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Nulidade no reconhecimento de pessoas e coisas - artigo 226 do CPP I - Introdução: O reconhecimento de pessoas ou coisas é um procedimento formal que está previsto no artigo 226 do Código de Processo Penal e visa a auxiliar na busca da verdade real durante a investigação ou instrução processual penal, no sentido de reconhecer pessoas (possíveis autores ou partícipes do crime) e objetos (que tenham relação com o crime e sirvam como identificadores). O reconhecimento pode ocorrer na fase policial ou na processual, e está previsto nos artigos 226 e seguintes do Código de Processo Penal. O ponto principal abordado neste artigo sobre o reconhecimento é a inobservância por parte dos delegados e juízes da forma prevista em lei. A lei trata do reconhecimento de pessoas ou coisas como um ato formal, que deve respeitar um procedimento. O ponto preocupante é a forma como é realizado esse ato no cotidiano forense, por exemplo, em audiência, é bastante comum que o juiz peça para a vítima se virar de costas e reconhecer o réu, o único que está na sala algemado, ao nosso ver isso não é reconhecimento, pois além de não seguir os procedimentos que a lei prevê, ainda induz a resposta. Pois bem, o problema é o desrespeito dos operadores do direito ao procedimento descrito pelo CPP, e, pior, o entendimento dos Tribunais de que a inobservância do procedimento legal não gerava nulidade, mas se trata de mera irregularidade, perpetrando injustiças e condenações de inocentes, suplantando o devido processo legal, como se verá adiante. Contudo, graças à irresignação dos advogados, defensores públicos e ONGs como a “Innocence Project Brasil”, esse entendimento jurisprudencial está sendo superado pelo STJ, conforme será explorado em tópico subsequente. II- Conceito: Após a breve introdução do tem acima, é necessário trazer um conceito. Afinal, o que é o reconhecimento de pessoas e coisas? Segundo Gustavo Badaró: O reconhecimento de pessoa ou coisa é um meio de prova no qual alguém é chamado para descrever uma pessoa ou coisa por ele vista no passado, para verificar e confirmar a sua identidade perante outras pessoas ou coisas semelhantes às descritas. Trata-se de ato eminentemente formal, para cuja validade é rigorosamente necessária a observância do procedimento probatório previsto no art. 226 do CPP. (BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal, 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020, p. 568) Nos ensinamentos de Norberto Avena: (...) por reconhecimento de pessoas compreende-se o ato pelo qual não apenas vítimas ou testemunhas, mas também acusados ou investigados identificam terceira pessoa. Não se trata de ato informal, estabelecendo o art. 226 do CPP as formalidades de sua efetivação. (AVENA, Norberto. Processo Penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: MÉTODO, 2018) Em outras palavras, o reconhecimento de pessoas ou coisa é, acima de tudo, um meio de prova pelo qual uma pessoa afirma como certa a identidade de outra ou a qualidade de uma coisa (reconhece), para fins processuais penais. III – Procedimento do Reconhecimento de Pessoas e Coisas e da nulidade por sua inobservância Segundo previsão legal do artigo 226 do CPP, o procedimento do reconhecimento de pessoas/coisas possui três fases que podem ser resumidas da seguinte forma: 1 – descrição da pessoa ou coisa (inciso I); 2 – comparação da pessoa ou coisa com outras semelhantes (inciso II); 3 – indicação da pessoa a ser reconhecida (inciso II); 4 – em caso de receio de que a pessoa chamada a reconhecer não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que a pessoa a ser reconhecida não veja o reconhecedor (inciso IV). Após todas essas etapas, lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais, nos termos exigidos pelo artigo 226, inciso IV, do CPP. Logo, nota-se que se trata de um PROCEDIMENTO FORMAL, em que a inobservância procedimento fere o devido processo legal (artigo 5º, inciso LV, da CF/88) e culmina omissão de formalidade que constitui elemento essencial do ato, passível de nulidade, conforme artigo5644, inciso IV, do CPP. Nos ensinamentos de Aury Lopes Jr.: “ (...) trata-se de uma prova cuja forma de produção está estritamente definida e, partindo de que – em matéria processual penal – forma é garantia, não há espaços para informalidades judiciais” (JÚNIOR, Aury Lopes, Direito processual penal. 2016, p. 266). O que vislumbramos na prática é reconhecimento fotográfico na delegacia de polícia, em que fotos do suspeito são expostas para vítimas de crimes. Em juízo, muito comum o reconhecimento por mero apontamento, o juiz pede para que o réu seja levado até a sala de audiências (vestido com roupa de detento e algemado), coloca-o diante da vítima e pede se é ele ou não o autor do crime. Sem dúvidas o traje de detento que o acusado está usando, o uso de algemas, e o fato de estar diante da vítima e do juiz, já induzem a vítima, mesmo que inconscientemente e sem dolo, a reconhecer aquela pessoa como sendo o autor do crime. Mesmo que paire na mente da vítima dúvida no reconhecimento, ela tende a reconhecer aquela pessoa como sendo o autor, com receio de que se expor tal dúvida ao magistrado, ele absolva o acusado e o crime sofrido fique impune. É inadmissível para o Estado Democrático de Direito condenar um inocente. Por isso, caso não seja respeitado esse procedimento, entendemos ser causa de nulidade e a prova (reconhecimento) não pode ser usada para fundamentar uma condenação. Nesse ínterim, cita-se um excerto da obra de Gustavo Badaró: “O reconhecimento pessoal já foi apontado como a mais falha e precária das provas. A principal causa de erro no reconhecimento é a semelhança entre as pessoas. A avaliação do valor probatório do reconhecimento envolve um fator essencial: o confronto entre a descrição antecipada feita e os traços físicos da pessoa identificada. Por isso, é necessária a estrita observância do procedimento probatório previsto no artigo 226 do CPP, para que o reconhecimento pessoal possa ser validamente valorando como prova.” (BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal, 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020, p. 571) Corroborando com o autor acima, tem-se o posicionamento de Guilherme Nucci: “A identificação de uma pessoa ou o reconhecimento de uma coisa por intermédio da visualização de uma fotografia pode não espelhar a realidade, dando margem a muitos equívocos e erros. Entretanto, se for essencial que assim se proceda, é preciso que a autoridade policial ou judicial busque seguir o disposto nos incisos I, II e IV, do art. 226. Torna-se mais confiável, sem nunca ser absoluta essa forma de reconhecimento. Em nossa avaliação, o reconhecimento fotográfico não pode ser considerado uma prova direta, mas sim indireta, ou seja, um mero indício.” (NUCCI, GUILHERME DE SOUZA. Código de Processo Penal comentado. 2016, p. 454) Ora, se o procedimento do artigo 226 do CPP não for respeitado, as chances de se incorrer em erro judicial são enormes. Isso por vários motivos, geralmente o contato entre o autor do fato e a vítima dura poucos minutos, a vítima está tomada por forte emoção, a evasão do criminoso ocorre de forma rápida, o crime pode ter ocorrido no escuro, em local de pouca iluminação, o criminoso poderia estar usando capacete, capuz ou máscara, o que praticamente impossibilita o reconhecimento facial. Ademais, outro fator que dificulta esse reconhecimento é o lapso temporal, com o passar dos anos a memória humana vai se esquecendo dos fatos com facilidade, muito provavelmente, pela morosidade judicial, a audiência de instrução dar-se-á meses,ou até anos, após a data do fato, o que dificulta a lembrança de características pessoais e individuais do criminoso a fim de reconhecê- lo com certeza. Por todo o exposto, deve-se reconhecer a nulidade do ato de reconhecimento, caso não observe o procedimento legal, com fundamento no artigo 226, do CPP c.c o artigo 5º, inciso LV, da CF/88 c.c artigo 564, inciso IV, do CPP, sob pena dessa prova ser usada para perpetrar um erro judicial. IV – Antigo entendimento jurisprudencial sobre o assunto Como mencionado no tópico introdutório, os Tribunais Superiores tinham o entendimento pacificado de que a inobservância do procedimento legal quanto ao reconhecimento de pessoas não era causa de nulidade do ato, mas sim mera irregularidade, o que não maculava a prova e não a tornava inadmissível. Entendia-se que a previsão do artigo 226 do CPP é uma mera recomendação, e não uma exigência legal. Veja exemplo de julgado: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ROUBO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO RATIFICADO EM JUÍZO. PROCEDIMENTO DO ART. 226 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - CPP. RECOMENDAÇÃO LEGAL E NÃO EXIGÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. "Esta Corte possui entendimento pacífico no sentido de não haver nulidade quando o reconhecimento fotográfico realizado na fase investigatória é ratificado em juízo" (AgRg no HC 461.248/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 4/12/2018, DJe 13/12/2018). 2. Ademais, "Esta Corte Superior de Justiça firmou o entendimento no sentido de que as disposições insculpidas no artigo 226 do Código de Processo Penal configuram uma recomendação legal, e não uma exigência, cuja inobservância não enseja a nulidade do ato. 3. Agravo regimental desprovido." (EDcl no AgRg no AREsp 1238085/CE, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 21/3/2019, DJe 28/3/2019). Pois bem, esse entendimento jurisprudencial tolerava comportamentos de autoridades como delegados e juízes que não se davam ao trabalho de respeitar o procedimento legal, o que ocasionou uma ideia de dispensabilidade dos incisos do artigo 226 do CPP. Uma ideia de que não precisava haver a prévia descrição da pessoa a ser reconhecida, não precisava que fosse colocada ao lado de outras pessoas semelhantes para aí sim ser apontada, não precisava lavrar auto pormenorizado, ofendendo frontalmente o devido processo legal, princípio constitucional que é a base de nosso Estado Democrático de Direito. A supressão do devido processo legal no que tange à flexibilização do procedimento de reconhecimento de pessoas gerou um cenário de grave injustiça, com condenações de pessoas inocentes, que não foram autores dos crimes pelos quais cumprem pena. Daí a importância de projetos como o "Innocence Project Brasil" na luta por revisões criminais dessas condenações injustas (para mais informações acessem o site: https://www.innocencebrasil.org/) Tanto é verdade que as estatísticas mostram as mazelas oriundas dos reconhecimentos falhos como sendo os principais responsáveis dos erros judiciários, conforme a Notícia do Jornal O Globo: “A maior parte das condenações incorretas no Brasil tem problemas na fase do reconhecimento do suspeito, segundo os advogados da ONG. O índice global do reconhecimento como uma das causas que levaram ao erro judicial, nos casos em que o condenado era inocente, é de quase 70%, de acordo com Rafael Tucherman.” (link de acesso: https://g1.globo.com/sp/são- paulo/noticia/2019/08/15/ong-que-atua-na-defesa-de-condenados-injustamente- critica-metodo-de-reconhecimento-de-suspeitos-do-brasil.ghtml) Diante desse cenário de condenações injustas e de violação do devido processo legal, os advogados, defensores públicos e ONGs, como o “Innocence Project Brasil” não mediram esforços para mudar esse entendimento quanto ao artigo 226 do CPP e obstar essa onda de condenações de inocentes por reconhecimentos de pessoas falhos. V – Da mudança do entendimento jurisprudencial – nova tese do STJ sobre o art. 226 do CPP Por todos esses motivos expostos, a jurisprudência tem mudado seu entendimento quanto ao assunto, coadunando-se à doutrina acima citada, de nulidade do ato de reconhecimento por inobservância do procedimento legalmente estabelecido, e não mais admitindo reconhecimentos temerários. Na presente jurisprudência do STJ foi declarada a nulidade do ato viciado e a invalidez da prova, por inobservância ao artigo 226 do CPP. Vejamos a ementa do HABEAS CORPUS Nº 598.886 - SC (2020/0179682-3), julgado por este Egrégio Superior Tribunal de Justiça: HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO DE PESSOA REALIZADO NA FASE DO INQUÉRITO POLICIAL. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 226 DO CPP. PROVA INVÁLIDA COMO FUNDAMENTO PARA A CONDENAÇÃO. RIGOR PROBATÓRIO. NECESSIDADE PARA EVITAR ERROS JUDICIÁRIOS. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. 2. Segundo estudos da Psicologia moderna, são comuns as falhas e os equívocos que podem advir da memória humana e da capacidade de armazenamento de informações. Isso porque a memória pode, ao longo do tempo, se fragmentar e, por fim, se tornar inacessível para a reconstrução do fato. O valor probatório do reconhecimento, portanto, possui considerável grau de subjetivismo, a potencializar falhas e distorções do ato e, consequentemente, causar erros judiciários de efeitos deletérios e muitas vezes irreversíveis. 3. O reconhecimento de pessoas deve, portanto, observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se vê na condição de suspeito da prática de um crime, não se tratando, como se tem compreendido, de "mera recomendação" do legislador. Em verdade, a inobservância de tal procedimento enseja a nulidade da prova e, portanto, não pode servir de lastro para sua condenação, ainda que confirmado, em juízo, o ato realizado na fase inquisitorial, a menos que outras provas, por si mesmas, conduzam o magistrado a convencer-se acerca da autoria delitiva. Nada obsta, ressalve-se, que o juiz realize, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório. 4. O reconhecimento de pessoa por meio fotográfico é ainda mais problemático, máxime quando se realiza por simples exibição ao reconhecedor de fotos do conjecturado suspeito extraídas de álbuns policiais ou de redes sociais, já previamente selecionadas pela autoridade policial. E, mesmo quando se procura seguir, com adaptações, o procedimento indicado no Código de Processo Penal para o reconhecimento presencial, não há como ignorar que o caráter estático, a qualidade da foto, a ausência de expressões e trejeitos corporais e a quase sempre visualização apenas do busto do suspeito podem comprometer a idoneidade e a confiabilidade do ato. 5. De todo urgente, portanto, que se adote um novo rumo na compreensão dos Tribunais acerca das consequências da atipicidade procedimental do ato de reconhecimento formal de pessoas; não se pode mais referendar a jurisprudência que afirma se tratar de mera recomendação do legislador, o que acaba por permitir a perpetuação desse foco de erros judiciários e, consequentemente, de graves injustiças. 6. É de se exigir que as polícias judiciárias (civis e federal) realizem sua função investigativa comprometidas com o absoluto respeito às formalidadesdesse meio de prova. E ao Ministério Público cumpre o papel de fiscalizar a correta aplicação da lei penal, por ser órgão de controle externo da atividade policial e por sua ínsita função de custos legis, que deflui do desenho constitucional de suas missões, com destaque para a “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127, caput, da Constituição da República), bem assim da sua específica função de “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos [inclusive, é claro, dos que ele próprio exerce] [...] promovendo as medidas necessárias a sua garantia” (art. 129, II). 7. Na espécie, o reconhecimento do primeiro paciente se deu por meio fotográfico e não seguiu minimamente o roteiro normativo previsto no Código de Processo Penal. Não houve prévia descrição da pessoa a ser reconhecida e não se exibiram outras fotografias de possíveis suspeitos; ao contrário, escolheu a autoridade policial fotos de um suspeito que já cometera outros crimes, mas que absolutamente nada indicava, até então, ter qualquer ligação com o roubo investigado. 8. Sob a égide de um processo penal comprometido com os direitos e os valores positivados na Constituição da República, busca-se uma verdade processual em que a reconstrução histórica dos fatos objeto do juízo se vincula a regras precisas, que assegurem às partes um maior controle sobre a atividade jurisdicional; uma verdade, portanto, obtida de modo "processualmente admissível e válido" (Figueiredo Dias). 9. O primeiro paciente foi reconhecido por fotografia, sem nenhuma observância do procedimento legal, e não houve nenhuma outra prova produzida em seu desfavor. Ademais, as falhas e as inconsistências do suposto reconhecimento – sua altura é de 1,95 m e todos disseram que ele teria por volta de 1,70 m; estavam os assaltantes com o rosto parcialmente coberto; nada relacionado ao crime foi encontrado em seu poder e a autoridade policial nem sequer explicou como teria chegado à suspeita de que poderia ser ele um dos autores do roubo – ficam mais evidentes com as declarações de três das vítimas em juízo, ao negarem a possibilidade de reconhecimento do acusado. 10. Sob tais condições, o ato de reconhecimento do primeiro paciente deve ser declarado absolutamente nulo, com sua consequente absolvição, ante a inexistência, como se deflui da sentença, de qualquer outra prova independente e idônea a formar o convencimento judicial sobre a autoria do crime de roubo que lhe foi imputado. 11. Quanto ao segundo paciente, teria, quando muito – conforme reconheceu o Magistrado sentenciante – emprestado o veículo usado pelos assaltantes para chegarem ao restaurante e fugirem do local do delito na posse dos objetos roubados, conduta que não pode ser tida como determinante para a prática do delito, até porque não se logrou demonstrar se efetivamente houve tal empréstimo do automóvel com a prévia ciência de seu uso ilícito por parte da dupla que cometeu o roubo. É de se lhe reconhecer, assim, a causa geral de diminuição de pena prevista no art. 29, § 1º, do Código Penal (participação de menor importância). 12. Conclusões: 1) O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime; 2) À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo; 3) Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele se convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento; 4) O reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia (s) ao reconhecedor, a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo. 13. Ordem concedida, para: a) com fundamento no art. 386, VII, do CPP, absolver o paciente Vânio da Silva Gazola em relação à prática do delito objeto do Processo n. 0001199-22.2019.8.24.0075, da 1ª Vara Criminal da Comarca de Tubarão – SC, ratificada a liminar anteriormente deferida, para determinar a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso; b) reconhecer a causa geral de diminuição relativa à participação de menor importância no tocante ao paciente Igor Tártari Felácio, aplicá- la no patamar de 1/6 e, por conseguinte, reduzir a sua reprimenda para 4 anos, 5 meses e 9 dias de reclusão e pagamento de 10 dias-multa. Dê-se ciência da decisão aos Presidentes dos Tribunais de Justiça dos Estados e aos Presidentes dos Tribunais Regionais Federais, bem como ao Ministro da Justiça e Segurança Pública e aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal, encarecendo a estes últimos que façam conhecer da decisão os responsáveis por cada unidade policial de investigação. (STJ - HABEAS CORPUS Nº 598.886 - SC (2020/0179682-3); 6ª Turma; Relator: MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ; Data de Julgamento: 27/10/2020) Esse entendimento firmado pelo Ilustre Ministro Rogério Schietti Cruz é o mais acertado em nossa opinião, está em consonância com o lecionado pelos mais célebres autores processualistas, e deve prevalecer, no sentido de que a inobservância do procedimento previsto no artigo 226 do CPP torna a prova inválida como fundamento para a condenação, enaltecendo a necessidade de respeito ao devido processo legal, e a um maior rigor probatório que se faz necessário para evitar ou, ao menos minimizar, a ocorrência de erros judiciários. VI – Conclusão Portanto, o presente artigo trouxe uma breve introdução sobre a problemática abordada, após, debruçou-se em conceituar reconhecimento de pessoas e coisas, citando alguns conceitos doutrinários. Explicou-se ainda quais as etapas do procedimento do artigo 226 do CPP, bem como a importância de seguir rigorosamente tal procedimento formal para evitar reconhecimentos de pessoas arbitrários. No mais, trouxe-se o antigo entendimento jurisprudencial sobre o assunto em contradição ao atual entendimento firmado pelo STJ de que a inobservância do procedimento previsto no artigo 226 do CPP torna a prova inválida como fundamento para a condenação, entendimento esse o qual coadunamos. Natalia Cola de Paula Referências Bibliográficas: BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal, 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020 AVENA, Norberto. Processo Penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: MÉTODO, 2018 JÚNIOR, Aury Lopes, Direito processual penal. 2016 NUCCI, GUILHERME DE SOUZA. Código de Processo Penal comentado. 2016 https://g1.globo.com/sp/são-paulo/noticia/2019/08/15/ong-que-atua-na-defesa-de- condenados-injustamente-critica-metodo-de-reconhecimento-de-suspeitos-do- brasil.ghtml)
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