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1 TERAPIA OCUPACIONAL EM SAÚDE MENTAL INFANTIL 1 SUMÁRIO NOSSA HISTÓRIA............................................................................................. 2 Introdução............................................................................................................ 3 A Profissão Terapeuta Ocupacional ............................................................... 4 A Terapia Ocupacional No Cenário Da Reforma Psiquiátrica Brasileira .. 6 Percurso Histórico Da Saúde Mental Infantojuvenil ................................... 10 Terapia Ocupacional E Saúde Mental .......................................................... 16 Produzindo Saúde Ocupacional ................................................................ 17 A Terapia Ocupacional E As Novas Formas Do Cuidar Em Saúde Mental ........................................................................................................................................ 20 REFERÊNCIAS ................................................................................................ 26 2 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 Introdução Traduzir a subjetividade do sujeito com transtornos mentais é trilhar um caminho desconhecido e que parece não ter fim, é buscar um sentido que aparentemente não tem sentido, é transformar ideias, é repensar, é desconstruir, é habilitar, é ampliar os limites, é sonhar, é criar, é reviver, é viver. E acima de tudo, produzir inquietações no fazer cotidiano, desacomodando o que está estático. No entanto, quanto mais buscamos respostas para as inquietações que surgem a partir do trabalho que desenvolvemos, mais produzimos inquietações, que podem vir a produzir saúde mental e fazer a diferença entre o cuidar e o reabilitar. A reabilitação propõe um desafio gigantesco em que a desrazão deve encontrar novos fazeres e pensares originais, para muito além do treinamento ou adestramento (SARACENO, 2001). No cenário da política nacional de saúde mental, novos atores sociais foram chamados a compor esse panorama democrático de construção conjunta de uma política efetiva na perspectiva de redes de atenção psicossocial (MARTINS, 2003). O Terapeuta Ocupacional saiu de uma prática apenas (práxis) para um futuro cheio de possibilidades que procura mobilizar e produzir saúde, utilizando diferentes formas de atividades, respeitando a subjetividade e singularidade dos 4 sujeitos, o seu entorno e as atividades para ele significativas, encontra o desafio de criar práticas que conduzam a desinstitucionalização, favorecendo a autonomia, e consequentemente a inclusão do sujeito estigmatizado pela doença mental em seu próprio território. Nestes novos paradigmas de atenção ao portador de sofrimento psíquico, é na transdicisplinaridade que a ressocialização do sujeito ecoa. A Terapia Ocupacional, na atenção em saúde mental, ocupa um lugar comprometido com o direito, a cidadania e a ética, conduzindo a um conhecimento que induz à flexibilidade nas ações, assim, ela não deve ser apenas uma estratégia de intervenção para eliminação e controle do mal estar psíquico, mas deve colaborar para que a vida coletiva e as existências individuais sejam mais abertas, interessantes e criativa e nós, terapeutas ocupacionais, facilitadores desse processo de mudança, precisamos ser incansáveis criadores de possibilidades. A Profissão Terapeuta Ocupacional Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Terapia Ocupacional é a ciência que estuda a atividade humana e a utiliza como recurso terapêutico para prevenir e tratar dificuldades físicas e/ou psicossociais que interfiram no desenvolvimento e na independência do cliente para suas atividades de vida diária, trabalho e lazer. É a arte e a ciência de orientar a participação do indivíduo em atividades selecionadas para restaurar, fortalecer e desenvolver a capacidade, facilitar a aprendizagem das habilidades e funções essenciais para a adaptação e produtividade, diminuir ou corrigir patologias e promover e manter a saúde (BARTALOTTI, 2001). Por princípio, é no processo terapêutico que, por meio do fazer (ato, ações, atividades), o paciente pode reconhecer-se como sujeito que cria, atua, reconhece, organiza e gerencia seu cotidiano concreto. A regulamentação profissional do Terapeuta Ocupacional no Brasil se deu através do Decreto-Lei nº 938, de 13 de outubro de 1969, que dispõe: “O fisioterapeuta e o terapeuta 5 ocupacional, diplomados por escolas e cursos reconhecidos, são profissionais de nível superior. [...] É atividade privativa do terapeuta ocupacional executar métodos e técnicas terapêuticas e recreacional com a finalidade de restaurar, desenvolver e conservar a capacidade mental do paciente”. Em 17 de dezembro de 1975 é criado o Conselho Federal e Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional. 6 A Terapia Ocupacional No Cenário Da Reforma Psiquiátrica Brasileira Pinel, na França, e Tuke, na Inglaterra, foram os propositores do tratamento moral, partindo do pressuposto de que a organização e as ocupações no ambiente hospitalar levavam à reorganização e ao equilíbrio do doente mental, ainda presente nas práticas asilares. Foi por seu intermédio que a Terapia Ocupacional construiu seu primeiro modelo de intervenção, durante o chamado processo de re-emergência, em torno de 1920 (BARTALOTTI, 2001). Com o passar dos anos surge o modelo reducionista de tratamento, que se divide em modelo psicanalítico, cinesiológico e neurológico, em que a visão do homem era voltada para os mecanismos internos. A década de 70 foi um período de busca e crescimento no campo profissional. Surge a abordagem psicodinâmica em Terapia Ocupacional, que abrange todas as faixas etárias e grupos populacionais considerados marginalizados e estigmatizados, como por exemplo, os deficientes mentais, visuais, auditivos, menores carentes, idosos e detentos (PÁDUA, 2005). Bartalotti, Mângia e Nicácio (2001), ao analisar o processo de desinstitucionalização dos pacientes psiquiátricos, referem a possibilidade de a Terapia Ocupacional redefinir seus objetivos na atenção, pautados na produção da autonomia e de itinerários que enfrentem a exclusão social. No processo de transformação das instituições asilares, a ocupação se apresenta como uma resposta à ociosidade. Diferente dessa compreensão, a perspectiva institucional revela que o vazio institucional não é produto da falta de ocupação, e sim, remete ao processo de institucionalização e à ausência de intercâmbio, de relações, expressão do “manicômio como lugar zero de trocas” (PÁDUA, 2003). O Terapeuta Ocupacional utiliza uma metodologia de trabalho conhecida como trilhas associativas, que tem como princípio norteador a concepção de que a dinâmica estabelecida pela tríade terapeuta-paciente-atividade compõe um campo transicional no qual é possível ao paciente, por meio do trabalho 7 associativo com as produções realizadas nos settings terapêuticos, construir e reconstruir sua história (BENETTON, 1991). Através da relação entre terapeuta, paciente e atividade, é procurado levar o indivíduo a encontrar formas mais gratificantes de vida, seja nos pequenos grupos, seja na sociedade em geral, tendo as atividades como elemento centralizador e orientador do processo terapêutico e permitindo que o paciente se aproprie da definição de seu projeto terapêutico. O processo de Reforma Psiquiátrica Brasileira, contemporânea da Reforma Sanitária, é inscrito num contexto internacional de mudanças pela superação da violência asilar. Fundado, ao final dos anos 70, na crise do modelo de assistência centrado no hospital psiquiátrico, por um lado, e por outro, na eclosão dos esforços dos movimentos sociais pelos direitos dos pacientes psiquiátricos, é maior do que a sanção de novas leis e normas e maior do que o conjunto de mudanças nas políticas governamentais e nos serviços de saúde. É compreendida como um conjunto de transformações de práticas, saberes, valores culturais e sociais. É no cotidiano da vida das instituições, dos serviços e das relações interpessoais que o processo da Reforma Psiquiátrica avança, marcado por impasses, tensões, conflitos e desafios (AMARANTE, 2008). O movimento formado por trabalhadores em saúde mental, através de variados campos de luta, passa a protagonizar e a construir a denúncia da violência dos manicômios, da mercantilização da loucura, da hegemonia de uma rede privada de assistência, e a construir coletivamente uma crítica ao chamado saber psiquiátrico e ao modelo hospitalocêntrico na assistência às pessoas com transtornos mentais. A experiência italiana de desinstitucionalização em psiquiatria e sua crítica radical ao manicômio é inspiradora, e revela a possibilidade de ruptura com os antigos paradigmas. Em 1989 são implantados no município de Santos (São Paulo) Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) que funcionam 24 horas, são criadas cooperativas, residências para os egressos do hospital e associações. Também no ano de 1989, dá entrada no Congresso Nacional o projeto de lei do deputado Paulo Delgado (PT/MG), que propõe a regulamentação dos direitos da pessoa com transtornos mentais e a extinção progressiva dos manicômios no país. É o 8 início das lutas do movimento da Reforma Psiquiátrica nos campos legislativos e normativos. Com a Constituição de 1988, é criado o SUS – Sistema Único de Saúde, formado pela articulação entre as gestões federal, estadual e municipal, sob o poder do controle social, exercido através dos “Conselhos Comunitários de Saúde”. A partir do ano de 1992, os movimentos sociais, inspirados pelo Projeto de Lei Paulo Delgado, conseguem aprovar em vários estados brasileiros as primeiras leis que determinam a substituição progressiva dos leitos psiquiátricos por uma rede integrada de atenção à saúde mental. É a partir desse período que a política do Ministério da Saúde para a saúde mental, acompanhando as diretrizes em construção da Reforma Psiquiátrica, começa a ganhar contornos mais definidos. É na década de 90, marcada pelo compromisso firmado pelo Brasil na assinatura da Declaração de Caracas e pela realização da II Conferência Nacional de Saúde Mental, que passam a entrar em vigor no país as primeiras normas federais regulamentando a implantação de serviços de atenção diária, fundadas nas experiências dos primeiros CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), NAPS (Núcleos de Atenção Psicossocial) e Hospitais-Dia, e as primeiras normas para fiscalização e classificação dos hospitais psiquiátricos. Do mesmo modo, as normas para fiscalização e classificação dos hospitais psiquiátricos não previam mecanismos sistemáticos para a redução de leitos. É somente no ano de 2001, após 12 anos de tramitação no Congresso Nacional, que a Lei Paulo Delgado é sancionada no país. A aprovação, no entanto, é de um substitutivo do projeto de lei original, que traz modificações importantes no texto normativo. Assim, a Lei 10.216/01 redireciona a assistência em saúde mental, privilegiando o oferecimento de tratamento em serviços de base comunitária, dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais, mas não institui mecanismos claros para a progressiva extinção dos manicômios. Ainda assim, a promulgação da lei federal impõe novo impulso e novo ritmo para o processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil (BRASIL, 2005). 9 Nesse mesmo período, o processo de desinstitucionalização de pessoas longamente internadas é impulsionado, com a criação do Programa “De Volta para Casa”. Uma política de recursos humanos para a Reforma Psiquiátrica é construída, e é traçada a política para a questão do álcool e de outras drogas, incorporando a estratégia de redução de danos. Esse processo caracteriza-se por ações dos governos federal, estadual, municipal e dos movimentos sociais, para efetivar a construção da transição de um modelo de assistência centrado no hospital psiquiátrico, para um modelo de atenção comunitário. O período atual caracteriza-se assim por dois movimentos simultâneos: a construção de uma rede de atenção à saúde mental substitutiva ao modelo centrado na internação hospitalar, por um lado, e a fiscalização e redução progressiva e programada dos leitos psiquiátricos existentes, por outro (BRASIL, 2005). No Sistema Único de Saúde (SUS) os centros de atenção psicossocial (CAPS) são referência para o tratamento do portador de transtornos mentais severos e persistentes, garantindo ao usuário o acolhimento e acompanhamento, proporcionando um vínculo terapêutico humanizado. São articuladores da rede de atenção de saúde mental no território e organizam os recursos existentes em variadas redes – sócio- sanitárias, jurídicas e educacionais –, promovendo a reinserção social, a vida comunitária e a autonomia. A atenção inclui ações dirigidas aos usuários e familiares, através de projetos de inserção social, a fim de minimizar o estigma e promover a cidadania, a qualidade de vida e a inserção social (AMARANTE, 2008). O Terapeuta Ocupacional no Sistema Único de Saúde trabalha questões específicas e coletivas, no atendimento individual ou em grupo nos CAPS, NAPS, ambulatórios, residenciais terapêuticos; proporciona supervisão e apoio específicos para as Equipes Saúde da Família, objetivando integrar as dificuldades do usuário da família e até mesmo da comunidade, despertando o potencial de cada um. As atividades são grupos, oficinas, assembleias, grupos de familiares, visitas domiciliares, participação em feiras e passeios, entre outras atividades no dia a dia do serviço. As atividades que se desenvolvem possibilitam o resgate da sua autoestima, da autoconfiança, do seu valor como sujeito. O processo terapêutico tem por principio ser o lugar onde, por meio do fazer (atos, ações, atividades), o paciente possa reconhecer-se como sujeito que 10 cria, atua, reconhece, organiza e gerencia o seu cotidiano concreto. Um lugar onde a convivência com as contradições vividas pelas suas ações cotidianas possa ser trazida para fazê-lo concreto no manuseio de diferentes materiais/atividades/situações, abrindo assim a possibilidade de reconhecimento e enfrentamento de suas dificuldades cotidianas, na busca por um enriquecimento de suas necessidades e possibilidades concretas, no interior da coletividade (FRANCISCO, 2001). A desinstitucionalização inscreve a necessidade de desmontar as soluções existentes para (re)conhecer, (re)contextualizar o problema representado pelo sofrimento psíquico e inventar novas possibilidades, processo que, necessariamente, permeia as diferentes disciplinas (AMARANTE, 2008). As práticas de atenção em Terapia Ocupacional pautadas na desinstitucionalização têm exigido e propiciado novas formas de olhar com a experiência do adoecer e da exclusão, o conhecer e o interagir (BARTALOTTI, 2001). Percurso Histórico Da Saúde Mental Infantojuvenil O caminho trilhado no campo da atenção à saúde mental das crianças e adolescentes ao longo do tempo, a despeito da história da saúde mental do adulto, conheceu movimentos diferentes, no que se refere aos projetos políticos e ao contexto de interesses e premissas colocados para sua consolidação (COUTO, 2001). 11 No cenário internacional e com importantes repercussões no Brasil, as bases teóricas da psicopatologia da infância e adolescência derivavam-se de duas correntes principais, uma que transpunha para este grupo populacional as mesmas considerações sobre a psicopatologia do adulto, no chamado adultomorfismo (REIS et al., 2010), e outra, que se detinha pela descrição dos processos de incapacidade e deficiências intelectuais. Em relação aos adolescentes, que não constituíam alvo das políticas para educação formal, delineia-se o construto do jovem delinquente (RIBEIRO, 2006). Além da categorização psicopatológica da delinquência, referiam-se como diagnósticos próprios das crianças e adolescentes a idiotia, a debilidade e a imbecilidade (REIS et al., 2010; COUTO, 2001; RIBEIRO, 2006). Em 1943, com a publicação de um estudo descritivo do funcionamento de uma criança autista por Leo Kanner nos Estados Unidos da América, efetiva-se uma ruptura fundamental na constituição do campo da psicopatologia da infância e adolescência, inaugurando de forma mais precisa a Psiquiatria Infantil. Em seu estudo, Kanner se detém ao detalhamento de uma problemática eminentemente infantil, considerando que as crianças não possuíam os mesmos modos de funcionamento afetivo e psicológicos que os adultos. Sua importância decorre 12 também de que Kanner se propõe à descrição de um acometimento grave, de ordem afetiva e não necessariamente intelectual (REIS et al., 2010). Embora tenha se constituído com algumas similitudes aos processos de formação internacionais, as bases da psiquiatria infantojuvenil no Brasil serviram a outros projetos de saúde e de sociedade. Durante o período colonial, são escassas as referências a qualquer modalidade de atenção à infância e adolescência. As primeiras ações destinadas à saúde mental infantojuvenil surgem conjuntamente com as primeiras iniciativas neste campo para os adultos, justamente com a inauguração do primeiro hospital psiquiátrico do país, em 1832, o Hospital D. Pedro II, no Rio de Janeiro. Neste período, e em decorrência de tal inauguração, foram realizados os primeiros estudos e teses brasileiros no campo da psiquiatria (COSTA, 1983; RIBEIRO, 2006). O que se percebe é que as ações à saúde das crianças e adolescentes, incluídos também os aspectos relativos à saúde mental, acompanharam o plano político, ideológico e social do país, após sua independência. Quanto mais a “cientifização” da disciplina médica tornava-se entidade reguladora dos modos de vida nas cidades, mais funcionava como aliada de uma burguesia urbana, que tinha entre seus projetos a negação do estilo de vida patriarcal de base rural, estabelecido durante o período do Brasil Colônia. Neste plano, o controle das situações de precariedade foi impulsionado pelo discurso do Movimento Higienista, que embora não tenha tido grande representatividade numérica entre a sociedade, e tampouco participação popular em suas formulações, foi responsável por estabelecer uma série de prerrogativas em relação aos modos saudáveis de vida e convivência nas cidades que se estabelecem ainda hoje (BOARINI; YAMAMOTO, 2004; REIS et al., 2010; RIBEIRO, 2006). Surgem neste cenário, de modo mais sistematizado, as primeiras práticas direcionadas às crianças, incluindo as ações ao cuidado materno-infantil. Os propósitos de higienização da sociedade encontravam nas crianças terreno fértil para seu desenvolvimento a partir da individualização das mazelas e responsabilidade sobre a saúde, produzindo-se uma série de indicações e programas a serem executados no interior das escolas e educandários (RIBEIRO, 2006). 13 Neste panorama, tal como apontam Boarini e Yamamoto (2004), algumas das práticas difundidas pelo Movimento Higienista atrelam-se às condutas cunhadas e defendidas pelo Movimento Eugenista, que consistia em defender o melhoramento da raça. Esse melhoramento referia-se ao controle dos matrimônios e à reprovação de práticas e condutasde âmbito pessoal e familiar. Cabe ressaltar que, embora os dois citados movimentos tenham tido importante repercussão na condução dos valores morais da sociedade burguesa no Brasil, ambos provinham, a princípio, da iniciativa privada e não contavam com recursos públicos nem se constituíam como política de Estado. Apesar disso, mesmo não figurando como política pública, assumiram expressiva relevância para os planos políticos de desenvolvimento e progresso nacional, cunhados especialmente em práticas de controle (BOARINI; YAMAMOTO, 2004). Em meados da década de 1920, com a criação da Liga da Higiene Mental, entidade assumidamente preocupada com o desenvolvimento mental da população brasileira, em especial da infância, são desenvolvidas por estas ações de assistência, frequentemente de caráter repressivo, em que as instituições psiquiátricas de internação respondiam pelo papel de reguladoras do espaço social, dando possibilidades para o efetivo estabelecimento da disciplina psiquiátrica infantil, que, entre seus atributos, ocupava-se também de projetos de prevenção de patologias. Ao atuarem junto às crianças, e com forte veiculação entre a população, atingiam também a organização das famílias brasileiras, entre outras coisas, incutindo nestas a ideia de que somente a disciplina médica seria capaz de orientar efetiva e adequadamente quanto aos modos de educação das crianças para uma vida saudável, afastada de insanidade, desvios de conduta e, principalmente, da delinquência (BOARINI; YAMAMOTO, 2004; REIS et al., 2010). Os objetivos da psiquiatria infantil no território nacional residiam em sanar as problemáticas que caracterizavam o país enquanto nação atrasada como a delinquência e a mortalidade infantil, a partir da moralização da sociedade e do controle de suas condutas. Surgem com esta finalidade as primeiras clínicas de orientação infantil, principalmente nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, que além de médicos psiquiatras e pediatras contavam também 14 com a chegada recente de psicólogos e psicanalistas, que atuavam também com foco nas problemáticas relacionadas aos processos de aprendizagem (BOARINI; YAMAMOTO, 2004; RIBEIRO, 2006). Por outro lado, as crianças e adolescentes severamente comprometidos em decorrência do sofrimento psíquico mantinham-se reclusas em alas conjuntas com os adultos nos hospitais psiquiátricos do país. Uma vez que as principais ações no campo da saúde mental infantojuvenil se detinham à prevenção de agravos, poucas ações estiveram descritas e direcionadas às populações em intenso sofrimento psíquico. À exceção de tal constatação tem- se, em 1902, a criação do Pavilhão Infantil anexo ao Hospital da Praia Vermelha no Rio de Janeiro, e da Ala Infantil no Hospital Juqueri, em 1921, em São Paulo (RIBEIRO, 2006). A principal forma de institucionalização de crianças e adolescentes em sofrimento psíquico se deu para além das instituições psiquiátricas, e deste fato advém a escassez de registros sobre o tema na área da saúde. Grande parte das crianças adoecidas permanecia em instituições assistenciais mantidas por entidades filantrópicas, que, embora não figurassem nas comunidades psiquiátricas, mantinham modos de exclusão e violência muito semelhantes. As intervenções para institucionalização de crianças e adolescentes no Brasil foram utilizadas em proporções arrebatadoras. Durante décadas, esta foi a principal resposta para a maioria das problemáticas sociais. Assim, além das crianças e adolescentes com algum tipo de sofrimento psíquico, as crianças e adolescentes pobres também tiveram como alternativa única para sua existência a institucionalização. O medo social em relação ao louco e ao pobre, que supostamente poderia se tornar delinquente, justificou ao longo dos anos série de violações à vida humana e à sua integridade (COUTO, 2001; COUTO; DUARTE; DELGADO, 2008; RIZZINI, 2005). Em 1927, a criação do primeiro Código Melo de Mattos conferiu respaldo tanto às ações em saúde mental já realizadas, como também à questão da delinquência. No início da década de 1940, com a emergência do Estado Novo e sob a rubrica de seus projetos de nação, foi criado o Departamento Nacional da Criança, que inaugurou serviços estatais, públicos para a atenção à saúde mental de crianças e adolescentes. Desde o fim da década de 1970, o panorama 15 de atenção se modificou pouco, à exceção da criação de algumas redes filantrópicas de atendimento à criança e ao adolescente com deficiência (REIS et al., 2010). Mesmo que as políticas de saúde não tivessem contemplado as crianças e adolescentes no campo da saúde mental, outros documentos e políticas sociais deste período tiveram importantes repercussões para a vida destes sujeitos. A exemplo, o Código de Menores de 1979 justificou internações na Fundação para o Bem-Estar do Menor (Febem) em quantidades abusivas cunhadas na ideia de uma suposta proteção aos riscos e perigos vividos pela população infantojuvenil. Estas internações, em sua maioria destinadas aos grupos populacionais mais pobres e em maior situação de vulnerabilidade, tiveram violentas repercussões para o desenvolvimento e a vida de crianças e adolescentes, incluídas nestas o número aumentado de agravos de saúde mental (BRASIL, 2014). A assistência à infância e adolescência no Brasil, tal como assinalado anteriormente, esteve marcada então por ações de proteção que culminaram em reclusão e institucionalização com evidentes situações de privação de direitos e liberdade. Instituições filantrópicas eram as principais responsáveis pelo cuidado que além de ações restritivas continham forte apelo jurídico (COUTO, 2001; HOFFMANN; SANTOS; MOTA, 2008). Parte do que se traduzia nestas ações derivava de uma concepção sobre estas fases da vida humana que recusavam o transtorno mental infantil enquanto uma condição de existência. Os eventos de sofrimento e adoecimento psíquicos eram atravessados por diagnósticos de deficiência mental, que, outrossim, necessitavam de reparação e demandavam, para seu cuidado, práticas de caráter pedagogizante e adaptativo, negligenciando, destarte, as dimensões subjetivas e até mesmo sociais da experiência de sofrimento. Grande parte das ações em psiquiatria infantojuvenil se direcionava, por conseguinte, ao diagnóstico e intervenção nos déficits de aprendizagem e ao distúrbio de conduta (COUTO, 2001; REIS et al., 2010). 16 Terapia Ocupacional E Saúde Mental As intervenções em Terapia Ocupacional dimensionam-se pelo uso de Atividades, elemento centralizador e orientador na construção complexa e contextualizada do processo terapêutico. A doença mental e o sofrimento psíquico são fatores que isolam o indivíduo, passando a viver seu próprio mundo, partilhando-os menos com os outros. Para Schneider apud Ribeiro, o uso das atividades também possibilita uma melhor observação do doente e a participação, é quando se estabelece o que hoje se denomina Terapia Ocupacional dentro do “modelo médico”, assim são prescritas atividades específicas para cada doença ou síndrome. Segundo Medeiros apud Ribeiro, o instrumento da profissão mostra-se condizente com as proposições da transformação atual, mediante uma lógica de (re) inclusão social. A terapia ocupacional, por ter como ferramenta principal a atividade, que reflete a cotidianidade do sujeito, pode transformar a sua ação junto à sua clientela em promotora de um protagonismo social que historicamente foi arrancado daqueles que foram marcados pela história da psiquiatria. Ribeiro afirma que no contexto da Terapia Ocupacional aplicada aos sujeitos com a experiência do sofrimento psíquico, a primeira grande alteração deu-se com a mudança do perfil de seu cliente hospitalizado, quando o Estado passou a subsidiar a iniciativa privada na assistência psiquiátrica, ampliando seus serviços para a classe trabalhadora, estruturando uma atenção marcada pela alta rotatividade, o que passa a inviabilizar a laborterapia clássica, fazendo surgir outras orientações que caracterizaram o panorama da terapia ocupacional psiquiátrica brasileira contemporânea, onde o terapeuta ocupacional leva a ampliação do cuidado e a possibilidade do resgate dos direitos da cidadania, promovendo o protagonismo social dos sujeitos. Por ser uma profissão que congrega conhecimentos de várias disciplinas, a terapia ocupacional pode “ser um elemento importante na construção de novos rumos para a atenção à saúde integral, globalizante e na perspectiva da totalidade, subjetividade e singularidade das pessoas”. Os terapeutas ocupacionais realizam, então, uma importante revisão de seus postulados e 17 passam a buscar em outras áreas de conhecimento, como a sociologia e a filosofia, os apoios teóricos para essa tarefa. Produzindo Saúde Ocupacional 18 As oficinas terapêuticas passam a ter um novo enfoque e grande importância no tratamento dos pacientes com sofrimento psíquico. Deixaram de ser apenas uma forma de ocupação e de passar o tempo e se tornaram uma alternativa na reinserção, inclusão social e familiar, independização e autonomia dos pacientes. Não apenas para os pacientes psiquiátricos, o trabalho e a arte têm a função de inserção no mundo e de rompimento do isolamento. Através dessa reformulação o papel da Terapia Ocupacional passou a ser relevante, devido ao conhecimento e às atividades desenvolvidas (AMARANTE, 2000). 19 Durante as oficinas de Terapia Ocupacional o profissional utiliza as mais variadas atividades, devidamente analisadas para cada indivíduo, desenvolvendo principalmente a relação de grupo, a convivência e a comunicação com o outro (COSTA, 2004). Quando se deseja, por meio da arte ou do trabalho, produzir territórios existenciais (inserir ou reinserir socialmente, torná-los cidadãos), deve-se fazer com que o trabalho e arte se reconecte com o primado da criação, ou com o desejo ou com o plano de produção da vida. Pois que o plano da produção desejante é também o plano de engendramento do mundo humano. Trata-se de reinventar a vida em seus mais cotidianos, pois é do cotidiano, principalmente, que se encontram privados os chamados doentes mentais (AMARANTE, 2000). Segundo a psiquiatra e terapeuta ocupacional Nise da Silveira, o ateliê de pintura a fez compreender que a principal função das atividades na terapêutica ocupacional seria criar oportunidades para que as imagens do inconsciente e seus concomitantes motores encontrassem formas de expressão, o que permite ao doente viver um processo que lhe possibilitará dar forma às desordens internas vividas, uma vez que são instrumentos que permitem ao mesmo tempo organizar a desordem interna e reconstruir a realidade, pois, na medida em que as “imagens do inconsciente” vão sendo objetivadas nos desenhos e pinturas, torna-se possível tratá-las (FRANCISCO, 2001). O Terapeuta Ocupacional é um agente facilitador e estimulador junto com sua equipe multiprofissional de trabalho, em que ao usuário é permitido ensaiar, errar, aprender, trocar e experimentar o que por muito tempo não foi possível ou nunca aconteceu. O corpo do sujeito, aos poucos, deixa de ser um sinalizador de sintomas, torna-se algo a ser descoberto, algo que faz surgir bem-estar, que faz circular afetos, e que mostra a cada um novas possibilidades de ser e estar no mundo, que ajuda a ultrapassar a barreira da exclusão. Habilitar, trocar as identidades, produzir e trocar mercadorias e valores delineiam os cenários, contextos e relações que revelam a riqueza e a banalidade da vida cotidiana e se configuraram como eixos fundamentais para gerar o enriquecimento de relações de trocas e a potencialização de contratualidades (FRANCISCO, 2001). 20 A Terapia Ocupacional E As Novas Formas Do Cuidar Em Saúde Mental O caráter de marginalização e exclusão econômica e social típico da psiquiatria tradicional, imposto aos portadores de transtornos mentais ao longo da história, favoreceu o aparecimento de críticas e de reivindicações que passaram a questionar a legitimidade e a capacidade das instituições e respectivos profissionais para tratar e curar os doentes mentais. Os critérios técnico-científicos que davam a base de gestão da loucura estabeleceram uma relação social com o louco que o privava de assumir o contrato social que todo cidadão está submetido; assim, a relação instituída foi a relação de tutela, que impossibilitava o indivíduo de participar de uma sociedade como sujeito de direitos e deveres (MANGIA, 2001). Após a II Guerra Mundial, o modelo psiquiátrico clássico instituído por Pinel, que privilegiava o espaço asilar como local de intervenção na loucura foi revisto e, assim, surgiram propostas e modelos novos, principalmente na Europa e nos Estados Unidos. Esse processo, ao longo dos anos, foi sendo reconhecido e denominado Reforma Psiquiátrica, e posteriormente estendeu-se também para o Brasil. É preciso apontar que no Brasil tal movimento de questionamento e transformação ocorreu de forma mais tardia, paralelamente ao movimento de abertura política e redemocratização da sociedade brasileira. Até o final da década de 70, a assistência psiquiátrica brasileira era realizada por meio de internações hospitalares como única forma de tratamento para doentes mentais uma vez que a estrutura manicomial e a oferta de leitos consolidava esse modelo de assistência. Após sucessivas transformações, a psiquiatria insinuou-se em um novo cenário no Brasil: alguns setores da sociedade civil passaram a se mobilizar em favor da luta pelos direitos dos pacientes, abrindo espaço, nos meios universitários, intelectuais e nas próprias instituições psiquiátricas, para novas discussões sobre a loucura. Esse movimento denominou-se Reforma 21 Psiquiátrica Brasileira e se constitui, até os dias atuais, no movimento de garantia das mudanças assistenciais em saúde mental. A partir de seu surgimento, no campo assistencial, foram criados ao longo dos anos seguintes, em todo o país, novos serviços com propostas de tratamentos diferenciados dos tradicionais, levando em consideração a singularidade e as condições concretas das pessoas que buscam esses serviços. Nessas novas propostas, um dos grandes princípios a ser considerado é a questão da cidadania. Também a loucura passa a ser percebida em sua complexidade e não mais pela objetivação da psiquiatria. Ampliam-se os movimentos sociais, como as associações de familiares e usuários, além de cooperativas e eventos com o objetivo de possibilitar a construção de novas formas de convivência (RIBEIRO, 2005). No contexto da Terapia Ocupacional aplicada aos sujeitos com a experiência do sofrimento psíquico, a primeira grande alteração deu-se com a mudança do perfil de seu cliente hospitalizado, pois, por meio da Previdência Social, o Estado passou a subsidiar a iniciativa privada na assistência psiquiátrica, ampliando seus serviços para a classe trabalhadora e seus dependentes, com isso estrutura-se uma atenção marcada pela alta rotatividade, o que passa a inviabilizar a laborterapia clássica. Com os novos rumos que a psiquiatria foi tomando, inclusive o uso da nova denominação “saúde mental”, surgiram outras orientações que caracterizaram o panorama da terapia ocupacional psiquiátrica brasileira contemporânea. Entre elas podemos destacar a terapia ocupacional junguiana, dirigida por Nise da Silveira; a socioterapia, desenvolvida por Luis Cerqueira; a terapia ocupacional psicodinâmica, impulsionada por Maria José Benetton; e os projetos de transformação institucional, que ocorreram em várias partes do país. É importante pontuar que, dentro desse contexto histórico, toda a Saúde passava por um processo de reconstrução. Vislumbrava-se uma nova concepção sobre o processo saúde-doença, gerando modelos de atenção nos 22 quais as respostas aos problemas de saúde não fossem encontradas unicamente nos serviços médicos, e que o próprio conceito de Saúde não fosse definido como ausência de doença. Dessa forma, atualmente vem sendo estimulada a constituição de redes de atenção psicossocial que trabalhem rumo à implantação de uma rede integrada de base comunitária, com ofertas complexas de atenção médico- social, sob a diretriz da reabilitação psicossocial. Esse movimento é marcado pela construção de uma nova postura ética em relação aos indivíduos acometidos por transtornos mentais. O sujeito não mais deve ser visto como portador de uma doença que precisa ser controlada, mas sim como pessoa que, devido às suas diferenças, necessita de locais e pessoas que o ajudem a garantir sua cidadania, a sua qualidade de vida, enfim, as suas trocas sociais e afetivas (RIBEIRO, 2005) Nesses novos locais de atenção, o profissional de terapia ocupacional deve levar, por meio de sua especificidade, a ampliação do cuidado e a possibilidade de resgate dos direitos de cidadania desses sujeitos. A terapia ocupacional, por ter como ferramenta principal a atividade, que reflete a cotidianidade do sujeito, pode transformar a sua ação junto à sua clientela em promotora de um protagonismo social que historicamente foi arrancado daqueles que foram marcados pela história da psiquiatria. Para tanto é preciso mudar o olhar sobre a atividade, não mais trabalhar com a atividade como uma abstração esvaziada de sentido concreto para o indivíduo, mas unir sua função interpretativa, que se dá através da dimensão inconsciente absorvida da psicologia, com seu conceito de historicidade, nutrido pela dimensão sócio- política e cultural enquanto instrumento para a emancipação (BARROS et al., 2002). Assim, o terapeuta ocupacional deixa de ocupar o lugar de balizador do processo da atenção e permite que esse lugar seja compartilhado com outros agentes do processo, onde a atividade passa a ser percebida, vivida e interpretada por cada um de seus atores (a pessoa, o terapeuta ocupacional, a família, a cultura e os valores buscados). 23 O empréstimo de seu poder contratual para a efetivação e enriquecimento das trocas sociais na população assistida por esse profissional deve acontecer não apenas dentro dos alicerces institucionais, é preciso conhecer o território onde essas pessoas vivem, desejam, sofrem... O lugar da Terapia Ocupacional, no novo modelo de atenção em saúde mental, comprometido com a ética, com o direito, com a cidadania, é onde as populações com carência desses conceitos e, por conseguinte, dessas práticas, estão. Os profissionais de terapia ocupacional que estão in- seridos na rede de atenção à saúde mental, e aqueles que serão incluídos neste sistema de atendimento, devem estar cientes de que as transformações nos modelos de atenção em saúde mental vão para além da implantação e ampliação das redes de serviço. Elas conduzem a um outro saber que exige flexibilidade nas ações e nos papéis dos diversos profissionais, e pede uma mudança individual e coletiva de todos os envolvidos no processo da reabilitação psicossocial. Para garantirmos uma ação comprometida com o processo de reabilitação psicossocial e exercício da cidadania é preciso, primeiramente, ultrapassarmos o equívoco do conceito de complexidade como sinônimo de complicação. A complexidade deve ser considerada como desafio e incitamento para pensar, pois representa o incompleto do conhecimento, do conhecimento multidimensional (MORIN, 1998) A complexidade identificada na concepção da atenção psicossocial sugere a existência de contradições, indeterminações, probabilidades, dificuldades e ligações que contradizem o pensamento simplificador (PEREIRA, 2003). Daí a complexidade ser um conceito fundamental nesse processo, pois força-nos a repensar constantemente em nossos papéis, pondo em cena e problematizando o lugar que o cuidado em saúde mental deve estar: um lugar de conflito, de confronto e contradição. A Terapia Ocupacional não deve ser apenas um instru- mento de intervenção para controle e eliminação do mal- estar psíquico, ela deve contribuir para que a vida coletiva e as existências individuais sejam mais interessantes, 24 abertas e criativa e nós, terapeutas ocupacionais, facilitadores desse processo de transformação, devemos ser incansáveis criadores de possibilidades. Trabalhar em serviços que possibilitam novas práticas incita uma nova compreensão, requer movimentos internos que conduzem para a intersubjetividade e provoca desejos de descoberta; dessa forma, possibilita ao profissional transformar a si mesmo enquanto transforma suas ações (PEREIRA, 2003) A nova lógica de funcionamento da assistência no campo da saúde mental traz para seus profissionais novos desafios: é preciso um posicionamento político para o enfrentamento da exclusão não apenas dos usuários dos serviços, mas da própria saúde mental, que fica isolada e muitas vezes esquecida pelos órgãos que estabelecem as diretrizes das práticas de construção desses serviços. Portanto é preciso unir forças. Um bom exemplo disso é a compreensão da necessidade da presença de um programa de ensino dentro dos serviços de atenção psicossocial, pois este colabora tanto para a reciclagem dos profissionais da instituição quanto na formação dos novos profissionais que logo entrarão no campo de trabalho. Essas parcerias têm importante papel no processo de reformulação constante da assistência em saúde mental, garantindo o questionamento contínuo das práticas, a aproximação do campo teórico, a não cristalização de posturas e, através desse contato, propiciam o aparecimento de idéias inovadoras que podem resultar em experiências que agregam o campo teórico ao prático. Para Bezerra Júnior (2004) essa parceria enriquece tanto a universidade quanto a rede, resultando na melhora da formação dos alunos, estimulando os profissionais, beneficiando a assistência, garantindo, dessa forma, a permanência de discussão constante que resiste àquela conhecida acomodação inercial de qualquer instituição. É possível pensar, a partir dessa detecção, que o processo contínuo de Reforma Psiquiátrica, bem como o entendimento do que é e como exercer a 25 atenção psicossocial, poderia ser facilitado se tivéssemos, por parte das instituições universitárias, um enfoque comprometido com esses conceitos na formação dos novos profissionais. Outra conquista possível dentro dessa proposta seria uma maior produção de conhecimento, de experiência teórica, minimizando construções práticas descoladas do saber. É preciso compreender que as práticas reabilitadoras devem se encontrar no exercício dos direitos sociais e, para isso, devem poder sair do discurso técnico para fazerem sentido, para se aproximarem da realidade social, com seus conflitos, contradições, sensos e contrasensos, ou seja, a terapia ocupacional, para que possa constituir-se efetivamente como promotora da reabilitação psicossocial, deve também estar nas ruas, nos mercados, nas praças, na vida... inaugurando um cuidado que prioriza a liberdade de criação de todos os sujeitos envolvidos. 26 REFERÊNCIAS AMARANTE P (org.). Ensaios: subjetividade, saúde mental, sociedade. 20.ed. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2000. AMARANTE P, Cruz LBD (org.). Saúde mental, formação e crítica. 22. ed. Rio de Janeiro: Laps; 2008. AMARANTE, P. Saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007. AMSTALDEN, A. L. F.; HOFFMANN, M. C. C. L.; MONTEIRO, T. P. M. 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