- Contexto social. IV- Julgamento social distinto que os falantes fazem do próprio comportamento linguístico e sobre o dos outros, isto é, as atitudes linguísticas. V- Direitos a omitir e a renegar a própria cultura. Dentre essas afirmações, quais estão CORRETAS? a) ( ) I, II, III e IV. b) ( ) I, II, III e V. c) ( ) II, III, IV e V. d) ( ) I, III, IV e V. e) ( ) I, II, IV e V. 3 De acordo com o estudo sobre as tendências de análise em Sociolinguística Variacionista, analise as sentenças relacionadas à primeira onda, sobre o desenvolvimento do grande quadro, classificando V para as verdadeiras e F para as falsas: ( ) Grandes estudos de levantamento de comunidades, geograficamente, definidas. ( ) Estudos etnográficos de comunidades definidas geograficamente. ( ) Hierarquia socioeconômica como um mapa do espaço social. ( ) Variáveis, como marcadores de categorias sociais primárias, e carregando traços de prestígio/estigma. ( ) Estilo, como atenção prestada à fala, e controlado pela orientação em direção ao prestígio/estigma. Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) V – V – V – F – F. b) ( ) F – F – V – V – V. c) ( ) F – V – V – F – V. d) ( ) V – F – V – V – V. e) ( ) V – F – V – F – V. 32 4 Dentro da análise do discurso são estudados os conceitos de posto (aquilo que é expressamente dito), pressuposto (aquilo que aparece como sugestão durante a comunicação) e subentendido (aquilo que o indivíduo precisa deduzir a partir de sua interpretação). A partir disso, estabeleça o que se pede sobre a seguinte sentença: Maria deixou de dançar bem. Posto: Pressuposto: Subentendido: 5 A Sociolinguística apresenta diferentes percepções para a observação do fenômeno linguístico, na perspectiva dos estudos sobre Sociolinguística Interacional ou Sociointeracionismo, temos aqueles estudos que observam o modo como os discursos são atravessados por diferentes interpretações, a partir desta vertente, descreva o objetivo do Sociointeracionismo. 33 VARIAÇÃO E MUDANÇAS LINGUÍSTICAS 1 INTRODUÇÃO Acadêmico, neste tópico, estudaremos os conteúdos referentes à variação linguística e às mudanças linguísticas. Deste modo, veremos como a Sociolinguística estuda as variações da língua para compreender os fenômenos observados a partir do uso que os falantes/sinalizantes fazem durante as interações em um dado contexto social. A fim de estabelecermos as bases necessárias às discussões sobre variação linguística, começaremos este tópico com as concepções de norma e uso na língua. Assim, iremos apresentar quais são os aspectos linguísticos relacionados à discussão e como eles são percebidos na Libras. A seguir, delimitaremos a noção de variação no contexto do estudo das línguas, bem como os tipos de variação, a ligação entre variação e comunidade linguística e, por fim, debatermos como as mudanças linguísticas e as mudanças linguísticas estão relacionadas. Neste tópico, você irá conhecer mais a Sociolinguística Variacionista, aquela em que os estudos sobre a variação social ganham relevância para a discussão acerca das concepções sobre os fatos da língua. Este estudo é importante para que compreendamos que a variabilidade é uma característica das línguas vivas em que os falantes/sinalizantes estão sempre demonstrando as suas peculiaridades através do uso que fazem da língua. 2 AS CONCEPÇÃO DE NORMA E USO NA LÍNGUA Acadêmico, provavelmente, você estudou, na escola, as regras ou normas gramaticais da Língua Portuguesa de um jeito que fazia com que o estudo da língua parecesse um apanhado de regras que precisavam ser decoradas, classificadas e entendidas para que você compreendesse a gramática da língua. Dito de outro modo, você, muitas vezes, sofreu a gramática. Este tipode estudo da língua faz parecer que existe uma fixidez normativa que prescreve as coisas da língua, ou seja, o modo como a língua é estudada nas escolas faz parecer que existe um conjunto de regras que impõe certas coisas imutáveis e invariáveis que determinam o uso da língua. Em outras palavras, a tradição do estudo escolar sobre a língua nos deixa com a visão de que a norma determina o uso. Assim, dá a entender que não sabemos aquilo que efetivamente é nosso: a língua. UNIDADE 1 TÓPICO 2 - 34 Então, acadêmico, neste momento, é importante destacar que é uma confusão que mistura duas concepções da palavra norma, aliás, duas concepções que nós, falantes/sinalizantes, sabemos bem, pois conseguimos nos movimentar tranquilamente na língua a que tivemos acesso e, por isso, sabemos quando algo é apenas imposto e quando é necessário à compreensão. Para desenvolver este debate, iremos utilizar um pesquisador que estuda bastante essa discussão entre norma, uso e preconceito linguístico, o professor Marcos Bagno (2018). De acordo com ele, existe uma confusão entre as duas concepções de norma, sendo que” O conceito de norma é um dos principais objetos de interesse da sociologia da linguagem, e não poderia ser de outra maneira, uma vez que a norma é, antes de tudo, um construto teórico que emerge do exame das relações sociais” (BAGNO, 2018, p. 20). Deste modo, segundo o autor, as concepções de norma são estabelecidas a partir dos usos que a sociedade delimita do entendimento destas mesmas normas linguísticas, isso porque, de um lado a palavra norma pode estar vinculada à normalidade, ou seja, aquilo que é de uso corrente dentro de uma comunidade linguística; ou pode ser relacionado àquilo que é normativo, ou seja, reconhecido socialmente como regra de uso da língua, mesmo que não seja de uso comum. Observe a figura a seguir os exemplos em português e Libras para estas diferenças entre as concepções de norma: FIGURA 3 – NORMA E USO NORMA PORTUGUÊS LIBRAS REGRA estar OBRIGADO/OBRIGADA USO Maria tá doente OBRIGADO/OBRIGADA FONTE: Adaptada de Capovilla et al. (2017, p. 1989) Observe que em ambos os exemplos a alteração lexical da palavra/sinal aconteceu a partir da diminuição dos fonemas envolvidos para a realização, no Português o verbo perdeu o “es” e o “r” final, já em Libras, a mão que ficava embaixo foi suprimida na realização usual. Deste modo, o uso destas palavras mantém apenas parte dos seus 35 fonemas e, mesmo assim, permanecem reconhecidas pelos falantes/sinalizantes no momento da conversação. Desta maneira, esses exemplos ilustram a ideia de que o conceito de norma pode ter duas compreensões, como paradigma de correção ou como uso corrente na comunidade linguística. NOTA A maioria das discussões linguísticas atuais utiliza os conceitos semelhantes para fazer referência aos fenômenos da língua, desse modo, utilizaremos fonema para fazer referências às partes que formam os sinais. NOTA A correspondência entre duas línguas nunca é exata, contudo, é possível observamos os mesmos fenômenos linguísticos, levando-se em conta as devidas peculiaridades de cada modalidade. Ainda sobres as diferentes concepções do conceito de norma, Bagno (2018) apresenta o seguinte Quadro que reproduzimos a seguir: FIGURA 4 – COMPARAÇÃO ENTRE AS CONCEPÇÕES DE NORMA SEGUNDO BAGNO FONTE: Bagno (2012, p. 21) 36 Observe na figura que as duas perspectivas têm pontos de vista opostos em relação ao modo como analisar os fenômenos da língua e, com base, nestas perspectivas também se depreende o entendimento sobre o uso que os usuários fazem da língua, por exemplo, na perspectiva de uso corrente, o verbo “estar” reduzido à forma “tá” é perfeitamente aceitável e funcional, já no ponto de vista normativo, este fenômeno é percebido como um desvio da normal, ou seja, um erro. Assim, a noção de erro está vinculada à visão normativa, em que existe uma regra a partir da qual os usos são avaliados. Desta compreensão normativa é que encontram suporte as percepções que colocam apenas um modo de uso da língua como correto e todos os demais como errados ou incorretos. Já as discussões que a Sociolinguística propõe são pautadas no pressuposto de que os usuários da língua a utilizam a partir de diferentes contextos sociais e estes contextos, ao serem analisados, mostrarão ao linguista como a língua varia a partir das características sociais observadas. Além disso, é importante termos em mente que a compreensão de variação linguística e de norma como língua em uso, implica diretamente a questão de que língua é poder, ou seja, o uso da língua também é uma forma de se estabelecer relações sociais hierarquias, pois existem variações linguísticas que são reconhecidas como de maior prestígio do que outras, e isso faz com que as pessoas que dominam as variações mais prestigiadas tenham acesso a bens culturais, oportunidades e serviços. Esta visão que coloca um uso como correto e outro como incorreto, caipira ou errado, faz com que as pessoas que o utilizam sejam classificadas como ignorantes e tendo sua opinião invalidade em diferentes contextos. Nisso, vemos a língua como forma de estabelecer preconceitos e demonstrar relações de poder. Em relação à Libras, destacaremos dois aspectos, primeiro, o preconceito pautado na diferença, ou seja, na deficiência, que acarreta uma compreensão equivocadas das questões relativas à surdez, como os entendimentos que tratam a Libras como linguagem e não língua, ou a ideia de que todo surdo é mudo ou até mesmo as representações que tratam o surdo de modo raso através de generalizações como a ideia e que todo o surdo é visual e bastam figurinhas acompanhando os textos em Português que estaria tudo bem ou que colocam o surdo oralizado como aquele mais capaz de se estabelecer em sociedade do que o surdo sinalizante ou até aquela compreensão de que o indivíduo surdo necessita sempre da intervenção de um ouvinte para se colocar no mundo. Dito de outro modo, neste aspecto estão as percepções de que sem o domínio da língua majoritária, o surdo não é capaz de se desenvolver em sociedade, deste modo, entram também as percepções que veem o surdo a partir de sua capacidade de compreensão e expressão na Língua Portuguesa, assim, colocando o domínio da língua majoritária como parâmetro de êxito comunicativo. 37 O segundo aspecto é o preconceito pautado no uso da Libras, pois o maior ou menor domínio da língua de sinais acaba por proporcionar, também, situações e que a sinalização de alguém pode ser classificada como menos adequada ou apenas vinculada a uma região, ou ainda, demonstra o uso da língua feito por um surdo que sabe Libras e um ouvinte, ou entre surdos que tiveram e os que não tiveram o acesso à Língua de Sinais. Para ilustrar este tipo de situação, trazemos o exemplo de uma situação em uma pessoa surda se recusava a estabelecer um diálogo a não ser que o interlocutor soubesse Libras com fluência, ou do surdo que não sabe Libras e a dificuldade de comunicação tanto na língua majoritária quanto em Libras. Desta maneira, as concepções de norma são importantes para a Sociolinguística porque é a partir da perspectiva de uso que a compreensão da variação linguística se estabelece, pois, é preciso ver as variações como modos diversos de se utilizar a língua e, a partir disso, procurar analisar quis as características sociais que estão relacionadas com as variações observadas. Dito de outro modo, é implícito ao estudo da variação o entendimento dos desvios da norma como uso e não como erro. Assim, o estudo da língua na perspectiva da Sociolinguística também está vinculado ao estudo do preconceito linguístico porque a visão da língua e dos falantes de dada variante da língua é perpassada pela visão linguística dos “erros” ou falares desprestigiados, ou seja, aqueles que estão ligados a variantes de menos prestígio social. Acadêmico, neste subtópico debatemos as concepções de norma e sua relação com o uso queos usuários fazem durante a utilização da língua. Assim, percebemos que as noções sobre o conceito de norma variam entre a ideia de uso corrente ou de um regramento idealizado; ademais vimos como estes entendimentos opostos ocasionam visões contrárias sobre os fenômenos da língua, na ideia de uso corrente por dada comunidade linguística, acarreta a perspectiva da variação; já na visão de paradigma a ser seguido, a noção de norma acaba por sustentar o preconceito linguístico. ESTUDOS FUTUROS Na Unidade 2 também serão discutidos alguns aspectos vinculados ao debate sobre preconceito linguístico. DICA Você sabia que o professor Marcos Bagno escreveu um texto ficcional em que a ideia é escrever uma novela sociolinguística? O nome do livro é A Língua de Eulália, a seguir apresentamos a capa e a sinopse deste livro muito interessante! 38 CAPA E SINOPSE DO LIVRO A LÍNGUA DE EULÁLIA, DE MARCOS BAGNO FONTE: <https://bit.ly/3Sc7HBA>. Acesso em: 2 dez. 2021. Nossa tradição educacional sempre negou a existência de uma pluralidade de normas linguísticas dentro do universo da língua portuguesa; a própria escola não reconhece que a norma padrão culta é apenas uma das muitas variedades possíveis no uso do português e rejeita de forma intolerante qualquer manifestação linguística diferente, tratando muitas vezes os alunos como "deficientes linguísticos". Marcos Bagno argumenta que falar diferente não é falar errado e o que pode parecer erro no português não padrão tem uma explicação lógica, científica (linguística, histórica, sociológica, psicológica). Para explicar essa problemática, o autor reúne então, em A LÍNGUA DE EULÁLIA, as universitárias Vera, Sílvia e a esperta Emília, que vão passar as férias na chácara da professora Irene. Sempre muito dedicada, Irene se reúne todos os dias com as três professoras do curso primário, transformando suas férias numa espécie de atualização pedagógica, em que as "alunas" reciclam seus conhecimentos linguísticos. Mais do que isso, Irene acaba criando um apoio para que as "meninas" passem a encarar de uma nova maneira as variedades não padrão da língua portuguesa. A novela flui em diálogos deliciosamente informativos. A LÍNGUA DE EULÁLIA trata a sociolinguística como ela deve ser tratada: com seriedade, mas sem sisudez. FONTE: Amazon (s.d., s.p.) 39 3 O QUE É VARIAÇÃO LINGUÍSTICA? Acadêmico, a palavra variação já traz em si a noção mudança, alteração e diversidade, e, ao fazermos a ligação com a Linguística, podemos depreender que a variação linguística está relacionada à diversidade de usos que os falantes/sinalizantes demonstram em sua utilização da língua. A fim de introduzir a discussão sobre variações linguísticas convidamos você a ler o verbete Variação Linguística do glossário on- line do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (CEALE) reproduzido a seguir, pois ele apresenta uma síntese bastante interessante sobre o assunto: Variação linguística O termo variação se aplica a uma característica das línguas humanas que faz parte de sua própria natureza: a heterogeneidade. A palavra língua nos dá uma ilusão de uniformidade, de homogeneidade, que não corresponde aos fatos. Quando nos referimos ao português, ao francês, ao chinês, ao árabe etc., usamos um rótulo único para designar uma multiplicidade de modos de falar decorrente da multiplicidade das sociedades e das culturas em que as línguas são faladas. Cada um desses modos de falar recebe o nome de variedade linguística. Por isso, muitos autores definem língua como “um conjunto de variedades” e substituem a noção da língua como um sistema pela noção da língua como um polissistema, formado por essas múltiplas variedades. A variação linguística se manifesta desde o nível mais elevado e coletivo – quando comparamos, por exemplo, o português falado em dois países diferentes (Brasil e Angola) – até o nível mais baixo e individual, quando observamos o modo de falar de uma única pessoa, a tal ponto que é possível dizer que o número de “línguas” num país é o mesmo de habitantes de seu território. Entre esses dois níveis extremos, a variação é observada em diversos outros níveis: grandes regiões, estados, regiões dentro dos estados, classes sociais, faixas etárias, níveis de renda, graus de escolarização, profissões, acesso às tecnologias de informação, usos escritos e usos falados. A consciência de que a língua é variável remonta à Antiguidade, quando os primeiros estudiosos da língua grega tentaram sistematizá-la para o ensino e para a crítica literária. Eles, no entanto, fizeram uma avaliação negativa da variação, que viram como um obstáculo para a unificação territorial e para a difusão da língua. Foi nessa época (século III a.C.) que surgiu a disciplina chamada gramática, dedicada explicitamente a criar um modelo de língua que se elevasse acima da variação e servisse de instrumento de controle social por meio de um instrumento linguístico. A consequência cultural desse processo histórico é que o termo língua passou a ser usado, no senso comum, para rotular exclusivamente esse modelo idealizado, literário, enquanto todos os usos reais, principalmente falados, foram lançados à categoria do erro. 40 Com os avanços das ciências da linguagem, essa visão foi abandonada: o exame minucioso de cada variedade linguística revela que ela tem sua própria lógica gramatical, é tão regrada quanto a língua literária idealizada, e serve perfeitamente bem como recurso de interação e integração social para seus falantes. Diante disso, um novo projeto de educação linguística vem se formando: é preciso ampliar o repertório e a competência linguística dos aprendizes, levá-los a se apoderar da escrita e dos muitos gêneros discursivos associados a ela, sem [,] contudo, desprezar suas variedades linguísticas de origem, valorizando-as, ao contrário, como elementos formadores de sua identidade individual e social e como patrimônio cultural do país. Verbetes associados: Dialeto, Gêneros do discurso, Língua, FONTE: BAGNO (s.d., s.p.) Neste texto, vemos uma síntese da noção de variação como parte inseparável do estudo das línguas, além disso, o autor chama atenção para a percepção de que o termo língua nos dá uma falsa sensação de uniformidade, mas dentro da realidade linguística cabem inúmeras variedades que estão no interior de uma língua. Após, Bagno (s.d.) nos apresenta que a variação pode ser desde o nível entre línguas até o estágio individual, a ponto de afirmar que existem tantas línguas quanto o número de usuários de determinada língua, a seguir, ele destaca que a percepção de que as línguas variam é antiga, mas que esta diversidade era vista como negativa, por isso, surgiram os estudos gramaticais que estabeleceram regras de uso da língua que acabaram por colocar todos os demais usos dentro da perspectiva do erro, por isso, serve até os dias de hoje como parâmetro de inserção social. Por fim, o autor apresenta a visão atual dos estudos linguísticos, aquela que percebe as variantes como formas válidas de utilização da língua, também, coloca que esta compreensão traz para o ensino da língua a perspectiva de aprendizagem das diferentes formas de uso da língua e da valorização da diversidade linguística dos aprendizes. Dessa forma, o verbete é bastante interessante por trazer uma visão ao mesmo tempo sintética e abrangente da compreensão sobre a variação linguística. Tendo isso em vista, analisemos agora o conceito de variação linguística apresentado por Coelho et al. (2010, p. 23): Variação [linguística] É o processo pelo qual duas formas podem ocorrer no mesmo contexto linguístico com o mesmo valor referencial, ou com o mesmo valor de verdade, i.e.[ou seja], com o mesmo significado. Dois requisitos devem, pois, ser cumpridos para que ocorra variação: as formas envolvidas precisam: ser intercambiáveis no mesmo contexto e manter o mesmo significado. Desta maneira, ao serem analisadas possibilidades de variação linguística devemos analisarse os usos observados podem ser trocados dentro do mesmo contexto sem acarretar alterações significativas de sentido. Para ilustrar isso, vamos observar o exemplo ESTUDAR apresentado por Machado e Weiniger (2018, p. 58): 41 FIGURA 5 – VARIAÇÃO FONOLÓGICA SINAL DE ESTUDAR EM LIBRAS VIDEOAULA YOUTUBE FONTE: Machado e Weiniger (2018, p. 58) Neste exemplo, os autores chamam a atenção para a realização do sinal ter sido feita de modo diferente quanto à locação, pois, no exemplo da videoaula, ESTUDAR está realizado na altura do peito e, no exemplo do YouTube, ele é feito na altura da boca, porém, esta variação não altera o significado do sinal nem possibilidade de uso, estando dentro daquilo que os autores chamam de variação livre do sinal realizada pelo indivíduo e que não afetam a compreensão do sinal realizado. Agora que já debatemos sobre a compreensão de variação linguística, vamos estudar os tipos de variação linguística, de acordo com Dubois et al. (1973, p. 609): “Chama-se variação [linguística] o fenômeno no qual, na prática corrente, uma língua determinada não é jamais, numa época, num lugar e num grupo social dados, idêntica ao que ela é noutra época, em outro lugar e em outro grupo social”. Assim, o conceito de variação linguística está relacionado à diversidade dos usos da língua ligada ao período histórico, à localização geográfica e a fatores sociais relacionados aos grupos sociais observados. Ainda sobre os tipos de variação linguística, Coelho et al (2010) colocam que estas podem ser divididas entre as provocadas por fatores internos à língua e aquelas que são geradas através de condições externas à língua. Ainda segundo os autores as variações internas podem ocorrem em todos os níveis linguísticos desde o nível mais básico das alterações entre os fonemas que compõem as palavras, à relação entre as palavras dentro das sentenças e das sentenças dentro de um texto; e as variações externas são aquelas vinculadas à fatores não linguísticos, mas que também influenciam nas variações que a língua apresenta, tais como o fator de localização geográfica. Ademais, destacam que a variação do léxico (palavras/sinais) é bastante estudada pela dialetologia e que o estudo da diversidade fonética está mais vinculado aos estudos da Sociolinguística. Ainda, segundo Coelho et al. (2010), as variações vinculadas à categoria de alterações internas à língua são os estudos relativos às variações nos seguintes níveis listados a seguir e que foram adaptados para este material com base em Coelho et al. (2010): 42 Variação lexical: mudança de léxico de acordo com a região geográfica e escolhas vocabulares de acordo com a formalidade ou informalidade da situação, por exemplo, os diferentes sinais de MÃE em Libras, no sinal à Esquerda, a realização é feita com o dedo na configuração em D que toca a lateral do nariz duas vezes, já o sinal à Direita é formado pela junção dos sinais de MULHER + BENÇÃO; FIGURA 6 – SINAIS DIFERENTES PARA A PALAVRA MÃE FONTE: As autoras • Variação fonológica: modificações entre fonemas nas palavras, com a troca de fonemas na realização das palavras/sinais, como o exemplo de OBRIGADO, que vimos anteriormente, em que uma parte do sinal foi suprimida. • Variação morfofonológica, morfológica e morfossintática: estas são as alterações que envolvem a forma das palavras ou sinais, como no exemplo colocado acima do sinal de ESTUDAR em que o ponto de articulação (um dos parâmetros para formação de sinais) sofreu alteração. • Variação sintática: são aquelas variações no nível da relação e da função das palavras dentro da sentença, por exemplo, as alterações dos usos dos pronomes ou da ordem das palavras/sinais dentro da frase, nas sentenças a seguir, podemos observar uma variação sintática em relação às sentenças apresentadas, na que está à Direita, vemos que a ordem SVO (Sujeito-Verbo-Objeto) é utilizada, já na que está à Esquerda, o verbo PERDER é repetido dando foco, ou seja, ênfase, ao que aconteceu através desta estratégia de repetição, numa ordem SVO(V). FIGURA 7 – SETENÇAS EM LIBRAS 43 FONTE: Adaptada de Quadros e Karnopp (2004) • Variação e discurso: são aquelas variações no nível da relação entre as sentenças e no encadeamento delas dentro no discurso, para exemplificar este fenômeno de variação discursiva em Libras recomendamos a leitura na íntegra do artigo elaborado por Anater e Passos (2009) presente no volume IV da Coleção Estudos Surdos, nele, os autores comparam a sinalização de uma história em quadrinhos feita por quatro sinalizantes diferentes, aqui, reproduziremos apenas a comparação entre dois dos sinalizantes das cenas 2 e 3 em que uma menina faz uma bola de neve. FIGURA 8 – EXEMPLO DE VARIAÇÃO DE DISCURSO [ela ou a menina] sentiu vontade de estar brincando e [ela] fez uma bolinha apertou [a bolinha] de vários modos [...] [ela] faz uma bola de neve e [a bola] precisa ficar bem compacta [...] e até que [ela] viu aquela neve [ela] observou e [ela] começou a apertar fazendo uma bolinha [...] [ela] juntou uma bola de neve e [...] [ela] brincava fazendo bolinha de neve, FONTE: Anater e Passos (2009, p. 63-65) 44 Observe que, de acordo com os autores, a partir da mesma imagem motivadora cada um dos sinalizantes organizou o discurso em Libras de modo diferente, demonstrando a variação discursiva possível a partir do discurso dado. Em relação às variações externas, Coelho et al. (2010) colocam que elas estão vinculadas à fatores externos ao funcionamento da língua, ou seja, os fatores sociais estudados pela Sociolinguística que também trazem alterações nos usos da língua, é interessante destacar que as variações serão, normalmente, observáveis em relação aos fatores internos e aos fatores externo ao mesmo tempo, observemos a listagem a seguir foi adaptada dos autores citados no início deste parágrafo: • Variação regional ou geográfica ou diatópica: é a variação que está relacionada ao local em que o usuário reside por ser característica geograficamente da região, por exemplo, quanto sinal de MÃE utilizado acima, a variação com apenas uma configuração de mão é característica do sul do Brasil; • Variação social ou diastrática: são aquelas em que os elementos sociais estão envolvidos, segundo coelho et al. (2010, p. 78), “Os principais fatores sociais que condicionam a variação linguística são o grau de escolaridade, o nível socioeconômico, o sexo/gênero, a faixa etária e mesmo a profissão dos falantes”, assim, neste tipo de variação estão inseridos os sinais específicos de cada profissão, por exemplo, a variação do sinal de LÍNGUA, no sentido de linguístico e no sentido de parte do corpo, como podemos ver em Capovilla et al. (2017, p. 1683): FIGURA 9 – SINAL DE LÍNGUA EM LIBRAS: LINGUÍSTICA E PARTE DO CORPO FONTE: Capovilla et al. (2017, p. 1388) Observe que são sinais completamente diferentes, ou seja, a variação lexical, neste caso, também é uma variação diastrásica, ou seja, social; porque está vinculada ao jargão profissional específico. • Variação estilística ou diafásica: está vinculada aos estilos de comunicação, mais formal, mais informal de acordo com a situação comunicativa e o falante, no exemplo colocado acima da narração das cenas da história em quadrinhos isso aparece como a variação do discurso de cada um dos sinalizantes pelo modo como se percebe participante de uma pesquisa e isso aparece na forma como sinalizam as cenas. • Variação na fala e na escrita ou diamésica: esta variação procura perceber como são diferentes as formas como os usuários da língua a utilizam na fala e na escrita, em Libras, ainda é um pouco complexo se falar nessa variação devido ao pouco número 45 de usuários que sinalizam e escrevem em língua de sinais através de um sistema de escrita, acreditamos, que, com o tempo talvez possamos enxergar um fenômeno semelhante ao que é visto entre a LP falada e a LP escrita, que é a fixidez maior do texto escrito, mas aindaé uma hipótese neste contexto. Acadêmico, nesta subtópico debatemos o conceito de variação linguística, vimos como a própria palavra já traz em si a ideia de alteração e diversidade, além disso, vimos como pode ser compreendida a noção de variação no estudo das línguas e, por fim, estudamos as variações que acontecem nos níveis internos e externos à língua. Em seguida, veremos qual é o conceito de comunidade linguística e como ele se relaciona aos estudos da variação. DICA Num vídeo bimodal a TV Unesp apresenta um UNESP notícias em que dois especialistas falam sobre a variedade linguística em Libras, o interessante é que os dois professores falam sobre os mesmos aspectos, mas cada um em uma modalidade. A professora Angélica Rodrigues é ouvinte e apresenta em LP oral, já o professor Rimar Segala apresenta, mesmo tempo, em Libras. Assim, além de estar relacionado a nossa discussão também é um vídeo bem interessante em relação à organização da apresentação em duas modalidades ao mesmo tempo. 4 COMUNIDADE LINGUÍSTICA E VARIAÇÃO LINGUÍSTICA Acadêmico, vimos que as variações linguísticas são os diferentes modos como a língua se modifica a partir de fatores que podem ser internos ou externos a ela, mas, para que possam ser observados as diferentes maneias como a língua se modifica, é necessário que haja a interação entre indivíduos que partilhem das mesmas normas linguísticas, no sentido de usos compartilhados da língua. Desta forma, para que variações sejam perceptíveis deve ser possível observar a língua em uso em um grupo de pessoas que sejam capazes de acessar as mesmas diretrizes linguísticas compartilhadas, assim, as comunidades linguísticas são o ambiente em que os falantes/ sinalizantes interagem através da língua e, por isso, são o âmbito em que podem ser observas as variações linguísticas. Além disso, é interessante deixarmos claro que as comunidades linguísticas não são excludentes ou exclusivas, assim, um mesmo indivíduo pode fazer parte de diferentes comunidades linguísticas de acordo com os grupos sociais a que pertence, de acordo com Dubois et al. (1973), uma nação monolíngue pode ser considerada uma comunidade linguística, mas esta nunca será homogênea, pois é formada por diferentes 46 outros grupos que têm especificidades linguísticas peculiares, por exemplo, uma pessoa que sabe português e Libras está inserida, minimamente, em duas comunidades linguísticas diferentes, neste caso, comunidade é igual a línguas diferentes, mas se esta pessoa também tem uma profissão específica, como ser médica, ela ainda compartilhará do jargão específico dos médicos e participará desta comunidade linguística. Dito de outro modo, assim como as línguas variam entre si, elas também variam e seu interior a partir de grupos de pessoas que interagem linguisticamente e compartilham das normas de uso específicas destas comunidades. Para continuarmos nosso debate sobre a relação entre comunidade linguística e variação, podemos observar que Alkmim (2011, p. 31) coloca que “[...] objeto da Sociolinguística é o estudo da língua falada, observada, descrita e analisada em seu contexto social, isto é, em situações reais de uso”. Assim, não apenas os estudos sobre variação analisam o fenômeno linguístico através da observação das relações sociais estabelecida linguisticamente, mas toda a Sociolinguística tem como propósito observar as relações constituídas pela e através do uso da língua pelos indivíduos em seus grupos sociais. Isso ocorre porque “Seu [da Sociolinguística] ponto de partida é a comunidade linguística, um conjunto de pessoas que interagem verbalmente e que compartilham um conjunto de normas com respeito aos usos linguísticos” (ALKMIM, 2011, p. 31, grifo nosso). Logo, as comunidades linguísticas não são, necessariamente, definidas regionalmente, mas de acordo com o compartilhamento a língua. Ainda sobre a delimitação do conceito de comunidade linguística, “[...] uma comunidade de fala se caracteriza não pelo fato de se constituir de pessoas que falam do mesmo modo, mas de indivíduos que se relacionam, por meio de redes comunicativas diversas, e que orientam seu comportamento verbal por meio do mesmo conjunto de regras” (ALKMIM, 2011, p. 31, grifo nosso). Tendo isso em vista, observamos que uma comunidade linguística é o grupo de pessoas que utilizam a mesma coleção de regras específicas que fazem com que estes indivíduos se organizem através de códigos da língua que são socialmente compartilhados no interior deste grupo de falantes/sinalizantes. Outro aspecto relevante para a discussão é o de que uma “[...] Comunidade linguística é todo e qualquer grupo humano que utiliza um código verbal comum, imposto pela impossibilidade de ser exclusivo. E tal imposição se dá mediante normas que atuam como solidariedade social e força de coesão do código linguístico” (BORIN, s.d., p. 8). Assim, os autores destacam que, no interior de uma comunidade linguística, existem forças que atuam para que, ao mesmo tempo que existe um código compartilhado comum que permite certas variações, estas também são controladas pelo mesmo conjunto de regras que permitem que elas existem. Dito de outro modo, ao mesmo tempo que as línguas variam, elas não variam de qualquer modo, mas apenas das maneiras que o próprio sistema permite, tendo em vista a necessidade de se manter uma conexão linguística proporcionada e controlada pelo próprio código verbal compartilhado. 47 Assim, neste subtópico, vimos que uma comunidade linguística é um grupo de indivíduos que compartilham de regras de uso de uma língua e se relacionam com as variações linguísticas e com a Sociolinguística por ser em seu interior que se realizam os fenômenos linguísticos observáveis que são objeto do estudo da Sociolinguística. A seguir, vamos debater as mudanças e variações linguísticas. DICA Na atualidade, as nossas relações linguísticas ganharam a dimensão digital, ainda mais depois do aumento formidável do uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDICs) em nosso cotidiano. No artigo Comunidades Virtuais, Comunidades Linguísticas, Carmem Pimentel apresenta a compreensão de que as comunidades linguísticas têm, agora, uma dimensão virtual que se enquadra na concepção de comunidades linguísticas. A seguir, é colocado o Cr-code e link que que levam diretamente à página em que o trabalho está disponibilizado, bem como o resumo do artigo para você ter uma noção do que a autora apresenta. Vale a pena a leitura! Acesse: http://www.institutodeletras.uerj.br/idioma/numeros/29/Idioma29_a05.pdf. COMUNIDADES VIRTUAIS, COMUNIDADES LINGUÍSTICAS Carmen Pimentel RESUMO A era da informação ou a era do conhecimento é caracterizada pela mudança na maneira de comunicação da sociedade e pela valorização crescente da informação, que circula a velocidades e quantidades até então inimagináveis. Nesse contexto, que possibilita a comunicação mais ágil entre os indivíduos, independentemente da localização geográfica e em meio a um quadro de mudanças sociais confusas e incontroláveis, manifesta-se uma tendência nas pessoas de se reunirem em grupos sociais visando compartilhar interesses comuns. Passou-se a viver uma realidade diferente, em que as barreiras espaciais, temporais e geográficas já não são tão significativas, quando as redes globais de intercâmbios conectam e desconectam indivíduos, grupos, regiões e até países sob os efeitos globalizantes provenientes da pós-modernidade. O indivíduo, assim, desprovido de referências tradicionais saiu à procura de pessoas com as quais pudesse compartilhar interesses em comum, uma vez que é da natureza humana se relacionar socialmente. Nos últimos tempos, tal prática parece intensificar-se com a presença das redes mundiais de computadores, que aproximam os indivíduos e possibilitam o surgimento de novas formas de relações sociais: as comunidades virtuais, espécie de agrupamentos humanos constituídos no ciberespaço ou no ambientevirtual. PALAVRAS-CHAVE: Comunidades virtuais. Comunidades linguísticas. Ciberespaço. FONTE: Pimentel (2015, p. 181-198) http://www.institutodeletras.uerj.br/idioma/numeros/29/Idioma29_a05.pdf 48 5 DIFERENÇAS ENTRE VARIAÇÃO E MUDANÇAS LINGUÍSTICAS Os conceitos de variação e mudanças linguísticas são relacionados porque “[...] a mudança linguística marca diferentes fases ou período na variação diacrónica. Por outro lado, a mudança constitui uma selecção das formas linguísticas em variação geográfica ou social, abandonando umas e generalizando outras à comunidade” (ROCHA, 2008, s.p., grifo nosso). Assim, a variação que pode ser percebida ao longo do tempo dará origem às mudanças linguísticas, dito de outro modo, as variações ao longo da história de uma palavra ou sinal nos mostrarão como a mudança dele ocorreu na língua. NOTA Sincronia e diacronia são maneiras de se perceber e estudar o fenômeno linguístico, na sincronia, ele é estudado em um dado momento histórico, fazendo um recorte histórico; já na diacronia o objeto de pesquisa é estudado ao longo do tempo para perceber a evolução que sofreu ao longo da história. Para fins de compreensão dos tipos de estudos, podemos pensar que a sincronia é uma foto e a diacronia, um filme; na foto vemos um instante específico no tempo, já no filme, acompanhamos uma história ao longo de certo tempo. De acordo com Diniz (2010, p. 44), as mudanças linguísticas ocorrem porque: Toda língua tem a sua vida própria e “alimenta-se” a partir da comunicação dos falantes, quando entram em contato com seus pares. Quando alimentada, a língua é transformada naturalmente, seja por fatores internos à própria língua (e.g. a fisiologia da articulação), seja por fatores externos (e.g. o contato com outras línguas). Logo, a mudança é um processo natural das línguas, pois nasce da interação entre os usuários dela, além disso, a autora destaca que as mudanças podem acontecer através do uso que os falantes/sinalizantes fazem na comunidade linguística ou pelo contato entre diferentes grupos sociais que utilizam o mesmo código linguístico ou nas situações em que línguas diferentes entram em contato e, para a comunicação, necessitam estabelecer formas de entendimento, levando também a mudanças linguísticas que pode, inclusive, dar origem a outros sistemas linguísticos. As mudanças que acarretam a transformação de uma língua em outra, demoram muito tempo, pois a estrutura de uma língua não se altera rapidamente. Já as mudanças lexicais são menos lentas e muito importantes para que a língua siga viva e se apropriando/elaborando vocabulários para as novas tecnologias que surgem no dia a dia, para as modificações das relações sociais e para a agilidade necessária para a comunicação (MCLEARY, 2009). 49 Ao observarmos o caso das línguas de sinais, podemos perceber que muitos dos vocábulos tiveram origem no contato com as línguas orais, por exemplo, o sinal de AZUL (STROBEL; FERNANDES, 1998, p. 3) demonstra claramente o processo de mudança de um léxico, inicialmente datilológico, em direção à simplificação e especificação mais adequada às línguas de sinais. FIGURA 10 – EVOLUÇÃO DO SINAL DE AZUL FONTE: Strobel e Fernandes (1998, p. 3) Observe que o primeiro sinal registrado pelas autoras apresenta a palavra AZUL realizada através do alfabeto de sinais, após, existe uma fase intermediária em que se mantêm os sinais equivalentes às letras A e L, mas ainda com a movimentação lateral da Esquerda para a Direita com vai e volta no movimento, por fim, o terceiro sinal registrado pelas autoras apresenta ainda as letra A e L, mas agora com uma movimentação mais orgânica e simplificada, tendo em vista que passa ser apenas um deslocamento frontal com movimento reto. Logo, o sinal passou por uma mudança que partiu da datilologia vinculada à língua oral e passou a um sinal mais adaptado à Libras através de modificações linguísticas que se deram através do uso pelos sinalizantes. Ainda sobre as mudanças linguísticas, podem ser observadas aquelas que acontecem devido à variação do sinal de acordo com o modo como um processo descrito pelo sinal é modificado socialmente, por exemplo, Diniz (2010, p. 44) apresenta a mudança ocorrida no sinal de CAFÉ, observe a comparação entre o primeiro e o segundo sinais: FIGURA 11 – MUDANÇA NO SINAL DE CAFÉ FONTE: Diniz (2010, p. 44) 50 Observe que o primeiro sinal faz referência direta à moagem do café, que era feita num pilão, já o sinal mais atual faz referência à xícara de cafezinho e ao movimento de tomar o café, esta diferença demonstra a capacidade da língua de se atualizar de acordo a forma como a sociedade também muda. Neste exemplo, vemos claramente uma modificação de comportamento social que aparece no uso da língua, pois, atualmente, raras são as pessoas que moem seu café em casa, muito menos com um pilão, logo, o sinal de 1875 não encontra mais referente na realidade e, talvez por isso, os usuários da língua adotaram, ao longo do tempo, um novo sinal que faz mais sentido na realidade vivenciada pelos indivíduos que utilizam a Libras. Ainda Diniz (2010), chama a atenção para o fato de que as mudanças na língua são graduais, contínuas e regulares; assim, as modificações na língua ocorrem aos poucos e sempre seguem as regras estruturais da língua envolvidas. Por fim, observemos a evolução do sinal de e-mail, uma palavra emprestada da língua inglesa vinculada à tecnologia: FIGURA 12 – EVOLUÇÃO DO SINAL DE E-MAIL EM LIBRAS FONTE: Diniz (2010, p. 48) Observe que o sinal inicial era formado pela sinalização das letras E e M, que faziam a referência às letras iniciais da palavra E-MAIL, na sua realização o sinal trazia o movimento em que o M era passado no meio do E para dar a ideia de envio. Já no sinal mais atual, a vinculação à escrita da palavra foi deixada de lado, dando mais ênfase ao sentido de comunicação por mensagem, utilizando a configuração em C e mantendo o movimento que é característico dos sinais que envolvem sentidos de algo que é por meio de ou através de. Assim, esta mudança fez com que o sinal de deslocasse de um vínculo com a escrita e passasse a ter um sinal mais adequado às regras estruturais e semânticas da Libras. 51 Acadêmico, neste subtópico, estudamos que as variações linguísticas ao longo da história acarretam as mudanças linguísticas que serão observadas através do estudo diacrônico da língua. Além disso, vimos que as mudanças estruturais das línguas são mais demoradas do que as mudanças lexicais e fonológicas, ou seja, as mudanças que modificam a gramaticais, que podem dar origem a outras línguas, são muito mais demoradas do que as mudanças que ocorrem em relação à criação e apropriação de palavras/sinais ou aquelas que modificam algum dos parâmetros fonológicos de sinalização, ou seja, que mudam partes dos sinais. A seguir iremos discutir os contatos linguísticos entre as línguas e a influência destes nas estruturações e reestruturações das línguas em contato. DICA A dissertação de Diniz (2010) é bastante pertinente para a discussão apresentada nesta seção, por isso, recomendamos a leitura na íntegra de “A história da Língua de Sinais Brasileira (Libras): um estudo descritivo de mudanças fonológicas e lexicais”. Acesse: Link: https://repositorio. ufsc.br/bitstream/handle/123456789/93667/282673. pdf?sequence=1&isAllowed=y. ESTUDOS FUTUROS No próximo tópico, estudaremos mais detidamente os contatos entre línguas diferentes e as mudanças linguísticas mais profundas que acarretam, inclusive a emergência de outros sistemas linguísticos que podem, oportunamente, serem reconhecidos como línguas diferentes. Dito de outro modo, quando a mudança atinge os níveis estruturais da língua ela dá origem a outros fenômenos que estudaremos mais adiante. INTERESSANTE Conforme combinamos no final do Tópico 1, a seguir será disponibilizada a parte final do artigo Reflexões Sociolinguísticas sobre a Libras (Língua Brasileira de Sinais).Nela, os autores discutem a questão do contato linguístico, após debatem as noções de variação linguística e apresentam alguns argumentos quanto à existência ou não de uma língua dita “pura”. Por fim, tecem considerações finais em que retomam os pontos levantados durante o artigo. Boa leitura! https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/93667/282673.pdf?sequence=1&isAllowed=y https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/93667/282673.pdf?sequence=1&isAllowed=y https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/93667/282673.pdf?sequence=1&isAllowed=y 52 REFLEXÕES SOCIOLINGUÍSTICAS SOBRE A LIBRAS (LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS) Angelica Rodrigues Anderson Almeida da Silva [...] Contato linguístico A Libras existe no Brasil há pelo menos 159 anos, pois no ano de 1857 foi fundado no Rio de Janeiro o primeiro Instituto Nacional para Educação de pessoas Surdas, o INES. Anteriormente à criação do instituto, a língua já existia nas ruas, nas casas, com menor difusão e estabilidade, no seio das comunidades surdas. Somente a partir da institucionalização da educação de surdos, surgiram os primeiros registros lexicográficos da língua e o interesse de profissionais em garantir a sua sobrevivência e difusão. Atualmente, a Libras não é um idioma oficial da nação brasileira, mas é reconhecida oficialmente pela Lei 10.436/2002 e pelo Decreto 5.626/2005. Ela existe e pode ser utilizada ampla e indistintamente pelos surdos brasileiros, que tiveram, com a aprovação dessas leis, suas especificidades linguísticas reconhecidas. A ideia equivocada de que o Brasil é um país monolíngue já foi rebatida em inúmeros trabalhos (LEITE; CALLOU, 2002) em que se discutem a realidade multilíngue e multidialetal do país, onde convivem, ao lado das variedades do português, as línguas nativas brasileiras, as línguas de imigrantes e as línguas de sinais. Uma vez que a língua oficial do país é o português, toda instrução formal é dada nessa língua, o que tem desdobramentos na realidade linguística dos falantes não-nativos do português ou bilíngues. Grande parte da população não falante de português acaba inevitavelmente tendo o português como língua de instrução unicamente, salvo raras exceções de escolas bilíngues. No que diz respeito à comunidade surda, o contato com o português pode se efetivar de duas maneiras. Os surdos oralizados aprendem apenas o português ou são bilíngues. Os surdos não oralizados usam o português somente na modalidade escrita, sendo a Libras considerada sua única língua materna. Seja como for, o fato de os surdos estarem inseridos num contexto em que o português figura como língua majoritária faz com que a Libras, assim como outras línguas minorizadas, se constituam como uma ilha linguística num mar de português. Desse modo, o contato com o português é inevitável. Segundo Thomason e Kaufman (1988), há duas pré-condições para que haja empréstimos entre línguas, quais sejam, contato social intenso e falantes bilíngues. Considerando que, além dos surdos, há também ouvintes usuários de Libras, podemos concluir que a situação sociolinguística da comunidade surda no Brasil é de bilinguismo, em maior ou menor grau. Como afirma Adam (2012), há consenso, atualmente, de que a comunidade surda é uma comunidade bilíngue com indivíduos surdos com vários graus de fluência na língua oral e de sinais da comunidade. Ainda segundo esse autor, em contextos sociolinguísticos similares, o efeito do contato entre línguas orais e sinalizadas é igual ao do contato entre línguas orais (ADAM, 2012). O efeito principal do contato linguístico é o empréstimo (borrowing), que pode ter desdobramentos distintos em cada situação. Pensando especificamente no caso da Libras, podemos dizer que esses empréstimos se dão no nível lexical através, por exemplo, do uso de sinais soletrados e também no nível morfossintático com o empréstimo de preposições (para e em) e conjunções (se, mas e e). 53 Com relação ao uso da datilologia na Língua Americana de Sinais (daqui em diante, ASL) alguns trabalhos apresentam perspectivas diversas. Battison (1978), por exemplo, baseou-se no fato de que datilologia era inglês, não ASL. Outros pesquisadores, porém, como Davis (1989), argumentam que datilologia não é inglês. Davis sustenta que datilologia é ASL porque os morfemas em ASL nunca são emprestados de um contexto ortográfico do inglês, eles são usados para representar um contexto ortográfico. Valli e Lucas (1992) enfatizam que empréstimos de datilologia são reestruturados para se adequar à fonologia da língua de sinais. Evidências psicolinguísticas acerca desse fenômeno são oferecidas por Waters et al. (2007) que investigaram a ativação de zonas cerebrais (lateralidade) de palavras escritas, imagens, sinais e datilologia, buscando verificar se a datilologia era processada como escrita ou sinalização. Os autores observaram que a datilologia era processada em áreas do cérebro similares às usadas para os sinais da LS e distintas das envolvidas em escrita. No que diz respeito à aquisição, Padden e LeMaster (1985), Akamatsu (1985) e Blumenthal- Kelly (1995) apontam que crianças reconhecem palavras soletradas manualmente muito antes de aprenderem a “soletrar”, o que pode evidenciar que essas palavras soletradas são consideradas sinais e não palavras emprestadas da língua oral. Ademais, itens lexicais podem ser criados, segundo Brentari e Padden (2001) e Sutton- Spence (1994), através da composição de datilologia e sinais, como, por exemplo, soletrado manualmente como -P- C e o sinal de mouth (boca) para Portsmouth (nome de uma cidade). Há também o que é chamado de processo de nacionalização da datilologia (KYLE; WOLL, 1985; SUTTON-SPENCE, 1994; CORMIER; TYRONE; SCHEMBRI, 2008), através do qual um sinal com soletração manual se torna um sinal. Isso ocorre quando: (a) as formas se adéquam aos contornos fonológicos do léxico nativo; (b) parâmetros da forma ocorrem no léxico dos nativos; (c) elementos nativos são adicionados; (d) elementos não nativos são reduzidos (perda de letras); e (e) elementos nativos são integrados com elementos não nativos (CORMIER; TYRONE; SCHEMBRI, 2008 apud ADAM, 2012). Temos dois grupos de sinais soletrados em Libras, observando o comportamento descrito acima: sinais que continuam sendo soletrados ipsis literis a sua grafia na língua oral (por exemplo: C-D, L-I-X-O, O-U etc.) e sinais que sofreram algum tipo de redução fonológica ou alteração prosódica (por exemplo: N-U-N para “nunca”, V-I para “vai” e L-I-N-D-O que é soletrado com alterações prosódicas específicas). Essas mudanças não são previsíveis pela teoria para nenhum grupo de palavras e somente são implementadas pela aceitação da comunidade de fala da Libras. Variação e mudança linguística Um dos principais valores associados à língua está presente fortemente na escola e, por conta disso, é assumido pela grande maioria dos falantes como sendo verdadeiro. Esse pré-conceito prevê que a língua é uma entidade homogênea e pura e está representada completamente nas gramáticas tradicionais e na obra dos escritores clássicos da nossa literatura. Expressões e palavras que estejam em desacordo com a norma prevista nessas obras consistiriam em uma ameaça à pureza da língua. Essa ameaça pode se configurar tanto em estruturas observáveis na fala e na escrita de brasileiros e identificada como um erro ou desvio em relação àquilo que é convencionalmente chamado de norma culta, quanto em palavras e expressões estrangeiras. Nos dois casos, esses usos são condenados por gramáticos tradicionais, cabendo à escola a sua "correção". 54 Há uma associação forte entre língua e homogeneidade e pureza (língua pura), estando a língua sujeita a ameaças externas (estrangeirismos, empréstimos) e internas (variedades populares). Por que dizemos que essa ideia é equivocada? O português é uma língua românica, descendendo, portanto, do latim. Embora muitas palavras da nossa língua tenhamorigem latina e grega, num exercício rápido de consulta aos dicionários de português, encontramos inúmeras palavras estrangeiras, cuja origem é ignorada pela maioria dos brasileiros. As palavras almofada, almoxarifado, alfaiate, por exemplo, são de origem árabe e representam o registro linguístico do período que os árabes dominaram a Península Ibérica entre os séculos VIII e XV d.C. As palavras cavalo, gato, cabana e cerveja são de origem celta. Já as palavras guerra, albergue, fralda e branco são de origem germânica. Apesar disso, nós como falantes não analisamos estes fatos no momento de fala, e eles somente interessam a uma pesquisa histórica da língua. Percebe-se, então, que os empréstimos linguísticos não ameaçam a existência de nenhuma língua no mundo, do contrário, dão sinais de sua vitalidade e constituem registros linguísticos da história externa de uma língua. Existe língua pura? Um dos grandes mistérios da humanidade é o surgimento da primeira língua. Perguntas acerca da existência de uma língua original única e talvez divina permanecem incentivando respostas especulativas. As pesquisas em Linguística Histórica, através dos métodos comparativos e de reconstrução interna, possibilitaram a elaboração de árvores genealógicas de famílias linguísticas. Olhando para esses dados, parece impossível que sejamos capazes de encontrar uma origem comum entre as diversas línguas vivas ou mortas faladas no mundo. O que sabemos, no entanto, é que a capacidade da linguagem colocou o homem à frente na escala evolutiva e que a fala representa um marco na evolução da nossa espécie. Nesse processo de evolução, os gestos têm papel fundamental e alguns trabalhos discutem sua importância no desenvolvimento da comunicação humana (STOKOE, 1960). Se, por um lado, não podemos encontrar evidências sobre a primeira ou primeiras línguas, por outro, temos descrições sobre o surgimento de novas línguas e a partir disso somos capazes de entender melhor como nasce uma língua. Aquilo que identificamos como português, por exemplo, nasce no século XI, sendo sua história interna reflexo de sua história externa. A partir da instauração do Reino de Portugal por D. Afonso Henriques, a Língua Portuguesa começa a se configurar de modo, inclusive, a se distinguir da Língua Castelhana. A passagem do latim para o português não é, entretanto, abrupta. Até que o português fosse normatizado, no século XVI, com a publicação das primeiras gramáticas portuguesas, podemos entender que inúmeras variedades eram faladas na região de Portugal. Dessas variedades restaram algumas evidências, como as poesias trovadorescas, que apontam fortemente para um contato linguístico. Considerando os séculos iniciais da emergência do português, podemos concluir, desse modo, que essa língua nasce da mistura de diferentes línguas e variedades e que sua configuração lexical e morfossintática emerge num contexto sociocultural marcado pela diversidade linguística. Portanto, o português não tem uma origem "pura" como muitos defendem. A história da emergência do português não é distinta da história de outras línguas. Para nos atermos ao contexto dessa língua, podemos citar o surgimento dos crioulos de base portuguesa, como o crioulo cabo-verdiano ou kauberdianu, por exemplo. Ao contrário do senso comum, não existe língua pura, pois toda língua surge do contato. Esse pressuposto 55 vale tanto para as línguas orais quanto para as línguas sinalizadas. Souza e Segala (2009) fazem um histórico do surgimento de várias línguas de sinais, inclusive a Libras. O que todas essas línguas têm em comum considerando sua origem é o contexto multilingual e multidialetal que precederam sua emergência. Suppalla (2008, p. 22) aponta que os estudos sobre a emergência e desenvolvimento (mudança) nas LS estiveram por muito tempo fora do escopo das pesquisas em linguística das LS em razão da percepção equivocada de que processos históricos "naturais", como empréstimos, por exemplo, serviram para assinalar uma perspectiva de que as LS são "impuras". O contato linguístico, ou seja, o bilinguismo prolongado resulta em mudança linguística. O fato evidente é que todas as línguas, orais e sinalizadas, são constituídas de heterogeneidade, sendo a variação e a mudança propriedades inerentes em todos os casos. Portanto, se, por um lado, a origem da Libras remete à Língua de Sinais Francesa (LSF), a convivência permeada pelo bilinguismo em relação ao português aponta inevitavelmente para a configuração de uma língua heterogênea, como qualquer outra língua natural. Ainda que se acredite que empréstimos, inovações (mudanças) linguísticas e contato linguístico constituam uma ameaça a determinada língua, nenhuma dessas situações põe em risco qualquer língua. Uma língua só morre quando morrem seus falantes ou se por algum fator sócio-histórico esses sejam impedidos ou deixem, com o tempo, de usar sua língua nativa. São situações extremas que levam à morte de uma língua, como guerras, processos de colonização e aculturação. Considerações finais A diversidade linguística tem diminuído no mundo e línguas minorizadas perdem espaço para as línguas de prestígio, de estado. Todavia, não é combatendo a diversidade que garantiremos a valorização de línguas minorizadas. A partir desta exposição, pode-se afirmar que a fixação de quaisquer mudanças que tenham se iniciado por questões de contato entre línguas diferentes é de responsabilidade total da sua comunidade de fala. Essa discussão é oportuna também para esclarecer aos profissionais da área de línguas de sinais sobre a intolerância que, muitas vezes, se fomenta sobre os diversos ‘falares’ da Libras no Brasil. Muitos sinalizadores, pautados na ideia de que a sua forma de falar é a correta, estimulam a intolerância às questões da variação, e acabam por impor um julgamento daquilo que seriam para eles sinais "certos", "errados", "melhores" e "piores". Esse processo é idêntico ao que vivenciamos nas línguas orais, identificado como preconceito linguístico. Uma particularidade das questões sociolinguísticas envolvendo a Libras é que, geralmente, há uma resistência dos surdos aos sinais que são literalmente inventados (criados) em contextos educacionais, como termos específicos de área e, ainda, a variação apresentada por falantes mais escolarizados, a quem se atribui, por exemplo, uma versão da Libras mais parecida como uma tradução literal do português. Percebe-se, então, que o preconceito não se dá somente em relação aos grupos de menor prestígio social, mas também com os que muito ascendem e terminam por distanciarem-se do vernáculo urbano da Libras. A prova é que muitos surdos não escolarizados dizem não compreender os surdos mais escolarizados, e estes, a despeito da resistência dos demais, são tidos como os que mais sabem a língua. Esta é uma reflexão que pretendemos desenvolver futuramente em outro artigo. 56 Concluímos que reconhecer a realidade sociolinguística da Libras, atestando o que há de consenso e dissenso entre seus falantes, também é uma forma de legitimar a língua da comunidade surda brasileira como uma língua natural, sujeita, portanto, à variação e à mudança linguística. FONTE: Rodrigues e Silva (2017, p. 692-698) 57 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu: • A tradição do estudo escolar sobre a língua nos deixa com a visão de que a norma determina o uso, assim, dá a entender que não sabemos aquilo que efetivamente é nosso: a língua. • As concepções de norma são estabelecidas a partir dos usos que a sociedade delimita do entendimento destas mesmas normas linguísticas, isso porque, de um lado a palavra norma pode estar vinculada à normalidade, de outro, a regras delimitas que devem ser seguidas. • A noção de erro está vinculada à visão normativa, em que existe uma regra a partir da qual os usos são avaliados. • Língua é poder, ou seja, o uso da língua também é uma forma de se estabelecer relações sociais hierarquias.• O preconceito pautado na diferença em relação aos surdos é aquele que estabelece o domínio da língua majoritária como parâmetro de êxito comunicativo. • O preconceito pautado no uso da Libras é aquele em que aquelas pessoas que têm menor fluência na Libras, surdas ou ouvintes, sofrem ao serem excluídas devido a esta caraterística. • As concepções de norma são importantes para a Sociolinguística porque é a partir da perspectiva de uso que a compreensão da variação linguística se estabelece, pois, é implícito ao estudo da variação o entendimento dos desvios da norma como uso e não como erro. • A variação linguística está relacionada à diversidade de usos que os falantes/ sinalizantes demonstram em sua utilização da língua. • Ao serem analisadas possibilidades de variação linguística devemos analisar se os usos observados podem ser trocados dentro do mesmo contexto sem acarretar alterações significativas de sentido. • As variações linguísticas podem ser provocadas por fatore internos ou externos à língua. • As variações internas da língua podem ser: lexicais, fonológicas, sintáticas ou discursivas. 58 • As variações externas podem ser regionais, sociais, estilísticas e na fala e na escrita. • As comunidades linguísticas são o ambiente em que os falantes/sinalizantes interagem através da língua e, por isso, são o âmbito em que podem ser observas as variações linguísticas. • As comunidades linguísticas não são excludentes ou exclusivas, assim sendo, um mesmo indivíduo pode fazer parte de diferentes comunidades linguísticas de acordo com os grupos sociais a que pertence. • Assim como as línguas variam entre si, elas também variam e seu interior a partir de grupos de pessoas que interagem linguisticamente e compartilham das normas de uso específicas destas comunidades. • Ao mesmo tempo que as línguas variam, elas não variam de qualquer modo, mas apenas das maneiras que o próprio sistema permite, tendo em vista a necessidade de se manter uma conexão linguística proporcionada e controlada pelo próprio código verbal compartilhado. • A variação que pode ser percebida ao longo do tempo dará origem às mudanças linguísticas, dito de outro modo, as variações ao longo da história de uma palavra ou sinal nos mostrarão como a mudança dele ocorreu na língua. • A mudança é um processo natural das línguas, pois nasce da interação entre os usuários dela, e aquelas que carretam a transformação de uma língua em outra, demoram muito tempo, pois a estrutura de uma língua não se altera rapidamente. • As mudanças lexicais são menos lentas e muito importantes para que a língua siga viva e se apropriando/elaborando vocabulários para as novas tecnologias que surgem no dia a dia, para as modificações das relações sociais e para a agilidade necessária para a comunicação. • A língua se atualiza de acordo com o modo como a sociedade muda, pois são intrinsicamente ligadas. As modificações na língua ocorrem aos poucos, sempre e seguem as regras estruturais da língua envolvidas. 59 1 As discussões sobre norma linguística se estruturam em duas compreensões da noção da palavra norma, numa delas temos uma vinculação mais atrelada a regras e na outra temos uma maior valorização do modo como os usuários fazem uso da língua. Dentro destas discussões sobre as duas concepções de norma linguística, a forma como os falantes/sinalizantes se expressam é percebido dentro de qual delas? 2 O preconceito linguístico é aquele em que o modo como o falante/sinalizante utiliza a língua é utilizado como justificativa para sustentar percepções sociais que desvalorizam a pessoa. Assim, de acordo com o que foi estudado sobre norma e uso, explique a qual delas o preconceito linguístico está relacionado e por quê? 3 O modo como os sinais são feitos podem sofrer variações de acordo com diversos fatores externos e internos à língua. Observe a figura a seguir, retirada de Strobel e Fernandes (1998, p. 3) nela estão apresentados três sinais referentes à palavra VERDE: COR VERDE SINAL FONTE: Strobel e Fernandes (1998, p. 3) Sobre os sinais apresentados são feitas as seguintes afirmações: I- A variação externa observada é de caráter regional ou diatópica, pois a figura apresenta três sinais relacionados a três lugares. II- Os sinais observados apresentam variação interna lexical, pois apresentam mudança de léxico de acordo com a região geográfica de uso do sinal. III- A variação linguística dos sinais apresentados pode ser compreendida tanto como uma variação interna como uma variação externa à língua. AUTOATIVIDADE 60 Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Somente a sentença I está correta. b) ( ) As sentenças I e III estão corretas. c) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas. d) ( ) Somente a sentença III está correta. 4 Observe a figura a seguir e marque a alternativa correta sobre o fenômeno linguístico observável nas etapas de alteração do sinal referente a BRANCO apresentadas através da numeração que evidencia o primeiro estágio, o segundo estágio e o terceiro estágio de modificação do sinal: BRANCO SINAL FONTE: Strobel e Fernandes (1998, p. 6) a) ( ) A figura apresenta variações regionais do sinal BRANCO e suas mudanças regionais. b) ( ) A figura apresenta etapas históricas da variação que levaram à mudança linguística. c) ( ) A figura apresenta sinais da palavra BRANCO que são pouco utilizados. d) ( ) A figura apresenta sinais vinculados à mudança lexical por simplificação de datilologia. 5 Os falantes de uma língua são agrupados de acordo com fatores sociais que estruturam comunidades linguísticas, sobre as Comunidades Linguísticas, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas: ( ) As comunidades linguísticas são o ambiente em que os usuários interagem através da língua. ( ) É no âmbito das comunidades linguísticas que podem ser observas as variações linguísticas. ( ) Um mesmo indivíduo pode fazer parte de um número limitado de comunidades linguísticas. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) F – V – F. b) ( ) V – F – F. c) ( ) V – V – V. d) ( ) V – V – F. 61 TÓPICO 3 - CONTATO LINGUÍSTICO 1 INTRODUÇÃO Acadêmico, nos tópicos anteriores, estudamos, inicialmente, o campo de estudos da Sociolinguística e como ele percebe a relação entre língua e sociedade. Além disso, debatemos sobre a história da delimitação e fixação da área de estudos que percebe o fenômeno linguístico relacionado às características sociais, por fim, estudamos alguns dos teóricos e das teorias que estudam essa perspectiva de análise da língua a partir da observação das características geográficas, das variações sociais e das teorias que percebe a interação entre discursos na língua. Depois discutimos os sentidos de norma nos sentidos de uso e de regras, este último dando origem às visões que sustentam o preconceito linguístico, em relação às variações como uma característica das línguas naturais em que mais de uma forma de uso mantém o sentido em determinado contexto, também, vimos como as comunidades linguísticas se caracterizam. Por fim, abordamos a relação entre variação e mudanças linguísticas, de modo a perceber que o estudo das variações observáveis ao longo da história (a pesquisa diacrônica) nos mostra o caminho percorrido para que uma mudança linguística ocorresse. Dito de outro modo, as diferentes variações observáveis em um determinado uso ao longo da história irão se estruturar de modo a alterar o uso corrente a ponto de deixarem de ser formas diversas de se utilizar uma mesma forma na língua e passarem a ser a forma reconhecida pela comunidade de usuários de uma dada língua. Também vimos que as alterações estruturais demoram muito mais para acontecerem do que as modificações lexicais e fonológicas, ou seja, é mais fácil mudar as palavras/sinais do que a gramática de uma língua. Ainda vimos que as mudanças linguísticas podem ocorrer por diferentes fatores, mas que é necessárioo contato entre indivíduos que utilizam o mesmo código linguístico para que as variações e, consequentemente, as mudanças aconteçam. Além disso, podem ocorrer mudanças na língua devido à necessidade da criação de novas palavras para darem conta da evolução social que a tecnologia e as novas dinâmicas sociais trazem, bem como a mudança pode ocorrer devido à inadequação do vocábulo antigo para dar conta do processo atual. (Como o exemplo e CAFÉ trazido anteriormente). Pois bem, agora, neste nosso último tópico da Unidade 1, iremos discutir alguns dos fenômenos linguísticos que ocorrem quando duas ou mais línguas entram em contato, ou seja, veremos como a Sociolinguística observa e conceitua a diversidade linguística que nasce do contato entre falantes de diferentes línguas em situações de tensão em que é necessário estabelecer uma forma de comunicação entre os envolvidos. UNIDADE 1 62 Assim, esta é uma das características marcantes do contato linguístico, ele se faz entre indivíduos usuários de línguas diferentes que necessitam se comunicar, esta necessidade cria uma tensão comunicativa que irá ocasionar diferentes níveis de tensões e interações entre os indivíduos, logo, é uma situação de conflito que se estabelece na e através da língua. Isso não quer dizer que esteja ligado a situações de guerras, mas sim no sentido de que o contato linguístico ocorre em situações tensas em que o indivíduo é obrigado a encontrar modos de estabelecer formas que propiciem a comunicação com indivíduos que se comunicam através de outro código linguístico. Assim, por ser nascida da necessidade, esta é uma circunstância que envolve diferentes discussões sobre grupos humanos e comunidades linguísticas em contato que trazem pressões lexicais, semânticas e estruturais sobre as línguas e, consequentemente, sobre os usuários delas. Para esclarecer esta noção de conflito ou embate linguístico, podemos tomar como exemplo a situação de um surdo usuário de Libras e que vive no Brasil, oras, ele acaba por sentir a pressão constante do uso majoritário da Língua Portuguesa (LP) no cotidiano, pois as linhas de transporte, os anúncios, os nomes das lojas, o processo de escolarização pensado para atender a ele é todo feito em LP, além disso, é provável que muitas pessoas em seu cotidiano apenas saibam LP e, talvez, um básico de Libras para se comunicar com ele. Deste modo, ele passa imerso em diferentes interações linguísticas em que é constantemente bombardeado com a LP, ou seja, o código linguístico que utiliza, a Libras internalizada por ele, é constantemente atravessado pelas estruturas do código linguístico da LP. Isso acontece porque ele está inserido em uma sociedade em que a língua majoritária é a LP, em que as políticas públicas são pensadas em LP, ou seja, que a realidade linguística do país é vivida majoritariamente em LP. Assim, sua vivência como sinalizantes da Libras é, também, um constante estado de tensão entre a língua majoritária e a língua minoritária utilizada por ele em sua comunidade linguística. Esta pressão é vivenciada por todos e acaba por acarretar estabelecer situações em que a Libras é alterada pela LP, como na criação de sinais em que a datilologia é priorizada, ou em que a sinalização se estrutura como se em LP fosse, o que é conhecido como português sinalizado – estudaremos mais adiante, neste tópico, a conceituação específica para este uso da LP/Libras. Neste exemplo, podemos perceber que os debates que se estabelecem sobre o contato linguístico estão relacionados com diferentes fatores sociais, tais como, políticas públicas, educação, consumo, inserção social e trabalhista e educação, dentre muitos outros. Sobre os contextos em que as línguas são postas em contato, Dubois et al. (1973) elencam os seguintes: razões geográficas, deslocamento de uma comunidade linguística para o local de uma outra, como nas situações de guerras e conflitos que obrigam um grande grupo de pessoas a se inserirem em outros países, ou, de modo individual quando uma pessoa precisa se inserir em outra comunidade linguística. Como vimos, cabe incluir neste contexto de contacto linguístico as pessoas surdas, pois elas 63 já nascem inseridas em uma comunidade linguística em que a modalidade da língua não é capaz de prover os elementos linguísticos adequados para a sua comunicação. É neste contexto que se origina um dos grandes dilemas quanto à inserção da língua de sinais no cotidiano da criança surda desde o nascimento, pois muitos são filhos de pais ouvintes e passam, muitas vezes, por diferentes profissionais, diagnósticos e estágios até, talvez, terem acesso à sua língua de sinais, aquela que deveria ser sua língua materna ou L1. NOTA Língua materna ou L1 é a língua de primeiro contato de uma pessoa, no caso dos surdos, a L1 deveria ser a língua de sinais, pois ela é aquela cuja modalidade é adequada para este indivíduo, porém fatore sociais, médicos, familiares, dentre outros, acabam por retardar ou impossibilitar a aprendizagem da língua de sinais, acabando por deixar várias pessoas em um limbo linguístico em que estabelecem a comunicação por meio de mímicas e gestos caseiros, ou até por arremedos de língua portuguesa e partes de oralização e leitura labial que são ineficientes e não são línguas, mas formas de se comunicar, mesmo que precariamente. Desta maneira, é possível perceber que estas discussões sobre contato linguístico são relevantes para os debates sobre os direitos linguísticos do povo surdo e sua inserção social. Assim, neste tópico, estudaremos as bases linguísticas das compreensões dos diferentes modos de contato linguístico e as possiblidades de pesquisa na perspectiva da Sociolinguística, desta forma, estabeleceremos as bases linguísticas para a compreensão dos fenômenos envolvidos no estudo da língua a partir de seus atravessamentos sociais durante a interação entre línguas. Começaremos com os empréstimos e interferências linguísticas, após, veremos estratégias linguísticas, alternâncias e misturas, depois, debateremos pidgins e crioulos. Por fim, debateremos os contatos linguísticos e a emergência das línguas de sinais e, encerrando este tópico, discutiremos a pesquisa Sociolinguística na perspectiva dos Estudos Surdos. ESTUDOS FUTUROS As discussões sobre bilinguismo têm um lugar especial dentro das pesquisas sobre surdez devido à vivência surda ser, a priori, uma vivência bilíngue devido à prevalência da língua majoritária no contexto de inserção social dos surdos, por isso, os debates sobre plurilinguismo e bilinguismo serão tratados com mais detalhes mais adiante neste livro didático. Agora vamos compreender o indivíduo bilíngue como aquele que se apropriou do sistema linguístico de mais de uma comunidade, ou seja, aquelas pessoas que são capazes de utilizar com proficiência mais de uma língua. 64 NOTA McLeary (2009) elenca uma espécie de glossário da língua que resume bem as mudanças linguísticas vistas ao longo desta unidade, por isso, ele será reproduzido a seguir: Interferência: pessoas bilíngues introduzem a palavra estrangeira na sua fala em português. Gírias e jargões: grupos de pessoas que convivem ou trabalham juntos começam a usar a palavra estrangeira regularmente na sua fala diária. A pronúncia começa a mudar para o padrão do português, mas a ortografia se mantém fiel ao original estrangeiro. Estrangeirismo: a palavra começa a "vazar" para um público maior, nos jornais, TV e rádio. A pronúncia continua a mudar para o padrão brasileiro. Na escrita, aparece com a ortografia original, grafada em itálico. Começam a aparecer alternativas ortográficas mais próximas ao padrão do português. Aportuguesamento: uma ortografia aportuguesada começa a aparecer com frequência nos meios de comunicação para competir com a ortografia original. A ortografia original perde a grafia em itálico. A palavra é usada por pessoas que desconhecem sua origem. Empréstimo: a palavra é usada normalmente como qualquerpalavra no português, com ortografia aportuguesada. Ela começa a sofrer flexão e derivação pelas regras do português. Dicionarização: a palavra começa a aparecer nos dicionários, ou com a grafia original (como estrangeirismo), ou com a grafia aportuguesada (como empréstimo) ou com as duas simultaneamente. Absorção: a palavra perde sua identidade "estrangeira" completamente e começa a ser considerada simplesmente como mais uma palavra legítima do português, sem questão de origem. 2 INTERFERÊNCIAS E EMPRÉSTIMOS LINGUÌSTICOS De acordo com Dubois et al. (1973), a diferença entre interferências e empréstimos linguísticos é que na primeira a troca de um traço fonético, morfológico ou lexical entre duas línguas acontece sempre de modo individual e involuntário, já no empréstimo, a troca destes traços acontece de modo integrado ao uso da língua, assim, são de uso social coletivo da comunidade linguística. Por isso, as interferências são mais oscilantes, sendo observáveis no nível individual, já os empréstimos são mais estáveis e observáveis em nível coletivo. O nome empréstimo já nos dá a ideia do fenômeno observado, pois esta é uma forma de contato entre línguas em que uma língua passa a incorporar em seus usos traços linguísticos ou vocabulares que já faziam parte de outra língua. Para exemplificar isso, podemos observar o sinal de NUNCA, ele foi incorporado incialmente na Libras a partir de sua forma datilológica N-U-N-C-A e sofreu transformações que o fizeram mudar para um sinal mais enxuto, mas ainda datilológico: 65 FIGURA 13 – SINAL DE NUNCA FONTE: Capovilla et al. (2017, p. 1983-1984) Ao observarmos o sinal, percebemos que ele é um empréstimo da forma lexical da palavra “nunca” em Língua Portuguesa e, mesmo tendo sofrido mudanças fonoarticulatórias, ele ainda apresenta os traços reconhecíveis da LP em sua forma. Sobre os empréstimos linguísticos nas línguas de sinais, Liberato (2010) coloca que eles podem os elencados a seguir, a fim de ilustrar melhor as exemplificações trazidas pelo autor, colocamos o desenho do sinal referente em Libras: a) LEXICAIS: como o alfabeto Manual; [NUNCA, exemplo visto acima] b) DE INICIALIZAÇÃO: onde a configuração de mão é representada pela letra inicial correspondente à palavra em português (GOIÁS > CM=G), e, [...] há também o empréstimo de itens lexicais. FIGURA 14 – GOIÁS SINAL FONTE: Capovilla et al. (2017, p. 1402) c) DE OUTRAS LÍNGUAS DE SINAIS: que se referem a sinais cuja origem é um sinal em outra língua, geralmente um sinal de mesmo valor semântico (ANO > ASL, VERMELHO > LSF), há empréstimos. 66 FIGURA 15 – ANO SINAL FONTE: Capovilla et al. (2017, p. 209) d) DE DOMÍNIO SEMÂNTICO: identificado na maioria dos sinais referentes a cores [são aqueles em que o sentido do sinal fica aparente na sinalização]. FIGURA 16 – VERMELHO SINAL FONTE: Capovilla et al. (2017, p. 2851) e) DE ORDEM FONÉTICA: que são obtidos pela tentativa de representação visual do som que constitui a palavra em português, tal como são percebidas pelo surdo. [Observe que o sinal SE é sinalizado como “si” o que nos permite pensar que a elaboração deste sinal foi baseada na percepção articulatória da palavra, tendo em vista que a vogal “e” em final de palavra se torna uma semivogal com o som semelhante ao “i]. FIGURA 17 – SE SINAL FONTE: Capovilla et al. (2017, p. 2542) Deste modo, podemos perceber que as línguas de sinais apresentam o fenômeno do empréstimo linguístico em vários de seus sinais, demonstrando o contato linguístico entre ela e a língua oral do país ou outras línguas de sinais. A seguir, veremos os conceitos de misturas, alternância e outras estratégias comunicativas que os indivíduos se utililizam nos contextos de contato linguístico. 67 DICA O artigo de Machado e Quadros (2020) apresenta uma discussão bastante pertinente para o que discutimos nesta seção, por isso, colocaremos o resumo a seguir e recomendamos a leitura na íntegra. CONTATO LINGUÍSTICO EM LIBRAS: UM ESTUDO DESCRITIVO DA INFLUÊNCIA DE OUTRAS LÍNGUAS DE SINAIS NA LIBRAS Rodrigo Nogueira Machado Ronice Muller de Quadros RESUMO Este artigo tem como objetivo apresentar um estudo descritivo sobre a ocorrência do fenômeno linguístico “empréstimos linguísticos” de diferentes línguas de sinais para a língua brasileira de sinais – Libras – em videoaulas de disciplinas do curso de Letras Libras (turma de 2006), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) baseado no estudo de Machado (2016). Como metodologia de pesquisa foi feita uma comparação dos sinais encontrados nas videoaulas com sinais extraídos de dicionários online de outras línguas de sinais, além de entrevistas realizadas com os sinalizantes dos DVDs e os sinalizantes estrangeiros para confirmar se havia alguma relação entre eles. O objetivo foi verificar quais sinais eram efetivamente empréstimos de outras línguas de sinais. A pesquisa compilou um corpus lexical de “empréstimos linguísticos entre línguas de sinais”. Esse corpus foi analisado com o suporte do programa Elan, utilizado nesta pesquisa para identificar os sinais, coletados nos vídeos. Como proposta teórica, seguimos a tipologia de empréstimos de línguas em contato proposto por Carvalho (2009). Os resultados evidenciam que o fenômeno estudado é produtivo na Libras, uma vez que apresenta vários empréstimos linguísticos de outras línguas de sinais. PALAVRAS-CHAVE: Contato de línguas; Empréstimos linguísticos; Libras; Línguas de Sinais; Sociolinguística. FONTE: Machado e Quadros (20202, p. 170) Link do artigo completo: file:///C:/Users/maril/Downloads/33484-114943-1-PB.pdf. 3 ALTERNÂNCIAS (CODE-SWITCHING), MISTURAS (CODE-MIXING) E SOBREPOSIÇÕES (CODE-BLENDING) LINGUÍSTICAS Neste subtópico, estudaremos os fenômenos de alternância (code-switching), mistura (code-mixing) e sobreposição (code-blending), estes são eventos em que as línguas em contato são alternadas, misturadas ou sobrepostas no discurso de um mesmo indivíduo, mas apenas em eventos específicos, ou seja, são diferentes dos empréstimos linguísticos, porque são momentos definidos em que ocorre o uso alternado, misturado ou sobreposto de duas línguas em contato, já no empréstimo, o contato gera a incorporação de elementos de um idioma no código linguístico de outra língua. Ou seja, as estratégias de alternância, misturas e sobreposição são pontuais e particulares, já os empréstimos, se tornam parte da língua e, por 68 consequência, recorrentes e compartilhados socialmente pelos usuários. Para exemplificar, pense em um aprendiz ouvinte de língua de sinais, ele poderá utilizar a soletração manual para perguntar o sinal de algo no meio de um discurso em Libras, mas esta datilologia não passará a fazer parte da língua de sinais, já os sinais de AZUL e NUNCA, foram empréstimos da Língua Portuguesa que sofreram adaptação durante o uso e se tornaram mais adequados ao modo de sinalização da Libras, mesmo assim, ainda são reconhecidamente emprestados da grafia em LP. Neste exemplo, o primeiro uso é uma estratégia de mistura de códigos (code-mixing) em que soletração da palavra em LP foi inserida no meio do discurso em Libras e os sinais de AZUL e NUNCA são exemplos de empréstimos. Além disso, para utilizar um sinal que foi emprestado de outra língua não é necessário que o indivíduo conheça a língua de onde veio a palavra, pois, existe uma infinidade de sinais e palavras das quais não sabemos a origem, mas que utilizamos sem problemas, pois elas passaram a fazer parte do léxico da língua. Porém, para ser capaz de utilizar estratégias linguísticas que alternam, misturam ou sobrepõem códigos é necessário saber utilizar mais de uma língua, ou seja, ser bilíngue em algum nível. Quando dizemos que alguém é bilíngue, estamos afirmando que este é um indivíduo que tem o domínio de mais de uma língua, ou seja, ele é capaz de estabelecer um diálogo através de mais de uma estrutura linguística. Assim, durante a interação entre pessoas bilíngues,os indivíduos envolvidos podem se utilizar de estratégias linguísticas diversas para comunicar o que for necessário, estas estratégias discursivas são utilizadas de acordo com diferentes contextos sociais de enunciação. Como exemplo, pensemos em um professor de Libras para alunos ouvintes iniciantes, poderá se utilizar de simplificações estruturais, apoio no uso de LP em alguns momentos, uso de dactilologia, uso de discurso em que as palavras utilizadas sejam aquelas que ele trabalhou em aula, sinalização mais lenta e marcada para facilitar a compreensão, uso de alternância em a LP e a Libras para o ensino de vocabulário, mistura entre sinais e palavras escritas para tradução. Ou seja, neste exemplo, o professor/instrutor de Libras irá utilizar a LP e a Libras em contextos que elas possam ser intercambiáveis com o objetivo de ensinar a língua de sinais para seus aprendizes. Assim, no exemplo dado, este é um contexto controlado em que as estratégias de comunicação têm como objetivo ensinar uma língua alvo a partir da língua que o público tem o domínio. Contudo, nem sempre o falante/sinalizante percebe as estratégias discursivas que utiliza, pois elas normalmente ocorrem de modo inconsciente durante a conversação, mesmo sendo não consciente, estes não são imotivados, pois estaria de acordo com o contexto social de interação (SOARES et al., 2012). Sobre a motivação dos fenô menos de estratégias linguísticas que envolvem a alternância (code-switching) entre línguas diferentes em um mesmo discurso, de acordo com Soares et al. (2012), estas ocorrências até pouco tempo eram percebidas como aleatórias e características apenas dos indivíduos bilíngues imperfeitos, ou seja, aqueles que faziam misturas entre as línguas porque não tinham a proficiência 69 necessária para utilizar as duas línguas de modo perfeito, deste modo, a alternância no discurso seria uma “[...] simples troca de vocábulos ou estruturas sintáticas, feita de maneira aleatória [...]”. Ou seja, o usuário alternaria entre a língua A e a língua B porque não saberia como comunicar o que pretendia na língua A. Contudo, ainda, segundo Soares et al. (2012, p. 7): [...] descobriram-se a existência de elementos motivacionais discursivos e/ou de natureza sociopragmática na realização dos enunciados híbridos. Isso quer dizer que o CS [code-switching – alternância] pode ser utilizado em contextos sociais para a transmissão de significados sutis – como identificação étnica e cultural, papéis/hierarquia dos participantes da interação, valores sociais e situacionais etc., – e ainda, no contexto da educação bilíngue como estratégias discursivas que desempenham diferentes funções – tais como ênfase, preenchimento lexical, objetivação, endurecimento da mensagem etc. Deste modo, a alternância (code-switching) entre línguas passou a ser percebida como um modo de o usuário da língua estabelecesse socialmente por e através da língua através do uso alternado e motivado discursiva e socialmente de dois códigos linguísticos. Assim, os autores colocam que “[...”] o fenômeno como uma alternância de códigos que não se restringe aos aspectos estruturais da língua, mas que é, antes de tudo, socialmente motivada [...]”. Assim, quando um falante alternar seu discurso entre duas ou mais línguas ele está realizando algo que tem origem em uma necessidade social de comunicação que pode ser motivada por diversos fatores pessoais ou situacionais que podem estar vinculados à necessidade de comunicação ou interação, por exemplo, demarcar um espaço linguístico enquanto pertencimento a uma comunidade, por exemplo, um ouvinte usuário da Libras que coloca em meio ao seu discurso em LP um discurso em língua de sinais para reforçar um argumento num debate sobre ensino de surdos. Assim, a alternância (code-switching) é troca de um código linguístico para outro durante um discurso, já” [...] o code-mixing (mistura) é uma mistura de códigos que ocorre dentro de uma mesma sentença e que resulta em algum tipo de alteração de uma estrutura lexical” (SOARES et al., 2012, p. 9). Logo, a mistura (code- mixing) é uma troca entre códigos linguísticos que se dá em um escopo menor, pois é um fenômeno que ocorre com a inserção de um elemento da língua B no interior da sentença em língua A. Por exemplo, um usuário de Libras e (ASL) American Sign Langue, que introduza uma palavra em ASL dentro da sentença em Libras e tenha que fazer alguma mudança estrutural na frase para acomodar este uso. Em relação à sobreposição (code-blending), este é um tipo de estratégia em que as línguas em contato aparecem usadas ao mesmo tempo durante o discurso. De acordo com Xavier (2019), esta estratégia é a mais utilizada nas situações em que o contato se dá entre uma língua de sinais e uma língua oral porque “[...] as línguas de sinais e línguas orais fazem uso de articuladores diferentes e que, por essa 70 razão, podem ser usados ao mesmo tempo”. Desta maneira, a sobreposição é um fenômeno linguístico observável, principalmente, no contato entre línguas de diferentes modalidades, tais como as línguas de sinais em contato com as línguas orais, pois uma é oral-auditiva e a outra visuoespacial, logo, é possível sobrepor partes do discurso quando utilizadas ao mesmo tempo. Ainda segundo Xavier (2019, p. 51), o autor destaca que nas pesquisa sobre línguas de sinais, a maioria dos estudos se dedica a estudar a relação entre estas e as línguas orais devido ao contexto de bilinguismo bimodal em que os surdos estão inseridos, assim sendo, alternância, misturas e sobreposições são aquelas “[...] situações em que sinalizantes usam o vocabulário e/ou a gramática da língua oral durante a produção de enunciados em línguas de sinais (e vice-versa) de forma intersentencial, intrassentencial e simultânea, respectivamente. [...]”. Desta maneira, a alternância se dá entre sentenças, a mistura, no interior das sentenças e a sobreposição, por sua vez, acontece de modo paralelo nas duas línguas quando as características das línguas envolvidas permitem a realização ao mesmo tempo dos dois códigos linguísticos envolvidos. Neste subtópico, debatemos sobre as estratégias discursivas e vimos que a alternância (code-switching), a mistura (code-mixing) e a sobreposição (code- blending) são fenômenos linguísticos em que os indivíduos bilíngues alternam entre dois códigos linguísticos, misturam elementos de uma língua A dentro da sentença em uma língua B ou sobrepõe discurso em duas línguas de modo concomitante. Além disso, vimos que os empréstimos são diferentes às estratégias discursivas porque eles são incorporados à língua e independem de o usuário saber sua origem ou ter noções da língua de onde ele veio como empréstimo e as estratégias são utilizadas por usuários bilíngues, que utilizam alternância, mistura ou sobreposição de códigos linguísticos devido a contextos de transmissão de situações sociais demarcadas sutilmente ou para eventos de aprendizagem linguística. A seguir, trataremos dos contatos linguísticos que alteram mais drasticamente a estrutura das línguas envolvidas, a ponto de estas modificações poderem, com o tempo, o uso e o reconhecimento político darem origem a outras comunidades linguísticas. 4 PIDGINS, LÍNGUAS CRIOULAS E A EMERGÊNCIA DAS LÍNGUAS DE SINAIS Acadêmico, neste subtópico, iremos discutir os fenômenos que alteram as estruturas das línguas e que, devido a isso, com o tempo, podem dar origem a comunidades linguísticas diversas daquelas envolvidas inicialmente. Neste contexto, estudaremos o pidging e a emergência das línguas crioulas. 71 O pidgin é uma estruturação linguística que é resultado de extenso contato entre, no mínimo, duas línguas que possuem valor socioeconômico distinto. Além disso, ele também tem a particularidade de ser aprendido por adultos em situações de emergência, ou seja, momentos em que a comunicação é necessária, mas as pessoas envolvidas não têm uma língua em comum. De acordo comMcCleary (2009, p. 21, grifo do autor): Um pidgin não é uma língua natural, porque não existe ninguém que fale pidgin como primeira língua. Todo mundo que fala pidgin aprende por força de circunstâncias, já adulto, quando já tem uma outra língua materna. Todo mundo fala pidgin como segunda (ou terceira, ou quarta) língua. Um pidgin é uma língua emergencial porque aparece em situações extremas de barreiras à comunicação. Por isso, o pidgin é um registro simplificado, precário, variável, sem gramática estabelecida e não natural, pois surge a partir da imposição da necessidade de uma forma de comunicação em contextos nos quais é urgente estabelecer algum modo linguisticamente compartilhado de comunicação. Assim, os usuários deste registro simplificado acabam por negociar linguisticamente um sistema muito simplificado de comunicação que evita figuras de linguagem, efeitos de sentido e ambiguidades, pois não é preciso falar “bonito ou corretamente, mas conseguir estabelecer uma comunicação” (McCLEARY, 2009, p. 21) Um exemplo de pidgin é o português sinalizado, pois é uma forma de comunicação que tem as características lexicais da Libras e a estruturação morfológica da LP, de acordo com Monteiro (2015, p. 100), o contexto de inserção dos surdos em um ambiente linguístico em que são expostos a contatos precários da língua “[...] favorece um alto nível de interferência do Português sobre a Libras e esse tipo de produção pidginizada [em processo de pidgin] costuma ser abordado na comunidade surda como ‘português sinalizado’” (MONTEIRO, 2015, p. 100). FIGURA 18 – MEU NOME É EM LP SINALIZADA E EM LIBRAS FONTE: As autoras PORTUGUÊS SINALIZADO LIBRAS 72 Observe que na sentença feita em português sinalizado as palavras da LP são apenas convertidas para os sinais com a estrutura ainda em LP, sendo feito um sinal para cada palavra, o que não responde ao uso da Libras, já na sentença em Libras, temos o uso apenas do sinal de nome, pois os demais elementos das sentenças se encontram implícitos nas normas de uso da língua brasileira de sinais não sendo necessária a sinalização específica deles. Estas características fazem do pidgin uma língua franca, ou seja, um idioma que é utilizado por pessoas que se utilizam de outros códigos linguísticos. Todo pidgin é uma língua franca, mas nem toda a língua franca é um pidgin, pois essa pode ser qualquer língua que pessoas que têm outras línguas maternas para a comunicação, tal como o latim na Idade Média, o francês no século XVIII e o inglês na atualidade (McCLEARY, 2009). Quando uma comunidade linguística se estabelece a partir de um pidgin e as crianças começam a nascer e ter esta forma super simplificada como língua mãe, elas acabam por organizar a estrutura gramatical e regularizar as regras de uso de modo que uma nova língua é estruturada a partir deste processo. “Essas línguas que são faladas como primeira língua e que nascem em comunidades que usam pidgin como uma língua franca chamam-se línguas crioulas” (McCLEARY, 2009, p. 23). Desta forma, “A pidginização constitui o processo prévio à formação de uma língua crioula, ou seja, um pidgin transforma-se num crioulo quando os filhos de uma comunidade têm o pidgin como língua materna. A tendência do pidgin é, pois, a crioulização” (PORTO EDITORA, s.d., s.p., grifo nosso) Assim, o pidgin é um processo anterior ao do surgimento de uma língua crioula, pois não tem a organização e estrutura que caracteriza uma língua, mas permite a comunicação entre línguas diferentes e, este contato linguístico faz emergir uma comunidade linguística que se utiliza deste código, a partir do nascimento de crianças que terão o pidgin como vivência linguística este registro simplificado se torna língua ao ganhar alicerces linguísticos regulares se tornando uma língua que nasceu da simplificação de várias outras línguas. Quanto ao caso da emergência das línguas de sinais, McCleary (2009) e Souza e Segala (2008) destacam que é necessário o contato do ente línguas de sinais para que seja possível o surgimento de uma língua. No caso do Brasil, os autores chamam a atenção para a criação do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), no Rio de Janeiro em 1857. Esta criação possibilitou o estabelecimento de uma comunidade surda e um grupo linguístico que possibilitou o surgimento de uma língua de sinais brasileira fortemente influenciada pela língua francesa de sinais, deste modo, quando em 1911, o oralismo se estabelece como política linguística para o ensino dos surdos, a Libras já havia se firmado como língua da comunidade surda e, por isso, seguiu utilizada, mesmo que clandestinamente, pelos surdos nos corredores da escola e na vida cotidiana. 73 Em contraponto, os autores destacam como se deu a emergência da língua de sinais na Nicarágua. Um caso curioso devido ao processo de escolarização dos surdos ter se dado a partir de 1946, em plena época de proibição da sinalização. Assim, é assunto de pesquisa como aconteceu o pidgin, que originou a língua nicaraguense de sinais, pois não existia a língua franca sinalizada, a conclusão das pesquisas apresentadas pelos autores é de que, ao serem colocados num mesmo espaço de aprendizagem, os surdos trouxeram seus sinais caseiros, sendo que estes são o início de “[...] uma comunicação simbólica. Quando as crianças surdas têm oportunidade de usar esses gestos na comunicação com outros surdos, eles sofrem elaborações que acabam resultando em uma língua natural, da mesma forma que uma língua crioula nasce de uma língua pidgin”. Assim, a língua se desenvolveu a partir da estruturação feita pelo contato entre crianças surdas e os sinais caseiros delas, mesmo num momento de proibição. Depois foi estabelecida uma associação de surdos em que a língua de sinais era utilizada de modo mais livre e menos gramatical pelos surdos mais velhos. Assim, na interação dos adultos e das crianças a estrutura da língua se estabeleceu e especializou, dando origem à língua de sinais nicaraguense. Neste contexto de línguas de sinais naturais, línguas de contato e código manual, Xavier (2019, p. 51) apresenta um quadro comparativo em que destaca as características lexicais, morfológicas e sintáticas destes contextos. Observe o referido quadro reproduzido a seguir: QUADRO 3 – DIFERENÇAS ENTRE AS LÍNGUAS DE SINAIS NATURAIS, LÍNGUAS DE SINAIS DE CONTATO E CÓDIGO MANUAL Nível Língua de sinais natural Língua de sinais de contato Código manual Lexical Forma Sinais e soletração manual com ou sem oralizações Sinais e soletração com ou sem oralizações Alguns sinais de uma língua de sinais, alguns sinais inventados, língua oral Significado Próprio da língua de sinais Da língua de sinais, da língua oral, idiossincráticos Às vezes e, conflito com a língua de sinais Morfológico Modificações de sinais e expressões não manuais Modificações de sinais reduzidas, terminações da língua oral e poucas expressões não-manuais Soletração para sufixos da língua oral e sinais artificias para palavras gramaticais 74 Sintático Ordem própria da língua de sinais, uso do espaço e das expressões não manuais Versão simplificada da ordem da língua oral, uso reduzido do espaço e das expressões não manuais Língua oral FONTE: Xavier (2019, p. 51) Ao analisarmos o quadro acima percebemos que as características das línguas de sinais naturais são bastante estruturadas, apresentando peculiaridades especificamente vinculadas à modalidade cinésico-visual das línguas de sinais, tais como as expressões não manuais e o estabelecimento dos significados próprios da língua de sinais. Já as línguas de contato apresentam as características intermediárias entre as línguas de sinais e as línguas orais; e o código manual é apenas a gestualização do código linguístico das línguas orais. Deste modo, neste subtópico, estudamos o pidgin como um registro intermediário que pode se tornar língua franca e dar origema línguas crioulas, aquelas que nascem a partir da simplificação de muitas outras, mas que ganham estruturação e status de línguas naturais quando começam a existir falantes/sinalizantes que nascem num ambiente de pidgin e que transformam este registro simplificado em língua através da especialização e estruturação dos níveis da estrutura gramatical, léxico, significados, dentre outros. Depois vimos como se deu a emergência da Libras e debatemos sobre o caso da língua de sinais da Nicarágua, por fim, vimos o comparativo entre as línguas de sinais naturais, as línguas de sinais de contato e o código manual. A seguir, encerraremos este último tópico da Unidade 1, com uma breve discussão sobre a pesquisa em Sociolinguística. 5 PESQUISA SOBRE SURDEZ NA PERSPECTIVA DA SOCIOLINGUÍSTICA Acadêmico, como vimos anteriormente, a Sociolinguística tem suas pesquisas numa área que relaciona os fenômenos da língua aos fenômenos da sociedade, de acordo com Mussalim e Bentes (2011, p. 16). [...] [A Sociolinguística] na tentativa de compreender a questão da relação entre linguagem e sociedade, postula o princípio da diversidade linguística. Além disso, a Sociolinguística inscreve- se na corrente das orientações teóricas contextuais sobre o fenômeno linguístico, orientações teóricas estas que consideram as comunidades linguísticas não somente sob o ângulo das regras de linguagem, mas também sob o ângulo das relações de poder que se manifestam na e pela linguagem (MUSSALIM; BENTES, 2011, p. 16). 75 Assim, a área das relações entre a linguagem e sociedade é um local bastante interessante para os estudos sobre a Libras, pois entende a diversidade como constituinte do fenômeno linguístico e não dentro da noção de erro/acerto. Além disso, os conceitos e noções teóricos da Sociolinguística, que estudam as variações entre diferentes usos da língua e dos modos como a língua é lugar de poder e tensão entre os indivíduos e os demais sujeitos, os indivíduos e a própria língua, os indivíduos e a língua do outro, são bastante relevantes para a área dos estudos sobre as línguas de sinais, pois os usuários destas línguas acabam por viver em ambientes de tensão linguística deste o nascimento, tendo em vista as discussões sobre aquisição de língua materna e inserção da língua de sinais como um direito da pessoa surda desde seu nascimento. Deste modo, o uso, o direito, a variação, as tensões, pressões e os desenvolvimentos que se dão na e pela língua fazem parte da Sociolinguística e são de importância para as pesquisas interdisciplinares que envolvam também a área dos Estudos Surdos, tendo em vista ser este o campo de pesquisas que dão destaque à surdez como característica identitária, cultural e linguística. Para que estudos e pesquisas sejam realizados é necessário que seja determinado um método de obtenção de dados e de análise do corpus coletado, assim, uma das contribuições da Sociolinguística laboviana foi estruturar uma metodologia de pesquisa de campo com critérios claros para condução dos estudos sobre variação e mudança linguística. Inclusive, um dos aspectos que é muito importante nas pesquisas em Sociolinguística é a noção de que, para observar a língua em uso, é preciso registrar a fala/sinalização, tendo em vista que a escrita é muito mais engessada e muda muito mais lentamente. Contudo, na atualidade, vivemos uma época em que, mesmo a escrita está tendo variações muito ágeis devido a seu uso nas redes sociais e na internet. Segundo Coelho (2009), a metodologia da pesquisa laboviana tem os seguintes passos: 1) Seleção dos informantes: escolha de indivíduos representativos da comunidade de fala a ser observada, definição do tamanho e universo da amostra. 2) Metodologia de coleta de dados: dados que reflitam de forma fidedigna a fala/sinalização dos informantes, uso de entrevistas individuais com narrativas de experiências pessoais. 3) Envelope de variação: “[...] nome dado à descrição detalhada de uma variável, de suas variantes e dos contextos em que elas podem ou não ocorrer, ou seja, de como exatamente um fenômeno de variação está se manifestando na língua (COELHO, 2019, p. 128). 4) Levantamento de questões e hipóteses: formulação das perguntas de pesquisa e levantamento de hipóteses sobre o fenômeno a ser observado. 5) Codificação de dados e análise estatística: atribuição de um código para cada fator de cada grupo, analisar estatisticamente como os fatores aparecem e se cruzam nos dados obtidos. Deste modo, vemos que a pesquisa em Sociolinguística da variação apresenta uma metodologia bem estruturada e que prevê os passos a serem feitos deste a delimitação dos participantes até a análise dos dados obtidos. 76 Neste contexto, temos então as orientações para a realização de uma pesquisa em Sociolinguística Variacionista. Agora, vamos retomar algo que discutimos lá no Tópico 1, quando falamos sobre a fixação do campo de pesquisa da Sociolinguística e o texto inaugural de Bright (1966). De acordo com Alkmin (2011), o pesquisado estabelece que a Sociolinguística irá trabalhar com a diversidade linguística e, para delimitar o que seriam estudos vinculado à área de pesquisa ele elenca os fatores socialmente definidos com os quais se imagina que a diversidade linguística está relacionada. Pois bem, no quadro a seguir foram colocados novamente os fatores linguísticos socialmente determinados, as sugestões de estudos a partir da lista proposta por Bright (1966, apud Coelho, 2011), acrescidos de nossas sugestões para pesquisas em língua de sinais e exemplos (quando houver) de pesquisas para consulta. 77 Q U A D RO 4 – PE SQ U IS AS E M S O CI O LI N GU ÍS TI CA FO N TE : A da pt ad o de A lk m im (2 01 1) F a to re s li n g u ís ti c o s so c ia lm e n te d e te rm in a d o s E st u d o s so b re S u g e st õ e s d e p e sq u is a e m L ín g u a d e S in a is E xe m p lo s d e p e sq u is a e m L S Id en tid ad e S oc ia l d o em is so r o u fa la nt e C ar ac te rís tic as li n gu ís tic as es pe cí fic as d e u m g ru po li n gu ís tic o qu e ex is te d o in te rio r d o gr u po d e fa la nt es d e u m a lín gu a (d ia le to ) d e cl as se s so ci ai s e da s di fe re n ça s en tr e fa la s fe m in in as e m as cu lin as D ife re n ça s di al et ai s en tr e gr u po s de s u rd os u su ár io s da L ib ra s, t ai s co m o, c ru za m en to de d ad os e nt re s u rd os o ra liz ad o, al fa be tiz ad os , d e di fe re nt es c la ss es s óc ia s, de d ife re nt es lu ga re s, e tc . O LI V E IR A , R . G . d e. A v ar ia çã o ar tic u la tó ria e m li br as e a o rie nt aç ão se xu al d o su rd o: e st u do s ob re c ap tu ra d e m ov im en to s e pe rc ep çã o lin gu ís tic a. 2 0 17 . D is se rt aç ão (M es tr ad o em L in gu ís tic a) - F ac u ld ad e de Fi lo so fia , L et ra s e C iê n ci as H u m an as , U n iv er si da de d e S ão P au lo , S ão P au lo . D is po n ív el h tt ps :// te se s. u sp .b r/ te se s/ di sp on iv ei s/ 8 /8 13 9/ td e- 10 0 4 20 18 -1 32 60 9/ pt -b r.p h p. A ce ss o em : 5 o u t. 2 0 21 . Id en tid ad e so ci al d o re ce pt or o u ou vi nt e E st u do d as f or m as d e tr at am en to , da b ab y ta lk (f al a u til iz ad a po r ad u lto s pa ra s e di rig ire m a os be bê s) E st u do s co m pa ra tiv os p ar a es tu da r c om o a ba by t al k se m at er ia liz a n as f am íli as d e su rd os e n as f am íli as d e ou vi nt es q u e te n h am fi lh os s u rd os , d is cu ss õe sso br e aq u is iç ão d e lín gu a m at er n a. E st u do s so br e es tr at ég ia s de t ra du çã o em r el aç ão a os el em en to s de c on ta to e nt re lí n gu as . D U A R TE , L . R . C od e- bl en di n g: a n ál is e so ci ol in gu ís tic a de pr oc ed im en to s té cn ic os d a tr ad u çã o ap lic ad os a o pa r l in gu ís tic o (L ib ra s e po rt u gu ês ). 20 20 . D is se rt aç ão (M es tr ad o em E st u do s da Tr ad u çã o) – P ro gr am a de P ós -G ra du aç ão e m E st u do s da T ra du çã o, U n iv er si da de F ed er al d e B ra sí lia , B ra sí lia . D is po n ív el h tt ps :// re po si to rio . u n b. br /h an dl e/ 10 4 8 2/ 39 0 22 A ce ss o em : 5 o u t. 2 0 21 . C on te xt o S oc ia l; E st u do d as d ife re n ça s en tr e a fo rm a e a fu n çã o do s es til os f or m al e in fo rm al , e xi st en te s n a gr an de m ai or ia d as lí n gu as . O bs er va çã o do c on te xt o so ci al d e en u n ci aç ão e o s di fe re nt es e st ilo s de u so da L ib ra s C O S TA , F .R . V ar ia çã o lin gu ís tic a n a lín gu a br as ile ira d e si n ai s: u m e st u do a p ar tir d e n ar ra tiv as a u to bi og rá fic as s u rd as . 2 0 18 . D is se rt aç ão (m es tr ad o) - U n iv er si da de F ed er al d e S an ta C at ar in a, C en tr o de C om u n ic aç ão e E xp re ss ão , P ro gr am a de P ós -G ra du aç ão em L in gu ís tic a, F lo ria n óp ol is , D is po n ív el h tt ps :// re po si to rio .u fs c. br / h an dl e/ 12 34 56 78 9/ 19 4 32 3 A ce ss o em : 5 o u t. 2 0 21 . O ju lg am en to so ci al d is tin to O s fa la nt es f az em ju íz os d e va lo r d o pr óp rio c om po rt am en to li n gu ís tic o e so br e o do s ou tr os , i st o é, a s at itu de s lin gu ís tic as . J u lg am en to d os in te rlo cu to re s so br e as at itu de s lin gu ís tic as d os d em ai s. D E LG A D O , I . C . U m a an ál is e es til ís tic a da lí n gu a br as ile ira d e si n ai s: Va ria çõ es d e se u u so n o pr oc es so in te ra tiv o. 2 0 12 . T es e (d ou to ra do em L in gu ís tic a) - C en tr o de C iê n ci as H u m an as , L et ra s e A rt es (C C H LA ) - P ro gr am a de P ós -G ra du aç ão e m L in gu ís tic a. U n iv er si da de F ed er al da P ar aí ba , J oã o P es so a. D is po n ív el h tt ps :// re po si to rio .u fp b. br /j sp u i/ bi ts tr ea m /t ed e/ 8 4 26 /2 /a rq u iv o% 20 to ta l.p df . A ce ss o em : 5 o u t. 2 0 21 . https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8139/tde-10042018-132609/pt-br.php https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8139/tde-10042018-132609/pt-br.php https://repositorio.unb.br/handle/10482/39022 https://repositorio.unb.br/handle/10482/39022 https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/194323 https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/194323 https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/tede/8426/2/arquivo total.pdf https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/tede/8426/2/arquivo total.pdf 78 DICA As pesquisas sobre as teses e dissertações que se encaixam nos estudos em Sociolinguística foram feitas na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações, o link da pesquisa feita por nós é o seguinte: https://bdtd.ibict.br/vufind/Search/ Results?lookfor=libras++sociolingu%C3%ADstica&type=AllFields&sort=year. Caro acadêmico, com certeza, os exemplos e trabalhos citados acima tem cunho interdisciplinar e podem cruzar diferentes percepções sobre os estudos da Sociolinguística, porém todos apresentam o entendimento de que a língua e a sociedade são imbricadas de modo indissociável. Assim, neste subtópico, vimos brevemente os passos de uma pesquisa em Sociolinguística Variacionista, destacamos a necessidade da observação da língua em uso através de pesquisas que procurem captar a língua viva das conversas e da agilidade da comunicação. Por fim, sintetizamos em um quadro os fatores linguísticos socialmente determinados elencados no texto fundador do campo de pesquisa da Sociolinguística e sugerimos pesquisas em línguas de sinais, também, citamos trabalhos que retomam, de alguma forma, o que foi explicitado no quadro. https://bdtd.ibict.br/vufind/Search/Results?lookfor=libras++sociolingu%C3%ADstica&type=AllFields&sort=year https://bdtd.ibict.br/vufind/Search/Results?lookfor=libras++sociolingu%C3%ADstica&type=AllFields&sort=year 79 A VARIAÇÃO ARTICULATÓRIA EM LIBRAS E A ORIENTAÇÃO SEXUAL DO SURDO Estudo sobre captura de movimentos e percepção linguística Rogério Gonçalves de Oliveira [...] CONCLUSÃO Buscamos, com este trabalho, dar o primeiro passo no sentido de verificar a existência de variação linguística relacionada à orientação sexual (heterossexual ou gay) de homens surdos sinalizantes. Para isso, empreendemos uma pesquisa que propõe a realização de três estudos: (i) a criação de um corpus linguístico com registro de sinalização de surdos gays e heterossexuais obtidos por sistema de captura de movimentos; (ii) análise da percepção linguística de surdos e ouvintes fluentes em libras sobre estímulos construídos com o sistema de captura de movimentos e (iii) análise dos dados do corpus linguístico criado. Os dois primeiros estudos foram apresentados nesta dissertação e o terceiro estudo será concluído no meu doutorado. O arcabouço teórico que fundamenta esta pesquisa foi apresentado para que déssemos os primeiros passos à luz de recentes e relevantes estudos da sociolinguística, fonética e fonologia das línguas de sinais. Em seguida, explicamos os métodos utilizados nos dois estudos desenvolvidos nesta pesquisa, apresentamos os resultados obtidos e discutimos esses resultados embasados em estudos da área. Retomamos, a seguir, os objetivos específicos previamente traçados para cada estudo e a conclusão a que chegamos, com base nos dados obtidos. Estudo 1 • produzir relatórios descritivos com as medidas obtidas com a captura de movimento de surdos sinalizantes gays e heterossexuais. Por meio do programa Polygon, que faz parte do sistema Vicon de captura de movimentos, extraímos os valores dos ângulos formados em cada frame da sequência de localizações dos articuladores que compõem os movimentos bem, como os gráficos de ondas que representam esses movimentos [...] LEITURA COMPLEMENTAR 80 • organizar o corpus elaborado com os ângulos-alvo desta pesquisa, conforme o modelo proposto por Barbosa, Temoteo e Rizzo (2015). Identificamos, na lista de ângulos (Figura 10) gerados pelo programa Nexus (parte integrante do sistema Vicon), aqueles referentes aos cinco movimentos de interesse deste estudo: ShoulderAngles (eixos X Y e Z), ElbowAngles (eixo X) e WristAngles (eixo Z), conforme Quadro 3; • quantificar os dados obtidos com o sistema de captura de movimento de surdos gays e heterossexuais. A partir do Estímulo 1 (composto por 80 itens lexicais), coletamos 4000 dados (Tabela 1) e, a partir do Estímulo 2 (composto por 20 sentenças), coletamos 1000 dados (Tabela 2), considerando o total de cinco sujeitos (3 gays e 2 heterossexuais), cinco movimentos de interesse do estudo e os dois membros superiores (esquerdo e direito) de cada sujeito. Estudo 2 • verificar como a característica de feminilidade é identificada nas amostras. A pergunta do questionário de percepção sobre feminilidade foi respondida em todos os níveis (de 1 a 4) da escala de resposta ao menos uma vez para todos os sujeitos avaliados, ou seja, a todos os sujeitos foi atribuída a característica de feminilidadepelo menos por um participante avaliador. • verificar se existe diferença na avaliação de feminilidade entre as amostras de surdos gays e heterossexuais. Os dados mostraram que os sujeitos gays foram percebidos como mais femininos do que os heterossexuais e a diferença na percepção é estatisticamente significante [...]. • verificar se a orientação sexual (gay) do sinalizante é percebida a partir do estímulo parcial produzido pelo sistema de captura de movimentos. A opção de resposta ³gay´ foi assinalada por apenas 8 dos 32 participantes do teste de percepção, sendo 5 para sujeitos gays e 3 para sujeitos heterossexuais. Os dados mostraram que não se trata de uma diferença significativa [...] • verificar a existência de diferença de percepção entre surdos e ouvintes fluentes em libras sobre a sinalização de surdos gays e heterossexuais. Os dados mostraram que não há diferença estatisticamente significante entre as avaliações de feminilidade e da orientação sexual (gay) dos participantes surdos e ouvintes fluentes em libras [...] • verificar se existe correlação entre a percepção de aspectos fonético-fonológicos da Libras e a percepção de características sociais da sinalização das amostras de surdos gays e heterossexuais. Os testes de correlação entre as quatro variáveis sociais (inteligência, formalidade, feminilidade e classe social) e as quatro variáveis linguísticas (movimentação corporal, ritmo, posição espacial dos sinais e uso do número de mãos) apontaram três correlações estatisticamente significantes: inteligência X movimentação corporal, inteligência X posição espacial dos sinais e inteligência X ritmo (todas envolvendo sujeitos gays e a variável inteligência). 81 A pesquisa que desenvolvemos partiu de algumas hipóteses que retomamos abaixo, com suas devidas conclusões: • há variação articulatória relacionada à orientação sexual (gay e heterossexual) do surdo sinalizante. Como dissemos, nos propusemos a dar o primeiro passo no sentido de testar essa hipótese: criar um corpus linguístico composto por informações articulatórias coletadas por meio do sistema de captura de movimentos (Estudo 1). A análise desses dados e a consequente verificação da hipótese serão alvo do meu doutorado. • surdos gays são percebidos como mais femininos quando comparados com surdos heterossexuais. Esta hipótese foi confirmada. Os dados mostraram que houve diferença estatisticamente significante na percepção de feminilidade entre os sujeitos gays (avaliados como mais femininos) e os sujeitos heterossexuais (avaliados como menos femininos). • surdos gays são percebidos como gays quando comparados com surdos heterossexuais. Esta hipótese não foi confirmada. Os dados mostraram que não houve diferença significativa na seleção da opção de resposta gay´ entre os sujeitos gays e os heterossexuais. Cabe ressaltar que a pesquisa que se iniciou com este trabalho busca contribuir para o conhecimento linguístico das línguas de sinais - sobretudo no que diz respeito ao fenômeno da variação linguística nesta modalidade de língua - e motivar futuras pesquisas a utilizarem novos recursos como a captura de movimentos. Retomando as considerações Schembri e Lucas (2015), os argumentos que norteiam as pesquisas atuais e que devem influenciar futuras pesquisas já são diferentes daqueles que conduziram as pesquisas em sociolinguística das línguas de sinais no final do século passado. Os autores apontam que as pesquisas atuais e futuras devem, entre outras considerações, (i) incluir análises de variação em línguas de sinais além das tradicionais ASL, LIS, BSL, Auslan e NZSL, e começar a explorar como as chamadas segunda onda´ e terceira onda´ de abordagem dos estudos de variação (ECKERT, 2012) podem ser aplicadas de forma útil a uma compreensão do uso de línguas de sinais em comunidades surdas e (ii) explorar o efeito das novas tecnologias na estrutura do discurso e na metodologia de coleta de dados. Portanto, refletindo sobre essas considerações - que, de certa forma preveem parte do caminho que a sociolinguística das línguas de sinais deve seguir na esfera da produção científica -, nossa pesquisa se insere nesse novo caminho. Por fim, cabe reforçar a importância dos estudos sociolinguísticos em comunidades surdas no sentido de empoderar pessoas surdas em todo o mundo e lembrar que língua, cultura e surdez trabalham juntas para formar comunidades únicas. FONTE: Oliveira (2017, p. 97-101) 82 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você aprendeu: • O contato linguístico se faz entre indivíduos usuários de línguas diferentes que necessitam se comunicar, esta necessidade cria uma tensão comunicativa que irá ocasionar diferentes níveis de tensões e interações entre os indivíduos, logo, é uma situação de conflito que se estabelece na e através da língua. • Estas discussões sobre contato linguístico são relevantes para os debates sobre os direitos linguísticos do povo surdo e sua inserção social. • A diferença entre interferências e empréstimos linguísticos é que na primeira a troca de um traço fonético, morfológico ou lexical entre duas línguas acontece sempre de modo individual e involuntário, já no empréstimo, a troca destes traços acontece de modo integrado ao uso da língua. • Os empréstimos linguísticos nas línguas de sinais podem ser lexicais, de inicialização, de outras línguas de sinais, de domínio semântico e de ordem fonética. • As estratégias de alternância, misturas e sobreposição são pontuais e particulares, já os empréstimos, se tornam parte da língua, por isso, são recorrentes e compartilhados socialmente pelos usuários. • Uma pessoa bilíngue é um indivíduo que tem o domínio de mais de uma língua, ou seja, ele é capaz de estabelecer um diálogo através de mais de uma estrutura linguística. • A alternância (code-switching) é troca de um código linguístico para outro durante um discurso. • A mistura (code-mixing) é uma troca entre códigos linguísticos que se dá em um escopo menor, pois é um fenômeno que ocorre com a inserção de um elemento da língua B no interior da sentença em língua A. • A sobreposição (code-blending) é um tipo de estratégia em que as línguas em contato aparecem usadas ao mesmo tempo durante o discurso, de acordo é a mais utilizada nas situações em que o contato se dá entre uma língua de sinais e uma língua oral, pois as modalidades diferentes permitem a sobreposição. 83 • O pidgin é um registro simplificado, precário, variável, sem gramática estabelecida e não natural, pois surge a partir da imposição da necessidade de uma forma de comunicação em contextos nos quais é urgente estabelecer algum modo linguisticamente compartilhado de comunicação. • Um exemplo de pidgin é o português sinalizado, pois é uma forma de comunicação que tem as características lexicais da Libras e a estruturação morfológica da LP. • A tendência do pidgin é a crioulização. • O pidgin é um processo anterior ao do surgimento de uma língua crioula, pois não tem a organização e estrutura que caracteriza uma língua, mas permite a comunicação entre línguas diferentes e, este contato linguístico faz emergir uma comunidade linguística que se utiliza deste código, a partir do nascimento de crianças que terão o pidgin como vivência linguística este registro simplificado se torna língua ao ganhar alicerces linguísticos regulares se tornando uma língua que nasceu da simplificação de várias outras línguas. • A emergência das línguas de sinais se dá através do contato entre línguas de sinais. • A Sociolinguística é um local bastante interessante para os estudos sobre a Libras, pois entende a diversidade como constituinte do fenômeno linguístico e não dentro da noção de erro/acerto. • O uso, o direito, a variação, as tensões, pressões e os desenvolvimentos que se dão na e pela língua fazem parte da Sociolinguística e são de extrema importância para as pesquisas interdisciplinares, que envolvam também a área dos Estudos Surdos, tendo em vistaser este o campo de pesquisas que dão destaque à surdez como característica identitária, cultural e linguística. • Uma das contribuições da Sociolinguística laboviana foi o estruturar uma metodologia de pesquisa de campo com critérios claros para condução dos estudos sobre variação e mudança linguística. 84 1 Estão inseridas no contexto de contacto linguístico as pessoas surdas, pois elas já nascem inseridas em uma comunidade linguística em que a modalidade da língua não é capaz de prover os elementos linguísticos adequados para a sua comunicação. É neste contexto que se origina um dos grandes dilemas quanto à inserção da língua de sinais no cotidiano da criança surda desde o nascimento, pois muitos são filhos de pais ouvintes e passam, muitas vezes, por diferentes profissionais, diagnósticos e estágios até, talvez, terem acesso à sua língua de sinais, aquela que deveria ser sua língua materna ou L1. Avalie as asserções a seguir e a relação proposta entre elas: I- As discussões sobre contato linguístico são relevantes para os debates sobre os direitos do povo surdos e sua inserção social PORQUE II- Os surdos vivem em sociedade majoritariamente ouvintes e isso acarreta tensões linguísticas constantes. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As duas asserções são proposições verdadeiras, e a segunda é uma justificativa correta da primeira. b) ( ) As duas asserções são proposições verdadeiras, mas a segunda não é uma justificativa correta da primeira. c) ( ) A primeira asserção é uma proposição verdadeira, e a segunda, uma proposição falsa. d) ( ) A primeira asserção é uma proposição falsa, e a segunda, uma proposição verdadeira. 2 De acordo com o que foi estudado neste Tópico 3, pidgin são as línguas que surgem do contato entre duas línguas através das quais os usuários precisam se comunicar, por isso, não têm as características que estruturam uma língua. Assim, explique por que o chamado Português Sinalizado é um exemplo de pidgin? 3 O empréstimo linguístico é o fenômeno em que uma língua passa a incorporar em seus usos traços linguísticos ou vocabulares que já faziam parte de outra língua. O sinal de AZUL é um exemplo de léxico que foi incorporado à Libras a partir da soletração manual das palavras em Língua Portuguesa. Sobre este vocábulo, observe a evolução do sinal referente à cor AZUL e analise as sentenças a seguir: AUTOATIVIDADE 85 COR AZUL SINAL FONTE: Strobel e Fernandes (1998, p. 5) I- Na primeira etapa, vemos que o sinal de AZUL foi um empréstimo direto da Língua Portuguesa através da datilologia. II- Na segunda etapa, vemos que a realização do sinal de AZUL sofreu alterações que suprimiram parte das letras, mas mantiveram o movimento da Esquerda para a Direita. III- Na terceira etapa, vemos que o sinal de AZUL foi ampliado em sua movimentação. IV- Na terceira etapa, vemos que o sinal de AZUL mantém traços de ter sido um empréstimo do português. Assinale a alternativa que apresenta a alternativa CORRETA: a) ( ) Somente a sentença IV está correta. b) ( ) As sentenças II e III estão corretas. c) ( ) As sentenças I, II e IV estão corretas. d) ( ) Somente a sentença I está correta. 4 A noção de variação linguística presente nas pesquisas em Sociolinguística é de grande importância para os estudos na área da surdez porque pressupõem a observação da língua em uso dentro da comunidade linguística e percebe as diferenças como variações e não como erros. Partindo do que foi estuado neste tópico e dos exemplos elencados, imagine um estudo que envolvesse a Sociolinguística e a Libras e coloque o esboço de sua pesquisa a seguir: 5 Sobre os fenômenos de alternância (code-switching), mistura (code-mixing) e sobreposição (code-blending), eventos em que as línguas em contato são alternadas, misturadas ou sobrepostas no discurso de um mesmo indivíduo bilíngue em eventos específicos. Assinale a alternativa CORRETA sobre as estratégias de alternância, mistura e sobreposição: a) ( ) São utilizadas de modo recorrentes e socialmente compartilhados. b) ( ) Dispensam o conhecimento das línguas envolvidas para seu uso. c) ( ) Estabelecem um diálogo através de mais de uma estrutura linguística. d) ( ) Tornam-se parte das estruturas fixas das línguas em contato. 86 REFERÊNCIAS ALKMIM, T. M. Sociolinguística: parte I. (p. 21 – 47). In: MUSSALIN, F.; BENTES, A. N. (Orgs.). Introdução à linguística: domínios e fronteira. V. 1, 9. ed. São Paulo: Cortez, 2011. ANATER, G. I. P.; PASSOS, G. Mecanismos de coesão textual visual em uma narrativa sinalizada: Língua de Sinais Brasileira em foco In.: QUADROS, R. M.; STUMPF, M. R. Estudos Surdos IV. Petrópolis, RJ: Arara Azul, 2009. Disponível em: http://www. librasgerais.com.br/materiais-inclusivos/downloads/Estudo-Surdos-IV-SITE.pdf. Acesso em: 29 set. 2021. BAGNO, M. Norma linguística, hibridismo & tradução. In: Traduzires, [S. l.], v. 1, n. 1, p. 19–32, 2018. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/traduzires/article/ view/20891. Acesso em: 27 set. 2021. BAGNO, M. Variação linguística. [s.d.]. In: Glossário Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Disponível em: http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/ variacao-linguistica. Acesso em: 28 set. 2021. BAKTTIN M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2014. Disponível https://hugoribeiro.com.br/biblioteca-digital/Bakhtin-Marxismo_filosofia_linguagem. pdf. Acesso em: 18 set. 2021. BORIN, M. A. Sociolinguística. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria. [s.d.]. Disponível em: https://repositorio.ufsm.br/bitstream/handle/1/16413/Curso_Let- Portug-Lit_Sociolinguistica.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 12 set. 2021. BRIGHT, W. As dimensões da sociolinguística. (p. 17-22) Trad. Elizabeth Neffa Araújo Jorge. In: Sociolinguistics. In: Proceeding of the Ucla Sociolinguistics Conference, 1964. 3. ed. Mouton, Haia, 1966. Disponível em: https://www.researchgate.net/ publication/324390414_BRIGHT_W_As_dimensoes_da_sociolinguistica_Trad_de_ Elizabeth_Neffa_Araujo_Jorge_In_Sociolinguistics_In_PROCEEDING_OF_THE_ UCLA_SOCIOLINGUISTICS_CONFERENCE_1964_3_ed_Mouton_The_Hague_1966. Acesso em: 10 set. 2021. CAPOVILLA, F. C. et al. Dicionário da língua de sinais do Brasil: a Libras nas suas mãos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2017. CARDOSO, S. A. M. Geolinguística: tradição e modernidade. São Paulo: Parábola, 2010. http://www.librasgerais.com.br/materiais-inclusivos/downloads/Estudo-Surdos-IV-SITE.pdf http://www.librasgerais.com.br/materiais-inclusivos/downloads/Estudo-Surdos-IV-SITE.pdf http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/variacao-linguistica http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/variacao-linguistica https://hugoribeiro.com.br/biblioteca-digital/Bakhtin-Marxismo_filosofia_linguagem.pdf https://hugoribeiro.com.br/biblioteca-digital/Bakhtin-Marxismo_filosofia_linguagem.pdf https://repositorio.ufsm.br/bitstream/handle/1/16413/Curso_Let-Portug-Lit_Sociolinguistica.pdf?sequence=1&isAllowed=y https://repositorio.ufsm.br/bitstream/handle/1/16413/Curso_Let-Portug-Lit_Sociolinguistica.pdf?sequence=1&isAllowed=y https://www.researchgate.net/publication/324390414_BRIGHT_W_As_dimensoes_da_sociolinguistica_Trad_de_Elizabeth_Neffa_Araujo_Jorge_In_Sociolinguistics_In_PROCEEDING_OF_THE_UCLA_SOCIOLINGUISTICS_CONFERENCE_1964_3_ed_Mouton_The_Hague_1966 https://www.researchgate.net/publication/324390414_BRIGHT_W_As_dimensoes_da_sociolinguistica_Trad_de_Elizabeth_Neffa_Araujo_Jorge_In_Sociolinguistics_In_PROCEEDING_OF_THE_UCLA_SOCIOLINGUISTICS_CONFERENCE_1964_3_ed_Mouton_The_Hague_1966 https://www.researchgate.net/publication/324390414_BRIGHT_W_As_dimensoes_da_sociolinguistica_Trad_de_Elizabeth_Neffa_Araujo_Jorge_In_Sociolinguistics_In_PROCEEDING_OF_THE_UCLA_SOCIOLINGUISTICS_CONFERENCE_1964_3_ed_Mouton_The_Hague_1966 https://www.researchgate.net/publication/324390414_BRIGHT_W_As_dimensoes_da_sociolinguistica_Trad_de_Elizabeth_Neffa_Araujo_Jorge_In_Sociolinguistics_In_PROCEEDING_OF_THE_UCLA_SOCIOLINGUISTICS_CONFERENCE_1964_3_ed_Mouton_The_Hague_196687 CASTRO, J. et al. Níveis de interação entre os saberes. Natal: SESI, 2010. Projeto SESI - Curso Currículo Contextualizado. Disponível em: https://pt.slideshare.net/ marianacorreiail/11-tc-niveisdeinteracao-36438457. Acesso em: 19 set. 2021. COELHO, I. L. et al. Sociolinguística. Florianópolis: LLV/CCE/UFSC, 2010. Disponível em: https://ppglin.posgrad.ufsc.br/files/2013/04/Sociolingu%C3%ADstica_UFSC.pdf. Acesso em: 28 set. 2021. DICIO. Código. [s.d, s.p.]. Disponível em: https://www.dicio.com.br/codigo/. Acesso em: 2 set. 2021. DINIZ, G. H. A história da Língua de Sinais Brasileira (Libras): um estudo descritivo de mudanças fonológicas e lexicais. Dissertação (mestrado) Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Comunicação e Expressão. Programa de Pós-Graduação em Linguística. Florianópolis, SC, 2010. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/ bitstream/handle/123456789/93667/282673.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 2 out. 2021. DUBOIS, J. et al.. Dicionário de linguística. São Paulo: Cultrix, 1973. FREITAG, R. M. K. et al.. 2012. Banco de dados sociolinguísticos do português brasileiro e os estudos de terceira onda: potencialidades e limitações, Alfa, 56: 917-944. GUMPERZ, J. J. Interactional sociolinguistics: a personal perspective. In: TANNEN, D.; HAMILTON, H. E.; SCHIFFRIN, D. The handbook of discourse analysis. Reino Unido: Wiley Blackwell, 2015. JACOBSON, R. Linguística e comunicação. São Paulo: Cultrix, 1973. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4544010/mod_resource/content/1/ JAKOBSON%2C%20Roman.%20Linguistica%20e%20po%C3%A9tica.pdf. Acesso em: 15 set. 2021. LABOV, W. 2008. Padrões sociolinguísticos, São Paulo, Parábola, 1972. LIBERATO, C.E. Empréstimos linguísticos. 2010. Sem paginação. In: Aspectos linguísticos, cultura surda, inclusão e legislação. Disponível: http://charles-libras. blogspot.com/2010/04/emprestimos-linguisticos.html. Acesso em: 3 out. 2021. MACÊDO, M. V. R. de. A constituição de subáreas dialetais no falar da Bahia: cartas léxicas gerais e de subáreas. 2012. Tese (Doutorado em Letras e Linguística) – Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia, Salvador Disponível https:// repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/27350 Acesso em: 19 set. 2021. https://pt.slideshare.net/marianacorreiail/11-tc-niveisdeinteracao-36438457 https://pt.slideshare.net/marianacorreiail/11-tc-niveisdeinteracao-36438457 https://ppglin.posgrad.ufsc.br/files/2013/04/Sociolingu%C3%ADstica_UFSC.pdf https://www.dicio.com.br/codigo/ https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/93667/282673.pdf?sequence=1&isAllowed=y https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/93667/282673.pdf?sequence=1&isAllowed=y https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4544010/mod_resource/content/1/JAKOBSON%2C Roman. Linguistica e po%C3%A9tica.pdf https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4544010/mod_resource/content/1/JAKOBSON%2C Roman. Linguistica e po%C3%A9tica.pdf http://charles-libras.blogspot.com/2010/04/emprestimos-linguisticos.html http://charles-libras.blogspot.com/2010/04/emprestimos-linguisticos.html https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/27350 https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/27350 88 MACHADO, V. L. V., WEININGER, M. J. As variantes da língua brasileira de sinais Libras. In: Transversal – Revista em Tradução, Fortaleza, v. 4, n. 7, p. 41-65, 2018 Disponível em: http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/38106/1/2018_art_ vlvmachadojweininger.pdf. Acesso em: 29 set. 2021. MACHADO, R. N.; QUADROS, R. M. Contato linguístico em Libras: um estudo descritivo da influência de outras línguas de sinais na Libras. In: Revista Linguística, Rio de Janeiro, v. 16. n. 3. p. 170 – 193, 2020. Disponível https://revistas.ufrj.br/index.php/rl/ article/download/33484/22622 Acesso em: 4 out. 2020. MCCLEARY, L. Sociolinguística. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2009. Disponível em: https://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/ eixoFormacaoBasica/sociolinguistica/assets/547/TEXTO-BASE_Sociolinguistica.pdf. Acesso em: 3 set. 2021. MONTEIRO, M. S. A interferência do português na análise gramatical em Libras: o caso das preposições. 2015. 250 f. Dissertação (Linguística) – Programa de Pós-Graduação em Linguística, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/169443. Acesso em: 5 out. 2021. PIMENTEL, C. Comunidades Virtuais, comunidades linguísticas. In.: Idioma. Rio de Janeiro, v. 2 n. 29, p. (181-198), 2015. Disponível em: http://www.institutodeletras.uerj. br/idioma/numeros/29/Idioma29_a05.pdf. Acesso em: 18 nov. 2021. PORTO EDITORA. Pidgin. Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa. [s.d., s.p.] Porto: Porto Editora. Disponível em: https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/ pidgin. Acesso em: 4 out. 2021. QUADROS, R. M. de; KARNOPP, L. B. Língua de sinais brasileira: Estudos Linguísticos. Porto Alegre: ArtMed, 2004. ROCHA, C. A diferença entre variação linguística e mudança linguística. In: Ciberdúvidas de língua portuguesa. 2008. Sem paginação. Disponível em: https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/a-diferenca-entre-variacao- linguistica-e-mudanca-linguistica/24122. Acesso em: 1 out. 2021. RODRIGUES, A.; SILVA, A. A. Reflexões sociolinguísticas sobre a Libras (Língua Brasileira de Sinais). In: Estudos Linguísticos. São Paulo, v.2, n.46, p. (686-698), 2017. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/321844489_ Reflexoes_sociolinguisticas_sobre_a_Libras_Lingua_Brasileira_de_Sinais. Acesso em: 14 set. 2021. SAUSSURE, F.de. Curso de linguística geral. 3.ed. São Paulo: Culrix, 1981. STROBEL, K. L.; FERNANDES, S. Aspectos linguísticos da Libras. Curitiba: SEED/ SUE/DEE, 1998. Disponível em: http://www.librasgerais.com.br/materiais-inclusivos/ downloads/Aspectos-linguisticos-da-LIBRAS.pdf. Acesso em: 2 out. 2021. http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/38106/1/2018_art_vlvmachadojweininger.pdf http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/38106/1/2018_art_vlvmachadojweininger.pdf https://revistas.ufrj.br/index.php/rl/article/download/33484/22622 https://revistas.ufrj.br/index.php/rl/article/download/33484/22622 https://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoBasica/sociolinguistica/assets/547/TEXTO-BASE_Sociolinguistica.pdf https://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoBasica/sociolinguistica/assets/547/TEXTO-BASE_Sociolinguistica.pdf http://www.institutodeletras.uerj.br/idioma/numeros/29/Idioma29_a05.pdf http://www.institutodeletras.uerj.br/idioma/numeros/29/Idioma29_a05.pdf https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/pidgin https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/pidgin https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/a-diferenca-entre-variacao-linguistica-e-mudanca-linguistica/24122 https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/a-diferenca-entre-variacao-linguistica-e-mudanca-linguistica/24122 https://www.researchgate.net/publication/321844489_Reflexoes_sociolinguisticas_sobre_a_Libras_Lingua_Brasileira_de_Sinais https://www.researchgate.net/publication/321844489_Reflexoes_sociolinguisticas_sobre_a_Libras_Lingua_Brasileira_de_Sinais http://www.librasgerais.com.br/materiais-inclusivos/downloads/Aspectos-linguisticos-da-LIBRAS.pdf http://www.librasgerais.com.br/materiais-inclusivos/downloads/Aspectos-linguisticos-da-LIBRAS.pdf 89 SOARES, M. S. A alternância de códigos no contexto da educação bilíngue: code- switching, code-mixing e as transferências linguísticas. In: Revista Gatilho. Juiz de Fora. V. 15. [s.n.]. Páginas 1 – 14. 2012. Disponível em: file:///C:/Users/maril/ Downloads/27015-Texto-106572-1-10-20190616.pdf. Acesso em: 4 out. 2021. SOUZA, B. R.; SEGALA, R. R. A perspectiva social na emergência das Línguas de Sinais: a noção de comunidade de fala e idioleto segundo o modelo teórico laboviano. In: QUADROS, R. M.; STUMPF, M. R. Estudos Surdos IV. Petrópolis, RJ: Arara Azul, 2009. Disponível em:http://www.librasgerais.com.br/materiais-inclusivos/downloads/ Estudo-Surdos-IV-SITE.pdf. Acesso em: 29 set. 2021. TRABALHOS ESCOLARES. Sociolinguística. Disponível em: https://www. trabalhosescolares.net/sociolinguistica-2/. Acesso em: 29 ago. 2021. VELOSO, R. As três ondas da sociolinguística e um estudo em comunidades de práticas. In: XVII Congresso Internacional Asociación de Linguística Y Filología De América Latina (ALFAL 2014) João Pessoa – Paraíba, Brasil. Disponível em: https:// www.mundoalfal.org/CDAnaisXVII/trabalhos/R1026-1.pdf. Acesso em: 19 set. 2021. XAVIER, A. N. Panorama da variação sociolinguística em línguas sinalizadas. In: Revista Claraboia. Jacarezinho. V. 12 [s.n.], p. 48-67. 2019. Disponível em: http://seer. uenp.edu.br/index.php/claraboia/article/view/1538 Acesso em: 5 out. 2021. WITKOWSKI, R. A sociolinguística e suas principais correntes de estudo. 2014. Disponível em: https://publicacao.uniasselvi.com.br/index.php/LED_EaD/article/ view/1197. Acesso em: 20 set. 2021. ZAMBILLO, L. C. Comunicação. 28 jul. 2014. Apresentação em Slide Share 14 slides color. Serviço Nacional da Indústria do Mato Grosso do Sul. Disponível em: https://pt.slideshare. net/LucianaClaudiaZambillo/comunicao-37436579. Acesso em: 18 set. 2021. file:///C:/Users/maril/Downloads/27015-Texto-106572-1-10-20190616.pdf file:///C:/Users/maril/Downloads/27015-Texto-106572-1-10-20190616.pdf http://www.librasgerais.com.br/materiais-inclusivos/downloads/Estudo-Surdos-IV-SITE.pdf http://www.librasgerais.com.br/materiais-inclusivos/downloads/Estudo-Surdos-IV-SITE.pdf https://www.trabalhosescolares.net/sociolinguistica-2/ https://www.trabalhosescolares.net/sociolinguistica-2/ https://www.mundoalfal.org/CDAnaisXVII/trabalhos/R1026-1.pdf https://www.mundoalfal.org/CDAnaisXVII/trabalhos/R1026-1.pdf http://seer.uenp.edu.br/index.php/claraboia/article/view/1538 http://seer.uenp.edu.br/index.php/claraboia/article/view/1538 https://publicacao.uniasselvi.com.br/index.php/LED_EaD/article/view/1197 https://publicacao.uniasselvi.com.br/index.php/LED_EaD/article/view/1197 https://pt.slideshare.net/LucianaClaudiaZambillo/comunicao-37436579 https://pt.slideshare.net/LucianaClaudiaZambillo/comunicao-37436579 90 91 LINGUAGEM E SOCIOLINGUÍSTICA UNIDADE 2 — OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • distinguir as diferentes concepções de linguagem presentes na sociedade; • refletir sobre a relação entre língua, cultura e sociedade; • compreender as particularidades das abordagens de ensino de uma língua adicional; • diferenciar as visões ideológicas sobre os surdos a partir das filosofias de educação de surdos. A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – AS CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM TÓPICO 2 – UM OLHAR SOCIOLÍNGUÍSTICO SOBRE A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DE SURDOS TÓPICO 3 – LÍNGUAS EM CONTATO Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 92 CONFIRA A TRILHA DA UNIDADE 2! Acesse o QR Code abaixo: 93 TÓPICO 1 — AS CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Ao longo da leitura e dos estudos da Unidade 2, você perceberá que esta disciplina tem, como interesse, abordar o que a Sociolinguística estuda, direcionada para a Língua Brasileira de Sinais-Libras, por isso, o título da disciplina, Sociolinguística da Libras. É importante ressaltar que esse tema é perpassado por vários outros, os quais envolvem outras linguagens e diferentes visões e interlocutores presentes nas situações sociais. Daí a necessidade e a relevância de falarmos das concepções de linguagem, uma vez que elas regem a nossa constituição como sujeitos, as nossas visões do outro e do mundo, no qual interagimos cotidianamente. Conhecer as diferentes concepções de linguagem é importante, também, para a própria constituição e atuação como acadêmico, como professor, como cidadão na sociedade contemporânea, e para a compreensão dos desdobramentos dos processos de ensino e aprendizagem de língua materna e/ou língua adicional. A língua materna pode ser definida como a primeira língua que adquirimos, também, chamada de L1 (GORSKI, 2010). Ainda, é nomeada de língua de casa, a depender da visão de linguagem. No que se refere à língua adicional, envolve as línguas aprendidas após a língua materna. Não se trata, apenas, de um novo termo na área da educação linguística, mas de um novo olhar, o qual envolve práticas de ensino que consideram as outras línguas que o ser humano aprende (LEFFA; IRALA, 2014; SCHLATTER; GARCEZ, 2012). Para tanto, para compreendermos melhor os papéis desses termos nas situações de ensino e aprendizagem de línguas, dedicaremos o próximo tópico às concepções de linguagem. Vamos lá?! NOTA Neste livro, o termo língua é usado como equivalente de linguagem, pois entendemos a linguagem como uma forma de comunicação, seja de modo verbal ou não verbal. Logo, no presente texto, a língua é estudada e compreendida no contexto de comunicação verbal, e, socialmente, situada. 94 IMPORTANTE Neste livro, trazemos a concepção de língua materna como a primeira língua que aprendemos. No entanto, essa não é a realidade de muitos surdos em relação à Língua Brasileira de Sinais, visto que a maioria deles nasce em famílias de ouvintes, e acabam tendo contanto com a Libras de forma tardia. Para explorar mais esse assunto, recomendamos a leitura, na íntegra, do artigo de Zilda Maria Gesueli, Língua(gem) e identidade: a surdez em questão. Para você ter uma ideia do que ele trata, segue o resumo do artigo. RESUMO: Este trabalho discute o papel da língua de sinais na construção da identidade surda. Diferentes autores têm discutido a relação língua(gem) na construção da identidade, destacando-se que esta se constitui a partir da significação – ao significar, o sujeito se significa (Orlandi, 1998). Dessa forma, buscamos trazer essa discussão para o campo da surdez, levando em conta que o interlocutor privilegiado da criança surda é o próprio surdo, e o lugar de contato com essa língua se dá, para a maioria dos alunos, dentro das instituições, ou escolas especiais para surdos. Observamos que a inserção do professor surdo na sala de aula contribui para que os alunos, não somente, encontrem possibilidades de construção da narrativa em língua de sinais, mas, também, percebam-se como surdos, construindo uma identidade já na idade de 5-7 anos, assumindo e diferenciando papéis na interação, principalmente, em relação ao professor surdo e ao professor ouvinte. A perspectiva da educação bilíngue, na área da surdez, está antecipando a consciência dos próprios surdos sobre o significado da surdez, o que, há bem pouco tempo, acontecia, somente, na idade adulta. Palavras-chave: Linguagem. Surdez. Identidade. Língua de sinais. FONTE: Gesueli (2006, p. 277) O artigo está disponível em http://www.scielo.br/pdf/es/v27n94/a14v27n94.pdf ou no Qr- code inserido a seguir. 2 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E SOCIOLINGUÍSTICA A linguagem é utilizada em todo e qualquer momento da vida. Ela é a essência da comunicação, pois, por meio dela, ensinamos, aprendemos, trabalhamos, planejamos, construímos entendimentos e nos posicionamos no mundo. A linguagem (re)constrói a identidade e mostra as ideologias que ancoram nossas visões e ações presentes nas relações sociais. http://www.scielo.br/pdf/es/v27n94/a14v27n94.pdf 95 A linguagem é o fundamento das sociedades. Ela constitui culturas, valores e histórias de grupos sociais; cria e amplia a tecnologia; e possibilita, ao indivíduo, dar significado ao mundo, transformar a visão sobre o universo, sobre si mesmo, ao perceber e interagir com a realidade, de acordo com a própria necessidade comunicativa. Considerando que a linguagem é indissociável do ser humano, somos capazes de refletir sobre ela, inclusive,sobre o que concerne ao uso dela nas interações sociais, ao ensino e aprendizagem de línguas, sejam orais ou línguas de sinais. Assim, trataremos, a seguir, das concepções de linguagem. Não falaremos das concepções de modo historiográfico, mas consideramos importante mencionar Saussure (2012), considerado o fundador da Linguística, que faz a abordagem da linguagem pelo viés do estruturalismo. Considera que ela se compartimenta em duas partes indissociáveis: a língua (langue), que existe no contexto social, e a fala (parole), de realização individual. Para Saussure (2012), a língua é compreendida como homogênea e organizada estruturalmente, enquanto a fala é concebida como algo diverso, por ser individual. NOTA De acordo com Porfírio (2018, s.p.), o estruturalismo é uma metodologia de análise utilizada nas ciências humanas, sendo que tem, como objetivo, “[...] entender o modo como uma estrutura geral perpetua em todos os graus de uma base. Ao se compreender essa base, é possível entender como o conhecimento se dá naquela área [...]”. Desse modo, a perspectiva estruturalista, na linguística, pretende compreender a estrutura através da qual a língua se organiza. Dito isso, apresentaremos três possibilidades distintas de conceber a linguagem, a saber: a linguagem como expressão do pensamento; a linguagem como instrumento de comunicação; e, por último, a linguagem como processo de interação. Falamos de possibilidades pois acreditamos que o mundo da interação com e na linguagem é dinâmico, assim, não consideramos as concepções como verdades estanques. Essas concepções podem nortear o ensino de Libras como língua materna para os surdos, e o ensino do Português como língua adicional. Para abordarmos a concepção de linguagem como expressão do pensamento, inicialmente, traremos uma figura que se aproximará dessa visão de linguagem, com duas pessoas interagindo e os pensamentos delas sendo representados por meio de desenhos, como carta, e-mail, vídeo, notas de músicas, mensagens de texto, mensagens em áudio etc., como se a linguagem fosse um “espelho” que refletisse os pensamentos, ou seja, o indivíduo, para essa concepção, representa, por meio da linguagem, o que pensa. 96 FIGURA 1 – CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM COMO EXPRESSÃO DO PENSAMENTO FONTE: <https://escolaeducacao.com.br/funcoes-da-linguagem/>. Acesso em: 18 dez. 2021. Nessa concepção, como podemos perceber pela figura anterior, a linguagem é um reflexo do pensamento, que, por sua vez, é produzido no âmbito psíquico do ser humano, e se correlaciona à capacidade do indivíduo de organizar as próprias ideias, o que exclui os fatores sociais para a organização do pensamento e a exposição da linguagem. Nessa visão de linguagem, Geraldi (2011a) destaca que as pessoas não se expressam “bem”, isto é, não falam ou escrevem “bem”, mostram ter algum tipo de organização das ideias, de modo que comprometem a produção de falas claras, corretas, de acordo com a norma padrão, o que se alinha à concepção inatista da língua. Conforme Travaglia (2009), para as organizações lógicas do pensamento e da linguagem, é necessário seguir regras. Essas regras constituem e determinam o falar e o escrever do indivíduo como “certos” ou “errados”. Dessa concepção, resulta uma ideologia de que quem fala e escreve “bem” domina, com maestria, as normas gramaticais da língua, pois organiza, de modo lógico e claro, o pensamento. Assim, nessa concepção, a linguagem é concebida como um sistema de normas, organizada de modo que o aspecto social não tem relevância para a organização dela. Compreendemos que o ensino da língua materna, na escola, por meio dessa visão de linguagem, está pautado nas normas gramaticais, visto que a língua é considerada um sistema de regras imutável. Nesse sentido, a diversidade e a variação linguística não são fenômenos necessários e importantes para o ensino, já que conflitam com a regularidade da língua, que é tão marcada nessa concepção, o que abre espaço para o preconceito linguístico e para invisibilização das línguas minoritárias (CAVALCANTI, 2011). A segunda concepção, a linguagem como instrumento de comunicação, conforme Travaglia (2009), é concebida como um meio de comunicação. A língua é vista como um código, composto por um conjunto de signos que se combinam, de acordo com as regras gramaticais da língua, sem ser levado em conta o contexto social para a transmissão da mensagem de um emissor a um receptor, representada na figura a seguir. https://escolaeducacao.com.br/funcoes-da-linguagem/ 97 FIGURA 2 – A LINGUAGEM COMO INSTRUMENTO DE COMUNICAÇÃO FONTE: <https://www.todamateria.com.br/elementos-da-comunicacao/>. Acesso em: 18 dez. 2021. De acordo, ainda, com Travaglia (2009), e como podemos perceber na figura anterior, um emissor e um receptor devem dominar o código para que aconteça uma comunicação eficaz. Para essa concepção, o emissor tem, em mente, uma mensagem, um código a ser transmitido para o receptor, com foco na estrutura da língua, não no contexto social. Assim, as regras da estrutura da língua, organizadas nos níveis morfológico, fonológico e sintático, são os instrumentos usados para transmitir a mensagem. Assim como na primeira concepção de linguagem apresentada, as variedades não padrão não são consideradas relevantes para a comunicação. NOTA O termo minoritário tem um sentido ideológico, e não se refere à quantidade de falantes da língua. A língua minoritária não é falada por uma quantidade específica, ela é minoritarizada na sociedade, diante de ideologias que destacam um falante e uma língua ideal (CAVALCANTI, 2011). A última concepção considera a linguagem como um processo de interação. Diferente das outras concepções apresentadas, nessa, as influências dos contextos social, histórico, cultural e ideológico, em uma determinada situação de comunicação, são aspectos relevantes. A língua é considerada heterogênea, mutável e dinâmica, e o falante da interação e as questões sociais dele, também, têm lugar de relevância nessa concepção de linguagem. Nesse sentido, Travaglia (2009, p. 23) pontua que “os usuários da língua, ou interlocutores, interagem enquanto sujeitos que ocupam lugares sociais e “falam” e “ouvem” desses lugares, de acordo com formações imaginárias (imagens) que a sociedade estabeleceu para tais lugares sociais”. Observe, na figura a seguir, as pessoas interagindo, e, notadamente, conversando, o que podemos perceber através das posições em que se encontram. Nessa figura, é possível perceber que a interação humana é caracterizada por aspectos que vão desde possíveis movimentos faciais até a orientação, a direção e a postura do corpo, o que influencia no comportamento interacional. https://www.todamateria.com.br/elementos-da-comunicacao/ 98 FIGURA 3 – LINGUAGEM COMO UM PROCESSO DE INTERAÇÃO FONTE: <https://bit.ly/3SDoyxp>. Acesso em: 18 dez. 2021. O ensino da língua materna, na concepção da linguagem como modo de interação, prioriza não somente o conhecimento da gramática da língua, mas, sobretudo, os usos sociais. Essa visão de linguagem não descarta o ensino da gramática da língua, mas enfatiza a importância de que aluno use a língua de um modo que faça sentido, e que as experiências sociais dele sejam levadas em conta na interação. Desse modo, Zanini (1999, p. 84) afirma que “[...] isso não significa banir a gramática, ou seja, o conhecimento das normas que regem a língua materna. Significa lhes oportunizar [aos alunos] a aproximação com a modalidade padrão culta”. Nesses termos, o ensino de uma língua materna, seja o Português, ou a Libras, nessa concepção, não separa o conteúdo gramatical do social, do ideológico, do cultural. O ensino da gramática deve ser feito de um modo contextualizado. Professores e alunos, como atores sociais importantes no processo de ensino e aprendizagem da língua, necessitam atuar de uma maneira colaborativa e com mais liberdade. A fim de sintetizar o que vimos sobre as concepçõesda linguagem QUADRO 1 – RESUMO DAS CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM Linguagem como expressão do pensamento MENTE Linguagem como instrumento de comunicação CÓDIGO Linguagem como um processo de interação INTERAÇÃO A língua é uma capacidade inata do ser humano que lhe permite reconhecer/espelhar as sentenças da língua estudada. A língua é vista como um código, e a organização dela, para a comunicação entre emissor e receptor, independe do contexto situacional. A língua é um processo interacional e social, no qual estão presentes as ideologias, as culturas, as experiências dos falantes na interação. FONTE: Adaptado de Geraldi (2011a), Travaglia (2009) e Zanini (1999) 99 Ao analisarmos a síntese apresentada neste quadro, podemos compreender que as três concepções percebem a linguagem de maneira diferentes. Estes modos diversos de entender a linguagem estão relacionados à forma como cada uma das vertentes observa facetas diferentes do fenômeno linguístico, pois tentam explicar como se dá a estruturação a partir de visões que valorizam aspectos diversos. A seguir, falaremos do purismo linguístico, tema em destaque nas duas primeiras concepções. Faremos uma reflexão de o quanto essa ideologia de linguagem pode não corresponder à realidade, tão diversa, linguística, e, culturalmente, presente na sociedade. DICA Para aprofundar os seus conhecimentos de concepção de linguagem, assista ao vídeo Concepção de Linguagem, disponibilizado na plataforma YouTube, pelo link: https:// www.youtube.com/watch?v=xidEFjMrmes. 2.1 PURISMO LINGUÍSTICO Antes de tecermos comentários a respeito do purismo linguístico, abordaremos o mito do monolinguismo no Brasil, uma visão de linguagem, historicamente, estabelecida, que tenta ressaltar que, no Brasil, fala-se uma única língua, e traz a ideia de que a unidade nacional só é possível em uma base unilíngue. Essa visão de linguagem, ao afirmar que o país é monolíngue, deixa de lado mais de 274 línguas indígenas; as línguas de fronteira, como o guarani; as de imigrantes; e a Língua Brasileira de Sinais (MOITA LOPES, 2013). Além de não considerar as línguas mencionadas, essa visão de linguagem fomenta o preconceito linguístico em relação às variedades dessas línguas, pois, muitas vezes, a única diversidade considerada é a da língua portuguesa. Essa concepção vai na contramão das realidades social e linguística do país, visto que, na contemporaneidade, está cada mais visível um fluxo intenso de diferentes línguas e culturas. De acordo com Bagno (2007), o preconceito linguístico está enraizado na cultura do Brasil. O autor destaca que esse preconceito é perigoso e perverso como qualquer outro, e que existem alguns meios que o fomentam, como os de comunicação, de rádio e TV, com o intuito de dicotomizar as falas dos indivíduos em certas e erradas. Nas palavras do autor: [...] o que vemos é esse preconceito ser alimentado, diariamente, em programas de televisão e de rádio, em colunas de jornal e revista, em livros e manuais que pretendem ensinar o que é “certo” e o que é “errado”, sem falar, é claro, dos instrumentos tradicionais de ensino da língua: as gramáticas normativas e boa parte dos livros didáticos disponíveis no mercado (BAGNO, 2007, p. 23). https://www.youtube.com/watch?v=xidEFjMrmes https://www.youtube.com/watch?v=xidEFjMrmes 100 Segue um exemplo de preconceito linguístico em relação à Libras. Apesar do uso e da difusão da Língua Brasileira de Sinais, ainda, encontramos falas que relacionam a Libras à mímica. De acordo com Gesser (2009), essa ideia que permeia a sociedade tem a ver com a forma por meio da qual os ouvintes veem os surdos, tratando-os de forma exclusiva e pejorativa. Apresentaremos uma figura que fará referência à afirmação da autora, a de que Libras não é mímica, mas uma língua natural que emergiu da comunicação entre surdos, e que, assim como as línguas orais, possui uma gramática própria. FIGURA 4 – LIBRAS NÃO É MÍMICA FONTE: <http://librasitz.blogspot.com/2016/10/libras-nao-e.html>. Acesso em: 18 dez. 2021. Ademais, Gesser (2009) faz reflexões e entrega alguns questionamentos e mitos relativos à surdez, à língua de sinais e aos surdos, mais propriamente, às relações dos ouvintes com esse tema. FIGURA 5 – LIVRO “LIBRAS? QUE LÍNGUA É ESSA?”, DE AUDREI GESSER FONTE: <https://amzn.to/3UPRELV>. Acesso em: 18 dez. 2021 http://librasitz.blogspot.com/2016/10/libras-nao-e.html 101 Para Bagno (2007), o preconceito linguístico produz diferentes mitos. O autor pontua alguns mitos relacionado com a Língua Portuguesa, os quais podem ser, também, pensados em relação à Libras e ao ensino de Português para os surdos, a saber: o Português é uma língua muito difícil, pois se reduz ao ensino e à aprendizagem de regras gramaticais; saber gramática é essencial para escrever e falar bem; o domínio da norma culta é, extremamente, importante e necessário para a ascensão social. Esses mitos podem ser um grave entrave se reproduzidos no contexto de ensino de Português para surdos, visto que muitos deles, conforme já mencionado, aprendem a língua de sinais tardiamente, e isso traz consequências para a aprendizagem da língua portuguesa como língua adicional (GESSER, 2009). Desse modo, em um contexto de educação de surdos e/ou de pessoas ouvintes, é preciso repensar nesses mitos, pois se deve considerar a singularidade do aluno e as realidades social e educacional dele, para que o processo de escolarização não seja um ensino voltado ao padrão, à norma e ao purismo da língua. De acordo com McCleary (2009, p. 39, grifos do autor), o purismo é: [...] a atitude de que existe um estado "puro" da língua, e que é necessário zelar para manter esse estado, ou (mais comumente) voltar para um estado mais puro da língua que já existia, mas que se perdeu com as mudanças. Em geral, qualquer mudança, na língua, é vista como negativa. Purismo é uma atitude mais reacionária do que conservadora. Obviamente, do ponto de vista da sociolinguística, não existe um estágio melhor ou pior de uma língua, desde que ela esteja sendo usada, energeticamente, por uma comunidade de usuários, servindo todas as suas necessidades comunicativas e expressivas. Para o linguista, o único estado ruim, para uma língua, é quando ela começa a perder falantes nativos e entra em processo de extinção. Sobre esta discussão podemos destacar que Milroy (2011) acrescenta que o uso da norma, com o intuito de padronizar a língua, com base em um purismo linguístico, evitando que ela se “misture” com outras línguas, é uma imposição que consiste em eleger determinadas estruturas, ou variedades da língua, como as únicas, corretas e aceitáveis. Nessa visão de língua, não existe a possibilidade de usar duas variedades da língua, pois, somente, uma está certa, e a língua deve manter o próprio purismo, deixando de lado os empréstimos linguísticos e os neologismos. NOTA Como vimos anteriormente na Unidade 1, os empréstimos linguísticos são palavras ou partes de palavras que são incorporadas em uma língua a partir do uso de palavras ou expressões pertencentes ao léxico de outra língua. Por exemplo, o uso da palavra o sinal referente à cor AZUL que carrega traços da Língua Portuguesa em sua configuração. Já os neologismos são palavras ou sinais novos criados a partir de palavras que existem na língua, de acordo com Rosa e Potin (2012) este seria um fenômeno observável no uso do sinal de passarinho para fazer referência ao Twitter, alterando a referência do sinal de acordo com o contexto para abarcar a necessidade de referência à rede social. 102 INTERESSANTE Na leitura que apresentaremos a você a seguir, recortaremos um trecho do livro O Texto na Sala de Aula, de João Wanderley Geraldi. Nesse texto, o autor situa a linguagem como o lugar de constituição de relações sociais, onde os falantes se tornam sujeitos, e destaca a importância de a escola ser um espaço democrático para as diferentes variedades linguísticas presentesna Libras na Língua Portuguesa. [...] A interação linguística A língua só tem existência no jogo que se joga na sociedade, na interlocução. No interior desse funcionamento, pode-se procurar estabelecer as regras de tal jogo. Tomo um exemplo. Dado que alguém (Pedro) dirija, a outro (José), uma pergunta, como: “Você foi ao cinema ontem?” Tal fala de Pedro modifica as relações dele com José, ao estabelecer um jogo de compromissos. Para José, só há duas possibilidades: responder (sim ou não) ou colocar, em questão, o direito de Pedro de lhe dirigir tal pergunta (fazendo de conta que não ouviu ou respondendo “o que você tem a ver com isso?”) No primeiro caso, diríamos que José aceitou o jogo proposto por Pedro. No segundo caso, José não aceitou o jogo e colocou, em questão, o próprio direito de jogar, assumido por Pedro. Estudar a língua é, então, tentar detectar os compromissos que se criam por meio da fala e as condições que devem ser preenchidas por um falante para falar, de certa forma, em determinada situação, concreta de interação. Dentro de tal concepção, já é insuficiente fazer uma tipologia entre frases afirmativas, interrogativas, imperativas e optativas a que estamos habituados, seguindo manuais didáticos ou gramáticas escolares. No ensino da língua, nessa perspectiva, é muito mais importante estudar as relações que se constituem entre os sujeitos no momento em que falam do que, simplesmente, estabelecer classificações e denominar os tipos de sentenças. A democratização da escola Tal perspectiva, ao nos jogarmos, diretamente, no estudo da linguagem em funcionamento, também, obriga-nos a uma posição, na sala de aula, em relação às variedades linguísticas. Refiro-me ao problema enfrentado, cotidianamente, pelo professor, das variedades, quer sociais, quer regionais. Afinal – dadas as diferenças dialetais e dado que sabemos, hoje, por menor que seja a nossa formação, que tais variedades correspondem a distintas gramáticas –, como agir no ensino? Parece- me que um pouco da resposta à perplexidade de todos aqueles que, de uma forma ou de outra, estão envolvidos com o sistema escolar, em relação ao baixo nível de ensino contemporâneo, pode ser buscado no fato de que a escola, hoje, não recebe, apenas, alunos provenientes das camadas mais beneficiadas da população. 103 A democratização da escola, ainda que falsa, trouxe, em seu bojo, outra clientela, e, com ela, diferenças dialetais bem acentuadas. De repente, não damos aulas só para aqueles que pertencem ao nosso grupo social. Representantes de outros grupos estão sentados nos bancos escolares, e eles falam diferente. Sabemos que a forma de fala que foi elevada à categoria de língua nada tem a ver com a qualidade intrínseca dessa forma. Fatos históricos (econômicos e políticos) determinaram a “eleição” de uma forma, como a língua portuguesa. As demais formas de falar, que não correspondem à forma “eleita”, são todas postas em um mesmo saco e qualificadas como “errôneas”, “deselegantes”, “inadequadas para a ocasião” etc., entretanto, uma “variedade linguística “vale” o que “valem”, na sociedade, os falantes dela, isto é, vale como reflexo do poder e da autoridade que eles têm nas relações econômicas e sociais. Essa afirmação é válida, evidentemente, em termos internos, quando confrontamos variedades de uma mesma língua, e, em externos, pelo prestígio das línguas no plano internacional (GNERRE, 1978). A transformação de uma variedade linguística em “culta”, ou “padrão”, está associada a vários fatores, dentre os quais Gnerre aponta: • • associação dessa variedade à modalidade escrita; • • associação dessa variedade à tradição gramatical; • • dicionarização dos signos dessa variedade; • • consideração dessa variedade como portadora legítima de uma tradição cultural e de uma identidade nacional. Agora, dada a situação, de fato, em que estamos, qual poderia ser a atitude do professor de língua portuguesa? A separação entre a forma de fala dos alunos e a variedade linguística considerada “padrão” é evidente. Sabendo-se que tais diferenças são reveladoras de outras diferenças, e que a “língua padrão” resulta de uma imposição social que desclassifica os demais dialetos, qual é a postura a ser adotada pelo professor? Dominar que forma de falar? Parece-me que, simplesmente, valorizar as formas dialetais consideradas não cultas, mas, linguisticamente, válidas, tomando-as como o objeto do processo de ensino, é desconhecer que, “a começar do nível mais elementar de relações com o poder, a linguagem constitui o arame farpado mais poderoso para bloquear o acesso ao poder” (GNERRE, 1978). Como aponta Magda Soares (1983), de um lado, há os que pretendem que a escola deva respeitar e preservar a variedade linguística das classes populares e a peculiar relação dela com a linguagem, consideradas tão válidas e eficientes para a comunicação e a variedade linguística, socialmente, privilegiada. Nesse caso, a escola deveria assumir a variedade linguística das classes populares como 104 instrumento legítimo do discurso escolar (dos professores, dos alunos e do material didático). Por outro lado, há os que afirmam a necessidade de que as classes populares aprendam a usar a variedade linguística, socialmente, privilegiada, própria das classes dominantes, e aprendam a manter, com a linguagem, a relação que as classes dominantes, com ela, mantêm, pois a posse dessa variedade e dessa forma específica de relação com a linguagem é instrumento fundamental e indispensável na luta pela superação das desigualdades sociais. Mais próximo à segunda posição, parece-me que cabe, ao professor de língua portuguesa, ter presente que as atividades de ensino deveriam oportunizar, aos alunos dele, o domínio de outra forma de falar, o dialeto padrão, sem que isso signifique a depreciação da forma de falar predominante da família, do grupo social ao qual pertence etc. Isso porque é preciso romper com o bloqueio de acesso ao poder, e a linguagem é um dos caminhos. Se ela serve para bloquear – e disso ninguém duvida –, também, serve para romper o bloqueio. Não estou afirmando que, por meio das aulas de língua portuguesa, processar-se-á a modificação da estrutura social. Estou, tão e somente, querendo dizer que o princípio “quem não se comunica se trumbica” não pode servir de fundamento para o nosso ensino: afinal, nossos alunos se comunicam com o dialeto deles, mas têm se trumbicado que não é fácil... É claro que esse “se trumbicar” não se deve, apenas, à linguagem. Ensino da língua e ensino da metalinguagem Se o objetivo das aulas de língua portuguesa é oportunizar o domínio do dialeto padrão, devemos acrescentar outra questão: a dicotomia entre ensino da língua e ensino da metalinguagem. A opção de um ensino da língua, considerando as relações humanas pelas quais ela perpassa (concebendo a linguagem como lugar de um processo de interação), a partir da perspectiva de que, na escola, pode-se oportunizar o domínio de mais outra forma de expressão, exige que reconsideremos “o que” vamos ensinar, já que tal opção representa parte da resposta do “para que” ensinamos. Nesse sentido, a alteração da situação atual do ensino de língua portuguesa não passa, apenas, por uma mudança nas técnicas e nos métodos empregados na sala de aula. Uma diferente concepção de linguagem constrói não só uma nova metodologia, mas, principalmente, um “novo conteúdo” de ensino. 105 Parece-me que o mais caótico da atual situação de ensino de língua portuguesa, em escolas de primeiro grau, consiste, precisamente, no ensino para alunos que nem sequer dominam a variedade culta, uma metalinguagem de análise dessa variedade – com exercícios contínuos de descrição gramatical, estudo de regras e hipóteses de análise de problemas que, até mesmo, especialistas não estão seguros de como resolver. Apenas para exemplificar: já tive a oportunidade de folhear cadernos de anotações de um aluno de quinta série. O “pobremenino” anotara que, para Saussure, a língua é um conjunto estruturado de signos linguísticos, arbitrários por natureza, mas que, para Chomsky (grafado Jonsqui), estudar uma língua era estabelecer “regras profundas” de competência dos falantes... Um exemplo menos caótico, mas, nem por isso, menos triste, e, infelizmente, mais frequente, são páginas e páginas de conjugações verbais em todos os tempos e modos, sem que o aluno suspeite do que significa indicativo, subjuntivo ou mais- que-perfeito. Muito do tempo e do esforço gastos por professores e alunos, durante o processo escolar, serve para aprender a metalinguagem de análise da língua, com alguns exercícios, e eu me arriscaria a dizer “exercícios esporádicos” de língua, propriamente, ditos. Uma coisa é saber a língua, isto é, dominar as habilidades de uso da língua em situações concretas de interação, entendendo e produzindo enunciados, percebendo as diferenças entre uma forma de expressão e outra. Outra é saber analisar uma língua, dominando conceitos e metalinguagens a partir dos quais se fala sobre a língua e se apresentam características estruturais e de uso. Entre os dois tipos de atividades, é preciso optar pelo predomínio de um sobre o outro. Tradicionalmente, prevaleceu o ensino da descrição linguística – eu diria que nem sequer a descrição prevaleceu, mas o exemplário de descrições, previamente, feitas, pois, na escola, não se aprende a descrever fatos novos, formular hipóteses de descrição etc. O que se aprende, na verdade, é exemplificar descrições, previamente, feitas pela gramática. Mais modernamente, as descrições tradicionais foram substituídas por descrições da teoria da comunicação, e, hoje, o aluno sabe o que são emissor, receptor, mensagem etc. Na verdade, substituiu-se uma metalinguagem por outra. Parece-me que, para o ensino de primeiro grau, as atividades devem girar em torno do ensino da língua, e, apenas, subsidiariamente, deve-se apelar para a metalinguagem, quando a descrição da língua se impõe como meio para alcançar o objetivo final de domínio nessa variedade padrão. 106 Gostaria de encerrar essas breves considerações de concepção de linguagem, variedades linguísticas e ensino de língua/ensino de metalinguagem, reafirmando que a reflexão a respeito do “para quê” do nosso ensino exige que pensemos no próprio fenômeno de que somos professores – no nosso caso, a linguagem –, pois tal reflexão, ainda que assistemática, ilumina toda a atuação do professor em sala de aula. FONTE: GERALDI, J. W. et al. O texto na sala de aula. 5. ed. São Paulo: Ática, 2011, p. 35-37. 107 RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico, você aprendeu: • Existem três possibilidades distintas de conceber a linguagem: linguagem como expressão do pensamento; linguagem como instrumento de comunicação; e linguagem como processo de interação. • Na concepção da linguagem como expressão do pensamento, a língua é considerada uma capacidade inata do ser humano, o que permite, a ele, reconhecer/espelhar as sentenças da língua estudada. • Na concepção de linguagem como instrumento de comunicação, a língua é vista como um código, e a organização dela, para a comunicação entre emissor e receptor, independe do contexto situacional. • Na concepção de linguagem como processo de interação, a língua é um processo interacional e social, no qual estão presentes as ideologias, as culturas e as experiências dos falantes na interação. • Existe uma visão de linguagem, historicamente, estabelecida no Brasil, que tenta ressaltar que, no nosso país, fala-se uma única língua. Essa visão de linguagem afirma que o país é monolíngue e deixa de lado mais de 274 línguas indígenas, as de fronteira como o guarani, as de imigrantes e a Língua Brasileira de Sinais. • O preconceito linguístico produz diferentes mitos sobre a Libras e sobre a Língua Portuguesa. • Libras não é mímica, é uma língua. 108 1 A linguagem pode ser compreendida a partir de três concepções que destacam modos diferentes de se conceber a linguagem: a linguagem como expressão do pensamento; a linguagem como instrumento de comunicação; e, por último, a linguagem como processo de interação. Essas concepções podem nortear o ensino de Libras como língua materna para os surdos, e o ensino do Português como língua adicional. Dentre estas concepções de linguagem, qual delas destaca a norma padrão e se alinha à visão inatista da língua? a) ( ) Linguagem como expressão do pensamento. b) ( ) Linguagem como instrumento de comunicação. c) ( ) Linguagem como um processo de interação. d) ( ) Linguagem como instrumento gramatical. 2 Qual é a concepção de linguagem em que a língua é vista como um código, composto por um conjunto de signos que se combinam, de acordo com as regras gramaticais da língua, sem levar em conta o contexto social? a) ( ) Linguagem como um processo de interação. b) ( ) Linguagem como expressão do pensamento. c) ( ) Linguagem como instrumento de comunicação. d) ( ) Nenhuma das alternativas. 3 A linguagem, como um processo de interação, prioriza, não somente, o conhecimento da gramática da língua, mas, sobretudo, o uso social, situado e dinâmico da língua. Diante disso, analise as afirmações a seguir: I- A importância de o aluno usar a língua de um modo que faça sentido. II- As experiências sociais mediadas pela língua sejam levadas em conta na interação. III- As regras gramaticais são mais relevantes do que o aspecto social, assim, falar bem é mais valorizado do que estabelecer a comunicação. IV- O uso da língua é distanciado do contexto social, sendo priorizado o contexto ideológico. V- A ênfase é dada ao uso da língua nas relações sociais. Quais afirmações estão CORRETAS? a) ( ) Apenas I, IV e V. b) ( ) Apenas I, II e V. c) ( ) Apenas III, IV e V. d) ( ) Apenas I, III e IV. e) ( ) Apenas II, III e IV. AUTOATIVIDADE 109 4 Apesar da oficialização da Libras como língua da comunidade surda dos centros urbanos, do uso e da difusão, ainda, encontramos falas equivocadas que relacionam a Libras à mímica. Por que isso, ainda, acontece? 5 De acordo com a definição apresentada no texto por McCleary (2009), o purismo linguístico é uma atitude que está relacionada a um estado "puro" da língua, a fim de zelar para manter esse estado, ou (mais comumente) voltar para um estado mais puro da língua que já existia, mas que se perdeu com as mudanças. O autor afirma que o purismo é uma atitude reacionária. De acordo com McCleary (2009), para a sociolinguística, não existe um estágio melhor ou pior de uma língua. O único estado ruim, para uma língua, é quando ela começa a perder falantes nativos e entra em processo de extinção. Nesta perspectiva, como pode ser compreendida a ideia do senso comum de que a língua, na atualidade, estaria cada vez mais pobre devido ao uso de gírias, às mudanças de estrutura e ao uso de palavras estrangeiras? FONTE: MCCLEARY, L. Sociolinguística. Universidade Federal de Santa Catarina Licenciatura e Bacha- relado em Letras-Libras na Modalidade a Distância. Florianópolis, 2009. Disponível em: https://www.libras. ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoBasica/sociolinguistica/assets/547/TEXTO-BASE_Sociolinguisti- ca.pdf. Acesso em: 6 jun. 2022. 110 111 UM OLHAR SOCIOLINGUÍSTICO SOBRE A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DE SURDOS 1 INTRODUÇÃO A inclusão dos surdos, nas escolas, coloca diversos desafios aos sistemas de ensino, em virtude das mudanças que ocorreram desde a década de 1980. A história da educação de surdos foi marcada por diferentes momentos, os quais envolveram desde a invisibilização da Libras e dos surdos, pela sociedade, a uma fase de resgate dos direitos deles, momento em que a comunidade surda se posicionou a respeito do uso da língua de sinais e do reconhecimento como pessoas com direitos, a fim de mostrar as próprias culturas e identidades. Em alguns espaços da sociedade, ainda, perpetua-se uma visão de surdez como patologia, como se o surdo precisasse ser“normalizado” para ser aceito pela sociedade e, com ela, interagir. Já em outros espaços, outras visões emergem, como a socioantropológica, incluindo práticas sociais voltadas ao reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais como língua, que tem o estatuto linguístico próprio, que não descende e nem depende da Língua Portuguesa, além de reconhecer o surdo e os direitos linguísticos de comunicação, interação e posicionamentos cultural e identitário dele. Neste tópico, abordaremos as concepções das pessoas surdas, a clínico- terapêutica e a socioantropológica, para, em seguida, abordarmos a histórica da educação de surdos, com foco nas filosofias de educação desses sujeitos, a saber: oralismo, comunicação total e bilinguismo. Conhecer as concepções e as abordagens educacionais oportunizarão, a você, refletir, criticamente, em relação às visões sobre as pessoas surdas na sociedade brasileira. 2 AS CONCEPÇÕES SOBRE AS PESSOAS SURDAS A literatura sobre a educação de surdos aponta que as concepções clínico- terapêutica e socioantropológica de surdez e sobre as pessoas surdas mostram não somente o modo como a sociedade ouvinte concebe o surdo, mas também servem de base para conduzir a educação de surdos (CAPOVILLA, 2000; SKLIAR, 2000). Tradicionalmente, essas concepções orientam de modo divergente as ações pedagógicas na educação da pessoa surda, dadas as diferenças presentes em cada uma delas. UNIDADE 2 TÓPICO 2 - 112 A concepção clínico-terapêutica compreende a surdez como uma patologia, como déficit biológico. Esta concepção traz como mote a medicalização e esforços no sentido de “normalizar” a pessoa surda, isto é, ações que contemplam estratégias reparadoras e corretivas sobre o surdo, para que se assemelhe sócio e linguisticamente à pessoa ouvinte (SKLIAR, 2000). Na concepção clínico-terapêutico, a surdez é vista como deficiência, sendo atribuído ao surdo a reponsabilidade pelas dificuldades e entraves presentes em seu desenvolvimento linguístico e educacional. Esta concepção define a surdez, como uma condição que impede o surdo de se desenvolver como um indivíduo, pois o surdo é visto como uma pessoa que necessita de intervenções que tratem e solucionem a sua condição de não poder ouvir. Para a visão clínico-terapêutica, o surdo é considerado uma pessoa incompleta, e por isso precisa ser normalizada por meio de técnicas fonoaudiológicas que possibilitem o surdo se aproximar do padrão ouvinte, para que ele aprenda a língua oral, pois desta forma estaria superando a deficiência. Já para a concepção socioantropológica, diferente da clínico-terapêutica, os surdos, suas culturas e identidades, podem ser manifestadas por meio da língua de sinais. Elas são valorizadas e respeitadas e subsidiam novas visões e ações que contemplam na educação de surdos o ensino e a aprendizagem da língua de sinais, como sua primeira de língua. Na visão socioantropológica, a educação de surdos proporciona o desenvolvimento do aluno surdo dentro de um contexto multilíngue e multicultural, abordando a surdez como diferença e como experiência visual (SKLIAR, 2000). Nesse contexto, a língua de sinais é considerada o principal marcador identitário da cultura surda. Por meio dela, os surdos manifestam as suas produções culturais e aspectos identitários. Segue um quadro-resumo com características das concepções clínico- terapêutica e socioantropológica: QUADRO 2 – CARACTERÍSTICAS DAS VISÕES CLÍNICO-TERAPÊUTICA E CULTURAL FONTE: As autoras Questões Clínico-terapêutica Socioantropológica Práticas de Ensino para surdos Métodos de reabilitação Linguística e cultural Papel do professor Ter uma visão clínica sobre a surdez e o surdo Ter uma visão cultural, linguística e social Papel do aluno Assemelhar-se à pessoa ouvinte Mostrar suas identidades e culturas por meio da língua de sinais Língua de sinais Impede o aluno de se desenvolver enquanto o indivíduo Deve ser a primeira língua do surdo 113 As informações apresentadas no quadro acima mostram as características de duas concepções sobre os surdos que se destacam na literatura da história da educação de surdos. É importante ressaltar que podem existir outras visões sobre os surdos, considerando a dinamicidade social, ideológica, política e linguística presentes nas comunidades linguísticas. Observe que as duas visões apresentam compreensões bastante divergentes sobre todas as questões pertinentes ao ensino e aprendizagem da língua para os alunos surdos, tendo em vista que a perspectiva clínica tem como perspectiva norteadora a reabilitação auditiva, ou seja, é uma forma compreensão da surdez que inviabiliza o desenvolvimento pleno do estudante enquanto indivíduo, tendo em vista que não respeita as particularidades comunicativas dele. Por outro lado, a visão Socioantropológica percebe os sujeitos a partir de suas características pessoas de modo a compreender a surdez como uma peculiaridade que deve ser respeitada e compreendida dentro das possibilidades linguísticas do sinalizante, desta maneira, nesta visão a língua de sinais é percebida como a primeira língua dos surdos e a cultura surda como parte da identidade. DICA Para ampliar a visão sobre as concepções sobre a pessoa surda, sugerimos o filme “Filhos do silêncio”. Aproveite para perceber os modos de interação entre uma pessoa ouvinte e uma pessoa surda e a visão que emerge na relação. Acesse: Link: https://www.youtube. com/watch?v=JnjIp4XYSeY. 3 AS FILOSOFIAS DE EDUCAÇÃO DE SURDOS Neste subtópico apresentaremos as três filosofias de educação de surdos: oralismo, comunicação total e bilinguismo. O oralismo visa à integração do surdo à sociedade ouvinte, de modo que a lhe oferecer condições de desenvolver a língua oral, no caso do Brasil, a língua portuguesa. A comunicação total, assim como o oralismo, se preocupa também com a aprendizagem da língua oral pela criança surda. A diferença entre ambas é que a filosofia da comunicação total considera que os aspectos cognitivos, emocionais e sociais não devem ser deixados de lado por causa da aprendizagem da língua oral. Além disso, a comunicação total incorpora modelos auditivos, manuais e orais para manter a comunicação entre surdos e surdos, e entre surdos e ouvintes. Por fim, abordaremos o bilinguismo, que diferente das filosofias supracitadas, considera a língua de sinais importante e necessária para o desenvolvimento do surdo, em todas os campos de conhecimento. No bilinguismo, o ensino e a aprendizagem da língua de sinais propiciam não apenas a comunicação surdo-surdo, mas também oportuniza ao surdo reconhecer e construir a sua identidade. https://www.youtube.com/watch?v=JnjIp4XYSeY https://www.youtube.com/watch?v=JnjIp4XYSeY 114 FIGURA 6 – IMAGEM QUE FAZ ALUSÃO AO ORALISMO, COMUNICAÇÃO TOTAL E BILINGUISMO FONTE: <http://blogdalibras.com.br/post3>. Acesso em: 3 jun. 2020. Ao analisarmos a imagem podemos perceber que, mais uma vez, estamos diante de duas compreensões antagônicas sobre a surdez, na primeira figura da esquerda, temos uma mão infantil remetendo a uma sinalização inicial do sinal referente à expressão Eu te amo, dando a entender o entendimento de que a aprendizagem da língua de sinais é um direito desde a primeira infância para que os indivíduos possam desenvolver as suas potencialidades linguísticas desde pequenos. Já na imagem da direita temos a referência a equipamentos e exames que determinam a aferição da audição, ou, no caso do aparelho, uma aparelhagem para melhora da recepção de sons. Neste contexto, os elementos apresentados na parte Direita da figura estão representados as filosofias que procuram valorizar a audição mesmo em relação à educação linguística de indivíduos surdos. A seguir comentaremos sobre o oralismo, comunicação total e bilinguismo. Conforme a imagem acima, destacaremos as características de cada abordagem educacional, com vistas a destacar as suas diferenças no que se refere ao desenvolvimento social, linguísticoe educacional da pessoa surda. 3.1 O ORALISMO Quando refletimos sobre a educação de surdos, historicamente percebemos que o olhar que se teve do surdo e da surdez esteve inicialmente voltado para práticas reparadoras e homogeneizantes de normalização, que baniram o uso da língua de sinais pelo surdo, para focar no ensino e uso da língua oral. O oralismo ganhou espaço como abordagem de ensino, a partir do Congresso de Milão, que aconteceu em 1880, na Itália. Nesse congresso foi decidido sobre qual abordagem de ensino deveria ser adotada pelas escolas de surdos no mundo todo. Um grupo de pessoas surdas acreditava que os surdos tinham uma forma específica de interagir e que poderiam ser ensinados através dela – a língua de sinais –, entretanto, o outro grupo, formado por pessoas ouvintes, defendia que os surdos deveriam aprender a língua oral e que poderiam fazer uso da fala, da escrita e da leitura labial na educação. http://blogdalibras.com.br/post3 115 Lamentavelmente, embora os surdos estivessem presente nesse congresso, apenas os ouvintes tiveram o direito de votar e decidir o destino dos surdos do mundo inteiro. Esse grupo de ouvintes defendia o oralismo, e naquele momento esta abordagem de ensino se tornou a filosofia de educação de surdos da época. Após a votação, a língua de sinais foi banida completamente da educação dos surdos, o que obrigando ao surdo se render à modalidade de comunicação oralista (GUARINELLO, 2007; SACKS, 2010). Entretanto, a qualidade da educação ofertada aos surdos caiu, pois essa filosofia educacional foi considerada como um retrocesso na educação de surdos, uma vez que, segundo Strobel e Perlin (2008) teria que se evitar ao máximo o uso da língua de sinais para que o surdo tivesse êxito em seu aprendizado através do treinamento da fala oral, buscava integrar os surdos na comunidade de ouvintes por meio da fala oral, e priorizava a reabilitação em direção à normalidade exigida pela sociedade. Essa filosofia educacional busca a inserção do surdo na comunidade de ouvintes, como um único meio do surdo desenvolver a língua oral, já que o oralismo percebe a surdez como uma deficiência que deve ser minimizada por meio da estimulação auditiva (SACKS, 2010). 3.2 A COMUNICAÇÃO TOTAL Na década de 1970, emergiram muitas críticas à abordagem do oralismo. Essas críticas ocorreram devido à falta de bons resultados no desempenho educacional dos surdos. Juntamente com esta situação, surgiram as pesquisas de William Stokoe (1960), um linguista norte-americano, que comprovou o caráter linguístico das Línguas de Sinais, por meio de pesquisas sobre a língua de sinais americana (ASL). Desse modo, surgiu outra filosofia educacional, a comunicação total (CAPOVILLA, 2000), cuja abordagem faz o uso de vários recursos de linguagem, tais como fala, escrita, gestos, mímica, pantomima, sinais, leitura orofacial, entre outros. Diferente do oralismo, a comunicação total inseriu a língua de sinais na comunicação com os surdos, bem como tudo que facilitasse e ampliasse a comunicação entre surdos e ouvintes (CAPOVILLA, 2000; SACKS, 2010). De acordo com Guarinello (2007), a comunicação total foi disseminada com rapidez, devido as suas caraterísticas de privilegiar diferentes linguagens na comunicação. A comunicação total foi reconhecida como uma importante filosofia educacional, por incorporar a língua de sinais nas interações, e isso trouxe visibilidade para a língua de sinais que foi extremamente oprimida no oralismo (STROBEL; PERLIN, 2008). Segundo Ciccone (1990), essa filosofia não concebe a pessoa surda como alguém que tem uma patologia, mas como ser humano, que pode se comunicar de maneira mais ampla, por meio de diferentes recursos linguísticos. 116 Como o próprio nome sugere, essa filosofia educacional visa, sobretudo, a comunicação e a interação entre surdos e ouvintes. Nela, ocorre o uso da língua oral e da língua de sinais de modo concomitante, o que de certa forma trouxe certo desprestígio para essa filosofia educacional, por continuar trazendo práticas oralistas para as interações, não focando unicamente na comunicação em língua de sinais. 3.3 BILINGUISMO Após o declínio da comunicação total, devido à insatisfação de educadores e surdos com os resultados educacionais da pessoa surda, ocorreu na década de 1970 um movimento de reivindicação contra o modo como os surdos estavam sendo alfabetizados, que culminou com no surgimento da proposta de educação bilíngue. Diferente do oralismo e da comunicação total, a proposta de educação bilíngue tem como pressuposto que os surdos devem ser bilíngues, adquirindo a língua de sinais como primeira língua e a língua oral de seu país, como segunda língua, na sua modalidade escrita (CAPOVILLA, 2000). Para muitos pesquisadores e estudiosos da área de estudos surdos (LACERDA, 1998; SKLIAR, 2000) a proposta de educação bilíngue tem sido considerada a mais adequada para o ensino de crianças surdas, pois considera a língua de sinais como a língua natural do surdo, além de contemplar uma visão social e antropológica sobre o surdo. Nessa visão de educação, os surdos formam uma comunidade, com cultura e língua próprias, e a educação de crianças surdas deve ocorrer a partir do contato, o mais cedo possível, com pessoas surdas proficientes na língua de sinais. Conforme Brito (1993), na educação bilíngue de surdos, a língua de sinais é considerada a questão mais relevante para o desenvolvimento do surdo, em todas as esferas de conhecimento. Para a autora, esse modelo educacional, propicia não apenas uma interação comunicacional, mas também caminhos para o desempenho e estímulo do desenvolvimento social e cognitivo do surdo. Quadros (1997) afirma que a educação bilíngue de surdos é uma proposta de ensino usada por escolas regulares e inclusiva que busca ofertar acessibilidade à criança surda às duas línguas no contexto escolar. A autora considera essa proposta como a mais adequada para o ensino das crianças surdas, já que a língua de sinais é vista como a primeira língua do surdo que dá suporte e viabilidade para o aprendizado para o conhecimento de mundo da pessoa surda. No que se refere a educação bilíngue para surdos, o Decreto nº 5.626/2005, que regulamenta a Lei de oficialização da Língua Brasileira de Sinais (nº 10.436/2002), orienta que: Art. 22. As instituições federais de ensino responsáveis pela educação básica devem garantir a inclusão de alunos surdos ou com deficiência auditiva, por meio da organização de: 117 I- escolas e classes de educação bilíngue, abertas a alunos surdos e ouvintes, com professores bilíngues, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental; II- escolas bilíngues ou escolas comuns da rede regular de ensino, abertas a alunos surdos e ouvintes, para os anos finais do ensino fundamental, ensino médio ou educação profissional, com docentes das diferentes áreas do conhecimento, cientes da singularidade linguística dos alunos surdos, bem como com a presença de tradutores e intérpretes de LIBRAS – Língua Portuguesa. § 1º São denominadas escolas ou classes de educação bilíngue aquelas em que a Libras e a modalidade escrita da Língua Portuguesa sejam línguas de instrução utilizadas no desenvolvimento de todo o processo educativo (BRASIL, 2005). Podemos perceber que no Decreto nº 5.626/2005 o conceito de educação bilíngue traz como fundamento a diferença sociocultural e linguística do surdo e a língua de sinais no processo educacional dos surdos. Neste sentido, essa proposta difere das filosofias educacionais oralismo e comunicação total e da concepção clínico-patológica de surdez e de surdos. DICA Para melhor compreender as características da Libras, bem como a importância da educação bilíngue na educação de surdos do Brasil, sugerimos que assista ao vídeo “Libras: o que é esta língua?”, publicado na revista Roseta, da Associação Brasileira de Linguística, cujas autoras são Ronice Müller de Quadros e MarianneRossi Stumpf e o vídeo “Minuto Libras Educação Bilíngue de Surdos”, produzido pela professora Ronice Müller de Quadros. Os links para acesso são: https://www.youtube.com/watch?v=Q6B- 6nm9VnE e https://www.youtube.com/watch?v=-Mr0kKQ_4Z8. FIGURA 7 – LIBRAS – O QUE É ESTA LINGUA? FONTE: <https://www.youtube.com/watch?v=Q6B-6nm9VnE>. Acesso em: 22 ago. 2020. https://www.youtube.com/watch?v=Q6B-6nm9VnE https://www.youtube.com/watch?v=Q6B-6nm9VnE https://www.youtube.com/watch?v=-Mr0kKQ_4Z8 https://www.youtube.com/watch?v=Q6B-6nm9VnE 118 FIGURA 8 – MINUTO LIBRAS EDUCAÇÃO BILÍNGUE DE SURDOS FONTE: <https://www.youtube.com/watch?v=-Mr0kKQ_4Z8>. Acesso em: 13 jun. 2020. https://www.youtube.com/watch?v=-Mr0kKQ_4Z8 119 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu: • A literatura sobre a educação de surdos aponta que existem duas concepções sobre a surdez e os surdos: clínico-terapêutica e socioantropológica. • Tradicionalmente, essas concepções orientam de modo divergente as ações pedagógicas na educação da pessoa surda, dadas as diferenças presentes em cada uma delas. • A concepção clínico-terapêutica compreende a surdez como uma patologia, como déficit biológico. Esta concepção traz como mote a medicalização e esforços no sentido de “normalizar” a pessoa surda, isto é, ações que contemplam estratégias reparadoras e corretivas sobre o surdo, para que se assemelhe sócio e linguisticamente à pessoa ouvinte. • A concepção socioantropológica, diferente da clínico-terapêutica, os surdos, suas culturas e identidades, podem ser manifestadas por meio da língua de sinais. Elas são valorizadas e respeitadas e subsidiam novas visões e ações que contemplam na educação de surdos o ensino e a aprendizagem da língua de sinais, como sua primeira língua. • Na visão socioantropológica, a educação de surdos proporciona o desenvolvimento do aluno surdo dentro de um contexto multilíngue e multicultural, abordando a surdez como diferença e como experiência visual. Nesse contexto, a língua de sinais é considerada o principal marcador identitário da cultura surda. Por meio dela, os surdos manifestam as suas produções culturais e aspectos identitários. • A história da educação de surdos é marcada pelas filosofias educacionais, a saber: oralismo, comunicação total e bilinguismo. • O oralismo busca a inserção do surdo na comunidade de ouvintes, como um único meio do surdo desenvolver a língua oral, já que o oralismo percebe a surdez como uma deficiência que deve ser minimizada por meio da estimulação auditiva. • Diferente do oralismo, a comunicação total inseriu a língua de sinais na comunicação com os surdos, bem como tudo que facilitasse e ampliasse a comunicação entre surdos e ouvintes. A comunicação total foi reconhecida como uma importante filosofia educacional, por incorporar a língua de sinais nas interações, e isso trouxe visibilidade para a língua de sinais que foi extremamente oprimida no oralismo. 120 • Diferente do oralismo e da comunicação total, a proposta de educação bilíngue tem como pressuposto que os surdos devem ser bilíngues, adquirindo a língua de sinais como primeira língua e a língua oral de seu país, como segunda língua, na sua modalidade escrita. • Na educação bilíngue de surdos, a língua de sinais é considerada a questão mais relevante para o desenvolvimento do surdo, em todas as esferas de conhecimento. 121 1 As concepções sobre a surdez podem oscilar entre dois polos principais, aquelas compreensões que procuram achar formas de solucioná-la através de métodos que priorizam os atendimentos clínico-terapêuticos e aqueles entendimentos que percebem a surdez como parte das características dos indivíduos. A partir disso, assinale a alternativa que melhor define a concepção clínico-terapêutica: a) ( ) Visão de surdez que enfatiza o uso da língua de sinais e da língua oral. b) ( ) Concepção que aborda o ensino da língua de sinais. c) ( ) Concepção com foco no uso da língua oral, para que a pessoa surda se assemelhe à pessoa ouvinte. d) ( ) Concepção que enfatiza a cultura e a identidade surdas. 2 Esta questão envolve o tema “filosofias de educação de surdos”, deste modo, devemos lembrar das discussões que apresentam os modos através dos quais a Educação dos Surdos é percebida numa perspectiva em que a língua oral majoritária da comunidade ou nas compreensões que evidenciam o respeito pela cultura e pela comunidade surdas, bem como a valorização da língua de sinais. Na figura a seguir, podemos ver duas pessoas com as mãos escondidas, perto de um cartaz que deixa clara a proibição da língua de sinais, além disso, estão claramente desenhadas as bocas que fazem um esforço fonológico para se manifestar oralmente, como os perdigotos voando deixam em evidência. Tendo em vista contextualização anterior, a descrição da Figura a observação da figura a seguir, escolha a alternativa que corresponda à Filosofia da Educação que a imagem procura deixar explícita: SURDOS TENTANDO SE COMUNICAR AUTOATIVIDADE FONTE: <http://fabiosellani.blogspot.com/>. Acesso em: 28 set. 2020. http://fabiosellani.blogspot.com/ 122 Essa imagem exemplifica: a) ( ) A filosofia educacional oralista. b) ( ) A concepção socioantropológica. c) ( ) A comunicação total. d) ( ) A comunicação bilíngue. 3 Dentre as perspectivas linguísticas sobre a surdez se destacam duas vertentes, uma delas é que considera o surdo um ouvinte imperfeito que necessita de instrumentos e técnicas que o auxiliem a se comunicar, mesmo que precariamente, através da língua oral majoritária (visão clínico-terapêutica) e a outra visão coloca o surdo como um indivíduo que pertence a um grupo específico de pessoas com características culturais e linguísticas específicas (visão Socioantropológica). Considerando a visão socioantropológica a respeito da pessoa surda, assinale a alternativa que corresponde à concepção socioantropológica com relação a educação de surdos. a) ( ) O uso da fala oral é relevante na educação de surdos. b) ( ) Cultura e identidade surdas não são aspectos relevantes na educação de surdos. c) ( ) A língua de sinais, cultura e identidades são fundamentais na educação de surdos. d) ( ) As práticas do oralismo é a característica dessa visão de surdez e de surdo. 4 Dentre as diferentes leis que regem a inserção da Libras no cotidiano nacional, o Decreto nº 5626/05 regulamenta a Lei de oficialização da Língua Brasileira de Sinais nº 10.436/0 e, por isso, utiliza como base vários conceitos e permite importantes reflexões acerca das noções que norteiam a Educação de surdos no Brasil. Dentre as conceituações utilizadas neste Decreto a Educação Bilíngue é uma das noções que permeia todo o documento. Deste modo, este conceito é muito importante para as delimitações que o Decreto propõe, assim sendo, como a Educação Bilíngue pode ser definida? FONTE: QUADROS, R. M. de. Bilinguismo. In: Educação de surdos: aquisição da linguagem. Porto Alegre: Artmed, 1997. p. 21-43. 5 A Comunicação Total é uma dentre as filosofias utilizadas para a Educação de surdos ao longo da história da Educação. Nela se misturavam vários recursos com o objetivo de proporcionar a comunicação entre os interlocutores. Como a Comunicação Total pode ser caracterizada linguisticamente em comparação ao Oralismo? 123 TÓPICO 3 - LÍNGUAS EM CONTATO 1 INTRODUÇÃO O cenário sociolinguístico brasileiro é marcado por uma diversidade linguística, social e cultural. No Brasil, estima-se que coexistem cerca de 330 línguas, destas, 274 são línguas indígenas (IBGE, 2010) e 56 línguas de imigração (ALTENHOFEN, 2013). Além desses dados, destacamos ainda a Língua Brasileira de Sinais – Libras, além das línguas de sinais emergentes. Sabe-se que, além da Libras, oficializada pela Lei Federal Nº 10.436, de 24 de abril de 2002, o Brasil possui pelo menos duas línguas que já foram documentadas: a língua de sinais de Urubu-Kaapor no Estado do Maranhão e a língua de sinais conhecidacomo “Cena”, falada na cidade de Jaicós, no povoado de Várzea Queimada, no interior do Piauí, ambas na região Nordeste do Brasil. Diante destes dados, percebemos que o Brasil é um país com uma ampla diversidade linguística, o que possibilidade a interação entre diferentes línguas, pessoas, em diferentes contextos sociais e culturais, possibilitando assim, um contato linguístico. De acordo com os autores, Raso, Mello e Altenhofen (2011, p. 47), “[...] todo uso da língua em interação pressupõe um contato linguístico, e que o que entra em contato são, antes de tudo, modos de falar individuais (idioletos) identificados com variedades linguísticas específicas”. Assim, neste tópico, abordaremos o contato linguístico, focando inicialmente nas características da Libras, para em seguida falarmos sobre o contato linguístico e suas características. O objetivo é reiterar que o Brasil não é um país monolíngue, mas um país diverso de falares, culturas e pessoas, com suas histórias e vivências que caracterizam o país. 2 A LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS As línguas de sinais são reconhecidas como de modalidade gestual-visual. Além disso, as línguas de sinais são também línguas naturais, pois surgiram da interação espontânea entre indivíduos. Quadros e Karnopp (2004, p. 30) conceituam língua natural como: [....] uma realização específica da faculdade de linguagem que se dicotomiza num sistema abstrato de regras finitas, as quais permitem a produção de um número ilimitado de frase. Além disso, a utilização efetiva desse sistema, com fim social, permite a comunicação entre os usuários. UNIDADE 2 124 Assim, Quadros e Karnopp (2004), destacam que as línguas naturais estão relacionadas à capacidade inata da mente humana compreender e de desenvolver a partir de uma organização que se divide em uma estrutura imaterial que apresenta normas, regras e delimitações amplas e, ao mesmo tempo, limitadas, ou seja, a língua permite que falemos ou sinalizemos muitas coisas de inúmeras maneiras, mas não de qualquer maneira. Dito de outro modo, mesmo que tenhamos diversas maneiras para formar frases, as línguas apresentam certas limitações para as sentenças que são adequadas ou não em relação aos parâmetros de cada língua específica. Ainda nesta citação, as autoras destacam que a língua tem a finalidade social de permitir a comunicação entre os usuários de um mesmo idioma, assim sendo, as línguas naturais surgem a partir da necessidade dos indivíduos em ter um sistema estruturado e compartilhado para comunicação entre si. Brito (1998, p. 19) faz a seguinte afirmação sobre considerar as línguas de sinais como naturais: As línguas de sinais são línguas naturais porque como as línguas orais sugiram espontaneamente da interação entre pessoas e porque devido à sua estrutura permitem a expressão de qualquer conceito – descritivo, emotivo, racional, literal, metafórico, concreto, abstrato – enfim, permitem a expressão de qualquer significado decorrente da necessidade comunicativa e expressiva do ser humano. Desta maneira, as línguas de sinais se apresentam como línguas naturais porque surgem da necessidade comunicativa dos indivíduos e têm a capacidade estrutural, organizacional e composicional de demonstrar todo e qualquer tido de concepção ou formulação, seja ela qual for. Logo, as línguas de sinais correspondem às demandas dos grupos de indivíduos que a utilizam. Nesta mesma direção está a Língua Brasileira de Sinais-Libras, que por ser natural, possui todos os elementos necessários para se desenvolver e estruturar como língua natural, desta maneira tem todos os níveis linguísticos que precisa para a expressão plena dos sinalizantes, por exemplo, alfabeto manual próprio, conforme a imagem a seguir, gramática própria, não descende e nem depende da estrutura da língua portuguesa. Além disso, a língua de sinais não é universal, cada país possui a sua. Logo, cada língua de sinais em cada país possui sua própria estrutura gramatical. FIGURA 7 – ALFABETO MANUAL DA LIBRAS 125 FONTE: <https://bit.ly/3fpwR1B>. Acesso em: 14 jul. 2020. Podemos afirmar também que as línguas de sinais não são pantomimas e nem universais. Elas possuem gramática própria, além dos níveis linguísticos, fonológico, morfológico, semântico, sintático e pragmático, o que possibilita aos seus usuários expressarem diferentes tipos de significados, dependendo da necessidade comunicativa e expressiva do indivíduo. Além disso, as línguas de sinais não descendem e nem dependem das línguas orais, visto que possuem seus níveis linguísticos, fonologia, morfologia, semântica e sintaxe, tal como as línguas orais. Quanto à fonologia das línguas de sinais, Quadros e Karnoop (2004) afirmam que este nível linguístico determina quais são as unidades mínimas que formam os sinais, e estabelece quais são os padrões possíveis de combinação entre essas unidades e as variações possíveis no ambiente fonológico. Essas unidades mínimas, sem significado, são chamadas de fonemas e elas correspondem aos parâmetros da Libras. De acordo com Quadros e Karnoop (2004), os parâmetros são: configuração de mão, é definida como a forma assumida pela mão durante a articulação de um sinal, ponto de articulação, o lugar do corpo onde o sinal será realizado. O parâmetro movimento demonstra o deslocamento da mão durante a execução do sinal, possuindo diferentes formas e direções. O parâmetro orientação vem ser a direção que a palma da mão indica na realização do sinal. Os componentes não manuais, ou seja, as expressões faciais e corporais, distinguem significados entre sinais. Podem indicar afirmação, negação, interrogação e exclamação. Além das características gramaticais da Libras, é importante ressaltar também que a oficialização, promoção, uso e a sua legalização foi historicamente constituída pelas reivindicações dos surdos brasileiros. A Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que reconhece a Libras como oriunda das comunidades de pessoas surdas do Brasil e como meio legal de comunicação e expressão, significou um avanço aos direitos linguísticos dos surdos de se comunicarem e de se expressarem através da Libras, bem como uma importante ação política, dada a transformação social quanto à valorização e uso da Libras por pessoas surdas e as conquistas relacionadas a inclusão social e cultural dos surdos. 126 Conforme mencionamos no início do texto, além do Português e da Libras, são faladas, no Brasil, as línguas de sinais emergentes. Além dessas línguas, citamos também o contexto social de Roraima, Norte do Brasil, e sua diversidade linguística na qual, além do Português, em seu cenário sociolinguístico as línguas indígenas, de imigração e línguas de sinais também estão presentes nessa região. Quanto às línguas indígenas destacam-se: Carib, Aruaque e Yanomami, além das línguas de sinais: Libras e a Língua de Sinais Venezuelana-LSV (ARAÚJO; BENTES, 2020). De acordo com Araújo e Bentes (2020), a LSV está presente em Roraima há um bom tempo, e vem sendo utilizada por surdos e ouvintes brasileiros. A presença da LSV neste cenário, deve-se à crise migratória venezuelana e seus efeitos no Brasil. Dentre esses efeitos, podemos destacar: a crise política e econômica na Venezuela em 2015, e a partir de então, o estado de Roraima começou a receber um grande número de migrantes, e com a migração de venezuelanos para este estado, a comunidade surda também passou a receber um número expressivo de surdos migrantes. Neste sentido, é possível perceber a interação e o contato entre diferentes línguas, que emergem de diferentes razões, sejam políticas, culturais ou sociais, conforme observamos no exemplo supracitado entre as línguas portuguesa, Libras e LSV, no estado de Roraima. A seguir comentaremos de modo mais específico sobre contato linguístico. Iniciaremos apresentando alguns conceitos de contato linguístico, destacando nesta situação sociolinguístico a relação intrínseca com o bilinguismo. DICA Paramelhor compreender a Língua de Sinais Venezuela sugerimos que assista ao vídeo, “Direitos Humanos e a Pessoa Surda Migrante”, organizado e apresentado pela Profa. Dra. Silvana Aguiar dos Santos – UFSC, pela Assistente Jurídica Angélica Ribeiro – PUC-SP e pelas discentes Lais Priscila Almeida – UFRR e Paula Bernardes – UFRGS. O link para acesso é: https://www.youtube.com/ watch?v=Dr6fnCcXkHY. https://www.youtube.com/watch?v=Dr6fnCcXkHY https://www.youtube.com/watch?v=Dr6fnCcXkHY 127 3 CONTATO LINGUÍSTICO Os comentários supracitados sobre a diversidade linguística brasileira reiteram que o país não é monolíngue, isto é, não possui apenas uma língua, no caso, o Português. Ao contrário disto, a discussão no tópico anterior mostra a existência de outras línguas em contato com o Português. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2014), o Brasil é reconhecido como um dos países com a maior diversidade linguística do mundo. Além de coexistirem cerca de 330 línguas, sendo que, 274 são línguas indígenas (IBGE, 2010) e 56 línguas de imigração (ALTENHOFEN, 2013), além das línguas de sinais, destacamos também que existem diferentes variedades do Português faladas no Brasil, sendo, portanto, possível o contato linguístico entre diferentes variedades de uma mesma língua e o contato linguístico entre diferentes línguas. Esta realidade, portanto, invalida o mito de que existe uniformidade linguística brasileira. Nesta direção, sendo o Brasil um país diverso linguisticamente, consequentemente temos também que considerar a presença da diversidade de ideias, sociais, culturais e identitárias, mostrando que o que entra em contato não são somente as línguas, mas também situações políticas, sociais e culturais que caracterizam um cenário sociolinguístico (ALTENHOFEN, 2008). Além disso, consideramos que as línguas em contato estão ligadas ao conceito de bilinguismo. De acordo com Appel e Muysken (1987), o contato linguístico é visto como um fenômeno que, dada as suas características de interações entre línguas, inevitavelmente é levado ao bilinguismo. Quanto ao bilinguismo, este é definido por Grosjean (1996), como uma situação linguística que envolve um indivíduo que fala duas ou mais línguas, incluindo também nessa definição os dialetos. Segundo ele, os bilíngues, necessariamente, não são pessoas fluentes nas quatro habilidades de uma língua oral (i.e., falar, ouvir, escrever e ler): Nós conceituamos bilíngues aquelas pessoas que usam duas (ou mais) línguas (ou dialetos) em suas vidas cotidianas. Assim, a nossa definição inclui pessoas que vão desde o trabalhador migrante que fala com alguma dificuldade a língua do país de acolhimento (e que não sabe ler e escrever), até o intérprete profissional, em uma situação totalmente distinta, que é plenamente fluente em dois idiomas. Encontramos entre nós o cônjuge estrangeiro que interage com os amigos em sua primeira língua, o cientista que lê e escreve artigos em uma segunda língua (mas que raramente fala a segunda língua), o membro de uma minoria linguística que usa a língua minoritária em casa e a majoritária em todos os outros espaços da vida, a pessoa surda que usa a língua de sinais com seus amigos, mas oraliza com uma pessoa ouvinte, etc. Apesar da grande diversidade que existe entre essas pessoas, todos compartilham uma característica comum: eles conduzem suas vidas com duas (ou mais) línguas (GROSJEAN, 1996, p. 1-2). 128 Assim, de acordo com o autor, ser bilíngue não significa ter domínio de modo idêntico das habilidades ler, ouvir, falar e escrever para as línguas orais, e as habilidades produzir e compreender relacionadas às línguas de sinais. Para Grosjean (1996), os indivíduos conduzem as suas vidas com duas ou mais línguas, e isso não significa que elas dominam as línguas de uma mesma maneira, e nem por isso, deixam de ser pessoas bilíngues. Outra questão relevante em relação ao contato linguístico são os seus tipos. Conforme Altenhofen (2008), existem pelo menos seis tipos de contato linguístico: a) Português e línguas autóctones (indígenas), b) Português e línguas afro-brasileiras, c) Português e línguas alóctones (de imigração), d) Português como língua alóctone em contato com línguas oficiais, e) Português e línguas co-oficiais em contato, f) contatos linguísticos de fronteira com países vizinhos e contatos entre falantes de variedades regionais do Português. Essas variedades de contatos mostram que o Brasil é um país heterogêneo linguística, social e culturalmente. Esta diversidade mostra ainda que não existe uniformidade linguística no país, ou seja, não é um país monolíngue. DICA Para melhor compreender o assunto Contato linguístico sugerimos que assista ao vídeo, “Contato de línguas”, organizado e apresentado pela Parábola Editorial e com a fala de Marcos Bagno. O link para acesso é: https:// www.youtube.com/watch?v=L3KatEz2z0E. INTERESSANTE Outra sugestão que trazemos é a plataforma “Localingual”. Uma plataforma on-line que mostra sotaques de diferentes regiões. Através da “Localingual”, você pode ouvir e conhecer pronúncias de diferentes países e estados brasileiros. O link para acesso é: https:// localingual.com/?ISO=BR. https://www.youtube.com/watch?v=L3KatEz2z0E https://www.youtube.com/watch?v=L3KatEz2z0E https://localingual.com/?ISO=BR https://localingual.com/?ISO=BR 129 LEITURA INTERESSANTE A seguir, trazemos um trecho do artigo “Línguas de sinais de fronteiras: o caso da LSV no Brasil” de Paulo Jeferson Pilar Araújo e Thaisy Bentes. Neste texto, os autores abordam os estudos sobre a Língua de Sinais Venezuelana-LSV, propondo seu estatuto de língua de fronteira no Brasil, sendo um acréscimo interessante para as discussões efetuadas até este momento de nosso Tópico. LÍNGUAS DE SINAIS DE FRONTEIRAS: O CASO DA LSV NO BRASIL Paulo Jeferson Pilar Araújo e Thaisy Bentes [...] Para a caracterização de uma LS da fronteira, Quadros e Silva (2017, p. 143), dividem as comunidades surdas em três categorias, conforme segue: as línguas de sinais nacionais, que desfrutam de algum reconhecimento e/ou políticas linguísticas que as colocam como língua oficial da comunidade surda de seus respectivos países; as línguas de sinais nativas, faladas em pequenas comunidades pouco ou nada urbanizadas, em geral distantes dos grandes centros, que apresentam grande incidência de surdez; e as línguas de sinais originais, que também eram faladas por pequenas comunidades de surdos previamente à instituição de uma língua de sinais nacional no país. As categorias utilizadas pelas autoras são baseadas muito mais em termos geopolíticos, especialmente para distinguir as nacionais das nativas. Para a categoria de LSs originais depreende-se que haja um fator histórico que as colocam como antecessoras da inserção de alguma outra língua considerada majoritária. A classificação proposta pode servir didaticamente, no entanto, verifica- se que a distinção entre línguas originais de nativas se dá apenas pelo fato de as primeiras serem encontradas em comunidades indígenas brasileiras, conforme quadro apresentado em uma série de publicações (QUADROS; SILVA, 2017; SILVA; QUADROS, 2019; QUADROS, 2019), nas quais são apresentadas cerca de seis LSs originais e seis nativas. O número de LSs originais pode aumentar à medida que pesquisadores e estudiosos, linguistas ou não, “descobrem” e se preocupam com a documentação de uma “nova” língua de sinais rural/de vila. 130 Na proposta original das Quadros e Silva (2017), as comunidades surdas contempladas são apenas aquelas consideradas como originárias do Brasil. Ficam de fora as possíveis situações de LSs de fronteira e migração. Compreende-se perfeitamente tal exclusão por focalizarem as línguas do Brasil e não no Brasil, além de ser de difícil informação a situação de LSs em contexto de fronteira ou migração tanto no contexto brasileiro como internacional. Por outro lado, entende- se que atentar paraa existência de LSs exógenas no território brasileiro é justo para complementar o quadro de línguas de herança e de migração presentes no território brasileiro, a exemplo das línguas pomerana, talian e hunsrückisch, para mencionarmos as mais conhecidas. Como língua de fronteira podemos apontar o espanhol fronteiriço e sua variedade de contato mais conhecida: o portunhol (STURZA, 2019). Defendemos neste artigo a categoria de língua de fronteira para a LSV por esta estar presente em Roraima há um tempo considerável e começar a ser utilizada também por surdos e ouvintes brasileiros. Com a dinâmica das populações nacionais no mundo globalizado, o fenômeno migratório deixa de ser encarado como marginal para mostrar-se como de importância para se entender as dinâmicas sociais. O exemplo a ser considerado neste trabalho é a crise migratória venezuelana e seus impactos no Brasil. Desde o acirramento da crise política e econômica na Venezuela, a partir de 2015, o estado de Roraima tem recebido um número expressivo de migrantes do país vizinho. No bojo dessa crise migratória, comunidades surdas são também atingidas. A partir de 2016 começamos a perceber a relação de surdos brasileiros com surdos venezuelanos de uma forma mais intensa. Logo em meados de 2017 foi possível assistir a eventos acadêmicos promovidos pela Universidade Federal de Roraima- UFRR com uma participação considerável de surdos venezuelanos o que ensejou a participação de intérpretes não apenas de Libras-português, como também de LSV- espanhol e Libras-LSV. Observar a interação entre as línguas portuguesa, espanhola, Libras e LSV em um mesmo ambiente levantou a questão de se conhecer melhor que LS era essa que alguns surdos brasileiros estavam aprendendo. Esse processo de aprendizagem da LSV como L2 por parte de surdos brasileiros e a aprendizagem da Libras L2 por parte dos surdos venezuelanos provocou um fenômeno pouco descrito na literatura sobre contato de LSs: o contato entre duas línguas de sinais, ou seja, contato intermodal ou unimodal (ARAÚO; BENTES, 2018). Tal situação não é inédita na linguística das línguas de sinais, é o caso do contato entre a Língua de Sinais Mexicana-LSM e a Língua de Sinais Americana-ASL4 (QUINTO-POZOS, 2002), para ficarmos com um caso semelhante devido a questões migratórias. Encarar a LSV como língua de fronteira, e mais, língua de sinais da fronteira traz maior visibilidade para essa língua e para os seus 131 sinalizantes, além de chamar a atenção dos estudiosos para a existência de línguas na modalidade visuoespacial na categoria de línguas de fronteira e imigração no Brasil. Tomando como premissa o estatuto de língua de fronteira e de migração para a LSV, nos detemos sobre a situação dessa língua em seu contexto nacional e transnacional. O caso da LSV na Venezuela e no Brasil Nesta seção, alguns pontos para contextualizar os movimentos e as fronteiras da LSV são apresentados, não de forma exaustiva, mas muito mais um panorama sobre essa língua entre Venezuela e Brasil. O primeiro desafio para quem se coloca na tarefa de conhecer a LSV fora da Venezuela é a pouca acessibilidade ao material acadêmico ou não, produzido sobre essa língua. No Brasil, contamos com uma publicação específica com um capítulo voltado para um panorama da situação educacional e linguística dos surdos da Venezuela (LUQUE; PÉREZ, 2017). Fora trabalhos esparsos e mais atuais como o de Luque e Pérez (2017), as informações sobre a comunidade surda venezuelana e a LSV são de difícil acesso. Boa parte dos trabalhos produzidos entre as décadas de 1980 e 1990 estão em formato mimeografado nas bibliotecas universitárias do país vizinho. Praticamente toda informação mais acessível sobre a LSV se encontra no website6 organizado pelo linguista Alejandro Oviedo, além de suas próprias publicações, tornando-o uma das principais referências sobre essa LS. Tal fato é corroborado por Luque e Pérez (2017, p. 125) que apontam a decisão do referido linguista de residir na Alemanha como um dos fatores que deixou os estudos sobre a LSV mais escassos. Especificamente sobre os estudos linguísticos voltados para a LSV, Luque e Pérez (2017) dividem os trabalhos em dois períodos: de 1987 a 1993 e de 1994 a 2016. Nesses dois períodos a presença de Oviedo é essencial. Na primeira, com o protagonismo de Lourdes Pietrosemoli, o grupo de linguistas por ela liderados conduzem as primeiras investigações sobre a LSV, se ocupando principalmente sobre a questão de a LSV ser ou não uma língua natural. Esse primeiro período foi marcado ainda pelo trabalho de linguistas e professores em escolas de Educação Básica nas quais havia a presença de alunos surdos. No segundo período compreendido entre 1994 e 2016 verifica-se o que parecer ser a consolidação dos estudos linguísticos da LSV, tendo investigações em praticamente todos os níveis de análise: fonética/fonologia, morfologia, sintaxe, semântica/pragmática e discurso. As autoras enumeram 11 pontos de análises dos quais se destacam: a análise de narrativas em LSV realizada por Oviedo no qual o autor faz uso do traço C+ “como marca gramatical que permite introduzir na narrativa informações que tem a ver com os participantes e não com eventos” (LUQUE; PÉREZ, 2017, p. 125); a classificação de verbos em não direcionais, subdivididos em verbos simples e demonstrativos. Estes últimos subdivididos ainda em ‘sinalizadores mediante deslocamento’ e reversíveis. A segunda categoria 132 de verbos são os verbos espaciais, subdivididos ainda em verbos de trajetória, de ação-processo e de locação. Os classificadores da LSV receberam uma descrição de Oviedo (2004). A LSV conta possivelmente com cerca de 114 configurações de mão (CM) e 43 marcadores com diversas funções no discurso. Conforme informações retiradas do site Cultura Sorda, não existe ainda uma padronização da LSV, dado confirmado por Pérez (2007) que defende o protagonismo dos próprios surdos na padronização da sua língua materna. No entanto, sabe-se que os processos de padronização sofrem grande influência dos trabalhos acadêmicos e nos processos de gramatização e dicionarização de línguas. Tal fato pode levar a uma possível norma eleita pelas variedades descritas e disseminadas nos estudos linguísticos ou por comunidades surdas venezuelanas detentoras de algum prestígio social. Com o grande fluxo migratório de venezuelanos para o Brasil, passando pela cidade de Pacaraima a cerca de 200km de Boa Vista, o contato entre as comunidades surdas venezuelanas e brasileiras foi intensificado. Com uma população estimada em 605 mil em 2019, Roraima conta com cerca de 50 mil imigrantes venezuelanos, de acordo com dados da Prefeitura de Boa Vista. Esses números, porém, podem estar superados. A cidade de Boa Vista possui abrigos voltados para a população de imigrantes, mas insuficientes, o que provoca o aumento no número de moradores de rua na capital. Dentre os diversos impactos decorrentes da imigração, o crescimento populacional e a diversificação da oferta de serviços são impactados diretamente. Para a população surda venezuelana que ingressou no país os dados são desconhecidos ou inexistentes. Sabe-se da presença dos surdos imigrantes principalmente via instituições religiosas como a Pastoral do Surdo ligada à Igreja Católica. A Pastoral chega a atender em média 20 surdos venezuelanos diretamente. Os surdos imigrantes são vistos geralmente na entrada de agências bancárias ou semáforas da cidade como pedintes. Em outros espaços, como o universitário, é comum a participação dos mesmos em eventos promovidos pelo Curso de Letras- Libras da Universidade Federal de Roraima. A interação entre a comunidade surda venezuelana com a comunidade surda brasileira é inevitável, o que não impede, infelizmente, a existência de eventos xenofóbicos contra surdos venezuelanos. É possível observar a presença de intérpretes de LSV em espaços religiosos como missas e eventos acadêmicos, porémem instituições como hospitais, cartórios etc., os surdos venezuelanos contam com o auxílio de amigos brasileiros que saibam Libras e português para se comunicarem. A posição da Libras como língua de uso faz com que os surdos 133 venezuelanos busquem aprendê-la como L2. Portanto, o contato entre surdos das duas nacionalidades é também o contato entre a Libras e a LSV. Dessa forma, ambas as línguas estão propensas a passar por processos típicos do contato linguístico, como detalhamos na seção que se segue. [...] FONTE: ARAÚJO, P. J. P.; BENTES, T. Línguas de sinais de fronteiras: o caso da LSV no Brasil. Revista Humanidades e Inovação v. 7, n. 26, 2020. Disponível em: https://revista.unitins.br/index.php/hu- manidadeseinovacao/article/view/3214. Acesso em: 6 jun. 2022. NOTA Apresentamos a você um trecho do livro “Ideias para ensinar português para alunos surdos”, das autoras Ronice Müller de Quadros e Magali L. P. Schmiedt. Nesse texto, as autoras focam nas línguas que fazem parte do cotidiano do aluno surdo, destacando a importância da língua de sinais na vida da pessoa surda, bem como da educação bilíngue. 134 EDUCAÇÃO BILÍNGUE NO CONTEXTO DO ALUNO SURDO Ronice Müller de Quadros Magali L. P. Schmiedt O que é afinal educação bilíngue Educação bilíngue envolve, pelo menos, duas línguas no contexto educacional. As diferentes formas de proporcionar uma educação bilíngue a uma criança em uma escola dependem de decisões político-pedagógicas. Ao optar-se em oferecer uma educação bilíngue, a escola está assumindo uma política linguística em que duas línguas passarão a coexistir no espaço escolar, além disso, também será definido qual será a primeira língua e qual será a segunda língua, bem como as funções que cada língua irá representar no ambiente escolar. Pedagogicamente, a escola vai pensar em como estas línguas estarão acessíveis às crianças, além de desenvolver as demais atividades escolares. As línguas podem estar permeando as atividades escolares ou serem objetos de estudo em horários específicos dependendo da proposta da escola. Isso vai depender de “como”, “onde”, “quando” e “de que forma” as crianças utilizam as línguas na escola. Esse fator, provavelmente, será influenciado pelas funções que as línguas desempenham fora da escola. No caso do aluno surdo, a educação bilíngue vai apresentar diferentes contextos dependendo das ações de cada munícipio e de cada estado brasileiro. Em alguns estados, há escolas bilíngues para surdos em que a língua de instrução é a língua de sinais e a língua portuguesa é ensinada como 2ª língua. Em outros estados, Libras é língua de instrução e o português é ensinado como segunda língua nas salas de aula das turmas das séries iniciais do ensino fundamental. Nas demais séries, a língua portuguesa é a língua de instrução, mas há a presença de intérpretes de língua de sinais nas salas de aula e o ensino de língua portuguesa, como segunda língua para os surdos, realiza-se na sala de recursos. Ainda há estados em que os serviços de intérprete de língua de sinais estão presentes desde o início da escolarização. Nesse contexto, nas séries iniciais, os intérpretes acabam assumindo a função de professores, utilizando a língua de sinais como língua de instrução. Há, ainda, estados em que professores desconhecem libras e a escola não tem estrutura ou recursos humanos para garantir aos alunos surdos o direito à educação, à comunicação e à informação. LEITURA COMPLEMENTAR 135 Independentemente do contexto de cada estado, a educação bilíngue depende da presença de professores bilíngues. Assim, pensar em ensinar uma segunda língua, pressupõe a existência de uma primeira língua. O professor que assumir esta tarefa estará imbuído da necessidade de aprender a língua brasileira de sinais. Aquisição das línguas e a criança surda Quase que em paralelo com os estudos das línguas de sinais, iniciaram-se as pesquisas sobre o processo de aquisição da linguagem em crianças surdas filhas de pais surdos (Meier, 1980; Loew, 1984; Lillo-Martin, 1986; Petitto, 1987). Essas crianças apresentam o privilégio de terem acesso a uma língua de sinais em iguais condições ao acesso que as crianças ouvintes têm a uma língua oral-auditiva2. No Brasil, a língua de sinais começou a ser investigada na década de 80 (Ferreira-Brito, 1986) e a aquisição dessa língua, nos anos 90 (Karnopp, 1994; Quadros, 1995)3. Esses estudos concluíram que o processo das crianças surdas adquirindo língua de sinais ocorre em período análogo à aquisição da linguagem em crianças adquirindo uma língua oral-auditiva. O fato do processo de aquisição da linguagem ser concretizado por meio de línguas visuais-espaciais, exige uma mudança nas formas como essa questão vem sendo tratada na educação de surdos. As crianças com acesso a língua de sinais desde muito cedo, desfrutam da possibilidade de adentrar o mundo da linguagem com todas as suas nuanças. A língua de sinais vai ser adquirida por crianças surdas que tiverem a experiência de interagir com usuários de língua de sinais. Se isso acontecer, por volta dos dois anos de idade, as crianças estarão produzindo sinais usando um número restrito de configurações de mão (sugere-se que tal número corresponda a sete configurações de mão), bem como simples combinações de sinais expressando fatos relacionados com o interesse imediato, com o “aqui” e o “agora”. Configurações de mãos formam um conjunto de unidades fonológicas mínimas das línguas de sinais (poder-se-ia estabelecer uma relação com as unidades sonoras das línguas faladas). As crianças nesta fase começam a marcar sentenças interrogativas com expressões faciais concomitantes com o uso de sinais (palavras) para expressar sentenças interrogativas (QUEM, O QUE e ONDE). Nesse período, também é verificado o início do uso da negação não manual através do movimento da cabeça para negar, bem como o uso de marcação não manual para confirmar expressões comuns na produção do adulto. As expressões faciais são marcas não-manuais que pode apresentar funções gramaticais tornando-se obrigatórias. Nesses casos, menciono como exemplos, as expressões faciais associadas às interrogativas, às construções com foco, às construções relativas e condicionais (para mais detalhes, ver Quadros, 1999). 136 Também se observa que as crianças começam a introduzir classificadores nos seus vocabulários. “Classificadores” são sinais que utilizam um conjunto específico de configurações de mãos para representar objetos incorporando ações. Tais classificadores são gerais e independem dos sinais que identificam tais objetos. É um recurso bastante produtivo que faz parte das línguas de sinais. Para a descrição de alguns classificadores na língua de sinais brasileira ver Ferreira-Brito (1995). Por volta dos três anos de idade, as crianças tentam usar configurações mais complexas para a produção de sinais, mas frequentemente tais tentativas acabam sendo expressas através de configurações de mãos mais simples (processos de substituição). Os movimentos característicos dos sinais continuam sendo simplificados, embora já se observe o uso da direção dos movimentos com êxito em alguns contextos. Classificadores são usados para expressar formas de objetos, bem como o movimento e trajetórias percorridos por tais objetos. Aspecto começa a ser incorporado aos sinais para expressar diferenças entre ações (por exemplo, CORRER devagar, CORRER rápido). A criança começa a estender as marcas de negação sobre sentenças assim como os adultos fazem, inclusive omitindo o item lexical de negação. As crianças, também, já utilizam estruturas interrogativas de razão (POR QUE). Nesse período, as crianças começam a contar estórias que não necessariamente estejam relacionadas aos fatos do contexto imediato. Elas falam de algum fato ocorrido em casa, sobre o bichinho de estimação, sobre o brinquedo que ganhou etc., no entanto, às vezes, não fica claro o estabelecimento dos referentesno espaço, o que dificulta o entendimento das estórias. Por volta dos quatro anos de idade, as crianças já apresentam condições de produzir configurações de mãos bem mais complexas, bem como o uso do espaço para expressar relações entre os argumentos, ou seja, as crianças exploram os movimentos incorporados aos sinais de forma estruturada. A partir desse período, elas começam a combinar unidades de significado menores para formar novas palavras de forma consistente. Nesse período, começam a ser observadas a produção de sentenças mais complexas incluindo topicalizações. As expressões faciais são usadas de acordo com a estrutura produzida, isto é, as produções não manuais das interrogativas, das topicalizações e negações são produzidas corretamente. As crianças ainda não conseguem conservar os pontos estabelecidos no espaço quando contam suas estórias, apesar de já serem observadas algumas tentativas com sucesso. Aos poucos, torna-se mais claro o uso da direção dos olhos para concordância com os argumentos, bem como o jogo de papéis desempenhado através da posição do corpo explorados para o relato de estórias. Na verdade, nas análises da produção das crianças adquirindo a língua de sinais brasileira foi observado que a direção dos olhos é usada consistentemente por volta dos 2 anos de idade. O uso da concordância verbal através do olhar é uma das informações 137 que garante a compreensão do discurso da criança durante este período tão precoce. O contexto em que esse processo de aquisição acontece é aquele em que as crianças têm a chance de encontrar o outro surdo, ou seja, além de ver os sinais, ela precisará ter escutas em sinais (Souza, 2000). A escola torna-se, portanto, um espaço linguístico fundamental, pois normalmente é o primeiro espaço que a criança surda entra em contato com a língua brasileira de sinais. Por meio da língua de sinais, a criança vai adquirir a linguagem. Isso significa que ela estará concebendo um mundo novo usando uma língua que é percebida e significada ao longo do seu processo. Todo esse processo possibilita a significação por meio da escrita que pode ser na própria língua de sinais, bem como, no português. Como diz Karnopp (2002), as pessoas não constroem significados em vácuo. O português ainda é a língua significada por meio da escrita nos espaços educacionais que se apresentam a criança surda. A sua aquisição dependerá de sua representação enquanto língua com funções relacionadas ao acesso às informações e comunicação entre seus pares por meio da escrita. Entre os surdos fluentes em português, o uso da escrita faz parte do seu cotidiano por meio de diferentes tipos de produção textual, em especial, destaca-se a comunicação através do celular, de chats e e-mails. No entanto, atualmente a aquisição do português escrito por crianças surdas ainda é baseada no ensino do português para crianças ouvintes que adquirem o português falado. A criança surda é colocada em contato com a escrita do português para ser alfabetizada em português seguindo os mesmos passos e materiais utilizados nas escolas com as crianças falantes de português. Várias tentativas de alfabetizar a criança surda por meio do português já foram realizadas, desde a utilização de métodos artificiais de estruturação de linguagem até o uso do português sinalizado. No Brasil, os métodos artificiais de estruturação de linguagem mais difundidos foram a Chave de Fitzgerald e o de Perdoncini. Português sinalizado é um sistema artificial adotado por escolas especiais para surdos. Tal sistema toma sinais da língua de sinais e joga-os na estrutura do português. Há vários problemas com esse sistema no processo educacional de surdos, pois além de desconsiderar a complexidade linguística da língua de sinais brasileira, é utilizado como um meio de ensino do português. A criança surda pode ter acesso a representação gráfica da língua portuguesa, processo psicolinguístico da alfabetização e a explicitação e construção das referências culturais da comunidade letrada. A tarefa de ensino da língua portuguesa tornar-se-á possível, se o processo for de alfabetização de segunda língua, sendo a língua de sinais reconhecida e efetivamente a primeira língua. 138 Nesse processo, há vários momentos em que se faz necessária a análise implícita e explícita das diferenças e semelhanças entre a língua de sinais brasileira e o português. Nesse sentido, há processos em que ocorre a tradução dos conhecimentos adquiridos na língua de sinais, dos conceitos, dos pensamentos e das ideias para o português. Ao fazer a análise explícita entre as duas línguas, estamos utilizando a linguística contrastiva, ou seja, estamos comparando as semelhanças e diferenças entre as línguas em seus diferentes níveis de análise. Por exemplo, na língua portuguesa temos um conjunto de preposições que estabelecem algum tipo de relação entre o verbo e o resto da oração. Na língua de sinais, esta relação é estabelecida pelo uso do espaço incorporado ao verbo ou da indicação (apontação). O ensino do português pressupõe a aquisição da língua de sinais brasileira – “a” língua da criança surda. A língua de sinais também apresenta um papel fundamental no processo de ensino-aprendizagem do português. A ideia não é simplesmente uma transferência de conhecimentos da primeira língua para a segunda língua, mas sim um processo paralelo de aquisição e aprendizagem em que cada língua apresenta seus papéis e valores sociais representados. FONTE: QUADROS, R. M. de; SCHMIEDT, M. L. P. Ideias para ensinar português para alunos surdos. Brasília: MEC, SEESP, 2006. Págs. 18 a 24. 139 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você aprendeu: • O cenário sociolinguístico brasileiro é marcado por uma diversidade linguística, social e cultural. No Brasil, estima-se que coexistem cerca de 330 línguas, destas, 274 são línguas indígenas (IBGE, 2010) e 56 línguas de imigração. • Além da Libras, oficializada pela Lei Federal Nº 10.436, de 24 de abril de 2002, o Brasil possui pelo menos duas línguas que já foram documentadas: a língua de sinais de Urubu-Kaapor no Estado do Maranhão e a língua de sinais conhecida como “Cena”, falada na cidade de Jaicós, no povoado de Várzea Queimada, no interior do Piauí, ambas na região Nordeste do Brasil. • As línguas de sinais são reconhecidas como de modalidade gestual-visual. Além disso, as línguas de sinais são também línguas naturais, pois surgiram da interação espontânea entre indivíduos. • As línguas de sinais não são pantomimas e nem universais. Elas possuem gramática própria, além dos níveis linguísticos, fonológico, morfológico, semântico, sintático e pragmático, o que possibilita aos seus usuários expressarem diferentes tipos de significados, dependendo da necessidade comunicativa e expressiva do indivíduo. • Em Roraima, Norte do Brasil, além do Português, em seu cenário sociolinguístico destacam-se as línguas indígenas, de imigração e línguas de sinais também estão presentes nessa região. Quanto às línguas indígenas destacam-se: Carib, Aruaque e Yanomami, além das línguas de sinais: Libras e a Língua de Sinais Venezuelana-LSV • De acordo com os autores, Raso, Mello e Altenhofen (2011, p. 47) “todo uso da língua em interação pressupõe um contato linguístico, e que o que entra em contato são, antes de tudo, modos de falar individuais (idioletos) identificados com variedades linguísticas específicas”. • O Brasil é um país diverso linguisticamente, consequentemente temos também que considerar a presença da diversidade de ideias, sociais, culturais e identitárias, mostrando que o que entra em contato não são somente as línguas, mas também situações políticas, sociais e culturais que caracterizam um cenário sociolinguístico (ALTENHOFEN, 2008). • O contato linguístico é visto como um fenômeno que, dada as suas características de interações entre línguas, inevitavelmente é lavado ao bilinguismo. 140 • Existem pelo menos seis tipos de contato linguístico:a) Português e línguas autóctones (indígenas), b) Português e língua afro-brasileiras, c) Português e línguas alóctones (de imigração), d) Português como língua alóctone em contato com línguas oficiais, e) Português e línguas co-oficiais em contato, f) contatos linguísticos de fronteira com países vizinhos e contatos entre falantes de variedades regionais do Português. 141 1 Nos debates sobre contato linguístico, estão inseridas as discussões que tratam das diferentes variedades relacionadas ao local em que os indivíduos vivem, tendo isso em mente, analise a história em quadrinhos abaixo em que o diálogo apresentado mostra uma situação de contato linguístico: QUADRINHO SOBRE VARIAÇÃO LINGUÍSTICA AUTOATIVIDADE FONTE: <https://bit.ly/3LTfdPX>. Acesso em: 13 ago. 2021. Marque a alternativa CORRETA sobre o tipo de contato em evidência nesta história em quadrinhos. a) ( ) Português e línguas afro-brasileiras. b) ( ) Português e línguas autóctones (indígenas). c) ( ) Contato linguístico entre falantes de variedades regionais do Português. d) ( ) Português e línguas alóctones (de imigração). 2 Os contatos linguísticos são delimitados a partir do momento em que indivíduos falantes ou sinalizantes de línguas diferentes se relacionam por e através da língua, deste modo, interagem linguisticamente. Contudo, este contato não se dá apenas em relação ao uso de expressões ou acréscimo de léxico, pois no conceito de contato linguístico pode ser delimitado como: a) ( ) O conceito de contato linguístico exclui os aspectos políticos, culturais, identitários e sociais da língua. b) ( ) As línguas de sinais estão em contato somente com outras línguas de sinais. c) ( ) Não existe contato linguístico no Brasil, considerando que ele é um país monolíngue. d) ( ) O que entra em contato não são somente as línguas, mas também situações políticas, sociais e culturais que caracterizam um cenário sociolinguístico. 3 As línguas naturais são aquelas que surgem a partir da capacidade inata da mente humana compreender e de desenvolver a partir de uma organização que se divide em uma estrutura imaterial que apresenta normas, regras e delimitações amplas e, 142 ao mesmo tempo, limitadas, ou seja, a língua permite que falemos ou sinalizemos muitas coisas de inúmeras maneiras, mas não de qualquer maneira. Assim, DISSERTE sobre o porquê de as línguas de sinais serem consideradas línguas naturais. 4 O contato linguístico é a relação existente entre duas ou mais línguas que se dá através das relações comunicativas entre indivíduos. Deste modo, dadas as suas características de interações entre as línguas, é visto como um fenômeno que levará, inevitavelmente, a uma situação em que os sujeitos envolvidos neste contato serão capazes de utilizar duas ou mais línguas de acordo com o contexto comunicativo em que estiverem envolvidos. Assinale a alterativa em que está escrito o nome desta situação na qual os indivíduos são capazes de se movimentar comunicativamente em duas ou mais línguas: a) ( ) Bilinguismo. b) ( ) Monolinguismo. c) ( ) Interlíngua. d) ( ) Separação das línguas. 5 De acordo com os autores, Raso, Mello e Altenhofen (2011, p. 47), “todo uso da língua em interação pressupõe um contato linguístico, e que o que entra em contato são, antes de tudo, modos de falar individuais (idioletos) identificados com variedades linguísticas específicas”. Essa afirmação dos autores está relacionada às discussões sobre o contato entre as línguas, disserte sobre as questões referentes aos modos de sinalizar individuais em relação à Libras e à discussão sobre contato linguístico, tendo em vista as diferenças encontradas nas diferentes sinalizações para um mesmo referente, por exemplo, PAI que tem diferentes maneiras de ser realizado, conforme as sinalizações a seguir, retiradas de Silva (2015), p. 4-5: HOMEM + BÊNÇÃO PAI FONTE: Adaptado de Silva, 2015, p. 4-5. FONTES: RASO, T.; MELLO, H.; ALTENHOFEN, C. V. Os contatos linguísticos e o Brasil – Dinâmicas pré-histó- ricas, históricas e sociopolíticas. In: MELLO, H.; ALTENHOFEN, C. V.; RASO, T. (Org.). Os contatos linguísti- cos no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011. p. 13-56. SILVA, S. G. de L. Variação sociolinguística na língua brasileira de sinais: o caso dos sinais mãe e pai em Florianó- polis. In.: Revista Linguasagem: Revista Eletrônica de Popularização Científica em Ciências da Linguagem - Edição 22 - v. 22 n. 1 (2015). Departamento de Letras e do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Disponível em: https://bit.ly/3SCJKDS.Acesso em 10 jun. 2022. 143 REFERÊNCIAS ALTENHOFEN, C. V. Bases para uma política linguística das línguas minoritárias no Brasil. In: NICOLAIDES, C. et al. (Orgs.). Política e Políticas Linguísticas. Campinas, SP: Pontes Editores, 2013, p. 93-116. ALTENHOFEN, C.; MARGOTTI, F. W. O português de contato e o contato com as línguas de imigração no Brasil. In: MELLO, H.; ALTENHOFEN, C.; RASO, T. (Orgs.). Os contatos linguísticos no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011. ALTENHOFEN, C. V. Os contatos linguísticos e seu papel na realização do português falado no Sul do Brasil. In: ELIZAINCÍN, Adolfo & ESPIGA, Jorge (Orgs.). Español y portugués: fronteiras e contatos. Pelotas: UCPEL, 2008, p. 129-164. ARAÚJO, P. J. P.; BENTES, T. Línguas de sinais de fronteiras: o caso da LSV no Brasil. Revista Humanidades e Inovação v. 7, n. 26, 2020. Disponível em: https://revista.unitins. br/index.php/humanidadeseinovacao/article/view/3214 Acesso em: 6 jun. 2022. ARAÚJO, P. J. P.; BENTES, T. Jogos de sinais híbridos e empréstimos do português na Língua Brasileira de Sinais-Libras. Revista Linguística. v. 13, n. 3 (2017), p. 150-173. APPEL, R.; MUYSKEN, P. Language contact and bilingualism. New York: Edward Arnold, 1987. BAGNO, M. Preconceito linguístico: o que é, como se faz? 49. ed. São Paulo: Loyola, 2007. BRASIL. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Diário Oficial da União, Brasília, 23 dez. 2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil03/ato2004- 2006/2005/decreto/d5626.htm. Acesso em: 12 abr. 2021. BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 25 abr. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm. Acesso em: 12 abr. 2021. BRITO, L. F. et. al. Língua Brasileira de Sinais-Libras. (Org.). BRASIL, Secretaria de Educação especial. Brasília: SEESP, 1998. https://revista.unitins.br/index.php/humanidadeseinovacao/article/view/3214 https://revista.unitins.br/index.php/humanidadeseinovacao/article/view/3214 144 BRITO, L. F. Integração social e educação de surdos. Rio de Janeiro: Babel, 1993. CAVALCANTI, M. 2011. Multilinguismo, transculturalismo e o (re)conhecimento de contextos minoritários, minoritarizados e invisibilizados. In: MAGALHÃES, M. C. C.; FIDALGO, S.S. (Orgs.). Questões de Método e de Linguagem na Formação Docente. Campinas: Mercado de Letras. p. 171-185. CAPOVILLA, F. C. Filosofias educacionais em relação ao surdo: do oralismo à comunicação total ao bilinguismo. Revista Brasileira de Educação Especial, v. 6, n. 1, p. 99-116, 2000. Disponível em: https://abpee.net/pdf/artigos/art-6-6.pdf. Acesso em: 25 jun. 2021. CICCONE, M. Comunicação total. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 1990. GERALDI, J. W. Concepções de linguagem e ensino de português. In: GERALDI, J. W. (Org.). O texto na sala de aula. 5. ed. São Paulo: Ática, 2011a. p. 39-46. GERALDI, J. W. et al. (Orgs.). O texto na sala de aula. 3. ed. São Paulo: Ática, 2011b. GESSER, A. LIBRAS? Que língua é essa? Crenças e preconceitos em torno da língua de sinais e da realidade surda. São Paulo: Parábola, 2009.GESUELI, Z. M. Lingua(gem) e identidade: a surdez em questão. In.: Educ. Soc., Campinas, vol. 27, n. 94, p. 277-292, jan./abr. 2006. Disponível em: https://www.scielo. br/j/es/a/3XVGL5KrfKmDVvvnRh5MXwL/?format=pdf&lang=pt Acesso em: 18 dez. 2021. GUARINELLO, A. C. O papel do outro na escrita de sujeitos surdos. São Paulo: Editora, 2007. GORSKI, E. Ensino de Língua Materna. Universidade Federal de Santa Catarina Licenciatura em Letras-Libras na Modalidade a Distância. Florianópolis 2010. GROSJEAN, F. Living with two languages and two cultures. In: Chapter in Parasnis, I. (Ed.). Cultural and Language Diversity and the Deaf Experience. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). A diversidade linguística como patrimônio cultural. Edição 80, de 23/06/2014. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_ content&view=article&id=3053&catid=28&Itemid=39. Acesso em: 23 set. 2021. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo 2010. Disponível em https://censo2010.ibge.gov.br/sobre-censo.html. Acesso em: 10 jun. 2022. https://www.scielo.br/j/es/a/3XVGL5KrfKmDVvvnRh5MXwL/?format=pdf&lang=pt https://www.scielo.br/j/es/a/3XVGL5KrfKmDVvvnRh5MXwL/?format=pdf&lang=pt https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=3053&catid=28&Itemid=39 https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=3053&catid=28&Itemid=39 https://censo2010.ibge.gov.br/sobre-censo.html 145 LACERDA, C. B. F. Um pouco da história das diferentes abordagens na educação dos surdos. Caderno CEDES [on-line], Campinas. v. 19, n. 46, p. 68-80, set. 1998. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ccedes/a/wWScZsyPfR68rsh4FkNNKyr/ abstract/?lang=pt Acesso em: 20 jan. 2021. LEFFA, V. J.; IRALA, V. B. (Orgs.). Uma espiadinha na sala de aula: ensinando línguas adicionais no Brasil. Pelotas: Educat, 2014. MCCLEARY, L. Sociolinguística. Universidade Federal de Santa Catarina Licenciatura e Bacharelado em Letras-Libras na Modalidade a Distância. Florianópolis, 2009. Disponível em https://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoBasica/ sociolinguistica/assets/547/TEXTO-BASE_Sociolinguistica.pdf. Acesso em: 6 jun. 2022. MILROY, J. Ideologias linguísticas e as consequências da padronização. In: LAGARES, X. C.; BAGNO, M. Políticas da norma e conflitos linguísticos. Tradução de Marcos Bagno. São Paulo: Parábola Editorial, 2011. p. 49-87. MOITA LOPES, L. P. (Org.). 2013. O português no século XXI: Cenário geopolítico e sociolinguístico. São Paulo: Parábola. PERLIN, G.; STROBEL, K. Fundamentos da educação de surdos. Universidade Federal de Santa Catarina Licenciatura e Bacharelado em Letras/ Língua Brasileira de Sinais. Florianópolis, 2008. PORFÍRIO, F. Estruturalismo. Brasil Escola. 2018. Disponível em: https://brasilescola. uol.com.br/sociologia/estruturalismo.htm. Acesso em: 18 dez. 2021. QUADROS, R. M.; KARNOOP L. B. Língua de sinais brasileira: estudos linguísticos. Porto Alegre: Artes Médicas, 2004. QUADROS, R. M. de. Bilinguismo. In: Educação de surdos: aquisição da linguagem. Porto Alegre: Artmed, 1997. p. 21-43. QUADROS, R. M. de; SCHMIEDT, M. L. P. Ideias para ensinar português para alunos surdos. Brasília: MEC, SEESP, 2006. pp. 18 a 24. Disponível em: http://portal.mec.gov. br/seesp/arquivos/pdf/port_surdos.pdf. Acesso em: 10 jun. 2022. ROSA, E. F.; POTIN, B. R. Neologismos na Libras. In.: CLAUDIO, J. P.; VARGAS, R. (Orgs.). Encontro Nacional de Libras no RS (2012: Porto Alegre, RS). Anais [recurso eletrônico]. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2015. Disponível em: https://editora.pucrs.br/ anais/encontro-nacional-libras/assets/2.pdf. Acesso em: 6 jun. 2022. RASO, T.; MELLO, H.; ALTENHOFEN, C. V. Os contatos linguísticos e o Brasil – Dinâmicas pré-históricas, históricas e sociopolíticas. In: MELLO, H.; ALTENHOFEN, C. V.; RASO, T. (Org.). Os contatos linguísticos no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011. p. 13-56 https://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoBasica/sociolinguistica/assets/547/TEXTO-BASE_Sociolinguistica.pdf https://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoBasica/sociolinguistica/assets/547/TEXTO-BASE_Sociolinguistica.pdf http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/port_surdos.pdf http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/port_surdos.pdf https://editora.pucrs.br/anais/encontro-nacional-libras/assets/2.pdf https://editora.pucrs.br/anais/encontro-nacional-libras/assets/2.pdf 146 SAUSSURE, F. de. Curso de linguística geral. 28 ed. São Paulo: Cultrix, 2012. SCHLATTER, M.; GARCEZ. P. Línguas adicionais na escola: aprendizagens colaborativas em Inglês. Erechim: Edelbra, 2012. SKLIAR, C. Estudos surdos e estudos culturais em educação. In: LACERDA, C. B. F.; GÓES, M. C. R. (Orgs.). Surdez: processos educativos e subjetividade. São Paulo: Lovise, 2000. p. 23-28. SACKS, O. Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. SILVA, S. G. de L. Variação sociolinguística na língua brasileira de sinais: o caso dos sinais mãe e pai em Florianópolis. In: Revista Linguasagem: Revista Eletrônica de Popularização Científica em Ciências da Linguagem - Edição 22 - v. 22 n. 1 (2015). Departamento de Letras e do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Disponível em https://www.linguasagem. ufscar.br/index.php/linguasagem/article/view/26/72. Acesso em: 10 jun. 2022. SKLIAR, C. Uma análise preliminar das variáveis que intervém no projeto de educação bilíngue para surdos. Espaço (INES-MEC), v. 4, n. 6, p. 49-57, 1997. TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática. 14. ed. São Paulo: Cortez, 2009. STOKOE, W. C. Sign Language Structure: an out line of the visual communication systems of the american deaf. Studies in Linguistics, University of Buffalo, n. 8, 1960. STROBEL, K.; PERLIN, G. Fundamentos da educação de surdos. Universidade Federal de Santa Catariana. 2008. Disponível em: https://www.libras.ufsc.br/ colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/fundamentosDaEducacaoDeSurdos/ assets/279/TEXTO_BASE-Fundamentos_Educ_Surdos.pdf. Acesso em: 6 jun. 2022. ZANINI, M. Uma visão panorâmica da teoria e da prática do ensino de língua materna. Acta Scientiarum, vol. 21, n. 1, p. 79-88, 1999. Disponível em: http://periodicos.uem.br/ ojs/index.php/ActaSciHumanSocSci/article/view/4189/2854. Aceso em: 18 dez. 2021. https://www.linguasagem.ufscar.br/index.php/linguasagem/article/view/26/72 https://www.linguasagem.ufscar.br/index.php/linguasagem/article/view/26/72 https://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/fundamentosDaEducacaoDeSurdos/assets/279/TEXTO_BASE-Fundamentos_Educ_Surdos.pdf https://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/fundamentosDaEducacaoDeSurdos/assets/279/TEXTO_BASE-Fundamentos_Educ_Surdos.pdf https://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/fundamentosDaEducacaoDeSurdos/assets/279/TEXTO_BASE-Fundamentos_Educ_Surdos.pdf http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciHumanSocSci/article/view/4189/2854 http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciHumanSocSci/article/view/4189/2854 147 POLÍTICAS LINGUÍSTICAS, AQUISIÇÃO, LÍNGUA E LÉXICO UNIDADE 3 — OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • reconhecer a importância das políticas públicas linguísticas para a garantia de direitos ao povo surdo; • identificar elementos que exemplifiquem os fenômenos linguísticos vinculados à interferência e à intercorrência entre a LP e a Libras; • relacionar a vivência da língua ao desenvolvimento e à compreensão das identidades surdas em contexto; • diferenciar os fenômenos linguísticos relacionados ao bilinguismo e à diglossia; • debater a respeito da aquisição da Libras por surdos e ouvintes sob uma perspectiva social; • conectar as noções de língua, léxico e sociedade;• examinar o surgimento dos sinais internacionais nas dimensões políticas e sociais; • diferenciar as noções de sinais internacionais, Gestuno e Esperanto, através de características linguísticas. A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – DIREITOS LINGUÍSTICOS: POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIOLINGUÍSTICA TÓPICO 2 – PERTENCIMENTO SOCIAL MEDIADO PELA LÍNGUA NA FORMAÇÃO DA IDENTIDADE SURDA TÓPICO 3 – SINAIS INTERNACIONAIS Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 148 CONFIRA A TRILHA DA UNIDADE 3! Acesse o QR Code abaixo: 149 TÓPICO 1 — DIREITOS LINGUÍSTICOS: POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIOLINGUÍSTICA UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO Acadêmico, neste tópico, veremos algumas das questões que envolvem os debates e os embates que ocorrem na relação da língua com a sociedade, a partir da perspectiva das políticas públicas. Inicialmente, debateremos a respeito de alguns dos aspectos relacionados ao modo através do qual as políticas públicas estão relacionadas ao planejamento linguístico. Dito de outro modo, procuraremos compreender as bases das discussões que envolvem políticas públicas e a compreensão linguística da relação que se estabelece através da presença de diferentes línguas em uma sociedade. Ainda, estudaremos como se dá o reconhecimento dessa ligação a partir da compreensão linguística presente nos documentos que norteiam as políticas públicas que versam sobre esse tema. Após, elencaremos elementos relacionados ao impacto das políticas públicas na educação bilíngue de pessoas surdas, tendo em vista que o modo através do qual elas direcionam recursos e esforços públicos influencia, diretamente, no desenvolvimento, ou não, de programas e processos relacionados ao bilinguismo, e fomentam ou acabam como currículos e práticas das mais diferentes instituições. Veremos, também, aspectos relacionados à percepção do plurilinguismo pela perspectiva dialógica bakhtiniana, de maneira a compreendermos o diálogo como espaço de existência plurilíngue. Encerraremos este tópico com os debates da presença e da interferência da Língua Portuguesa (LP) em relação à Língua Brasileira de Sinais (Libras), de modo a compreendermos como esse processo se estrutura pela relação entre as duas línguas. Neste momento, a ênfase do debate será dada ao entendimento da relação específica entre LP e Libras, procurando destacar como as políticas públicas contribuem para a forma através da qual essa relação se estabelece, ou seja, aqui, a proposta é que pensemos na interferência como um fenômeno linguístico e, ao mesmo tempo, político. Logo, isso acaba sendo complementar às discussões linguísticas estabelecidas anteriormente, neste livro didático. A partir desses debates apresentados em vista, a meta do tópico é traçar uma rota que permeia as discussões apresentadas até agora, de maneira a conectar o que já vimos, pela perspectiva sociolinguística, à compreensão de que as políticas públicas existentes têm impacto nas percepções da língua que chegam aos falantes, através dos usos das línguas que estão em permanente contato na sociedade. Dito de outro modo, 150 este tópico, e, de certo modo, esta unidade final do Livro Didático de Sociolinguística da Libras, pretende estabelecer um caminho teórico que relacionará tudo o que foi estudado até o momento, a fim de organizar as discussões que envolvem língua e sociedade, através de diferentes aspectos e elementos apresentados até aqui. Acadêmico, desejamos um ótimo percurso de estudos! 2 POLÍTICAS PÚBLICAS E PLANEJAMENTO LINGUÍSTICO Acadêmico, para compreender os principais aspectos referentes a políticas públicas, vamos observar o seguinte exemplo, trazido pelo site Todos pela Educação (2020, s. p., grifo nosso): Imagine que você e seus vizinhos decidam adotar, conjuntamente, um cachorro que está passeando nas redondezas. Para evitar aquele velho ditado “cachorro com mais de um dono morre de fome”, todos vocês teriam de fazer alguns combinados: delegar responsabilidades (que envolvem dinheiro e regras), como quem dá alimento em quais dias, quem tem disponibilidade para vacinar o animal e castrá-lo, quem pode ofertar abrigo esporádico etc. Assim, toda essa organização e processo contribuem para que um objetivo comum seja atingido: o bem do cãozinho. Esta situação, na qual um grupo de pessoas delimita as responsabilidades que serão compartilhadas, é semelhante ao modo através do qual podemos compreender as políticas públicas, tendo em vista que um grupo de pessoas se associa para delimitar o que é preciso para manter o cãozinho, observe as seguintes áreas de cuidados que o cãozinho precisaria elaborada por nós a partir do exemplo do site Todos pela Educação (2020): Saúde: consultas veterinárias, vacinas, medicamentos necessários. Recursos financeiros: manutenção de ração, água, medicamentos e consultas médicas, produtos de limpeza e manutenção do espaço e do bichinho. Recursos físicos: casinha, local para a casinha, pratinhos de ração e água, produtos de limpeza do animal e do espaço. Alimentação: ração, água, tipos de alimentos a serem oferecidos. Recursos humanos: aquisição da ração, delimitação da água a ser ofertada, reposição de ração e água, cuidados de higiene com a casinha e com o animalzinho, leva e busca das consultas veterinárias, responsabilidade pelo banho do animal. Educação: regras de adestramento, local de circulação, delimitação sobre ser solto na rua ou preso em algum tipo de corrente. 151 Assim, podemos perceber as necessidades de se delimitarem e gerirem os diferentes aspectos que envolvem o cuidado com um bichinho, de modo que ele tenha todas as necessidades dele identificadas e atendidas pelo grupo que o adotou. Também, conseguimos notar que, mesmo um exemplo simples como esse, permite-nos compreender que existem vários aspectos que precisam ser levados em consideração e que se entrelaçam para o atingimento do objetivo comum, que é cuidar do cachorro comunitário, pois, mesmo que a ração seja comprada, se não houver uma pessoa responsável por servi-la ao cão, o alimento será desperdiçado e o animal ficará com fome. Assim, com o exemplo do cãozinho adotado coletivamente, percebemos que existe todo um apanhado de combinados, processos e recursos que precisam ser estruturados, de maneira adequada, para que todas as partes que compõem a meta comum sejam organizadas, satisfatoriamente, para o cão e os donos dele. O mesmo raciocínio pode ser aplicado à compreensão a respeito de como funcionam as políticas públicas, pois o conceito de políticas públicas está relacionado às decisões que o poder público toma em relação a todos os aspectos relativos à vida em sociedade. Desse modo, “[...] a política pública é um processo (com uma série de etapas e regras) que tem, como objetivo, resolver um problema público” (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2020, s. p.). Assim, quando falamos de políticas públicas no sentido amplo de sociedade, temos uma infinidade de fatores que tornam, ainda mais complexa, a organização necessária para o atingimento de metas sociais que estejam relacionadas a necessidades da população. Para exemplificar os fatores envolvidos em um contexto de políticas públicas a nível nacional, o seguinte esquema demonstra alguns dos principais elementos a serem levados em consideração ao se pensar no objetivo de erradicar o analfabetismo: FIGURA 1 - ESQUEMA DE ASPECTOS RELATIVOS ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA ERRADICAÇÃO DO ANALFABETISMO FONTE: Adaptada de Toda Matéria (2020, s.p.) 152 Assim, ao observarmos o esquema anterior, podemos perceber que existem diferentes fatores envolvidos para que metas complexas, do contexto social, sejam percebidas e atingidas. Mesmo assim, a noção das políticas públicas permanece semelhante ao que vimos em relação ao cãozinho compartilhado, sendo um complexode processos que tem em vista a solução de uma necessidade social, e, para isso, precisa abarcar o maior número de possibilidades, compreensões e recursos. Nesse contexto, é interessante compreender que tudo que envolve a vida em sociedade está relacionado à política, no sentido mais básico da palavra, tendo em vista que a base do conceito dessa palavra está centrada na vida da pólis, ou seja, nos modos através dos quais as cidades se organizavam. Assim, ao conectarmos os conceitos de língua e política, estamos estabelecendo a compreensão de uma organização da vida em cidades, aqui, com o sentido de sociedade, o que tem, como objetivo, estabelecer as estruturas sociais mediadas por e através da língua. Logo, as políticas públicas têm influência sobre o modo através do qual as línguas se relacionam no interior das sociedades, e são elas que delimitam as regras a partir das quais elas terão maiores ou menores poderes político e cultural. Tendo isso em vista, podemos compreender que as políticas públicas, quando pensadas em relação ao planejamento linguístico, envolvem todas as decisões que se relacionam à língua oficial do país e que línguas serão aceitas como um meio legal de comunicação, expressão, válidas para o país. Ainda, é preciso levar em consideração o tipo de ensino de línguas que será proporcionado pelas instituições públicas e privadas de ensino, os fomentos que serão dados para que tipos de materiais de ensino, a língua dos documentos oficiais e os tipos de auxílio dados às pessoas que são usuárias de outras línguas no interior do país. Assim, as políticas públicas se relacionam com todos os aspectos da vida pública e englobam leis específicas de línguas e todas as demais relações que se manifestam por e através da língua. 3 POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO BILÍNGUE PARA SURDOS Acadêmico, no contexto das políticas públicas para a educação bilíngue de surdos, um marco, extremamente, importante é o reconhecimento da Libras como um meio legal de comunicação e expressão, válido em território nacional, através da Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002 (BRASIL, 2002). Essa lei, não apenas, reconhece a Língua Brasileira de Sinais, como delimita que o uso dela Art. 2º Deve ser garantido por parte do poder público, em geral, e empresas concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais – Libras como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil (BRASIL, 2002). 153 Além disso, são elencados pontos que deverão ser desenvolvidos como parte da Política Linguística, como o fomento para o atendimento adequado aos surdos e deficientes auditivos, e estabelecidos pontos a serem observados pelos sistemas educacionais. No seguinte artigo, veremos que a Libras passa a compor os currículos para a formação de profissionais de Educação Especial, Fonoaudiologia e Magistério: Art. 4º O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais – Libras, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN, conforme legislação vigente (BRASIL, 2002). Observe que a lei delimita a obrigatoriedade da inserção da Libras nos cursos, contudo, foi preciso o estabelecimento de normas específicas para a regulamentação de como as bases estabelecidas pela Lei nº 10.436/2002 seriam colocadas em prática (BRASIL, 2002). Com essa finalidade, o Decreto nº 5.626/2005 delimita como seriam aplicados os artigos da legislação que tornou a Libras uma das línguas reconhecidas como meio legal de comunicação e expressão (BRASIL, 2005). Nesse decreto, são regulamentados os aspectos referentes ao reconhecimento da Libras como meio legal de expressão. Tem nove capítulos, os quais abordam aspectos relevantes para a compreensão do direcionamento a ser dado a políticas linguísticas que visem à inserção da Libras no cotidiano das instituições. Isso quer dizer que é um dos documentos básicos para que compreendamos o papel das políticas públicas linguísticas para a educação de surdos, tendo em vista que ele estabelece as normas basilares para a inserção da Libras na sociedade, como forma legitimada de comunicação. Os nove capítulos serão destacados a seguir: QUADRO 1 – SÍNTESE DO DECRETO Nº 5.626/2005 CAPÍTULO SÍNTESE I - Das disposições preliminares Delimita a compreensão de surdez a partir do uso da Libras e da vivência da cultura surda, bem como define os parâmetros audiométricos para deficiência auditiva. II - Da inclusão da Libras como disciplina curricular Reforça a Libras como disciplina curricular obrigatória nos cursos de licenciatura e fonoaudiologia, delimita quais cursos são compreendidos nestes grupos e coloca a disciplina como opcional nos demais cursos. 154 III - Da formação do professor de libras e do instrutor de libras Delimita as normas específicas para a formação de professores de Libras, determina a criação de cursos superiores para licenciatura em Letras/Libras, destaca a formação bilíngue para o curso de licenciatura, destaca a diferenciação entre as modalidades falada e escrita da LP em relação ao público surdo, evidencia a LP como segunda língua ou língua de instrução, dando ênfase à necessidade da formação de profissionais docentes surdos e/ou que reconheçam as necessidades linguísticas específicas do público surdo. Delimita a prioridade do público surdo nos cargos de professor e instrutor de Libras. IV - Do uso e da difusão da Libras e da língua portuguesa para o acesso das pessoas surdas à educação Delimita os modos como as instituições de ensino deverão promover “[...] acesso à comunicação, à informação e à educação nos processos seletivos, nas atividades e nos conteúdos curriculares desenvolvidos em todos os níveis, etapas e modalidades de educação, desde a educação infantil até à superior” (BRASIL, 2005, s.p.). V - Da formação do tradutor e intérprete de libras – língua portuguesa Determina a formação superior para o tradutor intérprete de Libras e delimita as estratégias que deverão ser utilizadas pelo período de dez anos a fim de suprir a necessidade de profissionais enquanto os cursos superiores são estruturados, autorizados e cursados. Define o período de um ano para que as instituições tenham tradutor intérprete de Libras. VI - Da garantia do direito à educação das pessoas surdas ou com deficiência auditiva Determina as regras para inclusão de alunos surdos nas instituições de ensino a partir de escolas e classes bilíngues para alunos surdos e ouvintes em todos os níveis de ensino e com o suporte de profissionais especialistas da área, bem como o direito ao Atendimento Educacional Especializado. Também são citadas a literatura, a cultura e os direitos linguísticos surdos. VII - Da garantia do direito à saúde das pessoas surdas ou com deficiência auditiva Priorização dos alunos matriculados na rede de educação básica nos serviços públicos de atendimento em saúde, de modo a sanar as necessidades de diagnóstico, tratamento e acolhimento das pessoas com deficiência auditiva. 155 VIII - Do papel do poder público e das empresas que detêm concessão ou permissão de serviços públicos, no apoio ao uso e difusão da Libras Garantia às pessoas surdas do atendimento em Libras e tradução/interpretação em LP/Libras. IX - Das disposições finais Inclusão de verbas para políticas púbicas que visem à difusão e utilização da Libras nos orçamentos em todos os níveis de governo. FONTE: Adaptado de BRASIL (2005) Desse modo, o Decreto nº 5626/2005 estabelece como deve ser posta em prática a Lei nº 10.436/2002, através da delimitação de prazos para inserção da Libras nas diferentes instituições públicas ou vinculadas ao serviço público, e determinaque os Estados e municípios destinem parte da verba para difusão, utilização e atendimento ao público surdo, ainda, com ênfase nos atendimentos de saúde e educação. O documento serve como norteador das políticas públicas que se desenvolveram no país, e causa uma revolução na difusão, no uso, nas pesquisas e na presença da Libras em todas as mídias, com níveis de interação e reconhecimento no país como um todo. Então, mesmo que, ainda, tenha-se muito a desenvolver em relação às políticas públicas, é preciso reconhecer que muito se desenvolveu nos cenários do uso da Libras e do acesso às instituições em todos os níveis e modalidades da educação (BRASIL, 2002; 2005). Nesse mesmo decreto, percebe-se o entendimento linguístico do bilinguismo como meta a ser buscada em direção à inserção das pessoas surdas nas diferentes esferas da sociedade, de maneira que seja alcançado o uso da Libras como língua materna das pessoas surdas e, a Língua Portuguesa, como língua de instrução e língua oficial do Brasil (BRASIL, 2005). Nesse sentido, a Lei nº 14.191/2021 trouxe alterações na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), ao alterar o texto de artigos da legislação máxima da Educação Nacional (BRASIL, 2021). Inicialmente, a Lei nº 14.191/2021 delimita a compreensão de bilinguismo que será adotada na perspectiva da legislação (BRASIL, 2021, s. p., grifo nosso): Art. 60-A. Entende-se, por educação bilíngue de surdos, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida em Língua Brasileira de Sinais (Libras), como primeira língua, e em português escrito, como segunda língua, em escolas bilíngues de surdos, classes bilíngues de surdos, escolas comuns ou em polos de educação bilíngue de surdos, para educandos surdos, surdo-cegos, com deficiência auditiva sinalizantes, surdos com altas habilidades ou superdotação ou com outras deficiências associadas, optantes pela modalidade de educação bilíngue de surdos. 156 Observe que, neste artigo, as escolas bilíngues de surdos estão em primeira posição na listagem de locais citados, assim, reconhece e valida o impacto de outras legislações, mesmo aquelas que causaram polêmica, como a Política Nacional de Educação Especial, instituída pelo Decreto nº 10.502/2020, para uma mudança de foco, que coloca a educação especial e, por consequência, os debates do ensino de surdos como parte do sistema de ensino que não mais irá priorizar a matrícula em escolas regulares (BRASIL, 2020; 2021). A alteração da LDB combina com a perspectiva linguística que promove o ensino da Libras, especificamente, para o público surdo que optar pela “[...] modalidade de educação bilíngue para surdos” (BRASIL, 2021, s. p.). Dito de outro modo, caso não seja feita a opção pelo ensino bilíngue, esse público poderá ser inserido em classes regulares, nas quais a língua oficial, o Português, será prioridade, sem que essa inserção específica, na LDB, faça qualquer menção à presença de tradutores e intérpretes de Língua de Sinais em classes regulares; fala, apenas, de tecnologias assistivas para surdos oralizados. Assim, embora não revogue o Decreto nº 5.626/2005, ao deixar de fora, da lei máxima da educação, a presença de intérpretes em classes regulares, reforça a inserção do público surdo em escolas e classes bilíngues, mesmo que coloque as escolas regulares como parte da política (BRASIL, 2005). Assim, a alteração, na LDB, colocou a educação bilíngue como foco das políticas públicas linguísticas do ensino e aprendizagem para o público surdo, surdo-cego e deficiente-auditivo que utilizam a língua de sinais. Contudo, como vimos anteriormente, neste subtópico, é, apenas, um dos passos da proposta bilíngue para a educação de surdos, tendo em vista a necessidade de uma normatização semelhante àquela feita pelo Decreto nº 5.626/2005, em relação à Libras como língua, legalmente, utilizada com meio de comunicação e expressão (BRASIL, 2005). Desse modo, ainda, deverão ser elaborados outros documentos norteadores dessa proposta para que tenhamos uma visão mais clara do rumo que a educação bilíngue de surdos tomará a partir dessa alteração na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Entretanto, é possível perceber que essa alteração, com certeza, também, terá impactos interessantes para a inserção, cada vez maior, da língua de sinais nos debates acadêmicos e sociais, os quais envolvem a educação que se dá através das línguas que estão em jogo nesse contexto: a Libras e a LP. 4 SOCIOLINGUÍSTICA, PLURILINGUÍSMO E LÍNGUA DE SINAIS Acadêmico, talvez, você esteja pensando em que medida essas legislações estão envolvidas nas discussões que a Sociolinguística propõe como área de estudo e pesquisa, tendo em vista que este é o Livro Didático de Sociolinguística da Libras, não é verdade?! 157 Com relação às políticas públicas, estamos falando de para onde serão destinados os recursos limitados que existem para as instituições públicas de todas as instâncias. Assim, ao existir uma legislação que deu ênfase à Libras como língua válida no território nacional, e que a inseriu nos cotidianos administrativo e escolar, tivemos um destaque que gerou a inclusão da Língua de Sinais nos debates de língua e sociedade, os quais a área da Sociolinguística estuda, e se permitiu que tivéssemos, cada vez mais, estudos que pretendem compreender o modo através do qual a Libras se insere na sociedade a partir de usuários, incluindo a percepção da necessidade de entendermos como ela se estrutura internamente, em relação à variação e aos demais aspectos estudados pela Sociolinguística. Nesse contexto, os debates a respeito do bilinguismo são relacionados ao domínio de mais de uma língua pelo mesmo indivíduo, sendo que alguns autores o utilizam, apenas, para fazer referência à coexistência de duas línguas, e outros o estabelecem de maneira mais ampla, independentemente da quantidade de idiomas utilizados por um mesmo indivíduo. Ainda, nesses debates, existem os termos trilíngue, para fazer referência às pessoas que interagem através de três línguas; plurilíngue, para indivíduos que utilizam mais de três línguas; e multilíngue, para contextos nos quais mais de uma língua é utilizada em uma país ou instituição, de modo oficial (IBANZES, 2021). Dentro das diferentes perspectivas linguísticas que mesclaram língua e sociedade, temos a visão de Bakhtin, apresentada por Di Fanti (2003) e Faraco (2009), a partir da qual o plurilinguismo é compreendido pela perspectiva dialógica do discurso: “[...] ao contrário de abordagens conservadoras, não se restringe à diversidade de “línguas nacionais”, mas preserva a diversidade de vozes discursivas – posições que constituem o discurso – como característica fundamental para a concepção de linguagem” (DI FANTI, 2003, p. 102). Desse modo, é uma compreensão que percebe o plurilinguismo como a relação entre discursos diferentes que se misturam a partir de diferentes experiências e perspectivas linguísticas dos usuários da (s) língua (s) que tece (m) os discursos, a partir das diferentes vivências linguísticas. Assim, podemos compreender que, mais do que a fluência em LP e Libras, as pessoas se relacionam através dos discursos produzidos nas diferentes línguas e através das infinitas experiências discursivas vivenciadas pelos indivíduos envolvidos em um diálogo. Para exemplificar, em uma conversa entre duas pessoas, mais do que uma língua compartilhada, como LP ou Libras, está em jogo, também, expectativas, experiências e vivências compartilhadas ou não, que dão origem aos significados que emergem dessa relação. Assim, em uma conversa entre dois surdos sinalizantes, está em contato muito mais do que a Libras como língua autônoma, pois se conectam, também, por e através da forma como cada um deles compreende e utiliza a língua, incluindo vários fatores linguísticos e culturais que influenciam o modo como a língua é utilizada. Alguns aspectos que podem fazer isso são: a fluênciade cada um deles, a região dos sinais que utilizam, o modo como estabelecem os referentes no espaço de 158 enunciação, ou a forma através da qual a estrutura da língua portuguesa é mais ou menos presente na sinalização. Logo, ainda, podemos perceber elementos referentes ao grau de surdez, à experiência de sinalização, ao contato com outros surdos e ao maior ou menor contato com a língua portuguesa escrita ou oralizada. Na perspectiva apresentada pela compreensão bakthiniana, o plurilinguismo é sinônimo de heteroglossia e pluralismo linguístico. “O plurilinguismo dialogizado pressupõe uma variedade de línguas/linguagens, e, com isso, diferentes estruturas enunciativas se confrontam, tendo em vista a diversidade de coerções nas relações sociais” (DI FANTI, 2003, p. 102). Dito de outro modo, o plurilinguismo se manifesta na interação pelo diálogo, que se dá através das línguas e do modo como estas se manifestam, e das linguagens, ou seja, dos modos de compreensão dos diferentes elementos que se relacionam em um diálogo. Ainda, neste momento de interação, várias organizações dialógicas (sejam sociais, linguísticas, culturais ou de outros tipos) são colocadas em debate a partir de inúmeras possibilidades que reprimem ou destacam aspectos específicos através das relações sociais. Com um exemplo singelo dessas forças em contato em um discurso, imagine que você é um tradutor-intérprete de Libras que está fazendo uma entrevista para trabalhar, a gravação de materiais para uma grande editora. Você, por mais que conheça termos técnicos e saiba várias formas de dizer uma mesma sentença em Libras, ao perceber que o entrevistador tem, apenas, um conhecimento superficial da Língua de Sinais, terá que ajustar a sua tradução/interpretação de maneira que o entrevistador compreenda a sentença sinalizada, a fim de conferir os conhecimentos em Libras, mesmo que a partir de uma fluência menor do que a sua. Ou seja, a partir das leituras feitas por você, da situação, das pessoas envolvidas, da tarefa dada e da profundidade do conhecimento linguístico no embate, você precisaria ajustar o seu discurso a partir do que espera obter através da língua. 5 PRESENÇA E INTERFERÊNCIAS LP E LIBRAS Acadêmico, para encerrar este tópico, destacaremos alguns pontos referentes à relação sociolinguística entre a Língua Portuguesa e a Libras. Neste momento, enfatizaremos a compreensão de como as políticas públicas são importantes para o estabelecimento dessa relação entre a LP e a Libras. Logo, a visão que permeia este subtópico tem, como norte, a compreensão de que a presença e a interferência da língua majoritária, na Libras, são fenômenos linguísticos e políticos. Como vimos anteriormente, neste tópico, as políticas públicas influenciam o modo por meio do qual as línguas interagem na sociedade, isso porque, através dos investimentos feitos pelas diferentes esferas do poder público, o uso da Libras se tornou obrigatório em vários contextos. Assim, as políticas públicas criaram condições para que a língua de sinais se tornasse parte das discussões sociais e acadêmicas, e para que ganhasse relevância em diferentes contextos educacionais, culturais e sociais. 159 É necessário compreender que, se as leis, sozinhas, não mudam nada, sem elas, tampouco, as situações mudam, quando pensamos na história das línguas de sinais. Isso fica ainda mais relevante, tendo em vista que as principais discussões a respeito da educação de surdos, ao longo da história, pautaram-se, principalmente, no debate entre a permissão, ou não, do uso das línguas de sinais, ou seja, se a política vigente iria, ou não, proibir, ignorar ou fomentar o uso de uma língua, especificamente, estruturada, a partir do uso feito pelas pessoas surdas. Cabe destacar que, independentemente das leis ou das políticas públicas específicas, as línguas existem em função da necessidade enunciativa dos falantes/sinalizantes dessa língua, ou seja, a existência das línguas de sinais (ou quaisquer outras) não está relacionada a leis, mas a pessoas que a utilizam, independentemente das leis vigentes. É relevante destacar que as leis e as políticas públicas envolvidas podem dificultar ou facilitar o conhecimento, o acesso e o uso das línguas a partir do modo por meio do qual os recursos são destinados e as visões educacionais e sociais são divulgadas. Acadêmico, você já tem uma certa caminhada dentro do curso, por isso, já deve ter visto, em outros momentos, que a possibilidade de utilizar a língua de sinais, em contextos institucionais, é bem recente na história linguística dos surdos, tendo em vista que eles passaram por várias compreensões, as quais os tratavam desde seres especiais, que intercederiam junto aos deuses, até seres incapazes de raciocínio e que não tinham direito à herança, a não ser que conseguissem oralizar. Ainda, fazem parte, dessa história, diferentes compreensões de educação das pessoas surdas, que iam desde o entendimento de que seria impossível ensiná-los; depois, de que se poderia, apenas, aprender a língua oral, sendo proibida a língua de sinais; ou, mais recentemente, surgiu o uso da língua de sinais como meio de comunicação, mas, ainda, com ênfase na língua oral. Por fim, na atualidade, a compreensão da língua de sinais, pelas perspectivas bilíngue e bicultural, percebe o surdo como um sujeito que está em um lugar de sinalização da língua de sinais, inserido em um mundo no qual a LP escrita continua sendo necessária para as vivências em sociedade, tendo em vista que a língua oficial do Brasil é a língua oral majoritária. Assim, a língua de sinais permanece como um bem cultural e linguístico do povo surdo, independentemente do modo através do qual as políticas públicas a percebem. Entretanto, a legislação e o fomento públicos trouxeram o foco e os investimentos necessários para que a Libras se tornasse um meio de comunicação relevante socialmente, a ponto de termos a inserção social dos tradutores-intérpretes nos mais diferentes contextos públicos e privados, presenciais e on-line, como vimos nas diversas lives e shows de música ao longo dos últimos anos. Portanto, as políticas públicas têm as importâncias de criar contextos, estabelecer prazos e reforçar a presença da Libras na sociedade do nosso país, a fim de aumentar a circulação da língua e, com isso, criar espaços nos quais a língua é, cada vez mais, utilizada e conhecida. Dessa forma, ocorrem mais trocas entre usos regionais da língua de sinais e criação de sinais novos para novos contextos e usos, como ocorre 160 no ambiente acadêmico, no qual a presença, cada vez maior, de alunos e professores surdos faz com que sejam necessárias novas formas de se organizarem reuniões, de se pensarem em políticas internas das instituições, em adaptações dos espaços, e, exatamente por isso, ocorrem, também, maiores contextos, nos quais a interferência entre as duas línguas é latente, posto que estão em contato frequente. 161 RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico, você aprendeu: • O conceito de políticas públicas está relacionado às decisões que o poder público toma em relação a todos os aspectos relativos à vida em sociedade. • Quando falamos em Políticas Públicas no sentido amplo de sociedade, teremos uma infinidade de fatores que tornam ainda mais complexa a organização necessária para o atingimento de metas sociais que estejam relacionadas a necessidades da população. • Ao conectarmos os conceitos de Língua e Política estamos estabelecendo a compreensão de uma organização da vida na sociedade. • As políticas públicas têm influência sobre o modo como as línguas se relacionam no interior das sociedades, bem como são elas que delimitam as regras a partir das quais elas terão maior ou menor poder político e cultural. • As políticas públicas se relacionam com todos os aspectos da vida pública e englobam tanto a leis específicas sobre as línguas, mas todas as demais relações que se manifestam por e através da língua.• No contexto das Políticas Públicas para a Educação Bilíngue de Surdos, um marco extremamente importante, é o reconhecimento da Libras como meio legal de comunicação e expressão válido em território nacional, através da Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. • O Decreto nº 5.626/2005 tornou a Libras uma das línguas reconhecidas como meio legal de comunicação e expressão, sendo um dos documentos básicos para que compreendamos o papel das Políticas Públicas Linguísticas para a Educação de Surdos. • Nesse mesmo decreto, se percebe o entendimento linguístico do bilinguismo como meta a ser buscada em direção à inserção das pessoas surdas nas diferentes esferas da sociedade. • A Lei nº 14.191, de agosto de 2021, trouxe alterações na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) ao alterar o texto de artigos da legislação máxima da Educação Nacional. • A alteração na LDB colocou a Educação Bilíngue como foco das Políticas Públicas linguísticas do ensino e aprendizagem para o público surdo, surdo-cego e deficiente- auditivo que utiliza a língua de sinais. 162 • O plurilinguismo como a relação entre discursos diferentes que se misturam a partir das diferentes experiências e perspectivas linguísticas dos usuários da(s) língua(s) que tecem os discursos a partir das diferentes vivências linguísticas. • Mais do que a fluência em LP e Libras, as pessoas se relacionam através dos discursos produzidos nas diferentes línguas e através das infinitas experiências discursivas vivenciadas pelos indivíduos envolvidos em um diálogo. • O plurilinguismo se manifesta na interação pelo diálogo que se dá através tanto das línguas e do modo como estas se manifestam, quanto das linguagens. • A presença e a interferência da língua majoritária na Libras são fenômenos linguísticos e político. • É através dos investimentos feitos pelas diferentes esferas do poder público que o uso da Libras se tornou obrigatório em vários contextos. • As Políticas Públicas criaram condições para que a língua de sinais se tornasse parte das discussões sociais e acadêmicas bem como para que ganhasse relevância em diferentes contextos educacionais, culturais e sociais. • A existência das línguas de sinais (ou quaisquer outras) não está relacionada a leis, mas sim às pessoas que a utilizam independentemente das leis vigentes. • As leis e as políticas públicas envolvidas podem dificultar ou facilitar o conhecimento, o acesso e o uso das línguas a partir do modo como os recursos são destinados e as visões educacionais e sociais são divulgadas. • A língua de sinais permanece como um bem cultural e linguístico do povo surdo, independentemente do modo como as Políticas Públicas as percebem. 163 1 As políticas públicas têm influência sobre o modo como as línguas se relacionam no interior das sociedades, bem como são elas que delimitam as regras a partir das quais terão maior ou menor poder político e cultural. A partir disso, cite três questões linguísticas relacionadas às Políticas Públicas sobre planejamento linguístico. 2 O Decreto nº 5.626/2005 delimita como seriam aplicados os artigos da legislação que tornou a Libras uma das línguas reconhecidas como meio legal de comunicação e expressão, este documento é composto por nove artigos, dentre estes cinco são relativos à Educação de Surdos, marque a alternativa que apresenta a junção correta entre o número do artigo sobre Educação e o que ele delimita: a) ( ) Artigo II - Da formação do tradutor e intérprete de libras – língua portuguesa. b) ( ) Artigo III - Do uso e da difusão da Libras e da língua portuguesa para o acesso das pessoas surdas à educação. c) ( ) Artigo IV - Da formação do professor de libras e do instrutor de libras. d) ( ) Artigo V - Da inclusão da Libras como disciplina curricular. e) ( ) Artigo VI - Da garantia do direito à educação das pessoas surdas ou com deficiência auditiva. 3 Ao falarmos Políticas Públicas estamos falando para onde serão destinados os recursos limitados que existem para as instituições públicas de todas as instâncias. Assim, ao existir uma legislação que deu ênfase à Libras como língua válida no território nacional e a inseriu no cotidiano administrativo e escolar, tivemos um destaque que resultou na inclusão da Língua de sinais nos debates de Língua e Sociedade que a área da Sociolinguística estuda e permitiu que tivéssemos cada vez mais estudos que pretendem compreender o modo como a Libras se insere na Sociedade a partir de seus usuários, bem como a percepção da necessidade de entendermos como ela se estrutura internamente em relação à variação e os demais aspectos estudados pela Sociolinguística. A partir dos debates referidos anteriormente, analise as afirmações a seguir: I- Os debates sobre bilinguismo são relacionados ao domínio de mais de uma língua pelo mesmo indivíduo sendo que este termo faz referência ao domínio de apenas duas línguas orais sem contar as línguas de sinais. II- Na perspectiva dialógica, o plurilinguismo é percebido como a relação entre discursos diferentes que se misturam a partir das diferentes experiências e perspectivas linguísticas dos usuários da(s) língua(s) que tecem os discursos a partir das diferentes vivências linguísticas. AUTOATIVIDADE 164 III- As pessoas se relacionam através dos discursos produzidos nas diferentes línguas e através das infinitas experiências discursivas vivenciadas pelos indivíduos envolvidos em um diálogo. IV- O plurilinguismo se manifesta na interação pelo diálogo que se dá através tanto das línguas e quanto do modo como estas se manifestam. Marque a alternativa CORRETA: a) ( ) I, II e III. b) ( ) II, III e IV. c) ( ) I, III e IV. d) ( ) I, II e IV. e) ( ) II e IV. 4 A presença e a interferência da língua majoritária na Libras são fenômenos linguísticos e políticos. Sobre isso, julgue as afirmações a seguir colocando V para as afirmações verdadeiras e F para as sentenças falsas: ( ) As Políticas Públicas criaram condições para que a língua de sinais se tornasse parte das discussões sociais e acadêmicas. ( ) A Libras já tinha grande relevância em contextos educacionais, culturais e sociais antes que as Políticas Públicas em relação a ela fossem criadas. ( ) As leis sozinhas não mudam nada, sem elas tampouco as situações mudam. ( ) As principais discussões sobre Educação de Surdos ao longo da História se pautaram, principalmente no debate entre a permissão ou não do uso das línguas de sinais. a) ( ) V, F, F, F. b) ( ) V, F, V, F. c) ( ) V, F, V, V. d) ( ) F, V, F, F. e) ( ) V, F, F, V. 5 O conceito de políticas públicas está relacionado às decisões que o poder público toma em relação a todos os aspectos relativos à vida em sociedade, por isso, o impacto das políticas públicas está relacionado diretamente à vida dos indivíduos em sociedade. A partir disso, observe o seguinte caso, tendo em vista os anos de promulgação da Lei nº 10.436/2002 e do Decreto nº 5.626/2005 e as datas que aparecem no relato sobre Carlos: Carlos nasceu em 1960, ele era o único surdo em uma família de ouvintes, por isso, até os 39 anos não havia tido contato com a Libras, dependia de sua mãe para se deslocar pela cidade, se comunicar com pessoas fora de sua família e poder realizar qualquer interação ele utilizava-se de sinais caseiros ou de um bloquinho em que rascunhava as poucas palavras que havia aprendido em casa, tendo em vista que não conseguiu se adaptar à escola regular e a única escola para surdos da cidade era longe de sua 165 casa. Porém, quando estava com 39 anos, ele conheceu a Libras em uma igreja que a família havia começado a frequentar e se encantou com a possibilidade de poder se expressar em uma língua que fazia sentido para ele. A partir daí, ele não parou mais de aprender a língua de sinais e ganhar cada vez mais independência, inclusive, com a inserção de Sala de Recursos na escola mais perto de casa, conseguiu fazer o Ensino Fundamental e Médio, após,cursou Pedagogia e, em, 2009 estava cursando o mestrado em Pedagogia pela Universidade Federal mais próxima de sua casa, era instrutor de Libras em uma grande empresa e havia tirado a sua carteira de motorista com o suporte do intérprete e o aval da quantidade de avaliadores específica para seu caso. Ao relacionarmos o caso de Carlos ao surgimento das Políticas Públicas relativas à Libras, às reservas de vagas para surdos e a presença de Atendimento Educacional nas escolas, como você destaca a importância das Políticas Públicas para a autonomia, independência e qualidade de vida dos surdos? 166 167 PERTENCIMENTO SOCIAL MEDIADO PELA LÍNGUA NA FORMAÇÃO DA IDENTIDADE SURDA 1 INTRODUÇÃO Acadêmico, para dar seguimento aos debates que abarcam a sociolinguística, em geral, e em relação às questões, especificamente, relacionadas aos estudos que envolvem a Língua de Sinais Brasileira e a presença dela na sociedade, iniciaremos este tópico destacando as noções de macro e microssociolinguística, de modo a compreendermos esses termos nos contextos dos estudos de Linguística e Sociolinguística. Ainda, neste trecho, veremos a comparação conceitual entre os termos Diglossia e Bilinguismo. Após, debateremos, brevemente, a respeito do modo através do qual a Linguística se insere nas questões que relacionam os contextos sociais e históricos para a constituição dos sujeitos. Dito de outro modo, procuraremos apresentar reflexões que relacionam a aplicação da visão linguística para a compreensão de como os indivíduos se percebem no interior dos grupos sociais. Em seguida, daremos continuidade ao desenvolvimento das noções debatidas, com observações referentes à língua, como modo de constituição dos sujeitos surdos como habitantes de situações de fronteiras linguísticas que se estabelecem no interior de uma sociedade compartilhada entre surdos e ouvintes, assim, serão traçadas algumas das características linguísticas relevantes para o entendimento de como a língua é parte relevante da constituição das identidades surdas. Por fim, traremos algumas reflexões das contribuições da Sociolinguística para o ensino de surdos e ao Letramento em LP, no contexto da surdez, de modo a relacionarmos a percepção bilíngue e os conceitos de eventos e práticas de letramento. Acadêmico, desse modo, o objetivo principal deste tópico é delimitar os debates que envolvem as questões identitárias, relacionadas à língua em uso na sociedade, logo, as discussões terão, como meta, compreender como a Sociolinguística percebe o fenômeno linguístico no que diz respeito às noções de pertencimento social, mediada pela língua para a formação da identidade surda, isso porque a língua é a maneira através da qual os indivíduos se relacionam, são atravessados por ela e estabelecem relações através dela. Bons estudos! UNIDADE 3 TÓPICO 2 - 168 2 MACRO E MICROSSOCIOLINGUÍSTICA: BILINGUISMO E DIGLOSSIA Acadêmico, iniciaremos o nosso debate com o entendimento de que os estudos linguísticos podem ser divididos, didaticamente, em dois grandes grupos. Essa classificação é pautada no enfoque dado para a análise dos fenômenos linguísticos observados pelos estudiosos. Desse modo, a macro e a microlinguística não são correntes de estudos, ou teorias, pois são agrupamentos destas a partir da estrutura da língua. Caso o enfoque dado pretenda perceber e analisar o aspecto estrutural, será um estudo micro, ou seja, levará em consideração os detalhes organizacionais da língua. Já em uma pesquisa na qual a estrutura seja o ponto de partida para a compreensão de um quadro mais geral das relações que se estabelecem através da língua, aí, serão percebidas pesquisas no grupo da macrolinguística (BARBOSA, 2022). Observe o esquema a seguir, no qual aparecerão as principais áreas de pesquisa da linguística: FIGURA 2 – CATEGORIZAÇÃO DAS ÁREAS DE ESTUDO FONTE: <https://ppgl.in/pesquisa-e-ensino/cepelin-laboratorios/>. Acesso em: 2 jul. 2022. Observe que temos um esquema que se estabelece a partir de duas partes: núcleo e elementos que estão ao redor dele. Assim, podemos perceber que existem áreas que compõem o cerne das questões linguísticas, e que tratam dos elementos no microcosmo da língua. Já os campos de estudo que compõem o entorno do centro são aqueles que partem da estrutura básica, mas que têm, como objetivo, compreender de que modo esta se relaciona entre diferentes contextos. Assim, o esquema demonstra como a macrolinguística categoriza as áreas de estudo da língua que se preocupam em entender como as estruturas do interior da língua se estruturam entre si em situações textuais, sociais, históricas, discursivas, enunciativas, psicológicas, relativas às circunstâncias de uso e às estruturas neurológicas, dentre outras possibilidades. Para exemplificar essa explicação, analisaremos o sinal de GATO em Libras: https://ppgl.in/pesquisa-e-ensino/cepelin-laboratorios/ 169 FIGURA 3 – SINAL GATO, VARIAÇÃO UTILIZADA NO RIO GRANDE DO SUL FONTE: Capovilla et al. (2017, p. 1382) • Microlinguística: um estudo fonético estabeleceria as partes que compõem esse sinal: configuração de mãos, movimento, ponto de articulação, orientação de palma e expressão facial. • Macrolinguística: um estudo de variações regionais, pela perspectiva da Sociolinguística desse sinal, encontrou cinco formas diferentes para o mesmo referente, de acordo com Capovilla et al. (2017, p. 1382). A seguir, colocaremos os demais modos de sinalização do léxico GATO: FIGURA 4 – VARIAÇÕES REGIONAIS PARA O SINAL DE GATO FONTE: Capovilla et al. (2017, p. 1382) Assim, podemos compreender que o entendimento das partes que constituem um sinal é parte dos estudos que procuram entender como se dá a formação estrutural dos sinais para perceber o conjunto de parâmetros que, ao ser utilizado, deve formar o léxico específico, assim, são intrínsecos (relativos ao interior) ao fenômeno linguístico. Já os estudos nos quais são comparados os modos através dos quais um mesmo referente pode variar, a depender da região na qual é utilizado, são relacionados às formas de se perceber a língua em uso a partir da estrutura, mas a nível de interação entre fatores que são extrínsecos (relativos à relação com o exterior) à estrutura linguística. 170 Acadêmico, agora que já vimos as noções de macro e microlinguística, podemos transpor um raciocínio semelhante para a área específica da sociolinguística que, também, “[...] pode ser compreendida a partir de duas perspectivas diferentes de estudo: a macrossociolinguística e a microssociolinguística” (MONTEIRO, 2000 apud EWALD; SOUSA, 2019, p. 68). Assim, com relação à área da linguística na qual pretendemos estudar as relações entre língua e sociedade, as noções de micro e macro, também, são formas de se categorizarem os diferentes pontos de vista da conexão entre língua e sociedade. De acordo com Santos (1999, p. 36-37, grifo nosso), “a distinção dos dois níveis, micro e macrossociolinguística, levou a Sociolinguística a buscar caminhos teóricos alternativos, embora esses dois níveis se inter-relacionem por apresentar aspectos diversos da mesma realidade”. Assim, ao se categorizarem os estudos da Sociolinguística em relação a aspectos da realidade sociolinguística, foram desenvolvidos modos diversos de se explicarem os mesmos fenômenos linguísticos, que demonstram diferentes ângulos da mesma realidade linguística. A fim de estruturarmos as características e os conceitos relacionados a cada um dos níveis de estudo da Sociolinguística, elaboramos o seguinte quadro: QUADRO 2 – COMPARAÇÃO ENTRE ELEMENTOS RELACIONADOS À MICRO E MACROSSOCIOLINGUÍSTICA Microssociolinguística Macrossociolinguística Relações face a face Relações socialmente constituídas Variedades faladas por diferentes comunidades Políticas Públicas Fatores sociais Multilinguismo Significado sócio simbólico do uso linguístico Conflitos linguísticos Língua materna Planificação linguística Indivíduo bilíngue