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Fundamentos de Estudos Jurídicos Aplicados à Segurança Pública VALÉRIO LOUSADA DE CARVALHO 1ª Edição Brasília/DF - 2020 Autores Valério Lousada de Carvalho Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário Organização do Livro Didático....................................................................................................................................... 4 Introdução ............................................................................................................................................................................. 6 Capítulo 1 Fundamentos Políticos do Constitucionalismo Moderno ............................................................................... 9 Capítulo 2 Constituição e Sociedade .........................................................................................................................................17 Capítulo 3 Democracia e Esfera Pública Moderna ...............................................................................................................26 Capítulo 4 Princípios e direitos fundamentais na CF/1988 ..............................................................................................40 Capítulo 5 O sistema de segurança pública brasileiro à luz da CF/1988.....................................................................63 Capítulo 6 Análise histórico-cultural-legal das organizações policiais brasileiras ..................................................71 Referências Bibliográficas ...........................................................................................................................................82 4 Organização do Livro Didático Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização do Livro Didático. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. Cuidado Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado. Importante Indicado para ressaltar trechos importantes do texto. Observe a Lei Conjunto de normas que dispõem sobre determinada matéria, ou seja, ela é origem, a fonte primária sobre um determinado assunto. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. 5 OrgAnIzAçãO DO LIvrO DIDátICO Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Posicionamento do autor Importante para diferenciar ideias e/ou conceitos, assim como ressaltar para o aluno noções que usualmente são objeto de dúvida ou entendimento equivocado. 6 Introdução Nesta disciplina, trataremos do ordenamento constitucional – um constitucionalismo mais moderno –, assim como também estudaremos a relação Constituição e sociedade, a democracia atual, consentimentos ou não na democracia. Abordaremos, ainda, os princípios e fundamentos que dão base a toda a Constituição, que norteiam as ações e decisões que levaram à confecção e promulgação da nossa Magna Carta. Após essa introdução de Constituição, a análise de seus princípios e fundamentos direcionadores, partiremos para uma abordagem mais direcionada ao sistema de segurança pública, ou seja, às organizações de segurança pública relacionadas na constituição, faremos uma análise histórico-cultural-legal dessas organizações, leis que organizam a atividade policial, o exercício da atividade policial no Brasil, e fecharemos com uma relação da atividade policial no Brasil e a legislação brasileira – seus conflitos e paradigmas. Objetivos » Argumentar pela necessidade da legislação na formação das sociedades. » Definir direito constitucional. » Descrever o conceito de constituição segundo as ênfases sociológica, política, jurídica e cultural. » Delinear a conjuntura histórica que levou à consolidação dos direitos sociais. » Detalhar as críticas que o positivismo sofreu após a 2ª Guerra Mundial. » Descrever a relação de peso entre os princípios. » Problematizar o jogo de forças entre capacidade de adaptação de uma constituição moderna e a necessidade de uma estabilidade jurídica positivista. » Compreender a importância da CF/1988 na recente história do Brasil. » Interpretar a ideia de sentimento constitucional. » Delimitar as características da CF/1988. » Descrever o processo de consolidação de uma constituição, observando as características do Estado moderno, no Brasil e no mundo. » Relacionar os elementos indispensáveis na busca pela validação constitucional. 7 » Descrever os princípios das constituições modernas e as neoconstitucionais. » Delimitar o papel da CF/1988 na orientação da defesa dos direitos, compreendendo seus desafios. » Definir esfera pública e relacionar suas características. » Detalhar o mecanismo de comunicação entre sociedade pública e privada com a esfera política. » Definir consenso para Habermas e discutir as críticas apresentadas a esse conceito. » Detalhar a dinâmica entre consenso e dissenso na prática democrática. » Explicar as teorias participacionista, deliberacionista e realista. » Discutir o conceito de pluralismo na democracia e as formas de lidar com o dissenso. » Detalhar o sentido de tolerância por Paulo Freire. » Caracterizar os princípios fundamentais da Constituição. » Distinguir entre princípios jurídico-constitucionais e princípios político-constitucionais. » Definir República, Estado e federalismo. » Detalhar as características do federalismo. » Diferenciar União e Federação. » Definir território, soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais. » Relacionar Pluralismo político à proteção e o respeito à diversidade. » Defender o Poder Constituinte. » Detalhar os poderes da União. » Delimitar as intenções de transformação social na Constituição. » Definir interdependência, prevalência dos Direitos Humanos e autodeterminação, não intervenção, igualdade entre os Estados, defesa da paz. » Defender o repúdio ao terrorismo e racismo. » Detalhar a concessão de asilo político. » Explicar o respeito dos direitos individuais e coletivos na nossa sociedade. » Delimitar a noção de segurança e observar sua importância no Estado Democrático de Direito. 8 » Caracterizar a função das instituições de segurança pública. » Detalhar os componentes do sistema de segurança pública. » Conceituar segurança pública. » Relacionar os órgãos responsáveis por atuar na segurança da sociedade. » Explicar o que são órgãos normativos. » Caracterizar o Conselho Nacional de Segurança Pública. » Relacionar os componentes do Ministério da Segurança Pública. » Narrar o desenvolvimento histórico da legislação sobreas polícias. » Delimitar a noção de “sensação de segurança”. » Descrever as competências da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícia Civil, Polícia Militar, Corpo de Bombeiro Militar e Guardas Municipais. » Analisar a função da Força Nacional de Segurança Pública. 9 Introdução ao Capítulo Olá! Estamos iniciando a disciplina Fundamentos de Estudos Jurídicos. Ao trabalharmos esse assunto, trataremos do ordenamento constitucional – um constitucionalismo mais moderno –, assim como estudaremos a relação Constituição e sociedade, a democracia atual, consentimentos ou não na democracia. Abordaremos, ainda, os princípios e fundamentos que dão base a toda a Constituição, que norteiam as ações e decisões que levaram à confecção e promulgação da nossa Magna Carta. Provocação PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 A Constituição de 1988 representou um marco da democracia brasileira e a superação do regime militar implantado em 1964. O dia da promulgação Em 5 de outubro de 1988, dia em que foi promulgada a nova Constituição brasileira, o Jornal Nacional, em vez da tradicional escalada de notícias, anunciou apenas esse fato. O apresentador Cid Moreira chamou atenção para a data histórica e, em seguida, foi exibida a imagem do momento em que o deputado Ulysses Guimarães declarou promulgado “ o documento da liberdade, da dignidade, da democracia, da justiça social do Brasil ”. A nova Carta ratificou o presidencialismo como forma de governo e, entre diversas garantias civis, sociais e trabalhistas, estabeleceu eleições diretas em dois turnos para presidente, governadores e prefeitos, afirmou a independência dos três poderes, restringiu a atuação das Forças Armadas, estendeu o voto a analfabetos e maiores de 16 anos e universalizou o direito de greve. O texto lido por Cid Moreira no Jornal Nacional destacou o quanto aquela Constituição, a sétima do país, mexia com a vida de todos os brasileiros, garantia novos direitos ao cidadão, equilibrava os poderes da República e refletia o amadurecimento político da nação. No final, a edição do telejornal destacou ainda uma reportagem contando o passo a passo da promulgação da nova Constituição no plenário da Câmara. Reportagem Memória Globo – disponível em http://memoriaglobo.globo.com/programas/ jornalismo/coberturas/promulgacao-da-constituicao/o-dia-da-promulgacao.htm. 1 CAPÍTULO FUnDAMEntOS POLÍtICOS DO COnStItUCIOnALISMO MODErnO 10 CAPÍTULO 1 • FUnDAMEntOS POLÍtICOS DO COnStItUCIOnALISMO MODErnO Como você pôde ver na reportagem anterior, o portal Memória Globo reverencia o dia da promulgação da Constituição Federal de 1988. Esse é, para muitos, o dia mais importante da história recente de nosso país. Se quiser, você pode ver o vídeo da promulgação no link http://memoriaglobo.globo.com/programas/jornalismo/coberturas/promulgacao-da-constituicao/ o-dia-da-promulgacao.htm. Para você, qual é a importância desse dia? Tente escrever um parágrafo sobre esse dia que possa ser lido por uma pessoa da sua família daqui a vinte anos. Como você contaria a importância desse fato histórico para as futuras gerações? No decorrer deste capítulo, você retomará a resposta que escrever agora. Objetivos do Capítulo » Argumentar pela necessidade da legislação na formação das sociedades. » Definir direito constitucional. » Descrever o conceito de constituição segundo as ênfases sociológica, política, jurídica e cultural. » Delinear a conjuntura histórica que levou à consolidação dos direitos sociais. » Detalhar as críticas que o positivismo sofreu após a 2ª Guerra Mundial. » Descrever a relação de peso entre os princípios. » Problematizar o jogo de forças entre capacidade de adaptação de uma constituição moderna e a necessidade de uma estabilidade jurídica positivista. 11 FUnDAMEntOS POLÍtICOS DO COnStItUCIOnALISMO MODErnO • CAPÍTULO 1 Diferentes Conceituações de Constituição Desde que o ser humano começou formar sociedades, viver em comunhão, constituir povos ou nações, verificou-se a necessidade de um ordenamento jurídico superior para regular essas relações, uma normatização regulada pelo então Direito Constitucional. Como exemplo da necessidade de legislação, veja o que afirma Gabriel Dezen Júnior sobre a obra de Aristóteles denominada Política: Na Política, desse eminente grego, encontramos que a “Constituição do Estado tem por objeto a organização das magistraturas, a distribuição dos poderes, as atribuições de soberania, numa palavra, a determinação do fim especial de cada associação política”. Esse conceito é assombrosamente próximo da compreensão que se imporia séculos após. Dezen Jr, 1998. Podemos perceber com o trecho acima que o direito constitucional, nos dias de hoje, retoma aspectos importantes do direito grego. Assim, a constituição do Estado é organizada por um regime legal abrangente, que engloba a forma como os poderes são distribuídos, os magistrados, a soberania. Mas constituição é um conceito polissêmico: existem modos diferentes de entendê-la. Ênfase sociológica, de acordo com Ferdinand Lassalle A Constituição regula-se de acordo com o desenvolvimento da sociedade, necessidades e anseios. Ela é fruto das relações sociais, e de nada adianta um documento escrito se a regra codificada não corresponde aos costumes e tradições da coletividade. O autor afirma que é a soma mais efetiva do poder que predomina na coletividade. Para Lassalle (2000- 2006), a Constituição não passa de um pedaço de papel se não corresponder a uma Constituição real ou efetiva, que sempre deve advir dos anseios sociais, das tradições e costumes. O que nos leva a considerar que a legislação, em seu sentido mais básico, aponta para a sociabilidade humana. Figura 1 – Imagem ilustrativa da sociabilidade. Fonte: http://fatosociologico.blogspot.com/2010/05/conceitos-sociologicos-fundamentais.html. Importante O direito constitucional é o ramo do direito que controla e sistematiza as leis fundamentais do Estado, regula as demais normas, é superior a elas, prevalecendo caso haja alguma discordância. É uma lei fundamental e suprema da sociedade que estabelece em seu texto as normas de organização do Estado e dos poderes, e declara os direitos e garantias fundamentais. 12 CAPÍTULO 1 • FUnDAMEntOS POLÍtICOS DO COnStItUCIOnALISMO MODErnO Ênfase política, de acordo com por Carl Schmitt A Constituição, para Carl Schmitt (2007), é fruto de uma decisão política fundamental, tendo em vista que ela surge por meio de princípios e ideias em um determinado momento histórico. A Constituição antecede as Leis Constitucionais. De acordo com o conceito político, ela se divide em duas vertentes: conteúdo material, ou norma materialmente constitucional; e conteúdo formal, ou norma formalmente constitucional. Quadro 1 – vertentes do Conceito Político de Constituição. Conteúdo Material Conteúdo Formal As normas materiais possuem força normativa, impõem obrigações, defendem direitos, englobam os princípios constitucionais, os direitos fundamentais, direitos individuais, direitos sociais, nacionalidades, direitos políticos, partidos políticos, organização política administrativa e organização dos poderes. As normas formais não possuem essa força impositiva; no geral, ela direciona, orienta e autoriza a regulação por leis, por exemplo, o Preâmbulo da CF/1988. Elaboração: próprio autor. Ênfase jurídica proposta por Hans Kelsen A Constituição é a norma pura que dá origem à construção de todo ordenamento jurídico (leis e atos administrativos) e, por isso, possui hierarquia sob todo ordenamento jurídico. Segundo Hans Kelsen (1993), ainda, a Constituição situa-se no plano do dever-ser; ela foi feita para ser pura e simplesmente cumprida, independentemente de posições sociais, situação política e econômica, ou melhor, suprema e positivada de cumprimento obrigatório. Figura 2 – Pirâmide de Kelsen Fonte: https://blogdoguerra.com/2011/01/13/constituicao-leis-portarias-o-que-e-isso-e-ordenamento-juridico/.Ênfase cultural, defendida por Konrad Hesse, Peter Häberle e Paulo Bonavides Esse conceito pretende integrar dimensões que já vimos nas propostas anteriores. Para os autores, a Constituição tem que ser uma mescla de social, política e jurídica, deve englobar os Saiba mais Para conhecer mais sobre a ênfase sociológica, você pode ler o livro O que é Constituição?, de Ferdinand Lassalle (LASSALLE, 2000-2006). Saiba mais Para conhecer mais sobre a ênfase política, você pode ler o livro Legalidade e Legitimidade, de Carl Schmitt (SCHMITT, 2007). Saiba mais Para conhecer mais sobre a ênfase jurídica, você pode ler o livro A Democracia, de Hans Kelsen (KELSEN, 1993) 13 FUnDAMEntOS POLÍtICOS DO COnStItUCIOnALISMO MODErnO • CAPÍTULO 1 anseios da sociedade, derivar de uma decisão política fundamentada e ser uma norma suprema positivada. Saiba mais Para aprimorar-se nas ideias de Konrad Hesse, você pode ler o livro Temas Fundamentais do Direito Constitucional (HESSE, 2009). Para conhecer mais sobre o pensamento de Peter Häberle, você pode ler o artigo Breve ensaio acerca da hermenêutica constitucional de Peter Häberle, de Rafael Caiado Amaral (AMARAL, 2003). Por fim, para um detalhamento da abordagem do direito constitucional feita por Paulo Bonavides, você pode ler o livro Curso de Direito Constitucional (BONAVIDES, 1994). Provocação Lembra-se de que, no início deste capítulo, você escreveu sobre a CF/1988? Então, quando você escreveu sobre a constituição, a partir de qual perspectiva você argumentou? Retome suas anotações e verifique qual das ênfases acima mais se aproxima das ideias que você utilizou. Fundamentos Políticos do Constitucionalismo Moderno Com fim da 1ª Guerra Mundial, os seres humanos começaram a exigir mais direitos protegidos pelo Estado, com especial ênfase nos direitos sociais. Foi quando começou a surgir o conceito de Estado social, um Estado que se comprometia mais em dar educação, saúde, trabalho e previdência, uma assistência mais próxima aos seus governados. Já com o final da 2ª Guerra Mundial e em decorrência de atrocidades que ocorreram, esses direitos sociais evoluíram em grandes países da época, entre eles, Itália, Alemanha, Portugal, Espanha e o Brasil. Tais países depararam-se com um impasse jurídico entre o positivismo de Hans Kelsen – a Constituição é puramente o conteúdo impresso, não sofrendo modificação para se adequar ao contexto social ou reivindicações populares – e surgimento de uma gama de direitos difusos, com expressões como dignidade da pessoa humana, supremacia dos direitos humanos, funções sociais da propriedade, trabalho digno e susto, salário proporcional, igualdade de direitos, igualdade entre homens e mulheres e vários outros que estavam inerentes a uma Constituição mais moderna e justa. Com essa nova perspectiva, apoiada numa nova ordem social e reforçada por direitos muito mais amplos e humanos, a força normativa, pura e simplesmente, perde lugar para os princípios, que saem de trás do palco para preencher uma lacuna no protagonismo constitucional. Numa breve citação de Canotilho, conforme apresentado por Flávia Bahia (2017): Tanto o princípio como a regra sejam espécies de norma, o princípio se diferencia da regra porque, em livre resumo, tem um maior grau de abstração, por trazer sempre 14 CAPÍTULO 1 • FUnDAMEntOS POLÍtICOS DO COnStItUCIOnALISMO MODErnO um caráter de fundamentalidade dentro do sistema e um maior compromisso com a ideia de justiça e, enfim, por ser o próprio fundamento da regra, sendo esta um desdobramento casuístico do princípio. Diante da complexidade em transformar princípios em regras – leis –, os princípios transformaram-se em verdadeiros pilares constitucionais, direcionando o nascimento dos fundamentos constitucionais, já que explicamos a importância destes numa sociedade organizada. Nessa complexa mudança, notamos que, numa ideia positivista em que a legalidade é formada por regras escritas ou leis, torna-se quase impossível ao governante antever todas as possibilidades jurídicas. Assim, diante da máxima de que direito deve ser o que está escrito, alguns acontecimentos estarão longe do alcance legal, o que evidenciará que a legislação é falha. Por outro lado, as regras devem ser claras para que não haja interpretações inadequadas, ou para que o juízo não corra o risco de criar interpretações. Por outro lado, não podemos falar que uma regra é mais importante que outra. Sendo de mesma ordem, ela pode até ter maior importância com a resolução, mas nunca se essas regras saírem de um mesmo ordenamento ou ocuparem a mesma escala de importância na ordem jurídica. Perceba como bem coloca essa questão o texto de Flávia Bahia (2017): ainda, que, embora princípio e regras devam atender igualmente aos ideais de justiça, os princípios estão mais próximos dessa finalidade do que as regras, em razão de seu alto conteúdo axiológico e moral e, ademais, por constituírem a própria ratio das normas jurídicas. Nessa linha de pensamento, também devemos observar o que apontam Teizeria Tavares e Iris Eliete (1998): expresso uma necessidade de reformas constitucionais, as reformas são imprescindíveis como adaptações da mudança constitucional às condições sociais em constante modificação; mas devem ser efetuadas com cuidado e reserva, sem o que desvalorizam o “sentimento constitucional”. Tal argumentação é desenvolvida em consonância com a perspectiva de Antonio Porras Nadales: em que esclarece esse aspecto e analisa a forma pela qual se opera a absorção das mudanças pelo Direito Constitucional. Percebe ele, no modelo atual do Estado social, uma dualidade paradoxal: Atenção Diante dessas dúvidas, os juristas que defendem os princípios diante das regras justificam que os dois resolvem situações particulares e únicas, mas os princípios, além de trazerem uma solução aplicável ao caso concreto, têm seu embasamento no comportamento geral ou médio. Outro ponto defendido é que os princípios possuem um peso no contexto social e cultural. Se, na situação em si, houver um conflito entre princípios, o princípio que tiver maior peso ou importância deve prevalecer na solução do conflito. 15 FUnDAMEntOS POLÍtICOS DO COnStItUCIOnALISMO MODErnO • CAPÍTULO 1 a) de um lado, são sistemas sociais em permanente processo de transformação, onde a inovação, o desenvolvimento tecnológico, a adaptação à complexidade e, portanto, a mudança são uma exigência da própria dinâmica da ordem social ou jurídica da constituição; b) por outro lado, temos a ordem constitucional e seu sistema de valores consagrado como um elemento necessário de estabilidade, no qual há uma “dimensão social transcendente de lealdade e legitimação – como assinalou Habermas” – capaz de processar e amortizar as mudanças geradas na periferia do sistema. (TAVARES; ELIETE, 1998) Temos, de um lado, a capacidade de adaptação de uma constituição moderna diante dos anseios sociais, as evoluções mundiais, a industrialização e constantes modificações estruturais, e do outro a necessidade de uma estabilidade jurídica positivista, uma manutenção das regras atuais, mesmo com uma capacidade limitada diante dos progressos constantes. A grande dúvida é como resolver o dilema jurídico da introdução de novas ordens constitucionais num campo de saber tão sistêmico, mas ao mesmo tempo adaptável: a. somente é necessária a conceituação técnica e jurídica, um estudo amparado de juridicidade, o que demanda interpretação Constitucional; ou b. por ser uma demanda social em si, somente tem poder de recepção Constitucional, desde que venha precedida de um debate, participação popular e demais convenções sociais, e tem fundamentação suficiente para o ingresso e legitimação. Sintetizando Vimos até agora: » O conceito de constituição segundo as ênfases sociológica, política, jurídica e cultural. » A conjuntura histórica que levou à consolidação dos direitos sociais. » As críticas queo positivismo sofreu após a 2ª Guerra Mundial. » A relação de peso entre os princípios. » O jogo de forças entre capacidade de adaptação de uma constituição moderna e a necessidade de uma estabilidade jurídica positivista. » A legislação é necessária na formação das sociedades. » O direito constitucional é o ramo do direito que controla e sistematiza as leis fundamentais do Estado, que regula as demais normas, é superior a elas, prevalecendo caso haja alguma discordância. » Na ênfase sociológica, a Constituição regula-se de acordo com o desenvolvimento da sociedade, necessidades e anseios. » Na ênfase política, a Constituição é fruto de uma decisão política fundamental, tendo em vista que ela surge por meio de princípios e ideias, em determinado momento histórico. 16 CAPÍTULO 1 • FUnDAMEntOS POLÍtICOS DO COnStItUCIOnALISMO MODErnO » As normas materiais possuem força normativa, impõem obrigações, defendem direitos. Elas englobam os princípios constitucionais, os direitos fundamentais, direitos individuais, direitos sociais, nacionalidades, direitos políticos, partidos políticos, organização política administrativa e organização dos poderes. » As normas formais não possuem essa força impositiva. No geral, ela direciona, orienta e autoriza a regulação por leis. » Na ênfase jurídica, a Constituição é a norma pura que dá origem à construção de todo ordenamento jurídico (leis e atos administrativos), e, por isso, possui hierarquia sob todo ordenamento jurídico. » A ênfase cultural pretende integrar dimensões, afirmando uma mescla de social, política e jurídica, na qual a constituição deve englobar os anseios da sociedade, derivar de uma decisão política fundamentada e ser uma norma suprema positivada. » A priorização dos direitos sociais está ligada ao contexto histórico da 1ª e 2ª Guerras Mundiais. » OS princípios possuem um peso no contexto social e cultural. » Existe um jogo de forças entre, de um lado, a capacidade de adaptação de uma constituição moderna, e, de outro, a necessidade de uma estabilidade jurídica positivista. 17 Introdução ao Capítulo No Capítulo 1, estudamos os elementos fundamentais do direito constitucional. Neste capítulo, vamos abordar a relação entre a constituição e a sociedade. Estudaremos o processo de construção e validação de uma constituição, buscando compreender as dinâmicas sociais e jurídicas envolvidas. Objetivos do Capítulo » Compreender a importância da CF/1988 na recente história do Brasil. » Interpretar a ideia de sentimento constitucional. » Delimitar as características da CF/1988. » Descrever o processo de consolidação de uma constituição, observando as características do Estado moderno, no Brasil e no mundo. » Relacionar os elementos indispensáveis na busca pela validação constitucional. » Descrever os princípios das constituições modernas e as neoconstitucionais. » Delimitar o papel da CF/1988 na orientação da defesa dos direitos, compreendendo seus desafios. Provocação O movimento Diretas Já constituiu uma importante mobilização social no Brasil, entre os anos de 1983 e 1984. Foi um movimento social pelas eleições diretas para presente do Brasil. O povo foi às ruas exigir uma mudança política que permitisse à população ter voz sobre os destinos da nação. 2CAPÍTULOCOnStItUIçãO E SOCIEDADE 18 CAPÍTULO 2 • COnStItUIçãO E SOCIEDADE Figura 3 – Movimento Diretas Já – Manifestação em Brasília, diante do Congresso nacional. Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/1/1a/Diretas_J%C3%A1.jpg/300px-Diretas_J%C3%A1.jpg. Esse movimento representa uma apropriação social dos direitos políticos e forma um conjunto de fatos históricos importantes para se entender o processo de legitimação social do governo. Neste capítulo, vamos falar de legitimação social. O que você sabe sobre esse assunto? Escreva um parágrafo sobre essa ideia principal: o governo do povo. 19 COnStItUIçãO E SOCIEDADE • CAPÍTULO 2 Constituição e Sociedade Na recente História do Brasil, uma das formas de efetivar a transição entre o autoritarismo da ditadura militar de 1964 e a democracia foi a promulgação da Constituição Federal de 1988. Sob a égide da democracia e com fundamentos voltados à dignidade da pessoa humana e na proteção aos direitos humanos, a CF/1988 perpetuou-se e hoje ganha força não somente no mundo jurídico, mas também nas reinvindicações sociais, nos movimentos da sociedade civil organizada e em boa parte da sociedade ativa. O histórico das Constituições brasileiras não tem sido favorável no sentido de se respeitar as normas. Várias constituições anteriores foram desrespeitadas em algum momento. Exemplo disso é a emancipação de D. Pedro II, assim como constituem exemplos de quebra das normas constitucionais os atos institucionais no regime militar, entre outros. Atualmente, temos uma Constituição sólida que já perdura por 30 anos. Mesmo com todos os acontecimentos recentes que colocam em questão a manutenção da norma constitucional na história recente do país – dois impeachments e outros fatos importantes –, não há uma ruptura declarada dos princípios constitucionais, e a Carta Magna ainda é o ponto-base, na condição de norma suprema, da atual democracia brasileira. A Constituição ganhou força normativa, e setores importantes da sociedade conclamam os poderes públicos a vê-la como uma norma que precisa ser respeitada. E mais um ponto importante para se destacar é a importância jurídica que ela conserva, diferentemente de constituições brasileiras anteriores, que eram vistas por muitos como normas retóricas. Toda essa estrutura constitucional, composta de norma autêntica, foi de primordial importância para amparar garantias jurídicas, que ganharam forças em suas decisões. Seus fundamentos norteiam as decisões mais importantes e fundamentais na República, e seus princípios direcionam o mundo jurídico para o bem comum. A Constituição também tem ganhado importância no contexto social. O “sentimento constitucional” tem crescido nas reinvindicações e manifestações. A sociedade tem conseguido, cada vez mais, incorporar seus princípios e exigir seus direitos. Suas promessas constitucionais têm se aproximado de seus objetivos. Mesmo que a passos lentos, o mundo jurídico e os poderes públicos têm presenciado cada vez mais essa aproximação da norma com realidade social, política e institucional. Mas há, ainda, um abismo entre a norma e seus objetivos, mesmo que possamos afirmar que houve melhoras. Quanto mais necessitado for o alvo, maior é o precipício entre a norma e sua efetividade. (BONAVIDES, 2000; BARROSO, 1998). É impossível não perceber a discrepância entre a norma constitucional e seus objetivos. A Constituição preceitua normas que nem mesmo tornaram-se realidade implementada 20 CAPÍTULO 2 • COnStItUIçãO E SOCIEDADE e determina coisas que nunca existiram. Não há dúvidas de que ainda temos vários problemas, mas estes não se resolverão com a ação isolada dos entes públicos. É necessária atuação conjunta entre o poder público e a sociedade. Com a reaparição da democracia, consolidada com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a demanda por uma ordem mais protetiva e humanitária e a desvinculação de um Estado autoritário fizeram com que a Carta Magna fosse carregada de direitos fundamentais individuais e coletivos com diversos vínculos sociais, que a caracteriza como uma Constituição moderna. A carta maior da República Federativa do Brasil tem total capacidade de uma plena eficácia, pois tem uma moldagem contemporânea. Trata-se de uma construção com base nas crescentes democracias do pós-guerra e precedida de uma ditadura militar; uma norma em que se privilegia a dignidade da pessoa humana, os direitos humanos e o amparo social. Inspirada em constituições como a alemã, a portuguesa e influenciada pela norte-americana, ela já nasce com os novos ditames democráticos, com uma clara convicção de dignidade e um avançoconsiderável dos direitos humanos. Uma Constituição deve se impor como norma jurídica. Ela tem força e autonomia para ser reconhecida como tal. Mas seu reconhecimento como força máxima resulta de uma composição entre a norma e um fator histórico. A Constituição precisa de um período para conseguir expressividade. Por si mesma, a Constituição não ocupa o espaço que lhe é devido. Ela precisa se fixar e alcançar o respeito da sociedade. Uma norma constitucional não convence uma nação se não houver um consenso para dar legitimidade a ela, identificar os interesses da esfera pública. Ela precisa passar por um contexto de reivindicações da sociedade, ouvir as necessidades, elencar prioridades e saber quais são os anseios do seu povo. Esse é o posicionamento do Ministro da Suprema Corte Luiz Edson Fachin, expresso da seguinte forma: ...uma Constituição não nasce Constituição, ela se faz Constituição. FACHIN, 2008. Provocação A Constituição Brasileira é uma Constituição que deve ser concebida em qual sentido? Presume-se que dessa resposta possa haver uma fagulha de luz que ilumine as causas pelas quais uma Constituição democrática e com vigência inquestionável, não encontra na sociedade um reflexo daquilo que se estabeleceu juridicamente, sendo que visivelmente optou por ser uma Constituição dirigente e não uma Constituição meramente organizatória da atuação do Estado. Bernardi; Pierobon, 2014. Coloque-se a pensar com o conhecimento que você já adquiriu no capítulo 1 e neste capítulo e responda às seguintes questões: » Para você, qual seria o verdadeiro sentido da Constituição Federal de 1988? » Você acha que ela consegue dar efetividade ao que se propõe? » De quem seria a responsabilidade para uma melhor efetividade? 21 COnStItUIçãO E SOCIEDADE • CAPÍTULO 2 Um exemplo bem exagerado para fixarmos esse processo seria o seguinte: digamos que no ano de 2019 um Senador da República proponha um projeto de Emenda à Constituição em que, na copa do mundo de 2022, no Qatar, os brasileiros não poderão torcer pela seleção brasileira; que todos tenham até o dia 31/12/2021 para aderir à seleção argentina. Votada, aprovada e sancionada, essa Emenda à Constituição vai ter validade? Desde que sejam observados os procedimentos, sim. Essa lei terá eficácia? Não, uma vez que não é um consenso da população, não são nossos anseios, não é decorrente de nossas reivindicações. É uma necessidade comum da população? Saiba mais Para saber mais sobre o processo de consolidação da CF/1988, você pode ler o artigo Dez anos da Constituição de 1988, de Luís Roberto Barroso (1998). Para estudar sobre o desenvolvimento do constitucionalismo no Brasil, você pode ler o artigo A evolução constitucional do Brasil, de Paulo Bonavides (2000). O neoconstitucionalismo Moderno Será necessário conhecermos um pouco mais da história da nossa Constituição para que possamos entender qual é o papel da Constituição e qual é a sua principal função. Ela é uma constituição dirigente – propõe direcionar os poderes ao que se deseja – ou é organizacional – que simplesmente organiza o funcionamento do estado e deixa que as leis ordinárias e complementares cuidem da proteção de direitos e deveres da República? Nossa constituição já nasce num constitucionalismo moderno, que ocorreu a partir do pós-guerra e saiu de um regime autoritário – no qual o Estado afastava-se das questões sociais e muitas vezes usava a força para se perpetuar no poder – para iniciar um regime liberal/social, em que as questões sociais ganham força, mas continuam com limitação estatal, um movimento que aconteceu com várias similaridades, mas sem vinculação em diversas partes do ocidente. É importante frisarmos que esse constitucionalismo moderno partiu de um regime autoritário, transformando as relações da sociedade com o Estado. Os anseios e expectativas da modernidade são diferentes do que veremos no neoconstitucionalismo. No moderno, eles vinham de um Estado considerado inimigo do seu povo; um Estado em que suas vontades eram impostas com a força de seus exércitos. O Estado moderno vem fortemente amparado por um positivismo jurídico, assegurando a atuação do Estado na aplicação da lei, em que protege os direitos individuais e caminha na intenção de uma maior proteção aos direitos sociais, mas não permite ações de longa duração. O neoconstitucionalismo surge num Estado mais voltado para a dignidade da pessoa humana, mesmo que com ações limitadas, e uma legislação que tenta superar o positivismo 22 CAPÍTULO 2 • COnStItUIçãO E SOCIEDADE do Estado moderno. Essa nova retórica vem com a exigência de um Estado mais ligado ao constitucionalismo, em que a lei não seja somente para impor direitos e obrigações em uma norma positivada, mas que se ligue aos seus princípios, à hermenêutica, e coadune com a moral. São diversas as teorias do neoconstitucionalismo, mas a ideia central é dar força à Constituição para sair do mundo do “mandar fazer” – da organização – para o mundo do “é assim que devemos fazer” – direção – e com isso também trazer nova interpretação e maior controle de constitucionalidade. O Judiciário ganha força nesse papel. As discussões devem ser pautadas numa corte estabelecida para tal. Essa corte também deve ser a responsável pelo controle de constitucionalidade. Com o surgimento do neoconstitucionalismo no Brasil, mesmo quando ainda estávamos engatinhando no constitucionalismo moderno, a Constituição buscou ser ainda mais ativa; buscou uma maior verticalização da norma. A Constituição traz em seu texto a tentativa de “tomar as rédeas” na proteção dos direitos individuais e coletivos, tentando suprir a edição de leis ordinárias, e, com isso, ela passa a ser o recurso que a sociedade tem. Em outras palavras, a Carta Magna “diz ao povo que ela será a grande garantidora de direitos, que sua nação tratará direto com ela e o que ela achar pertinente será delegado às leis ordinárias e complementares, mas não abre mão de cuidar das coisas mais importantes”. Com essas novas formas interpretativas, os métodos anteriores não foram abandonados. Só houve uma espécie de aprimoramento da técnica ou a inclusão de novos métodos que também completavam os já existentes (DALLARI, 2010). No Brasil, a Constituição ganhou os traços do neoconstitucionalismo. Ela se faz promulgar (escrita) em suas intenções de aplicabilidade, muitas vezes indicando positivamente as regras que podem se sobrepor às falhas que possam surgir com a ausência do Estado. Isso quer dizer que, por muitas vezes, a Constituição é o recurso que a sociedade tem para sanar as falhas estatais, sem a necessidade de leis ordinárias que regulem isso. Essa espécie de ligação direta com a sociedade faz com que o Judiciário tome força com o terceiro poder, pois grande parte das ações políticas serão deliberadas por meio do crivo do Judiciário (CAMBI, 2016). Um exemplo do papel do Poder Judiciário nessa nova concepção de Constituição do Ministro Celso de Mello é bem expresso num de seus votos na Suprema Corte: É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do poder Judiciário - e nas desta Suprema corte em especial- a atribuição de formular e de implementar políticas públicas [...], pois, nesse domínio, o encargo Saiba mais Para saber mais sobre os percursos históricos que marcaram o constitucionalismo, você pode ler o livro de A Constituição na vida dos povos: da Idade Média ao século XXI, de Dalmo de Abreu Dallari (DALLARI, 2010). 23 COnStItUIçãO E SOCIEDADE • CAPÍTULO 2 reside primeiramente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal incumbência, no entanto, embora com bases excepcionais poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estaturaconstitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. [...] o caráter programático das regras inscritas no texto da carta política “não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria lei fundamental do Estado”. Toda essa teoria depende de uma Constituição válida. Depende da força conquistada por ela. Uma Constituição que se aproxime do que se propôs a fazer, aproxime-se do ideal buscado por ela e não deixe que seus fundamentos fiquem no papel. Um instrumento, portanto, cujos princípios sejam praticáveis. Alguns elementos são indispensáveis na busca por essa validação constitucional, os quais são elencados por Konrad Hesse: Baseia-se na compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativa inquebrantável, que proteja o Estado contra o arbítrio desmedido e disforme. Reside igualmente, na compreensão de que essa ordem constituída é mais do que uma ordem legitimada pelos fatos (e que por isso, necessita de estar em constante processo de legitimação). Assenta-se também na consciência de que, ao contrário do que se dá com uma lei do pensamento, essa ordem não logra ser eficaz sem o concurso da vontade humana. Essa ordem adquire e mantém sua vigência através de atos de vontade. Essa vontade tem consequência porque a vida do Estado, tal como a vida humana, não está abandonada à ação surda de forças aparentemente inelutáveis. (HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. apud BERNARDI; PIEROBON, 2014). Sistematizando as ideias de Hesse (apud BERNARDI; PIEROBON, 2014), temos os seguintes elementos indispensáveis na busca por validação constitucional: Esquema 1 – Elementos da validação constitucional por Konrad Hesse. ro bu st ez : compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativa inquebrantável le gi tim aç ão : Compreensão de que essa ordem constituída é mais do que uma ordem legitimada pelos fatos vo nt ad e: consciência de que essa ordem adquire e mantém sua vigência por meio de atos de vontade Elaboração: valério Carvalho. 24 CAPÍTULO 2 • COnStItUIçãO E SOCIEDADE As constituições modernas e consequentemente as neoconstitucionais vêm no sentido de evitar que o Estado seja um mal para a sociedade. Devem tentar evitar que o Estado deixe que aconteça ou que ele próprio ameace os direitos individuais do cidadão, a dignidade da pessoa humana, violando os direitos humanos. Afinal, qual seria a função do Estado senão proteger e fazer com que se proteja o seu bem maior: o seu povo? A Carta Magna brasileira dá um passo ainda maior. Além da função coibente da maioria das constituições, ela vem imbuída com a função de orientar a defesa desses direitos, não somente de coibir – como grande parte das constituições modernas. Em seus fundamentos, ela indica uma atuação social forte, expressa várias vezes em seus artigos. Não constituiu somente um Estado de Direito, mas sim um Estado Democrático de Direito, que facilmente poderia ser chamado de “Estado Social Direito”. A Constituição brasileira passou de moderna para o neoconstitucionalismo sem mesmo ter conseguido ser uma norma moderna. Essa transição foi muito recente na nossa história, uma história recente que não comportou as necessidades exigidas do constitucionalismo moderno. Isso tudo se tornou um problema. Nossas leis são ótimas no papel, mas o Estado não comporta essa eloquência e acaba falhando no dia a dia estatal. Outro ponto que deve ser levado em consideração é a passagem do Estado Liberal para o Estado Democrático de Direito sem que as ideologias, filosofias e atitudes tenham mudado. As instituições, os poderes públicos e até mesmo seu povo devem ter a consciência de que as leis devem ser direcionadas ao sujeito, uma vez que o indivíduo é o principal objetivo. Mas a Constituição não é de todo falha. Tem havido uma crescente imposição constitucional. Ela tem se mostrado bem efetiva em vários pontos, e a judicialização tem sido um marco. O grande problema é que isso deveria partir da política para que essa intervenção fosse primordialmente no controle de constitucionalidade. Sintetizando Vimos que: » Na recente história do Brasil, uma das formas de efetivar a transição entre o autoritarismo da ditadura militar de 1964 e a democracia foi a promulgação da Constituição Federal de 1988. » O histórico das constituições brasileiras não tem sido favorável no sentido de se respeitar as normas. Várias constituições anteriores foram desrespeitadas em algum momento. Provocação Diante de tantas informações, dos conhecimentos dos fundamentos constitucionais e seus princípios, você acha que a Constituição conseguiu se impor? Faça um apanhado mental, em seus direitos, no direito do vizinho e no seu município, e escreva um parágrafo dissertando criticamente se a Constituição Federal de 1988 conseguiu tudo o que promete. Reflita um pouco sobre isso. 25 COnStItUIçãO E SOCIEDADE • CAPÍTULO 2 » Atualmente, temos uma Constituição sólida que já perdura por 30 anos. Vale destacar a importância jurídica que ela conserva, diferentemente de constituições brasileiras anteriores, que eram vistas por muitos como normas retóricas. Seus fundamentos norteiam as decisões mais importantes e fundamentais na República, e seus princípios direcionam o mundo jurídico para o bem comum. » O “sentimento constitucional” tem crescido nas reinvindicações e manifestações. A sociedade tem conseguido, cada vez mais, incorporar seus princípios e exigir seus direitos. » Com a reaparição da democracia, consolidada com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a demanda por uma ordem mais protetiva e humanitária e a desvinculação de um Estado autoritário fizeram com que a Carta Magna fosse carregada de direitos fundamentais individuais e coletivos com diversos vínculos sociais, o que a caracteriza como uma Constituição moderna. » A carta maior da República Federativa do Brasil já nasce com os novos ditames democráticos, com uma clara convicção de dignidade e um avanço considerável dos direitos humanos. » Uma Constituição deve se impor como norma jurídica. Ela tem força e autonomia para ser reconhecida como tal. Mas seu reconhecimento como força máxima resulta de uma composição entre a norma e um fator histórico. » O Estado moderno vem fortemente amparado por um positivismo jurídico, assegurando a atuação do Estado na aplicação da lei, em que protege os direitos individuais e caminha na intenção de uma maior proteção aos direitos sociais, mas não permite ações de longa duração. » O neoconstitucionalismo surge num Estado mais voltado para a dignidade para pessoa humana, mesmo que com ações limitadas e uma legislação que tenta superar o positivismo do Estado moderno. » São diversas as teorias do neoconstitucionalismo, mas a ideia central é dar força à Constituição. » Foi concedida à Constituição uma aplicação mais verticalizada. A norma passou a ser garantidora de direito sem intermédio de legislação ordinária, o que criou uma forma mais fácil de controle de constitucionalidade. » No Brasil, a Constituição ganhou traços do neoconstitucionalismo. » Alguns elementos são indispensáveis na busca por essa validação constitucional: compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativa inquebrantável; compreensão de que essa ordem constituída é mais do que uma ordem legitimada pelos fatos; consciência de que essa ordem adquire e mantém sua vigência por meio de atos de vontade. » As constituições modernas e consequentemente as neoconstitucionais vêm no sentido de evitar que o Estado seja um mal para a sociedade. » A Carta Magna brasileira vem imbuída com a função de orientar a defesa desses direitos, não somente de coibir – como grandeparte das constituições modernas. » A Constituição brasileira passou de moderna para o neoconstitucionalismo sem mesmo ter conseguido ser uma norma moderna. » Outro ponto que deve ser levado em consideração é a passagem do Estado Liberal para o Estado Democrático de Direito sem que as ideologias, filosofias e atitudes tenham mudado. 26 Introdução ao Capítulo No Capítulo 2, estudamos as constituições e seus processos de produção e legitimação. Vimos que, na condição de normas jurídicas, as constituições têm uma relevante função social, como elementos definidores, norteadores e organizadores da experiência em sociedade. Neste capítulo, vamos trabalhar os processos que envolvem a sociedade, a esfera pública e a política. Debateremos, portanto, as lógicas que integram essas esferas, de forma a dar corpo às normas sociais. Provocação Só de Sacanagem Ana Carolina Meu coração está aos pulos! Quantas vezes minha esperança será posta à prova? Por quantas provas terá ela que passar? Tudo isso que está aí no ar: malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro, do meu dinheiro, do nosso dinheiro que reservamos duramente pra educar os meninos mais pobres que nós, pra cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus pais. Esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e eu não posso mais. Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança vai ser posta à prova? Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais? É certo que tempos difíceis existem pra aperfeiçoar o aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz. Meu coração tá no escuro. A luz é simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e os justos que os precederam: “ - Não roubarás!” “ - Devolva o lápis do coleguinha!” “ - Esse apontador não é seu, minha filha!” Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido que escutar. Até habeas-corpus preventivo, coisa da qual nunca tinha visto falar, e sobre o qual minha pobre lógica ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao culpado interessará. 3 CAPÍTULO DEMOCrACIA E ESFErA PÚBLICA MODErnA 27 DEMOCrACIA E ESFErA PÚBLICA MODErnA • CAPÍTULO 3 No poema acima, Ana Carolina faz um desabafo sobre tudo de errado que vê acontecendo no cotidiano que a cerca. Desde denúncias de corrupção envolvendo o governo até hábitos arraigados nas relações sociais. Como forma de enfrentamento desse estado de coisas, ela conclama a todos nós pela adoção de uma postura ética, responsável e comprometida. Vê esse posicionamento como uma resistência, uma forma de mudar o padrão de relações e por conseguinte de mudar o mundo. Assista ao vídeo da declamação do poema no <link https://youtu.be/cE1VuxpOshI>. Você fez ou já teve vontade de fazer um desabafo público como esse? Se teve ou fez, qual você acha que seria ou foi o efeito de fazê-lo? Em suma: qual é a potência de soltar a voz no espaço público? Faça uma redação sobre o tema “Uma voz na multidão”, buscando abordar suas ideias principais sobre a opinião do cidadão na esfera pública. Ao final, vamos ver se os elementos que você trouxe na sua argumentação têm relação com o que será discutido neste capítulo. Objetivos do Capítulo » Definir esfera pública e relacionar suas características. » Detalhar o mecanismo de comunicação entre sociedade pública e privada com a esfera política. » Definir consenso para Habermas e discutir as críticas apresentadas a esse conceito. » Detalhar a dinâmica entre consenso e dissenso na prática democrática. » Explicar as teorias participacionista, deliberacionista e realista. » Discutir o conceito de pluralismo na democracia e as formas de lidar com o dissenso. » Detalhar o sentido de tolerância por Paulo Freire. 28 CAPÍTULO 3 • DEMOCrACIA E ESFErA PÚBLICA MODErnA A Esfera Pública Moderna A esfera pública é um elo de comunicação entre a sociedade e a esfera política. Compõe uma rede ou sistema que se liga na intenção de dar opiniões, ideias e demonstrar posicionamentos para que sejam tomadas as decisões no mundo político. Não se trata de uma instituição com espaço físico, com normatização e com fixação de funções. É um caminho, uma espécie de rede que circula com um objetivo específico: oferecer ao Estado os anseios e necessidades da sociedade. Esquema 2. Esfera pública, por Jürgen Habermas. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Esfera_pública. Assim sendo, percebemos que a esfera pública integra um mecanismo de comunicação entre sociedade pública e privada com a esfera política, tendo nas relações interpessoais seu ponto de partida. Habermas, um grande definidor de esfera pública, informa que ela não pode conter indivíduos do poder político, nem mesmo afinar-se com a política institucional. Ademais, a esfera pública não tem um espaço definido, pois não há uma materialização. Por mais confuso que pareça, Habermas explica que, mesmo que não haja um espaço predeterminado, ela está em todos os espaços, podendo até ocupar um prédio ou restaurante. Na definição conceitual a seguir, considerando a facilidade de troca de informações na modernidade, Habermas torna mais fácil compreender essa questão de lugar: Além disso, as esferas públicas ainda estão muito ligadas aos espaços concretos de um público presente. Quanto mais elas se desligam de sua presença física, integrando também, por exemplo, a presença virtual de leitores situados em lugares distantes, de ouvintes ou espectadores, o que é possível através da mídia, Saiba mais Para conhecer um pouco mais da definição de esfera pública por Jürgen Habermas, você pode ler Direito e democracia: entre facticidade e validade, de Jürgen Habermas (2003). https://www.google.com/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&source=images&cd=&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwjtzs7Ct8XcAhUHvJAKHXoFDSUQjRx6BAgBEAU&url=https://pt.wikipedia.org/wiki/Esfera_p%C3%BAblica&psig=AOvVaw2MRePQLDBsD2KxUc4ybEc0&ust=1532992307245136 29 DEMOCrACIA E ESFErA PÚBLICA MODErnA • CAPÍTULO 3 tanto mais clara se torna a abstração que acompanha a passagem da estrutura espacial das interações simples para a generalização da esfera pública. (HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública, apud LOSEKANN, 2009.) A esfera pública tem o papel de perceber os anseios sociais, seus problemas, identificar as preocupações da sociedade, as suas necessidades e, principalmente, influenciar o sistema político. Exerce pressão para que os anseios da sociedade sejam atendidos. É um ciclo que se inicia com a problematização que ocorre no dia a dia, que gera uma intensa troca de ideias – debates. Com isso, há a percepção das vontades – os anseios, preocupações – que se transforma em opinião pública. Essa última constitui uma vontade em comum, um consenso gerado após os debates. Nessa mesma linha, Habermas (2003) sugere que haja um grau a ser considerado na opinião pública, que depende da força dos debates – força no sentido de importância, qualidade – por ser composta de consenso. Esse grau dependerá da racionalidade empenhada na discussão. Em decorrência disso, a esfera política sofrerá uma maior ou menor pressão da esfera pública. Um ou outro indivíduo ou um grupo mais organizado destaca-se na interlocução da esfera pública com o poder público. Isso pode ocorrer devido à sua eloquência, por sua rede de contatos, por sua importância social ou até por seu lugar de destaque na sociedade. Mas sempre será primordial que a criação da opinião pública envolva todos os segmentos sociais, independentemente de sua escolaridade, condição social, orientação, entre outros atributos. A opinião pública deve ser composta pelo todo. Quem não tem interesse em ser interlocutor ou não constituir nenhum grupo deve participar com suas opiniões, oferecendo ou não seu consentimento sobre o tema debatido. Consenso para Habermas é a concretização das trocas de interesses, e esse acontecimento se caracteriza pela: “...busca do entendimento entre os participantes, em contraste com a ação instrumentalou com a ação estratégica, voltadas para o sucesso na consecução de objetivos definidos de antemão.” (HABERMAS apud MIGUEL, 2014.) Normalmente, a esfera pública não age em concorrência com a esfera privada. Na maioria das vezes, suas necessidades ligam-se, estão entrelaçadas, até mesmo em seu teor. O que vai diferenciar uma da outra é a forma de discussão e a pressão a ser exercida. Observe abaixo um trecho em que Habermas (2003) demonstra tal fato: Sendo assim, esfera pública e esfera privada não estão desconectadas; pelo contrário, cada uma tem ressonância na outra. A esfera pública capta e realça as temáticas existentes na esfera privada, problematizando-as e trazendo-as para o debate público. A esfera privada, por sua vez, incorpora os debates e agrega 30 CAPÍTULO 3 • DEMOCrACIA E ESFErA PÚBLICA MODErnA informações que influenciam na vida cotidiana e possibilitam refletir sobre a mesma. Também não é o conteúdo das temáticas que separam as duas esferas. Habermas escreve que são as condições de comunicação modificadas que as diferenciam. Ou seja, não existe a priori definido: os temas que são privados e os que são públicos. O que determina a passagem de um tema privado para uma esfera pública é a capacidade dos atores articularem tal temática num debate que se mostre relevante para o interesse geral. Os problemas gerados pela sociedade são perceptíveis na vida cotidiana, nas histórias de vida de cada um. Desta forma, na medida em que problemas são captados e tematizados na esfera privada, logo poderão ser incorporados nos debates públicos e encaminhados ao sistema político como demanda pública a ser atendida. Segundo Habermas: as associações da sociedade civil “formam o substrato organizatório do público de pessoas privadas que buscam interpretações públicas para suas experiências e interesses sociais [...]” (HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública, apud LOSEKANN, 2009). Algumas críticas são lançadas ao modelo de Habermas, entre elas destacamos algumas mais diretas: » a consideração habermasiana de igualdade nas relações: os críticos do pensamento de Habermas acreditam que os envolvidos no “ciclo” da esfera pública dificilmente se colocaram em pé de igualdade com os outros que não têm igual influência. Alertam que faz parte do ser humano posicionar-se em favor de seu ciclo social, de sua formação cultural e demais similaridades; » a ideia de uma única esfera pública: na mesma linha da igualdade, essa crítica insiste na necessidade de uma diferenciação. Deveria haver uma esfera pública para cada meio social, de acordo com o ideal de “igualdade para os iguais e desigualdade para os desiguais”; » a falta de um debate em questões exclusivamente privadas na esfera pública: trata-se de um limite muito tênue entre a diferenciação do que é público ou privado. Quais são os critérios e como saber separar algo tão complexo? Outro obstáculo é: como ficariam os “separados”? Muitas pessoas e grupos ficariam fora dessa racionalidade por motivos diversos, tais como religião, credo, cultura, tradições e tantas outras; » a necessidade da separação entre sociedade civil e Estado: essa crítica alega que, toda vez que há a separação muito forte entre sociedade civil e Estado, há uma grande dificuldade da sociedade civil em ter ferramentas para definir suas demandas ao Estado. É posta uma separação em que o chamado “público fraco” representaria a sociedade civil. Esse público fraco formaria sua opinião, mas sem tomada de decisão. Por outro lado, representando o Estado, haveria um “público forte”, que faria a interlocução das opiniões tomadas pela sociedade civil e analisaria a possibilidade da domada de decisão. 31 DEMOCrACIA E ESFErA PÚBLICA MODErnA • CAPÍTULO 3 Observe o esquema a seguir que sintetiza o conceito de Habermas, assim como as críticas que recebeu. Esquema 3 – Esfera Pública: conceito e críticas. •Crítica: a separação entre sociedade cívil e Estado gera grande dificuldade da sociedade civil para definir suas demandas ao Estado (público fraco x forte). •Crítica: a separação entre público e privado é tênue. Pessoas e grupos ficariam de fora dessa racionalidade por motivos diversos. • Crítica: é necessária uma diferenciação. Deve haver uma esfera pública para cada meio social, pois as pessoas são desiguais. •Crítica: dificilmente as pessoas estão em pé de igualdade. Faz parte da conduta humana posicionar-se em favor de seu ciclo social. Igualdade nas relações Esfera pública única Separação entre Estado e Sociedade Civil Questões exclusiva- mente públicas Elaboração: próprio autor. Alguns estudiosos se esmeram no trabalho de adaptar o conceito de esfera na política brasileira e em países de terceiro mundo. Encontram, porém, grandes dificuldades que se referem ao processo democrático, instituições, relações sociais, culturais e outra mais -– até mesmo por ser um modelo ainda não acabado. Merecendo ser aprofundado, o tema ainda suscita várias dúvidas na democracia brasileira, uma democracia marcada por grandes diferenças e desigualdades. Mas trata-se de um conceito que não pode ser descartado. Devem ser procurados outros formatos, com base no modelo ideal de Habermas, acrescidos das críticas construtivas, elaborado um modelo ideal para a política brasileira – um modelo que minimize os privilégios de camadas sociais, que balanceie tendências discriminantes e tenha princípios de racionalidade. Assim, poder-se-á pensar num modelo adaptado para o bem comum do país. Saiba mais Se você tiver interesse em conhecer um pouco mais sobre as obras de Habermas, leia: » Mudança estrutural da esfera pública ( 1984 [1962]) » Tempo Brasileiro (2003 [1981]). » Teoría de la acción comunicativa ( 1997 [1992]) » Direito e democracia: entre facticidade e validade (1997 [1992]). 32 CAPÍTULO 3 • DEMOCrACIA E ESFErA PÚBLICA MODErnA Saiba mais Para maior conhecimento de algumas teorias e modelos de esfera que sofreram alterações para se adaptar a democracia brasileira, leia: » O artigo As conferências nacionais no governo Lula: limites e possibilidades da construção de uma esfera pública, de Céli Pinto, 2006. » O artigo Esfera pública, e as mediações entre cultura e política: para uma leitura sociológica da democracia, de Sergio Costa, 2000. Consenso e dissenso na prática democrática Começaremos este tópico do capítulo com o significado de cada termo desse estudo. Provocação Observe a figura a seguir e interprete. Há um grupo de pessoas unidas. O que elas estão fazendo? Figura 4. Para interpretar. Fonte: https://www.emaze.com/@ALILzWOL. Apresentamos essa imagem para que você pense sobre o consenso. Consenso significa a conformidade de juízos, opiniões ou sentimentos, opinião ou posições majoritárias, consentimento. E agora a próxima. O que parece? Figura 5. Para interpretar. Fonte: http://www.nacurutunews.com/2012/05/llamados-construir-en-el-disenso.html. https://www.google.com/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&source=images&cd=&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwj6j4GugLbcAhVOOZAKHQEaC60QjRx6BAgBEAU&url=https://www.emaze.com/@ALILZWOL&psig=AOvVaw0Xm44ksKhR4LYHeRCRfWaA&ust=1532462069478422 33 DEMOCrACIA E ESFErA PÚBLICA MODErnA • CAPÍTULO 3 Já essa outra imagem remete ao dissenso. O dissenso é diversidade de opinião, desavença, divergência, contraste. Agora, por último, pense nesta imagem: Figura 6. Para interpretar. Fonte: <http://www.vermelho.org.br/noticia/307584-1>. Essa imagem aponta para a democracia. A democracia é a forma de governo em que o povo exerce a soberania, direta ou indiretamente. Em meados dos anos 1950, o liberal-pluralismo ganhou força com uma visão que incentiva a competição entre grupos de interesses. Essa competição se dava com ênfase nos interesses pessoais de cada grupo e não prestigiava a igualdade. Contudo, o liberal-pluralismo teve oposição de uma teoria democrática mais radical que não queria ver as conquistas democráticasperderem espaço no contexto mundial e não aceitava que pequenos grupos dominassem a política com seus interesses. Então, duas vertentes se destacaram contra a teoria dos grupos de interesse. Elas não aceitavam a diminuição da recente democracia e buscavam o fortalecimento dos regimes democráticos com uma maior efetivação da soberania popular e igualdade política. Uma dessas visões é a participacionista. A teoria participacionista defende a autogestão, maior participação popular, descentralização e – principalmente – que as decisões política tenham maior participação do dia a dia do povo, seja nas escolas, no trabalho, igrejas e demais espaços de discussão. Essa teoria não busca diminuir conflitos. Na verdade, alega que essa participação mais democrática é o meio pelo qual as pessoas aprendem a lidar com o dissenso e a externar divergências para que possam chegar a um consenso. Já o deliberacionismo ganhou força com a diminuição da importância da corrente anterior. Essa teoria foi desenvolvida com embasamento nas obras de Habermas, assim como apropriou-se Atenção Das interpretações que você fez, é preciso destacar que são palavras que têm significados em oposição, mas que são inerentes à prática democrática. Trabalharemos melhor cada termo e faremos a junção num sistema democrático global. Uma democracia é composta de diversas opiniões e, em se tratando de um convívio democrático, é certo que opiniões contrárias ocorrerão – isso inclusive é um elo para um desenvolvimento geral. https://www.google.com/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&source=images&cd=&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwi2roXThLbcAhWGTJAKHZheAEIQjRx6BAgBEAU&url=http://www.vermelho.org.br/noticia/307584-1&psig=AOvVaw37SAd8u_XkLsVm2Goe6nDu&ust=1532463243571727 34 CAPÍTULO 3 • DEMOCrACIA E ESFErA PÚBLICA MODErnA da tradição da teoria crítica e do pragmatismo. Essa última foi desenvolvida por um filósofo e sociólogo alemão denominado John Rawls. Ele foi um professor de filosofia política na Universidade de Harvard, autor de “Uma Teoria da Justiça”, de 1971, “Liberalismo Político”, de 1993, e O Direito dos Povos, de 1999. O deliberacionismo aponta que se faz necessária maior compreensão de democracia, mas dá maior importância para o consenso nas relações humanas e com grande aplicação na democracia. Amparado no “véu da ignorância”, o deliberacionismo defende que cada qual deve se abster de seus talentos, características pessoais, preferências, conhecimentos, entre outros atributos, para definir um mundo ideal. Rawls (1995) acredita que a barreira do interesse fica superada no processo político, uma vez que, caso cada um ou grupo não tenha interesses pessoais em jogo, não haverá empecilho para a imposição da razão. Nessa teoria, a parcialidade é o mal que avança contra a razão e deve ser suplantado. A razão ganha força e é aceita gerando princípios que são recepcionados por todos; os responsáveis no mecanismo de decisão, qualquer que seja a fase, ficam livres da parcialidade e decidem de forma racional. Já em sua última obra, Rawls (1995) aponta que a ideia do véu da ignorância vai perdendo força. Surge o consenso em uma pluralidade de doutrinas até razoáveis, mas que não podem ser compatíveis. Nessa fase, o autor vê-se obrigado a permitir doutrinas diversas, pois é impossível um instrumento que torne a decisão unânime ou que defina qual é a decisão correta. Nessa linha pluralista de Rawls (1995), o consenso deve ser direcionado pelo Estado. Aqui, o consenso é um problema a ser enfrentado, as questões almejadas devem ter uma resposta racional. As respostas são predefinidas, e o trabalho do Estado é fazer com que suas respostas sejam o almejado. É um tipo de consenso que busca garantir o cumprimento das metas políticas sem que haja grandes levantes contrários. Isso implica dizer que as manifestações contrárias devem ser controladas para que não interrompam o andamento político racional. Como bem ressalta Rawls (1995): “...doutrinas que se oponham a esse consenso precisam ser contidas, como se fossem “guerra ou doença”. (RAWLS, 2005 [1995], apud MIGUEL, 2014). Tal convenção somente terá eficácia com todos em pé de igualdade e com possibilidade de se expressar. As opiniões devem ser levadas em consideração e devem ter um mesmo peso para se chegar ao consenso. O consenso é o objetivo principal das relações comunicativas. Para Habermas, diferentemente de Rawls, as posições sociais devem se sobrepor à imparcialidade. O requisito de imparcialidade em Habermas é mais complexo. Ele afirma que é imprescindível a abertura para que o outro possa se expressar e ser ouvido. A busca pelo pensamento racional pura e simplesmente pode não acarretar uma decisão que traga satisfação. Em lugar de um único ponto de vista que tente 35 DEMOCrACIA E ESFErA PÚBLICA MODErnA • CAPÍTULO 3 considerar tudo – o que seria a imparcialidade –, é melhor considerar vários pontos de vista que tudo considerem. Uma corrente mais realista surgiu com críticas ao modelo de Rawls e de Habermas e trouxe essas teorias para mais próximo da realidade, flexibilizando os moldes em que se apresentavam as ideias. Nessa modernização de entendimento, busca-se uma pauta mais exclusiva, em vez de vários representantes com diversas solicitações numa pauta exaustiva e inconclusiva. Começou-se a discutir a qualidade das deliberações em pontos específicos. Aquela coisa de abrir o espaço público para todos que tenham interesse na causa passou a ser mais restritoa, mesmo que englobando a mesma diversidade de aspectos. Com isso, a negociação entra no cenário e faz com que o consenso deixe de ser o foco principal. “Numa percepção marcadamente idealista, o móvel para o conflito social não são as divergências de interesses, mas o sentimento de injustiça provocado pela ausência de reconhecimento pela outra pessoa.” Miguel, 2014. Com tudo isso, concluímos que, para Rawls e Habermas, o conflito deve ser eliminado. É uma prática na democracia que deve ser evitada, com base na teoria de Rawls – pela imparcialidade, no qual a participação é mínima e as manifestações em contrário não devem ser difundidas – ou na teoria de Habermas – pela possibilidade de argumentação alheia, entre as partes com poder argumentativo e igualdade de posições, para se chegar a num senso comum mínimo. Os críticos intitulam que essas teorias são antidemocráticas por não deixarem que os conflitos de interesses ganhem espaço no contexto político. Uma grande crítica dessas práticas é Chantal Mouffe, cientista política pós-marxista belga que desenvolve trabalhos na área da teoria política. Em meados de 1990, Chantal Mouffe demonstra mais profundamente a crítica que faz aos desenvolvimentos recentes da teoria na democracia e concentra suas críticas em três pontos distintos, mas interligados: a soberania popular, o esquecimento entre a diferença de política e moral, e o entendimento da importância do conflito em uma democracia. Esse último ponto tem ligação mais direta com o objeto desta parte do estudo. Saiba mais Para conhecer mais sobre o pensamento de Chantal Mouffe, em suas obras mais recentes e direcionadas ao nosso contexto, você pode ler: » o livro El retorno de lo político: comunidad, ciudadanía, pluralismo, democracia radical (MOUFFE, 1999). Em espanhol; » o artigo Democracia, cidadania e a questão do pluralismo (MOUFFE, 2003); » o artigo Por um modelo agonístico de democracia (MOUFFE, 2005). Saiba mais Para conhecer um pouco mais da cientista política Chantal Mouffe em um período em que sua obra teve um importante destaque na esquerda pós-marxista, leia Hegemonia e Estratégia Socialista (LACLAU; MOUFFE, 2015). 36 CAPÍTULO 3 • DEMOCrACIA E ESFErA PÚBLICA MODErnA Mouffe começa demonstrando as diferenças existentes na sociedade entre a política e o político, e essa diferença coloca em xeque as utopias do ideal racional. Da mesma forma, coloca em questão um consenso sob um véu, que querendo ou não está manchadopelo político. Uma vez que não se pode considerar o político nesse contexto do ideal, igualmente não se pode considerar seus interesses pessoais e as interferências como externas. Mouffe vai mais longe e demonstra que o político baseia sua ação e seus motivos na diferença que ele dá entre amigos e inimigos. Percebe-se que a autora se empenhou em demonstrar a necessidade de mudança no político. É preciso saber bem a diferença entre inimigos e adversários. Isso leva a um desafio que a política e as instituições têm em moldar o político, que é antagonista por natureza. A tendência em se ver pensamentos contrários como uma ameaça deve ser substituída por uma visão menos agressiva de seus contrários, a visão de um adversário, e não de um inimigo. Ela completa que, quando os políticos não conseguem agir de forma agonística, podem ter respostas violentas (MOUFFE, 2005). Figura 7. Imagem-metáfora do direcionamento ideal que as instituições devem dar para as eleições, com base na visão de Mouffe. Fonte: https://medium.com/@Arierbos/a-direita-e-o-pobre-aebb97acbd79. As instituições têm grande peso nesse processo de transformação. Se elas não estiverem empenhadas, não será possível impor as mudanças necessárias. As eleições são um ponto estratégico desse contexto. Os entes que não participam ficam fadados a ficar fora das importantes decisões. Com isso, as eleições devem ser direcionadas ao centro, uma busca por equilíbrio e moderação – não deve pender para a direita ou para a esquerda. Admitindo que “o político” pertence à nossa condição ontológica e, portanto, que o conflito é inerradicável da existência humana, é necessário mostrar como, nessas condições, é possível criar e manter uma ordem democrática pluralista. Este desafio pressupõe uma nova distinção e determinação correlata de categorias: “antagonismo entre inimigos” e “agonismo entre adversários”. “Inimigo”, explica Mouffe, é um outro que deve ser destruído, pois sua existência nega minha identidade. “Adversário”, ao invés disso, é um outro opositor “com quem temos alguma base em comum, em virtude de termos uma adesão compartilhada aos princípios ético-políticos da democracia: liberdade e igualdade”. Ames, 2015. Além das regras e normas, o consenso estende-se aos valores que envolvem a elaboração das regras, não podendo ficar no básico, como prega a teoria liberal. Dessa forma, ela reforça a https://www.google.com.br/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&source=images&cd=&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwigrp6Mk8LcAhULlpAKHTdaAZIQjRx6BAgBEAU&url=https://medium.com/@Arierbos/a-direita-e-o-pobre-aebb97acbd79&psig=AOvVaw2lWymElV4r0YpLSKtpoCoi&ust=1532879240219458 37 DEMOCrACIA E ESFErA PÚBLICA MODErnA • CAPÍTULO 3 teoria de Rawls e Habermas, mas com uma visão mais aprofundada, ou seja, dando mais valor à visão pluralista, com o acréscimo da necessidade de o consenso vir junto com os valores que dão origem às regras e normas. Ao se aproximar do pluralismo, ela salienta que qualquer proximidade pode ser um risco sem que o mal do antagonismo não seja dominado, pois acha impossível que seja eliminado. Ela expressa em algumas obras que há um otimismo em que o político tem possibilidade de agir com agonismo, ou seja, que o político possa ver seus adversários como pessoas que pensam diferentes não como inimigos, e procure entender que seus pensamentos diferentes podem ser consentidos pela busca de um consenso a partir do dissenso racional e democrático. Provocação Luis Felipe Miguel cita um filme que bem expressa a possibilidade de acordo num antagonismo de ideias: ...série de televisão Terra Nova, produzida por Steven Spielberg e exibida nos Estados Unidos em 2011. Num futuro não tão distante, a Terra tornou-se quase inabitável devido aos danos ambientais. Mas é descoberto um buraco no espaço-tempo que permite a algumas pessoas voltarem ao período cretáceo. O eixo do seriado é a disputa entre os “peregrinos” que desejam um novo começo para a civilização humana (ecologicamente correto, sustentável) e aqueles que querem explorar intensivamente os recursos do passado para transferi-los para o futuro, tornando viável a permanência da vida na Terra no século XXII. O seriado tem posição: os heróis são os peregrinos que buscam romper os laços com o futuro. Mas é possível reconhecer a legitimidade do pleito daqueles que estão presos num planeta condenado. Nem por isso, as posições se tornaram menos antagônicas e irreconciliáveis. Miguel, 2014. Figura 8. Folder de anúncio da série terra nova de Steven Spielberg, em 2011. Fonte: https://sharetv.com/shows/terra_nova/season_1. E na nossa democracia? Qual seria a nossa participação popular no dissenso? Será que conseguimos alcançar um consenso mínimo, um consenso que abrace todos? E você, adepto da visão pluralista de Rawls e Habermas, conseguiria escolher o melhor consenso para todos? Conseguiria se vestir do véu da ignorância para escolher o melhor consenso, sem suas convicções, prioridades e amores? https://sharetv.com/shows/terra_nova 38 CAPÍTULO 3 • DEMOCrACIA E ESFErA PÚBLICA MODErnA Com os pontos elencados aqui, percebemos que a busca pelo consenso é inerente à democracia, um consenso mínimo, que possa englobar todas as classes, que possa vir desprovido de vícios, um consenso que parta de conflitos e discussões sem o peso do autoritarismo ou de uma comunicação pouco provável de ser alcançada. O dissenso é um fator importantíssimo nesse processo, à medida que possa produzir discussões desprovidas de “embates de trincheiras”, com todos os grupos sociais e com equilíbrio. Deve haver amor na política contra as ideias puramente racionais de um consensualismo cravado de autoritarismo ou, no mínimo, eivado de um ideal inalcançável. O mais importante deve ser um ideal democrático, com continuidade, em que todos tenham direito de defender suas ideais, ouvir e serem ouvidos. Dar espaço para que as pessoas possam se expressar faz parte da democracia. Ela inclusive deve incentivar o dissenso, pois esse é um sinal de tolerância. A tolerância é importante em qualquer lugar. Mais primordial ainda numa democracia é deixar que as pessoas expressem suas opiniões e respeitar as divergentes. Quando falamos de tolerância, não estamos falando na passividade em ter que aguentar tudo nem em se colocar inferior ao outro. O sentido de tolerância que se coaduna com a democracia é citado por Paulo Freire (2016) como uma tolerância como virtude. É no sentido do indivíduo que consegue ter um bom convívio com o outro, conviver com os diferentes tipos de pessoas, sabendo respeitar suas ideias diferentes, os gostos diversos e a variedade de escolhas. Uma democracia consolidada exige que as ideias diferentes sejam respeitadas. Provocação Agora, que tal você retomar sua redação “Uma voz na multidão”? Verifique se suas ideias sobre a opinião do cidadão na esfera pública estão relacionadas com os conceitos e processos que você estudou neste capítulo. Provavelmente, algumas de suas ideias são próximas do que você estudou de maneira mais sistemática aqui. Então, tente aprimorar seu texto, fornecendo argumentos técnicos e fundamentados na teoria sobre a democracia e o espaço público. Sintetizando Vimos até agora que: » A esfera pública é um elo de comunicação entre a sociedade e a esfera política. Compõe uma rede que se liga na intenção de dar posicionamentos para que sejam tomadas as decisões no mundo político. » A esfera pública integra um mecanismo de comunicação entre sociedade pública e privada com a esfera política, tendo nas relações interpessoais seu ponto de partida. Importante O dissenso é uma prática comum em democracias sólidas, até mesmo em locais de trabalho e escola. Discussões são necessárias para que possamos aprender e estar dispostos a mudar, se for o caso. A discordância de opiniões leva à discussão. Mesmo sendo opiniões contrárias, esses diferentes pensamentos levam ao enriquecimento das relações. 39 DEMOCrACIA E ESFErA PÚBLICA