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Prof. J. Amaro dos Santos / UFPR 1 Gerenciamento de projetos internacionais: aspectos culturais J. AMARO DOS SANTOS* Universidade Federal do Paraná (Depto. de Administração) amaro@ufpr.br Abstract A globalização e as tecnologias de comunicação muito têm contribuído para a consideração de aspectos internacionais nos projetos. No plano internacional, os desafios para gerenciar projetos tendem a ser ainda maiores. Os aspectos culturais constituem o principal desses desafios, conforme indicam pesquisas. Eles dificultam o trabalho conjunto de pessoas com origens, idiomas e formações distintas. Uma proposta para apoiar o gerenciamento dos aspectos culturais em projetos internacionais é apresentada neste artigo. Ela se baseia em 12 dimensões culturais. Diversos casos típicos do gerenciamento de projetos internacionais são discutidos, com base nessas dimensões. INTRODUÇÃO Na última década, houve um forte crescimento na quantidade de projetos internacionais – ou com alguma participação internacional. Mesmo em projetos tipicamente nacionais, é natural que se considere o envolvimento de algum fornecedor, cliente ou financiador de outros países. Esta visão mais ampla se deve principalmente às facilidades geradas pela globalização e pelas modernas tecnologias de comunicação. Contudo, gerenciar um projeto com abrangência internacional impõe maiores desafios aos profissionais de projeto, pois: • o tamanho do sistema aumenta; • leis, regras e normas de diferentes realidades têm de ser consideradas; • aspectos culturais e julgamentos pessoais ganham relevância. Estas dificuldades adicionais exigem dos profissionais de projeto o desenvolvimento de habilidades especiais, voltadas para os aspectos internacionais de cada projeto. Projetos internacionais Não existe uma escala universalmente consagrada para tipificar um projeto como “internacional”. Um projeto pode ser considerado “mais internacional” ou “menos internacional”, em razão de seu relacionamento com os stakeholders de diversos países. Alguns desses stakeholders são [baseado em PMI, 2004]: Fornecedores internacionais: são comuns na indústria automobilística e eletrônica, seja para produtos de valor agregado alto (caixas de câmbio) ou baixo (tecidos). Serviços também podem ser adquiridos no exterior (por exemplo, um desenvolvimento de software. Equipes internacionais: pessoas de diversas nacionalidades e culturas compõem uma equipe de projeto. Este é um caso típico de projetos de empresas multinacionais. * Agradeço ao Dr. Peter Ohlhausen (Fraunhofer Institut for Industrial Engineering – Stuttgart, Alemanha) pelas valiosas discusssões sobre o tema International Project Management. Prof. J. Amaro dos Santos / UFPR 2 Parceiros internacionais: possuem interesse direto ou indireto no resultado do projeto. Um exemplo bem conhecido é a joint venture internacional. Financiadores internacionais: oferecem recursos próprios ou de terceiros para o financiamento de projetos internacionais, como, por exemplo, a Comunidade Européia e o Banco Mundial. Clientes internacionais: encontram-se em países específicos ou no mercado mundial. A eles destina-se o produto do projeto, seja um bem físico ou um serviço. Contratantes internacionais: encomendam um projeto ou produto e apresentam exigências próprias. Casos típicos ocorrem na construção civil, na indústria de software e em projetos turn key. A análise sistemática dos stakeholders pode revelar se um projeto exigirá tratamento especial, como um projeto internacional. Especificidades de projetos internacionais No gerenciamento de projetos, existem fatores que se tornam especialmente relevantes quando um projeto é internacional. Alguns destes são agrupados por Cronenbroeck [2004], conforme a Figura 1. Figura 1. Fatores relevantes para projetos internacionais. Fonte: Cronenbroeck [2004]. Dentre esses fatores, destacam-se os aspectos culturais, conforme pesquisas quantitativas realizadas por Scherer [2002] e por outros autores (ver Tabela 1). Aspecto Importância Cultura 32% Aspectos legais e políticos 18% Gerenciamento de projetos 14% Idioma 14% Aspectos técnicos 11% Infra-estrutura 7% Outros aspectos 4% Tabela 1: Aspectos relevantes em projetos internacionais. Fonte: Scherer [2002]. Projetos internacionais Economia • Características do país • Situação econômica • Legislação de empresas • Contratos internacionais • Mercado de trabalho • Moeda • Impostos • Alfândega Geografia • Clima • Distâncias • Topografia • Blocos de países • Logística Cultura • Mentalidade • Estilos gerenciais • Códigos de conduta • Definição de papéis • Relação indivíduo-equipe • Idiomas • Costumes, ritos, religião • Aceitação de estrangeiros Técnica • Infra-estrutura técnica • Níveis de segurança • Proteção ambiental • Fornecimento de energia • Transferência tecnológica • Padronização técnica Política • Sistema político • Grupos de interesse • Questões nacionais • Diplomacia e apoio Questões legais • Legislação local • Alinhamento internacional • Tendências de mudança • Legislação informal • Protecionismo • Direitos individuais Prof. J. Amaro dos Santos / UFPR 3 Contudo, na literatura sobre gerenciamento de projetos, os aspectos culturais ainda têm sido bem menos enfocados do que os aspectos técnicos. Uma proposta para analisar os aspectos culturais nos projetos internacionais é apresentada a seguir. Dimensões culturais no gerenciamento de projetos internacionais Para analisar os aspectos culturais em projetos internacionais, Hoffmann, Schoper & Fitzsimons [2004] combinam os consagrados modelos de Hofstede [2001], Trompenàrs [1993] e Hall [1989] e propõem uma abordagem a partir de 12 dimensões. A Figura 2 mostra essas dimensões e a escala para posicionar os diferentes países. Prof. J. Amaro dos Santos / UFPR 4 DIMENSÕES CULTURAIS NO GERENCIAMENTO DE PROJETOS • Universalismo: pessoas são tratadas segundo regras claras. Vale o que está no contrato. RIGOR • Particularismo: pessoas são tratadas de acordo com a situação. Contrato não significa obrigação. • Emocional: pessoas mostram pensamentos e sentimentos. Uso de gestos, manifestações dramáticas. DEMONSTRAÇÃO DE EMOÇÃO • Controlado: pessoas dissimulam pensamentos e sentimentos. Controle de gestos e manifestações. • Específico: comunicação direta, indicações claras, separação entre assuntos privados e profissionais. RELACIONAMENTO COM PESSOAS • Difuso: comunicação indireta, indicações ambíguas, mistura de assuntos privados e profissionais. • Baseada na capacidade: boa atuação é recompensada, chefes possuem conhecimentos sólidos. BASE DA AUTORIDADE • Baseada na origem: origem e idade determinam a posição. Título é importante. • Monocronismo: valorização da pontualidade, tempo não se dilata. Trabalho em etapas seqüenciais. RELACIONAMENTO COM O TEMPO • Policronismo: valorização da flexibilidade, tempo dilatável. Trabalho em paralelo, multitarefa. • Voltada para o sistema: procura controlar o ambiente. Defende fortemente suas posições. RELACIONAMENTO COM O AMBIENTE • Voltada para o ambiente: adaptação ao ambiente. Harmonia e sensibilidade são importantes. • Pequena: pequenas variações de status, aberto para delegar, status baseado na capacidade real. AMPLITUDE HIERÁRQUICA • Grande: grandes variações de status, status baseado na estrutura, baixa comunicação entre níveis. • Individualismo: orientação ao indíviduo e suas necessidades. Avaliação focada no indivíduo. COMPORTAMENTO SOCIAL • Coletivismo: orientação pela equipe, resultados são responsabilidade da equipe. • Baixa: situações novas são interessantes e atraentes. Pouco receio do fracasso. AVERSÃO AO RISCO • Alta: situações novas significam ameaças. Grande receiodo fracasso. • Menor: baixa diferença entre gêneros. Qualidade de vida baseada nos contatos sociais e no lazer. MASCULINIDADE • Maior: grande diferença entre homem e mulher. Qualidade de vida baseada no trabalho e no status. • Curto prazo: orientação à data presente, instabilidade, inconstân- cia, flexibilidade. HORIZONTE • Longo prazo: orienta-se pelo futuro, perseverança, uso racional de recursos. • Baixa: comunicação explícita, foco nos aspectos técnicos. CONSDIRAÇÃO DO CONTEXTO • Alta: comunicação implícita, prioridade para os relacionamentos. P RA EUA A S H In J C A H D EUA RU F In AS C D S F E In AS EUA A RU I J D RU In EUA S A AS E F J EUA RU H I F A AS In C D S RU A EUA J C F AS In EUA B D A AS C A EUA H RU F I In C EUA A RU J C In Co D EUA RU F C Au In AS D S EUA F A I E In J C I F EUA H RU A J A=Alemanha; Au=Áustria; B=Brasil; C=China; Co=Coréia; D=Dinamarca; E=Espanha; F=França; I=Itália; In=Índia; J=Japão; H=Holanda; RU=Reino Unido; EUA=Estados Unidos; S=Suécia. Figura 2. Aspectos culturais em projetos internacionais. Fonte: Hoffmann et al. [2004]. Nas faixas escuras, encontram-se os resultados da aplicação de uma pesquisa com vários países. Classificações semelhantes a esta podem ser elaboradas para aplicações específicas, mediante: Prof. J. Amaro dos Santos / UFPR 5 1. pesquisas com dados secundários (por exemplo, os resultados da Figura 2); 2. pesquisas com dados primários; 3. julgamento realizado por especialistas. Uma vez construída esta classificação, ela torna-se útil para analisar diversos processos do gerenciamento de projetos, sob a ótica dos aspectos culturais. APLICAÇÃO EM PROJETOS INTERNACIONAIS Com base nas dimensões culturais da Figura 2, analisam-se a seguir oito tópicos relevantes do gerenciamento de projetos internacionais e indicam-se ações importantes para cada tópico. Ambiente do projeto O ambiente de um projeto consiste em tudo aquilo que não é controlado diretamente pelo projeto, mas pode influenciar seu desenvolvimento [Schelle, 2005]. No plano internacional, ele é muito amplo e inclui, por exemplo: stakeholders de diversos países, figuras políticas, leis e normas técnicas internacionais, infra-estrutura global, câmbio, condições geográficas etc. O caso seguinte ilustra estes pontos. Restaurante fast-food. A implantação de um restaurante fast-food americano, no Leste Europeu, no final dos anos 80, foi um projeto internacional desafiador. Por um lado, o produto (a comida, o ambiente, o serviço) tinha de atender aos padrões globais da qualidade. Por outro lado, a infra-estrutura logística local era precária, não existiam funcionários com a qualificação necessária, as matérias-primas eram inadequadas, a moeda não era conversível para o dólar americano, o regime de governo era comunista e o publico ainda não conhecia o produto. Nesse caso, a gestão de stakeholders enfrenta os desafios usuais dos projetos nacionais, agravados por dificuldades com comunicação e barreiras culturais. Os aspectos políticos atingem até mesmo questões ideológicas – tal como a aceitação de um negócio nos moldes capitalistas, em um país comunista. Os aspectos legais incluem contratos atentos a legislações e atitudes distintas. No país de origem do negócio (EUA) as relações contratuais são caracterizadas pelo Universalismo, segundo o qual os contratos significam obrigação. Se a outra parte tentar interpretar o contrato em razão da situação, certamente surgirá um conflito. O caso também exige atenção para a negociação, em face das resistências das duas partes: a empresa preocupa-se com riscos do negócio e possui baixa “Consideração do contexto”. Já no país hospedeiro, enfatizam-se as questões políticas e ideológicas, com alta “Consideração do contexto”. A infra-estrutura representa um dos principais problemas. Além de precária, ela não pode ser melhorada no curto prazo, por causa das dificuldades com importações, da não-conversibilidade da moeda e do longo tempo para qualificar pessoas. A “Aversão ao risco”, sendo uma característica cultural forte no país, dificulta o apoio local para a implantação de um negócio ousado como esse. Ações importantes: • Identificar os stakeholders relevantes e construir relacionamentos de confiança desde o início. • Analisar a influência do país no projeto, quanto a costumes, política local, legislação etc. Traçar estratégias específicas. • Antes de assinar contratos, analisar aspectos culturais e legislação local. Prof. J. Amaro dos Santos / UFPR 6 Comunicação A comunicação em projetos apresenta dificuldade muito maior no panorama internacional, não obstante os recentes avanços tecnológicos. Três características fundamentais para analisar a comunicação em projetos são: (1) o recebimento das informações necessárias, com rapidez, confiabilidade e eficiência; (2) o envio da informação relevante para os destinos adequados; (3) a avaliação correta do valor da informação. Todas elas dependem de fatores culturais, conforme o caso seguinte. Reunião de projetos. Em uma reunião de um projeto internacional de TI, participam americanos, japoneses, brasileiros e alemães. O objetivo é discutir pontos pendentes do projeto. Os americanos analisam objetivamente cada ponto da lista, em uma seqüência, até que todos tenham sido resolvidos; mostram impaciência com discussões não orientadas para a pauta. Os japoneses falam pouco e não expressam suas opiniões diretamente, nas decisões. Os brasileiros dispersam-se em detalhes menos relevantes e procuram angariar adesões para suas opiniões. Os alemães discutem longamente questões formais, mas negligenciam os mecanismos de controle das ações. Ao final, é visível a frustração dos participantes. Uma segunda reunião será necessária. O líder de projetos percebe a necessidade de aprender mais sobre fatores culturais, bem como rever seu plano de metas, já em atraso. As ações para melhoria na comunicação podem considerar dois tipos de comunicação: a verbal e a não-verbal [Schelle, 2005]. A comunicação verbal ocorre mediante a conversa, o diálogo, a discussão, a negociação e a exposição. Em projetos internacionais, nos quais freqüentemente as reuniões são virtuais, as regras de comunicação devem ser entendidas por todos da mesma forma. A comunicação verbal é mais valorizada em países onde os “Relacionamentos com pessoas” são específicos (Dinamarca, Suécia). Já a comunicação não-verbal inclui o gesto, a mímica,o olhar, o sorriso, o movimento de corpo, o toque etc. Ela enfoca o estabelecimento de confiança, a motivação de pessoas e a construção da imagem pessoal. Sua importância é maior quando os “Relacionamentos com pessoas” são difusos (China, Japão, Índia) e nas culturas em que há maior “Demonstração de emoções” e “Consideração do contexto” (Itália, México). A franqueza na comunicação – seja para criticar ou elogiar – é um comportamento louvável em países com baixa “Consideração do contexto” (Alemanha). Este comportamento, contudo, é reprovável em países como a China, onde as informações são obtidas das entrelinhas e as críticas são indiretas ou transmitidas por terceiros. Ações importantes: • Treinar técnicas de comunicação verbal e não-verbal. • Cultivar o aprendizado de idiomas estrangeiros. • Buscar apoio de um “tradutor cultural”, capaz de interpretar não apenas conteúdos técnicos, mas também significados culturais, valores, costumes, crenças etc. Desenvolvimento de equipes Desenvolver uma equipe de projeto significa reunir pessoas que consigam, juntas, alcançar as metas do projeto da melhor forma possível. Na formação de equipes internacionais, os maiores desafios encontram-se também nos fatores culturais. O caso “Reunião de projetos”, descrito anteriormente, ilustra este ponto: um gerente de projetos voltado para o Policronismo (China, Brasil) irritaria seus colegas orientados pelo Monocronismo (Alemanha, EUA), pois exerceria um controle de Prof. J. Amaro dos Santos / UFPR 7 prazos pouco rígido. O contrário também seria problemático, pois um controle rígido dos prazos não seria aceito na prática, e acabaria por gerar frustração na gerência. Na formação de equipes internacionais, é importante identificar as diferenças culturais entre os candidatos [Kerzner, 2003]. Assim, uma equipe composta por americanos (universalistas, possuem relacionamentos específicos), japoneses (coletivistas, valorizam harmonia, dissimulam emoções) e brasileiros (atuam em tarefas múltiplas, demonstram emoções) provavelmente será marcada por conflitos. Pessoas de culturas com grande “Amplitude hierárquica” necessitam de instruções claras para atuarem no projeto, mas são confiáveis no cumprimento de metas. Em contrapartida, pessoas de culturas com menor “Amplitude hierárquica” são mais autônomas e propensas a iniciativas próprias. A “Consideração do contexto” é um outro ponto crucial: pessoas com alta consideração interpretam os relacionamentos de maneira mais sutil, abrangente e voltada para os fatores externos. Isso pode gerar conflito com pessoas que se concentram em problemas específicos. Equipes de projetos com pessoas de perfis distintos podem se beneficiar da criatividade e da multiplicidade de idéias. Em contrapartida, devem exigir maior esforço de coordenação. Ações importantes: • Definir prematuramente objetivos claros e garantir que são bem compreendidos. • Estabelecer relações de confiança, considerando fatores subjetivos, tais como costumes, valores, afinidades, crenças, culturas, nacionalidades etc. • Providenciar infra-estrutura adequada para as várias formas de trabalho na equipe. Organização Em projetos internacionais, as estruturas organizacionais [Kerzner, 2003] tendem a ser mais variadas e menos convencionais – por exemplo, baseadas em parcerias, redes virtuais e trabalho a distância. Como a organização se baseia em pessoas, e estas possuem diferentes culturas, resulta então uma relação natural entre o tipo da organização e fatores culturais. Além das organizações tradicionais (em linha, por projeto, matricial etc.), projetos internacionais podem assumir novas formas organizacionais, ilustradas na Figura 3. Figura 3. Aspectos culturais dos projetos internacionais. Fonte: Hoffmann et al. [2004]. Recentemente, a organização em rede tem se tornado muito atraente para projetos internacionais. Ela se apóia nas modernas tecnologias de comunicação (por exemplo, a internet), bem como em novas filosofias de trabalho (por exemplo, o homeworking). a) A equipe do projeto é internacional, loca- lizada em um país. b) A equipe do projeto central é nacio- nal; as equipes dos subprojetos são nacionais em países diferentes. c) A equipe do projeto central é internacional; a equipe do subprojeto é nacional. Prof. J. Amaro dos Santos / UFPR 8 Esse tipo de organização exige atenção redobrada para os fatores culturais, pois eles podem causar problemas que permanecem ocultos até que se tornem graves. Uma outra forma organizacional, que decorre da descentralização das áreas de decisão do projeto, é a organização fractal. Esta possui um maior grau de autonomia para se autogerenciar, otimizar suas metas, definir para si mesma novos desafios no projeto, trabalhar em redes com outras estruturas e controlar seus resultados. Nas culturas do tipo Universalista e com baixa “Consideração do contexto” (EUA, Alemanha, Reino Unido), a organização do projeto tende a ser mais formal, baseada em regras e contratos. Já em culturas marcadas pelo Particularismo e com alta “Consideração do contexto”, uma organização mais informal pode funcionar melhor. Um outro ponto de interesse para os projetos internacionais é a “Base da autoridade”. Em culturas baseadas na capacidade técnica (Dinamarca, EUA), ela é legitimada pela liderança; já em culturas que valorizam a origem da pessoa (Oriente), a idade, a posição social e títulos acadêmicos podem ser mais relevantes. Ações importantes: • Organizar o projeto internacional com estrutura mutável no tempo, no espaço e nas capacitações. • Verificar oportunidades para organizar o projeto de formas alternativas – por exemplo, como redes ou estruturas fractais semi-autônomas. • Avaliar as vantagens de terceirizar atividades ou pacotes do projeto. Monitoramento e controle No ambiente de projetos também vale a regra: “O que não se pode controlar, não se pode melhorar”. Aqui se destacam três funções do controle: (1) avaliar o desempenho, (2) comparar com as metas preestabelecidas e (3) apoiar as medidas corretivas [Koch-IPMA, 2006]. No panorama internacional, uma dificuldade para o controle é identificar os itens mais relevantes, em meio a tantos. Além disso, é mais difícil para as pessoas perceberem o que é esperado delas, e com quais critérios elas serão avaliadas. Por fim, as pessoas podem reagir de maneiras diversas, quando são objeto de controle – conforme ilustra o seguinte caso. Controle de projetos. Um americano foi contratado para participar de um projeto de sistemas na Alemanha. De início, ele achou muito demorados os processos de definição de metas e de tarefas. Nos dois meses seguintes, ele se viu cada vez mais abandonado pelos colegas – embora todos fossem muito gentis e prestativos, quando solicitados. O que mais o desapontou, contudo, foi a baixa importância atribuída a suas atividades: não havia cobrança de resultados, tampouco elogios. Ao final da primeira etapa, ele estava convencido de que seu desempenho tinha sido fraco. Contudo, seu gerente comentou que estava muito satisfeito com seu excelente trabalho e insistiu em uma prorrogação de contrato. O americano estava acostumado com cobranças de cada pequena etapa do trabalho, ao passo que seus colegas alemães empregavam marcos mais espaçados e consideravam cobranças constantes um sinal de falta de confiança. Pessoas identificadas com o Particularismo possuem baixa “Aversão ao risco” e alta “Consideração do contexto” (Oriente Médio, Índia), e tendem a valorizar os acordos informais, em detrimento de contratos escritos. Nesse caso, variáveis de controle tendem a ser mais subjetivas, complexas e dependentes do ambiente. Em contrapartida, entender as sutilezas do contexto e buscar a harmonia pode ser um Prof. J. Amaro dos Santos / UFPR 9 grande problema para pessoas orientadas por culturas marcadas pelo Universalismo e voltadas para o sistema (EUA). Mesmo as dimensõesclássicas do controle de projetos (tempo, custo, qualidade e escopo) são influenciadas por fatores culturais, no panorama internacional. Em certos países (EUA, Alemanha), não atingir as metas nestas dimensões é considerado falta grave, ao passo que em outros países (China, Brasil) o mesmo fato pode ser naturalmente justificado com base no contexto. Ações importantes: • Garantir que os padrões de controle adotados sejam entendidos igualmente na equipe. • Verificar a atitude de cada pessoa, com relação ao cumprimento de metas (prazos, custos etc.). • Avaliar como as pessoas trabalham sob pressão, e quais são os sinais de alerta. Riscos Uma das maiores diferenças entre projetos nacionais e internacionais encontra-se na Gestão de riscos. O número de variáveis de um projeto internacional tende a ser maior, as relações entre elas mais complexas, as escalas de valores mais subjetivas e os julgamentos mais dependentes de fatores culturais. Um dos principais desafios dos projetos é a convivência com a mudança. Em culturas marcadas por alta “Aversão ao risco” e baixa “Consideração do contexto”, uma pessoa relutará em aceitar mudanças e esperará por ordens escritas para agir. Talvez esta não seja a pessoa indicada para projetos de inovação. Já em culturas com baixa “Aversão ao risco”, a Gestão de riscos privilegia a relação benefício/custo. Culturas individualistas, com baixa “Masculinidade” e pequena “Amplitude hierárquica” (Dinamarca, Suécia), assumem atitude mais positiva em relação ao risco, pois se orientam mais pelas chances de ganhos e recompensas. Já em culturas coletivistas, com alta “Masculinidade” e alta “Amplitude hierárquica” (China, Índia), a Gestão de riscos possui imagem negativa e encontra dificuldade para ser implantada. Em projetos internacionais é interessante haver um gerente de riscos dedicado exclusivamente a esta função. A acumulação desta com outras funções (por exemplo Controle) tende a arrefecer a participação dos colegas nas decisões. Ações importantes: • Enfatizar os fatores qualitativos e pouco estruturados. • Identificar diferenças culturais típicas e seus efeitos nos riscos dos projetos. • Analisar as causas dos fatores de riscos e entender o perigo potencial que elas representam no contexto internacional. Qualidade No gerenciamento de projetos “qualidade” refere-se tanto ao produto quanto ao projeto e seus processos [Seibert, 1998]. Em ambos os casos, existe a influência dos fatores culturais. A qualidade de um produto é avaliada com base em sua capacidade de satisfazer às necessidades explícitas e implícitas de seus clientes. No âmbito internacional, torna-se bem mais difícil conhecer quem é de fato o cliente: seu perfil, sua cultura e seus hábitos. Uma segunda dificuldade é ouvir as necessidades reveladas por esses Prof. J. Amaro dos Santos / UFPR 10 clientes. Mais desafiador, contudo, é descobrir as necessidades implícitas, não verbalizadas. A qualidade do projeto refere-se à satisfação das exigências próprias do projeto. Algumas destas são: metas claras, reuniões bem preparadas, respeito às pessoas, decisões transparentes, pontualidade, informações disponíveis, entre outras. As exigências da qualidade são ilustradas no projeto seguinte. Roupas esportivas. Uma empresa francesa de roupas esportivas enfrentou problemas inesperados com o projeto de sua nova linha de produtos, ao optar por fornecedores asiáticos. A qualidade dos componentes não alcançou as especificações, havia grande variação nos prazos de entrega e era difícil impedir a prática de trabalho infantil. Tudo isso ameaçava a imagem da empresa. Estudos de melhoria recomendaram cursos de capacitação do pessoal local e investimento na infra-estrutura. Mas os resultados não foram satisfatórios. A maior dificuldade era fazer o pessoal local mudar sua forma de trabalho, bem como aceitar as rigorosas especificações da qualidade. Os primeiros bons resultados apareceram somente depois que alguns líderes locais passaram várias semanas na matriz francesa. Lá eles perceberam em quais pontos a produção poderia contribuir melhor para o sucesso do projeto, e quais mudanças de atitude no trabalho seriam necessárias, no futuro. Nesse caso, pessoas de culturas distintas compreendiam de modos diferentes o significado da qualidade do produto. A visita à matriz permitiu aos fornecedores entenderem a importância dos padrões de qualidade. Eles puderam ver como o consumidor final usava o produto e o significado da qualidade de uso. A visita também revelou as conseqüências dos atrasos de entrega, na cadeia logística do projeto. Diferenças existentes na interpretação da “qualidade”, em decorrência do país e da cultura, já são notórias. Por exemplo, alemães freqüentemente associam a qualidade à confiabilidade e funcionalidade; italianos e franceses, ao design; ingleses, à fabricação no próprio país; americanos, à imagem e funcionalidade; japoneses, à atualidade e confiabilidade; e chineses, à relação benefício/custo. Em países onde a “Aversão ao risco” é maior, os produtos possuem maior confiabilidade (Japão, Alemanha, França); onde ela é menor, os produtos apresentam mais inovação (EUA, Dinamarca). Dessa forma, confiabilidade e inovação representam interpretações distintas da “qualidade”, nesses países. Analogamente, onde a “Amplitude hierárquica” é pequena, a qualidade associa-se à disposição para a inovação, pois conta com a participação motivada de pessoas de diversas áreas e níveis hierárquicos (Dinamarca, Suécia). Ao contrário, quando a hierarquia é grande, o foco da qualidade recai sobre o processo de produção (China, Brasil). Onde existe uma visão de longo prazo (países do Extremo Oriente) a qualidade é incorporada não somente no projeto do produto, mas também no projeto dos processos de produção. Ações importantes: • Verificar se a compreensão sobre “qualidade” é a mesma para todos os participantes do projeto. • Garantir que as especificações do projeto sejam entendidas igualmente nos diferentes países envolvidos. • Analisar as diferenças culturais e nacionais, para identificar oportunidades de agregar qualidade ao projeto e ao produto. Prof. J. Amaro dos Santos / UFPR 11 Aquisições Na nobre fase de definição de metas e estratégias de um projeto, o papel das aquisições muitas vezes é visto como secundário. Contudo, nas fases seguintes, ele passa a ser fundamental para o sucesso do projeto. Nas aquisições é onde se realizam os principais gastos do projeto [Specht et al., 2002]. No âmbito internacional, as aquisições tendem a ser mais volumosas, caras e complexas. Nesse caso, aumentam os custos com informação, transportes, insumos e administração do sistema de compras. Decisões sobre terceirização, seleção de fornecedores e logística podem enfrentar uma enorme quantidade de alternativas. A gestão de aquisições em projetos é marcada por fatores técnicos e financeiros. Estes configuram o sistema logístico do projeto e tendem a ser monitorados de maneira objetiva. O caso do restaurante fast-food ilustra bem este ponto. Contudo, igualmente importante são as questões culturais e sociais, nas aquisições internacionais. No caso das roupas esportivas, os maiores problemas encontravam-se em aspectos não-técnicos do gerenciamento, tais como a atitude dos fornecedores em face da qualidade e dos danos à imagem da empresa. O papel dos contratos no fornecimento internacional é interpretado de modo distinto, em decorrência da cultura: em países onde predomina o Particularismo, alta “Consideração do contexto” (Coréia, Índia), não apenas os contratos regem os negócios, mas também os relacionamentos pessoais, a situação e o contexto. Esta característica também é típica em países marcados pelo Policronismo, onde atrasos em projetos não são tão graves como em um país Monocronista (Alemanha). Os altos custos de transação, para adquirir e manter fornecedores, podem ser considerados investimentosem países orientados para o longo prazo (Japão, China), ao passo que tendem a ser vistos como gastos pelos demais (Reino Unido, Paquistão). Ações importantes: • Esboçar desde o início a cadeia logística do projeto, considerando o fornecimento global. • Avaliar as vantagens técnicas e econômicas, com as respectivas análises de riscos. • Analisar a influência dos fatores políticos, sociais e culturais nos contratos. CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS A capacitação para gerenciar projetos em nível internacional significa, hoje em dia, um diferencial importante para gerentes de projeto. O gerenciamento de projetos torna-se mais complexo quando se estende ao contexto internacional. Nesse caso, os grandes desafios encontram-se nos fatores menos estruturados, em especial nos culturais. Pessoas de culturas ou países distintos podem possuir diferentes percepções de uma mesma realidade, bem como se comportar de modos variados em uma mesma situação. Para que elas possam trabalhar juntas e atingir bons resultados para o projeto, é necessário que elas possuam capacitação para reconhecer as diferenças culturais e avaliar suas implicações em projetos internacionais. As dimensões culturais apresentadas neste trabalho facilitam esta tarefa. Elas constituem um referencial útil para a tomada de decisões em projetos internacionais, em face de diferenças culturais. Com base neste referencial, conflitos podem ser evitados prematuramente, bem como sinergias podem ser exploradas objetivamente, em benefício dos resultados do projeto. As escalas empregadas para posicionar os Prof. J. Amaro dos Santos / UFPR 12 países (Figura 2) sempre podem ser atualizadas com dados de novos países, de modo que possibilitem um maior número de aplicações. Esta abordagem para gerenciar projetos internacionais, ainda pouco explorada na literatura de projetos, oferece uma capacitação diferenciada ao moderno gerente de projetos. Ela não deve ser considerada um mero suplemento aos conhecimentos técnicos sobre gerenciamento de projetos, mas sim um complemento necessário, para ser aplicado em projetos com abrangência internacional. REFERÊNCIAS Cronenbroeck, W. Internationales Projektmanagement. Berlin: Cornelsen, 2004. Hall, E. (1989). The dance of life. New York. Hoffmann, H-E.; Schoper, Y-G.; Fitzsimons, C.J. Internationales Projektmanagement: interkulturelle Zusammenarbeit in der Praxis. München: DVR, 2004. Hofstede, G. Lokales Denken, globales Handeln. München: DTV, 2001. Kerzner, H. Project management: a systems approach to planning, scheduling, and controlling. New Jersey: John Wiley, 2003. Koch, G. et al. IPMA Competence Baseline – ICB3. Bremen: Eigenverlag, 2006. PMI – Project Management Institute. A Guide to the Project Management Body of Knowledge, 3rd. Ed. Newtown Square: PMI, 2004. Schelle, H.; Ottmann, R.; Pfeiffer, A. Projektmanager. Frankfurt: GPM, (2005). Scherer, H. Problemfelder internationaler Projektarbeit. In: IPMA Weltkongress, Berlin, 2002. Anais. Frankfurt: IPMA, 2002. Seibert, S. Technisches Management. Stuttgart: Teubner, 1998. Specht, G.; Beckmann, C.; Ammelingmeyer, J. F&E-Management. Stuttgart: Schaefer-Poeschel, 2002. Trompenàrs, F. Handbuch Globales Managen: wie kann man kulturelle Unterschiede in Geschäftsleben versteht. Düsseldorf: Econ,1993.
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