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autores IGOR FREIRE DE VETYEMY FRANCISCO PALMEIRA DE LUCENA 1ª edição SESES rio de janeiro 2017 HISTÓRIA DA ARTE E ARQUITETURA IV Conselho editorial roberto paes e luciana varga Autores do original igor freire de vetyemy e francisco palmeira de lucena Projeto editorial roberto paes Coordenação de produção luciana varga, paula r. de a. machado e aline karina rabello Projeto gráfico paulo vitor bastos Diagramação bfs media Revisão linguística bfs media Revisão de conteúdo igor freire de vetyemy e francisco palmeira de lucena Imagem de capa sam strickler | shutterstock.com Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2017. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) V591h Vetyemy, Igor Freire de História da arte e da arquitetura IV. / Igor Freire de Vetyemy; Francisco Palmeira de Lucena. Rio de Janeiro: SESES, 2017. 184 p: il. isbn: 978-85-5548-447-6 1. Modernismo. 2. Pós-modernismo. 3. Contemporaneidade. 4. Arquitetura. 5. Arte. I. Lucena, Francisco Palmeira de. II. SESES. III. Estácio. cdd 720 Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063 Sumário Prefácio 7 1. Depois da Revolução Industrial – O nascimento do movimento moderno 11 Contexto, causas e condições para o estabelecimento do movimento moderno 13 A Revolução Industrial 13 O Iluminismo 14 A Revolução Francesa e a crise no campo da arte e da arquitetura 14 Exposições universais: novas tecnologias e novas possibilidades 15 Vanguardas artísticas e o Protomodernismo 17 Art Nouveau e Art Déco 17 Escola de Glasgow e Secessão de Viena 20 Escola de Chicago, “Ornamento e Crime” e o Neoplasticismo 20 Consolidação do movimento moderno 24 A fundação da Bauhaus 24 Política e sociedade: arte e arquitetura como atividades subversivas 25 Menos é mais: Mies van der Rohe, as casas pátio e o super-homem de Nietzsche 26 CIAM – Congressos Internacionais da Arquitetura Moderna 29 Le Corbusier, seus cinco pontos e a máquina de morar 30 Philip Johnson e o International Style 33 2. Tupi or not Tupi – Modernismo à brasileira 37 Contexto e condições para o estabelecimento do Modernismo no Brasil 39 O Brasil da virada do século 39 Semana de Arte Moderna de 1922 40 Olhar estrangeiro e sangue mestiço 42 A chegada da Arquitetura Moderna no país 43 Gregori Warchavchik e a importação do vocabulário moderno 43 Lúcio Costa e a busca de uma identidade nacional 46 As visitas inspiradoras de Le Corbusier e Frank Lloyd Wright 47 Palácio Gustavo Capanema: Brasil como paradigma da boa arquitetura 50 Consolidação e auge da Arquitetura Moderna no Brasil 55 A Escola Carioca, Afonso Eduardo Reidy e os Irmãos Roberto 55 Vilanova Artigas, a Escola Paulista e Lina Bo Bardi 59 Oscar Niemeyer, o poeta do concreto armado 67 Consolidação, internacionalização e legado da obra de Niemeyer 73 3. Revisão do Modernismo 83 Preâmbulo crítico à arquitetura moderna 85 Tradição e monumentalidade na obra de Louis Kahn 85 Team X e a revisão do movimento moderno 89 Jane Jacobs: diversidade e a crítica ao urbanismo moderno 92 Perspectivas contemporâneas 96 História e formalismo: o moderno sob a óptica de Tafuri, Rossi e Rowe 96 Utopias hodiernas: Archigram e o metabolismo japonês 104 Eisenman e o pós-funcionalismo na arquitetura 110 4. Pós-Modernismo 115 A condição pós-moderna 117 A propaganda, a comunicação e os limites da arte 123 Arte Pop 123 Andy Warhol 126 Linguagem arquitetônica 131 Rossi e Venturi: Contingências da linguagem arquitetônica 131 O novo ecletismo na arquitetura 133 Minimalismo e Pós-Minimalismo: literalidade e contexto na obra de arte 138 5. Contemporaneidade na arte e arquitetura 147 Arte e Arquitetura Conceitual 149 Arte Conceitual 149 Arquitetura conceitual 153 Desconstrutivismo 165 Desconstrução em Eisenman 170 7 Prefácio Prezados(as) alunos(as), O mito da modernidade Creio que a tônica para pensar a relação complexa entre Arte, História e Arquitetura neste livro é sem dúvida sobre a palavra modernidade, ou melhor, uma correção sobre o marco temporal modernidade, ou seria melhor dizer, sobre o conceito modernida- de. Continuo na dúvida... A brincadeira serve para pensarmos o quanto este termo é corriqueiro, comum, de definição tão simples, mas absolutamente complexo de en- tendimento. Moderno em qualquer dicionário aparece como sinônimo de “novo.” E esta pequena apresentação trata sobre a busca desse novo, conceitual, definitivo e necessariamente perene na nossa forma de compreensão da sociedade. A modernidade representa contextualmente a inauguração de uma ideia de rompimento, normalmente associada à superação de algo que fora considerado ultrapassado. Na prática ela é perfeitamente contraditória na sua compreensão. Afirmo isso pois áreas diferentes enxergam em momentos diferentes da história o que seria o momento de sua modernidade. Historiadores, por exemplo, reconhecem no termo um marco histórico-didá- tico tradicional estabelecido na transição entre o século XV e XVI e que inaugura a concepção de uma ruptura das estruturas feudo-vassálicas e a implementação de uma estrutura política conhecida como Antigo Regime, ou as chamadas monar- quias absolutas, que de absolutas não tinham nada. É interessante notar que esse marco que estudamos com tanto afinco ainda nos bancos escolares se encontra para lá de superado. Que as estruturas não se modificam da maneira como são normalmente propaladas, e muito, mas muito das características do que seria a Europa medieval permanecem vivas inclusive nos novos modelos coloniais. O conceito de modernidade não foi construído pelos seus contemporâneos; assim como todo marco histórico, é uma construção posterior, gestada em um mo- vimento filosófico-intelectual europeu que ficou conhecido como Iluminismo. Este movimento pretendia explicar, dar sentido a todo universo. Em especial demonstrar que o homem com seu intelecto poderia tudo estruturar, explicar e quem sabe con- trolar. No que tange ao tempo, inventaram a própria linha histórico-temporal, uma vez que balizam o tempo a partir de seus referenciais escolhidos. É dessa forma que o início da história da humanidade passa a ser creditada a sumérios, e sociedades gre- co-romanas passam a ser entendidas como o auge do homem, antes de seu período de atraso, de meio, de trevas, na visão deles, conhecido com o provocativo nome de Idade Média. Como fugir desse atraso? Recuperar as relações políticas, sociais, mas 8 • capítulo principalmente artísticas e arquitetônicas, dando a ideia de que o novo recuperava, de forma melhorada, aquilo que o mundo havia esquecido. Contra o atraso, a mo- dernidade era constituída como a solução definitiva da humanidade, uma vez que trazia de volta gregos e romanos, repaginados, com novas técnicas. Tudo bem que esse era um novo muito velho, em que as sociedades do século XVI-XVIII, período conhecido por Era Moderna na história, tinha um discur- so que se legitimava no passado, em uma retomada do mundo conhecido como clássico, mas superando-o. A razão afinal havia chegado, o cogito de Descartes anunciava, “penso logo existo.” Tudo emana da capacidade inventiva do homem. Somos bons, somos maus, como viver em sociedade, qual o papel do governo, e o mundo todo passa a ser ensinado, treinado, para ser Europa. Outras tradições? Outras culturas? Civilização deriva da“romanidade” e só pode ser representada pelos seus dignos sucessores, posso ser negro, índio ou de qualquer etnia, desde que saiba que o ideal é ser europeu. O mundo, seja onde for, se quisesse passar como finalmente crescendo, melhorando, experimentando os ideais do que era entendido como berço da civilização, deve, no mínimo imitá-la. O neoclássico e suas manifestações ecléticas se multiplicam, se repetem em qualquer capital; o olhar era o mesmo, o sentido era o mesmo, a modernidade histórica era europeia. Caem os reis, que venha o capital e as indústrias e o moderno passa ser a cidade e a tecnologia. O governo monárquico passa a ser chamado de velho, Antigo Regime, e a República era o futuro, o progresso. O século XIX ainda acreditava plenamente na capacidade racional do homem para conduzi-lo à modernidade. A Revolução Francesa inaugura o que os historiadores chamam de Era Contemporânea, mas na prática, a busca, a discussão era ainda a mesma: a modernidade. Os caminhosdos positivistas explicavam, demonstravam, precisamos de ordem para alcançar o pro- gresso. O modelo era indiscutível, tentar de todas as formas copiar a Europa. Se a Inglaterra crescia com suas indústrias, a França apaixonava o mundo com sua belle époque. Na segunda metade do século XIX as grandes cidades do mundo sonhavam em ser Paris, era sua chance de ser novo, agora definitivo, eterno. O sonho das novas repúblicas, como a jovem República dos Estados Unidos do Brasil, era tornar suas cidades uma definitiva reedição da França. De Barata Ribeiro, passando por Pereira Passos e Carlos Sampaio, o modelo pensado para o Rio de Janeiro era copiar essa França da segunda metade do XIX, os trajes caucasianos em meio ao calor tropical, eram um detalhe menor. O mesmo ocorre em Florianópolis, São Paulo, na criação de Belo Horizonte e Salvador, essas cidades sonham em ser a nova França. Ruas largas, passeios públicos, teatros e novas construções, principal- mente nova e grandiosas construções. As formas consagradas eram substituídas por novas linhas artísticas gestadas nas academias europeias, como o Art Nouveau, a arte nova que inovava nas formas, aparecia em uma nova estrutura de glamour que capítulo • 9 passava a ser experimentada como marco da nova arquitetura das cidades, claro, sem esquecer nosso imenso potencial de misturar elementos. Nos anos de 1920, a busca de inovar trouxe ao Brasil o Art Déco. Era a fase do concreto armado e da ampliação das discussões sobre qual é a identidade do brasi- leiro. Nessa busca, nosso Déco ganhou formas marajoaras, estruturas peculiares que davam a indicação do que passará a ser nossa busca. Era o nosso novo surgindo, a ideia de que uma inovação poderia partir de nossa própria forma de olhar o mundo. Voltamos ao mundo. Afinal, no início do século XX o mundo estava pronto, porém para se destruir. A ideia era que em nome do controle do mundo a luta cons- tante era a busca. Valia tudo, usaremos a arte, a arquitetura, as armas e principal- mente o capital. O que vale é dominar o mundo. A modernidade torna-se uma peça icônica, era a busca e o fim, um elemento estruturante poderoso em um mundo que pretendia usar o passado para legitimá-lo ao construir o novo. Sempre minha nação, minha cultura, representando tudo e a cultura do outro, só poderiam ser as marcas do atraso, logo devem ser extirpadas do mundo. Essa realidade leva o mundo a perceber a necessidade de uma nova modernidade, afinal cada uma das grandes nações em disputa tinham que erigir de maneira mais clara e mais gigantesca o seu poder. O novo chegava a reboque de uma disputa de nações, pois junto com as ar- mas e o desenvolvimento de marcas próprias de arquitetura eram fundamentais. Seja Alemanha, Espanha, Inglaterra ou suas cópias espalhadas pelo mundo, mas com algo novo, já que a modernidade exige a formação de novas identidades nacionais. Problema? Mas e nós? Qual a nossa identidade? Afinal nós éramos portugue- ses, sonhamos em ser ingleses, mas rapidamente lutamos, construímos um ideal: convencer o mundo que nós éramos franceses. E agora? A década de vinte viu São Paulo propor uma nova brasilidade, uma revolução nas artes, na cultura; vamos assumir nossa antropofagia ritual tupi, assumir que guardamos uma parte da alma de todos os nossos algozes para nos sentirmos mais fortes, além de um profundo sinal de respeito à nossa multiplicidade. Era o Brasil da década de 1930, da che- gada de Vargas ao poder, da ode ao concreto armado e dos grandes prédios. Nossa crise de identidade resolvida? Nem perto disso. De modismos e planos, realizados pela metade, construímos, pensamos, estruturamos um novo jeito de pensar nossa cultura, nossa arte, nossa identidade e isso se refletiu na arquitetura. O mundo e o Brasil respiravam novamente a modernidade. O motivo? O mes- mo de sempre, a necessidade de negar um passado que me incomoda. O mundo, passa pela Segunda Guerra sem desacelerar, sem deixar de ter como busca um cami- nho que marcasse sua diferença, sua face alternativa, enquanto o velho, travestido de novo, lutava, o moderno, tentando provar sua jovialidade, apesar do desgaste do termo, se atrevia a pensar o Novo Mundo em um Velho Mundo depressivo. 10 • capítulo Afinal não eram poucas as mudanças. Velhas ideologias caíram por terra, as novas emergiram em um mundo dividido entre o capitalismo e o comunismo. A propaganda se espalhou pelas novas cidades, que explodiam de gente, o mundo tornava-se mais urbano, mais apinhado, mais sujo, mais sem sentido. O espaço precisa ser repensado, reocupado, realocado. Arte e arquitetura não eram feitas apenas para servir, mas principalmente para afirmar novos símbolos de poder, e não quiseram mais aceitar esse papel. Era necessário repensar o conforto do ho- mem, para que ele tivesse direito à sua individualidade e à sua terra, que estava serpenteada de ruelas. As torres da nova solução, o conforto, a coletividade recu- perada. E junto nossa identidade, curvas, desenhos, em busca de um novo Brasil. Não ia ter jeito. De tanta modernidade, repetida e repetida, uma hora ela definiti- vamente iria cair em desgraça, em desuso. A virada linguística veio provocar o mundo a notar seu diálogo de surdos. As soluções de todas as formas se tornaram patéticas. O culpado não poderia ser outro, só poderia ser ela, a modernidade. Sonhamos tanto, mas tanto com o novo, que surge a necessidade de superá-lo. Sem mais olhares ilumi- nistas, sem mais linhas conceituais, o mundo de novos discursos, das individualidades, das percepções que fluem e se dissolvem no ar. Como chamar, como pensar esse novo mundo? Só uma alcunha o atenderia em plenitude: pós-modernidade. A noção do não ter absoluta noção onde se encontra, mas uma profunda certeza de não se estar mais onde se pretendeu estar para eternidade. O moderno envelheceu, mas até sua supera- ção, ou reflexão sobre ela não resistiu a trazer a modernidade à sua reflexão. Filosofia meus caros, filosofia. Nossas discussões neste texto são uma chamada a filosofar sobre o tempo, a arte e a arquitetura. Esse texto nada mais é do que uma provocação. Uma proposital provocação. Essa é a busca da educação na sociedade da informação. Os professores, os livros, o contexto educacional não servem, já há longo tempo, para serem processos puramente informativos. O conhecimento está na construção, no estímulo, na busca. Nesse livro vocês serão constantemente provocados de forma a estimular sua busca. Quem construirá seu conhecimento serão vocês. Então, fundamentalmente, divirtam-se! Bons estudos! Prof. Rodrigo Rainha Depois da Revolução Industrial – O nascimento do movimento moderno 1 capítulo 1 • 12 Depois da Revolução Industrial – O nascimento do movimento moderno No final do século XIX, em uma sociedade em profunda transformação como consequência da RevoluçãoIndustrial, forjava-se um terreno fértil para o surgi- mento de uma quebra de paradigma no campo das artes e da arquitetura. A lógica da produção em massa impactou todas as áreas da sociedade, criando uma nova dinâmica de pensamento e testemunhando invenções que iriam transformar total- mente o mundo construído e o ambiente em que se vivia. A sociedade passava por um momento de muitas novidades e antecipação pelas transformações cada vez mais rápidas no espaço em que habitava. A nova maneira de morar, em cidades industriais, era uma realidade absolutamente dife- rente dos modos de viver de até então, para o bem e para o mal. Os impactos em todas as áreas do saber se sucediam em velocidade sem precedentes. Enquanto o uso da energia a vapor permitia vencer barreiras de distância e tempo antes inimagináveis, a invenção do elevador em breve libertaria o ser hu- mano das proximidades do solo, criando possibilidades de reorganizar a cidade de uma maneira que não poderia sequer ser imaginada antes. O Iluminismo, movimento que surgira na França durante o século anterior, fornecia base intelectual para essa nova maneira de viver, ao afirmar a supremacia da ciência e da racionalidade sobre qualquer crença. O objetivo do movimento, ao buscar leis e princípios universais que governam todas as coisas, era “iluminar” os cantos “obscuros” do conhecimento, representados pelo pensamento religioso e pelas monarquias absolutistas, ambos fundamentados na aceitação da limitação humana para entender o porquê de tudo ser como é. A Revolução Francesa de 1889, descendente direta dessa nova maneira de pensar, assume como lema a famosa tríade da “liberdade, igualdade e fraternida- de”, instituindo um novo modelo de governo. A percepção de que era possível organizar a sociedade de uma maneira diferente cria um efeito dominó na Europa, derrubando e enfraquecendo a monarquia e a Igreja, até então as grandes patronas da arte em geral e da arquitetura em particular. O campo profissional enfrenta um momento de crise em que precisa se rein- ventar, seguindo o caminho das diversas outras áreas do conhecimento já afetadas por essa nova forma de organização societária. Dentro deste contexto e com o advento de novos materiais e meios de pro- dução, surge ao redor do mundo uma série de movimentos. Mais tarde, esses capítulo 1 • 13 movimentos viriam a ser percebidos como um prenúncio do movimento mo- derno, que em breve uniria praticamente todos com uma linguagem universal e onipresente. Embora os dicionários definam a palavra moderno como sinônimo de “novo, atual”, na arquitetura e na arte o movimento do século XX se apropriou da palavra, o que levou à necessidade de usar a palavra “contemporâneo” para se referir à arquitetura e à arte atuais. OBJETIVOS • Relacionar as transformações sociais causadas pela Revolução Industrial, pelo Iluminismo e pela Revolução Francesa com o advento do movimento moderno; • Reconhecer os principais movimentos de vanguarda que pavimentaram o caminho do Modernismo; • Compreender o processo de consolidação do Modernismo e o papel de seus principais personagens neste processo. Contexto, causas e condições para o estabelecimento do movimento moderno A Revolução Industrial Com início na segunda metade do século XVIII na Inglaterra, rapidamen- te a Revolução Industrial se espalhou pela Europa, tendo sua pedra fundamen- tal a transição dos métodos de produção artesanais para a produção com o uso de máquinas. Essa transição acontece por meio de uma série de pequenas revoluções na ca- deia produtiva como: o uso crescente de energia a vapor; a substituição da matriz energética de madeira e outros biocombustíveis para o carvão; novos processos de produção de ferro; a fabricação de novos produtos químicos e a produção de máquinas que produzem máquinas. O surgimento dessas transformações em um espaço de tempo relativamente curto impactou praticamente todas as áreas do conhecimento humano. Segundo McCloskey (2004), existe um consenso entre historiadores econômicos de que o capítulo 1 • 14 início da Revolução Industrial é o evento mais importante na história da humani- dade desde a domesticação de animais e a agricultura. A Segunda Revolução Industrial, com o uso crescente de navios a vapor, ferro- vias e fabricação em larga escala, sucedeu à Primeira em meados do século XIX, e antes da próxima virada de século já haveria indícios notáveis da revolução da arte e da arquitetura que estava por vir. O Iluminismo Um século antes, o chamado “século das luzes”, a sociedade viu o surgimento, na França, do Iluminismo: a crença de que os seres humanos têm condição de tornar este mundo um lugar melhor com a busca do conhecimento profundo e apurado da natureza, como forma de torná-la útil para o ser humano moderno e progressista. Era a utopia da razão. O final de uma era de medo e escuridão, em que o próprio homem impôs limite para sua sabedoria, como colocou Immanuel Kant11: “O Iluminismo repre- senta a saída dos seres humanos de uma tutela que estes mesmos se impuseram a si”. Representou o fim de uma era, segundo ele, de “falta de resolução e coragem para se fazer uso do entendimento independentemente da direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem para fazer uso da tua própria razão! – Esse é o lema do Iluminismo” Uma das heranças mais importantes deste período é a primeira Enciclopédia Moderna, editada por Denis Diderot e Jean Le Rond d'Alembert com contribui- ções de líderes filosóficos como Voltaire e Montesquieu. Ela materializa o senti- mento geral de que o homem sabe – e tem o direito, e por isso quase o dever de saber – tudo. A Revolução Francesa e a crise no campo da arte e da arquitetura Fortemente apoiada nos preceitos iluministas, a Revolução Francesa teve um impacto político e social rápido e devastador. As velhas instituições que duran- te séculos dominaram a cena no mundo eurocêntrico, perderiam rapidamente a maior parte de seu poder. A Igreja e as monarquias acumularam quedas em refor- mas e revoluções pela Europa. Sem seus patronos históricos, a arte e a arquitetura, em uma primeira reação à crise em que se viram, buscaram refúgio na releitura de estilos anteriores, voltando-se 1 Immanuel Kant, 1724-1804, filósofo prussiano amplamente considerado como o principal filósofo da era moderna. capítulo 1 • 15 para o passado em um momento em que todos os outros campos do saber se vol- tavam para o futuro. A referência, que já não era mais apenas a do passado clássico, marcou o século XIX pelo historicismo eclético. O estilo de cada obra passou a de- pender única e exclusivamente do gosto do arquiteto ou do contratante, não mais de um produto e expressão de um determinado tempo em determinado local. E uma profusão de releituras começou a dividir espaço na cidade do sécu- lo XIX. Neoclássicos, neorromânicos, neogóticos, neobarrocos e muitos outros “neos” surgiam lado a lado, não raro no mesmo edifício. Fachadas recriando fielmente o estilo clássico francês ostentavam janelas neogóticas e balaustradas neorrenascentistas. Esse uso indiscriminado de referências, não mais como representante de uma cultura específica de um tempo e de um local, mas simplesmente como algo de- corativo, no entanto, não resistiu diante das possibilidades trazidas pelos novos materiais e técnicas construtivas. Em uma cidade onde fábricas, pontes e trens determinavam o paradigma do mundo moderno, a arquitetura do ferro surgiria como maior expressão imediata dessa adesão ao espírito do tempo industrial. A possibilidade de se produzir todas as peças em velocidade e escala industrial transforma a técnica até então artesanal de se construir em uma atividade limpa, racional, rápida, econômica e eficiente, absolutamente alinhada com os tempos modernos. Exposições universais: novas tecnologiase novas possibilidades Criadas com o objetivo de compartilhar os novos conhecimentos e divulgar as criações da nova era, como o elevador que revolucionaria o skyline das cidades, permitindo o uso com conforto de um edifício de múltiplos andares, as exposi- ções universais trouxeram também as primeiras grandes heranças arquitetônicas dessas novas possibilidades nos próprios edifícios que abrigaram algumas des- sas exposições. Em 1851, na primeira exposição universal, em Londres, o arquiteto Joseph Paxton, famoso por projetar enormes estufas públicas, cria o suntuoso Palácio de Cristal, com a leveza e transparência de uma arquitetura puramente de aço e vidro e o uso do efeito, literalmente, de uma estufa para manter o calor concentrado no interior do edifício, protegendo seus usuários do clima frio de Londres. capítulo 1 • 16 © W IK IM E D IA .O R G Figura 1.1 – Leve, etéreo e ainda assim suntuoso: o Palácio de Cristal de Londres, do arqui- teto Joseph Paxton, de 1851. Em 1889, em Paris, o engenheiro Gustave Eiffel emprega todo seu conheci- mento e experiência com pontes para construir a Torre Eiffel, mais alta construção humana até então e considerada como o maior símbolo da Revolução Industrial. © W IK IM E D IA .O R G Figura 1.2 – Símbolo da Revolução Industrial, a Tour Eiffel, construída entre 1887 e 1889 para ser temporária, acabou eternizando a marca do engenheiro Gustave Eiffel na paisagem de paris. capítulo 1 • 17 Nesse momento, em que os maiores acontecimentos arquitetônicos estão in- timamente ligados às grandes novidades tecnológicas que são apresentadas nas Feiras Universais, movimentos de vanguarda começam a se distanciar mais convictamente das referências historicistas. As possibilidades trazidas por novos materiais começam a criar uma nova expressividade em cada região, absorvendo aspectos vernaculares de cada país em determinados movimentos, passando, mais tarde, a ser reunidos sob a alcu- nha de Movimentos Proto-Modernistas. Ou seja, ainda que bem diferentes entre si, todos eles possuem características que reconhecidamente foram relevantes na pavimentação do caminho rumo ao Modernismo. Vanguardas artísticas e o Protomodernismo Sem deixar de reconhecer a importância dos movimentos Arts & Crafts (ou “Artes e Ofícios”, em tradução pouco utilizada), Cubismo, Abstracionismo, Expressionismo, construtivismo russo e futurismo italiano, alguns outros movi- mentos que eclodiram na Europa na virada do século XIX para o século XX e que viriam a ter uma contribuição ainda maior para o surgimento do Modernismo merecem um olhar um pouco mais aprofundado. Art Nouveau e Art Déco O Art Nouveau (francês para “Arte Nova” e também conhecido por seu nome em alemão, Jugendstil, ou “Estilo da Juventude”) foi considerado essencial na transição entre o Historicismo e o Modernismo. Fazia uso das novas possi- bilidades do ferro para criar, com fortes referências às formas orgânicas da natu- reza, um estilo “total”, incluindo todas as escalas do design: arquitetura, design de interiores, artes decorativas e têxteis, joias, móveis, prataria e artes visuais. A arte deveria ser um modo de vida. © W IK IM E D IA .O R G Figura 1.3 – O Art Nouveau no design gráfico: um dos famosos cartazes de Mucha que viraram ícones do movimento. capítulo 1 • 18 © H E N R Y T O W N S E N D | W IK IM E D IA .O R G Figura 1.4 – O Art Nouveau no design de interiores: escadaria da Casa Tassel (1892-1893), de Victor Horta, em Bruxelas, na Bélgica, onde nasceu o movimento. © P LI N E | W IK IM E D IA .O R G Figura 1.5 – O Art Nouveau na arqui- tetura: fachada de Jules Lavirotte em Paris, de 1909 capítulo 1 • 19 Tendo se espalhado rapidamente pela Europa e atingido escala global durante a chamada belle époque, o Art Nouveau foi amplamente utilizado na virada do sécu- lo, entre 1890 e os anos 1910, mas perdeu força com o início da Primeira Guerra Mundial. O alto custo de produção do Art Nouveau levou o estilo a ser substituído por um estilo com estética mais simples, mais ágil e retilíneo, que era mais barato e mais fiel à indústria: o Art Déco (do francês Arts Decoratifs, ou “Artes Decorativas”). © JU D M C C R A N IE | W IK IM E D IA .O R G Figura 1.6 – LeVeque Tower, projetada em 1924 por Howard Crane, em Ohio, nos Estados Unidos. Sem perder a intenção da “Arte total”, o Art Déco vai se utilizar de formas geo- métricas e com simetria bem marcada, sem apresentar grandes intenções filosófi- cas ou políticas, ao contrário da maioria dos outros estilos dessa época. O objetivo era simplesmente decorativo. Considerado então como uma maneira elegante, funcional e ultramoderna de representar a sociedade, o Art Déco viria a utilizar materiais simples (concreto, madeira, mármore, bronze, prata e marfim) em requintadas decorações geométri- cas na arquitetura, escultura, design de moda, de mobiliário, de joias, luminárias e objetos decorativos em geral. Teve seu ápice durante os anos 1920, mas continuou com bastante força nos Estados Unidos até os anos 1930. capítulo 1 • 20 Escola de Glasgow e Secessão de Viena Outro movimento da virada do século que teve grande importância na prepa- ração do terreno para o advento do Modernismo foi a chamada Escola de Glasgow, por sua rejeição às artes do passado. Ao contrário do Art Nouveau, as novas possibili- dades do ferro aqui não eram utilizadas na arquitetura com objetivo decorativo, mas para permitir uma maior racionalidade na organização das plantas. As paredes são lisas, em pedra, sem qualquer ornamentação ou volumetria não racional. As possi- bilidades de concentração de carga oferecidas pela estrutura em ferro já permitem a abertura de grandes vãos na fachada, com grandes superfícies de vidro. Enquanto na Escócia Mackintosh e “Os quatro de Glasgow”, literalmente, “faziam escola”, um grupo de jovens artistas austríacos buscava romper com as normas tradicionais, artísticas e étnicas da época, representadas pela Cooperativa dos Artistas das Artes Decorativas da Áustria. Um dos líderes deste movimento, que ficou conhecido como Secessão de Viena, o pintor Gustav Klimt escreveu o primeiro documento em que o grupo descreve suas concepções sobre a arte e seus objetivos. Seu texto enfatiza a necessidade de “unir a vida artística de Viena ao progresso da arte em outros países”. Entre os arquitetos, Otto Wagner, viria a exercer grande influência, inclusi- ve com diversos seguidores renomados, incluindo Josef Hoffmann, Joseph Maria Olbrich e Koloman Moser, que participaram com ele da fundação da Secessão de Viena. Já em 1896, Otto Wagner publica um livro, com base em sua aula inaugural de dois anos antes para a Academia de Belas Artes de Viena, chamado “Arquitetura Moderna”, no qual afirma que “novas tarefas humanas e novos pontos de vista clamavam por uma mudança ou reconstrução das formas existentes”. Otto Wagner incorporava o uso de materiais e formas que refletiam o fato de que a sociedade estava mudando e respondiam claramente à sua função (ou seu programa). Foi um de seus pupilos, Rudolph Schindler quem disse que “a Arquitetura Moderna começou com Makintosh na Escócia, Otto Wagner em Viena e Louis Sullivan em Chicago”. Escola de Chicago, “Ornamento e Crime” e o Neoplasticismo Louis Sullivan, considerado por seus conterrâneos “o pai da arquitetura moderna”, foi o maior expoente da chamada Escola de Chicago. Ele e seus colegas foram pio- neiros na utilização da estrutura em aço leve (steel frame) para construir os primeiros capítulo 1 • 21 arranha-céus do mundo, ainda em meados da década de 1880, pouco depoisda inven- ção, nos Estados Unidos, do elevador elétrico, em 1853. Elisha Graves Otis, ao inserir um sistema de segurança antiqueda, como uma evolução das plataformas elevatórias – hoisting plataforms – possibilitou o uso dessa tecnologia em grande escala e com se- gurança, permitindo esse uso em edifícios comerciais e residenciais. Pouco depois, em 1896, Sullivan escreve que “a lei que governa todas as coisas, orgânicas e inorgânicas, físicas e metafísicas, tudo, se reconhecia nessa expressão” (que ele atribuía a Vitruvius, mas que ficou marcada como sua): “a forma segue a fun- ção”. Mais tarde, essa viria a se tornar uma das principais máximas do Modernismo, o que levaria Sullivan a ficar conhecido como “o profeta da arquitetura moderna”. Curiosamente, a Escola de Chicago e Louis Sullivan viriam a influenciar mais um importante arquiteto austríaco do que os colegas de sua terra. Depois de passar um tempo nos Estados Unidos, Adolf Loos retorna a uma agitada Viena trazendo ideias diferentes que ecoariam mais forte do que o movimento de contestação das normas tradicionais que vinha sendo promovido por seus conterrâneos, criticados por ele. Em 1908, Loos escreve um ensaio ao qual dá o título de “Ornamento e Crime”. Esse manifesto representa o ponto culminante de uma oposição teórica ao movimento Art Nouveau. Loos considerava a ornamentação na arquitetura algo inaceitável naque- les tempos por causa do desperdício de trabalho e de materiais da civilização industrial moderna. Ele dizia que a arquitetura deve servir à necessidade prática, e não à arte. Esse discurso de Loos seria recebido com entusiasmo pela vanguarda francesa. Walter Gropius e Le Corbusier, dois dos principais responsáveis pela conso- lidação do movimento moderno, que serão objeto de estudo mais adiante neste capítulo, viriam a ser muito influenciados pelas ideias de rejeição à ornamentação de Adolf Loos. Mas antes disso, na terra de Petrus Berlage2, o artista, designer, poeta e arqui- teto holandês Theo van Doesburg funda, juntamente com o pintor Piet Mondrian e outros artistas, o Neoplasticismo (ou De Stijl, no original em holandês). Em um curto espaço de tempo, de 1917 até 1931, este movimento deixaria uma he- rança de riqueza imensurável. No campo da pintura, Mondrian influenciou uma série de outras correntes abstratas contemporâneas e gerações subsequentes. Na arquitetura e no design, o intercâmbio com a Bauhaus, na Alemanha, na qual van Doesburg lecionou, foi uma parceria extremamente frutífera. 2 Hendrik Petrus Berlage (1856-1934), arquiteto holandês, também considerado pelos conterrâneos como o pai da arquitetura moderna. Um dos membros-fundadores do CIAM, tem grande influência em sucessivas gerações de arquitetos nos Países Baixos, desde os próprios neoplasticistas até estrelas da arquitetura contemporânea, como Rem Koolhaas e os grupos MvRdV e Mecanoo. capítulo 1 • 22 Figura 1.7 – O quadro "Grande Composição A", de Piet Mondrian, de 1920, que exempli- fica o abstracionismo do movimento relacionado ao espírito urbano, progressista, daquele momento histórico na Europa. Um dos grandes expoentes do Neoplasticismo, Gerrit Rietveld, só passa a ser membro dois anos depois da gênese do movimento. Habilidoso filho de carpintei- ro, influenciado pelas publicações do grupo em 1917, projetou a cadeira Vermelha e Azul, que conferia uma terceira dimensão ao “Mais puro dos movimentos abs- tratos”. O uso das três cores primárias e a valorização da independência de cada ponto, reta ou plano era, junto com os quadros de Mondrian, a mais completa materialização do discurso do grupo até então. © D IN G D O N G C H AT H A N | W IK IM E D IA .O R G Figura 1.8 – Cadeira vermelha e azul, desenhada por Gerrit Rietveld em 1917 sob influên- cia dos primeiros escritos do neoplasticismo. capítulo 1 • 23 “Até então" porque poucos anos mais tarde, em 1924, Rietveld cria mais uma peça que entraria para a história, a Casa Schroeder. Uma versão maior, mais complexa e mais completa do seu rigoroso abstracionismo. Novamente o volume é explodido em linhas e planos autônomos, que enfatizam essa independência indo além do seu destino estrutural final, destacados uns dos outros também pelo uso preciso de cores primárias. A inovação plástica era gritante em relação à arquitetura tão tradicional dos Países Baixos. O contraste pode ser percebido muito claramente na relação da casa com seus vizinhos. Além disso, a casa inaugura um conceito que jamais deixará de estar presente na arquitetura: a polivalência e a versatilidade dos espaços. © H AY K R A N E N / C C -B Y | W IK IM E D IA .O R G Figura 1.9 – A casa Schroeder, construída em 1924 por Gerrit Rietved, em Utrecht, na Ho- landa. Foto de autoria do autor do livro, de 2016. Toda fundamentada em técnicas de encaixe de madeira próprias de um antigo artesão, a Rietveld-Schroederhuis funciona como um grande loft durante o dia, enquanto à noite, dependendo da atividade que esteja sendo exercida, se configura, por meio de diferen- tes possibilidades de arranjo de suas paredes deslizantes e dobráveis, como uma casa de um, dois ou três quartos. O engenhoso deslocamento de um pilar da sala de jantar cria a primeira janela de canto da história. Na década de 1930, Rietveld e seus companheiros embarcam no movimento moderno, mas a herança daquele movimento em campos como o da pintura, es- cultura, arquitetura, design gráfico e moda atravessou o movimento moderno e é presente em releituras e apropriações até hoje. capítulo 1 • 24 Consolidação do movimento moderno A fundação da Bauhaus Com essa série de movimentos eclodindo simultaneamente em diversos luga- res, não é tarefa muito simples delimitar o começo exato da produção modernista. Um dos marcos que pode ser considerado para essa delimitação é a fundação, na Alemanha, da Staatliches-Bauhaus. A revolucionária Escola de Design, Artes e Arquitetura de vanguarda foi fundada em 1919 por aquele que viria a ser o seu primeiro diretor, o Arquiteto Walter Gropius. Seu manifesto continha uma declaração apaixonada e envolvente dos seus princípios: “o objetivo final de todas as artes visuais é o edifício completo (...) hoje as artes existem em um isolamento do qual só podem ser resgatadas pelo esforço cooperativo e consciente de todos os artistas”. Gropius defendia a formação de um profissional total, que pudesse atuar em todas as escalas do design, do objeto ao edifício e à cidade. Na Bauhaus, a arquitetura passa a ser entendida como uma resultante da con- vergência de várias disciplinas. A máquina, a produção industrial e o desenho de produtos se destacavam na formação deste profissional, que só viria a ter contato com o ensino de história depois de alguns anos de estudo, para que os padrões herdados do passado não influenciassem o processo criativo. Este deveria ter base apenas em princípios racionais e funcionais. Antes de tudo, se aprendia a lidar com os materiais modernos e inovadores e a refletir sobre a produção e o design no novo contexto da industrialização e das novas demandas da sociedade. Cento e cinquenta estudantes logo se inscreveram, muitos deles profissionais atuantes com a esperança de um novo começo, mais alinhado com os novos tem- pos, na primeira escola reformada depois da Primeira Grande Guerra. Em busca do objetivo primordial do seu manifesto original, de unir as artes e os grandes artistas para produzir o artesanato e a tecnologia do novo tempo, uma das tarefas mais importantes era conseguir angariar os nomes de maior destaque mundial para que participassem dessa construção coletiva de um novo mundo. Os professores foram substituídos por mestres e os alunos passaram a ser chamados de aprendizes. Personalidades que viriam alecionar na Bauhaus, como o pintor e poeta suíço Paul Klee, o pintor russo Wassily Kandinsky, o arquiteto, poeta e artista holandês Theo van Doesburg e o arquiteto alemão Mies van der Rohe (que mais tarde viria a imigrar para os Estados Unidos, a exemplo de Gropius) fariam com que a influência daquela escola alcançasse os quatro cantos do planeta e atravessasse gerações. capítulo 1 • 25 Política e sociedade: arte e arquitetura como atividades subversivas Ao longo da história da Bauhaus, a política conturbada de seus tempos foi sempre um personagem importante nos seus destinos. Acusada de bolchevismo e judaísmo pelo conservador governo de Weimar, em 1925 a escola se muda para Dessau, onde Gropius projeta um edifício para a nova sede da escola que sintetizava suas ideias. Com formas radicalmente simplificadas, organizado em pavilhões de caracte- rísticas ditadas pelo programa de cada um deles, o novo edifício respirava raciona- lidade, funcionalidade e a ideia de que a produção em massa podia conviver com o espírito artístico individual. Figura 1.10 – A revolucionária sede da Bauhaus em Dessau, de autoria de Walter Gropius, em 1925. Disponível em: <http://noticias.arq.com.mx/Detalles/18992.html#.V59mEbiAOkp>. Em 1928, sofrendo forte pressão de todos os lados, Gropius deixa a direção da Bauhaus e aponta Hannes Meyer para o substituir, embora não fosse essa a sua primeira opção. A partir deste momento, Meyer traz para a escola seu ponto de vista radicalmente funcional que ele vai chamar, em 1929, de Neue Baulehre, a “nova forma de construir”. Para ele, a arquitetura era uma tarefa puramente orga- nizacional, sem qualquer relação com a estética. Edifícios deveriam ser baratos e projetados para atender as necessidades sociais. Durante seus dois anos na direção da escola, em meio à crescente tensão po- lítica da República de Weimar3, Meyer é acusado de permitir uma organização estudantil comunista e depois escreve uma carta aberta em um jornal de esquerda. 3 República estabelecida na Alemanha entre 1919 e 1933. Prestes a perder a Primeira Guerra Mundial, a autocrática e conservadora liderança militar alemã atirou o poder para as mãos dos democratas, que acabaram por ter de negociar a rendição na guerra. Com isso, ficava no ar o saudosismo de uma nação poderosa nos tempos do imperador, em comparação com a nova realidade democrática, cheia de derrotas e humilhações. Essa situação política acabou por lançar os fundamentos que permitiram mais tarde a Adolf Hitler posicionar-se como o arauto de um regresso ao passado imperial e antidemocrático da Alemanha e implantar o nazismo. capítulo 1 • 26 Sob acusações de comunismo, Hannes Meyer é substituído na direção da escola por outro personagem central na consolidação do Modernismo. Menos é mais: Mies van der Rohe, as casas pátio e o super-homem de Nietzsche Com o afastamento de Meyer por questões políticas em 1930, o lendário arquiteto alemão Ludwig Mies van der Rohe, autor de famosas máximas como “Menos é Mais” e “Deus está nos detalhes”, assume por um curto período de tempo, a pedido de Gropius, uma já vacilante Bauhaus. A esperança era de que sua autoridade pudesse influenciar o radicalizado corpo estudantil, acalmando os ânimos na escola. A exemplo de Gropius quando fundou a escola, ao assumir a direção, Mies van der Rohe já era o mais importante arquiteto da Alemanha. Porém, com o nazifacismo chegando ao poder em Dessau, Mies se vê obrigado a privatizar a escola, que até então era sustentada pelo governo, e não pôde mais manter Bauhaus em seu edifício-sede. Apesar de sua tentativa de continuar as ati- vidades em Berlim, a chegada do nazismo ao poder forçou o fechamento da escola, acusada de ser um centro de intelectuais comunistas, em 1933. Como consequên- cia, alguns de seus integrantes, incluindo Mies e Gropius, migram para os Estados Unidos, onde viriam a ampliar ainda mais sua influência, mas não necessariamen- te a influência dos ideais da Bauhaus, que acabam ficando relativamente para trás. O novo contexto os levou a desenvolver outros aspectos de suas obras. O ra- cionalismo formal de Mies, transliterado em arranha-céus, é uma inversão radical da horizontalidade marcante de seus projetos, a serviço não mais de uma econo- mia preocupada “apenas” com a otimização espacial e barateamento dos edifícios – face à reconstrução da Alemanha – mas, principalmente, com a representação de uma imponência formal e dominante do capitalismo norte-americano, totalmente adverso aos princípios sociopolíticos da Bauhaus. A influência de Mies van der Rohe, portanto, transcende o período da Bauhaus, tanto para frente quanto para trás. Antes de assumir a direção da escola, Mies já acumulava uma série reconhecida de projetos inovadores, culminando com o sim- bólico Pavilhão Alemão na Feira Universal de Barcelona de 1929. Ápice de uma corrida para melhorar a qualidade dos produtos industriais alemães, considerados inferiores aos franceses, ingleses, belgas e americanos, o Pavilhão de Barcelona é o símbolo desse esforço, que foi decisivo na fundação do movimento moderno. O Pavilhão sintetizava a intensa interação de Mies com movimentos arquitetônicos como o Neoplasticismo e o construtivismo soviético. capítulo 1 • 27 © A S H LE Y P O M E R O Y | W IK IM E D IA .O R G Figura 1.11 – O pavilhão de Barcelona reconstruído. Com apurado rigor minimalista, o pavilhão se configura como um conjunto de planos independentes, horizontais e verticais, revestidos de diferentes mármo- res. A esses planos, se adicionam panos de vidro e lâminas d’água, além dos famo- sos pilares metálicos em cruz, dispostos em grid regular independente dos planos de “fechamento”. Estes, ao invés de fechar, ou delimitar o “dentro” e o “fora”, se encaixam com delicadeza e fluidez, orientando o olhar para vistas exteriores. Passada a experiência na Bauhaus e com o advento do nazismo e a consequen- te necessidade de se exilar nos Estados Unidos da América, Mies van der Rohe dá sequência a sua carreira com algumas das obras mais importantes da História da Arquitetura. Entre elas, se destacam o pavilhão do Crown hall, sede do depar- tamento de Arquitetura da Universidade de Illinois que viria a dirigir, a icônica casa da Senhora Farnsworth, nos arredores de Chicago (1946 a 1951) e o Seagram Building, de 1958, considerado por muitos o auge da arquitetura funcionalista para arranha-céus. A casa da Senhora Farnsworth se tornaria referência da arquitetura moderna com sua planta fluida ao redor da lareira. Segundo Iñaki Ábalos, em seu livro A boa vida: visita guiada às casas da modernidade, a verticalidade dessa lareira é praticamente anulada, como se voluntariamente evitasse qualquer referência a uma representação simbólica de transcendência. Essa acabou se tornando uma marca dos projetos de Mies van der Rohe: a substituição da simetria vertical (presente, por exemplo, nas catedrais góticas, que levam o usuário automaticamente a olhar para os céus) por uma simetria horizontal, através da fixação do pé direito em 3,20 m (o dobro da altura média dos olhos) e do capítulo 1 • 28 uso de grandes panos de vidro de piso a teto, que obrigam a luz penetrar e refletir de maneira homogênea nos planos horizontais do piso e do teto. Entre seus principais projetos de design de mobiliário, o destaque é a Cadeira Barcelona, que revela tantos aspectos importantes de suas ideias. A exemplo da casa da Senhora Farnsworth, com sua mistura de materiais industriais – como o aço, o vidro e o concreto – e materiais vernaculares – como o tijolo, o couro e a pedra – a Cadeira Barcelona também joga com essa mistura de aço e coro, presente e passado, tecnologia e tradição e sugere a postura do ser contemplativo nietzsche- niano, nem relaxado nem ereto. Confortável, elegante,seguro. © M IE S B A R C E LO N A C H A IR | W IK IM E D IA .O R G Figura 1.12 – A Cadeira Barcelona, criada para o pavilhão, que se tornou uma das marcas de Mies van der Rohe e é sucesso de vendas até hoje. O último de seus trabalhos mais relevantes é a Neue Nationalgalerie, em Berlim, de 1958, considerado uma das mais perfeitas expressões de sua abordagem. O pavi- lhão superior, parte do museu que pode ser vista da rua, é uma caixa de vidro com mais de 2.000 metros quadrados, sem qualquer apoio interno, apoiada num rígido grid periférico de colunas metálicas para as quais as cargas da cobertura são levadas por uma malha de vigas de aço aparentes. O filósofo Friedrich Nietzsche era uma forte referência para Mies van der Rohe. Seus textos, especialmente sua obra Assim falou Zaratustra, influenciaram bastante Mies van der Rohe. O “Super homem” de Nietzsche serviu, conscientemente ou não, de inspiração capítulo 1 • 29 para o homem que habitaria seus estudos das famosas casas pátio (1931 a 1938), que não tinham um cliente real e jamais viriam a ser construídas. Construí-las não era a intenção, mas os estudos tiveram muitos desdobramentos facilmente reconhecíveis na obra de Mies van der Rohe. CIAM – Congressos Internacionais da Arquitetura Moderna Em 1928, na Suíça, um grupo de 28 arquitetos de diversos países, entre alguns dos mais influentes da Europa, se reúne no primeiro de 11 encontros que acon- teceriam em diferentes cidades europeias até 1959. Tratava-se de um Congresso no qual se buscou o diálogo entre representantes das tendências dispersas da ar- quitetura Pós-Revolução Industrial para entender suas semelhanças e diferenças e formalizar os princípios da arquitetura moderna. Entre os arquitetos fundadores estavam Le Corbusier, Sigfried Gideon, Hannes Meyer, Hendrik Berlage e Gerrit Rietveld. Outros membros de importância vital para o movimento moderno se juntaram ao grupo em edições posteriores, como Walter Gropius e Alvar Aalto, perfazendo provavelmente o grupo mais influente da história da arquitetura. O grupo via a Arquitetura e o Urbanismo como uma ferramenta política e eco- nômica capaz de transformar o mundo por meio do design e planejamento das cidades. Ao primeiro congresso na Suíça seguiram-se encontros com focos mais es- pecíficos, como o de Frankfurt em 1929, em que se discutiu a habitação mínima e o Congresso de 1933, que discutiu a cidade funcional, levando o foco principal para o urbanismo. Com base no estudo de 33 cidades, o grupo propunha que os problemas sociais encarados pelas cidades poderiam ser resolvidos com a segregação rigorosa das funções de uma cidade e da distribuição da população em altas torres residen- ciais separadas por grandes superfícies verdes, inspiração nas cidades-jardim de Le Corbusier. Este quarto encontro deveria ter acontecido em Moscou, mas acabou se dan- do a bordo de um navio, no trajeto de Marseille à Grécia, por conta da rejeição do projeto de Le Corbusier para o concurso do Palácio Soviético, que seria um divisor de águas ao apontar o abandono soviético aos princípios do CIAM. capítulo 1 • 30 Le Corbusier, seus cinco pontos e a máquina de morar Le Corbusier foi uma das figuras centrais deste grupo e da consolidação do Modernismo, provavelmente o seu maior porta-voz. Talvez o produto mais in- fluente de todos os encontros do CIAM tenha sido a sua Carta de Atenas, com base nas discussões ocorridas nessa quarta conferência da organização. A Carta praticamente definiu o urbanismo moderno, traçando diretrizes e fórmulas que deveriam poder ser aplicáveis internacionalmente. A Carta ende- reçava a cidade como um organismo a ser planejado de modo funcional. Cada necessidade do homem deveria estar em um lugar específico e lógico, com cada desafio identificado claramente e resolvido tecnicamente. Entre outras propostas revolucionárias da Carta está a de que toda propriedade de todo o solo urbano pertence à cidade e, portanto, deve ser de domínio público. Era o que ele chamava de “Rue Libre”, ou “rua livre”, afirmando que o homem não deveria limitar sua liberdade de ir e vir às direções determinadas pelas ruas e calçadas. A cidade de Brasília, cujo plano piloto é de autoria do arquiteto e urbanista Lúcio Costa, extremamente influenciado por Le Corbusier, é considerada como o mais avançado expe- rimento urbano no mundo que tenha aplicado integralmente todos os princípios da Carta. Sua proposta de libertar a edificação do solo também foi investigada a fun- do em seus projetos de arquitetura. Em seu manifesto “Por uma Arquitetura”4, Le Corbusier clama pela criação uma “Máquina de Morar” que fizesse a arquitetura abandonar o passado e se juntar ao novo tempo. Um tempo de máquinas para co- zinhar e máquinas para transportar, máquinas para lavar e máquinas para voar. Um tempo de dominação do homem sobre a natureza. Um tempo de domínio da razão. 4 No original em Francês, Vers une Architecture, livro de 1923, que virou um clássico da arquitetura, com uma compilação de artigos de Le Corbusier durante os anos anteriores na revista L’Esprit Nouveau, da qual era editor- chefe. capítulo 1 • 31 Figura 1.13 – "Villa Savoye, a casa-manifesto de Le Corbusier, de 1929 em Poissy, na Fran- ça." Fonte: Foto de autoria do autor do livro, de 2006. Em seu manifesto, ele coloca a questão com as seguintes palavras: “Se eliminar- mos de nossos corações e mentes todos os conceitos mortos a propósito das casas e examinar- mos a questão a partir de um ponto de vista crítico e objetivo, chegaremos à “Máquina de Morar”, a casa de produção em série, saudável (também moralmente) e bela como são as ferramentas e os instrumentos de trabalho que acompanham nossa existência”. A partir desta vontade e da liberdade cada vez maior que as novas tecnologias possibilitavam, Le Corbusier formulou o que ficou conhecido como os 5 pontos corbusianos, colocando a teoria em prática com uma espécie de “residência-mani- festo”, a Villa Savoye. Praticamente todos os pontos têm relação com a libertação das paredes de sua função estrutural, com a criação da estrutura independente. Le Corbusier já havia elaborado, entre 1914 e 1917, um estudo libertador chamado casa dom-ino, em que seu protótipo da construção moderna foi desnudado, representado apenas por lajes, pilares, fundações e circulação vertical para demonstrar que os demais elementos da edificação poderiam ser absolutamente livres. capítulo 1 • 32 Figura 1.14 – Sistema construtivo da Casa Dom-ino, criado por Le Corbusier em 1915, em parceria com o engenheiro suíço Max du Bois. Disponível em: <http://photos1.blogger. com/x/blogger/250/4253/1600/167906/07.jpg>. Com isso, na Villa Savoye, em 1929, Le Corbusier aplicou e mostrou ao mun- do seus cinco pontos: PILOTIS Em consonância com sua ideia da Rue Libre, a casa é elevada sobre um conjunto de pilares em um espaço aberto, embora coberto, com apenas um pequeno núcleo fechado em volta de um hall para contro- le de acesso e circulação vertical. PLANTA LIVRE Uma vez que um rígido grid de pilares independentes, já sustenta as lajes, as paredes podem ser colocadas onde for mais conveniente e no formato que mais interessar FACHADA LIVRE Analogamente, as paredes das fachadas também são libertadas da função de sustentação, podendo ter aberturas do tamanho que se desejar. JANELAS EM FITA Consequência direta do ponto anterior, permite janelas contínuas que atravessam ambientes e dobram esquinas da edificação. TERRAÇO JARDIM Com a nova tecnologia do concreto armado, os velhos telhados não eram mais necessários e toda essa superfície poderia se tornar um espaço de lazer (e socialização, como bem demonstram suas “Unités D'habitation”, construídas em diferentes cidades da Europa entreas décadas de19 40 e 1960). capítulo 1 • 33 Para deixar clara sua intenção de que o sistema estrutural independia de qual- quer organização das paredes, o arquiteto, numa atitude firme e – porque não – quase irreverente, chega a colocar um pilar no meio do banheiro, entre a pia e o vaso sanitário. A relação da máquina de morar com outras máquinas também é deixada clara na curvatura do bloco menor, que encosta no térreo, cujo raio corresponde exatamente à curvatura que um dos símbolos da vida moderna, o automóvel Citroën do proprietário, podia fazer para estacionar. O caminho para chegar a essa vaga de estacionamento também não poderia ser feito sem antes dar a volta na residência, no que o próprio Le Corbusier cha- mava de “Promenadearchitecturale”, uma espécie de passeio arquitetônico “guiado” pelos gestos do arquiteto ao definir a implantação e acesso, momento em que de- veria imprimir sua intenção em relação às possibilidades de aproximação da casa. A eloquência com que discursava, suas constantes viagens de divulgação da nova arquitetura, cujo financiamento se credita à então jovem e promissora in- dústria do aço e sua constante busca de documentar suas ideias e torná-las com- preensíveis, fez de Le Corbusier uma figura tão importante para o movimento, que o Modernismo que mais vem a influenciar a criação do movimento moderno brasileiro é chamado de modernismo corbusiano. Philip Johnson e o International Style A partir de um determinado momento, historiadores passam a classificar o movimento moderno em duas correntes principais: o Organicismo de Frank Lloyd Wright, sobre o qual nos debruçaremos mais adiante, no próximo capítulo; e o funcionalismo, com base na afirmação de Adolf Loos de que “A forma segue a função”, já revisitada neste capítulo. Do Funcionalismo, nascem diversas correntes, entre as quais uma vai se afir- mar cada vez mais, o chamado “International Style” (ou Estilo Internacional, em tradução usada com menos frequência). Embora o nome tenha se tornado univer- sal, existe certa contradição nele, uma vez que o objetivo era justamente de se evi- tar os estilos, que, considerados ornamentação (portanto, um crime em tempos de entreguerras) remontam ao historicismo, que tanto combatiam com o intuito de criar uma arquitetura livre, que pudesse estar em qualquer lugar e qualquer tempo. Mas independente do nome – principalmente pela força dos seus principais personagens, os já citados Le Corbusier, Walter Gropius e Mies van der Rohe – o Estilo Internacional se tornou cada vez mais hegemônico e não é raro o seu uso inclusive como sinônimo do movimento moderno. capítulo 1 • 34 Outro personagem essencial que viria a contribuir muito para a consolidação do Estilo Internacional como movimento hegemônico da primeira metade do século XX é o arquiteto, crítico e historiador Philip Johnson, parceiro de Mies van der Rohe no lendário projeto do Seagram Building e primeiro ganhador do Prêmio Pritzker, considerado o “Oscar da arquitetura”. Foi dele e de seu parceiro Henry-Hussel Hitchcock o livro de 1932 em cujo título os autores cunharam a própria expressão “International Style”. Neste livro, os autores definiam três prin- cipais características formais do Modernismo, que se tornariam cânones do Estilo Internacional: a ênfase no “volume arquitetônico”, não na massa (planos no lugar de solidez); rejeição à simetria; e a já comentada rejeição à ornamentação. O livro acompanhava uma exposição que ajudou muito a dar visibilidade ao movimento e que se chamava “Moder Architecture – International Exhibition” (em tradução livre: “Arquitetura Moderna – Exposição Internacional”). Neste momen- to Philip Johnson era diretor do MoMA (Museum of Modern Arts, o respeitado Museu de Arte Moderna de Nova York), no qual organizou esta exposição. Bem mais tarde, em 1988, Johnson tornaria a organizar outra exposição no mesmo museu que ajudaria a solidificar o conceito do desconstrutivismo, como veremos mais adiante neste livro. Isso mostra como se tratava de uma pessoa à frente do seu tempo, um visionário, considerado um dos pais do Estilo Internacional e autor de uma das suas obras mais emblemáticas, a “Casa de Vidro”, que construiu em 1949 em New Canaan, também nos Estados Unidos, como tese de mestrado quando estudava em Harvard com o célebre Marcel Breuer, da primeira geração de formandos da Bauhaus. © S TA IB | W IK IM E D IA .O R G Figura 1.15 – A casa de vidro de Philip Johnson, de 1949, que materializa os preceitos do Estilo Internacional. capítulo 1 • 35 Philip Johnson morou por 58 anos nessa casa, cuja maior influência foi a casa Farnsworth, de Mies van der Rohe, exibida com destaque na exposição do MoMA em 1947. A casa de vidro, a exemplo da casa Farnsworth, também se tornaria uma das maiores referências do Estilo Internacional. A particularidade de ter sido concebida como uma tese de mestrado, fez o projeto ser permeado por preciosas lições sobre geometria e estrutura minimalista, sobre proporção e sobre os efeitos da transparência e dos reflexos que vinham do uso de grandes panos de vidro. Também se tornou referência em relação ao uso de materiais industriais, como o aço e o vidro, em projetos residenciais. Exemplos como esses, junto com a força e influência dos CIAMs e da Bauhaus, do discurso corbusiano e de todos os movimentos vistos neste capítulo, tornaram o Modernismo – e o Estilo Internacional, em particular – um dogma com extrema penetração em diferentes culturas. Após a Segunda Guerra Mundial, especialmen- te, fazia muito sentido a busca por uma arquitetura “industrial”, produzida em escala e, para tal, replicável em qualquer contexto, como forma de mitigar o déficit habitacional produzido pela guerra. Mas um país em particular iria começar a se destacar no mundo arquitetônico a partir de uma versão particular e local do Modernismo, criada justamente por uma flexibilização desses dogmas, digeridos e transformados pela cultura local. O Brasil entraria em cena, com alcance internacional, a partir do revolucionário edi- fício do Ministério da Educação e Cultura, no Rio de Janeiro, em 1936. Naquele momento, o país daria início a um ciclo que passaria pela grande exposição “Brazil Builds”, também no MoMA de Nova York, em 1943 e culminaria com a constru- ção da nova capital, Brasília, inaugurada em 1960. Tudo isso, que será analisado mais detalhadamente no próximo capítulo, teria início no episódio marcante da Semana de Arte Moderna de 1922. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GOODWIN, Philip; SMITH, Kidder G. E. Brazil Builds: architecture new and old, 1652-1942. Nova York: MOMA, 1943. BARNES, Rachel. The 20th-Century art book. London: Phaidon Press, 2001. CORBUSIER, Le. Por uma Arquitetura . São Paulo: Perspectiva, 2004 (Original Vers une Architecture, Paris, 1923) DROSTE, Magdalena. Bauhaus: Bauhaus archiv.Taschen, 2011. GROPIUS, Walter. “Bauhaus Manifesto and Program”. Bauhaus, 1919. capítulo 1 • 36 McCLOSKEY, Deidre. Review of the Cambridge Economic History of Modern Britain. Cambridge: Times Higher Education Supplement, 2004. SARNITZ, August. Otto Wagner: Forerunner of Modern Architecture. Berlin: Taschen, 2005. SULLIVAN, Louis. The Tall Office Building Artistically Considered. Chicago: Lippincott's Monthly Magazine (March 1896). Tupi or not Tupi – Modernismo à brasileira 2 capítulo 2 • 38 Tupi or not Tupi – Modernismo à brasileira Neste capítulo voltaremos um pouco no tempo para ver como todas as mu- danças pelas quais o mundo estava passando na primeira metade do Século XIX se refletiam no Brasil às vésperas da revolução que colocaria o país no centro das atenções mundiais, principalmente no campo da arquitetura. Em um mundo ainda distante da globalização que vivemos atualmente, novidadestecnológicas demoravam para chegar ao Brasil, o que postergava alterações substanciais no nos- so cotidiano, especialmente em obras arquitetônicas, que via de regra demoram alguns anos para ficar prontas. Por outro lado, esse tempo diferente oferecia uma oportunidade de digerir assuntos de acordo com a nossa perspectiva. A “antropo- fagia cultural” proposta por Oswald de Andrade e uma geração genial de artistas brasileiros se apoiava justamente nessa adaptação das novidades estrangeiras ao nosso contexto cultural, aos nossos costumes, ao nosso modo de ser e de viver. Por ser um recorte temático diferenciado, no sentido que o Período Moderno no Brasil extrapola o tempo do movimento moderno europeu, este capítulo terá sua própria lógica em relação à cronologia "universal" do moderno. Some-se a isso a importância dos grandes mestres modernistas brasileiros e temos um capítulo pouco ortodoxo em um livro de história. O tempo cronológico, neste capítulo, ficará um pouco em segundo plano enquanto contamos a história de alguns des- ses mestres até o fim de suas vidas, para então passarmos a outro personagem, retornando ao início do Período Moderno no nosso país e perpassando diversos momentos de sua trajetória, para então, num ciclo contínuo, retornar no tempo enquanto o leitor se familiariza com mais e mais personagens dessa trama. OBJETIVOS • Compreender o contexto brasileiro na primeira metade do século XX e as condições para a chegada do Modernismo ao país; • Relacionar a Semana de Arte Moderna de 1922 e as influências estrangeiras ao aspecto singular que definiu o modernismo brasileiro; • Compreender o processo de consolidação do Modernismo no país e o papel de seus prin- cipais personagens neste processo; • Reconhecer os principais eventos e projetos que contribuíram para o sucesso da geração de arquitetos modernistas brasileiros. capítulo 2 • 39 Contexto e condições para o estabelecimento do Modernismo no Brasil O Brasil da virada do século Como explicado na apresentação deste capítulo, o contexto do final do século XVIII no Brasil seguia com algum atraso as tendências europeias que analisa- mos no capítulo anterior. Uma crescente penetração do Neoclassicismo só foi atingir seu ápice por aqui no início do século XIX, com a presença do arquiteto francês Grandjean de Montigny, como parte da bem-sucedida "Missão Artística Francesa". Tratava-se de um grupo de artistas do país que neste momento era a grande inspiração para o mundo inteiro. Convidados pelo imperador português D. João VI para introduzir a educação superior em Belas Artes no Brasil e desen- volver uma nova geração de artistas brasileiros, eles deram início à construção de um grande número de projetos neoclássicos por aqui. O sucesso dessa empreitada deixou as portas abertas para um historicismo que acomodava também, a exemplo do contexto europeu, neogóticos, neorromânicos, neorrenascentistas, neobarro- cos, e ainda, entre tantos outros “neos”, os neocolonialistas, primeira “autorrefe- rência” na curta história do nosso país. Com tantas influências, também por aqui essa época acabou sendo conhecida como a era do Ecletismo. Na capital federal da época, o Rio de Janeiro, centro político e cultural do país, neste momento se importava praticamente por inteiro exemplos estrangeiros emblemáticos. A cidade se encontrava imersa em uma disputa não declarada com Buenos Aires pela alcunha de “Paris dos trópicos". Enquanto os argentinos cria- vam "a avenida mais larga do mundo"5, os brasileiros criavam "o boulevard mais charmoso do mundo" na orla de Copacabana6. Um dos maiores exemplos desse período no Rio é o Theatro Municipal7, na Cinelândia, “fortemente inspirado” na Opera de Paris8. Esse cenário trouxe à nação uma preocupação crescente sobre a necessidade de adaptar esses exemplos importados ao contexto nacional. O Brasil já começava a exigir uma identidade própria, uma vez que as primeiras gerações de mestiços passavam a representar uma parcela cada vez mais significativa da população dessa jovem nação. 5 Avenida 9 de Julho, Buenos Aires, 1912-1930; 140 metros de largura total, contando as pistas marginais. 6 - Avenida Atlântica, construída entre 1905 e 1906. 7 "Theatro Municipal do Rio de Janeiro", obra do arquiteto francês Albert Guilbert em parceria com o arquiteto brasileiro Francisco Pereira Passos, filho do prefeito; construído entre 1905-1909. 8 Opera de Paris, por Charles Garnier, construída entre 1862 e 1875. capítulo 2 • 40 Semana de Arte Moderna de 1922 Foi nesse contexto que, entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922, essa cres- cente vontade de criar uma identidade cultural nacional explode com a realização, em uma São Paulo que se industrializava rapidamente e ganhava protagonismo econômico no país, da famosa Semana de Arte Moderna de 22. A coesão central em torno do movimento fundamentou-se numa completa ruptura com qualquer conexão com o que podemos chamar, resumidamente, de "neo-qualquer coisa". Trata-se de um marco de rompimento do meio artístico brasileiro com o academicismo predominante até então. As novas possibilidades na maneira de se fazer arte tornaram o estilo anterior intragável e forçaram a adoção de uma linguagem bem mais livre, sem formalismos. Mais do que isso, muitos autores afirmam que a Semana de 22 serviu como uma redescoberta do Brasil, apresentando o país como fruto de uma cultura mestiça, que transita entre a barbárie e a civilização, um conflito presente desde a chegada dos europeus no território brasileiro. Cada dia dessa semana histórica foi dedicado a uma forma de arte. Na primei- ra noite, artes plásticas: Tarsila do Amaral e Anita Malfatti, pintoras controversas "influenciadas pelas extravagâncias de Picasso e seus companheiros", como escreveu Monteiro Lobato – à época colunista do jornal Estado de São Paulo9 – foram apresentadas juntamente com muitos outros artistas até então praticamente des- conhecidos do grande público, diante de uma plateia atônita e sem palavras. Essa crítica de Monteiro Lobato, publicada poucos anos antes, foi inclusive o estopim do movimento, liderado por filhos da oligarquia paulista, que não tiveram dificul- dades em conquistar a confiança do curador do Teatro Municipal, Paulo Prado, que foi também quem angariou recursos para o evento. Anita Malfatti descreveu mais tarde sua empolgação naquela noite com as seguintes palavras: "Era a noite das surpresas. As pessoas estavam incomodadas com aquilo, mas não vaiaram. Os ingressos estavam completamente esgotados. O clima estava ficando tenso. As pessoas não sabiam como reagir a aquilo, como reagir a nós. Foi o anúncio da tempestade que viria na noite seguinte!"10 9 Artigo de Monteiro Lobato no jornal O Estado de S.Paulo em 20 dez. 1917: "Há duas espécies de artistas. Uma é representada por aqueles que vêm as coisas normalmente e, como consequência, criam arte pura... Se Anita pinta uma senhora com cabelos geométricos verde-e-amarela, ela só pode estar sob a influência extravagante de Picasso e seus companheiros." 10 Voltaire Schilling em especial para o portal Terra. Disponível em: <https://noticias.terra.com.br/educacao/ historia/a-semana-de-arte-moderna-de-1922,200823d6c76da310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.htm>. capítulo 2 • 41 Na segunda noite, a literatura foi representada por alguns dos maiores poetas brasileiros da história, como Mário de Andrade, Manuel Bandeira e Oswald de Andrade. Os artistas apresentaram pela primeira vez no país, "a poesia falada", declamada no teatro (até então uma arte exclusivamente escrita). O ápice desta noite foi quando, durante o discurso do multiartista Paulo Menotti del Picchia sobre os "novos artistas dos novos tempos", vaias e sons semelhantes a animais vieram do meio da plateia para desorientar o público. Essa noite terminou com uma confusão generalizada, muitodiferente do clima formal e comportado que se costumava ver nessa época em um palco de tamanha importância. Mas a semana ainda não tinha terminado e uma última cena antológica, que marcaria nossa história, aconteceu no último dia daquela Semana de Arte Moderna. O compositor clássico Heitor Villa Lobos, o respeitado compositor bra- sileiro da história, no país e no exterior, era esperado por uma multidão menor e mais tranquila, disposta a, pelo menos, testemunhar uma atitude clássica nessa semana tão controversa. No momento em que o compositor apareceu no palco, no entanto, as vaias e protestos do público começaram e foi sob protestos que ele apresentou sua composição "O Guarani", que se tornaria quase um segundo hino para o Brasil, sendo até hoje a música que toca na abertura da “Hora do Brasil”, programa diário oficial do governo transmitido em todas as estações de rádio. A razão para os protestos foi o fato de que apesar de toda a natureza formal de um concerto clássico, Villa Lobos, estava vestindo um sapato clássico em um pé e uma sandália no outro. Mesmo tendo dito mais tarde que era simplesmente por causa de uma bolha, todo mundo entendeu a mensagem. A questão mundial de como se portar em um novo mundo moderno, passava, no Brasil, a ir mais fundo com a investigação sobre como ser moderno e brasileiro ao mesmo tempo. Daí a frase que virou lema da Semana de 22 e que dá nome a este capítulo, tirada do “Manifesto Antropofágico” de Oswald de Andrade, um dos líderes do movimento. Trata-se de um trocadilho com a famosa frase do perso- nagem Hamlet, de Shakespeare, “Ser ou não ser, eis a questão” (no original em in- glês: “To be or not to be, that is the question”) transformando o verbo “to be” (“ser”, em inglês) em “Tupi”, referência a uma das maiores tribos indígenas brasileiras que à época da chegada dos europeus no país era usada para denominar todos os índios da costa brasileira. Assim, o trocadilho “Tupi or not Tupi”, se tornou um lema não só da Semana de Arte Moderna, mas também da grande questão que nos rondava sobre como ser moderno e brasileiro ao mesmo tempo. capítulo 2 • 42 Olhar estrangeiro e sangue mestiço Este questionamento e a investigação constante em busca dessa identidade fo- ram o estopim de um período incrivelmente fértil para todos os campos da arte no Brasil, em especial na arquitetura, em que os frutos do Modernismo perdurariam por muito mais tempo do que no resto do mundo. Esse período testemunhou o nascimento de uma geração que iria mudar dras- ticamente a paisagem urbana do país, em um processo que viria a culminar com a construção de Brasília, no incrível prazo de cinco anos, de 1956 a 21 de abril de 1960, data de sua inauguração. A nova capital se configuraria como uma “cida- de-manifesto”, símbolo do auge e do ponto de inflexão do movimento moderno, marcando também o final dos seus tempos áureos no Brasil, como veremos mais adiante. Mas são as condições e a cadeia de acontecimentos para chegarmos até aquele ponto que serão analisadas neste capítulo. Durante a primeira metade do século XX, importantes nomes começariam a formar as bases para o surgimento do período de ouro da arquitetura brasileira, em que ela passaria a ser reconhecida no mundo inteiro como exemplo de vanguarda. Mas essa forte influência para a criação da tão sonhada identidade nacional pre- cisaria se valer do que o Brasil tem de mais específico na formação de seu povo: a pluralidade e a mistura de influências. Praticamente todos os grandes nomes que tiveram um papel importante para o estabelecimento dessas condições têm algo em comum na sua história: nasceram no exterior, migraram para o Brasil por um motivo ou outro, assim como parte considerável da nossa população nessa época. Gregori Warchavchik (nascido no Império Russo), Lina Bo Bardi (na Itália), Lucio Costa e Afonso Eduardo Reidy (ambos nascidos na França) são alguns dos personagens cuja história de vida se confunde com a da arquitetura moderna bra- sileira. Apesar da origem estrangeira, um traço comum na biografia de todos es- ses arquitetos, naturalizados brasileiros, é a busca por uma identidade nacional, como veremos mais adiante. E mesmo os arquitetos nascidos no Brasil que iriam ajudá-los a tecer nossa história, escreveriam com orgulho sobre a sua ascendência miscigenada. Oscar Niemeyer, por exemplo, em sua biografia “Minha arquitetura” viria a escrever: “Meu nome deveria ser Oscar Ribeiro de Almeida de Niemeyer Soares. Minhas origens são muitas, o que me agrada particularmente: Ribeiro e Soares, portugueses, Almeida, árabe, e Niemeyer, alemão. E isso sem levar em conta algum negro ou índio." capítulo 2 • 43 Pois é a partir desses personagens, cujas origens explicam a história do nosso povo, que vamos analisar a partir de agora a consolidação da Arquitetura Moderna no Brasil. A chegada da Arquitetura Moderna no país Gregori Warchavchik e a importação do vocabulário moderno Um primeiro personagem de origem estrangeira que é essencial nessa história é Gregori Warchavchik, nascido em 1896 em Odessa (cidade ucraniana, à época parte do Império Russo). Em sua trajetória cheia de reviravoltas e exílios em meio à turbulência política do início do século XX, Warchavchik acabou por vivenciar de perto importantes movimentos que serviram de inspiração para o surgimento do próprio Modernismo. Ele costumava dizer que quando chegou por aqui en- controu no Brasil um terreno perfeito para suas ideias e seus sonhos. Depois de crescer com contato (e sob influência) do construtivismo russo, aos 18 anos de idade ele teve a primeira mudança radical em sua vida: por causa da perseguição antissemita e da Revolução Bolchevique, ele acabou pedindo para ser preso no lugar do pai e quase foi baleado, sendo salvo no último momento. Em 1918 vai morar e completar seus estudos na Itália, onde, apesar de trabalhar durante dois anos com o arquiteto neoclássico Marcello Paicencini, trava um primeiro contato não apenas com o futurismo italiano, mas também com as primeiras ideias de Walter Gropius, Mies van der Rohe e Le Corbusier. Em 1923, mais uma vez a situação política do país provoca uma reviravolta em sua vida e ele chega ao Brasil para trabalhar como operário em São Paulo, onde logo estabelece contato com a elite intelectual. Um ano após a Semana de Arte Moderna, o grupo de Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Di Cavalcanti e Vila Lobos imediatamente se interessa pelos novos pensamentos que ele trazia da Europa e entre os participantes desse grupo ele conhece Mina Klabin, filha de uma família tradicional e abastada, com quem acaba se casando. Em um país onde a profissão de arquiteto ainda não era sequer reconhecida surge então a oportuni- dade de construir para si mesmo, em um terreno da família da esposa, a Casa da Vila Mariana. Esta casa, finalizada em 1928, é considerada o primeiro exemplar modernista no país e, mais uma vez, ela é construída tal qual um manifesto da nova arquite- tura, seguindo os preceitos de um texto que ele escrevera três anos antes, chamado capítulo 2 • 44 “Acerca da Arquitetura Moderna”. Como alguns materiais essenciais àquela visão da nova arquitetura ainda não podiam ser encontrados no Brasil, o arquiteto pre- cisou improvisar e esconder alguns detalhes, como o telhado cerâmico por trás da platibanda lisa, sugerindo para quem via de fora que a casa tinha uma laje plana de concreto. Além disso, para conseguir a licença de obras da prefeitura, Warchavchik pre- cisou apresentar um projeto um pouco camuflado, com ornamentos para driblar a rigidez da análise da equipe que tinha o poder de “censurar” uma fachada em de- sacordo com o que se entendia até então como boa arquitetura. Quando a casa foi construída, ele justificou a diferença em relação ao projeto aprovado dizendo que era por falta de recursos financeiros
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