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66 Unidade II Unidade II 5 DOENÇAS INFLAMATÓRIAS DO TECIDO CONJUNTIVO 5.1 Artrite reumatoide Dando continuidade ao livro-texto, nesta unidade começaremos abordando a artrite reumatoide (AR), que é uma doença inflamatória crônica de etiologia desconhecida. Ela causa destruição articular irreversível pela inflamação da membrana sinovial devido a um estímulo que pode ser autoimune ou infeccioso; portanto, o comprometimento ocorre primariamente na sinóvia e leva à destruição óssea e cartilaginosa, além de acometer outros órgãos e sistemas (VASCONCELOS et al., 2019). Essa doença é caracterizada pela presença de poliartrite de grandes e pequenas articulações, simétrica e com rigidez articular matinal geralmente maior que 1 hora. Quando a AR está associada a neutropenia (diminuição da quantidade de neutrófilos, que são as células do sangue responsáveis pelo combate de infecções) e esplenomegalia (aumento anormal do volume do baço), há uma condição chamada de síndrome de Felty, relacionada principalmente aos casos de longa evolução. Incidência e prevalência Temos poucos estudos sobre a prevalência de AR na América Latina. Uma pesquisa realizada no México encontrou prevalência geral de 1,6%, com maior frequência em mulheres entre 30 a 50 anos. A história familiar de AR aumenta o risco de desenvolvimento da doença de 3 a 5 vezes. Fisiopatologia A fisiopatologia da AR é complexa e compõe fatores genéticos, hormonais e influências ambientais, principalmente o tabagismo. Podemos dividir a fisiopatologia da AR em três fases: • Exsudação: caracterizada pela congestão e edema mais acentuados na superfície interna da membrana sinovial, próximo às bordas da cartilagem com formação do derrame articular. • Infiltração: nessa fase há um predomínio de infiltrado inflamatório. • Fase crônica: com o avanço da inflamação, a membrana sinovial se encontra hiperplásica com formação do tecido de granulação que recobre a cartilagem e o osso subcondral, o pannus, gerando destruição da cartilagem articular, erosão óssea e pode chegar a anquilose. 67 FISIOTERAPIA REUMATOLÓGICA Estágio inicial Produção de autoanticorpos contra várias moléculas-alvo Migração dos linfócitos para a membrana sinovial Estimulação dos macrófagos, monócitos e fibroblastos sinoviais Desequilíbrio entre citocinas pró e anti-inflamatórias Alterações do sistema imune inato e adaptativo Ativação repetida da imunidade inata Produção de citocinas inflamatórias, como interleucina (IL)-1, IL-6, fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa) e metaloproteinases Recrutamento articular de macrófagos, neutrófilos, linfócitos T, linfócitos B, células natural killers + ativação de fibroblastos, osteoclastos e condrócitos Indução da lise óssea + sinóvia inflamada e espessada = pannus Deformidade aparente Figura 34 – Fisiopatologia da artrite reumatoide Classificação da artrite reumatoide e critérios de diagnóstico O diagnóstico da AR é baseado nos achados clínicos e em exames complementares, sendo necessário considerar: • o tempo de evolução da artrite; • presença de autoanticorpos; • provas de atividade inflamatória; • exames de imagem. 68 Unidade II Os critérios de classificação do ACR, de 1987, e ACR/European League Against Rheumatism (ACR/Eular), de 2010, auxiliam no processo diagnóstico. Os critérios do ACR de 1987 incluem: • rigidez matinal; • artrite de três ou mais áreas articulares; • artrite de mãos; • artrites simétricas; • nódulos reumatoides; • fator reumatoide positivo; • alterações radiográficas. A presença de quatro ou mais critérios por um período maior ou igual a 6 semanas é sugestiva de AR. Esses critérios não se aplicam nas fases iniciais da doença. Os critérios de classificação do ACR/Eular (2010) levam em consideração manifestações divididas em quatro grupos: • acometimento articular; • sorologia; • provas de atividade inflamatória; • duração dos sintomas. Em caso de dúvida, a contagem de articulações acometidas pode usar métodos de imagem (ultrassonografia ou ressonância magnética). Uma pontuação maior ou igual a 6 classifica um paciente com AR. • Pacientes com doença erosiva e história compatível com os critérios de 2010 devem ser classificados com AR. • Os critérios de 2010 não são diagnósticos, e sim atuam na classificação, tendo sido desenvolvidos para pesquisa, e auxiliam o diagnóstico clínico. • Pacientes com doença de longa data, mesmo que esteja em remissão com base em dados retrospectivos que preencheriam os critérios de 2010, devem ser classificados com AR. • Quando a pontuação for menor que 6, os critérios podem ser preenchidos de maneira cumulativa com o passar do tempo. • Com essa atualização dos critérios é possível identificar pacientes com manifestações recentes da doença. 69 FISIOTERAPIA REUMATOLÓGICA Tabela 2 – Critérios de 2010 do ACR-Eular para classificação de artrite reumatoide Critério de classificação para AR (algoritimo baseado em pontuação: soma da pontuação das categorias A-D) Pontuação maior ou igual a 6 é necessária para classificação definitiva de um paciente como AR Envolvimento articularA 1 grande articulaçãoB 0 2-10 grandes articulações 1 1-3 pequenasC articulações (com ou sem envolvimento de grandes articulações) 2 4-10 pequenas articulações (com ou sem envolvimento de grandes articulações) 3 >10 articulaçõesD (pelo menos uma pequena articulação) 5 SorologiaE (pelo menos o resultado de um teste é necessário para classificação) FR negativo e AAPC negativo 0 FR positivo em título baixo ou AAPC positivo em título baixo 2 FR positivo em título alto ou AAPC positivo em título alto 3 Provas de fase agudaF (pelo menos o resultado de um teste é necessário para classificação) PCR normal e VHS normal 0 PCR anormal ou VHS anormal 1 Duração dos sintomasG < 6 semanas 0 < 6 semanas 1 A O envolvimento articular se refere a qualquer articulação edemaciada ou dolorosa ao exame físico e pode ser confirmado por evidências de sinovite detectada por um método de imagem. As articulações interfalangeanas distais (IFDs), primeira carpometacarpiana (CMTC) e a primeira metatarsofalangeana (MTF) são excluídos da avaliação. As diferentes categorias de acometimento articular são definidas de acordo com a localização e o número de articulações envolvidas (padrão ou distribuição do acometimento articular). A pontuação ou colocação na categoria mais alta possível é baseada no padrão envolvimento articular. B São consideradas grandes articulações: ombros, cotovelos, quadris, joelhos e tornozelos. C São consideradas pequenas articulações: punhos, MTCF, IFP, interfalangeanas do primeiro quirodáctilo e articulações MTF. D Nesta categoria, pelo menos uma das articulações envolvidas deve ser uma pequena articulação; as outras articulações podem incluir qualquer combinação de grandes e pequenas articulações, bem como outras não especificamente mencionadas em outros lugares (por exemplo, temporomandibular, acromioclavicular e esternoclavicular). E Negativo refere-se a valores (Unidade Internacional-UI) menores ou iguais ao limite superior normal (LSN) para o método e laboratório. Título positivo baixo corresponde aos valores (UI) maiores que o LSN, mas menores ou iguais a três vezes o LSN para o método laboratório. Título positivo alto: valores maiores que 3 vezes o LSN para o método e laboratório. Quando o FR só estiver disponível como positivo ou negativo, um resultado positivo deve ser marcado como “positivo em título baixo”. F Normal/anormal é determinado por padrões laboratoriais locais (outras causas de elevação das provas de fase aguda devem ser excluídas). G Duração dos sintomas se refere ao relato do paciente quanto à duração dos sintomas ou sinais de sinovite (por exemplo, dor, inchaço) nas articulações que estão clinicamente envolvidas no momento da avaliação, independentemente do status do tratamento. FR = fator reumatoide; AAPC = anticorpos antiproteína/peptídeo citrulinado; LSN = limite superior do normal;VHS = velocidade de hemossedimentação; PCR = proteína C-reativa. Fonte: Fuller (2010, p. 482). 70 Unidade II Observação É comum encontrar na fisioterapia pacientes com queixas articulares que pioram com o tempo e avançam para outras articulações. Podemos realizar a avaliação da articulação com base nos critérios de classificação do ACR (1987) e do ACR/Eular (2010), e, no caso de suspeita de artrite reumatoide, devemos encaminhar esse paciente para o médico reumatologista, responsável pela confirmação diagnóstica. Manifestações articulares Ao tratar do comprometimento articular de um paciente com artrite reumatoide você poderá encontrar queixa de dor e perda de função relacionadas com as deformidades a seguir (figuras 35 a 38): • desvio ulnar dos dedos ou “dedos em ventania”; • deformidades em “pescoço de cisne” (hiperextensão das articulações interfalangeanas proximais e flexão das interfalangeanas distais); • deformidades em “botoeira” (flexão das IFP e hiperextensão das IFD); • mãos em “dorso de camelo” (aumento de volume do punho e das articulações metacarpofalangeanas (MCF) com atrofia interóssea dorsal); • joelhos valgos (desvio medial); • tornozelos valgos (eversão da articulação subtalar); • hálux valgo (desvio lateral do hálux); • “dedos em martelo” (hiperextensão das articulações metatarsofalangeanas e extensão das IFD); • “dedos em crista de galo” (deslocamento dorsal das falanges proximais com exposição da cabeça dos metatarsianos); • pés planos (arco longitudinal achatado). 71 FISIOTERAPIA REUMATOLÓGICA Figura 35 – Dedos em pescoço de cisne, polegar em Z e desvio ulnar dos dedos (dedos em ventania) Fonte: Carvalho et al. (2019, p. 331). Figura 36 – Terceiro e quarto dedo em botoeira, e segundo e quinto em pescoço de cisne Fonte: Carvalho et al. (2019, p. 332). Figura 37 – Pé plano anterior, calosidades plantares e hálux valgo bilateral Fonte: Carvalho et al. (2019, p. 332). 72 Unidade II Figura 38 – Pé plano valgo reumatoide Fonte: Carvalho et al. (2019, p. 332). Pode ocorrer também o acometimento da coluna cervical (C1-C2) com subluxação atlantoaxial que geralmente se manifesta por dor irradiada para a região occipital. Manifestações extra-articulares: • nódulos reumatoides (figura 39); • vasculite; • derrame pleural; • comprometimento ocular. Figura 39 – A imagem mostra um cotovelo em flexão com uma saliência na parte proximal e posterior do antebraço correspondente a um nódulo reumatoide Fonte: Klippel (2008, p. 118). 73 FISIOTERAPIA REUMATOLÓGICA Vejamos, a seguir, alguns exames complementares. Exames de sangue Alguns dos principais exames relacionados com a AR são: titulação de autoanticorpos como fator reumatoide (FR), detecção de anticorpos contra peptídeos citrulinados cíclicos (anti-CCP) e provas de atividade inflamatória (VHS e PCR). Exames de imagem Os exames de imagem auxiliam no diagnóstico e no monitoramento da atividade da AR. As radiografias simples são eficazes na detecção de lesões ósseas e podem ser solicitadas, por exemplo, para verificar o grau de comprometimento do punho e da mão (figura 40) ou do pé (figura 41) na AR. Figura 40 – Deformidades articulares com luxações dos dedos; deformidade de dedos em botoeira no quarto dedo esquerdo e do polegar em Z (pontas de seta); anquilose do carpo; erosões da ulna Fonte: Carvalho et al. (2019, p. 90). Figura 41 – Radiografia dos pés com artrite reumatoide. Presença de erosões marginais na base da falange proximal do primeiro dedo e do primeiro metatarso esquerdo (ponta de seta) e hálux valgo Fonte: Carvalho et al. (2019, p. 90). 74 Unidade II A ressonância magnética contribui para a avaliação de todas as estruturas acometidas na AR (membrana e líquido sinovial, cartilagem, osso, ligamentos, tendões e suas bainhas). A) STIR Tecido Tecido escurecidoescurecido B) STIR Figura 42 – Paciente com artrite reumatoide (AR). Ressonância mostra extenso cisto de Baker (seta à direita na imagem A) e volumoso derrame articular. Observa-se também tecido sinovial anômalo “escurecido”, preenchendo o recesso medial da bursa suprapatelar e o recesso dos ligamentos cruzados (setas imagem B) Fonte: Carvalho et al. (2019, p. 108). A ultrassonografia é utilizada para avaliar tecidos moles, permitindo o delineamento das alterações inflamatórias e estruturais da AR. Diagnóstico diferencial Algumas doenças podem ser confundidas com a AR. São elas: • poliartrites; • osteoartrose; • fibromialgia; • lúpus eritematoso; • artrite psoriásica; • gota. 75 FISIOTERAPIA REUMATOLÓGICA Fatores de mau prognóstico Quando o paciente apresenta as condições seguintes, a doença evolui de forma mais grave. • sexo feminino; • tabagismo; • baixo nível socioeconômico; • início da doença em idade mais precoce; • FR, níveis elevados de proteína C-reativa ou da velocidade de hemossedimentação; • grande número de articulações edemaciadas; • manifestações extra-articulares; • elevada atividade inflamatória da doença; • presença precoce de erosões na evolução da doença. Classificação da atividade da doença É possível classificar a AR de acordo com sua atividade, baseada nos sinais e sintomas presentes. Para avaliar a atividade da doença, existe uma ferramenta para definir a conduta terapêutica, identificar o prognóstico e assim aumentar as chances do sucesso do tratamento. A atividade da doença classifica-se em quatro níveis: alta, moderada, leve e em remissão, com base nos seguintes pontos: • número de articulações dolorosas; • número de articulações edemaciadas; • níveis da proteína C-reativa (mg/dL). Os instrumentos mais usados para essa classificação são Simplified Disease Activity Index (SDAI), Clinical Disease Activity Index (CDAI) e Disease Activity Score 28 (DAS-28). Esses três instrumentos são validados internacionalmente, e o profissional da saúde pode escolher qual irá utilizar (MEDEIROS et al., 2015). As principais consequências da AR incluem a piora da qualidade de vida, incapacidade funcional e laboral, sendo importante o fisioterapeuta para a identificação precoce, bem como tratamento nas fases iniciais, com o objetivo de diminuir as chances de dano articular e aumentar as possibilidades de melhora dos resultados terapêuticos. 76 Unidade II Tratamento farmacológico O tratamento medicamentoso de AR inclui: • Aines; • glicocorticoides; • medicamentos modificadores do curso da doença (MMCD) – sintéticos e biológicos; • imunoinibidores de JAK (proteína com papel fundamental no desenvolvimento da AR), que podem ser usados após falha na resposta a medicamentos sintéticos convencionais ou biológicos. Para avaliar a eficácia dos fármacos, deve-se aguardar pelo menos 3 meses do tratamento vigente, não devendo ser trocados de linha ou etapa terapêutica em intervalo de tempo inferior. Reabilitação Antes da reabilitação e durante o tratamento, pode ser utilizado o instrumento de medida da capacidade funcional Health Assessment Questionnaire (HAQ) com o objetivo de monitorar a doença. O fisioterapeuta deve ficar atento não somente à queixa articular, mas também ao quadro geral, já que a reabilitação terá sua evolução baseada na atividade da doença e nas queixas do paciente. Veremos a seguir os diversos aspectos que compõem a reabilitação da pessoa com AR. Observação Diante de exame de sangue com níveis elevados de marcadores de atividade inflamatória, como o VHS e o PCR, o paciente necessitará de acompanhamento com o reumatologista e medicamentos para uma reabilitação segura. Orientações de proteção articular e conservação de energia Um dos objetivos da fisioterapia é orientar a importância da adoção de procedimentos para proteger a articulação (quadro 11). Quadro 11 – Dicas de proteção articular 1. Evite pegar com a mão fechada — Coloque a palma da mão na tampa do pote e, usando o peso do corpo, gire o braço no ombro para abrir o pote. Uma esponja ou toalha molhada evita o deslizamento — Não carregue bolsas,baldes e sacolas pesadas pela alça — Sempre que possível segure objetos com as mãos abertas — Use as palmas das mãos enquanto mantém os dedos retos 2. Use ambas as mãos quando possível — Não especificado como 3. Evite atividades de mão repetitivas — Faça pausas 77 FISIOTERAPIA REUMATOLÓGICA 4. Evite a pressão na ponta do polegar — O polegar é necessário para 40% das atividades manuais (Exemplo: abrir portas de carros, tocar campainhas) 5. Evite períodos prolongados na mesma posição — Sente-se se a tarefa levar mais de 10 minutos — Levante-se depois de sentar-se por 20-30 minutos — Reposicione-se frequentemente Adaptado de: Bobos et al. (2018, p. 500-513). Veja essas orientações práticas que mostram algumas formas de diminuir a sobrecarga articular nos punhos e nas mãos (figuras 43 a 45). Certo Errado A) Torcer a roupa utilizando a torneira B) Evitar de usar somente as mãos Figura 43 – Orientação para torcer a roupa Fonte: Bianchin et al. (2010, p. 27). Certo Errado A) Carregar bolsa no ombro B) Não segurar com a mão Figura 44 – Orientação para carregar sacolas Fonte: Bianchin et al. (2010, p. 26). 78 Unidade II Certo Errado A) Usar a palma da mão para abrir tampas e potes B) Não utilizar os dedos C) Utilizar as duas mãos para segurar objeto pesado D) Nunca utilizar uma única mão E) Apoiar no braço e na cintura F) Não segurar com os dedos Figura 45 – Orientações para o manuseio de objetos Fonte: Bianchin et al. (2010, p. 25). 79 FISIOTERAPIA REUMATOLÓGICA Órteses Prescreveremos as órteses para punhos e mãos, principalmente com o objetivo de evitar a progressão das deformidades (figuras 46 e 47). Figura 46 – Órtese para imobilização do punho Fonte: Vasconcelos e Matiello (2019, p. 218). Figura 47 – Órtese em anel de dedo: bloqueia a hiperextensão ou a flexão da articulação interfalangeana proximal Fonte: Vasconcelos e Matiello (2019, p. 221). Quando o paciente apresentar períodos de dor intensa em membros inferiores, podemos orientar o uso de dispositivos auxiliares de marcha para diminuir a sobrecarga, promover o alívio da dor e favorecer a locomoção. Muitas vezes, a dor articular em quadril, joelhos e tornozelo dificulta ou impede a marcha, sendo assim, o uso de bengala, muletas ou andadores, por um período, pode evitar que o paciente permaneça acamado ou se torne dependente de outras pessoas. 80 Unidade II Cinesioterapia Prescrevemos exercícios na AR com o objetivo de prevenir ou minimizar a incapacidade funcional e manifestações sistêmicas, como o aumento do risco cardiovascular relacionado à doença. Estudos mostram que o exercício melhora a inflamação, o risco cardiovascular e a saúde psicológica em pacientes com AR (GRUBIŠIC, 2020). Os exercícios aeróbicos são de grande importância no desenvolvimento da aptidão cardiovascular e na melhora da qualidade de vida do paciente, pois reduzem a incapacidade e a dor associadas à AR, e o exercício resistido diminui o comprometimento da capacidade funcional. As mobilizações articulares também são utilizadas para promover analgesia e melhorar a possibilidade de movimento articular. Alguns meios físicos utilizados como tratamento são: • Crioterapia: a crioterapia de corpo inteiro é capaz de diminuir a atividade inflamatória da AR. Esse recurso pode complementar a terapia medicamentosa no controle da atividade da doença. • Calor: as modalidades de calor profundo devem ser utilizadas com cautela, pois podem aumentar a inflamação. • Terapia por ondas de choque (TOC): um estudo piloto mostrou que a TOC foi capaz de diminuir o uso de analgésicos em pacientes com AR que manifestavam queixa de artralgia. Orientações de posicionamento Manter as articulações em posição neutra pode auxiliar na prevenção de deformidades. Lembrete O acompanhamento do paciente com AR requer a atuação de uma equipe multidisciplinar. 5.2 Espondiloartrites (EpA) As espondiloartrites (EpA) são um grupo de doenças com características em comum, como inflamação crônica axial (coluna e articulações sacroilíacas), entesopatias periféricas (inflamação do ponto de ancoragem de tendões e ligamentos) e soronegatividade para o fator reumatoide. Devido a essa soronegatividade, esse grupo de doenças era antigamente denominado “espondiloartropatias soronegativas”. Pode haver ainda manifestações extra-articulares (MEA), como comprometimento dos olhos, intestino e coração. 81 FISIOTERAPIA REUMATOLÓGICA Esse conjunto de doenças inclui a EA, a artrite psoriásica, a artrite reativa, a síndrome de Reiter, as artropatias enteropáticas (associadas às doenças inflamatórias intestinais) e as artropatias indiferenciadas. Outra característica em comum entre essas patologias é a positividade para o antígeno HLA-B27. Espondiloartrites (EpA) Espondilite anquilosante Artropatias indiferenciadas Síndrome de Reiter Artrite reativa Artrite psoriásicaArtropatias enteropáticas Figura 48 – Espondiloartrites A origem das EpAs parece estar relacionada com a interação entre o sistema imunológico e bactérias do trato gastrointestinal. Diversos estudos têm demonstrado que em alguns pacientes com EpAs, particularmente a EA, há disbiose, um distúrbio caracterizado pela alteração da microbiota intestinal, na qual ocorre predomínio das bactérias patogênicas sobre as bactérias benéficas. Quando isso ocorre a permeabilidade intestinal é alterada, e pode haver translocação de bactérias e certas toxinas através da mucosa para a circulação sanguínea e para o sistema linfático, o que desencadeia uma resposta inflamatória sistêmica. Esse fenômeno pode produzir muitas doenças, como depressão e artrite reumatoide. Alguns fatores que podem desencadear o desenvolvimento de disbiose são o uso indiscriminado de antibióticos e de anti-inflamatórios, o abuso de laxantes, o consumo excessivo de alimentos processados, estresse e algumas doenças, como câncer e Aids (síndrome da imunodeficiência adquirida). 5.2.1 Espondilite anquilosante (EA) A EA é uma doença inflamatória crônica das articulações sacroilíacas e da coluna vertebral, que pode estar associada a uma variedade de lesões extra-articulares. É mais prevalente em indivíduos brancos do sexo masculino, iniciando-se geralmente entre a segunda e quarta décadas de vida. A positividade do antígeno HLA-B27 nos pacientes espondilíticos pode variar entre 80% e 98%, sendo mais elevada em populações brancas não miscigenadas do norte da Europa. A doença é muito pouco frequente em negros, devido à raridade do HLA-B27 nessa população. Os primeiros sintomas incluem rigidez na coluna (principalmente matinal) e lombalgia, que melhora com o movimento e piora com o repouso. Muitas vezes, as primeiras manifestações não são reconhecidas como parte da EA, o que pode atrasar o diagnóstico. A sacroileíte é um dos achados 82 Unidade II mais comuns e provoca dor nas nádegas, alternando em severidade entre o lado direito e esquerdo. Fadiga é um sintoma comum e causada em grande parte por perturbações no sono em decorrência da dor. Outros sintomas incluem febre, perda de peso e diminuição do rendimento no trabalho. Articulação lombossacral Articulação sacroilíaca Sínfise púbica Figura 49 – Articulação sacroilíaca Fonte: Lippert (2018, p. 267). Observação A articulação sacroilíaca consiste na articulação entre o sacro e o ilíaco. É uma articulação sinartrodial (fibrosa), com pouco ou nenhum movimento. É descrita como plana, mas as faces articulares são muito irregulares. A função da articulação sacroilíaca é transmitir o peso da parte superior do corpo através da coluna vertebral para o osso do quadril. É projetada com grande estabilidade e mínima mobilidade, e sua cápsula articular fibrosa é reforçada por ligamentos. Com a evolução da doença, pode ocorrer anquilose (fusão) de algumas ou de todas as articulações da coluna, inclusive as costovertebrais, o que pode causar diminuição da excursão respiratória. Em muitos casos, o paciente desenvolve a chamada “postura do esquiador”,caracterizada pela retificação da lordose lombar, hipercifose dorsal e retificação da cervical, com projeção da cabeça anteriormente. As articulações costocondrais e esternoclaviculares também podem ser acometidas, contribuindo para a dor torácica. 83 FISIOTERAPIA REUMATOLÓGICA Figura 50 – Postura típica da espondilite anquilosante: retificação lombar, hipercifose dorsal e anteriorização da cabeça Adaptada de: Carvalho et al. (2019, p. 367). Segundo a Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), para o diagnóstico da EA, é utilizada uma combinação de critérios clínicos e radiográficos: • Critérios clínicos: dor lombar com mais de 3 meses de duração que melhora com o exercício e não é aliviada pelo repouso; limitação da mobilidade da coluna lombar nos planos frontal e sagital; expansibilidade torácica diminuída. • Critérios radiográficos: sacroileíte bilateral, grau 2, 3 ou 4; sacroileíte unilateral, grau 3 ou 4. Para o diagnóstico da doença, é necessária a presença de um critério clínico e um radiográfico. A redução da mobilidade da coluna pode ser mensurada de algumas formas, como pelo teste de Schober. Esse teste permite o acompanhamento da progressão da rigidez na coluna, conforme a doença evolui. O teste de flexão lateral da coluna também pode ser utilizado. 84 Unidade II A) B) C) Figura 51 – Teste de Schober Adaptada de: Golder e Schachna (2013, p. 781). Além do acometimento do esqueleto axial, típico das espondiloartrites, mais de 50% dos pacientes com espondilite anquilosante desenvolvem artrite periférica, que acomete preferencialmente as articulações de membros inferiores, como quadris e joelhos. Pode haver também entesites, como a fascite plantar e tendinite do calcâneo. As manifestações extra-articulares incluem principalmente a uveíte anterior (40% dos pacientes) e a inflamação intestinal (60% dos pacientes). A uveíte é a inflamação de íris, coroide e corpo ciliar; as queixas incluem fotofobia (sensibilidade à luz), olho vermelho, dor e borramento visual. Osteopenia e osteoporose também podem ocorrer, principalmente em pacientes com longa atividade da doença, e o risco de fraturas vertebrais aumenta aproximadamente sete vezes. Pacientes com EA podem desenvolver fibrose pulmonar apical (15%) e incompetência valvar aórtica (10%), mas apenas em estágios tardios. 85 FISIOTERAPIA REUMATOLÓGICA Figura 52 – Uveíte Adaptada de: Klippel (2008, p. 195). Tratamento A EA traz prejuízos estruturais e funcionais, causando incapacidade e prejuízo nas atividades da vida diária. Como em qualquer outra doença crônica, a educação do paciente é vital para seu manejo. Tratamento farmacológico Os Aines são a primeira linha de tratamento para pacientes com EA sintomáticos. Estudos mostram que o uso regular de Aines retarda a progressão da doença, fato observável principalmente através da radiografia. Os inibidores de TNF-alfa (fator de necrose tumoral) fazem parte de uma nova classe de fármacos denominados agentes biológicos e são uma alternativa para pacientes não responsivos aos Aines e aos exercícios. Muitos estudos demonstram que o TNF-alfa desempenha um papel crucial no quadro inflamatório relacionado à EA. O aumento da expressão de TNF-alfa é encontrado nas articulações sacroilíacas, tecido sinovial e no soro desses pacientes. Ao bloquear o TNF-alfa, previne-se a inflamação e a destruição de tecidos e, assim, melhora-se o prognóstico e a qualidade de vida do doente com EA. Exemplos de agentes bloqueadores da ação do TNF-alfa são etanercepte, infliximabe e adalimumabe. Os agentes biológicos têm se demonstrado eficazes e capazes de modificar a progressão da doença. Reabilitação Um programa de exercícios personalizado, associado ao tratamento medicamentoso e à educação, é a chave para um bom prognóstico. O programa educativo não deve apenas prover informações sobre a doença aos pacientes, mas também orientá-los a adotar hábitos de exercício e autocuidado. Fadiga, fraqueza, dor e outros sintomas desmotivam e dificultam a adesão ao tratamento, por isso é tão importante o suporte constante, inclusive com a colaboração da família. 86 Unidade II Algumas orientações são: • Dieta balanceada e variada, rica em cálcio, proteínas, vegetais e frutas. • Controlar o peso, pois seu excesso leva à sobrecarga da coluna vertebral e outras articulações de membros inferiores. • Períodos prolongados de imobilidade devem ser evitados, como em viagens de carro ou avião; nesses casos, pausas são recomendadas para alongamento e movimento ativo. • Manter a coluna o mais ereta possível durante o dia, seja em pé ou sentado. • É aconselhável realizar alguns períodos de repouso ao longo do dia de 10 a 15 minutos, em decúbito ventral. • O repouso noturno deve ser feito em colchão firme, com travesseiro baixo para não intensificar a projeção anterior da cabeça; evitar o decúbito lateral, para não acentuar uma postura “fetal” e cifótica. • Ao acordar, uma ducha quente prolongada pode aliviar a rigidez matinal. • Executar diariamente e disciplinadamente exercícios físicos para mobilização da coluna e treino respiratório, de preferência após o banho. • A casa deve ser adaptada às capacidades do paciente de forma que ele se mantenha o mais autônomo e ativo possível. • Cinesioterapia: exercícios de alongamento e mobilidade são os pilares do tratamento da EA. Os programas de exercícios supervisionados devem ser realizados de maneira sistemática em todos os estágios da doença, de forma a prevenir a rigidez (principalmente da coluna), evitar alterações posturais (postura do esquiador), combater a dor e manter a capacidade funcional. Antes de dar início a um programa terapêutico de exercícios, é fundamental a avaliação minuciosa do paciente, o que inclui a anamnese e exame físico. Avaliação postural, avaliação da mobilidade articular, testes de força e flexibilidade devem ser aplicados. Alguns testes específicos podem ser úteis na avaliação e acompanhamento do paciente com espondilite anquilosante, como o teste de flexibilidade de Schober e a medida da distância do occipital à parede (com o intuito de verificar o grau de anteriorização da cabeça). Com base na avaliação inicial, o fisioterapeuta poderá individualizar sua conduta e enfatizar alguns exercícios de acordo com as necessidades de cada paciente. Como uma das consequências da progressão da doença pode ser a anquilose (fusão) das articulações da coluna, exercícios de mobilidade do tronco devem ser prescritos, com ênfase principalmente na extensão da coluna torácica. A mobilidade da coluna cervical e dos ombros também devem ser trabalhadas. 87 FISIOTERAPIA REUMATOLÓGICA Alguns exercícios de mobilidade para a coluna torácica estão descritos a seguir: A) Sentado, bastão apoiado nas costas com cotovelos flexionados B) Extensão da coluna torácica C) Quadril apoiado sobre os calcanhares, joelhos apoiados no chão e mãos apoiadas ao lado dos joelhos D) Deslizar as mãos para frente, lentamente, abaixando gradualmente o tórax E) Com joelhos apoiados próximo ao espaldar e mãos apoiadas no espaldar F) Flexionar o quadril e estender a coluna torácica Figura 53 – Série de exercícios para mobilização da coluna torácica Adaptada de: Vanícola e Guida (2014, posições 2057, 2068 e 2075). 88 Unidade II Exercícios de fortalecimento da musculatura paravertebral também são importantes para prevenir a hipercifose que se desenvolve na espondilite anquilosante. Os movimentos de membro superior com ênfase na adução das escápulas ajudam no bom controle postural. A) Sentado com braços ao lado do corpo B) Fazer uma rotação externa de ombros e estendê-los, mantendo a coluna torácica em isometria C) Deitado sobre um banco, braços ao lado do corpo, cotovelo flexionado a 90º, segurando um elástico D) Fazer uma abdução horizontal de ombros, mantendo os cotovelos flexionados, e estender a coluna torácica Figura 54 – Sugestão de exercícios para fortalecimento de extensores de coluna Adaptadade: Vanícola e Guida (2014, posições 2082 e 2088). Os exercícios aquáticos terapêuticos são uma opção interessante para pacientes com EA, pois permitem a realização de uma variedade grande de exercícios com maior conforto. A flutuação e o calor da água diminuem a sobrecarga articular, favorecem o relaxamento muscular e auxiliam a analgesia. Recursos como massoterapia e pompagens auxiliam no relaxamento, melhora da dor e ganho de mobilidade. 89 FISIOTERAPIA REUMATOLÓGICA Figura 55 – Pompagem (esternocleidomastoideo) Adaptada de: Wibelinger (2015, posições 1434-1435). Saiba mais O artigo a seguir mostra resultados positivos desse recurso em pacientes com EA. SOUZA, M. C. et al. Exercícios na bola suíça melhoram a força muscular e o desempenho na caminhada na espondilite anquilosante: estudo clínico, controlado e randomizado. Revista Brasileira de Reumatologia, v. 57, n. 1, p. 45-55, 2017. Disponível em: https://bit.ly/2WmqNh7. Acesso em: 23 ago. 2021. Como a EA comumente envolve a articulação do quadril, alguns pacientes podem se beneficiar de uma artroplastia, indicada quando a destruição articular é intensa, causando dor severa. Outra abordagem cirúrgica na EA são as osteotomias para a correção da hipercifose, que em alguns casos pode tornar-se incapacitante. Além da terapia farmacológica e não farmacológica, deve-se dar atenção especial às repercussões psicológicas da EA e eventuais estados depressivos. Nesse sentido, o paciente deve receber acompanhamento psicológico, se possível. O apoio da família também é fundamental no enfrentamento da doença. 90 Unidade II As associações e grupos de autoajuda, além do papel informativo, propiciam um ambiente de troca de experiências e suporte emocional. Algumas dessas organizações no Brasil são a Espondilite Brasil e a Sociedade Brasileira de Reumatologia. 5.2.2 Artrite psoriásica A artrite psoriásica é uma artrite inflamatória associada à psoríase cutânea. Como todas as espondiloartrites, ela é, na maioria das vezes, negativa para o fator reumatoide. Pode ser distinguida dos outros tipos de artrite em virtude da presença da doença de pele concomitante. A psoríase cutânea é caracterizada por placas eritemato-escamosas de bordas bem definidas, que variam em número e em tamanho, estando presentes particularmente sobre as superfícies extensoras dos membros (cotovelos, joelhos) e no couro cabeludo. A) B) Figura 56 – Placas eritemato-escamosas que predominam em superfícies extensoras Adaptada de: A) Romiti et al. (2009, p. 13); B) Menter (2016, p. 218). Em 50% a 80% dos casos, são identificadas, além das lesões de pele, alterações ungueais, especialmente onicólise (separação da unha do leito ungueal, o que provoca alteração na sua coloração) e depressões cupuliformes (pequenas depressões que conferem à unha aspecto “em dedal”). A) B) Figura 57 – Depressões cupuliformes (A) e onicólise (B) Adaptada de: Menter (2016, p. 219). 91 FISIOTERAPIA REUMATOLÓGICA Considera-se que 2% a 3% da população mundial tenham psoríase cutânea isolada, e a artrite pode incidir em 5% a 42% desses pacientes. A doença de pele precede a artrite em aproximadamente 75% dos casos, sendo que as manifestações articulares costumam surgir de 5 a 12 anos após as lesões de pele iniciais. Em 15%, a doença de pele é posterior, e em 10% o quadro cutâneo e articular são simultâneos. É mais prevalente em populações brancas e não costuma ter predomínio de sexo, exceto em subtipos específicos. Não é comum haver correlação entre o tipo ou a gravidade da lesão cutânea e a presença, tipo ou extensão do quadro articular. A origem da artrite psoriásica ainda não está totalmente esclarecida, mas acredita-se que seja uma combinação de múltiplas influências, como fatores ambientais, infecciosos e imunogenéticos. Acredita-se que, em um indivíduo geneticamente predisposto, a presença de um fator ambiental possa funcionar como “gatilho” para desencadear as alterações imunológicas que darão origem à doença. Infecções por vírus ou bactérias gram-positivas, como o estreptococo, trauma articular (principalmente em crianças) e estresse emocional, representam importantes papéis no surgimento tanto de psoríase cutânea quanto da doença articular. Algumas manifestações articulares da artrite psoriásica incluem: dactilite, tenossinovite e entesite. A dactilite consiste no inchaço do dedo inteiro, por isso também é chamada de “dedo em salsicha”. Ela resulta da sinovite nas articulações dos dedos e tenossinovite, principalmente do tendão flexor. A presença de dactilite é sugestiva de mau prognóstico da doença, já que está associada a erosões ósseas. As tenossinovites podem afetar também o tendão do calcâneo e ulnar do carpo, levando à incapacidade funcional. A entesite (inflamação na inserção de ligamentos, tendões ou cápsulas) é comum na fáscia plantar, na inserção do tendão do calcâneo, na inserção de tendões nos joelhos, ombros e ossos pélvicos. A) B) Figura 58 – Dactilia (A) e entesite do calcâneo (B) Adaptada de: Menter (2016, p. 222). Alguns pacientes com artrite psoriásica também costumam apresentar algumas manifestações extra-articulares, como uveíte anterior, colite e anormalidades cardíacas, além das lesões de pele. 92 Unidade II As manifestações e a extensão dos sintomas musculoesqueléticos na artrite psoriásica são muito variáveis. Alguns pacientes apresentam acometimento predominante de articulações periféricas, outros acometimentos de predomínio axial (coluna) e mais de 50% apresentam ambos os sintomas. Segundo a SBR, a artrite psoriásica apresenta cinco formas clínicas: • Oligoartrite assimétrica (70%): é a forma clínica mais frequente, acometendo grandes e/ou pequenas articulações; tenossinovites são comuns, caracterizando os “dedos em salsicha”. • Poliartrite simétrica (15%): apresenta quadro articular muito semelhante à artrite reumatoide; pode acometer as articulações interfalangeanas distais, comumente não afetadas na artrite reumatoide. • Distal (5%): acomete exclusivamente as articulações interfalangeanas distais, geralmente associada a lesões ungueais (“unha em dedal”). • Espondilite (5%): os sintomas clínicos costumam ser indistinguíveis daqueles apresentados pela EA. • Artrite mutilante (< 5%): é a forma clínica menos frequente e mais grave, acometendo geralmente indivíduos jovens, na segunda e terceira décadas de vida; afeta as pequenas articulações das mãos e dos pés, evoluindo para deformidades importantes, com encurtamento dos dedos. Tratamento Hoje, sabe-se que a atrite psoriásica é mais grave do que se pensava antigamente. Muitos pacientes evoluem com comprometimento articular severo, tanto do ponto de vista clínico como radiográfico, refletindo em incapacidade funcional e redução da qualidade de vida. A identificação precoce da doença possibilita um início precoce e adequado de tratamento. Como o surgimento das lesões cutâneas, na maior parte das vezes, precede as lesões articulares, geralmente o paciente está acompanhado por um dermatologista. O ideal é que nesse período já seja questionado sobre possíveis sintomas musculoesqueléticos, como dor e rigidez. Indivíduos com atrite psoriásica também apresentam mortalidade aumentada quando comparados à população geral, principalmente devido à presença de algumas comorbidades como doenças cardiovasculares. No entanto, atualmente, algumas abordagens farmacológicas mais agressivas auxiliam na melhora da expectativa de vida desses pacientes. De modo geral, o objetivo do tratamento é controlar a atividade inflamatória da doença, prevenir a destruição articular, controlar a dor e melhorar a mobilidade. O acompanhamento por equipe multidisciplinar com a participação de reumatologista, dermatologista, fisioterapeuta e psicólogo com frequência é necessário na maioria dos casos. 93 FISIOTERAPIA REUMATOLÓGICA Tratamento farmacológico O tratamento medicamentoso da atrite psoriásica inclui: • Anti-inflamatórios não esteroidais(Aines): são a principal forma de tratamento para pacientes com artrite psoriásica que apresentam dor musculoesquelética, mas não são capazes de alterar sua evolução. • Glicocorticoides: injeções intra-articulares de corticoide podem ser úteis para aliviar agudização dos sintomas quando a terapia sistêmica não for efetiva. Porém, como o resultado é temporário, esse recurso está reservado para inflamações transitórias de alguma articulação de forma pontual, não devendo ser usado quando determinado segmento apresenta inflamação recorrente; o uso sistêmico deve ser evitado, pois pode provocar piora das lesões de pele. • Drogas antirreumáticas modificadoras da doença (disease-modifying antirheumatic drugs – DMARDs): são uma categoria de fármacos que tem ação imunossupressora, prevenindo a inflamação das articulações e reduzindo assim o dano articular. Alguns exemplos são metotrexato (MTX), sulfassalazina, ciclosporina e leflunomida. • Agentes biológicos – inibidores de TNF-alfa: como na espondilite, esses fármacos têm demonstrado resultados satisfatórios tanto na doença articular quanto cutânea, em adultos e crianças. Seu uso deve ser preferencial nos casos refratários aos Aines e fármacos de base, como metotrexato, ciclosporina ou leflunomida. Reabilitação Especial atenção deve ser dada ao estilo de vida, como cessar o tabagismo e controle do peso, pois tais fatores exacerbam os sinais e sintomas da artrite psoriásica e contribuem para alterações cardiovasculares. Além disso, o cigarro pode reduzir o efeito dos fármacos inibidores do fator de necrose antitumoral. Principalmente nas fases de atividade da doença, quando há exacerbação da inflamação, é fundamental o posicionamento correto do membro afetado e o uso de órteses, se necessário. As órteses têm a finalidade de proteger e manter a integridade da articulação. O ambiente doméstico deve ser adaptado, assim como algumas atividades de vida diária, com técnicas de conservação de energia. Como em outros casos de artrite, é fundamental a avaliação minuciosa do paciente, o que inclui a anamnese e exame físico (avaliação postural, avaliação da mobilidade articular, testes de força e flexibilidade). Na fase aguda, a crioterapia pode ser utilizada. A mobilidade deve ser preservada através de mobilização passiva ou exercícios ativos leves. Exercícios isométricos suaves ajudam a evitar ou minimizar a atrofia muscular. 94 Unidade II Na fase crônica o fortalecimento muscular deve ser incentivado através de exercícios isométricos e isotônicos, respeitando a tolerância de cada paciente. Como as doenças articulares são grandes limitantes da atividade física em adultos, a inatividade acaba por agravar o quadro, trazendo consequências como cansaço, fraqueza muscular, depressão e piora do sistema cardiovascular. Algumas atividades aeróbicas podem ser realizadas com moderação e respeitando a capacidade individual, como natação, hidroterapia, hidroginástica e caminhadas. Dispositivos auxiliares de marcha podem ser indicados, como bengalas e andadores, e seu treino deve ser incluso na terapia. Depressão e ansiedade são prevalentes em pacientes com artrite psoriásica, principalmente entre aqueles com maior severidade de sintomas. Além disso, entre as doenças reumáticas autoimunes, a artrite psoriásica é uma das mais vulneráveis ao estresse emocional, que representa um importante fator desencadeante da crise tanto articular quanto cutânea, o que torna a necessidade de suporte emocional ainda maior. 5.2.3 Artrite reativa (síndrome de Reiter) A artrite reativa, anteriormente denominada doença de Reiter, refere-se a uma artrite que se desenvolve logo após ou durante uma infecção bacteriana, geralmente genitourinária ou gastrointestinal. É considerada uma artrite asséptica porque, apesar de ser desencadeada por um agente infeccioso, não se consegue isolar o patógeno nas articulações acometidas. Assim como na maioria das espondiloartrites soronegativas, a artrite reativa apresenta forte correlação com o antígeno leucocitário humano (HLA-B27), que está presente em 70% a 90% desses pacientes. Essa forte associação com o HLA-B27 e sua ocorrência em vários membros de uma mesma família indicam uma predisposição genética. O risco relativo de indivíduos HLA-B27 positivos desenvolverem a doença é 25 vezes maior em comparação com os HLA-B27 negativos. No entanto, essa predisposição genética não é o único fator responsável pelo desenvolvimento da doença, visto que indivíduos HLA-B27 negativos também podem, de forma mais rara, desenvolver a doença. Os micro-organismos comumente envolvidos são: Chlamydia trachomatis, Yersinia sp., Salmonella sp., Shigella sp., Campilobacter sp., Clostridium difficile e Chlamydia pneumoniae. O intervalo entre a infecção sintomática (geralmente diarreia) e o início da artrite é de alguns dias a 4 semanas. Embora possa ocorrer em qualquer faixa etária, a artrite reativa acomete preferencialmente o indivíduo adulto do sexo masculino. A frequência da artrite reativa é maior do que previamente se supunha. Um estudo prospectivo na Suécia sobre a prevalência anual de doença articular inflamatória apontou que a incidência da artrite reativa supera a AR. Outro estudo dinamarquês mostrou que, de 91 indivíduos contaminados por Salmonella enteritidis após uma festa, 17 desenvolveram artrite reativa, e a duração da diarreia está fortemente relacionada ao aparecimento de sintomas articulares. É considerada a causa mais comum de artrite em pacientes jovens. 95 FISIOTERAPIA REUMATOLÓGICA Clinicamente manifesta-se com envolvimento do sistema articular, cutaneomucoso e ocular. A manifestação articular é caracterizada por poliartrite assimétrica de predomínio de membro inferior, sendo joelhos, tornozelos e pés os segmentos mais acometidos. Pode haver dactilite e entesite, principalmente no tendão do calcâneo e fáscia plantar. Sacroileíte também pode estar presente, o que acarreta dor na região glútea e lombar. As manifestações cutâneas e de mucosas apresentam incidência variável, como a balanite circinada (úlceras na mucosa do pênis), queratoderma blenorrágico (placas eritematosas mais frequentes nas palmas das mãos e plantas dos pés) e envolvimento ungueal (espessamento e amarelamento das unhas). Úlceras na língua e palato podem estar presentes. Figura 59 – Queratoderma blenorrágico Adaptada de: Sousa et al. (2003, p. 325). Outras manifestações incluem envolvimento ocular (conjuntivite e uveíte anterior) e uretrite (inflamação na uretra). Tendo em vista o aumento de casos da síndrome de Reiter em pacientes com Aids, testes sorológicos para HIV devem ser realizados em todos os pacientes. Tratamento De acordo com a duração da doença, a artrite reativa é classificada como aguda, quando com duração inferior a 6 meses, ou crônica, quando com duração igual ou superior a 6 meses. O prognóstico na maioria dos casos é bom, com a maioria recuperando-se gradualmente em poucos meses. Entretanto, 66% dos pacientes permanecem com desconforto articular, dor lombar baixa e sintomas de entesopatia depois da crise inicial, e cerca de 15%-30% desenvolvem doença inflamatória articular crônica. 96 Unidade II Tratamento farmacológico O uso de Aines é o tratamento inicial dos pacientes com artrite reativa, que na maioria dos casos é suficiente para controlar sinovite e entesite agudas. As injeções locais de glicocorticoide podem ser úteis nas entesites e em lesões específicas onde o Aine não controlou os sintomas. Raramente o glicocorticoide sistêmico é indicado, sendo empregado apenas nos raros casos de doença grave, prolongada ou sistêmica em que ocorre resistência aos Aines. Os medicamentos modificadores do curso da doença, principalmente a sulfassalazina, estão indicados quando não há controle satisfatório dos sintomas com Aine e glicocorticoide intra-articular ou se a doença se torna crônica, recorrente ou mais erosiva e agressiva. Devido ao fato de que o gatilho para o desenvolvimentoda artrite reativa é uma infecção, há muita discussão e interesse sobre o tratamento com antibióticos. No entanto, seu uso ainda é controverso, e vários estudos indicam que apenas a Chlamydia (patógeno responsável pela infecção do trato geniturinário) é responsiva à antibioticoterapia. No geral, os antibióticos parecem não modificar o curso da doença, especialmente nos casos que se seguem à infecção entérica. Reabilitação A fisioterapia é importante para evitar sequelas, manter a mobilidade e função articular, principalmente em casos de cronificação da doença. Como em todas as patologias reumáticas, a avaliação irá nortear o tratamento, visto que a apresentação clínica pode ser muito variável e os acometimentos articulares diferentes de pessoa para pessoa. A avaliação deve incluir nível de dor, presença de edema, amplitude articular e força muscular. Em geral, na fase aguda de artrite, utiliza-se repouso relativo e proteção articular, assim como gelo para combater a inflamação. A mobilidade deve ser preservada através de mobilização passiva ou exercícios ativos leves. Exercícios isométricos suaves ajudam a evitar ou minimizar a atrofia muscular. Na fase crônica, o fortalecimento deve ser continuado e, além dos exercícios isométricos e de mobilidade, exercícios isotônicos devem ser introduzidos, dentro da tolerância de cada paciente. Saiba mais Conheça um típico caso de artrite reativa que se desenvolveu após uma infecção entérica, no artigo de Sousa e colaboradores. SOUSA, A. E. S. et al. Síndrome de Reiter: relato de caso. Anais Brasileiros de Dermatologia, v. 78, n. 3, p. 323-330, maio/jun. 2003. Disponível em: https://bit.ly/3sMce2q. Acesso em: 24 ago. 2021. 97 FISIOTERAPIA REUMATOLÓGICA 5.3 Lúpus eritematoso sistêmico Lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma patologia autoimune crônica caracterizada por um amplo espectro de manifestações clínicas, que acomete predominantemente mulheres em fase reprodutiva (nove mulheres para um homem). A principal marca do LES é a diversidade de sinais e sintomas, que pode variar ao longo do curso da doença, com períodos de exacerbações e remissões. A doença pode ocorrer em todas as raças e em todas as partes do mundo. De etiologia não totalmente esclarecida, o desenvolvimento da doença está ligado a predisposição genética e fatores ambientais, como luz ultravioleta e alguns medicamentos. A ocorrência do LES em parentes próximos é de 25% a 50%; em gêmeos monozigóticos indica um forte fator hereditário. A base da doença é uma reação generalizada de autoimunidade, com produção de anticorpos contra componentes da própria célula, como moléculas do núcleo, do citoplasma e da membrana plasmática. Além das células, esses autoanticorpos também se direcionam para moléculas solúveis, como outros anticorpos e fatores de coagulação no sangue. Entre todos os anticorpos encontrados no soro dos pacientes com lúpus, aqueles direcionados contra componentes do núcleo celular (DNA, RNA e proteínas nucleares) são os mais característicos e encontrados em 95% dos indivíduos com lúpus. Esses anticorpos são denominados anticorpos antinucleares. Observação Anticorpos são glicoproteínas (moléculas formadas pela união de um açúcar e uma proteína), também chamados de imunoglobulinas (Ig). São produzidos pelos linfócitos B e têm como principal função proteger o organismo contra agentes patogênicos. Para isso o anticorpo reconhece um determinado antígeno (proteína estranha ao organismo), liga-se a ele e consegue neutralizá-lo, bloqueando seu acesso às células do corpo que poderiam ser infectadas ou destruídas. Em seguida, o patógeno neutralizado é fagocitado por macrófagos. Qualquer sistema pode ser afetado pelo LES, sendo os mais comuns pele e mucosas, sistema renal, sistema musculoesquelético e sistema nervoso central. Dada a complexidade da doença, o Colégio Americano de Reumatologia determinou 11 critérios diagnósticos. Esses critérios refletem as características clínicas principais da doença, além de achados laboratoriais. A presença de quatro ou mais critérios é necessária para o diagnóstico, mas eles não necessitam apresentar-se simultaneamente. Além disso, algumas características clínicas não específicas estão fortemente presentes no quadro clínico, como fadiga, febre e perda de peso. 98 Unidade II Quadro 12 – Classificação de LES (American College of Rheumatology) Critérios de classificação de LES do American College of Rheumatology revisados em 1997 1. Eritema malar: lesão eritematosa fixa em região malar, plana ou em relevo. 2. Lesão discoide: lesão eritematosa, infiltrada, com escamas queratóticas aderidas e tampões foliculares, que evolui com cicatriz atrófica e discromia. 3. Fotossensibilidade: exantema cutâneo como reação não usual à exposição à luz solar, de acordo com a história do paciente ou observado pelo médico. 4. Úlceras orais/nasais: úlceras orais ou nasofaríngeas, usualmente indolores, observadas pelo médico. 5. Artrite: não erosiva envolvendo duas ou mais articulações periféricas, caracterizadas por dor e edema ou derrame articular. 6. Serosite: pleuris (caracterizada por história convincente de dor pleurítica, atrito auscultado pelo médico ou evidência de derrame pleural) ou pericardite (documentado por eletrocardiograma, atrito ou evidência de derrame pericárdico). 7. Comprometimento renal: proteinúria persistente (> 0,5 g/dia ou 3+) ou cilindrúria anormal. 8. Alterações neurológicas: convulsão (na ausência de outra causa) ou psicose (na ausência de outra causa). 9. Alterações hematológicas: anemia hemolítica ou leucopenia (menor que 4.000/mm3 em duas ou mais ocasiões) ou linfopenia (menor que 1.500/mm3 em duas ou mais ocasiões) ou plaquetopenia (menor que 100.000/mm3 na ausência de outra causa). 10. Alterações imunológicas: anticorpo anti-DNA nativo ou anti-Sm ou presença de anticorpo antifosfolípide com base em: a) níveis anormais de IgG ou IgM anticardiolipina; b) teste positivo para anticoagulante lúpico; c) teste falso-positivo para sífilis por, no mínimo, seis meses. 11. Anticorpos antinucleares: título anormal de anticorpo antinuclear por imunofluorescência indireta ou método equivalente, em qualquer época, e na ausência de drogas conhecidas por estarem associadas à síndrome do lúpus induzido por drogas. Fonte: Borba et al. (2008, p. 197). A seguir, vamos conhecer os sistemas e órgãos mais comumente acometidos pelo LES. Pele e mucosas A pele é um dos tecidos mais comumente afetados; até 80% dos pacientes com lúpus apresentam algum grau de envolvimento cutâneo. As lesões de pele no LES podem ser divididas em três categorias, de acordo com seu aparecimento e duração: aguda, subaguda e crônica. A forma crônica mais comum é o lúpus eritematoso discoide, que pode fazer parte da doença sistêmica ou existir de forma isolada, sem a presença de autoanticorpos. Nesse último caso, o prognóstico é melhor, já que não há envolvimento de outros órgãos. Porém, pacientes com esse quadro apresentam 10% de chance de evoluírem para o LES. As lesões discoides são placas eritematosas (avermelhadas), que aparecem geralmente no rosto, orelhas e pescoço, podendo evoluir com cicatriz atrófica. Quando ocorrem no couro cabeludo podem levar à alopecia (perda de cabelo) irreversível por destruição folicular. As lesões subagudas afetam geralmente mulheres brancas, são simétricas e aparecem em áreas expostas ao sol, como pescoço, ombros e dorso dos braços e mãos. 99 FISIOTERAPIA REUMATOLÓGICA As lesões agudas são caracterizadas pelo eritema malar, sinal clássico e frequente do lúpus, que imita o formato de uma borboleta. Aparece de forma abrupta e pode durar dias, sendo exacerbado pela exposição ao sol. Pode haver ainda lesões na mucosa oral, língua e região do palato. Figura 60 – Eritema malar Adaptada de: Uva et al. (2012, p. 2). Sistema renal Como a pele, o sistema renal é um dos mais acometidos pelo LES, afetando cerca de metade a dois terços dos pacientes. É tambémuma das manifestações mais preocupantes. Muitos estudos mostram que a nefrite está associada a um mau prognóstico da doença. No início pode ser assintomático, mas sinais como edema de tornozelos, olhos inchados ao acordar, micção frequente e hipertensão são indicativos de possível envolvimento renal. O diagnóstico é realizado com base em exames laboratoriais (urina e sangue) e biópsia renal. Os principais objetivos do tratamento da nefropatia são controlar a atividade inflamatória e prevenir a evolução para a insuficiência renal crônica. Quando não tratada rapidamente e adequadamente o rim deixa de funcionar (insuficiência renal) e o paciente pode precisar fazer diálise ou transplante renal. Sistema nervoso O acometimento do sistema nervoso inclui síndromes centrais, periféricas e desordens psiquiátricas. A fisiopatologia dessas lesões provavelmente está no envolvimento dos vasos sanguíneos do tecido nervoso (vasculite e trombose), além das injúrias celulares causadas pelos autoanticorpos. 100 Unidade II Entre as manifestações psiquiátricas estão as desordens de humor, depressão, ansiedade e psicoses. Alguns pacientes também podem demonstrar comprometimento cognitivo, como déficits de atenção e memória e dificuldades de concentração. Entre as manifestações centrais estão as convulsões, que podem ser focais ou generalizadas. Dores de cabeça severas e persistentes também são uma queixa comum em pacientes com lúpus. O envolvimento do sistema nervoso periférico é mais raro, mas pode ocorrer, como polineuropatia, síndrome de Guillain-Barré e comprometimento dos nervos cranianos (cegueira, ptose, nistagmo, paralisia facial). Quadro 13 – Síndromes neuropsiquiátricas no LES Sistema nervoso central Sistema nervoso periférico — Estado confusional agudo — Neuropatia craniana — Distúrbios cognitivos — Polineuropatia — Psicose — Plexopatia — Desordens de humor — Mononeuropatia simples/múltipla — Desordens de ansiedade — Polirradiculoneuropatia inflamatória aguda (Guillain-Barré) — Cefaleia — Desordens autonômicas — Doença cerebrovascular — Miastenia grave — Mielopatia — Desordens do movimento — Síndromes desmielinizantes — Convulsões — Meningite asséptica Fonte: Borba et al. (2008, p. 200). Sistema cardiovascular A desordem cardíaca mais comum no LES é a pericardite. O quadro clínico consiste em dor retroesternal, agravada pela inspiração, deglutição, tosse e inclinação anterior do tronco. Outra complicação cardíaca é o infarto agudo do miocárdio. Foi demonstrado que a mortalidade por infarto em indivíduos com LES é aproximadamente 10 vezes maior quando comparados à população geral de mesmo sexo e idade. Isso se deve ao desenvolvimento precoce de aterosclerose nesses pacientes (as lesões endoteliais e a inflamação característica do lúpus favorecem a formação de placas ateroscleróticas). Além disso, fatores como o uso crônico de corticosteroides, hipertensão arterial, menopausa precoce e dislipidemias podem agravar o quadro. Portanto, controlar tais fatores de risco é fundamental. 101 FISIOTERAPIA REUMATOLÓGICA Sistema pulmonar A pleurite é a afecção pulmonar mais comum no LES. A pneumonite aguda e a hemorragia pulmonar são manifestações raras, mas quando ocorrem apresentam uma taxa de mortalidade de 50%. Sistema musculoesquelético Articulações dolorosas são o sintoma musculoesquelético mais frequente no LES, sendo reportado em 76% a 100% dos casos. Muitas vezes a dor não é acompanhada dos sinais tradicionais de inflamação; em outros casos, os sinais inflamatórios como inchaço, eritema, calor e diminuição de mobilidade estão presentes. Apesar de a artrite poder acometer qualquer articulação, é mais frequente nas pequenas articulações das mãos (interfalangeana proximal e metacarpofalangeana), punhos e joelhos, de forma simétrica. Ela é transitória na maior parte das vezes, mas 10% dos casos podem evoluir com artrite crônica. Em contraste à artrite reumatoide, a artrite no LES não é erosiva ou deformante. Geralmente a coluna não é afetada. Mialgia e fraqueza muscular estão associadas aos períodos de atividade da doença e comumente afetam o deltoide e o quadríceps. Muitos pacientes com LES podem desenvolver miopatias pelo uso prolongado de glicocorticoides e antimaláricos. Lembrete Placas ateroscleróticas são lesões da camada íntima das artérias, com acúmulo de lipídeos, células musculares lisas, tecido conjuntivo e células inflamatórias. Essas placas ateroscleróticas ou ateromas causam morbidade e mortalidade significativas, pois provocam endurecimento e obstrução arterial. Podem levar ao infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral. Tratamento Como o LES é uma condição crônica e autoimune, com diversas repercussões sistêmicas, a educação do paciente e da família é fundamental para o enfrentamento da doença. Embora não haja cura, os portadores podem experimentar extensos períodos de remissão, sem manifestações clínicas, até mesmo com o desaparecimento dos autoanticorpos. Felizmente, hoje a sobrevida dos pacientes é bem maior comparado há algumas décadas. Estudos recentes mostram que 80% a 90% dos pacientes sobrevivem em 10 anos. Uma das principais causas de morbidade e mortalidade nos portadores de lúpus é a aterosclerose, por isso, condições que levam ao seu agravamento devem ser rigorosamente controladas, como hiperglicemia, hipertensão arterial, dislipidemia e obesidade. O tabagismo, além de aumentar o risco para a aterosclerose, diminui a eficácia dos antimaláricos. 102 Unidade II A proteção contra a luz solar e outras formas de irradiação ultravioleta é necessária para evitar o agravamento de algumas manifestações cutâneas, como o eritema malar. Deve-se usar filtro solar com alto fator de proteção e evitar exposição direta ao sol. Não há evidência cientifica de que os alimentos possam influenciar desencadeamento ou a evolução da doença. A dieta deve ser balanceada, como já foi mencionado, pelo risco cardiovascular, evitando-se os excessos de sal, carboidratos e lipídios. Déficit de vitamina D pode ocorrer com a fotoproteção e nos pacientes com quadros renais, por isso pode haver necessidade de sua suplementação. Tratamento farmacológico O tratamento medicamentoso deve ser individualizado e depende dos órgãos e sistemas acometidos, bem como de sua gravidade. Os glicocorticoides são os fármacos mais utilizados no tratamento do LES (ação anti-inflamatória e imunossupressora) e suas doses diárias variam de acordo com a gravidade de cada caso. No entanto, devido aos vários efeitos colaterais, devem ser utilizados na menor dose efetiva para o controle da atividade da doença e com redução gradual de sua dose, assim que possível. Independentemente do órgão ou do sistema afetado, o uso contínuo de antimaláricos, preferencialmente do sulfato de hidroxicloroquina, é indicado com a finalidade de reduzir a atividade e os surtos da doença e tentar a redução do uso de corticoides. Além disso, os antimaláricos contribuem para a melhora do perfil lipídico e redução do risco de trombose. Reabilitação A atividade física regular auxilia na redução do risco cardiovascular, pois contribui para o controle do peso, da glicemia, da pressão arterial e dos níveis lipídicos, além de combater a fadiga e melhorar a qualidade de vida. Exercícios aeróbicos leves, como caminhadas, natação ou hidroginástica podem ser realizados. No entanto, durante fases de surtos e atividade da doença o repouso relativo é recomendado. Pacientes com lúpus podem apresentar perda de força considerável em determinados grupos musculares, principalmente após um período de atividade da doença e, por isso, exercícios de fortalecimento devem sempre estar presentes no programa de reabilitação. A fraqueza muscular impacta diretamente as atividades funcionais e a qualidade de vida e deve ser combatida. A prescrição do fortalecimento sempre deve respeitar a tolerância do paciente. Podem ser usadas faixas elásticas, resistência manual, pesodo próprio paciente, halteres e exercícios funcionais. Se houver artrite, deverá ser abordada com repouso relativo nas fases agudas, principalmente se há sinais inflamatórios. A fisioterapia deve incluir exercícios de mobilidade através de mobilização passiva ou exercícios ativos leves. Exercícios isométricos suaves ajudam a evitar ou minimizar a atrofia muscular. 103 FISIOTERAPIA REUMATOLÓGICA Saiba mais O filme Standing Eight conta a história de um boxeador que tem a sua carreira interrompida devido ao lúpus. O autor do filme, Kazy Tauginas, inspirou-se na história e luta de sua própria mãe contra a doença. Seu desejo, ao produzir esse filme, foi conscientizar as pessoas sobre a enfermidade. O filme ganhou 11 prêmios e está disponível na Amazon e no Vimeo. STANDING Eight. Direção: Brian Kazmarck. EUA: New Lease Films, 2016. 26 min. 5.4 Esclerodermia O nome esclerodermia deriva das palavras gregas skleros (endurecido) e derma (pele). Trata-se de uma doença autoimune caracterizada pelo enrijecimento da pele com fibrose dos tecidos envolvidos. Existem dois tipos de esclerodermia: a forma localizada, que afeta exclusivamente a pele, e a forma sistêmica, denominada esclerose sistêmica, que além da pele afeta também órgãos internos. Esclerodermia localizada Esclerodermia Morfeia Cutânea limitada Esclerodermia linear Golpe de sabre Cutânea difusa Esclerodermia sistêmica Figura 61 – Esclerodermia Embora a esclerodermia localizada e a esclerose sistêmica sejam condições distintas, o processo patológico é similar. Como em outras doenças autoimunes, acredita-se que um fator ambiental, em um indivíduo geneticamente predisposto, ativaria o sistema imunológico com a liberação de citocinas, 104 Unidade II proliferação dos fibroblastos, produção de colágeno e fibrose. Essencialmente distinguem-se três fatores na fisiopatologia: • Vasculopatia, que é um comprometimento grave da pequena circulação, com endurecimento e lesão das paredes vasculares, ocasionando diminuição de oxigênio e nutrientes do sangue para os tecidos. • Acúmulo anormal de colágeno na pele e em outros órgãos (no caso da esclerose sistêmica), com formação de fibrose e tecido cicatricial. • Desregulação da imunidade, levando à produção de autoanticorpos. Acredita-se que a fibrose é uma consequência da combinação de autoimunidade e dano vascular, que acarretam uma atividade desregulada e amplificada dos fibroblastos (célula que produz colágeno). Eles são ativados por moléculas produzidas pelos linfócitos T; outro fator que contribui para sua ativação são os níveis baixos de oxigênio e os radicais de oxigênio produzidos durante as crises de espasmos vasculares. Assim, ocorre um remodelamento exagerado da matriz extracelular, com a substituição progressiva do tecido normal por tecido conjuntivo denso, formando a fibrose. Hospedeiro geneticamente suscetível + fator ambiental desencadeante (?) Moléculas de adesão, endotelina 1, espécimes reativos do O2 Citocinas, fatores de crescimento, quimocinas, autoanticorpos Fibroblastos, pericitos, miofibroblastos Ativação de linfócitos T e linfócitos B Vasculopatia Inflamação e autoimunidade Remodelamento tecidual Fibrose Figura 62 – Fisiopatologia da esclerose sistêmica: a interação entre fatores vasculopáticos inflamatórios e autoimunes leva à hiperativação das células efetoras e produção de fibrose tecidual Adaptada de: Zimmermann e Pizzichini (2013, p. 518). 105 FISIOTERAPIA REUMATOLÓGICA 5.4.1 Esclerodermia localizada A esclerodermia localizada pode apresentar-se de três formas: • Linear: comum em crianças, caracterizada por lesões de espessamento da pele em bandas ou linhas, geralmente nos membros. • Morfeia: zonas de pele espessada, geralmente no tronco. A morfeia generalizada é uma forma mais grave, com múltiplas placas espessadas que acometem extensas áreas da pele. • Lesão em golpe de sabre: acomete a face ou o couro cabeludo, com aparência de uma linha branca, daí o nome golpe de sabre (espada). Embora a esclerodermia localizada geralmente tenha bom prognóstico, pode envolver não só a pele, como também o tecido subcutâneo, os músculos, os ossos e a sinóvia, levando a deformidades e disfunções. Infelizmente, os pacientes pediátricos têm risco de sofrer alterações no crescimento, devido ao possível comprometimento ósseo, podendo desenvolver discrepância no comprimento dos membros, por exemplo. Na lesão tipo golpe de sabre, pode haver deformidade mandibular, posições anormais dos dentes e dano estético pela hemiatrofia ou deformidade do crânio e sistema nervoso central (SNC), com risco inclusive de lesão neurológica. Esse quadro gera incapacidade física e distúrbios psicológicos. Figura 63 – Lesão em golpe de sabre Fonte: Scleroderma Foundation (2015, p. 1). Tratamento Como regra geral, a esclerodermia localizada é uma doença autolimitada e, embora possam surgir novas lesões, a doença tende a regredir. 106 Unidade II O objetivo principal do tratamento é melhorar as lesões, além de prevenir o desenvolvimento de complicações funcionais e estéticas. Alguns fármacos podem ser usados para a supressão da inflamação, como metrotexato e corticoides. Os corticoides sistêmicos são utilizados nas lesões mais severas, que evoluem rápido com acometimento dos tecidos subcutâneos; os casos menos graves são tratados com corticoides tópicos. A fototerapia com radiação ultravioleta ajuda a controlar a fibrose, pois age aumentando a atividade da colagenase-metaloproteinase 1 da matriz, enzima responsável pela degradação do colágeno. Reabilitação A fisioterapia é essencial, especialmente nos casos de esclerodermia localizada do tipo linear, para prevenir o desenvolvimento de contraturas. As lesões extensas podem cruzar articulações e limitar a mobilidade. Se a fisioterapia não for realizada de forma intensiva, essa diminuição de mobilidade pode progredir para retração permanente de tecidos moles, levando à deformidade (por exemplo, no cotovelo, dedos ou joelho). Exercícios de alongamentos e exercícios de mobilidade passivos e ativos são indicados. A orientação é importante para que o paciente mantenha os exercícios em casa, de modo que as retrações não se instalem. A) B) Figura 64 – Deformidade em flexão do V quirodáctilo esquerdo e placa esclerótica em perna esquerda (morfeia linear em criança de 10 anos) Adaptada de: Zancanaro et al. (2009, p. 164). 107 FISIOTERAPIA REUMATOLÓGICA No caso de crianças com encurtamento de pernas, cirurgias ortopédicas podem ser necessárias. Cirurgia plástica ou técnicas de preenchimento para esclerodermia facial são, normalmente, consideradas. 5.4.2 Esclerose sistêmica Na esclerose sistêmica (ES), além da fibrose cutânea, há fibrose visceral progressiva, envolvendo principalmente os pulmões, o trato gastrointestinal, o coração e os rins. É mais prevalente em mulheres negras, e geralmente surge entre os 25 e 50 anos. Sabe-se que o processo resulta da interação de múltiplos fatores, tanto do próprio indivíduo quanto do ambiente que o cerca. Em relação aos fatores ambientais, a exposição à sílica e aos solventes orgânicos está associada a um risco aumentado para desenvolvimento de esclerose sistêmica. Outros fatores ambientais que têm sido implicados na etiologia da ES são as exposições a agentes infecciosos, principalmente os vírus. • Acometimento vascular: artérias médias e pequenas têm o seu calibre reduzido devido à cicatrização da sua parede por deposição anormal de camadas de colágeno, o que reduz o fluxo de sangue para a pele e outros órgãos. Do mesmo modo, o relaxamento dos vasos fica comprometido, estes ficam, assim, mais expostos a episódios de vasoespasmo (contratura da parede e ainda maior estreitamento da passagem do sangue). Uma das consequências dessas alterações vasculares é o fenômeno de Raynauld, uma condição em que os dedos se tornam pálidos ou azulados com a exposição ao frio, e ficam vermelhos na exposição ao calor, associadoa uma sensação de dormência ou formigamento. Esses episódios são causados por espasmo dos capilares dos dedos. Com o tempo, esses vasos sofrem lesão ficando totalmente obstruídos, o que pode causar isquemia tecidual e formação de úlceras nas pontas dos dedos. O fenômeno de Raynauld ocorre em quase 95% dos pacientes com esclerose sistêmica (tanto na forma limitada quanto na difusa), e é um dos primeiros sintomas. Essa alteração não está presente somente nos dedos, mas pode acometer também outros órgãos, como pulmões, coração, rins e tubo digestivo. A) B) Figura 65 – Fenômeno de Raynauld Adaptada de: Klippel (2008, p. 344). 108 Unidade II • Acometimento da pele: o espessamento e endurecimento da pele estão entre as principais características da esclerose sistêmica, inicia-se distalmente e evolui para os segmentos proximais. Além do espessamento, pode haver prurido, hiper ou hipopigmentação e calcinose. A calcinose consiste no depósito de cálcio abaixo da pele, com aspecto de nódulos, geralmente na região dos dedos e antebraço. Às vezes esse cálcio pode romper a pele e extravasar. O aspecto do conteúdo é similar à pasta de dente. Figura 66 – Calcinose Adaptada de: Klippel (2008, p. 347). • Acometimento pulmonar: é a principal causa de morte na esclerose sistêmica. Há risco de desenvolvimento de fibrose pulmonar, por isso os pacientes devem realizar testes periódicos de função pulmonar para monitoramento. Os sintomas são tosse seca e dificuldade de respirar. A hipertensão pulmonar é outra complicação, geralmente na forma limitada após anos de desenvolvimento da doença. É caracterizada por um aumento específico da pressão vascular dos pulmões. O principal sintoma é falta de ar aos esforços. • Acometimento renal: ocorre com maior frequência na forma difusa, especialmente nos primeiros 5 anos de doença. O principal sintoma é um aumento súbito da pressão arterial, que se não for diagnosticada e tratada pode causar lesão aos rins. Para evitar esse quadro, devem ser realizados o monitoramento, a detecção precoce e o tratamento da hipertensão, que no início pode ser assintomática. • Acometimento do sistema digestório: ocorre diminuição da motilidade geral devido à atrofia e fibrose da musculatura lisa (esôfago, estômago e intestinos). Os sintomas incluem dificuldade para engolir, refluxo, sensação de inchaço após a refeição, diarreia ou constipação. Esse acometimento é mais comum na forma difusa. • Acometimento musculoesquelético: a fibrose da pele pode causar restrição do movimento e levar a deformidades articulares. O grau de deformidade e contratura reflete a extensão do 109 FISIOTERAPIA REUMATOLÓGICA acometimento da pele. As mãos, o punho e os cotovelos são as articulações mais comumente afetadas, o que causa grande impacto na funcionalidade desses segmentos. A inflamação das bainhas tendíneas pode causar atrito nos tendões e dor. A fibrose e inflamação muscular podem levar à fraqueza, principalmente em músculos proximais. Sinovite de articulações distais pode ocorrer, principalmente nas mãos e nos punhos, mas o inchaço articular pode ficar “disfarçado” sob a pele espessada. Existem duas formas de ES, a cutânea limitada e a cutânea difusa. Na cutânea limitada, o espessamento da pele é limitado às áreas abaixo dos cotovelos e joelhos, além de face e pescoço. A progressão da doença inicia-se meses ou anos após os primeiros sintomas do fenômeno de Raynauld. O acometimento visceral é menos severo, com bom prognóstico e sobrevida maior que 70% em 10 anos. Na forma difusa, o espessamento de pele é proximal, envolvendo tronco, braços e coxas, dedos, mãos, face e pescoço. O desenvolvimento da doença é rápido após o aparecimento do fenômeno de Raynauld. O acometimento visceral é severo (pulmões, coração, sistema gastrointestinal e rins), com sobrevida de 40% a 60% em 10 anos. Observação É comum a confusão entre a esclerodermia localizada e a esclerose sistêmica, devido à semelhança das palavras. No entanto, trata-se de condições distintas. Na esclerodermia localizada, não há envolvimento de órgãos internos, apenas da pele e, às vezes, de tecidos subcutâneos. Na esclerose sistêmica limitada, há comprometimento de órgãos e vísceras, apesar de menos grave que a forma difusa (ver figura 65). Tratamento A esclerose sistêmica apresenta uma variabilidade grande de prognóstico, representando para alguns doentes apenas um ligeiro incômodo, mas, para outros, pode ser uma doença muito grave. Devido à variabilidade dos sintomas, o tratamento poderá ser diversificado. A pele das mãos deve ser protegida com creme hidratante, o que evitará, em parte, as ulcerações dos dedos. Deve-se evitar exposição ao frio, protegendo a pele, para evitar diminuição da circulação de sangue para as extremidades do corpo. Devido à microstomia (abertura diminuída da cavidade oral), que pode surgir na esclerodermia, muitas vezes há dificuldade em abrir a boca e fazer uma boa higiene oral, por isso as visitas regulares ao dentista são fundamentais. 110 Unidade II O tabaco (nicotina) tem, também, um efeito muito prejudicial, pois provoca espasmos dos pequenos vasos sanguíneos e, portanto, redução da circulação. Como a doença pode causar perturbações digestivas e levar à perda de peso e desnutrição, o acompanhamento nutricional é indicado. É aconselhado fazer várias refeições ao dia e com pouco volume cada, devido aos problemas de motilidade do tubo digestivo. Deve-se evitar alimentos muito condimentados, gorduras, café e álcool. Tratamento farmacológico Os medicamentos ou tratamentos que controlam a doença são os que buscam regular a autoimunidade exagerada e os que tratam as alterações vasculares. Os imunossupressores são utilizados para regular a autoimunidade, como os fármacos antirreumáticos modificadores de doença e os agentes biológicos (ciclofosfamida, metotrexato, azatioprina, micofenolato e rituximabe). Há, ainda, a possibilidade de atuar no sistema imunológico através do transplante de medula óssea em casos selecionados e em centros específicos devido à complexidade e aos riscos associados a essa modalidade terapêutica. O outro grupo de medicamentos utilizados são os vasodilatadores, que buscam melhorar a circulação dos tecidos, que pode estar reduzida pelo enrijecimento das paredes dos vasos e pelo vasoespasmo, como no fenômeno de Raynauld. Os vasodilatadores mais utilizados são: inibidores da enzima conversora de angiotensina (captopril e enalapril), nifedipina, anlodipina, losartana, sildenafila, bosentana. Existe ainda a necessidade do tratamento de comorbidades que podem estar associadas à doença, como é o caso de medicamentos que melhorem a motilidade intestinal. Reabilitação O espessamento e enrijecimento da pele e dos tecidos que circundam a articulação podem limitar a mobilidade dos punhos, cotovelos e principalmente dos dedos, por isso manter a amplitude de movimento é o principal objetivo junto a esses pacientes. A sensação é de que a pele está “apertada” e dura. Exercícios de mobilidade devem ser realizados diariamente para prevenir ou retardar o surgimento de contraturas. Além disso, os exercícios ajudam na melhora da circulação, muito importante para os pacientes com esclerodermia. Com essa finalidade, podem ser utilizados alongamentos, exercícios ativos e passivos, de acordo com as necessidades de cada indivíduo. Os exercícios orientados podem e devem ser realizados em casa. Antes dos exercícios, a aplicação de calor auxilia no relaxamento e facilita a mobilização, como bolsa de água quente, imersão da mão em uma bacia com água morna ou banho morno. A hidroterapia é uma ótima opção, pois através da flutuação o paciente experimenta uma facilitação do movimento. Além disso, o calor da água auxilia na melhora circulatória e diminuição da dor, tornando o exercício mais confortável. 111 FISIOTERAPIA REUMATOLÓGICA Exercícios para os músculos da face são necessários para a manutenção da expressão e facilitar
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