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Lara Mendonça Oliveira FITS P6 1. CONHECER A TVP (DEFINIÇÃO, FISIOPATOLOGIA, QUADRO CLÍNICO, DIAGNÓSTICO, TRATAMENTO E FATORES DE RISCO). A trombose venosa profunda (TVP) e o tromboembolismo pulmonar (TEP) fazem parte do espectro da mesma doença, o tromboembolismo venoso (TEV). Em 1⁄3 dos pacientes a apresentação inicial é na forma de TEP e 2⁄3 na forma de TVP. A trombose venosa profunda (TVP) é uma doença caracterizada pela formação de trombos no sistema venoso profundo, sendo os membros inferiores os mais acometidos . É mais prevalente entre os doentes internados sendo que, no Brasil, 27412 casos de TVP foram diagnosticados no ano de 2007 . Sua ocorrência está relacionada a alterações em um ou mais elementos da tríade Vircho� – estase, lesão endotelial e elementos da coagulação . Dessa forma, pacientes restritos ao leito, submetidos a cirurgias de grande porte, vítimas de trauma ,em uso de cateteres venosos, com diagnóstico de trombofilias ou câncer são mais propensos ao desenvolvimento desta doença. Anormalidades da veia cava inferior e compressão venosa por aneurismas arteriais periféricos também são descritas como causas menos frequentes de TVP. Apresenta-se com edema e dor no membro acometido, mas, apenas os sinais e/ou sintomas clínicos não permitem o diagnóstico adequado, que deve ser confirmado pela ultrassonografia com Doppler. A localização dos sinais e sintomas costuma se relacionar com as veias acometidas. TVP’s que acometem as veias ilíacas, femorais, comum e profunda, manifestam-se, frequentemente, por edema de coxa e perna; as de veias femoral superficial, poplítea e distais cursam, habitualmente, com sintomas restritos à perna. - Fisiopatologia: Tríade de Virchow: Estase venosa (estagnação do sangue dentro da veia), hipercoagulabilidade sanguínea e dano à parede vascular. Na trombose venosa, aumento de coagulabilidade do sangue e estase são mais importantes. A lesão à parede vascular é menos relevante do que na trombose arterial, embora possa ser significativa em pacientes com sepse, cateteres venosos e em locais onde há dano venoso por tromboses prévias. A estase permite que a coagulação do sangue seja completada no local de início do trombo (p. ex., atrás de bolsas valvulares das veias da perna em pacientes imobilizados). Mecanismos patogênicos- TVP decorre da desordem dos mecanismos que presidem o equilíbrio entre fatores estimulantes e inibidores da coagulação. São estimulantes as Lara Mendonça Oliveira FITS P6 alterações endoteliais, estase e diluição hemática. São inibidores da integridade do endotélio, antitrombina III, heparina e fibrinólise. A formação do trombo ocorre com facilidade, no pós-operatório, no nível das cúspides valvulares, das veias profundas, principalmente dos membros inferiores. A trombose venosa profunda nos membros inferiores, na maioria das vezes, resulta de ● Retorno venoso prejudicado (p. ex., em pacientes imobilizados) ● Lesão ou disfunção endotelial (p. ex., após fratura nas pernas) ● Hipercoagulabilidade A trombose venosa profunda nos membros superiores na maioria das vezes resulta de ● Lesão endotelial decorrente de cateteres venosos centrais, marca-passos ou uso de drogas injetáveis A trombose venosa profunda de membro superior ocasionalmente ocorre como parte da síndrome da veia cava superior (SVC) (compressão ou invasão da veia cava superior por um tumor, causando sintomas como edema facial, veias do pescoço dilatadas e rubor facial) ou resulta de um estado hipercoagulável ou compressão da veia subclávia no desfiladeiro torácico. A compressão pode ser decorrente de primeira arco costal normal, acessória ou feixe fibroso (síndrome do desfiladeiro torácico) ou acontecer durante atividade vigorosa de um braço (trombose de esforço ou síndrome de Paget Schroetter, que responde por 1 a 4% dos casos de trombose venosa profunda do membro superior). Geralmente, a trombose venosa profunda começa nas cúspides das valvas venosas. Os trombos consistem em trombina, fibrina e hemácias, com relativamente poucas plaquetas (trombo vermelho); sem tratamento, os trombos podem se propagar no sentido proximal ou migrar para os pulmões. Trombose Venosa Profunda (TVP): A TVP ocorre principalmente em membros inferiores, e nesse caso pode ser dividida em duas categorias: - TVP distal: acometem vasos distais nas veias poplíteas. - TVP proximal: acomete veias poplíteas, femoral ou ilíacas. A TVP proximal apresenta maior importância devido ao risco aumentado de TEP quando comparada à TVP distal. - Epidemiologia: A idade é o maior fator de risco para trombose, que é rara em pacientes jovens (1/100.000 pacientes/ano). Já a incidência de TVP em adultos com mais de 45 anos é de aproximadamente 1,92/1.000 pacientes/ano. - Quadro clínico: O diagnóstico deve ser suspeitado em qualquer paciente com dor ou edema em membros inferiores, principalmente se unilateral e assimétrico. O edema é geralmente depressível na TVP. Quando a diferença de diâmetro entre as duas panturrilhas é maior do que 3 cm, a probabilidade de TVP aumenta significativamente (a mensuração deve ser realizada 10 cm abaixo da protuberância distal). A presença de fatores precipitantes potenciais deve ser questionada; em mulheres, por exemplo, o uso de https://www.msdmanuals.com/pt/profissional/dist%C3%BArbios-neurol%C3%B3gicos/dist%C3%BArbios-do-sistema-nervoso-perif%C3%A9rico-e-da-unidade-motora/s%C3%ADndromes-de-compress%C3%A3o-da-sa%C3%ADda-tor%C3%A1cica-sct https://www.msdmanuals.com/pt/profissional/dist%C3%BArbios-neurol%C3%B3gicos/dist%C3%BArbios-do-sistema-nervoso-perif%C3%A9rico-e-da-unidade-motora/s%C3%ADndromes-de-compress%C3%A3o-da-sa%C3%ADda-tor%C3%A1cica-sct Lara Mendonça Oliveira FITS P6 anticoncepcionais orais, terapia de reposição hormonal e antecedentes obstétricos (devido à possibilidade de síndrome de anticorpos antifosfolípides). A dor à palpação da musculatura da panturrilha é sugestiva, mas não patognomônica. Eventualmente a dor pode se estender para a região da coxa ou se localizar ao longo da distribuição do sistema venoso profundo. Achados como eritema, calor local e sinal de Homans (dor à dorsiflexão do pé) têm pouco valor diagnóstico. A dilatação de veias superficiais não varicosas também pode ocorrer em pacientes com TVP. O tratamento é feito com a anticoagulação sistêmica dos pacientes acometidos, a qual pode ser feita tanto com heparina não-fracionada (HNF) por via endovenosa ou subcutânea, como com heparina de baixo peso molecular (HBPM) por via subcutânea seguido do uso de medicações anti-vitamina K (Varfarina). O tratamento visa a prevenção de complicações, das quais a embolia pulmonar (EP) é a mais temida, ocorrendo em cerca de 10% dos casos. Todos os pacientes devem realizar uma estimativa de probabilidade de TVP na avaliação inicial. - Probabilidade baixa ou moderada: Realizar D-dímero de alta sensibilidade. Se negativo, encerrar investigação. Se positivo, realizar ultrassonografia com Doppler. Em pacientes portadores de condições prévias que elevem D-dímero procede-se com a ultrassonografia sem dosar D-dímero. - Probabilidade alta: Realizar ultrassonografia com Doppler. - D-dímero: Apresenta alta sensibilidade e baixa especificidade. Os D-dímeros são produzidos quando a enzima plasmina inicia o processo de degradação de um coágulo de fibrina. Causas de elevação do d-dímero: Hematomas subcutâneos, Neoplasias, Feridas cirúrgicas, Isquemia coronariana, Necrose cutânea, Insuficiência renal, Queimaduras, Insuficiência hepática, Efusões pleurais, Eclâmpsia, Ascite e Cirurgia. - USG doppler: O principal critério ultrassonográfico para diagnóstico de TVP é o teste de compressão. Nesse caso, com o transdutor vascular se localizam as veias femorais comum, superficial e poplítea e realiza-se leve compressão venosa. Se houver compressão completa se exclui TVP, caso não haja compressão o exame é considerado positivo para presença de trombo. - Flegmasia: É uma complicação da trombose venosa profunda caracterizada por obstrução venosa, edema acentuado, cianose e dor,acompanhado por espasmo arterial acentuado que pode evoluir para quadro de gangrena úmida. http://files.bvs.br/upload/S/0101-5907/2010/ v24n2/a2109.pdf http://files.bvs.br/upload/S/0101-5907/2010/v24n2/a2109.pdf http://files.bvs.br/upload/S/0101-5907/2010/v24n2/a2109.pdf Lara Mendonça Oliveira FITS P6 Os principais fatores de risco para TVP são: idade (aumento exponencial >50 anos), imobilização, história prévia de TEP, anestesia (risco maior na anestesia geral do que regional), gravidez (aumento de risco no período pós-parto), neoplasias (TVP ou TEP podem ser manifestações de neoplasia presente ou preceder o seu aparecimento por anos), estados de hipercoagulabilidade (deficiência de antitrombina III, deficiência de proteína C ou S) anticorpo antifosfolípide, excesso de inibidor do ativador do plasminogênio tecidual, policitemias, cirurgias, trauma tecidual (ativação da coagulação e trauma direto sobre os vasos), obesidade, varizes dos membros inferiores e anticoncepcionais. 2. CONHECER A TEP (DEFINIÇÃO, FISIOPATOLOGIA, QUADRO CLÍNICO, DIAGNÓSTICO, TRATAMENTO E FATORES DE RISCO). A embolia pulmonar é definida como a obstrução da artéria pulmonar ou seus ramos pela impactação de um ou mais êmbolos. Os principais sítios de origem do TEP são as veias pélvicas, poplíteas, femorais comum e femorais superficial. Com maior carga de coágulos e consequente obstrução, a pressão arterial pulmonar e a resistência vascular pulmonar aumentam, levando a dilatação ventricular direita, redução da pré-carga para o ventrículo esquerdo e lesão miocárdica, causando a liberação de troponina e peptídeo natriurético tipo B. - Epidemiologia: TEP é a terceira maior causa de doença cardiovascular no mundo, com 75 a 269 casos para cada 100.000 habitantes. É mais comum em homens com mais de 70 anos de idade, em quem a incidência pode chegar a 700 casos a cada 100.000 habitantes/ano. Cerca de 90% dos casos de TEP se originam de TVP de MMII. - Quadro clínico: A tríade clássica do TEP (dispneia, dor torácica pleurítica e hemoptise) ocorre na minoria dos casos. A dispneia é o sintoma mais frequentemente descrito, relatado em 80% dos casos, mas com dispneia em repouso ocorrendo em apenas 50% dos pacientes. O segundo sintoma mais comum é a dor torácica, embora até metade dos pacientes diagnosticados com TEP não apresentem essa queixa, que usualmente tem caráter pleurítico (quando o trombo é periférico, próximo a pleura, por inflamação dessa região) ou subesternal, simulando uma síndrome coronariana aguda (por sobrecarga aguda e/ou isquemia do ventrículo direito). O infarto pulmonar nos segmentos basais do pulmão pode se manifestar como dor referida no ombro ou dor que pode ser similar a cólica ureteral. Além dos sintomas comuns de dor torácica e de dispneia, cerca de 1 a 2% dos pacientes apresentam sintomas neurológicos, como convulsões ou confusão mental, e outros 17% podem apresentar síncope. No exame físico, achados de trombose venosa profunda como edema assimétrico de membros inferiores devem ser pesquisados. Achados sugestivos de hipertensão pulmonar como B2 hiperfonética e sopro em foco tricúspide também podem estar presentes. Sinais vitais anormais, como taquicardia, taquipneia, pulso fino, baixa saturação de oxigênio na oximetria e, às Lara Mendonça Oliveira FITS P6 vezes, febre baixa sugerem estresse cardiorrespiratório agudo. Diagnóstico Angiotomografia de tórax: A angiotomografia computadorizada é a modalidade de imagem mais comum para o diagnóstico de TEP, capaz de identificar um coágulo como um defeito de enchimento das artérias pulmonares com contraste. Substituiu a cintilografia pulmonar de ventilação-perfusão para o diagnóstico de EP. - Cintilografia pulmonar de ventilação-perfusão: Este teste consiste na fase da ventilação e na fase da perfusão. A fase da ventilação envolve a inalação de um aerossol composto por isótopos radioativos de xênon ou de tecnécio de modo a avaliar a distribuição de ar nas diferentes partes do pulmão. Por outro lado, a fase da perfusão envolve a injeção intravenosa de macroagregados de albumina rotulados com tecnécio, permitindo a avaliação do fluxo sanguíneo dentro dos pulmões, uma vez que os agregados se alojam na microcirculação pulmonar. As imagens das duas partes do teste são adquiridas usando um contador gama. As áreas do pulmão afetadas pela EP não ficam iluminadas na cintilografia da perfusão, porque os macroagregados de albumina não chegam aos locais em que as artérias pulmonares estão ocluídas Comparativamente, as áreas com perfusão anormal devido à EP têm ventilação normal, produzindo desequilíbrio entre a ventilação e a perfusão. Outros exames: - RMN: Indicada para pacientes nos quais os testes padrão são contraindicados. - ECG: Os achados mais comuns do ECG são taquicardia e inversão de onda T em V1 (cada um presente em 38% dos casos) e alterações de segmento ST em V1 a V4. - RX de tórax: Pacientes com TEP podem ter radiografia de tórax com uma ou mais anormalidades, incluindo cardiomegalia, atelectasia basal e infiltrado ou derrame pleural. Todos os achados são inespecíficos para EP. Em < 5% dos pacientes existe uma área em forma de cunha de oligoemia pulmonar (sinal de Westermark, geralmente significa obstrução completa da artéria lobar) ou opacificação periférica em formato de cúpula (corcova de Hampton indica Lara Mendonça Oliveira FITS P6 infarto pulmonar). Os pacientes podem apresentar ainda o chamado sinal de Fleichner, que consiste na artéria pulmonar central distendida. - Ecocardiograma: O ecocardiograma não consegue excluir o diagnóstico de tromboembolismo pulmonar (apresenta valor preditivo negativo de 40-50%). Sua maior utilidade é na estratificação do TEP. - Arteriografia pulmonar: O exame era considerado o padrão-ouro para o diagnóstico de TEP; no entanto, vem perdendo espaço para a angiotomografia de artérias pulmonares. Tratamento Fase inicial (primeiros 10 dias): 1° opção: Heparina de Baixo Peso Molecular (HBPM) associada a varfarina. Iniciar o uso das duas medicações em conjunto, utilizando a HBPM por no mínimo 5 dias. Descontinuar HBPM após INR entre 2 e 3, após 2 dias consecutivos. 2° opção: HBPM associada a dabigatrana: uso por 5 a 10 dias de HBPM. 3ª opção: Monoterapia com rivaroxabana ou apixabana: opção validada pela literatura. Vantagem de não utilizar medicações parenterais. Medicações parenterais: - Heparina de Baixo Peso Molecular (HBPM): Atua como inibidor do fator Xa. Exemplos: Enoxaparina, Dalteparina, Nadroparina e Tinzaparina. - Heparina Não Fracionada (HNF): Precisa ser monitorada pelo TTPA. Deve-se verificar o número de plaquetas no 3° e no 5° dia devido ao risco de plaquetopenia autoimune pela heparina. O TTPA deve ser verificado inicialmente a cada 6 horas e depois diariamente. A heparina não fracionada é a 1° escolha para o paciente em diálise ou com doença renal crônica avançada (ClCr < 15 mL/min). - Pacientes alérgicos a heparina -> Opção: Fondaparinaux (inibidor direto do fator Xa), via subcutânea e sem necessidade de monitorização. Pouco disponível no Brasil. Segunda fase (10 dias a 3 ou mais meses): - O tratamento em longo prazo preferido de TEV para a maioria dos pacientes é a varfarina ou outro derivado cumarínico. - Para pacientes com episódio recorrente de TEV, é recomendada anticoagulação por período estendido em casos de risco baixo e moderado de sangramento e 3 meses em caso de alto risco. - Para pacientes com TVP causada por cirurgia ou fator de risco transitório, o tempo recomendado de tratamento é de 3 meses. - Para pacientes sem fator precipitante de TVP, o tempo mínimo de tratamento é de 3 meses. As diretrizes recomendam 3 meses para pacientes com alto risco de sangramento e períodos maiores para pacientes com risco pequeno ou moderado de sangramento. Recomenda-se uso de aspirina após a interrupção da anticoagulação. - Em pacientes com TVP distal e poucos sintomas, pode-se seriar imagens por 2 semanas e, caso não ocorra extensão da TVP, não iniciar anticoagulação. Em caso de sintomas graves oufatores de risco para extensão, deve-se iniciar a anticoagulação. - Para pacientes com neoplasia maligna ativa, o período recomendado de tratamento é de pelo menos 6 meses, podendo ser estendida em pacientes com neoplasia maligna ativa, independentemente do risco de sangramento. Lara Mendonça Oliveira FITS P6 3. ENTENDER SAF (DEFINIÇÃO FISIOPATOLOGIA, QUADRO CLÍNICO, DIAGNÓSTICO, TRATAMENTO E FATORES DE RISCO). A síndrome do anticorpo antifosfolípide (SAF), é uma doença autoimune, adquirida, caracterizada laboratorialmente pela presença de níveis elevados de anticorpos antifosfolípides (anticoagulante lúpico (AL), anticardiolipina ou a anti-β2 glicoproteína I (anti-β2GPI) ). - Epidemiologia: A incidência de SAF é estimada em cerca de 5 casos a cada 100 mil indivíduos ao ano. Anticorpos anti-FL ocorrem em 1 a 5% da população geral. Sua prevalência aumenta com a idade; entretanto, é questionável o fato de esses anticorpos serem capazes de induzir eventos trombóticos em idosos. Além disso, um terço dos pacientes com Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) e outras doenças autoimunes têm esses anticorpos e, desse total, apenas 5 a 10% desenvolvem SAF. - Classificação: - SAF primária: Quando não há associação com outra doença. - SAF secundária: Quando há a associação com alguma doença previamente existente, sendo comum a associação com LES (50% dos casos). Por causa da forte associação com lúpus, a SAF secundária é mais frequente no sexo feminino, enquanto a primária tem igual distribuição entre os sexos. - SAF catastrófica: Ocorre num pequeno percentual de pacientes, quando a doença se apresenta de forma aguda e com múltiplas tromboses arteriais e venosas e em vasos de pequeno e grande calibre em diversos órgãos (pelo menos três órgãos, para definir a síndrome). Os eventos trombóticos podem ocorrer simultaneamente ou com intervalos de dias. Nesses pacientes a mortalidade é alta e gira ao redor de 50%, mesmo com o tratamento. - Fisiopatologia: A membrana plasmática de todas as células é composta por uma bicamada de fosfolipídios. A Fosfatidilserina (FS) é um fosfolipídio geralmente presente apenas na camada interna, voltada para o citoplasma celular. Entretanto, plaquetas e células endoteliais, quando entram em apoptose, expressam a FS na camada externa de suas membranas, e as células trofoblásticas – constituintes da placenta – expressam a FS na camada externa de maneira constitutiva (isto é, permanente)... Quando a FS se apresenta voltada para o lado externo da célula, uma glicoproteína plasmática, a beta-2-glicoproteína-1, se liga a ela imediatamente. Na presença de algum dos anticorpos antifosfolipídios (aPL), ocorre fixação do aPL ao complexo FS/beta-2-GP-1. Este processo é acompanhado de ativação do complemento, que por sua vez promove ativação de células endoteliais e plaquetas, além de induzir a liberação de fator tecidual. Lara Mendonça Oliveira FITS P6 Logo, a ligação antígeno-anticorpo e posterior ativação do complemento promove um estado pró-trombótico que pode resultar no desenlace da cascata de coagulação. - Quadro clínico: A manifestação clínica mais comum na SAF é a trombose venosa profunda (TVP) em membros inferiores, acompanhada por tromboembolismo pulmonar (TEP). A principal manifestação arterial é a isquemia cerebral, em consequência da trombose ou da embolia arterial no sistema nervoso central (SNC). Os episódios de isquemia cerebral podem ser permanentes ou transitórios e afetam homens e mulheres igualmente, com idade inferior a 50 anos. Em jovens a SAF é a principal causadora de AVE. Livedo reticular e ulcerações cutâneas constituem as manifestações dermatológicas de maior frequência. Livedo reticular: Este achado é decorrente do espasmo de algumas arteríolas ascendentes da derme (áreas de palidez) intercalado com vasodilatação de arteríolas adjacentes (áreas de eritema ou cianose), dando um aspecto mosqueado ou marmóreo à pele. A trombocitopenia é comum, mas geralmente é de grau leve a moderado (plaquetas > 50.000 e normofuncionantes), não determinando eventos hemorrágicos. O mecanismo é idêntico ao da PTI (Púrpura Trombocitopênica Imune Idiopática), ou seja, a presença de autoanticorpos na superfície das plaquetas induz sua fagocitose pelos macrófagos esplênicos. O abortamento espontâneo recorrente é uma das manifestações mais importantes e se deve à oclusão de vasos uteroplacentários. O sofrimento fetal (com retardo no crescimento intrauterino), as perdas fetais, os partos prematuros, a pré-eclâmpsia e a síndrome HELLP podem ser observados. A morte fetal inexplicada com mais de 10 semanas em feto morfologicamente normal é o critério obstétrico mais específico para SAF, enquanto o critério mais sensível é a história de abortamentos recorrentes. - Diagnóstico Critérios clínicos: 1. Trombose vascular: Um ou mais episódios de trombose arterial, venosa profunda ou de pequenos vasos em qualquer órgão ou tecido confirmada por Doppler ou exame histopatológico. A histopatologia deve excluir a vasculite. 2. Morbidade gestacional: (a) Uma ou mais mortes inexplicadas de feto morfologicamente normal com mais de 10 semanas de idade gestacional. (b) Um ou mais nascimentos prematuros de feto morfologicamente normal com 34 semanas ou menos em virtude de pré-eclâmpsia, eclâmpsia ou insuficiência placentária. (c) Três ou mais abortamentos espontâneos antes de 10 semanas de idade gestacional com causas cromossomiais ou maternas excluídas. Critérios imunológicos: 1- Anticoagulante lúpico presente no plasma detectado de acordo com as recomendações da Sociedade Internacional de Trombose e Hemostasia*. 2- Anticorpo anticardiolipina IgG ou IgM em títulos moderados a altos (> 40 unidades). O teste deve ser ELISA padronizado.* 3- Anticorpo anti-β2 Glicoproteína 1 IgG ou IgM em altos títulos.* Lara Mendonça Oliveira FITS P6 A síndrome é definida na presença de pelo menos um critério clínico somado a pelo menos um laboratorial. - Tratamento: - Medidas gerais: É recomendável a interrupção do tabagismo, do uso de estrógenos como contraceptivos orais ou terapia de reposição hormonal, além, é claro, do controle de outros fatores de risco cardiovascular como diabetes, obesidade, hiperlipidemia e hipertensão arterial. - Tratamento agudo: Na vigência de tromboembolismo agudo, a sequência terapêutica deve ser a mesma adotada em qualquer trombose aguda. - Tratamento crônico: A anticoagulação por tempo indeterminado (a princípio por toda a vida) é o tratamento a ser instituído nos pacientes com história de evento tromboembólico. - Paciente assintomático que possui o anticorpo antifosfolipídeo persistente no sangue: Não se recomenda a profilaxia com medicação. - Paciente assintomático, com LES e que possui o anticorpo antifosfolipídeo persistente no sangue: AAS em baixas doses (reduz a ocorrência de primeiro evento trombótico), podendo ser associado a hidroxicloroquina (cardioprotetora). - Os pacientes com SAF e antecedente de trombose venosa devem permanecer anticoagulados por tempo indeterminado, tendo como meta o INR entre 2,0 e 3,0. - O tratamento de pacientes com antecedente de trombose arterial e anticorpo antifosfolipídeo deve ser realizado em longo prazo, com varfarina (INR 2,0–3,0 ou INR >3,0), associado ou não a antiagregantes. - Pacientes primíparas com presença de anticorpos antifosfolipídeo e sem antecedentes de eventos trombóticos não devem receber tratamento farmacológico durante a gestação. - Gestante com ≥ 1 perda fetal ou ≥ 3 perdas embriônicas: Heparina “profilática” + AAS em baixas doses. - Gestante com história de trombose: Heparina “terapêutica” + AS em baixas doses. 4. COMPREENDER O MECANISMO DE AÇÃO E EFEITOS ADVERSOS DOS ANTICOAGULANTES,ANTIAGREGANT ES E TROMBOLÍTICOS Antiagregantes: - Ácido acetilsalicílico (AAS): A estimulação das plaquetas por trombina, colágeno e ADP resulta na ativação das fosfolipases de membrana das plaquetas que liberam ácido araquidônico dos fosfolipídeos da membrana. O ácido araquidônico é convertido inicialmente em prostaglandina H2 pela COX-1.A prostaglandina H2 é metabolizada pelo tromboxano A2, que é liberado no plasma. O tromboxano A2 promove o processo de aglutinação, que é essencial para a rápida formação do tampão hemostático. O ácido acetilsalicílico (AAS) inibe a síntese do tromboxano A2 por acetilação do resíduo serina no centro ativo da COX-1, inativando irreversivelmente a enzima. Administrado por VO, metabolizado no fígado e excretado na urina. Efeitos adversos: Aumento do tempo de sangramento, podendo causar Lara Mendonça Oliveira FITS P6 complicações como AVC hemorrágico e sangramento GI. Ticlopidina, clopidogrel, prasugrel e ticagrelor: Esses fármacos inibem a ligação do ADP aos seus receptores nas plaquetas e, assim, inibem a ativação dos receptores de GP IIb/IIIa necessários para que as plaquetas se liguem ao fibrinogênio e umas às outras. Após a ingestão oral, os fármacos são extensamente ligados às proteínas plasmáticas. Eles sofrem biotransformação hepática pelo sistema CYP450 a metabólitos ativos. A eliminação dos fármacos e seus metabólitos ocorrem por via renal e fecal. Estes fármacos podem prolongar o tempo de sangramento, para o que não existe antídoto. Anticoagulantes Utilizadas para impedir a formação de coágulos, as heparinas agem através da ativação da antitrombina III, que atua inibindo os fatores de coagulação. Existem dois tipos de heparinas, a HNF (Heparina Não Fracionada) e a HBPM (Heparina de Baixo Peso Molecular). O que difere uma da outra são seus mecanismos de ação, o que reflete diretamente na sua especificidade e segurança. A HNF ativa a antitrombina III que inibe a trombina IIa e Xa, inibindo a função plaquetária mediada por trombina e colágeno. Já as HBPM são frações da heparina, e inibem apenas a trombina Xa, tendo menor efeito sobre a função plaquetária. Diferentemente da HNF, a HBPM não exige monitoramento e não necessita de dose individualizada, porém é contraindicado em casos de insuficiência renal. Possui maior biodisponibilidade que a HNF, cerca de 90%. Para inativação dos efeitos das heparinas, utiliza-se sulfato de protamina, que forma um complexo irreversível com a heparina, inativando-a. - Heparina: Potencializa a ação da antitrombina III, inibindo a trombina e o fator Xa. A heparina e as HBPMs são anticoagulantes de escolha para gestantes, pois não atravessam a placenta. A heparina é administrada via IV ou subcutânea e a HBPM via subcutânea. É excretada pela urina. Efeitos adversos: sangramento (principal), plaquetopenia, calafrios, febre, urticária e choque anafilático (as preparações de heparina são obtidas de suínos e podem ser antigênicas). - Dabigatrana: Inibidor direto da trombina. Administrado por VO e eliminado pelos rins. Efeitos adversos: Hemorragia (principal), dispepsia, dor abdominal, esofagite e sangramento GI. A dabigatrana deve ser usada com cautela na insuficiência renal ou em pacientes com mais de 75 anos, pois o risco de hemorragia é maior nesses grupos. - Rivaroxabana e apixabana: Inibidores do fator Xa. Administrados por VO, o alimento pode aumentar a absorção de rivaroxabana. 1⁄3 do fármaco é excretado inalterado pela urina, os metabólitos inativos são excretados na urina e nas fezes. Metabolização renal. Principal efeito adverso: sangramento. - Varfarina: Anticoagulante cumarínico, atua inibindo a vitamina k, e, consequentemente, os fatores dependentes dela (II, VII, IX e X). Administrava VO, extensamente ligada à albumina plasmática, o que evita sua difusão para o líquido cerebrospinal, para a urina e para o leite materno. Atravessa a barreira placentária (teratogênica). Metabolizada no fígado e excretada na urina. A hemorragia é o principal efeito Lara Mendonça Oliveira FITS P6 adverso. Lesões de pele e necrose são complicações raras do tratamento com varfarina. Síndrome do dedo roxo, uma coloração violácea de dedo, dolorosa e rara, causada por êmbolos de colesterol a partir de placas, também foi observada no tratamento com varfarina. - Fondaparinux: Liga-se seletivamente a antitrombina III e inibe seletivamente o fator Xa. Administrado via subcutânea e eliminado pela urina. Hemorragia é o principal efeito adverso. Antifibrinolíticos: - Ácido aminocaproico e ácido tranexâmico: Os estados fibrinolíticos podem ser controlados pela administração de ácido aminocaproico ou ácido tranexâmico. Ambos são fármacos sintéticos, ativos por via oral, excretados na urina, e que inibem a ativação do plasminogênio. O ácido tranexâmico é dez vezes mais potente do que o ácido aminocaproico. O efeito adverso potencial é trombose intravascular. Trombolíticos: São fármacos utilizados para dissolver trombos sanguíneos. Atuam como ativador do plaminogênio convertendo-o na proenzima plasmina que catalisa a degradação da fibrina. Atualmente, existem vários agentes fibrinolíticos disponíveis para uso clínico: estreptoquinase(SK), anisteplase (APSAC), uroquinase de dupla cadeia (tcu-PA), uroquinase de cadeia única (scu-PA), alteplase(t-PA), e seus derivados: reteplase (r-PA) e tenecteplase (TNKtPA). A estreptoquinase e a anisteplase induzem a geração de grande quantidade de plasmina sistêmica. Como resultado, a plasmina, que tem uma ampla gama de substratos, degrada várias proteínas plasmáticas, como o fibrinogênio, os fatores de coagulação V, VIII, XII e o fator de von Willebrand. Por isto estes agentes não são fibrinolíticos específicos. Outros agentes, como a uroquinase, a alteplase e seus derivados: reteplase e tenecteplase,são fibrino-específicos, uma vez que ativam preferencialmente o plasminogênio existente na superfície da fibrina,ao existente na circulação. A plasmina, aderida à superfície da fibrina, pode assim, de maneira eficiente, degradar a fibrina do trombo, levando a dissolução deste. Os fibrinolíticos são um grande avanço no tratamento das doenças tromboembólicas incluindo IAM e o AVC isquêmico, porém possuem contraindicações que devem ser consideradas para se alcançar eficácia e segurança no tratamento. Lara Mendonça Oliveira FITS P6
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