Buscar

Nulidade no reconhecimento de pessoas e coisas - artigo 226 do CPP

Prévia do material em texto

Nulidade no reconhecimento de pessoas e coisas - artigo 226 do CPP 
 
 
 
 
I - Introdução: 
 
O reconhecimento de pessoas ou coisas é um procedimento formal que está previsto no 
artigo 226 do Código de Processo Penal e visa a auxiliar na busca da verdade real 
durante a investigação ou instrução processual penal, no sentido de reconhecer pessoas 
(possíveis autores ou partícipes do crime) e objetos (que tenham relação com o crime e 
sirvam como identificadores). 
 
O reconhecimento pode ocorrer na fase policial ou na processual, e está previsto nos 
artigos 226 e seguintes do Código de Processo Penal. 
 
O ponto principal abordado neste artigo sobre o reconhecimento é a inobservância por 
parte dos delegados e juízes da forma prevista em lei. 
 
A lei trata do reconhecimento de pessoas ou coisas como um ato formal, que deve 
respeitar um procedimento. O ponto preocupante é a forma como é realizado esse ato 
 
 
no cotidiano forense, por exemplo, em audiência, é bastante comum que o juiz peça para 
a vítima se virar de costas e reconhecer o réu, o único que está na sala algemado, ao 
nosso ver isso não é reconhecimento, pois além de não seguir os procedimentos que a 
lei prevê, ainda induz a resposta. 
 
Pois bem, o problema é o desrespeito dos operadores do direito ao procedimento 
descrito pelo CPP, e, pior, o entendimento dos Tribunais de que a inobservância do 
procedimento legal não gerava nulidade, mas se trata de mera irregularidade, 
perpetrando injustiças e condenações de inocentes, suplantando o devido processo legal, 
como se verá adiante. 
 
Contudo, graças à irresignação dos advogados, defensores públicos e ONGs como a 
“Innocence Project Brasil”, esse entendimento jurisprudencial está sendo superado pelo 
STJ, conforme será explorado em tópico subsequente. 
 
II- Conceito: 
 
Após a breve introdução do tem acima, é necessário trazer um conceito. Afinal, o que é 
o reconhecimento de pessoas e coisas? 
 
Segundo Gustavo Badaró: 
 
O reconhecimento de pessoa ou coisa é um meio de prova no qual alguém é 
chamado para descrever uma pessoa ou coisa por ele vista no passado, para 
verificar e confirmar a sua identidade perante outras pessoas ou coisas 
semelhantes às descritas. Trata-se de ato eminentemente formal, para cuja 
validade é rigorosamente necessária a observância do procedimento probatório 
previsto no art. 226 do CPP. (BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal, 8ª ed. 
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020, p. 568) 
 
Nos ensinamentos de Norberto Avena: 
 
(...) por reconhecimento de pessoas compreende-se o ato pelo qual não apenas 
vítimas ou testemunhas, mas também acusados ou investigados identificam 
terceira pessoa. Não se trata de ato informal, estabelecendo o art. 226 do CPP as 
formalidades de sua efetivação. (AVENA, Norberto. Processo Penal. 10. ed. Rio de 
 
 
Janeiro: Forense, São Paulo: MÉTODO, 2018) 
 
Em outras palavras, o reconhecimento de pessoas ou coisa é, acima de tudo, um meio 
de prova pelo qual uma pessoa afirma como certa a identidade de outra ou a qualidade 
de uma coisa (reconhece), para fins processuais penais. 
 
III – Procedimento do Reconhecimento de Pessoas e Coisas e da nulidade por sua 
inobservância 
 
Segundo previsão legal do artigo 226 do CPP, o procedimento do reconhecimento de 
pessoas/coisas possui três fases que podem ser resumidas da seguinte forma: 
 
1 – descrição da pessoa ou coisa (inciso I); 
2 – comparação da pessoa ou coisa com outras semelhantes (inciso II); 
3 – indicação da pessoa a ser reconhecida (inciso II); 
4 – em caso de receio de que a pessoa chamada a reconhecer não diga a verdade em face 
da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que a pessoa a ser 
reconhecida não veja o reconhecedor (inciso IV). 
 
Após todas essas etapas, lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela 
pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais, 
nos termos exigidos pelo artigo 226, inciso IV, do CPP. 
 
Logo, nota-se que se trata de um PROCEDIMENTO FORMAL, em que a inobservância 
procedimento fere o devido processo legal (artigo 5º, inciso LV, da CF/88) e culmina 
omissão de formalidade que constitui elemento essencial do ato, passível de nulidade, 
conforme artigo5644, inciso IV, do CPP. 
 
Nos ensinamentos de Aury Lopes Jr.: 
 
“ (...) trata-se de uma prova cuja forma de produção está estritamente definida e, 
partindo de que – em matéria processual penal – forma é garantia, não há espaços 
para informalidades judiciais” (JÚNIOR, Aury Lopes, Direito processual penal. 
2016, p. 266). 
 
 
 
O que vislumbramos na prática é reconhecimento fotográfico na delegacia de polícia, 
em que fotos do suspeito são expostas para vítimas de crimes. Em juízo, muito comum 
o reconhecimento por mero apontamento, o juiz pede para que o réu seja levado até a 
sala de audiências (vestido com roupa de detento e algemado), coloca-o diante da vítima 
e pede se é ele ou não o autor do crime. 
 
Sem dúvidas o traje de detento que o acusado está usando, o uso de algemas, e o fato de 
estar diante da vítima e do juiz, já induzem a vítima, mesmo que inconscientemente e 
sem dolo, a reconhecer aquela pessoa como sendo o autor do crime. Mesmo que paire 
na mente da vítima dúvida no reconhecimento, ela tende a reconhecer aquela pessoa 
como sendo o autor, com receio de que se expor tal dúvida ao magistrado, ele absolva 
o acusado e o crime sofrido fique impune. 
 
É inadmissível para o Estado Democrático de Direito condenar um inocente. Por isso, 
caso não seja respeitado esse procedimento, entendemos ser causa de nulidade e a prova 
(reconhecimento) não pode ser usada para fundamentar uma condenação. 
 
Nesse ínterim, cita-se um excerto da obra de Gustavo Badaró: 
 
“O reconhecimento pessoal já foi apontado como a mais falha e precária das 
provas. A principal causa de erro no reconhecimento é a semelhança entre as 
pessoas. A avaliação do valor probatório do reconhecimento envolve um fator 
essencial: o confronto entre a descrição antecipada feita e os traços físicos da 
pessoa identificada. Por isso, é necessária a estrita observância do procedimento 
probatório previsto no artigo 226 do CPP, para que o reconhecimento pessoal 
possa ser validamente valorando como prova.” (BADARÓ, Gustavo Henrique. 
Processo Penal, 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020, p. 571) 
 
Corroborando com o autor acima, tem-se o posicionamento de Guilherme Nucci: 
 
“A identificação de uma pessoa ou o reconhecimento de uma coisa por intermédio 
da visualização de uma fotografia pode não espelhar a realidade, dando margem 
a muitos equívocos e erros. Entretanto, se for essencial que assim se proceda, é 
preciso que a autoridade policial ou judicial busque seguir o disposto nos incisos 
I, II e IV, do art. 226. Torna-se mais confiável, sem nunca ser absoluta essa forma 
de reconhecimento. Em nossa avaliação, o reconhecimento fotográfico não pode 
ser considerado uma prova direta, mas sim indireta, ou seja, um mero indício.” 
 
 
(NUCCI, GUILHERME DE SOUZA. Código de Processo Penal comentado. 2016, 
p. 454) 
 
Ora, se o procedimento do artigo 226 do CPP não for respeitado, as chances de se 
incorrer em erro judicial são enormes. 
 
Isso por vários motivos, geralmente o contato entre o autor do fato e a vítima dura 
poucos minutos, a vítima está tomada por forte emoção, a evasão do criminoso ocorre 
de forma rápida, o crime pode ter ocorrido no escuro, em local de pouca iluminação, o 
criminoso poderia estar usando capacete, capuz ou máscara, o que praticamente 
impossibilita o reconhecimento facial. Ademais, outro fator que dificulta esse 
reconhecimento é o lapso temporal, com o passar dos anos a memória humana vai se 
esquecendo dos fatos com facilidade, muito provavelmente, pela morosidade judicial, a 
audiência de instrução dar-se-á meses,ou até anos, após a data do fato, o que dificulta 
a lembrança de características pessoais e individuais do criminoso a fim de reconhecê-
lo com certeza. 
 
Por todo o exposto, deve-se reconhecer a nulidade do ato de reconhecimento, caso não 
observe o procedimento legal, com fundamento no artigo 226, do CPP c.c o artigo 5º, 
inciso LV, da CF/88 c.c artigo 564, inciso IV, do CPP, sob pena dessa prova ser usada 
para perpetrar um erro judicial. 
 
IV – Antigo entendimento jurisprudencial sobre o assunto 
 
Como mencionado no tópico introdutório, os Tribunais Superiores tinham o 
entendimento pacificado de que a inobservância do procedimento legal quanto ao 
reconhecimento de pessoas não era causa de nulidade do ato, mas sim mera 
irregularidade, o que não maculava a prova e não a tornava inadmissível. Entendia-se 
que a previsão do artigo 226 do CPP é uma mera recomendação, e não uma exigência 
legal. 
 
Veja exemplo de julgado: 
 
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM 
RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ROUBO. 
 
 
RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO RATIFICADO EM JUÍZO. 
PROCEDIMENTO DO ART. 226 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP. 
RECOMENDAÇÃO LEGAL E NÃO EXIGÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL 
DESPROVIDO. 1. "Esta Corte possui entendimento pacífico no sentido de não haver 
nulidade quando o reconhecimento fotográfico realizado na fase investigatória é 
ratificado em juízo" (AgRg no HC 461.248/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, 
SEXTA TURMA, julgado em 4/12/2018, DJe 13/12/2018). 2. Ademais, "Esta Corte 
Superior de Justiça firmou o entendimento no sentido de que as disposições insculpidas 
no artigo 226 do Código de Processo Penal configuram uma recomendação legal, e não 
uma exigência, cuja inobservância não enseja a nulidade do ato. 3. Agravo regimental 
desprovido." (EDcl no AgRg no AREsp 1238085/CE, Rel. Ministro JORGE MUSSI, 
QUINTA TURMA, julgado em 21/3/2019, DJe 28/3/2019). 
 
Pois bem, esse entendimento jurisprudencial tolerava comportamentos de autoridades 
como delegados e juízes que não se davam ao trabalho de respeitar o procedimento 
legal, o que ocasionou uma ideia de dispensabilidade dos incisos do artigo 226 do CPP. 
Uma ideia de que não precisava haver a prévia descrição da pessoa a ser reconhecida, 
não precisava que fosse colocada ao lado de outras pessoas semelhantes para aí sim ser 
apontada, não precisava lavrar auto pormenorizado, ofendendo frontalmente o devido 
processo legal, princípio constitucional que é a base de nosso Estado Democrático de 
Direito. 
 
A supressão do devido processo legal no que tange à flexibilização do procedimento de 
reconhecimento de pessoas gerou um cenário de grave injustiça, com condenações de 
pessoas inocentes, que não foram autores dos crimes pelos quais cumprem pena. 
 
Daí a importância de projetos como o "Innocence Project Brasil" na luta por revisões 
criminais dessas condenações injustas (para mais informações acessem o site: 
https://www.innocencebrasil.org/) 
 
Tanto é verdade que as estatísticas mostram as mazelas oriundas dos reconhecimentos 
falhos como sendo os principais responsáveis dos erros judiciários, conforme a Notícia 
do Jornal O Globo: 
 
“A maior parte das condenações incorretas no Brasil tem problemas na fase do 
reconhecimento do suspeito, segundo os advogados da ONG. O índice global do 
reconhecimento como uma das causas que levaram ao erro judicial, nos casos em 
 
 
que o condenado era inocente, é de quase 70%, de acordo com Rafael 
Tucherman.” (link de acesso: https://g1.globo.com/sp/são-
paulo/noticia/2019/08/15/ong-que-atua-na-defesa-de-condenados-injustamente-
critica-metodo-de-reconhecimento-de-suspeitos-do-brasil.ghtml) 
 
Diante desse cenário de condenações injustas e de violação do devido processo legal, os 
advogados, defensores públicos e ONGs, como o “Innocence Project Brasil” não 
mediram esforços para mudar esse entendimento quanto ao artigo 226 do CPP e obstar 
essa onda de condenações de inocentes por reconhecimentos de pessoas falhos. 
 
V – Da mudança do entendimento jurisprudencial – nova tese do STJ sobre o art. 
226 do CPP 
 
Por todos esses motivos expostos, a jurisprudência tem mudado seu entendimento 
quanto ao assunto, coadunando-se à doutrina acima citada, de nulidade do ato de 
reconhecimento por inobservância do procedimento legalmente estabelecido, e não mais 
admitindo reconhecimentos temerários. 
 
Na presente jurisprudência do STJ foi declarada a nulidade do ato viciado e a invalidez 
da prova, por inobservância ao artigo 226 do CPP. Vejamos a ementa do HABEAS 
CORPUS Nº 598.886 - SC (2020/0179682-3), julgado por este Egrégio Superior 
Tribunal de Justiça: 
 
HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. RECONHECIMENTO 
FOTOGRÁFICO DE PESSOA REALIZADO NA FASE DO INQUÉRITO 
POLICIAL. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 226 
DO CPP. PROVA INVÁLIDA COMO FUNDAMENTO PARA A CONDENAÇÃO. 
RIGOR PROBATÓRIO. NECESSIDADE PARA EVITAR ERROS JUDICIÁRIOS. 
PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. ORDEM 
PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou 
por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o 
réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 
do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase 
judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. 2. Segundo estudos da 
Psicologia moderna, são comuns as falhas e os equívocos que podem advir da memória 
humana e da capacidade de armazenamento de informações. Isso porque a memória 
pode, ao longo do tempo, se fragmentar e, por fim, se tornar inacessível para a 
 
 
reconstrução do fato. O valor probatório do reconhecimento, portanto, possui 
considerável grau de subjetivismo, a potencializar falhas e distorções do ato e, 
consequentemente, causar erros judiciários de efeitos deletérios e muitas vezes 
irreversíveis. 3. O reconhecimento de pessoas deve, portanto, observar o procedimento 
previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem 
garantia mínima para quem se vê na condição de suspeito da prática de um crime, não 
se tratando, como se tem compreendido, de "mera recomendação" do legislador. Em 
verdade, a inobservância de tal procedimento enseja a nulidade da prova e, portanto, 
não pode servir de lastro para sua condenação, ainda que confirmado, em juízo, o ato 
realizado na fase inquisitorial, a menos que outras provas, por si mesmas, conduzam o 
magistrado a convencer-se acerca da autoria delitiva. Nada obsta, ressalve-se, que o juiz 
realize, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido 
procedimento probatório. 4. O reconhecimento de pessoa por meio fotográfico é ainda 
mais problemático, máxime quando se realiza por simples exibição ao reconhecedor de 
fotos do conjecturado suspeito extraídas de álbuns policiais ou de redes sociais, já 
previamente selecionadas pela autoridade policial. E, mesmo quando se procura seguir, 
com adaptações, o procedimento indicado no Código de Processo Penal para o 
reconhecimento presencial, não há como ignorar que o caráter estático, a qualidade da 
foto, a ausência de expressões e trejeitos corporais e a quase sempre visualização apenas 
do busto do suspeito podem comprometer a idoneidade e a confiabilidade do ato. 5. De 
todo urgente, portanto, que se adote um novo rumo na compreensão dos Tribunais 
acerca das consequências da atipicidade procedimental do ato de reconhecimento 
formal de pessoas; não se pode mais referendar a jurisprudência que afirma se tratar de 
mera recomendação do legislador, o que acaba por permitir a perpetuação desse foco 
de erros judiciários e, consequentemente, de graves injustiças. 6. É de se exigir que as 
polícias judiciárias (civis e federal) realizem sua função investigativa comprometidas 
com o absoluto respeito às formalidadesdesse meio de prova. E ao Ministério Público 
cumpre o papel de fiscalizar a correta aplicação da lei penal, por ser órgão de controle 
externo da atividade policial e por sua ínsita função de custos legis, que deflui do 
desenho constitucional de suas missões, com destaque para a “defesa da ordem jurídica, 
do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127, 
caput, da Constituição da República), bem assim da sua específica função de “zelar pelo 
efetivo respeito dos Poderes Públicos [inclusive, é claro, dos que ele próprio exerce] 
[...] promovendo as medidas necessárias a sua garantia” (art. 129, II). 7. Na espécie, o 
reconhecimento do primeiro paciente se deu por meio fotográfico e não seguiu 
minimamente o roteiro normativo previsto no Código de Processo Penal. Não houve 
prévia descrição da pessoa a ser reconhecida e não se exibiram outras fotografias de 
possíveis suspeitos; ao contrário, escolheu a autoridade policial fotos de um suspeito 
que já cometera outros crimes, mas que absolutamente nada indicava, até então, ter 
qualquer ligação com o roubo investigado. 8. Sob a égide de um processo penal 
 
 
comprometido com os direitos e os valores positivados na Constituição da República, 
busca-se uma verdade processual em que a reconstrução histórica dos fatos objeto do 
juízo se vincula a regras precisas, que assegurem às partes um maior controle sobre a 
atividade jurisdicional; uma verdade, portanto, obtida de modo "processualmente 
admissível e válido" (Figueiredo Dias). 9. O primeiro paciente foi reconhecido por 
fotografia, sem nenhuma observância do procedimento legal, e não houve nenhuma 
outra prova produzida em seu desfavor. Ademais, as falhas e as inconsistências do 
suposto reconhecimento – sua altura é de 1,95 m e todos disseram que ele teria por volta 
de 1,70 m; estavam os assaltantes com o rosto parcialmente coberto; nada relacionado 
ao crime foi encontrado em seu poder e a autoridade policial nem sequer explicou como 
teria chegado à suspeita de que poderia ser ele um dos autores do roubo – ficam mais 
evidentes com as declarações de três das vítimas em juízo, ao negarem a possibilidade 
de reconhecimento do acusado. 10. Sob tais condições, o ato de reconhecimento do 
primeiro paciente deve ser declarado absolutamente nulo, com sua consequente 
absolvição, ante a inexistência, como se deflui da sentença, de qualquer outra prova 
independente e idônea a formar o convencimento judicial sobre a autoria do crime de 
roubo que lhe foi imputado. 11. Quanto ao segundo paciente, teria, quando muito – 
conforme reconheceu o Magistrado sentenciante – emprestado o veículo usado pelos 
assaltantes para chegarem ao restaurante e fugirem do local do delito na posse dos 
objetos roubados, conduta que não pode ser tida como determinante para a prática do 
delito, até porque não se logrou demonstrar se efetivamente houve tal empréstimo do 
automóvel com a prévia ciência de seu uso ilícito por parte da dupla que cometeu o 
roubo. É de se lhe reconhecer, assim, a causa geral de diminuição de pena prevista no 
art. 29, § 1º, do Código Penal (participação de menor importância). 12. Conclusões: 1) 
O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art. 226 do 
Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem 
se encontra na condição de suspeito da prática de um crime; 2) À vista dos efeitos e dos 
riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na 
referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não 
poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento 
em juízo; 3) Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, 
desde que observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele se 
convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não guardem 
relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento; 4) O reconhecimento 
do suspeito por simples exibição de fotografia (s) ao reconhecedor, a par de dever seguir 
o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa 
antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova 
em ação penal, ainda que confirmado em juízo. 13. Ordem concedida, para: a) com 
fundamento no art. 386, VII, do CPP, absolver o paciente Vânio da Silva Gazola em 
relação à prática do delito objeto do Processo n. 0001199-22.2019.8.24.0075, da 1ª 
 
 
Vara Criminal da Comarca de Tubarão – SC, ratificada a liminar anteriormente 
deferida, para determinar a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por 
outro motivo não estiver preso; b) reconhecer a causa geral de diminuição relativa à 
participação de menor importância no tocante ao paciente Igor Tártari Felácio, aplicá-
la no patamar de 1/6 e, por conseguinte, reduzir a sua reprimenda para 4 anos, 5 meses 
e 9 dias de reclusão e pagamento de 10 dias-multa. Dê-se ciência da decisão aos 
Presidentes dos Tribunais de Justiça dos Estados e aos Presidentes dos Tribunais 
Regionais Federais, bem como ao Ministro da Justiça e Segurança Pública e aos 
Governadores dos Estados e do Distrito Federal, encarecendo a estes últimos que façam 
conhecer da decisão os responsáveis por cada unidade policial de investigação. (STJ - 
HABEAS CORPUS Nº 598.886 - SC (2020/0179682-3); 6ª Turma; Relator: 
MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ; Data de Julgamento: 27/10/2020) 
 
Esse entendimento firmado pelo Ilustre Ministro Rogério Schietti Cruz é o mais 
acertado em nossa opinião, está em consonância com o lecionado pelos mais célebres 
autores processualistas, e deve prevalecer, no sentido de que a inobservância do 
procedimento previsto no artigo 226 do CPP torna a prova inválida como fundamento 
para a condenação, enaltecendo a necessidade de respeito ao devido processo legal, e a 
um maior rigor probatório que se faz necessário para evitar ou, ao menos minimizar, a 
ocorrência de erros judiciários. 
 
VI – Conclusão 
 
Portanto, o presente artigo trouxe uma breve introdução sobre a problemática abordada, 
após, debruçou-se em conceituar reconhecimento de pessoas e coisas, citando alguns 
conceitos doutrinários. Explicou-se ainda quais as etapas do procedimento do artigo 226 
do CPP, bem como a importância de seguir rigorosamente tal procedimento formal para 
evitar reconhecimentos de pessoas arbitrários. No mais, trouxe-se o antigo entendimento 
jurisprudencial sobre o assunto em contradição ao atual entendimento firmado pelo STJ 
de que a inobservância do procedimento previsto no artigo 226 do CPP torna a prova 
inválida como fundamento para a condenação, entendimento esse o qual coadunamos. 
 
Natalia Cola de Paula 
 
Referências Bibliográficas: 
 
 
 
BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal, 8ª ed. São Paulo: Revista dos 
Tribunais, 2020 
AVENA, Norberto. Processo Penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: 
MÉTODO, 2018 
JÚNIOR, Aury Lopes, Direito processual penal. 2016 
NUCCI, GUILHERME DE SOUZA. Código de Processo Penal comentado. 2016 
https://g1.globo.com/sp/são-paulo/noticia/2019/08/15/ong-que-atua-na-defesa-de-
condenados-injustamente-critica-metodo-de-reconhecimento-de-suspeitos-do-
brasil.ghtml)

Continue navegando