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As Políticas Sociais e os Movimentos Sociais Núcleo de Educação a Distância www.unigranrio.com.br Rua Prof. José de Souza Herdy, 1.160 25 de Agosto – Duque de Caxias - RJ Reitor Arody Cordeiro Herdy Pró-Reitoria de Programas de Pós-Graduação Nara Pires Pró-Reitoria de Programas de Graduação Lívia Maria Figueiredo Lacerda Produção: Gerência de Desenho Educacional - NEAD Desenvolvimento do material: João Vitor Bitencourt 1ª Edição Copyright © 2020, Unigranrio Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Unigranrio. Pró-Reitoria Administrativa e Comunitária Carlos de Oliveira Varella Núcleo de Educação a Distância (NEAD) Márcia Loch Sumário As Políticas Sociais e os Movimentos Sociais Para início de conversa… .................................................................. 04 Objetivos .......................................................................................... 05 1. O Surgimento dos Movimentos Sociais e as Correntes Teóricas ... 06 2. As Manifestações Ideopolíticas e Socioculturais dos Movimentos Sociais ............................................................................... 11 3. A Relação entre Políticas Sociais e Movimentos Sociais ............. 15 Referências ....................................................................................... 20 4 Políticas Sociais e Movimentos Sociais Para início de conversa… Tanto os movimentos sociais como as políticas sociais são alvos de inúmeros debates e divergências na cena atual. Esses dois fenômenos vivenciam por um lado desafios, tendo em vista o questionamento das suas relevâncias para a sociedade, e, por outro, a identidade de extrema importância, tendo por conta, as suas histórias e modificações societárias. Nessa lógica, deve-se trazer à tona o surgimento dos movimentos sociais e as suas principais correntes teóricas, as manifestações ideopolíticas e socioculturais dos movimentos sociais contemporâneos, assim como a relação entre políticas sociais e movimentos sociais: mostrando as suas particularidades e afinidades. 5Políticas Sociais e Movimentos Sociais Objetivos ▪ Compreender o surgimento dos movimentos sociais e as correntes teóricas. ▪ Compreender as manifestações ideopolíticas e socioculturais dos movimentos sociais. ▪ Analisar a relação entre políticas sociais e movimentos sociais. 6 Políticas Sociais e Movimentos Sociais 1. O Surgimento dos Movimentos Sociais e as Correntes Teóricas Pensar os movimentos sociais traz, costumeiramente, os seguintes questionamentos: afinal, o que são movimentos sociais? Qual a história desses movimentos no Brasil e no mundo? Quais as suas finalidades? Os movimentos da sociedade sempre foram um fator decisivo na história humana. Promovendo um resgate histórico, vê-se que há estudos que analisam a existência de movimentos organizados nos tempos de Jesus Cristo, é o caso das ideias promovidas François Houtart, sociólogo marxista belga e sacerdote católico. Neste estudo, não nos aprofundaremos no tema dos movimentos sociais e religiosidade. Traz- se esse exemplo especialmente para demonstrar a profundidade que pode ser resgatada em torno do debate de reivindicações populares e causas coletivas. Deve-se lembrar que o tema Movimento Sociais é hegemonicamente analisado/visto a partir do século XX. Em sua obra Sociologia da Religião (1994), François Houtart relaciona as causas populares com a antiga capacidade humana de se organizar e impor exigências. Figura 1: Cristo carregando a cruz - 1526. Óleo sobre tela, Museu do Louvre, Paris. Jesus Cristo é visto, sob a análise de muitos pesquisadores e ativistas, como Libertador, no tocante ao lado espiritual do “homem” na relação com a participação cidadã. Fonte: Wikimedia. Importante 7Políticas Sociais e Movimentos Sociais É importante, no entanto, elevar o debate sobre este tema para o cenário contemporâneo, tendo em vista que são escassos os estudos e os levantamentos sobre movimentos sociais e formas de organizações coletivas na Antiguidade. Através de Gohn (2011, p.326), pode-se partir do questionamento sobre o que é o movimento social, conforme as abordagens científicas atuais: Na realidade histórica, os movimentos sempre existiram, e cremos que sempre existirão. Isso porque representam forças sociais organizadas, aglutinam as pessoas não como força-tarefa de ordem numérica, mas como campo de atividades e experimentação social, e essas atividades são fontes geradoras de criatividade e inovações socioculturais. (GOHN, 2011, p.326) Refletir acerca do surgimento dos movimentos remete a entendê- los como “sujeitos históricos coletivos”, protagonistas de experiências de organização e mobilização em diferentes períodos de conflitos e necessidades, especialmente, com a finalidade de buscar “reconhecimento social”. Até o início do século XX, o conceito de movimentos sociais contemplava apenas a organização e a ação dos trabalhadores em sindicatos, mas com a progressiva delimitação desse campo de estudo pelas Ciências Sociais, as definições assumiram uma consistência teórica mais ampla, onde os mais variados tipos de ação coletiva são classificados como movimentos sociais. Partindo do pressupostos de um movimento histórico, o sindicalismo manifesta-se como um movimento social pioneiro, de associação de trabalhadores assalariados com a finalidade de promover a proteção dos seus interesses. O sindicalismo no Brasil e no mundo tem as suas origens no modo de produção capitalista, com seu início marcado na Europa medieval do século XVIII, durante a Revolução Industrial na Inglaterra. Surgiram, especialmente, para tensionar a luta pelos interesses dos assalariados diante dos patrões e chefes, isso em decorrência do grande crescimento do número de máquinas que substituíram a produção artesanal e manufatureira na época. Maria da Glória Marcondes Gohn (2008), em sua obra Novas teorias dos movimentos sociais, faz um histórico das teorias clássicas das ações coletivas 8 Políticas Sociais e Movimentos Sociais e aponta que foi Lorenz Von Stein, em 1842, o primeiro autor a utilizar o termo “movimento social”, pois sentiu a necessidade de uma ciência da sociedade para estudar o socialismo emergente na França. (VARCELLI apud GOHN, 2008). O desenvolvimento da indústria aconteceu de forma acirrada e avassaladora para a época, provocando drásticas transformações no mundo do trabalho e nas relações sociais e de produção. Ao mesmo tempo em que se ampliou o consumo e se abriram novas fronteiras nos setores da economia na Europa, também ocorreu o aumento da quantidade de assalariados, a exploração da grande massa da população, o grande número de desempregados (as) e as formas precárias de trabalho. É válida a reflexão de Borges (2006, p.1) sobre a origem e o papel dos sindicatos, segundo ele: Desde a divisão da sociedade em classes, após a superação da comuna primitiva, a história das sociedades é marcada pela luta entre explorados e exploradores[...] O Sindicato, objeto de nosso estudo, é um fenômeno típico desse sistema. Ele só surge no modo de produção capitalista. A palavra surge do francês - syndic - que significa “representante de uma determinada comunidade”. Essa é a lógica do sistema, em que a concorrência leva os empresários a uma incessante busca por maiores lucros - com a redução dos custos operacionais e a elevação da produtividade. Por sua vez, os trabalhadores têm a necessidade de lutar por condições humanas de trabalho. Nessa luta, o operariado conta com a vantagem de se constituir em grande quantidade.Para cumprir esse papel, os sindicatos se tornam centros organizadores dos assalariados, focos de resistência à exploração capitalista. (BORGES, 2006, p.1) Percebe-se, portanto, a ideia de movimento social na atualidade está intimamente vinculada ao desenvolvimento dos sindicatos, que na causa tem a marca da luta de classes em decorrência do desenvolvimento da sociedade capitalista que acentua os antagonismos nos interesses de cada grupo social. Inicialmente, os sindicatos congregam os operários e trabalhadores das fábricas e oficinas visando enfrentar a diversidade e a desigualdade no trabalho 9Políticas Sociais e Movimentos Sociais cotidiano. No entanto, posteriormente, esse movimento social se complexifica junto à evolução do modo de produção e a maior amplitude da indústria e dos seus requerimentos no tocante ao trabalho assalariado, se generalizando e alcançando novos setores econômicos. Sobre as correntes teóricas que produzem conhecimento a respeito dos movimentos sociais, ressalta-se que se encontram em especial em torno de abordagens sociológicas e das ciências humanas. Abaixo, destaca-se alguns núcleos teóricos importantes acerca do surgimento dos movimentos sociais. Traz-se, de forma sintetizada, correntes teóricas sobre o tema, resumidas com a finalidade de apresentar um material de fácil compreensão teórica. A teoria da mobilização de recursos tem como tese principal os recursos como elemento fundamental para o desenvolvimento e a existência de um movimento social. Questões como os recursos humanos e de infraestrutura são de fundamental importância para a existência, por exemplo, dos sindicatos e/ou outros movimentos e associações que promovem captações de recursos. Nessa teoria valoriza-se a geração e captação de valores financeiros, materiais e técnicos necessários à viabilização das finalidades de uma organização. Tem como principais teóricos e adeptos Joseph McCarthy (político norte- americano) e Mancur Olson (economista e cientista social). A teoria do processo político ou das oportunidades políticas é aquela que investe em uma teoria da mobilização política acerca dos movimentos sociais. Supõe que a coordenação dentre os potenciais ativistas é crucial para produzir um ator coletivo, mas os agentes coletivos não são preexistentes e a coordenação depende de solidariedade, isto é, da combinação entre o pertencimento a uma categoria e a densidade das redes interpessoais. Tem como principais representantes Sidney Tarrow e Charles Tilly, ambos cientistas políticos estadunidenses. A teoria marxista na análise dos movimentos sociais tem como principais representantes Karl Marx, Eric Hobsbawm, Edward T. Thompson, entre outros. A contribuição das ideias marxistas foi fundamental na história dos movimentos sociais, contudo, na primazia à libertação de classes. 10 Políticas Sociais e Movimentos Sociais Inicialmente, as ideias de Karl Marx contribuíram para o movimento crítico e a organização operária e de classe, posteriormente influenciando a análise de outros autores do tema. Com as mudanças sociais e no modo de produção capitalista (como a globalização, o desenvolvimento organizacional nas indústrias e fábricas e a financeirização) alguns marxistas darão continuidade na produção do conhecimento científico acerca desse tema. A análise dos movimentos sociais sob o prisma do marxismo refere-se a processos de lutas sociais voltadas para a transformação das condições existentes na realidade social, não se trata do estudo das revoluções em si, também tratado por Marx e alguns marxistas, mas do processo de luta histórica das classes e camadas sociais em situação de subordinação. A teoria dos novos movimentos sociais tem um conjunto de representantes e caracteriza-se por ser mais diversificada em suas teses, apontando em especial a negação do marxismo em detrimento da sociedade cultural moderna capitalista. Destaca-se o surgimento de termos como “cultura”, “identidade”, “imaginário”, “pluralidade” etc. O paradigma dos Novos Movimentos Sociais parte da explicações mais conjunturais, localizadas em âmbito político ou dos microprocessos da vida cotidiana (GOHN, 1997, p.8). Em contraposição ao seu surgimento, presencia-se diversas críticas a essa corrente teórica, destacando contudo que essa abordagem é emblemática, pois suas bases teórico-metodológicas não possuem uma estruturada fundamentação científica, apresentando-se como insolúvel, pois os “novos movimentos sociais” não são tão novos apesar de trazer para o centro do debate categorias sociais como autonomia e identidade no bojo da sociedade civil (traz-se, como exemplo, “novos” movimentos como negros, gays, ambientalistas, ruralistas, feministas, pacifistas, veganistas, imigrantes, entre outros). 11Políticas Sociais e Movimentos Sociais 2. As Manifestações Ideopolíticas e Socioculturais dos Movimentos Sociais Figura 2: Sindicato francês do Comércio - CFTC, em Paris, 23 de setembro. Fonte: Dreamstime. Os movimentos sociais se tornaram de fundamental importância para a sociedade civil enquanto meio de manifestação. Os grupos organizados vêm procurando alcançar diferentes objetivos a partir de valores e ideologias particulares. Tratou-se do exemplo dos Sindicatos, como demonstra a imagem acima, movimento social que marca as raízes da organização de grupos no cenário moderno do sistema capitalista. Percebe-se, por meio das análises do subcapítulo anterior, que esse movimento social se caracteriza 12 Políticas Sociais e Movimentos Sociais pela identidade de classe social. Logo abaixo, seguem duas reflexões que possibilitam apreender a importância da dimensão de classe social no interior desse movimento social pioneiro - Sindicato. “Mudanças na sociedade ocorrem a partir da ebulição dos movimentos sociais: contra o capital e o Estado”. (Karl Marx) “Movimentos sociais são a ação conflitante de agentes das classes sociais, lutando pelo controle do sistema de ação histórica”. (Alain Touraine) Vê-se, portanto, que essa dimensão se manifesta no interior da organização coletiva dos sujeitos, intervindo de forma mais acentuada, no que tange às condições de vida e de trabalho de grupos estruturados da classe trabalhadora, que se obriga a vender a sua força de trabalho na divisão sociotécnica do trabalho, em termos marxistas de análise. A divisão social do trabalho é, aparentemente, inerente uma característica do trabalho humano, tão logo, ele se converte em trabalho social, isto é, trabalho executado na sociedade e por meio dela. É importante destacar esse termo/expressão, tendo em vista que os movimentos sociais desenvolvem-se, em especial, no interior dos conflitos resultantes da relação capital/trabalho na sociedade capitalista, visando especialmente produzir respostas às desigualdades sociais, étnico/ raciais, de gênero, entre outras. Nesse sentido, vale ressaltar que esses movimentos clássicos, tradicionais, como os sindicatos, trabalham com demandas negociáveis, Marx defende, por exemplo, que o ponto de vista de que todas as formas de luta e de experiências embrionárias - como das organizações sindicais - devem ser recuperadas, precisamente pelo sentido geral de conteúdo político e revolucionário que indicam. No entanto, especialmente a partir do século passado, surgiu uma complexidade evidenciada em diferenças e necessidades que mostram a importância de se resgatar esse tema, a observar o desenvolvimento dos novos movimentos sociais, que remetem a explicações mais identitárias, subjetivas e recortadas politicamente. O século XX foi agitado, por um lado dramático e por outro importante. Vivenciaram-se duasgrandes guerras mundiais, um período tenso de Guerra Fria, acirradas mudanças na organização do trabalho e na economia internacional, a globalização e a comunicação em rede, ao 13Políticas Sociais e Movimentos Sociais mesmo tempo conquistas sociais e constitucionais. Nesse século, alguns movimentos sociais construíram projetos bem demarcados na história, nos quais se observa com nitidez seus pressupostos, suas reivindicações e suas propostas, vistas em grande parte em um “universo dos processos de interação social dentro da “teorias do conflito e mudança social”. O conceito “novos movimentos sociais” supõe diferenças em relação aos movimentos sociais tradicionais. O movimento operário era um movimento social por excelência, de modo que a noção de movimento social estava vinculada à condição de classe operária e à luta entre capital e trabalho. Há a eclosão dos chamados novos movimentos sociais nos anos 1960. Pode-se dizer que eles se vinculam mais a demandas culturais e identitárias, muitas vezes, são analisados como distantes e apartados da contradição capital-trabalho. Temos, portanto, experiências críticas e participativas dos sujeitos envolvidos em lutas históricas por seus direitos identitários e subjetivos. Do mesmo modo, conjunturais e coletivos no sentido político. Movimento Negro: É um importante movimento social que marca a cena contemporânea. Duas raízes estão no enfrentamento à exploração escravagista dos séculos passados, culminando na luta contra o preconceito e a desigualdade social, heranças das políticas escravocratas. Ganha força e identidade, sobretudo, com o movimento dos direitos civis americanos, contra a segregação racial e a discriminação no Sul dos Estados Unidos, na década de 1950. Foi centrado em demandas dos negros contra as discriminações raciais existentes nas relações cotidianas, nas instituições, nas leis etc. Pode-se trazer como exemplos, a importância da resistência Quilombola no Brasil, Zumbi dos Palmares, Nelson Mandela, assim como o Movimento Negro estadunidense nas figuras de Malcom X e Martin Luther King. Movimento Estudantil: Possui uma formação mais plural no tocante às suas pautas e demandas sociais. O ativismo estudantil é quase tão antigo quanto as próprias universidades e instituições educacionais e estão à frente de inúmeras bandeiras ativistas. Vinculam-se tanto no debate interno (na melhoria das condições do corpo estudantil e das demandas Curiosidade 14 Políticas Sociais e Movimentos Sociais educacionais) como no debate externo (na luta às condições de injustiça social e desigualdades de classe, raça/etnia, gênero etc.) reivindicando mais direitos e mudanças na estrutura da sociedade. Os movimentos estudantis brasileiros tiveram importante presença em experiências como Diretas Já, Caras-Pintadas, entre outros. Movimento de Mulheres: Vincula-se intimamente ao feminismo contemporâneo. O movimento feminista data de diferentes épocas, conhecidas por “ondas feministas”. Estudiosos do tema referem a sua origem no século XVIII, especificamente, no Iluminismo, no entanto, é na contemporaneidade, contudo, a partir da segunda metade da década de 1960 nos Estados Unidos da América, que adquiriu intensidade. As suas reivindicações ligam-se à “libertação” da mulher, contemplando demandas como: os direitos legais da mulher, a igualdade de gênero, o enfrentamento às discriminações etc. Como exemplos de mulheres que influenciaram as lutas feministas, podemos destacar nomes como Dandara, Nísia Floresta, Simone de Beauvoir e Maria da Penha. Movimento Ambientalista: Conhecido por ambientalismo e/ou movimento ecológico, data do século passado, em especial, com o advento do capitalismo e o triunfo do modo de produção e de consumo que envolve os bens naturais do planeta. É um movimento político e social que questiona a má administração dos recursos, a alta produção de resíduos etc. no sentido de proteger a natureza e as relações humanas a partir da questão do ambiente e dos aspectos sociais e culturais. São exemplos grupos ambientalistas e preservacionistas, como SOS o Mata Atlântica e o Greenpeace. Por fim, vale ressaltar, neste subcapítulo, que a cena atual presencia diversos atores sociais coletivos, com acúmulos, experiências e demandas particulares que se apresentam no plano cotidiano. Há a busca por mudanças sociais por meio do embate político, dentro de uma determinada sociedade e de um contexto específico, muitas vezes em contraposição a medidas adotadas por governantes, e dirigentes estatais. No caso brasileiro, o movimento negro, indígena e de mulheres destacam-se desde o século passado. Desde o final desse século e a partir do início dos anos 2000, também se estruturaram os movimentos gays, de lésbicas, bissexuais e transexuais. 15Políticas Sociais e Movimentos Sociais 3. A Relação entre Políticas Sociais e Movimentos Sociais A política social tem se apresentado, popularmente, como uma “política” fundamental para a garantia de inclusão e de bem-estar dos cidadãos. Pode-se dizer que a política social se insere na noção de “proteção social”, originada nas sociedades e entendida como os mecanismos criados com a finalidade de proteger os seus cidadãos. A proteção social tem significados e definições convergentes, que dependem do contexto territorial, dos sujeitos envolvidos e do período histórico que se refere. Pensar esse fenômeno significa estabelecer que historicamente há diferentes dimensões e formas de gestão da proteção em cada sociedade, estabelecendo-se por meio de suas particularidades: onde encaixam-se as tensões e reivindicações de diversos sujeitos, entre eles os movimentos sociais. Analisando de forma histórica, pode-se pensar, inicialmente, no contexto de proteção familiar, estabelecido há séculos. Conhece-se atualmente a ideia clássica de família, no entanto (especialmente no Império Romano) a família normalmente era formada através do comando do homem mais velho, com o objetivo de conservar o vigor físico e enfrentar os riscos do aglomerado familiar: reunido por avós, pais, filhos, netos, sobrinhos, etc. Esses sujeitos encaixavam-se em uma “espécie” de proteção social da época. Aqueles que não eram abarcados pela proteção familiar, e não tinham condições de prover o próprio sustento, dependiam da chamada ajuda aos pobres e necessitados (JARDIM, 2013). Na Grécia, houveram as sociedades de mútua ajuda - conhecidas como “éranoi” - que exigiam contribuições regulares com a finalidade de conceder empréstimos aos participantes que vivenciavam necessidades. Porém, é na atualidade, contudo a partir da Revolução Industrial, que se desenvolvem as Políticas Sociais destinadas ao bem-estar geral da população, próprias das formações econômico-sociais capitalistas. Portanto, a política social está relacionada com o desenvolvimento do capitalismo. Na Prússia, atual Alemanha, em 1883, foi instituído o primeiro sistema de seguro social, criado pelo chanceler Otto Von Bismarck, culminando no surgimento do Código de seguro social alemão em 1911. No Brasil, é na Lei Eloy Chaves, 16 Políticas Sociais e Movimentos Sociais de 24 de janeiro de 1923, que vai se encontrar a base da previdência social brasileira: considera-se a base do sistema previdenciário brasileiro a partir da criação da Caixa de Aposentadorias e Pensões para os empregados das empresas ferroviárias. Viu-se, acima, uma breve reflexão sobre a origem da proteção social, demarcando resumidamente acontecimentos e períodos históricos particulares. Vê-se que as políticas sociais estão profundamente relacionadas com o Estado Moderno e a sociedade industrial capitalista. O surgimento das políticassociais, portanto, está ligado ao capitalismo, à luta de classes e ao desenvolvimento da intervenção estatal. Em geral, é reconhecido que a existência de políticas sociais ou dos sistemas de proteção social é um fenômeno associado à constituição da sociedade burguesa, ou seja, do específico modo capitalista de produzir e reproduzir-se. Evidentemente que não desde os seus primórdios, mas quando se tem um reconhecimento da questão social inerente às relações sociais nesse modo de produção, vis à vis ao momento em que os trabalhadores assumem um papel político e até revolucionário. Tanto que existe certo consenso em torno do final do século XIX como período de criação e multiplicação das primeiras legislações e medidas de proteção social, com destaque para a Alemanha e a Inglaterra. As primeiras formas de proteção social no Brasil deram-se através da caridade cristã e da filantropia, sem a ação do Estado e sendo influenciadas pelos modelos implementados nos países industrializados. (COSTA, 2005, p.3) Percebe-se que o sistema de proteção social no Brasil se expressa mínima, em sua origem, apresentando-se com um caráter focalizado através da caridade cristã e da filantropia (o que não permite desconsiderar a importância das formas assistenciais e filantrópicas da época): o importante é perceber que não havia, no início das primeiras décadas do século XX, a intervenção do Estado Social Brasileiro. Em 1929, o capital entra em crise com a quebra da bolsa de Nova Iorque, tendo consequências econômicas, inclusive, para o Brasil. Aumentou-se o desemprego e a precarização da vida da população. Nesse período, tem-se uma visibilidade mais concreta da luta por direitos sociais, que foram incluídos no projeto político do candidato a presidência Getúlio Vargas. 17Políticas Sociais e Movimentos Sociais Nesse cenário brasileiro do século XX, em meio às demandas econômicas, há a luta de classes e de movimentos sociais que deslocam a atenção para o papel sociedade política em meio aos conflitos de interesse e as disputas políticas e sociais, como visto nos subcapítulos anteriores. Com isso, além dos embates de classe (materializados, principalmente, por meio dos sindicatos) observa-se a ampliação e o fortalecimento dos movimentos sociais de caráter identitário. Tudo isso se apresenta, muitas vezes, como uma esfera complementar: movimentos sociais e políticas sociais se conectam dependendo das demandas e das reivindicações populares. Ou seja, movimentos sociais tensionam a implementação de políticas sociais, ao mesmo tempo as políticas sociais voltam-se às demandas de movimentos sociais. Tatagiba et al. (2018, p.106) referem que movimentos sociais “podem ser entendidos como um tipo específico de ator/ rede que se insere nos processos relacionais e experimentais de política pública, disputando seus resultados”. Figura 3: Grupos se mobilizam para fazer valer os dispositivos da Lei Maria da Penha. 18 Políticas Sociais e Movimentos Sociais A imagem acima mostra um movimento de mulheres (movimento feminista), homenageando a Lei Maria da Penha, Lei Federal brasileira que tem o objetivo de estipular punição adequada e coibir atos de violência doméstica contra a mulher. Esse é um exemplo de relação entre movimento social e política social/pública, pois graças ao movimento de mulheres atuante no Brasil, atualmente, existem políticas voltadas para à mulher, através da oferta estatal: temos como exemplo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres (SNPM) etc. Há diferenças práticas e conceituais sobre “Política Social” e “Política Pública”. A Política Social surge nas sociedades capitalistas de forma secundária ao plano econômico e insere-se na compreensão de proteção social - que as sociedades desenvolvem para proteger seus membros. Ela, às vezes, é institucionalizada. Por Políticas Públicas, entende-se os conjuntos de programas e ações desenvolvidas na planificação do aparelho Estatal, operacionalizando modalidades particulares para determinado seguimento social, cultural, étnico ou econômico etc. Portanto, é importante ressaltar os movimentos sociais produzem efeitos para (e nas) políticas públicas, tensionando a implementação e/ou questionando seu desenvolvimento. No Brasil, são inúmeros os exemplos de movimentos sociais que desenvolvem interações socioestatais – movimento de mulheres, quilombolas, indígenas, bissexuais, travestis e transexuais, entre outros – por meio do engajamento ativista, apresentando-se como organizações da sociedade civil que interagem na formulação e implementação de políticas públicas, especialmente em áreas como saúde e assistência social. Essa relação exposta depende sempre das estruturas relacionais e dos regimes políticos da sociedade em questão (tendo em vista os conflitos políticos em torno das coalizões governantes, por exemplo). Sobre “regime político”, pode-se remeter a grosso modo, ao conjunto das instituições e ideias que regulam a luta pelo poder e seu exercício em uma sociedade. A posição ocupada pelos atores e interesses dos movimentos sociais em um determinado regime define oportunidades e/ou obstáculos para reconhecimento, acesso e influência institucional de tais atores e interesses (ABERS et al. 2018). Importante 19Políticas Sociais e Movimentos Sociais Assim, percebe-se que a influência e o tensionamento dos movimentos sociais, na relação Estatal no tocante às políticas sociais, depende constantemente da abertura política. Em um regime de governo autoritário, por exemplo, o movimento de massas e a consciência coletiva enfrentará maiores obstáculos. Em regimes políticos mais democráticos tende-se a abertura dos espaços de partilha de poder. Deve-se afirmar a importância de se pensar as políticas sociais e os movimentos sociais no cenário atual. Buscou-se refletir, brevemente, sobre o surgimento dos movimentos sociais e as suas principais correntes teóricas, mostrando que é antiga a capacidade humana de se organizar e impor exigências no âmbito político e organizativo. Tratou-se dos núcleos teóricos importantes acerca do surgimento dos movimentos sociais, em especial a teoria marxista na análise dos movimentos sociais e a contraposição dos novos movimentos sociais. Discorreu-se, ainda, acerca das manifestações ideopolíticas e socioculturais dos movimentos sociais, com destaque às experiências participativas dos sujeitos envolvidos em lutas históricas por seus direitos identitários e subjetivos (ao mesmo tempo políticos e coletivos). Por fim, abordou-se a relação entre políticas sociais e movimentos sociais, apontando que, nessas políticas, encaixam-se as tensões e reivindicações de diversos sujeitos coletivos que tencionam e influenciam a implementação de políticas sociais. 20 Políticas Sociais e Movimentos Sociais Referências ABERS, R. N.; SILVA, M. K.; TATAGIBA, L. Movimentos Sociais e Políticas Públicas: Repensando Atores e Oportunidades Políticas. Lua Nova, São Paulo, 105: p.15-46, 2018. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ln/ n105/1807-0175-ln-105-15.pdf. Acesso em: 20 nov. 2019. BORGES, A. Origem e papel dos sindicatos. 1º Módulo do Curso Nacional de Formação Político-sindical, Brasília, 2006. BRASIL. Lei nº 4.682 de 24 de janeiro de 1923 (Lei Eloy Chaves). Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1920-1929/ decreto-4682-24-janeiro-1923-538815-publicacaooriginal-90368-pl.html. Acesso em: 20 nov. 2019. COSTA, N. K. F. 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O Surgimento dos Movimentos Sociais e as Correntes Teóricas 2. As Manifestações Ideopolíticas e Socioculturais dos Movimentos Sociais 3. A Relação entre Políticas Sociais e Movimentos Sociais Referências
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