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DANIELA DE OLIVEIRA DUQUE-ESTRADA DE LA PEÑA 1ª edição SESES rio de janeiro 2017 DIREITO PENAL IV Conselho editorial roberto paes e gisele lima Autor do original daniela de oliveira duque-estrada de la peña Projeto editorial roberto paes Coordenação de produção gisele lima, paula r. de a. machado e aline karina rabello Projeto gráfico paulo vitor bastos Diagramação rafael moraes Revisão linguística izabel moreno Revisão de conteúdo bianca garcia neri Imagem de capa jiri hera | shutterstock.com Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2017. Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) L311d La Peña, Daniela de Oliveira Duque-Estrada de Direito penal IV / Daniela de Oliveira Duque-Estrada de La Peña. Rio de Janeiro : SESES, 2017. 232 p. ISBN: 978-85-5548-490-2. 1. Crimes. 2. Administração pública. 3. Legislação penal especial. 4. Organização criminosa. I. SESES. II. Estácio CDD 345 Sumário Prefácio 9 1. Crimes contra a administração pública 11 Introdução 12 Conteúdo 12 Considerações gerais 12 Bem jurídico tutelado. Conceitos de Administração Pública e funcionário público para o Direito Penal 14 Distinção entre crimes funcionais próprios e impróprios 15 Conceitos de funcionário público e funcionário público por equiparação, previstos no Código Penal 16 A aplicação do princípio da insignificância aos crimes contra a Administração Pública 17 Crimes em espécie 18 Dos crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral 18 Peculato – Art. 312 do Código Penal 18 Concussão 25 Corrupção passiva 28 Facilitação de contrabando ou descaminho – Art. 318 do Código Penal 34 Prevaricação – Art.319 do Código Penal 36 Condescendência criminosa – Art. 320 do Código Penal 39 Advocacia administrativa – Art. 321 do Código Penal 40 Exercício funcional ilegalmente antecipado ou prolongado – Art. 324 do Código Penal 42 Causas de aumento de pena aos crimes praticados por funcionário público 43 Dos crimes contra a Administração Pública praticados por particular 43 Usurpação de função pública – Art. 328 do Código Penal 43 Resistência – Art. 329 do Código Penal 45 Desobediência – Art. 330 do Código Penal 47 Desacato – Art. 331 do Código Penal 48 Tráfico de influência – Art. 332 do Código Penal 50 Corrupção Ativa – Art. 333 do Código Penal 52 Contrabando e descaminho – Arts. 334 e 334-A do Código Penal 54 Dos Crimes contra a Administração da Justiça 57 Denunciação caluniosa – Art. 339 do Código Penal 57 Comunicação falsa de crime ou contravenção – Art. 340 do Código Penal 58 Autoacusação falsa – Art. 341 do Código Penal 59 Falso testemunho ou falsa perícia – Art. 342 do Código Penal 60 Sujeitos do delito 60 Exercício arbitrário das próprias razões – Art. 345 do Código Penal 62 Fraude processual – Art. 347 do Código Penal 63 Favorecimento pessoal – Art. 348 do Código Penal 65 Favorecimento Real – Art. 349 do Código Penal 67 Exploração de prestígio – Art. 357 do Código Penal 69 Desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito – Art. 359 do Código Penal 70 2. Crimes hediondos e equiparados. Política criminal de drogas 77 Introdução 78 Conteúdo 78 Considerações gerais 78 A Lei de Crimes Hediondos – Lei nº 8.072/1990 79 Crimes hediondos: assento constitucional e momento histórico 79 Critérios de tipificação de crimes hediondos e equiparados pelo legislador infraconstitucional 80 A Lei nº 8072/1990 e seu controle de constitucionalidade 80 O rol de crimes hediondos 86 Os delitos de homicídio qualificado e o homicídio praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente 86 O delito de latrocínio 88 Os delitos de extorsão qualificado pelo resultado morte e extorsão mediante sequestro 89 Os delitos de estupro e estupro de vulnerável 90 O delito de epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º) 91 Os delitos de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1º, § 1º-A e § 1º-B, CP) 91 O delito de favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e § 1º e 2º) 91 Crimes equiparados a hediondos. Crime de tortura 92 Bem jurídico-penal tutelado – art. 5°, III, XLIX e XLIII, da Constituição da República de 1988 e o art. 4º da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura 92 Conceito de tortura: alcance da expressão “sofrimento físico e mental” 93 A incidência dos institutos repressores previstos na Lei nº 8.072/1990 94 Figuras típicas 94 Consectários penais e processuais 98 A Lei de Drogas. Política criminal de drogas e figuras equiparadas a delitos hediondos 99 Lei nº 11.343/2006. Política criminal de drogas 99 Do uso indevido de drogas: atividades de prevenção 102 As condutas típicas 103 Caracterização como norma penal do mandato em branco 105 Distinção entre as condutas de uso indevido de drogas e tráfico ilícito de drogas 105 Lei nº. 11.343/2006 – Tráfico de drogas 105 3. Estatuto do desarmamento. Organização criminosa. Terrorismo 117 Introdução 118 Estatuto do Desarmamento 118 Considerações iniciais 118 Objetividade jurídica 119 A ADI nº 3.112/DF. Controle de constitucionalidade 120 Política criminal e a criação do Sistema Nacional de Armas 120 As figuras típicas 122 Questões controvertidas 130 Organização criminosa 132 As transformações conceituais sobre “organização criminosa” 132 Requisitos para a caracterização da organização criminosa 133 Crimes por natureza e por extensão 133 Dos crimes em espécie 134 Transnacionalidade do crime organizado 137 Confronto com os delitos de associação criminosa e milícia privada 138 A colaboração premiada 138 Questões controvertidas 140 Terrorismo 141 Considerações gerais 141 Bem jurídico-penal 143 Tentativas de conceito 143 Características do terrorismo 144 Figuras típicas: atos de terrorismo, atos preparatórios, iter criminis 144 Causa de aumento 147 Competência 147 Imprescritibilidade 148 4. Código de trânsito brasileiro. Lei maria da penha. Criminalidade ambiental 149 Introdução 150 Código de Trânsito Brasileiro – Lei nº 9.503/1997 150 Considerações gerais 150 Crimes de trânsito 153 Crimes em espécie 156 O instituto do perdão judicial e os delitos de trânsito 166 Os delitos de trânsito e a substituição de penas privativas de liberdade por restritivas de direitos. Art. 312-A, CTB. 167 Prisão em flagrante delito no caso de acidentes com vítimas 168 Lei Maria da Penha – Lei nº 11.340/2006 168 Política criminal e violência de gênero: distinção entre violência de gênero e violência doméstica 169 Competência para processo e julgamento 171 As medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor e as medidas protetivas de urgência à ofendida 172 Criminalidade ambiental – Lei nº 9.605/1998 175 Considerações gerais 175 Características gerais da Lei nº 9.605/98 176 Sujeitos do delito, responsabilidade penal da pessoa jurídica e sistema da dupla imputação 177 Principais figuras típicas 178 Circunstâncias atenuantes específicas – Art. 14 da Lei nº 9.605/1998 186 Circunstâncias agravantes específicas – Art. 15 da Lei nº 9.605/1998 187 A possibilidade de aplicação do SURSIS Penal aos crimes ambientais.Art. 16 da Lei nº 9.605/1998 187 Questões processuais penais relevantes 187 5. Crimes econômicos 191 Introdução 192 O Direito Penal Econômico 192 Crimes contra as Ordens Tributária e Econômica e Relações de Consumo. Lei nº 80.137/1990 193 Considerações gerais 193 Crimes em espécie: arts. 1º a 3º 200 Crimes contra as Relações de Consumo 208 Considerações gerais 208 Crimes em espécie 211 Lavagem de Capitais (Lei nº 9.613/1998) 218 Considerações gerais 218 Crimes em espécie 220 Crimes de Colarinho Branco – Lei nº 7.492/1986 222 Considerações gerais. Conceito de instituição financeira 222 Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional 223 Crimes em espécie 224 Ação penal 234 Delação premiada 234 9 Prefácio Prezados(as) alunos(as), Este livro tem por objetos de estudo os crimes contra a Administração Pública e a introdução ao estudo da legislação penal especial. Será tema e discussão a expansão do Direito Penal e consectário surgimento de novas formas de crimina- lidade, de novos ramos do Direito Penal e, consequentemente, de novas formas de controle social introduzidas pelo processo de desenvolvimento sócio-político, econômico e de globalização da sociedade. Com base na premissa de que é essen- cial o debate, a partir dos temas objeto de maior controvérsia no atual contexto social serão selecionadas ao longo do livro as principais figuras típicas afetas aos citados crimes em espécie. Para tanto, serão estudados critérios de descrição das condutas típicas, fixação de pena em abstrato, em concreto e consequente adoção de medidas de política criminal pelo Sistema de Justiça Criminal Brasileira para fins de controle social penal. Desta forma, este livro terá dentre seus objetivos gerais o de fazer com que você(s) seja(m) capaz(es) de: (i) reconhecer a relevância do estudo integrado entre as teorias do delito, da sanção penal e os crimes em espécie, previstos na Parte Especial do Código Penal e na Legislação Penal Especial, e sua necessária subsunção aos princípios cons- titucionais.; (ii) desenvolver o raciocínio crítico-jurídico acerca dos Crimes contra a Administração Pública; (iii) identificar os critérios de seleção dos bens jurídico-penais a serem tutelados pela Legislação Penal Especial e as medidas de política criminal ado- tadas pelo Sistema de Justiça Criminal Brasileira para fins de controle social-penal. Para tanto, seu estudo terá por objeto os seguintes temas: Crimes contra a Administração Pública; Legislação Penal Especial; Lei de Crimes Hediondos e equi- parados (Lei nº 8.072/1990); Lei de Tortura (Lei nº 9.455/1997); Terrorismo (Lei nº 13.260/2016); Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006); Organização Criminosa (Lei nº 12.850/2013); Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003); Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/1997); Crimes contra as Ordens Tributária e Econômica e Relações de Consumo (Lei nº 80.137/1990 e Lei nº 8.078/1990); Lavagem de Capitais (Lei nº 9.613/1998) e Crimes de Colarinho Branco (Lei nº 7.492/1986); Lei Maria da Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006); e Criminalidade Ambiental (Lei nº 9.605/98). Bons estudos! Crimes contra a administração pública 1 capítulo 2 • 12 Crimes contra a administração pública Introdução Neste capítulo, você estudará os crimes praticados contra a Administração Pública. Para tanto, há uma série de indagações a serem respondidas antes de você identificar as principais figuras típicas contra a Administração Pública, tais como “Qual é o conceito de Administração Pública para fins penais?” e “Quem pode ser considerado funcionário público para fins penais?”. Através da compreensão destes conceitos, você poderá identificar o bem jurídico-penal tutelado e os critérios uti- lizados pelo legislador para fins de tipificação das condutas contra a Administração Pública e posteriormente identificar e confrontar as principais figuras típicas. OBJETIVOS • Definir Administração Pública para fins penais; • Definir funcionário público para fins penais; • Analisar a aplicação dos princípios constitucionais aos crimes contra a Administração Pública; • Identificar os delitos contra a Administração Pública praticáveis por funcionário público e por particular; • Identificar os crimes contra a Administração da Justiça. Conteúdo Considerações gerais Inicialmente, precisamos conceituar Administração Pública e funcionário pú- blico para fins penais, pois nestes crimes o Estado tanto figura como sujeito passi- vo direto – titular do bem jurídico-penal lesionado – quanto indireto, na medida em que exerce o controle social penal. Com relação à definição de Administração Pública para fins penais, podemos identificar dois aspectos: de um lado como atividades exercidas pelo Estado e, de outro, os órgãos e agentes que realizam as referidas atividades. A distinção entre funções típicas e atípicas da administração pública, definidas pelo Direito capítulo 2 • 13 Administrativo, bem como os regimes de trabalho celetista ou estatutário entre o agente público e o Estado não possuem relevância para o nosso estudo. ATENÇÃO A consecução da atividade administrativa tem por finalidade o bem comum da coletivi- dade, ou seja, o poder-dever de atuar em prol do interesse público – proteção e efetivação. CURIOSIDADE Ainda que não tenha relevância para fins penais, é interessante que você identifique algumas definições de Direito Administrativo: • Em decorrência da divisão de poderes, podemos considerar que incumbe ao Poder Executivo, precipuamente, a administração pública, seja federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal. • A Administração Pública possui dois aspectos: material e formal. O sentido material ou fun- cional tem por objeto a atividade exercida, classificada em quatro espécies: serviço público, atividade de intervenção, atividade de fomento e polícia administrativa. O sentido material ou subjetivo, por sua vez, tem por foco o órgão e agentes que exercem a atividade administrativa. • A Administração Pública é regida pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralida- de, publicidade e eficiência. Legalidade, aqui, significa que o agente público somente pode atuar de acordo com o que estiver previsto em lei. A impessoalidade denota que a conduta do agente público deva ser voltada ao bem comum, independentemente de seus interesses pessoais e convicções e, portanto, dotada de finalidade legal. A moralidade pública, por sua vez, não se confunde com a noção de moral nas relações de natureza privada e relaciona-se à probidade administrativa, ou seja, pautada nas normas, mas também aos valores éticos estabelecidos para o bem comum. Em relação à publicidade, parte-se da premissa de que se o bem comum é a finalidade da atuação administrativa, os atos praticados por ela deverão ser de conhecimento da co- letividade. Por fim, o princípio da eficiência, que é extremamente controvertido, uma vez que estabelece que a conduta do agente público deva ser a mais eficiente possível. capítulo 2 • 14 Bem jurídico tutelado. Conceitos de Administração Pública e funcionário público para o Direito Penal Quando questionamos os conceitos de Administração Pública, dois deles sur- gem como relevantes para os nossos estudos: um de natureza constitucional e ad- ministrativa e outro específico para fins penais. O primeiro diz respeito às funções essenciais para o funcionamento do Estado e tem por premissa a divisão de pode- res e o respeito ao Estado Democrático de Direito. O segundo, específico para fins penais, é muito mais abrangente, e de acordo com Luiz Regis Prado, caracteriza-se como “toda a atividade funcional do Estado, seja subjetivamente (órgãos instituí- dos para a concreção de seus fins), seja objetivamente (atividade estatal realizada com fins de satisfação do bem comum)” (PRADO: 2010, p. 387 e 388). Conforme dispõe o art. 37 da CRFB/1988, a Administração Pública é regida pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidadee eficiên- cia. Logo, nos delitos contra a Administração Pública, o agente público atuando isoladamente ou em unidade de desígnios com pessoas estranhas à Administração Pública atua de forma contrária aos referidos princípios e sua conduta pode ser ca- racterizada como desvio de poder de modo a lesionar a probidade administrativa, na medida em que o interesse particular se sobrepõe ao interesse público. ATENÇÃO Questão importante a ser analisada é a possibilidade do concurso de pessoas e conse- quente comunicabilidade da elementar funcionário público ao particular, quando este concor- re para a prática do delito contra a Administração Pública. Consoante interpretação do o art. 30 do Código Penal, podemos concluir que as elementares objetivas ou subjetivas se comu- nicam desde que o outro agente tenha ciência desta elementar. Lembremos que a elementar funcionário público possui natureza subjetiva, pois se refere à condição específica do agente. Para fins de exemplificação, vejamos algumas narrativas hipotéticas: Narrativa 1: O agente A, funcionário público de determinada repartição pú- blica, com o fim de subtrair um notebook da sua seção, decide ir ao prédio no qual trabalha na noite de sexta-feira e, aproveitando-se do fato de o vigia o reconhe- cer, mente informando que irá buscar sua mochila que havia esquecido. Ainda, pede a seu cunhado B que o acompanhe com o fim de auxiliá-lo caso haja algum capítulo 2 • 15 problema. Nessa situação, podemos afirmar que A praticou o delito de peculato furto, previsto no art. 312, §1º, do Código Penal, sendo a mesma conduta típica aplicável a seu cunhado, uma vez que este tinha conhecimento da condição de funcionário público utilizada por A. Narrativa 2: Suponhamos que A pratique a mesma conduta com o auxílio de uma nova namorada que desconheça sua condição de funcionário público. Neste caso, teremos o rompimento da teoria monista ou unitária do concurso de agentes, na medida em que sua namorada desconhecia a elementar funcionário público, razão pela qual sua conduta restará tipificada como furto, e não peculato. Narrativa 3: A, com o auxílio de seu cunhado, decide arrombar a janela de sua seção para que ninguém o veja subtraindo o notebook. Neste caso, como o agente em momento algum se utilizou da condição de funcionário público, não há que se falar no delito de peculato, mas no delito de furto qualificado pelo concurso de agentes e pelo rompimento de obstáculo, majorado pelo repouso noturno. Distinção entre crimes funcionais próprios e impróprios Conceitos importantes a serem identificados são os de crimes funcionais próprios e crimes funcionais impróprios, pois em muitos casos concretos haverá o confronto e necessidade de distinção entre os crimes contra a Administração Pública e, por exemplo, os crimes contra o patrimônio. Na narrativa 3, sobre con- curso de pessoas, identificamos a possibilidade de um funcionário público ter sua conduta tipificada como furto, e não como delito de peculato, pois ele não se uti- lizou da condição de funcionário público para a prática do delito. Assim, podemos definir crimes funcionais como aqueles praticados por funcionário público no exercício de suas funções ou em decorrência destas, podendo ser esses classificados como próprios ou impróprios (mistos). • Crimes funcionais próprios são aqueles em que, caso não esteja presente a elementar do tipo “funcionário público”, a conduta será considerada atípica, como o delito de prevaricação, previsto no art. 319 do Código Penal. Uma vez retirada a elementar funcionário público, a conduta será atípica. Por outro lado, crimes funcionais impróprios são aqueles nos quais, uma vez excluída a elementar funcionário público, a conduta será tipificada como outro crime, como o exemplo citado no qual podemos confrontar os delitos de peculato (art. 312, CP) e apro- priação indébita (art.168, CP) ou furto (art.155, CP). capítulo 2 • 16 Conceitos de funcionário público e funcionário público por equiparação, previstos no Código Penal Vimos que os conceitos de Administração Pública englobam, sob o aspecto subjetivo ou material, os agentes que realizam as suas funções típicas. Entretanto, para fins penais, em decorrência do princípio da legalidade, o art. 327 do Código Penal estabeleceu seu conceito. Desta forma, compreende-se como funcionário público, para fins penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. Significa dizer que o Código Penal adotou o critério unitário, ou seja, um critério lato sensu de funcionário públi- co, independentemente das distinções estabelecidas pelo Direito Administrativo (funcionário público, empregado público, ocupantes de cargos em comissão ou servidores temporários). Com o crescimento da terceirização (privatização) de alguns serviços públicos, tais como concessionárias de serviços públicos, durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso foi promulgada a Lei nº 9.983/2000, que acrescen- tou o §1º ao art. 327 do Código Penal, segundo o qual são considerados funcio- nários públicos por equiparação “quem exerce cargo, emprego ou função em enti- dade paraestatal e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública”. Ainda com relação aos servidores temporários, podemos citar os mesários eleitorais, ju- rados e até mesmo conselheiros (Lei nº 8.069/1990). Todavia, não podemos con- fundir serviço público temporário com múnus público, pois aquele exerce função pública, enquanto este exerce encargo público, a exemplo dos inventariantes judi- ciais e síndicos (administradores) de massa falida. CURIOSIDADE A distinção entre funcionário público, empregado público, ocupantes de cargos em co- missão ou servidores temporários reside, dentre outros aspectos, na forma com a qual o agente passou a integrar a administração pública (concurso público, cargo em comissão, contrato de trabalho celetista) ou, ainda, nos regimes de trabalho (celestista, estatutário ou até mesmo, sem que haja qualquer remuneração). capítulo 2 • 17 CURIOSIDADE Para enriquecer seus conhecimentos acerca do conceito de funcionário público, é im- portante diferenciá-lo do conceito de autoridade pública, previsto na Lei nº 4.898/1965, que, ao regular os crimes praticados por autoridade pública, bem como as condutas ilícitas extrapenais, reconheceu como autoridade pública, em seu art. 5º, quem exerce função pú- blica, de natureza civil ou militar, diferentemente do conceito previsto no Código Penal, que compreende tão somente a função de natureza civil. Em síntese, podemos diferenciá-los pela natureza das funções exercidas. Desta forma, no caso de confronto entre os dispositivos previstos no Código Penal e na Lei nº 4.898/1965, e consequente ocorrência de conflito aparente de normas, este deverá ser solucionado pelo do princípio da especialidade, bem como veremos neste capítulo a derrogação tácita de dispositivos do Código Penal no caso de conflito intertemporal, como o art. 322 do Código Penal (violência arbitrária), pelo disposto no art. 3º, i, da Lei nº 4.898/1965. A aplicação do princípio da insignificância aos crimes contra a Administração Pública O questionamento acerca da incidência do princípio da insignificância visa, em última análise, à exclusão da responsabilidade jurídico-penal mediante o reco- nhecimento da exclusão da tipicidade da conduta. • Como estudamos em Direito Penal I, para a aplicação do princípio da insig- nificância, consoante o entendimento do Supremo Tribunal Federal, é indispensável o preenchimento de determinados requisitos: (a) mínima ofensividade da conduta do agente; (b) nenhuma periculosidade social da ação; (c) reduzidíssimo grau de re- provabilidade do comportamento e (e) inexpressividade da lesão jurídica provocada. • No que concerne aos crimes contra a Administração Pública, o entendimento do Superior Tribunal de Justiçaé no sentido de que não há que se cogitar a inci- dência do referido princípio para fins de exclusão da tipicidade da conduta, ainda que em alguns casos sejam atendidos os requisitos afetos à lesão patrimonial, pois, segundo o melhor entendimento, busca-se tutelar não apenas o erário (patrimônio) público, mas, principalmente, a moralidade e a probidade da Administração Pública no exercício de suas funções. Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal já se ma- nifestou no sentido da possibilidade da aplicação do referido princípio (Habeas Corpus 112.388/SP; 107.638/PE; 107.370/SP; 104.286/SP; 92.634/PE). capítulo 2 • 18 Crimes em espécie Para que possamos melhor identificar os crimes em espécie contra a Administração Pública, utilizaremos a divisão estabelecida pelos capítulos do Código Penal, de acordo com o conteúdo de nossa disciplina. A saber: • Dos crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral; • Dos crimes praticados por particular contra a administração em geral; • Dos crimes contra a Administração da Justiça. Percebam que nosso conteúdo programático não contém todas as infrações constantes no Título XI do Código Penal, Dos Crimes contra a Administração Pública, mas aqueles selecionados como indispensáveis à construção do raciocínio jurídico. Vejamos, a seguir, cada um deles. Dos crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral Peculato – Art. 312 do Código Penal A expressão “peculato” tem origem no direito romano, na derivação peculatus, advinda de pecus, “consistente na subtração de coisas pertencentes ao Estado” (PAGLIARO,1999 apud SANCHES, 2014, p.740), na medida em que o comér- cio era realizado sobre determinadas mercadorias (pecus), tais como carneiros e bois. Tem por objeto jurídico a própria moralidade da Administração Pública e, indiretamente, seu patrimônio; e por objeto material todo e qualquer bem móvel, dinheiro ou valor. Análise do tipo penal O delito de peculato se caracteriza como delito funcional impróprio ou mis- to, pois as condutas dolosas previstas descrevem figuras especiais dos delitos de apropriação indébita (caput) e de furto (§1º), uma vez que excluída a elementar funcionário público da figura típica, esta será caracterizada como um destes delitos contra o patrimônio. capítulo 2 • 19 Por outro lado, no caso da conduta culposa, prevista no parágrafo segundo, o agente público, por meio da quebra do dever objetivo de cuidado (portanto cul- pa), concorre para a prática de peculato doloso por outrem. Sujeitos do delito Configura-se como delito próprio, mas admite o concurso de pessoas, des- de que o estranho à Administração Pública tenha conhecimento da condição do sujeito ativo. No que concerne ao sujeito passivo, o Estado figura tanto como sujeito passivo indireto quanto direto, na medida em que ocorre a lesão ao seu patrimônio (inclusive ao patrimônio moral). Ou seja, também será considerado sujeito passivo de direto na medida em que se configure como titular do bem jurídico-penal lesionado. ATENÇÃO Questão relevante a ser analisada é a possibilidade da ocorrência do denominado pecu- lato de uso e, consequentemente, exclusão da tipicidade material da conduta do agente, a exemplo do que ocorre quando no delito de furto o agente utiliza-se de bem infungível, sem o especial fim de agir de assenhoreamento definitivo, e o restitui de forma completa e integral. No caso de uso de bem público, discute-se se o denominado peculato caracterizar-se-ia como mero ilícito administrativo. EXEMPLO Vejamos a seguinte narrativa hipotética: Suponha que agente público tenha se utilizado de automóvel que lhe estava confiado pela Administração Pública para levar seu filho ao colégio e realizar compras pessoais em supermercado, tendo logo em seguida restituído o veículo sem qualquer dano, bem como com a mesma quantidade de combustível que havia nele quando o pegara. Nesta situação, o melhor entendimento doutrinário é no sentido da configuração do peculato de uso – irre- levante penal. Cabe salientar, entretanto, que a responsabilização na seara administrativa poderá subsistir, conforme o disposto nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/1992, sendo a conduta caracterizada como improbidade administrativa. capítulo 2 • 20 É importante destacar ainda duas exceções nas quais não haverá a caracteriza- ção do peculato de uso para fins de exclusão de responsabilidade penal: quando a conduta for praticada por prefeito, haverá crime conforme expressa o art. 1º, II, do Decreto-Lei nº 201/67. Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal já se mani- festou no sentido de que o referido artigo foi recepcionado pela Constituição da República de 19881; e quando a conduta for praticada por militar, delito previsto no art. 303 do Código Penal Militar (Decreto-lei nº 1.001/69), não há que se cogitar a aplicação do peculato de uso, conforme entendimento majoritário na doutrina e jurisprudência. Classificação doutrinária O delito de peculato pode ser classificado como crime próprio (exige qua- lidade especial de seu sujeito ativo); unissubjetivo (pode ser praticado por um único agente); de forma livre (admite qualquer meio executório); instantâneo e plurissubsistente (seu iter criminis é fracionável), logo admite a tentativa nas mo- dalidades dolosas. Figuras típicas • Peculato apropriação (art. 312, caput, 1ª parte, CP) - Pena: reclusão de 2 (dois) a 12 (doze) anos e multa; • Peculato desvio (art. 312, caput, parte final, CP) - Pena: reclusão de 2 (dois) a 12 (doze) anos e multa; • Peculato furto (art. 312, §1º, CP) - Pena: reclusão de 2 (dois) a 12 (doze) anos e multa; • Peculato culposo (art. 312, §2º, CP) - Pena: detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano; • Peculato mediante erro de outrem (art. 313, CP) - Pena: reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa; • Peculato eletrônico (arts. 313-A e 313-B, CP) - Pena: reclusão de 2 (dois) a 12 (doze) anos e multa; e detenção de 3 (três) meses a 2 (dois) anos e multa, respectivamente. 1 Sobre o tema, veja a seguinte decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal: ARE 944531/MG – Minas Gerais. Recurso Extraordinário com Agravo. Relator: min. DIAS TOFFOLI. Julgamento: 4/2/2016. Disponível em: http://www.stf.jus.br/jurisprudencia. capítulo 2 • 21 Peculato próprio As condutas de peculato previstas, respectivamente, na primeira e última par- te do caput do art. 312 do CP classificam-se em peculato apropriação e peculato desvio, também denominado malversação. O peculato apropriação, como dito anteriormente, diferencia-se do delito de apropriação indébita em decorrência da elementar funcionário público, pois se configura como a apropriação de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, do qual o funcionário público tenha a posse em razão do cargo. Desta forma, consuma-se no momento em que o funcionário inverte o animus sobre a res e passa a agir como se seu titular fosse, caracterizando-se como delito material. COMENTÁRIO Guilherme de Souza Nucci esclarece que dinheiro corresponde à moeda em vigor no país, e valor corresponde a tudo o que possa ser convertido em dinheiro (NUCCI: 2014, p.1.036). Peculato furto Também denominado peculato impróprio, previsto no §1º do art. 312 do Código Penal, configura-se como a conduta do funcionário público que, embora não tenha a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, para si ou para outrem, prevalecendo-se da condição de funcionário público. Podemos perceber que o núcleo do tipo “subtrair” denota que o funcionário público não tem a posse sobre o bem, dinheiro ou valor, mas tão somente se aproveita da sua condição para ter acesso ao objeto material do delito. Logo, somente se consuma quando o agente efetivamente subtrai o bem, independentemente do fato da posse ser mansa ou pacífica, da mesma forma estudada para a consumação do delito de furto (teoria da Amotio). Ainda, sendo o iter criminis fracionável, torna-se possível a tentativa.capítulo 2 • 22 ATENÇÃO • Por se tratar de crime funcional impróprio, é imprescindível que o agente se valha da fun- ção pública para a prática do delito. Caso contrário, sua conduta poderá ser caracterizada, por exemplo, como apropriação indébita ou furto. • Ainda, no caso de concurso de pessoas, para que haja a comunicabilidade da elementar funcionário público, é imprescindível que o particular que concorra para a prática do crime te- nha conhecimento de que o outro agente é funcionário público e esteja se aproveitando des- ta condição para a prática do delito, sob pena de rompimento da teoria unitária do concurso de pessoas, prevista no art. 29 do Código Penal, de modo ao particular ser responsabilizado por outro delito que não o de peculato, tal qual o delito de furto. Peculato culposo A figura típica de peculato culposo, prevista no §2º do art. 312 do Código Penal, se configura quando o funcionário público quebra o seu dever objetivo de cuidado de modo a facilitar a prática do crime de outrem. Na verdade, trata-se de participação culposa em crime doloso tratado como crime autônomo face aos princípios norteadores da Administração Pública e ao bem jurídico penal protegido. CURIOSIDADE Questiona-se na doutrina se a expressão “crime”, prevista na figura típica, somente é afe- ta a crimes contra a Administração Pública ou se também se aplica a crimes não funcionais. O entendimento majoritário é no sentido de que se aplica somente a crimes funcionais. Rogério Sanches Cunha, entretanto, sustenta a aplicação a crimes não funcionais (comuns), sob o argumento de que a lesão ao bem jurídico penal seria a mesma (CUNHA: 2014, p.746). É interessante destacar ainda que esta conduta se configura como plurissubjetiva, pois exige a concorrência de mais de um agente. capítulo 2 • 23 ATENÇÃO Nos casos de peculato culposo, a reparação do dano pelo funcionário público pode se caracterizar como causa de extinção de punibilidade (perdão judicial) ou causa de diminui- ção de pena (da metade), respectivamente, se for realizada anteriormente à sentença penal transitada em julgado ou posteriormente a esta. Peculato mediante erro de outrem Esta figura típica, prevista no art. 313 do Código Penal, também é conhecida como peculato estelionato, na medida em que o funcionário público se utiliza de ardil ou fraude para a apropriação de dinheiro ou qualquer outra utilidade recebi- da face ao erro de outrem, ou seja, terceiro. Para ilustrar: particular, mediante uma falsa percepção da realidade, entrega dinheiro ou utilidade – qualquer vantagem ou lucro – a funcionário público que não esteja autorizado a recebê-lo e este do- losamente não informa ao terceiro e tampouco à Administração Pública acerca do erro, com o fim de assegurar a sua apropriação. Além dos casos nos quais o funcionário público não seja o competente para receber o valor, dinheiro ou utilidade, há casos em que, embora seja de sua com- petência tal atividade, o funcionário aproveita-se do erro de terceiro, por exemplo, apropriando-se dolosamente da diferença de pagamento feito a maior por este. CURIOSIDADE Confronto entre o delito de peculato e os delitos falsificação de documento e uso de documento falso. A partir da análise do caso concreto da concorrência entre a prática dos delitos de peculato e uso de documento falso, surge a seguinte controvérsia: será caracteri- zado concurso de crimes (material ou formal imperfeito) ou conflito aparente de normas a ser solucionado pelo princípio da absorção? Peculato eletrônico Diferenciaremos as figuras típicas denominadas pela doutrina de “peculato eletrônico”, acrescentadas pela Lei nº 9983/2000, segundo a expressa disposição dos artigos 313-A e 313-B do Código Penal. capítulo 2 • 24 Inserção de dados falsos em sistema de informações A figura típica se encontra prevista no art. 313-A do Código Penal. Configura forma especial do delito de peculato e se consuma quando o funcionário público, autorizado ou competente para as alterações no sistema informatizado ou ban- co de dados de determinado órgão público, realiza a inserção ou facilitação de inclusão de dados falsos ou a exclusão de dados corretos do sistema de dados da Administração Pública com o especial fim de agir de obtenção de vantagem inde- vida para si ou para outrem. É importante destacar que o delito se consuma no momento em que há a alte- ração dos dados constantes no banco de dados da Administração Pública, seja pela inclusão ou facilitação de inserção de dados falsos, seja pela alteração ou exclusão de dados corretos, sendo irrelevante a efetiva produção de dano à Administração Pública de modo a configurar delito formal. EXEMPLO Para fins de esclarecimentos, vejamos a seguinte ilustração: funcionário público da Re- ceita Federal que exclui informações contábeis de determinadas empresas mediante com- pensação ilícita de débitos com o fim de obter vantagem indevida dos administradores destas pratica a conduta descrita no art. 313-A do Código Penal. Modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações Diferentemente da figura prevista no art. 313-A, para que se caracterize esta, o funcionário público que realiza qualquer modificação no sistema de dados da Administração Pública não necessita ser o agente autorizado ou competente para as alterações no sistema informatizado ou banco de dados de determinado órgão público. Logo, a prática da conduta exige apenas a ausência de autorização ou de solicitação de autorização para a respectiva modificação dos dados. Nesta figura típica, não há o especial fim de agir de obtenção de vantagem in- devida. Razão pela qual, em respeito ao princípio da proporcionalidade das penas, esta é bem menor do que a prevista na figura constante no art. 313-A. Segundo Antônio Lopes Monteiro, podemos diferenciar os delitos previstos nos arts. 313-A e 313-B do Código Penal sob o seguinte argumento: capítulo 2 • 25 No primeiro, o computador é o meio utilizado. No segundo, será ele próprio o objeto material. Aquele é conhecido como crime de informática comum, enquanto este seria o crime de informática autêntico, visto que o computador é essencial para a existência do delito (MONTEIRO apud CAPEZ: 2014, p. 630). Concussão O delito de concussão, previsto no art. 316 do Código Penal, descreve figura especial do delito de extorsão, caracterizando-se, portanto, como delito funcional impróprio ou misto. Análise do tipo penal A descrição da figura típica possui como ação nuclear a conduta do funcio- nário público que, em razão da função pública, exige de outrem, direta ou indi- retamente, vantagem indevida. Vejamos os elementos: (a) a conduta de exigir se configura como verdadeiro constrangimento ilegal, na medida em que visa obrigar o sujeito passivo a fazer o que não quer – fornecer a vantagem indevida; (b) a con- duta caracteriza-se como subjetivamente complexa, pois possui o dolo genérico, vontade livre e consciente de exigir e o especial fim de agir de obter vantagem indevida para si ou para outrem. Questiona-se na doutrina acerca da natureza jurídica da elementar normativa “vantagem indevida”, ou seja, se teria somente natureza econômica ou patrimo- nial. Apesar de a questão ser controvertida, pois parte da doutrina sustenta que somente possui natureza econômica2, o entendimento que prevalece é no sentido de que a vantagem indevida pode ser de qualquer natureza: econômica ou patri- monial, moral, sexual, entre outras3. Quando a lei se refere à possibilidade de a conduta ser praticada direta ou indiretamente pelo funcionário público, podemos compreender a expressão “in- diretamente” refere-se a quando o funcionário público utiliza interposta pessoa para a prática da conduta. 2 Neste sentido, Rui Stoco (STOCO, Rui; Franco, Alberto Silva (coords.). Código Penal e sua interpretação: doutrina e jurisprudência. 8ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 3.854). 3 Neste sentido, Rogério Greco (GRECO,Rogério. Código Penal Comentado. 10ª ed. Niterói: Impetus, 2016, p.1.072); Rogério Sanches Cunha (op. cit., p.760); Fernando Capez (op. cit., p. 634) e Guilherme de Souza Nucci (op. cit., p.1.048). capítulo 2 • 26 ATENÇÃO Diferencia-se do delito de corrupção passiva, previsto no art. 317 do Código Penal, pois neste o núcleo do tipo descreve a conduta de “solicitar”, diferentemente do delito de concussão, no qual o agente “exige” para si ou para outrem a vantagem indevida, ou seja, impõe à vítima a prática de uma conduta que o beneficie, e esta cede por temor a possíveis represálias. Tem por objeto jurídico a Administração Pública e por objeto material a vantagem indevida. Sujeitos do delito Configura-se como delito próprio porque a condição de funcionário público como sujeito ativo do delito é elementar do tipo. Entretanto, não é necessário que ele esteja no exercício da função pública, mas que se valha dela, mesmo antes de assumi-la, como forma de constranger o sujeito passivo. ATENÇÃO A figura típica prevista no §1º do art. 316 do Código Penal (excesso de exação) somente ad- mite como sujeito ativo o funcionário encarregado da arrecadação do tributo ou contribuição social. No que concerne ao sujeito passivo, o Estado figura tanto como sujeito pas- sivo indireto quanto direto, na medida em que ocorre a lesão ao seu patrimônio moral e patrimonial. Da mesma forma que no peculato, admite o concurso de pessoas e consequen- te comunicabilidade da elementar funcionário público, desde que o particular que concorra para a prática da infração penal tenha ciência da elementar, conforme estabelece o disposto no art. 30 do Código Penal. Classificação doutrinária O delito de concussão pode ser classificado como crime próprio, unissubjeti- vo, doloso, de forma livre, plurisubsitente e instantâneo. capítulo 2 • 27 Consumação e tentativa Configura-se, em regra, como delito formal, ou seja, se consuma com a con- duta de exigir, para si ou para outrem, mas em razão da função, a vantagem in- devida; caso esta ocorra, será caracterizada como mero exaurimento da conduta. Da mesma forma que a extorsão, o delito de concussão é plurissubsistente, logo, admite tentativa quando não ocorrer o efetivo constrangimento, ou seja, quando a vítima não se sentir coagida. Figuras típicas • Simples – art. 316, caput, Código Penal - Pena: reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos e multa. • Excesso de exação – art. 316, §1º, Código Penal - Pena: reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos e multa. • Figura qualificada – art. 316, §2º, Código Penal - Pena: reclusão de 2 (dois) a 12 (doze) anos e multa. Excesso de exação Previsto no §1º do art. 316 do Código Penal, pode ser compreendido como a exigência rigorosa de tributos (imposto, taxa ou contribuição de melhoria) ou contribuição social (CAPEZ: 2010, p. 491) e se perfaz mediante duas modalidades: exigência indevida do tributo ou contribuição social e cobrança vexatória ou gravosa não autorizada em lei. Na primeira modalidade, parte-se da premissa de que o agen- te saiba ou deva saber que o tributo ou contribuição social são indevidos. Estamos nos referindo, portanto, às condutas dolosas, seja dolo direto ou eventual. É importante destacar que há entendimento minoritário no sentido de que a expressão “deva saber que o tributo ou contribuição social são indevidos” con- figura culpa por parte do funcionário público, não dolo eventual (MIRABETE: 2016, p. 323). Por outro lado, a segunda modalidade se configura com a prática da cobrança vexatória ou gravosa não autorizada em lei. Neste caso, ainda que o tributo ou contribuição social sejam devidos, a forma com a qual foram cobrados pelo funcionário público tipifica a conduta. As duas modalidades se consumam independentemente do recebimento de qualquer valor corresponde ao tributo ou contribuição social, logo se classificam como delito formal. capítulo 2 • 28 Por fim, cabe salientar que configuram-se como norma penal do manda- to em branco, na medida em que necessitam de complementação pelo Código Tributário Nacional para fins de conceituação e classificação de tributos, dentre eles a contribuição social e os impostos. A figura qualificada prevista no §2º do art. 316 do Código Penal Esta figura qualificada, também considerada norma penal do mandato em branco, descreve a conduta na qual o funcionário público que tenha recebido indevidamente valores cobrados os desvie em proveito próprio ou alheio. Ou seja, ainda que recebidos indevidamente, os valores cobrados deveriam ser recolhidos aos cofres públicos e, neste caso, além do recebimento indevido dos tributos ou contribuições sociais, o funcionário público apropria-se destes valores em benefí- cio próprio ou alheio. ATENÇÃO Caso o agente desvie a quantia (valores) após sua inclusão nos cofres públicos, o de- lito será caracterizado como peculato. Em outras palavras, o momento no qual os valores são desviados é imprescindível para a distinção entre os delitos de peculato e concussão qualificada. Em síntese, se o desvio for realizado antes dos valores ingressarem nos cofres públicos, a conduta será a prevista no §2º do art. 316; caso os valores sejam desviados após o recolhimento dos cofres públicos, restará caracterizado o peculato. Corrupção passiva O delito de corrupção passiva encontra-se previsto no art. 317 do Código Penal, sendo a moralidade pública o bem jurídico penal protegido. A expressão “corrupção” (do latim, corrupta) na sociedade brasileira é muito associada ao conhecido “jeitinho brasileiro”, na medida em esta expressão contempla a ob- tenção de qualquer vantagem indevida mediante um “acordo” entre as partes. Logo, tem por objeto jurídico a administração pública e por objeto material a vantagem indevida. Os Tribunais Superiores já firmaram entendimento no sentido de que, embora não envolva violência ou grave ameaça à pessoa, o delito de corrupção passiva traz capítulo 2 • 29 consequências nefastas e devastadoras à sociedade, pois os danos não se limitam à Administração Pública, mas atingem um número indeterminado de pessoas, lesio- nando bens públicos de interesse geral, razão pela qual têm se mostrado reticentes acerca da possibilidade do reconhecimento da atipicidade da conduta em decor- rência da adoção do princípio da insignificância (STJ, HC 337048/PR, Quinta Turma. Relator: Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Julgado em: 14/02/2017. Disponível em: http://bit.ly/2tiJuSR). Por outro lado, a doutrina tem sustentado que as gratificações usuais de pequena monta e as pequenas doações ocasionais relacionadas às festas de fim de ano não configurariam a figura típica do art. 317 do Código Penal face à incidência do princípio da adequação social (neste sentido, Fernando Capez e Guilherme de Souza Nucci). CURIOSIDADE Os Ministérios Públicos ibero-americanos se uniram para lançar a campanha #COR- RUPÇÃONÃO. Caso queira saber mais acesse o site: http://bit.ly/2sNJcSz. O ordenamento jurídico prevê condutas típicas tanto para o agente que se cor- rompe quanto para o terceiro à Administração Pública que o corrompe – corrupção passiva e corrupção ativa. Todavia, ocorreu o rompimento à teoria unitária do con- curso de pessoas previsto no art. 29 do Código Penal, pois a conduta praticada pelo funcionário público será tipificada no art. 317, enquanto a conduta praticada pelo particular, no art. 333 do Código Penal. Importante destacar que a bilateralidade de condutas nem sempre ocorrerá, ou seja, haverá situações nas quais somente o fun- cionário público praticará infração penal e outras, somente o particular. Análise do tipo penal O delito de corrupção passiva configura-se como tipo penal de ação múltipla ou tipo misto alternativo face à possibilidade da realização de mais de uma condu- ta, sendo considerado crime único, ainda que haja a prática de mais de uma con- duta no mesmo contexto fático. Vejamos as condutas nucleares previstas no caput do art.317 do Código Penal:(a) solicitar vantagem indevida – a proposta emana do agente público e consuma-se independentemente da entrega da vantagem; (b) receber vantagem indevida – a proposta emana do terceiro e consuma-se no capítulo 2 • 30 momento em que o agente recebe a vantagem indevida e (c) aceitar promessa de tal vantagem: neste caso, não é necessário o recebimento da vantagem; o delito restará consumado com o mero consentimento do agente público. ATENÇÃO Nas condutas de receber vantagem indevida ou aceitar promessa de tal vantagem, have- rá bilateralidade de condutas – corrupção ativa e passiva. Da mesma forma que no delito de concussão, são elementares do delito de corrupção passiva: a vantagem indevida (elementar normativa que não se restringe à vantagem de natureza econômica, podendo ser de natureza sentimental, sexual etc.), a possibilidade de a conduta ser praticada diretamente pelo funcionário público ou indiretamente (através de interposta pessoa, por exemplo, se a vantagem for percebi- da por um familiar seu), bem como não há necessidade de que o funcionário esteja no exercício da função pública, mas que se valha dela para a prática da conduta. ATENÇÃO A conduta obrigatoriamente deve guardar relação com a função exercida pelo funcioná- rio público. Significa dizer que deve existir relação de causalidade entre a solicitação, o rece- bimento ou o aceite da promessa de vantagem indevida com a contraprestação do agente público, seja por meio de uma conduta comissiva ou omissiva, de sua competência específica. Caso o agente pratique quaisquer destas condutas sem que tenha competência específica, mas valendo-se de sua função, podemos discutir a caracterização de sua conduta como advocacia administrativa, prevista no art. 321 do Código Penal, ou até mesmo como tráfico de influência, art. 332 do Código Penal. Sujeitos do delito Com relação ao sujeito ativo, configura-se como delito próprio. No que con- cerne ao sujeito passivo, o Estado figura tanto como sujeito passivo indireto quan- to direto, à medida que ocorre a lesão ao seu patrimônio (inclusive moral). Já o jeanh Realce jeanh Realce jeanh Realce capítulo 2 • 31 sujeito passivo é o Estado e, secundariamente, a pessoa que possa vir a ser preju- dicada pela corrupção. Classificação doutrinária O delito de corrupção passiva classifica-se como crime próprio, formal, de for- ma livre, unissubjetivo, misto alternativo e instantâneo. Com relação aos crimes funcionais, caracteriza-se como crime funcional próprio. Figuras típicas • Corrupção passiva simples – Art. 317, caput, do Código Penal - Pena: reclu- são de 2 (dois) a 12 (doze) anos e multa. • Corrupção passiva majorada – Art. 317, §1º, do Código Penal - Pena: a pena é aumentada de um terço se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional. • Corrupção passiva privilegiada – Art. 317, §1º, do Código Penal- Pena: detenção de 3 (três) meses a um 1 (ano) ou multa. Corrupção passiva simples – Art. 317, caput, do Código Penal. Os elementos, sujeitos e momento consumativo foram analisados no início deste tópico. ATENÇÃO Importante destacar que na figura típica simples, não obstante o funcionário público te- nha solicitado, recebido ou aceito promessa de vantagem indevida, ele pratica o ato de ofício para o qual era competente. jeanh Realce jeanh Realce capítulo 2 • 32 EXEMPLO Para fins de esclarecimentos, vejamos a seguinte narrativa hipotética: Um advogado oferece vantagem indevida, consistente em determinada quantia em di- nheiro, para determinar que um dado funcionário público retarde a prática de ato de ofício de sua competência com o fim de beneficiar seu cliente. Suponhamos que o funcionário público aceite a vantagem e, ainda assim, pratica o ato de ofício que era de sua competência. Corrupção passiva majorada – Art. 317, §1º, do Código Penal Também é denominada equivocamente como qualificada. Nesta figura típica, diferentemente do que ocorre na figura simples, se, além de aceitar a promessa ou receber a vantagem indevida, efetivamente deixar de praticar ou retardar a prática de ato de ofício de sua competência, a pena é aumentada de um terço, na medida em que há efetiva lesão ou dano à Administração Pública ou, indiretamente, tam- bém a algum particular. Em síntese, nesta conduta o agente público realiza o prometido ao terceiro na conduta prevista no caput do referido artigo. Neste caso, o exaurimento do delito foi considerado fato punível, caracterizado como causa de aumento da figura típi- ca. Entretanto, caso esta conduta, no caso concreto, configure delito autônomo, restará caracterizado o concurso de delitos entre a corrupção passiva e esta suposta conduta, sem, contudo, a incidência da majorante do §1º, sob pena de incidência de bis in idem. COMENTÁRIO A doutrina também a denomina de corrupção exaurida, haja vista o delito classificar-se como formal (NUCCI: 2014, p.1.052). Corrupção passiva privilegiada – Art. 317, §2º, do Código Penal Nesta figura típica, diferentemente das figuras previstas no caput e no §1º o funcionário público não visa atender a interesse próprio, mas cede à solicitação de terceiro “comum na reciprocidade do tráfico de influência” (CUNHA: 2014, p. jeanh Realce jeanh Realce jeanh Realce jeanh Realce capítulo 2 • 33 769). Em outras palavras, significa dizer que o funcionário público não retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício em decorrência da obtenção de vantagem indevida, mas porque cede à solicitação de outrem (interesse de outrem), razão pela qual sua pena passa a ser de detenção, de três meses a um ano, ou multa. CURIOSIDADE Comumente são reportadas pela mídia prisões decorrentes dos delitos de concussão e corrupção passiva, nos quais a exigência ou solicitação de vantagem indevida são reali- zadas em um dia e o pagamento, por exemplo, no dia seguinte. Como vimos ao estudar as referidas condutas, em regra, por serem delitos formais, consumam-se independentemente da obtenção da vantagem indevida pelo funcionário público. Desta forma, surge a seguinte indagação: é possível a prisão em flagrante delito, por exemplo, no dia posterior ao qual foi realizada a exigência ou solicitação no momento da entrega da vantagem indevida ou seria caracterizado o flagrante forjado, vedado em entendimento sumulado pelo Supremo Tribunal Federal, segundo o qual, “não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação” (verbete de súmula nº 145 do Supremo Tribunal Federal). O melhor entendimento é no sentido de que a prisão em flagrante não seria possível, uma vez que a entrega da vantagem indevida caracteriza mero exaurimento dos delitos. Por outro lado, é possível indagar-se acerca da caracterização de outra prisão cautelar, a exemplo da prisão preventiva, prevista no art. 312 do Código de Processo Penal. De forma contrária, argumenta Paulo Rangel que esta prisão seria manifestadamente ilegal e passível de rela- xamento pela autoridade judiciária em respeito ao disposto no art. 5º, LXV, da CRFB/1988. (RANGEL: 2009, p. 633). MULTIMÍDIA Assista aos filmes: • EDISON – Poder e Corrupção. • Tropa de Elite 2 – O Inimigo Agora é Outro. jeanh Realce jeanh Realce jeanh Realce capítulo 2 • 34 Questões relevantes • Confronto com o delito de concussão: a conduta prevista no delito de cor- rupção passiva compreende a “solicitação” do agente público sem que haja qual- quer forma de constrangimento ou coação, diferentemente da conduta prevista no tipo penal de concussão. • Confronto entre o delito de corrupção passiva privilegiada e o delito de pre- varicação: neste caso, a conduta do agente público tem por motivo determinante a satisfação de interesse ou sentimento pessoal, enquanto na corrupção passiva o agente visa a obtenção de vantagem indevida. EXEMPLO Para fins de esclarecimentos, vejamos as seguintes narrativashipotéticas: Narrativa 1: Joana, delegada de polícia, negou-se a registrar ocorrência de estupro de vulnerável contra o filho de sua empregada doméstica, Marilza, a pedido desta, que alegou conhecer o rapaz que praticara a conduta, bem como concordava com o namoro de ambos. Nesta situação, a delegada de polícia, cedendo a pedido de outrem e sem o dolo de obtenção de vantagem indevida, praticou a conduta de corrupção passiva privilegiada, prevista no art. 317, § 2º, do Código Penal. Narrativa 2: Suponhamos que a delegada de polícia, sob o argumento de que conhecia o jovem e que a suposta vítima, de 13 anos à época dos fatos, era, como afirmado pela mãe do suposto autor dos fatos, namorada deste, por ato voluntário, negou-se a registrar a referida ocorrência de estupro de vulnerável. Nesta situação, sua conduta será caracterizada como prevaricação, prevista no art. 319 do Código Penal. Cabe salientar que nas duas narrativas hipotéticas não nos preocupamos em discutir o dissídio jurisprudencial acerca da configuração do delito de estupro de vulnerável quando a menor já possui experiência sexual e consente a relação sexual. Facilitação de contrabando ou descaminho – Art. 318 do Código Penal Nesta figura típica, o legislador rompeu com a teoria unitária do concurso de pessoas na medida em que optou por tipificar a conduta do agente que, na verda- de, realiza conduta acessória às condutas de contrabando ou descaminho. Antes de analisarmos as elementares do tipo, é importante identificar os conceitos de contrabando e descaminho. jeanh Realce jeanh Realce capítulo 2 • 35 CONCEITO A expressão contrabando compreende toda a “importação ou exportação cujo ingresso ou saída do país seja absoluta ou relativamente proibida”. Por outro lado, a expressão desca- minho, compreende “toda fraude empregada para iludir, total ou parcialmente, o pagamento de impostos de importação, exportação ou consumo (cobrável na própria aduaneira antes do desembaraço das mercadorias importadas)” (PRADO: 2010, p. 448 - 449). Análise do tipo penal O delito em exame descreve a conduta de funcionário público que colabora ou concorre para a prática das condutas de descaminho ou contrabando praticadas por particular. Da mesma forma que os demais delitos contra a Administração Pública, possui a própria administração pública como objeto jurídico, seja pelo as- pecto moral ou patrimonial. Em relação ao objeto material da conduta, podemos considerar os produtos ou mercadorias contrabandeados ou dos quais os impostos não foram recolhidos. A conduta nuclear de “facilitar”, através de conduta comissiva ou omissiva, a prática de contrabando ou descaminho exige que o funcionário público que a cometa seja o responsável pelo controle, fiscalização e impedimento da entrada de mercadoria proibida, no caso do contrabando, ou pelo controle, fiscalização e arrecadação do imposto devido, no caso do descaminho. • Pena: reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos e multa. Sujeitos do delito O sujeito ativo do delito será o funcionário público que possuir competência específica para o controle, fiscalização, arrecadação do tributo ou proibição. Caso contrário, sua conduta será tipificada como participação à conduta do particular que praticar o descaminho (art. 334 do Código Penal) ou o contrabando (art. 334-A do Código Penal). A Administração Pública figura como sujeito passivo. Classificação doutrinária Configura-se como delito próprio, doloso, de forma livre, unissubjetivo, ins- tantâneo, unissubstente ou plurissubsistente e formal. jeanh Realce jeanh Realce jeanh Realce jeanh Realce capítulo 2 • 36 Consumação e tentativa Por caracterizar-se como delito formal, se consuma no momento em que o agente pratica a conduta de facilitação, por meio de conduta comissiva ou omissi- va, infringindo dever funcional, sendo, portanto, irrelevante se o particular logrou êxito no descaminho ou contrabando. Não obstante trata-se de crime formal, por admitir o fracionamento do iter criminis (plurissubsistente). É possível a caracte- rização da tentativa como causa de diminuição de pena. Questões relevantes • Consoante dispõe o art. 144, §1º, II, da CRFB/1988, incumbe à Polícia Federal prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o con- trabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência, razão pela qual a competência para processo e julgamento desta infração penal será da Justiça Federal. Ainda, confor- me entendimento sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, “a competência para o processo e o julgamento por crime de contrabando ou descaminho define- -se pela prevenção do Juízo Federal do lugar da apreensão dos bens” (verbete de súmula nº 151). Prevaricação – Art.319 do Código Penal A figura típica de prevaricação traz nitidamente em sua descrição típica a si- tuação na qual o agente público sobrepõe seu interesse ou sentimento pessoal ao interesse público, independentemente da obtenção de qualquer vantagem indevi- da, na medida em que sua conduta de deixar de praticar ou retardar a prática de ato de ofício tem por motivação ou especial fim de agir a satisfação de interesse ou sentimento pessoal. O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que para a con- figuração do delito prevaricação não basta afirmar a transgressão ao princípio da moralidade, sendo imprescindível para sua configuração a indicação do dispositi- vo de lei infringido pela ação ou inação do servidor público, bem como o elemen- to subjetivo específico (especial fim de agir), qual seja a motivação do autor do ato de ofício. (STJ, APn 505-CE, rel. min. Eliana Calmon, julgada em 18/6/2008, disponível em http://bit.ly/2sXvMlr). jeanh Realce jeanh Realce jeanh Realce jeanh Realce jeanh Realce jeanh Realce jeanh Realce jeanh Realce jeanh Realce capítulo 2 • 37 Configura-se como delito especial próprio e admite o concurso de pessoas por particular, na modalidade de participação. Análise do tipo penal Antes de analisarmos as elementares do tipo, é importante identificarmos os conceitos de interesse ou sentimento pessoal. Por “interesse ou sentimento pes- soal” compreende-se o interesse que não tenha caráter econômico, mas pelo qual o agente público coloca seu interesse acima do interesse público. Guilherme de Souza Nucci sustenta que interesse pessoal “é qualquer proveito, ganho ou vanta- gem auferida pelo agente e que não tenha natureza econômica”, enquanto senti- mento pessoal “é a disposição afetiva do agente em relação a algum bem ou valor” (NUCCI: 2014, p. 1.054). A ação nuclear contempla as condutas de retardar ou deixar de praticar, inde- vidamente, ato de ofício, ou, ainda, praticá-lo contra disposição expressa de lei. O ato de ofício, por sua vez, caracteriza-se como objeto material do delito. CONCEITO Rogério Greco conceitua ato de ofício como “todo aquele que se encontra na esfera de atri- buição do agente que pratica qualquer dos comportamentos típicos” (GRECO: 2016, p.1.081). Configura-se como tipo subjetivamente complexo, pois contempla o dolo ge- nérico de retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício ou praticá-lo contra disposição expressa de lei e o especial fim de agir ou especial motivação de atender a interesse ou sentimento pessoal. Sujeitos do delito O Estado, na figura da Administração Pública, é o sujeito passivo direto do delito. Como sujeito ativo figura o funcionário público com a incumbência da prática do ato de ofício. jeanh Realce jeanh Realce jeanh Realce jeanh Realce ATENTAR-SE AO INTERRESE OU SENTIMENTO PESSOAL capítulo 2 • 38 Classificação doutrinária Classifica-se como delito próprio, funcional impróprio, subjetivamente com- plexo, de forma livre, instantâneo, unissubjetivo, unissubsistente ou plurissubsis- tente, bem como formal. Consumação e tentativa Por tratar-se de delito formal, consuma-se no momento em que o funcionáriopúblico retarda ou deixa de praticar indevidamente ato de ofício ou ainda quando o pratica contra disposição expressa de lei, ou seja, consuma-se independentemen- te da efetiva satisfação de interesse ou sentimento pessoal. Ainda que caracterizado como delito formal, admite a modalidade tentada nas condutas comissivas. Figuras típicas • Prevaricação própria – Art. 319 do CP -Pena : detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa • Prevaricação imprópria – Art. 319-A do CP - Pena: detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano. Configuram-se como infrações penais de menor potencial ofensivo e admitem a aplicação de pena alternativa (transação penal) e suspensão condicional do pro- cesso (arts. 76 e 89 da Lei nº 9.099/1995) Questões relevantes • Prevaricação imprópria Configura-se como a prevaricação de agente penitenciário que permite, atra- vés da quebra de seu dever funcional, que o preso tenha acesso a aparelho telefô- nico, de rádio ou similar, possibilitando a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. Este funcionário público deve ser o responsável pelo impedimento ao acesso a aparelhos de comunicação. jeanh Realce jeanh Realce jeanh Realce jeanh Realce capítulo 2 • 39 Conforme descreve Rogério Sanches Cunha, o que se pretende não é proibir a comunicabilidade do preso com o mundo exterior, mas a sua intercomunica- bilidade, ou seja, a transmissão de informações entre um preso e demais pessoas (CUNHA: 2014, p. 775). Importante destacar que é irrelevante se a conduta do agente público, por exemplo, agente penitenciário, configura-se pelas condutas de impedimento ao acesso, recolhimento do aparelho encontrado em posse do detento ou mesmo a entrega do aparelho, cabendo ao magistrado, quando da fixação da pena-base, di- ferenciar as circunstâncias e meios de prática da conduta pelo funcionário público. • Confronto com o delito de corrupção passiva privilegiada – Art. 317, §2º, CP Na prevaricação, o agente pratica a conduta comissiva ou omissiva visando à satisfação de interesse próprio, sem que haja qualquer pedido por parte de tercei- ro; no delito de corrupção passiva privilegiada, o agente público atende ao pedido ou influência de outro. Condescendência criminosa – Art. 320 do Código Penal Diferentemente do que ocorre nos demais crimes contra a Administração Pública praticados por funcionário público estudados até o momento, nesta in- fração penal a relação entre a quebra do dever funcional pelo funcionário pú- blico se dá em decorrência da conduta de outro funcionário público, não de particular (como nos demais delitos praticados por funcionário público contra a Administração Pública). O elemento normativo “indulgência” pode ser compreendido como “clemên- cia, tolerância para com a falta de subalterno” (PRADO: 2010, p. 462). Análise do tipo penal Configura-se como delito especial próprio. O núcleo do tipo contempla duas condutas, a saber: deixar de responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou deixar de comunicar o fato ao conhecimento da autoridade competente para a respectiva responsabilização. Desta forma, possui como objeto material a infração não punida ou não comunicada. jeanh Realce jeanh Realce jeanh Realce jeanh Realce capítulo 2 • 40 Sujeitos do delito Por se tratar de crime funcional, o funcionário público será o sujeito ativo. Por outro lado, o Estado, na condição de Administração Pública, figura como sujeito passivo. Classificação doutrinária Classifica-se como delito próprio, doloso, omissivo, formal, de forma livre, unissubjetivo e unissubsistente. Consumação e tentativa Por se tratar de crime formal, se consuma quando da prática da conduta omissiva pelo funcionário público hierarquicamente superior, independentemen- te da impunidade do subalterno. Ainda, por ser unissubsistente, não admitirá a tentativa. Confronto com o delito de prevaricação Não se confunde com o delito de prevaricação, pois neste a conduta omissiva do agente público visa satisfazer interesse ou sentimento pessoal próprio, enquan- to no delito de condescendência criminosa a conduta do agente público tem por motivação a indulgência em relação a terceiro. Advocacia administrativa – Art. 321 do Código Penal Análise do tipo penal A expressão “patrocinar” compreende as condutas de proteger, beneficiar ou defender, direta ou indiretamente, interesse privado, que pode ser legítimo ou não (NUCCI: 2014, p. 1.060). Cabe salientar que o patrocínio pode configurar-se como mero “favor”, não sendo exigido, portanto, que o agente público receba qualquer vantagem. jeanh Realce jeanh Realce jeanh Realce capítulo 2 • 41 Desta forma, podemos concluir ser possível o concurso formal de crimes com os delitos de concussão (art. 316, CP), corrupção ativa (art. 317, CP) e corrupção passiva (art. 333, CP). Possui por objeto material o interesse privado patrocinado. Sujeitos do delito Como os demais delitos até aqui estudados, teremos o funcionário público como sujeito ativo e a Administração Pública na qualidade de sujeito passivo. Classificação doutrinária Classifica-se como delito próprio, doloso, comissivo, formal, de forma livre, unissubjetivo e plurissubsistente. Consumação e tentativa Por tratar-se de crime formal, se consuma quando da prática da conduta comissiva pelo funcionário público, independentemente de efetivo prejuízo à Administração Pública. Por ser plurissubsistente, em tese, admitirá a tentativa. Confronto com o delito de prevaricação No delito de advocacia administrativa, o agente público não tem competência para a prática de determinado administrativo e se vale de sua função para in- fluenciar aquele que possui a referida competência com o fim de auferir qualquer benefício a terceiro estranho à Administração Pública. Questões relevantes • Admite-se o concurso formal de crimes com os delitos de concussão (art. 316, CP), corrupção ativa (art. 317, CP) e corrupção passiva (art. 333, CP). • Nos casos de crimes contra a ordem tributária ou relacionados a licitação pública, reger-se-ão pelas regras especiais contidas, respectivamente, na Lei nº 8137/1990 (art. .3º) e na Lei nº 8.666/1993 (art. 91). capítulo 2 • 42 Exercício funcional ilegalmente antecipado ou prolongado – Art. 324 do Código Penal Análise do tipo penal Configura-se como norma penal do mandato em branco no que concerne à expressão “exigências legais”. A figura apresenta-se como dolosa e contempla ape- nas o dolo genérico, todavia para a caracterização da expressão “sem autorização”, elementar normativa do tipo a ser valorada no caso concreto, necessário, nos casos de exoneração, remoção, substituição ou suspensão, para a caracterização do delito que o agente público tenha sido comunicado pessoalmente pela autoridade superior, não sendo a publicação em Diário Oficial suficiente para a configuração do delito. Sujeitos do delito São os mesmos dos demais crimes praticados por funcionário público contra a Administração Pública. Classificação doutrinária Classifica-se como delito próprio, doloso, comissivo, formal, de forma livre, unissubjetivo e plurissubsistente. Consumação e tentativa Configura-se como delito formal, sendo admissível a tentativa por tratar-se de delito plurissubsistente. Questões relevantes Competência para processo e julgamento dos crimes praticados por fun- cionário público federal Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra fun- cionário público federal quando relacionados ao exercício da função, consoante interpretação do art.109, IV, da CRFB/1988. Distinção entre exoneração, remoção, substituição e suspensão: (a) exone- ração é perda do cargo; (b) remoção é a mudança do funcionário de um posto para capítulo 2 • 43 outro, sendo mantido o cargo; (c) substituição é a colocação de um funcionário em local de outro; e (d) suspensão é a sanção disciplinar na qual o funcionário é afastado temporariamente de cargo ou função (NUCCI: 2014, p.1064- 1065). Causas de aumento de pena aos crimes praticados por funcionário público Encontram-se previstos no §2º do art. 327 do Código Penal e se aplica ao funcionário público ocupante de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público, situações nas quais a pena será aumentada da terça parte. Dos crimes contra a Administração Pública praticados por particular Usurpação de função pública – Art. 328 do Código Penal Análise do tipo penal O delito de usurpação de função pública compreende a conduta de exercício indevido, ou seja, a efetiva prática de ato específico de determinada função pública e, por tratar-se de delito formal, consuma-se independentemente da ocorrência de efetivo prejuízo à administração. A expressão “usurpar” compreende a conduta de exercício indevido, ou seja, a efetiva prática de ato específico de determinada função pública. Para a configura- ção do delito em exame, é imprescindível a presença do funcionário público, ou seja, que este tome ciência da conduta desrespeitosa no momento de sua prática. Sujeitos do delito O sujeito ativo deste delito, em regra, é o particular. Todavia, pode ser pratica- do por funcionário público, quando este praticar conduta que não tenha qualquer relação com suas funções ou cargo. Com relação ao sujeito passivo, continua sendo a Administração Pública, seja pelo aspecto patrimonial ou moral. capítulo 2 • 44 Classificação doutrinária Classifica-se como delito comum, doloso, comissivo, formal, de forma livre, unissubjetivo e plurissubsistente. Consumação e tentativa Delito formal que se consuma no momento em que o agente pratica algum ato de ofício inerente ao exercício da função pública, independentemente da ocor- rência de efetivo prejuízo à administração. Figuras típicas (a) Figura simples – art. 328, caput, CP – Pena: detenção de 3 (três) meses a 2 (dois anos) e multa; (b) Figura qualificada – art. 328, parágrafo único, CP – Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa. Questões relevantes • Caso a conduta seja praticada, no mesmo contexto fático, contra mais de um funcionário público, será caracterizado crime único, haja vista o Estado figurar como sujeito passivo direto (CAPEZ: 2010, p. 565); • Agente que se encontra temporariamente suspenso de suas funções por for- ça de ordem judicial: face ao princípio da especialidade, sua conduta será incursa no tipo penal do art. 359 do Código Penal; • Distinção do delito de estelionato (art.171 do CP) e da contravenção penal prevista no art. 45 do Decreto-lei nº 3.688/41: no delito de estelionato, o agente se faz passar por funcionário público para induzir a vítima a erro e obter alguma vantagem ilícita de caráter patrimonial; já na contravenção penal de fingir-se de funcionário público, o agente não pratica qualquer ato de atribuição do funcioná- rio público. Por outro lado, no caso de usurpação de função pública, caso o agente venha a auferir alguma vantagem ilícita, esta será decorrente do exercício indevido de função pública e restará caracterizada a figura qualificada prevista no parágrafo único do art. 328 do Código Penal. capítulo 2 • 45 Resistência – Art. 329 do Código Penal Análise do tipo penal Também denominado resistência ativa, na medida em que o agente se opõe ao cumprimento de ato legal mediante o emprego de violência ou ameaça. A violên- cia deve ser praticada durante a prática do ato legal com a finalidade de impedir sua execução. Caso seja praticada em momento anterior ou posterior à execução do referido ato legal, a conduta poderá configurar-se como outro delito, tal como lesão corporal (CAPEZ: 2010, p. 545). Caso a violência seja praticada contra a coisa, não há que se falar no delito em exame, mas na figura típica de dano quali- ficado (art.163, parágrafo único, III, do Código Penal). Além do dolo genérico, possui o especial fim de agir voltado ao impedimento da execução de ato legal pelo funcionário público, razão pela qual se denomina subjetivamente complexo. A pessoa vítima da violência ou ameaça se configura objeto material do delito. Sujeitos do delito O particular é considerado sujeito ativo. Por outro lado, figuram no polo passivo o funcionário público competente para executar o ato legal e tercei- ro que lhe esteja prestando auxílio, ainda que seja um particular estranho à Administração Pública. Classificação doutrinária Classifica-se como delito comum, subjetivamente complexo, comissivo, for- mal, de forma livre, unissubjetivo e plurissubsistente. Figuras típicas • Figura simples – Art. 329, caput, do CP - Pena: detenção de 2 (dois) meses a 2 (dois) anos. • Figura qualificada – Art. 329, §1º, do CP - Pena: reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos (aplicável nos casos em que, em decorrência da ameaça ou da violência, o funcionário público não consegue praticar o ato legal de sua competência). jeanh Realce jeanh Realce jeanh Realce capítulo 2 • 46 • Importante destacar que o §2º expressamente estabelece que também serão cominadas ao autor do delito de resistência as penas correspondentes aos resulta- dos lesivos provocados ao funcionário público ou ao terceiro que o auxiliou. Consumação e tentativa Por tratar-se de delito formal, se consuma no momento em que é empregada a ameaça ou a violência, não importando se o ato legal deixou de ser praticado, pois, caso isto ocorra, estaremos diante da figura qualificada prevista no §1º. Por ser delito que admite o fracionamento do iter criminis (plurissubsistente), em tese, a tentativa é admissível. Questões relevantes • Questiona a doutrina se a embriaguez excluiria o delito de resistência. O melhor entendimento é no sentido de que, salvo nos casos de embriaguez comple- ta e oriunda de caso fortuito ou força maior, consoante dispõe o art. 28 do Código Penal, não há que se cogitar da exclusão de culpabilidade do agente. O ponto nodal reside na caracterização da “seriedade” da conduta do agente. • A prática do delito de resistência em seguida ao delito de roubo e a possi- bilidade de concurso de crimes. Para fins de exemplificação, vejamos as seguintes narrativas hipotéticas: (a) a violência é empregada contra o agente público após a consumação do roubo. Neste caso, haverá concurso de crimes entre a figura do roubo próprio (art.157, caput, do CP) e o delito de resistência; (b) o agente subtrai a res e, em seguida, emprega violência ou grave ameaça contra policial a fim de evitar sua prisão em flagrante. Neste caso, a violência ou grave ameaça integram a figura típica do rou- bo impróprio (art.157, §1º, do CP). Assevera Guilherme de Souza Nucci que “a violência para assegurar a posse da coisa é uma, não se podendo confundir com a outra usada para afastar o funcionário público do exercício de sua função, ainda que no mesmo contexto” (NUCCI: 2014, p. 1.075). jeanh Realce jeanh Realce jeanh Realce capítulo 2 • 47 Desobediência – Art. 330 do Código Penal Análise do tipo penal Também denominado pela doutrina como resistência passiva, pois, neste deli- to, o agente não emprega violência ou ameaça ao se opor ao cumprimento de ato legal. É essencial para a caracterização do delito que haja o descumprimento de or- dem legal por quem tem, diretamente, o dever legal de cumpri-la. Diferentemente do delito de resistência, na desobediência o objeto material do delito é a ordem legal não cumprida. Sujeitos do delito Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do delito de desobediência, inclusive o funcionário público, desde que a ordem não seja relacionada ao exercício de suas funções ou atribuições. Classificação doutrinária Classifica-se como delito comum, doloso (há apenas o dolo genérico), comis- sivo ou omissivo, formal, de forma livre, unissubjetivo e uni ou plurissubsistente, conforme o caso concreto. Consumação e tentativa Trata-se de delito formal que se consuma no momento em que o agente
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