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Aula 01 - Uma introdução a História do Direito: Pré-história, Direito nas sociedades ágrafas e Direito arcaico. Prof. Ulisses Melo (ulissesgdm@live.com), Advogado graduado pela Universidade Federal de Pernambuco, Mestre e Doutorando em Ciência Política pela UFPE. Literatura Básica: CASTRO, Flávia Lages de. História do direito geral e Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, v. 7, 2007. WOLKMER, Antonio Carlos. Fundamentos de história do direito. Editora del Rey, 2007. GILISSEN, John; HESPANHA, António Manuel; MALHEIROS, Macaísta. Introdução histórica ao direito. 1988. ANGELOZZI, Gilberto Aparecido. História do direito no Brasil. Freitas Bastos Editora, 2009. WOLKMER, Antonio Carlos. História do Direito no Brasil. 8ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2015. Literatura complementar DIAMOND, Jared. O mundo até ontem. O que podemos aprender com as sociedades tradicionais. Rio de Janeiro: Record, 2014. BENJAMIN, Walter et al. Sobre o conceito de história. Magia e técnica, arte e política, v. 7, p. 222-232, 1994. FONSECA, Ricardo Marcelo. Introdução teórica à história do direito. Curitiba: Juruá, 2009. SALDANHA, N. O. Direito Romano e a noção ocidental de “Direito”. Revista Inf. Legisl, v. 20, n. 80, p. 119-124, 1983. 1 - O conceito de História “A história é a memória da humanidade, mas não é suficiente recordar para ser historiador”. A transformação é a essência da história e somente o ser humano pode executar tal tarefa, de se transformar e modificar seu ambiente. O estudo do nosso planeta e suas mudanças através das eras é um assunto tratado por outros acadêmicos, como geólogos e paleontólogos. Não se estuda a história das baleias, mas sim seu processo evolutivo. O objeto da História, por outro lado, é o homem e suas transformações no mundo, isto é, o estudo da História concentra-se no Ser Humano e na sucessão temporal de seus atos. A partir dela verificamos como a humanidade interagiu com seu meio ambiente, suas ferramentas e entre si. Se não existe uma "história das baleias” é possível prover um estudo histórico sobre a caça das baleias. O objeto da análise deixa de ser o animal e passa a ser uma interação entre homem e cetáceo. Por fim, não cabe ao historiador apenas recordar o que aconteceu, é seu dever problematizar os fatos analisados, inserindo-os em um devido contexto e apresentando as possíveis narrativas distintas e fragilidades, tanto metodológicas como de fontes. O historiador trabalha, portanto, para apresentar um debate que vai muito além dos relatos históricos, destrinchando costumes, comportamentos e pensamentos dos seres humanos através dos tempos. Vídeo complementar: O QUE É HISTÓRIA? - YouTube mailto:ulissesgdm@live.com https://www.youtube.com/watch?v=iS4wgCEZhaE https://www.youtube.com/watch?v=iS4wgCEZhaE - O Direito a partir de uma perspectiva histórica Dentro desse contexto histórico, o conceito de direito deve se adaptar de forma a garantir uma aplicação eficiente e ampla ao estudo da História do Direito. Não podemos exigir da norma jurídica um caráter formalista, tal como utilizamos atualmente. Dentro da perspectiva histórica um direito é um fenômeno normativo verificado nas interações humanas de modo formal e informal. “O Direito é, portanto, o conjunto de normas para a aplicação da justiça e a minimização de conflitos de uma dada sociedade”. - A História do Direito Sabendo disso, podemos chamar tudo aquilo que o homem transforma e cria de “cultura”. A cultura é temporal, e portanto, histórica. Ela depende do momento em que determinado indivíduo ou comunidade está vivendo para ter as características que a definem. “O Homem se parece mais com seu tempo que com seus pais” (Ditado árabe) Sendo assim, a História do direito auxilia na compreensão das conexões que existem entre a sociedade, suas características, e o direito que produziu, “treinando-o” para uma melhor visualização e entendimento do próprio direito. "Conhecer-se a si mesmo significa saber o que se pode fazer. E como ninguém sabe o que pode antes de tentar, a única indicação para aquilo que o homem pode fazer é aquilo que já fez. O valor da história está então em ensinar-nos o que o homem tem feito e, deste modo, o que o homem é." (COLLINGWOOD) Vídeo complementar: História do Direito - O que é e por que estudá-la? - YouTube - Fases históricas do Direito (Michael Gagarin) Sociedade pré-legal: Não possui qualquer procedimento estabelecido para lidar com as disputas que surgem em seu meio. Pequenas sociedades podem permanecer neste estágio por algum tempo, mas quando a densidade populacional atinge determinado ponto, haverá muitas pessoas que não se conhecem e passam a ter necessidade de um sistema de resolução de disputas; Sociedade proto-legal: Existem regras e procedimentos bem determinados para a administração de disputas. Durante este estágio não há distinções entre regras e leis. Sociedade legal: Há previsão de procedimentos e resposta institucional a ações específicas dos indivíduos e da sociedade como um todo. Necessita portanto de uma forma de escrita bem desenvolvida. 2 - Direito dos povos ágrafos O Direito praticado pelos povos ágrafos foi ignorado por muitos teóricos e historiadores do direito. Seja por falta de fontes escritas ou por desinteresse, esses sistemas normativos eram, por muitas vezes, desconsiderados no estudo da História do Direito. Hoje, contudo, o direito dos povos ágrafos faz parte do substrato de diversos dogmas jurídicos que possuímos. https://www.youtube.com/watch?v=rQKmrgkRmv4 https://www.youtube.com/watch?v=rQKmrgkRmv4 É importante salientar que o Direito dos povos ágrafos não se refere apenas aos sistemas de normas compartilhados pelos povos pré-históricos, mas também os regimes normativos presentes nas interações de populações que até hoje desconhecem formas de escrita. Esses povos, inclusive, vem sendo uma fonte fundamental para análises comparativas no direito contemporâneo. Deve-se dizer que esta área de estudo interage substancialmente com a antropologia jurídica, já que o estudo das culturas nômades e ágrafas se faz necessário para a construção de hipóteses mais robustas. Existem - existiram - milhares de populações que desconheciam a técnica da escrita mas já possuíam sociedades e línguas complexas o suficiente para desenvolver formas e processos normativos capazes de manter e controlar a paz social. Na grande maioria dessas comunidades, contudo, se via uma forte influência da religiosidade na construção do direito. É importante ter consciência de que a imensa maioria dessas sociedades era composta de comunidades pequenas, ligadas por laços familiares e tribais, tendo um modo de produção econômico baseado na coleta e caça ou em um modelo agrário limitado. Essas características impedem que os indivíduos rompam laços sociais e se tornem desconhecidos entre si, como em uma sociedade complexa. Nas comunidades tribais os laços familiares são extremamente fortes e a norma sobrevive através dessa premissa, em conjunto com a religiosidade. Por fim, é importante salientar que tais normas eram transmitidas, na maioria das vezes, através de provérbios e adágios. - Características gerais do Direito dos povos ágrafos - São Simples: como são direitos não escritos, a possibilidade de abstração fica limitada. As regras devem ser decoradas e passadas de pessoa para pessoa da forma mais clara possível. - São Numerosos: cada comunidade tem seu próprio costume e vive isolada no espaço e, muitas vezes, no tempo. Os raros contatos entre grupos vizinhos (que porventura vivem no mesmo tempo e dividem o mesmo espaço) têm como objetivo a guerra . - São Relativamente Diversificados: Esta distância (no tempo e no espaço) faz com que cada comunidade produza mais dissemelhanças do que semelhanças em seus direitos . - São Impregnados de Religiosidade: como a maior parte dos fenômenos são explicados, por estes povos, através da religião, a regra jurídica não foge a este contexto. Na maior parte das vezes a distinção entre regra religiosa e regra jurídicatorna-se impossível. - São Direitos em Nascimento: não ocorre uma diferenciação efetiva entre o que é jurídico e o que não é jurídico. Vídeo Complementar: História do Direito - Pré-História (Povos Ágrafos) - YouTube Gostou do assunto? Quer se aprofundar? Faça uma revisão: História do Direito pt. 1 | Povos Ágrafos 3 - Direito Arcaico: Mesopotâmia e Egito Antigo Os povos mesopotâmicos e egípcios da antiguidade são tradicionalmente estudados em conjunto, já que se tratam das mais antigas sociedades humanas que atingiram um nível de complexidade invejável. Entretanto, esses dois povos possuíam características diversas entre si. Vejamos algumas das similaridades e diferenças entre os dois: Similaridades - Dependência de grandes fluxos fluviais; - Desenvolvimento de escrita; - Desenvolvimento de grandes centros urbanos; - Falta de matérias primas básicas; - Preponderância da religião como fonte de legitimidade jurídica. Diferenças - Instabilidade das enchentes dos rios Tigre e Eufrates x Estabilidade das cheias do Nilo; - Cidades Estado mesopotâmicas x Reino unificado egípcio; - Escrita cuneiforme em placas de argila x Hieróglifos em papiro; - Rei como representante de deus x O faraó é um deus; - O direito no Egito Antigo Apesar de ter se estabelecido como um reino durante quase três mil anos, conhecemos pouco sobre o regime jurídico em vigor no Antigo Egito. Isso se deve, prioritariamente, devido ao uso do papiro como ferramenta de arquivamento dos atos burocráticos e processuais. O papiro, diferentemente da argila, se deteriora com o tempo, mais rapidamente que o papel, por exemplo. O que conhecemos sobre as normas jurídicas daquele povo remetem a alguns poucos atos jurídicos que perduraram ou foram transcritos, o que outros povos escreveram e suas inscrições em grandes obras arquitetônicas como templos e tumbas. Nesta sociedade o faraó era o poder central de todas as instâncias, seja religiosa, política, militar ou jurídica. Cabia a ele os principais julgamentos e decisões do reino. Entretanto a ideia de justiça era vinculada à deusa maat. Além de ser uma divindade, maat também era uma ideia de justiça, quase um princípio do bom direito. A seguir vemos uma representação dessa deusa. https://youtu.be/hgVC3Wybwd4 https://www.youtube.com/watch?v=ICtpRV8sf-4 https://www.youtube.com/watch?v=ICtpRV8sf-4 Os egípcios possuíam, contudo, um forte corpo burocrático formado pelos escribas, que possuíam certa ascensão social. Essa característica importante construiu um corpo técnico minimamente afastado do âmbito religioso, o que permitiu a construção de procedimentos e atos jurídicos complexos. A seguir vemos uma escultura representando um escriba. Por fim, as práticas jurídicas que conhecemos indicam um direito surpreendentemente paritário, principalmente nos períodos de apogeu da sociedade egípcia, garantindo poderes à população feminina, aos não primogênitos. a sociedade egípcia também não conhecia a pena de morte. Além disso, não existiam grandes distinções jurídicas quanto aos estamentos da sociedade egípcia, o que permitia que grande parte da sociedade tivesse acesso a julgamentos e realização de contratos. Vídeo Complementar: História do Direito - Egito Antigo - YouTube - Direito na Mesopotâmia Diferentemente dos egípcios, parte dos diversos povos mesopotâmicos se utilizavam de tabletes de argila para a escrita cuneiforme. Essa técnica permitiu que muitos dos seus atos jurídicos e textos legais perdurassem até o nosso tempo. Os códigos mesopotâmicos são, portanto, as normas escritas mais antigas que conhecemos. É importante ter a ideia de que os mesopotâmicos, tal qual os gregos, viviam em cidades-estado, e que não foram um povo coeso durante toda a história antiga. Dentre os povos mais produtivos juridicamente estavam os sumérios, acádios e amoritas (babilônios). É importante ter ciência, contudo, de que boa parte dos códigos que vamos estudar são https://www.youtube.com/watch?v=BLJDSpALLsE https://www.youtube.com/watch?v=BLJDSpALLsE transcrições de costumes compartilhados por esses povos, não sendo especificamente uma produção jurídica particular de uma comunidade política específica. - Códigos mesopotâmicos ● Código de Ur-Nammu (2140-2004 a.C.): Escrito em língua suméria em tabuletas, buscava legislar sobre casos habituais e extraordinários da sociedade suméria. ● Código de Eshnunna (1930 a.C.): trazia consigo 60 artigos, misturando direito penal e civil. Foi a base para o Código de Hamurabi, compartilhando temas que seriam tratados pelo direito sumério, babilônico e assírio. ● Código de Lipit-Ishtar (1934-1924 a.C): escrito em língua suméria, também contém em seus anais a história do reino de Lipit-Ishtar e como ele expulsou os amoritas da região. ● Código de Hamurabi (1772 a.C.): É o código mais famoso do período mesopotâmico devido à completude de sua documentação, que foi mantida em um grande bloco de rocha de diorito encontrado por uma expedição francesa na cidade de Susa, no Irã, em 1901, e ao seu tamanho, já que possuía mais de 200 artigos. O direito mesopotâmico é um exemplo de sistema jurídico proto-legal. Ele se baseia em exemplos práticos para produzir uma legislação, a partir da seguinte estrutura: - Se um indivíduo x praticar a conduta y, a pena z deve incidir sobre ele (ou alguém próximo, ou a seus bens) Note que, diferentemente dos sistemas legais, onde conceitos penais são construídos (homicídio, furto, casamento, impessoalidade), os sistemas proto-legais eram construídos a partir de hipóteses específicas de comportamentos sociais. É de se esperar que boa parte do direito das primeiras sociedades organizadas seguia esse modelo, mas não possuímos muitas informações além das fornecidas pelos mesopotâmicos, já que a maioria dos documentos legais se perderam através dos tempos. Diferentemente do direito egípcio, no direito mesopotâmico as penas e procedimentos individuais dependiam do estamento (posição social) dos indivíduos ligados ao “processo”. Vídeo Complementar: História do Direito - Direitos Cuneiformes (Mesopotâmia - Hamurabi) - YouTube https://www.youtube.com/watch?v=zWnGlHVVw-Y&t=90s https://www.youtube.com/watch?v=zWnGlHVVw-Y&t=90s https://www.youtube.com/watch?v=zWnGlHVVw-Y&t=90s 4. Direito Hebreu O estudo do direito hebreu tem sua importância por motivos bem diferentes dos já estudados. Diferentemente dos mesopotâmicos e egípcios, os hebreus não foram um povo que obteve grande sucesso político e militar durante seu tempo, não estabeleceram grandes domínios durante a antiguidade ou criaram novas tecnologias, pelo contrário, os hebreus por muito tempo foram povos ligados ao pastoreio como cultura de subsistência. O ponto sobre os hebreus reside na sua religião. Os hebreus são o primeiro povo conhecido a desenvolver uma religião monoteísta. Essa religião, se desenvolveu até criar o que hoje conhecemos como judaísmo, mas não só isso. Todas as grandes três religiões monoteístas da atualidade (judaísmo, cristianismo e islamismo) sofrem influência da cultura hebraica. Além disso, a ideia de direito e religião para esse povo estava fortemente interligada, pecado e crime se confundem dentro dessa cultura. Boa parte dos chamados “textos sagrados”, a Torá, é formada por normas que tratam de matérias penais e civis. Muitas dessas características virão a influenciar parte do direito ocidental, principalmente a partir da incidência do cristianismo no direito romano e medieval, como veremos mais à frente. - Lei Mosaica Após uma grande seca em sua terra natal por volta de 1800 a.C. os hebreus se viram obrigados a migrar para o Egito, que à época era comandado pelos Hicsos. A retomada do poder pelos egípcios, contudo, implicou na perseguição do povo hebreu, que se viu obrigado a pagar impostos (algo raro na antiguidade, destinado unicamente a povos estrangeiros, populações dominadas e escravos) e à escravidão. É apenas em 1250 a.C. que Moisés, líder religioso e político consegue iniciar o êxodo para a Palestina, ao mesmo tempo que implementaos Dez Mandamentos, que junto com outras normas, presentes principalmente no livro do Deuteronômio, formulam a Torá. Posteriormente, após o cativeiro na Babilônia e as interações com outros povos, como gregos e romanos, os judeus passaram a produzir novas normas jurídicas, muitas delas baseadas na interpretação das leis mosaicas. Tais normas eram transmitidas por via oral, até sua codificação em 192 d.C., que ficou conhecida como Mishná. A Mishná em conjunto com a Guemará, um compilado de discussões sobre a Mishná e outros escritos, são conhecidas como Talmud, que complementa o corpo da legislação hebraica. Representação de Moisés e as tábuas dos dez mandamentos A seguir apresentamos algumas das características presentes no direito hebraico: ● Ideia de princípio da imparcialidade para os processos; ● Ideia de devido processo legal, prestando-se contas ao procedimento estabelecido na lei; ● Individualidade das penas, ou seja, outras pessoas não poderiam ser punidas pelo crime ou falta de terceiros, como previsto em diversos casos nos direitos arcaicos; ● Lapidação (apedrejamento) em certos crimes; ● Construção da ideia de homicídios involuntários, que não devem ser tratados da mesma forma que os voluntários. Nascimento da ideia de culpa e dolo; ● Previsão da possibilidade de divórcio, concubinato e do direito de herança para primogênitos. Vídeo Complementar: História do Direito - Direito Hebraico - YouTube 5. Direito na Grécia Antiga Apesar de ter marcado profundamente a história geral do mundo ocidental, os gregos antigos não são marcantes da mesma forma dentro do estudo da história do direito. Isso não significa, contudo, que algumas de suas produções legais marcaram o mundo antigo e influenciaram em outras sociedades, principalmente com o Direito Romano. Antes de mais nada é importante apontar algumas características do povo grego e da Grécia antiga. O primeiro ponto é a sua geografia, marcada por muitas terras montanhosas e alguns poucos vales férteis, presentes principalmente no litoral das muitas penínsulas que marcam a região, bem como no incontável número de ilhas que pontilham o Mar Egeu. Essas características geraram uma grande dificuldade de união entre os diversos povos que historicamente ocuparam a Grécia, além de ter influenciado na tendência marítima desse povo, já que era mais fácil viajar de barco entre as cidades litorâneas que pelo terreno árido e montanhoso que marcava o continente. https://www.youtube.com/watch?v=dZXWXL1Vs50 https://www.youtube.com/watch?v=dZXWXL1Vs50 - Uma breve história da Grécia Antiga Mesmo com essas dificuldades, um povo específico ocupou de forma unificada boa parte da península grega: os Micênicos (2000 - 1200 a.C.). Isso foi possível devido à baixa densidade populacional encontrada na região nesse período. Máscara de Agamemnon Sabemos pouco sobre essa civilização pois ela foi devastada por crises internas e pelas invasões de povos estrangeiros, principalmente dos Dórios, povo que viria a criar a cidade de Esparta. Após a queda dos micênicos, a Grécia vive o período conhecido como “Idade das trevas grega”, também conhecida por Período Homérico, onde boa parte do desenvolvimento artístico e científico dos micênicos foi perdido. Após esse momento há o ressurgimento de comunidades políticas complexas, mas dessa vez isoladas, que viriam a marcar a história grega, as cidades-estado. Duas delas se destacaram política, militarmente e socialmente: Esparta e Atenas. A seguir veremos algumas das características sociais e jurídicas dessas duas comunidades. - Esparta Esparta é até hoje conhecida como exemplo de sociedade militarista e tradicionalista. Essas características refletiam na hierarquia social, na administração política e jurídica da cidade. Grande parte da população espartana era composta por escravos (hilotas), outra camada social, chamada de periecos, era formada por artesãos e comerciantes, funções desvalorizadas pela sociedade espartana, que não os considerava cidadãos. Apenas os espatíatas, que representavam 5% da população, tinham direitos políticos e podiam participar dos órgãos legislativos e de administração. Todos os espartíatas eram donos de terras, cedidas pelo Estado, e eram treinados desde a infância para a função militar. Politicamente Esparta era administrada por diversos órgãos, todos compostos por homens espartíatas. Eram elas: ● Reis: Esparta sempre teve dois reis, tratava-se de uma diarquia. Contudo estes possuíam pouco poder administrativo, sendo muito mais generais que líderes políticos. O poder de fato estava concentrado na Gerúsia; ● Gerúsia: também chamada de senado espartano, era composta por 28 anciões, ou gerontes, cidadãos com mais de 60 anos. A eles competia o poder de legislar e tomar decisões importantes para a administração da cidade; ● Assembleia: também chamada de Ápela, era composta por cidadãos com mais de 30 anos. Ratificava as propostas da Gerúsia por aclamação. ● Éforos: era composto por 5 cidadãos eleitos anualmente pela Assembleia, tinham a função de fiscalizar as atividades estatais. Por fim, vale a pena pontuar alguns quesitos sobre a organização da sociedade espartana. Primeiro, a situação dos escravos, marcadamente uma das mais degradantes do mundo antigo, sendo utilizados como abate em testes de capacidade militar dos jovens espartanos. Além disso, o modelo de distribuição de terras pelo Estado entre uma pequena elite é um dos modelos mais particulares de distribuição fundiária da história. - Atenas A cidade de Atenas ficou marcada na história por motivos bem diferentes de Esparta. Lá, para muitos historiadores, nasceu a democracia, mesmo que a escravidão fosse praticada e que outras sociedades mais antigas possuíssem regras mais igualitárias entre os seus cidadãos. Localizada na península Ática, Atenas foi construída pelos Jônios, povos com características culturais diferentes dos Dórios, ela tinha como órgãos políticos originais o Areópago, ou Conselho de Anciões e a Assembleia do Povo e um Rei. Posteriormente outro órgão, o Arcontado substitui o poder real e passa a concretizar as competências administrativas da cidade. A sociedade ateniense era dividida da seguinte forma: ● Eupátridas (aristocracia); ● Geomores (pequenos proprietários rurais e servos); ● Demiurgos (artesãos); ● Metecos (estrangeiros); ● Escravos. Com o passar do tempo a concentração fundiária entre os eupátridas e a permissão da escravidão por dívidas acabou por submeter muitos camponeses a esse regime, o que gerou uma série de protestos e revoltas na cidade, além de ter incentivado a colonização de outras terras, já que as próximas da cidade eram dominadas por uma pequena aristocracia, que também dominava a política local. Essa situação de insatisfação popular piorava diante da administração do direito, que era aplicado pelos eupátridas baseados em costumes orais. Isso colocou à prova o sistema social e político ateniense. Uma das principais demandas da população era, justamente, a transcrição das normas utilizadas pela aristocracia em suas decisões. É esse processo político que vai gerar as legislações atenienses. - Leis draconianas e as reformas de Sólon As primeiras codificações foram elaboradas por pelo Arconte (membro do Arcontado) Drácon. As leis draconianas, até hoje consideradas sinônimos de legislações duras, foram possivelmente a transcrição de muitos dos costumes jurídicos já praticados pela aristocracia ateniense. Essas normas já reconheciam a ideia de homicídio voluntário e involuntário, bem como a possibilidade de legítima defesa. No entanto, tal legislação mantinha a escravidão por dívida, o que perpetuava o sistema de concentração fundiária. Foi apenas após novas revoltas sociais de setores da sociedade que um novo processo de compilação legislativa foi promovida pelos Arcontes. Neste caso, a nova legislação foi escrita por Sólon, e ficou marcada pela abertura e inovação econômica, pelo fim da escravidão por dívida e supressão da primogenitura. Além disso, a legislaçãode Sólon é uma das primeiras a prever um sistema monetário. Busto de Sólon - A ideia de processo em Atenas Atenas, contudo, ficou marcada pela construção de um processo legal que viria a influenciar a tradição processual de outros povos. O direito ateniense já compreendia a diferença entre leis materiais e processuais. Além disso, era possível promover ações públicas (graphé) e privadas (diké). Dentro do processo ateniense, contudo, a retórica era peça fundamental, tanto que boa parte dos julgamentos eram construídos a partir da retórica. Nesse sentido, o julgamento por júri popular era uma das principais ferramentas decisórias, havendo um Tribunal Popular (Heliaia) onde eram realizados os julgamentos. O processo ateniense, contudo, era fundamentalmente oral. Essa característica, aliada ao uso do papiro e a forma de escrita grega limitaram a transcrição de boa parte da legislação e dos procedimentos jurídicos desse povo. Vídeo Recomendado: História do Direito - Direito Grego (Esparta e Atenas) - YouTube Vamos nos aprofundar?: História do Direito pt.6 | Grécia Antiga 1 - YouTube e História do Direito pt.6 | Grécia Antiga 2 - YouTube https://www.youtube.com/watch?v=kZ2gYc2z5U4 https://www.youtube.com/watch?v=kZ2gYc2z5U4 https://www.youtube.com/watch?v=L7YYIeSdYp0 https://www.youtube.com/watch?v=L7YYIeSdYp0 https://www.youtube.com/watch?v=OkEQQHw8cIs&t=46s https://www.youtube.com/watch?v=OkEQQHw8cIs&t=46s
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