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Hematologia Básica Aplicada à Biomedicina Responsável pelo Conteúdo: Prof. Me. Rian Stênico Beduschi Prof.ª Dra. Bruna Amorin Revisão Textual: Prof.ª Dra. Selma Aparecida Cesarin Classifi cação de Anemias Classificação de Anemias • Compreender quais os mecanismos de instalação das anemias; • Discernir qual a diferença entre os processos regenerativos e arregenerativos; • Compreender como os índices eritrocitários servem para a classificação dos tipos de anemias. OBJETIVOS DE APRENDIZADO • Introdução; • Gênese da Síntese da Hemoglobina e sua Importância para a Interpretação das Anemias; • Anemias Microcíticas e Hipocrômicas; • Anemias Macrocíticas e Normocrômicas; • Anemias Normocíticas e Normocrômicas. UNIDADE Classificação de Anemias Introdução Podemos classificar as anemias de acordo com seus aspectos hematimétricos. Nes- ta Unidade, iremos abordar aspectos relacionados às hemácias, também chamadas de eritrócitos, que são de extrema importância para a compreensão da etiopatogenia e de achados laboratoriais das anemias. Primeiramente, veja, na Tabela 1, os valores de referência do eritrograma em adultos. Tabela 1 – Valores de referência do Eritrograma para adultos Valores hematológicos de referência em adultos Homens Mulheres Hemácias x 1012/L 5,00 ± 0,5 4,3 ± 0,5 Hemoglobina g/dL 15,0 ± 2,0 13,5 ± 1,5 Hematócrito (%) 45 ± 5 41 ± 5 Leucócitos x 109/L 7,0 ± 3,0 VGM fL 92 ± 9 HGM pg 29,5 ± 2,5 CHGM g/dL 33 ± 1,5 RDW CV (%) 12,8 ± 1,2 SD (fL) 42,5 ± 3,5 Fonte: Adaptada de pncq.org.br Gênese da Síntese da Hemoglobina e sua Importância para a Interpretação das Anemias A anemia é definida como uma perda da massa eritroide, que leva à deficiência da oxigenação tecidual. Essa deficiência ocorre em um dos componentes eritrocitários, a proteína hemoglobina, que tem a função de carrear o oxigênio para os tecidos. Ademais, ela também carreia uma pequena parte do dióxido de carbono produzido pelo metabolismo para os pulmões, no qual é eliminado. A hemoglobina (Figura 1) é um tetrâmero composto por quatro cadeias polipeptídi- cas denominadas globinas, que compõem a porção estrutural dessa proteína, cada uma combinada com um Grupamento Heme que, por sua vez, contém um átomo de ferro. 8 9 Figura 1 – Molécula de hemoglobina Fonte: SILVA, 2016, p. 103 A Síntese da Hemoglobina ocorre nas mitocôndrias e nos ribossomos de células da linhagem eritroide, iniciando-se na fase de pró-eritroblasto e perpetuando-se até a for- mação do reticulócito. Nos próximos tópicos, iremos detalhar mais especificamente como ocorre a síntese de cada componente dessa molécula e sua importância. Formação da Porção Estrutural da Hemoglobina A porção estrutural da hemoglobina é denominada globina (do latim globus, glo- bo), sendo uma família de proteínas globulares composta por vários tipos de cadeias de globina (como alfa, beta, gama etc.). Cada cadeia de globina apresenta sua sequência específica de aminoácidos, contendo cerca de aproximadamente 140 aminoácidos em cada uma delas. É importante ressaltar que a sequência de aminoácidos auxilia a determinação da complexa estrutura tetramérica da hemoglobina, vez que a estrutura primária de uma proteína (que é composta pela sequência de aminoácidos que compõem sua cadeia po- lipeptídica) determina sua estrutura quaternária na forma de tetrâmero. 9 UNIDADE Classificação de Anemias A estrutura quaternária é de extrema importância, pois se correlaciona com a capa- cidade de exercer sua função. Algumas hemoglobinopatias (como a anemia falciforme), que são determinadas pela sequência errônea de aminoácidos das cadeias globínicas, determinando alterações estruturais em sua for- ma, que levam ao comprometimento de sua função. A globina é arranjada em pares de cadeias polipeptídicas, semelhantes duas a duas. Por exemplo, a Hemoglobina A1 (HbA1), que é o principal tipo presente nos humanos adultos, é composta por duas cadeias alfa e duas cadeias beta (HbA1 = α2β2). A síntese das cadeias globínicas ocorre diariamente nos ribossomos nas células da linhagem eritroide (mais especificamente, como dito, nas células das fases de pró-eri- troblasto até a formação do reticulócito) por meio da expressão de genes que codificam as cadeias polipeptídicas específicas. Como veremos ainda nesta Unidade, a expressão desses genes e sua intensidade variam ao longo da vida. Formação do Grupamento Heme da hemoglobina O Grupamento Heme da hemoglobina é uma unidade não peptídica responsável por se ligar ao oxigênio, possibilitando seu transporte e oxigenação dos tecidos. Consiste de um átomo de ferro contido no centro do anel de protoporfirina IX. A protoporfirina IX trata-se de um sistema de quatro anéis pirrólicos, unidos com um átomo de ferro ferroso (Fe++), protegendo-o contra a oxidação em ferro férrico (Fe+++). Somente o ferro ferroso pode ligar-se ao oxigênio. Entretanto, outras moléculas po- dem ocupar a posição do oxigênio, como monóxido de carbono, oxido nítrico e cianeto. Esse fato é a causa das propriedades tóxicas dessas substâncias, visto que impedem a oxigenação tecidual. Cada molécula de hemoglobina tem quatro anéis protoporfirínicos, portanto, cada uma delas podem carrear até quatro moléculas de oxigênio (O2). A Síntese do Grupamento Heme ocorre na mitocôndria e no citoplasma de células da linhagem eritroide, em três etapas: • A primeira etapa da Síntese do Grupamento Heme ocorre na mitocôndria, onde há a combinação de uma molécula de Succinil-CoA (proveniente do ciclo de Krebs) com uma molécula de glicina, por meio de uma reação catalisada pela enzima Ami- nolevulinato sintetase (ALA sintetase), o aminolevulinato; • A segunda etapa ocorre no citosol, quando o aminolevulinato é transportado para ele e dimerizado pela enzima porfibilinogênio sintetase, a fim de produzir porfibilinogênio. 10 11 Em seguida, ocorre a condensação de quatro moléculas de porfobilinogênio, por meio da enzima catalisadora uroporfirinogênio I sintetase, de modo a produzir o intermedi- ário preuroporfirinogênio. O preuroporfirinogênio terá dois destinos: os isômeros I e III do uroporfirinogênio. O isômero I é uma molécula não metabolizável e o isômero III dá origem ao uroporfirinogênio (por meio das enzimas uroporfirinogênio sintetase e uroporfirinogênio III cossintase). O uroporfirinogênio é descarboxilado pela enzima uroporfirinogênio descarboxilase, sendo que, no produto resultante, há substituição de grupos acetil por grupos metil, originando o coproporfirinogênio. O coproporfirinogê- nio III é o intermediário mais comum na síntese da heme; • A terceira etapa volta a ocorrer no interior das mitocôndrias, pois o coproporfi- rinogênio III é transportado novamente para esse local, no qual dois grupos pro- piônicos são descarboxilados, passando a grupos vinil por ação da coproporfiri- nogênio oxidase. O produto dessa reação é o protoporfirinogênio IX, que logo é convertido em protoporfirina IX pela protoporfirinogênio IX oxidase. A etapa final da Síntese do Grupamento Heme envolve a inserção de um átomo de ferro no anel tetrapirrólico catalisado pela enzima ferroquelatase. A Importância do Ferro para a Síntese da Hemoglobina A Síntese da Hemoglobina depende do suprimento de ferro, da síntese de proto- porfirinas e de globina. O ferro é transportado para as células da linhagem eritrocitária da medula óssea sintetizadoras de globina e Grupo Heme através da endocitose do complexo ferro-transferrina. A transferrina (uma proteína transportadora de ferro) é posteriormente exocitada, retornando para o plasma. O átomo de ferro faz seis ligações coordenadas, entre o Grupamento Heme e a ca- deia globínica: quatro em plano de ligação com a molécula de porfirina e duas perpen- diculares ao anel. Desse modo, o ferro tem alta importância na composição da complexa molécula de hemoglobina. Sendo assim, situações que diminuem a oferta de ferro, como são os casos da perda crônica de sangue, da carênciade alimentos que contém ferro e da Sín- drome de Má Absorção de Ferro, tem influência na Síntese da Hemoglobina, podendo levar à anemia. Anemia: A Organização Mundial da Saúde define anemia como “Diminuição da taxa de hemoglobina sanguínea a seguir de 13g/dL para homens adultos, 12g/dL para mulheres adultas e 11g/dL para gestantes e crianças de 6 meses a seis anos”, ou seja, a anemia é um termo que se aplica a uma síndrome clínica e a um quadro laboratorial. 11 UNIDADE Classificação de Anemias A Figura 2 mostra a síntese de hemoglobina no eritrócito em desenvolvimento: Figura 2 Fonte: HOFFBRAND, 2018, p. 16 Sínteses de hemoglobina no eritrócito em desenvolvimento. As mitocôndrias são os principais locais de síntese de protoporfirina; o ferro (Fe) é fornecido pela transferri- na circulante, e as cadeias de globina são sintetizadas nos ribossomos. δ-ALA, ácido δ-aminolevulínico; CoA, coenzima A. Tipos de Hemoglobina: Normais e Alternativas As cadeias de globina humana produzidas variam de acordo com a fase do desenvol- vimento (Figura 3) e podem ser dos seguintes tipos: alfa (α), beta (β), gama (ϒ), delta (δ), épsilon (ε) e zeta (ζ). Portanto, sua produção pode ser dividida em três fases: 1. Fase embrionária: com a expressão das cadeias ε, ζ, α e ϒ; 2. Fase fetal: expressão das cadeias α e ϒ em grandes quantidades, além de ex- pressão das cadeias β e δ, em pequenas quantidades; 3. Fase pós-nascimento: expressão das cadeias α e β em grandes quantidades, além de expressão das cadeias ϒ e δ em pequenas quantidades. 12 13 A combinação dos diversos tipos de cadeia resulta em moléculas de globina diferen- tes, sendo elas: • Hemoglobinas Embrionárias (HbE): ε2ζ2, ζ2 α2 e α2ε2; • Hemoglobina Fetal (HbF): α2ϒ2; • Hemoglobinas do adulto (HbA1 e HbA2): α2β2 e α2δ2, respectivamente. Portanto, ao longo da vida, existem vários tipos de hemoglobina. A saber, no adul- to, apresenta-se a seguinte composição de hemoglobinas: 95-98% de HBA1; 2-4% de HBA2; e 0-2% de HBF. Figura 3 Fonte: Adaptada de HOFFBRAND, 2018, p. 3 (a)Aglomerados (clusters) do gene de globina nos cromossomos 16 e 11. Na vida embrioná ria, fetal e adulta, diferentes genes sã o ativados ou suprimidos. As distintas cadeias de globina sã o sintetizadas independentemente e, entã o, combinam-se entre si para produzir as diferentes hemoglobinas. O gene γ pode ter duas sequê ncias que codificam para resí duo de ácido glutâmico ou alanina na posição 136 (Gγ ou Aγ, respec- tivamente). LCR, região de controle do lócus; HS-40, ver texto. (b) Síntese de cadeias individuais de globina na vida pré e pós-natal . As hemoglobinas anormais provêm de alterações nos genes que são responsáveis por determinar a sua síntese. Assim, algumas mutações determinam alterações nas suas sequências de aminoácidos e acarretam mudanças na estrutura quaternária da proteína. Algumas dessas mudanças no formato da hemoglobina acarretam propriedades ge- ralmente deletérias. Alguns exemplos mais comuns são: • Hemoglobina S (HbS): originada por uma mutação genética no gene que codifica a cadeia β da globina (hemoglobinopatia da cadeia β), com substituição do sexto códon (troca do aminoácido ácido glutâmico para a valina), levando a uma hemo- globina com alterações estruturais, a chamada Hemoglobina S. Nessa molécula, há 13 UNIDADE Classificação de Anemias deformação do eritrócito, em forma de foice (drepanócito) (Figura 4), que acarreta em desidratação celular, viscosidade aumentada e diminuição da deformabilidade do eritrócito. Indivíduos heterozigotos para essa mutação têm o traço falciforme (HbAS), enquanto indivíduos homozigotos (HbSS) para essa mutação têm anemia falciforme. A anemia falciforme é uma doença caracterizada, principalmente, pelas crises dolorosas (devido a processos veno-oclusivos causados pela menor deforma- bilidade da hemoglobina, que podem obstruir a microcirculação) e anemia hemolí- tica, devido a maior processo de hemocaterese, pois essa alteração diminui a vida útil dos eritrócitos, aumentando o processo de hemocaterese. Figura 4 – Eritrócitos normais (acima) e eritrócito em forma de foice (drepanócito) (a seguir) Fonte: Adaptada de Getty Images Para saber mais sobre Anemia Falciforme, assista ao vídeo a seguir. Disponível em: https://youtu.be/FBXcJN1ETa4 • Hemoglobina C (HbC): há uma substituição no sexto códon (troca do aminoácido ácido glutâmico para a lisina), originando hemácias em alvo (codócito ou target cell). Apenas os homozigotos (HbCC) desenvolvem a doença (que tem caráter mais brando em comparação à anemia falciforme), caracterizada, principalmente, por anemia hemolítica e crises de dor; • Talassemias: as Síndromes Talassêmicas são causadas por um grupo de distintas alterações genéticas que levam à anemia, devido à síntese de uma hemoglobina com supressão parcial ou total de sua cadeia α (Talassemias α) ou β (Talassemias β). Suas manifestações clínicas podem variar desde indivíduos assintomáticos e com anemia discreta até formas extremamente graves, chegando à dependência de transfusões. Iremos estudar com mais detalhes em Laboratório de Hematologia Clínica. 14 15 Teste seu Conhecimento • Qual a função da hemoglobina? Elabore um esquema das diferentes hemoglobinas nor- mais presente no período embrionário, fetal e adulto; • Qual a consequência da troca do aminoácido ácido glutâmico para a valina no sexto códon do gene que codifica a globina? E a troca de ácido glutâmico por uma lisina? Anemias Microcíticas e Hipocrômicas As anemias podem ser classificadas quanto a aspectos hematimétricos. Nesse caso, anemias microcíticas são aquelas em que o Volume Corpuscular Médio (VCM) da hemácia encontra-se diminuído (ou seja, a seguir do valor de referência estabelecido), enquanto anemias ditas hipocrômicas são aquelas em que a Hemoglobina Corpuscu- lar Média (HCM) e/ou a Concentração da Hemoglobina Corpuscular Média (CHCM) encontra-se reduzida (ou seja, a seguir do valor de referência estabelecido). Normalmente, a gênese das anemias microcíticas e hipocrômicas se encontra na alte- ração da produção das cadeias globínicas, Grupamento Heme ou disponibilidade de ferro. Anemia Ferropriva: Características Hematológicas e Processo de Diferenciação de Diagnóstico A anemia causada por deficiência de ferro (anemia ferropriva ou ferropênica) é a causa mais comum de anemia no mundo. Dados da Organização Mundial de Saúde apontam que cerca de 42% das anemias infantis e 50% das anemias em mulheres não grávidas são decorrentes da deficiência na suplementação de ferro. Para compreender a fisiopatologia da anemia ferropriva e seus aspectos laboratoriais, é de extrema impor- tância compreender o metabolismo do ferro. Ferro no Organismo Como iremos observar, o metabolismo do ferro é altamente eficaz e elaborado com o objetivo de permitir a absorção, o transporte, a distribuição e o armazenamento desse elemento. Suas funções são transporte do oxigênio no Grupamento Heme da hemoglobina e produção de energia, entre outras. O homem adulto tem cerca de 3,0 a 4,0g de ferro em seu organismo, enquanto a mu- lher (devido a perdas menstruais) tem entre 2,0 e 3,0g, sendo que a maior parte se encontra no Grupamento Heme das hemoglobinas (atuando como ligante da molécula de oxigênio). Outros lugares em que se encontram ferro no organismo, em quantidades decrescen- tes, são os depósitos representados por ferritina e hemossiderina, mioglobinas, citocro- mos e enzimas. 15 UNIDADE Classificação de Anemias A ferritina é uma proteína que tem importante função na estocagem de ferro e rápi- da mobilização dele. Sua porção proteica (não ligada ao ferro) denomina-se apotransfer- rina e está presente na maioria das células, principalmente, nos precursores eritroides, hepatócitos e macrófagos. Pequena parte a ferritina se encontra no plasma (ferritina plasmática) e tem correlação com o estoque de ferro no organismo. É uma forma de ferro menos disponível em relação à ferritinae pode ser observada pela coloração azul-da-Prússia ou Reação de PERLS (Re- ação para Pesquisa de Hemossiderina. Junta-se à substância em estudo ácido clorídrico e ferrocianeto de potássio. A reação é positiva quando surge uma cor azul da Prússia). A hemossiderina é outro local de estocagem de ferro e corresponde à forma de- gradada da ferritina. Ela é produto da digestão intracelular de macrófagos presentes no baço, medula óssea e fígado, que realizam a hemocaterese de hemácias envelhecidas. O ferro é uma molécula insolúvel e tóxica na corrente sanguínea. Por isso, o ferro sérico é sempre transportado em ligação com a transferrina sérica, uma proteína transportadora. Temos receptores de transferrina na imensa maioria das células do corpo, vez que o próprio processo de duplicação do material genético durante a divisão celular necessita desse íon. O complexo “receptor-transferrina ligada ao ferro” é fagocitado por essas células, pas- sando por um processo de digestão para liberação do ferro para o citoplasma celular e, por fim, exocitando a transferrina sem ele para o plasma, onde será reutilizada. Conforme se esquematiza na Figura 5, as hemoglobinas são formadas na medula óssea com a utilização de átomos de ferro. Uma vez que as hemoglobinas envelhecem, elas passam por processos de hemoca- terese e o ferro é reaproveitado e armazenado nas formas de ferritina e hemossiderina. A transferrina é a proteína responsável por fazer o transporte até a medula óssea, onde serão formadas novas hemácias. Medula óssea Ferritina e hemossiderina HemoglobinaTransferrinas Figura 5 – Esquematização do metabolismo do ferro Absorção do Ferro O ferro se encontra em duas formas: ferro heme ou orgânico (encontrado na carne vermelha e laticínios); e não heme ou inorgânico (proveniente dos vegetais e grãos). 16 17 Sua absorção ocorre na porção duodenal do intestino delgado, onde é captado pela membrana apical da célula, transportado pelo citoplasma e encaminhado para o plasma, por meio da proteína ferroportina, no qual o ferro será transportado pela transferrina sérica. A dieta não tem uma grande importância na quantidade de ferro disponível no orga- nismo, vez que o ferro é pouco absorvido. Ela é capaz de suprir somente a perda mínima de ferro (como aquela que ocorre por descamação da pele, sangramento etc.). A necessidade diária de ferro é suprida majoritariamente pela reciclagem de ferro, que ocorre no organismo (como demonstrado na Figura 5). É importante ressaltar que não há mecanismo fisiológico excretor de ferro no organismo. A Anemia Ferropriva A anemia ferropriva é a diminuição da massa eritrocitária causada pela deficiência de ferro. Esta, por sua vez, pode surgir por diversas causas, como: menor ingestão de ferro, menos absorção de ferro, perda crônica ou aumento da demanda. É importante ressaltar que a anemia não é uma doença em si, mas sim a manifesta- ção de uma patologia que deve ser diagnosticada. Os diagnósticos diferenciais dessas patologias constam na Tabela 2. Tabela 2 – Causas de defi ciência de ferro Suprimento inadequado Aumento das perdas Baixa ingesta/absorção • Ferro de baixa disponibilidade dietética; • Excesso de cereais, taninos, amido, fitatos na dieta; • pH gástrico elevado; • Administração de antiácidos; • Administração de IBP; • Administração de medicamentos contendo cálcio; • Administração de tetraciclinas; • Infecção crônica pelo Helicobacter pylori; • Competição com outros metais (cobre, chumbo); • Ressecção gástrica e intestinal; • Doença celíaca; • Doença Inflamatória Intestinal; • Síndromes Disabsortivas outras. Trato gastrointestinal • Neoplasias; • Gastrite, úlcera péptica, hérnia hiatal; • Uso crônico de salicitatos e AINEs; • Infecção crônica pelo Helicobacter pylory; • Divertículo de Meckel, diverticulose colônica; • Parasitoses; • Enteropatia induzida por leite na infância; • Malformações vasculares; • Doença inflamatória intestinal; • Hemorroidas. Trato Geniturinário • Menorragia, hipermenorreia; • Hemoglobinúria; • Neoplasias, inflamação crônica. Trato respiratório • Epistaxe; • Hemossiderose pulmonar; • Hemorragia alveolar; • Neoplasias, infecções. Aumento da demanda • Crescimento na infância e na adolescência; • Gravidez: perda de 0.6 a 1 g de Fe por gestação; • Lactação: perda de 0.5 a 1 mg/Fe por dia. Cirurgias, traumas • Grandes malformações vasculares; • Hemodiálise; • Teleangiectasia hemorrágica hereditária; • Sangramento factício. Causa desconhecida 17 UNIDADE Classificação de Anemias Características Hematológicas A ferrodeficiência (por quaisquer que sejam suas causas) mobiliza primariamente os estoques de ferro, diminuindo a ferritina (tecidual e sérica) e a hemossiderina. Secundariamente, ocorre um aumento na produção das transferrinas pelo fígado, diminuindo os índices de saturação da transferrina. Uma vez que menos ferritinas estão saturadas, isto é, estão transportando ferro para a medula óssea, há um comprometi- mento da renovação do componente eritrocitário que, em seu estágio final, leva à ane- mia ferropriva (Figura 6). No hemograma, podemos observar: • Anemia: menor massa eritrocitária; • Microcitose: diminuição no tamanho dos eritrócitos (VCM diminuído); • Hipocromia: diminuição da cor dos eritrócitos devido à deficiência de hemoglobina (HCM e/ou CHCM diminuído); • Anisocitose: RDW elevado. No exame microscópico, podemos observar: • Anisocitose: aumento na disparidade do tamanho dos eritrócitos; • Poiquilocitose: alteração formato das hemácias (além de células microcíticas e hi- pocrômicas); • Eliptócito: alteração de formato específica da hemácia, que fica em forma de charuto. Figura 6 – Anemia por deficiência de ferro Fonte: BAIN, 2016, p. 75 18 19 Hemoglobinopatias: Tipos, Características e Diagnóstico Como vimos, as hemoglobinopatias mais comuns são as Hemoglobinas S e Hemoglo- binas C e são causadas por mutações no material genético. O diagnóstico dessas doenças é feito por meio da eletroforese das hemoglobinas e da apresentação clínica no paciente. A eletroforese das hemoglobinas é um método que visa a identificar os tipos de he- moglobina (normais e anormais) que um paciente tem, auxiliando, assim, no diagnóstico das hemoglobinopatias, até mesmo diferenciando indivíduos heterozigotos e homozigo- tos para os tipos de hemoglobinas. Após a coleta sanguínea, é realizada uma eletroforese em pH alcalino, na qual a molécula de hemoglobina migra em uma placa quando submetida à corrente elétrica, colorindo banda de acordo com tamanho e peso da molécula. Esse padrão obtido é comparado a um controle (padrão normal de hemoglobinas), identificando as hemoglobinas anormais. Eletroforese de hemoglobina. Disponível em: https://bit.ly/2WFIpoF No Teste de Itano (ou Teste de Solubilidade da Hemoglobina S), mistura-se a amostra sanguínea com saponina (responsável pela hemólise da hemácia), ditionito de sódio (res- ponsável por retirar o oxigênio da hemoglobina) e tampão fosfato de alta osmolaridade. Depois dessa mistura, caso o líquido fique turvo, há indicação da presença da HbS precipitada. Nesse caso, tem-se um teste positivo para anemia falciforme. É importante realizar esse teste somente após os 4 meses de idade, quando terão diminuído os níveis de HbF, diminuindo os falsos-positivos. O teste não diferencia indivíduos com traço falciforme e doença falciforme. Já o teste do pezinho (ou teste de falcização in vitro) é importante para detectar o traço falciforme ou a anemia falciforme. Nele, mistura-se uma gota de sangue com meta- bissulfito de sódio em uma lâmina, que passa, posteriormente, por exame microscópico. Esse método não diferencia indivíduos hemozigotos e heterozigotos para as muta- ções, além de não diferenciar indivíduos com traço falciforme e doença falciforme. Talassemias: Tipos, Características e Diagnóstico As talassemias são causadas por ausência ou deficiência na produção de cadeias glo- bínicas. Assim, há menor quantidade de hemoglobinanos eritrócitos, causando déficit de hemoglobinização, que leva a uma anemia microcítica e hipocrômica. Existem talassemias α e β. As mais comuns são as talassemias da cadeia β, sendo que essa cadeia é composta por um par de genes localizados no cromossomo 11. 19 UNIDADE Classificação de Anemias Tais genes podem ter sua expressão diminuída (βth+) ou anulada (βth0). As talassemias podem ser classificadas conforme apresentado a seguir. Talassemias β • β-Talassemia minor: indivíduo heterozigótico (geralmente βth + βth0 ou ββth0 ou ββth+). Causa uma anemia leve microcítica e hipocrômica em indivíduos assinto- máticos (Figura 7); • β-Talassemia major: indivíduo homozigótico (βth0 βth0). Causa uma anemia mi- crocítica e hipocrômica grave em indivíduo sintomático. Há formação de hemoglo- binas tetraméricas instáveis compostas somente pela cadeia α, levando a uma eri- tropoiese ineficaz, que resulta na necessidade de transfusões sanguíneas periódicas para a sobrevivência do portador; • β-Talassemia intermediária: indivíduo heterozigótico (geralmente βth + βth0 ou ββth0 ou ββth+), entretanto, cursa com uma anemia microcítica e hipocrômica mais grave e é sintomático. Talassemias α • Portador assintomático: ocorre quando há perda de apenas um gene alfa por deleção, não havendo manifestação clínica da doença; • Traço talassêmico: ocorre quando há deleção de dois genes alfas. Nesse caso, os pacientes também são assintomáticos na perspectiva clínica, porém um hemogra- ma apresentará anemia microcítica; • Doença da Hemoglobina H: ocorre quando há perda de três genes alfas por deleção; • Hidropsia fetal: é a forma mais agressiva da doença, quando ocorre deleção dos quatro genes alfa. É um tipo incompatível com a vida, levando a hepatomegalia severa e morte fetal. Figura 7 – Microcitose em um paciente com b-talassemia menor, com VCM de 62 fL. A distensão sanguínea também mostra leve hipocromia, anisocitose e pecilocitose Fonte: BAIN, 2016, p. 73 20 21 Para determinar o diagnóstico, é importante a associação do quadro clínico do pa- ciente, juntamente com os exames laboratoriais e a eletroforese de hemoglobina. O quadro clínico varia desde assintomático até exuberantes manifestações da anemia (como cansaço, fraqueza e atraso no crescimento). Os exames laboratoriais, por sua vez, indicam uma anemia microcítica e hipocrômi- ca. Por fim, a eletroforese das proteínas aponta a presença de hemoglobinas anormais. Leia o Artigo Talassemias. Disponível em: https://bit.ly/3kKnKYw Membranopatias: Tipos, Características e Diagnóstico As membranopatias são um grupo de alterações na membrana do eritrócito que acarretam modificações em seus componentes estruturais. Tais alterações acarretam uma anemia microcítica e hipocrômica, em razão da des- truição dessas hemácias anormais. Os principais tipos estão apresentados a seguir. Esferocitose Hereditária Causada por algumas mutações nos genes da espectrina, anquidina ou palidina que desestabilizam a bicamada lipídica e diminuem a deformabilidade celular. Assim, es- sas hemácias alteradas são destruídas pelo baço, causando anemia, sendo que, quanto maior a alteração estrutural da membrana, mais grave é a anemia. O quadro pode ser desde assintomático, quando há compensação da hemólise atra- vés da eritropoiese, até caracterizado em formas graves, com grandes manifestações da Síndrome Anêmica. Felizmente, a maioria dos casos são assintomáticos, apenas com exacerbações leves da anemia em algumas infecções. O diagnóstico é feito pela análise morfológica dos eritrócitos do paciente, no qual alguns são vistos geralmente como microesferas (esferócitos) (Figura 7). Ainda podem ser identificados como hemácias fragmentadas ou acantócitos. Também pode-se realizar o teste de fragilidade osmótica dos eritrócitos, no qual se coloca a amos- tra sanguínea em soluções hipotônicas de cloreto de sódio e se analisa o grau de hemólise em relação às hemácias-controle. Nos pacientes com esferocitose hereditária, as hemácias são mais frágeis à lise osmótica. O Teste de Fragilidade Osmótica: o Teste de Fragilidade Osmótica é o exame de escolha para o diagnóstico de esferocitose hereditária. A metodologia desse teste é baseada na exposição dos eritrócitos em diversas soluções com concentrações diferentes de cloreto de sódio, que podem variar desde uma solução salina isotônica (0,85% de NaCl) até água destilada (sem NaCl). 21 UNIDADE Classificação de Anemias Em ambientes isotônicos → Os eritrócitos tendem a atingir o equilíbrio e, consequente- mente, apresentam baixo grau de hemólise. Conforme a solução torna-se hipotônica (menos sal e mais água) → a hemólise aumenta gradativamente, pois a água entra na célula e causa rompimento. Em Síntese • DHL: aumentada; • Haptoglobina: diminuída; • Bilirrubina indireta: aumentada; • Reticulócitos: aumentados; • Resistencia osmótica: diminuída; • Teste de Coombs direto: negativo; • Hemograma: anemia microcítica, CHCM elevado, eritrócitos em formato esférico (esferócitos). Figura 8 – Esferocitose Fonte: BAIN, 2016, p. 81 Eliptocitose Hereditária Consiste em um grupo de doenças causadas por diversas mutações em genes que expressam proteínas da membrana do eritrócito, causando alterações que culminam em eritrócitos de formato elíptico. A gravidade das alterações dita a sintomatologia do paciente, que pode variar de formas leves de anemia (decorrente da destruição das hemácias anômalas) até formas graves, quando o paciente necessita de transfusões periódicas. 22 23 O diagnóstico é feito por meio da microscopia óptica, localizando os eliptócitos (Fi- gura 9) ou ovalócitos. Também pode ser realizado por meio da eletrofosforese, para detectar proteínas anô- malas na membrana do eritrócito. Figura 9 – Eliptocitose Fonte: BAIN, 2016, p. 83 Outros defeitos na membrana eritrocitária são: piropoiquilocitose hereditária e esto- matocitose hereditária, entre outros. Todos cursam com anemia hemolítica de caracteri- zação microcítica e hipocrômica. Em Síntese A seguir, um quadro de resumo das principais anemias microcíticas e hipocrômicas e seus respectivos mecanismos: Tabela 3 Causas Mecanismos Anemia ferropriva Diminuição da eritropoiese Hemoglobinopatias Hemólise Talassemias Hemólise Membranopatias Hemólise Teste Seu Conhecimento • A Figura a seguir apresenta 7 perfis de separação de hemoglobinas por eletroforese em pH alcalino. Considerando que as posições 4 e 7 representam a corrida dos padrões A/F/S/C. Assinale V (Verdadeiro) e F (Falso): 23 UNIDADE Classificação de Anemias Figura 10 ( ) A posição 1 representa o perfil eletroforético de um paciente normal. ( ) As posições 2 e 3 representam um perfil eletroforético de pacientes com anemia fal- ciforme. ( ) As posições 5 e 6 representam um perfil eletroforético de paciente com doença da Hb C associada a anemia falciforme. 1. Uma mulher de 27 anos queixa-se de fadiga, palpitações e anorexia. O médico solicitou hemograma e verificou-se o seguinte: Tabela 4 Parâmetro Valor Encontrado VCM 78 fl CHCM 26g/dl HCM 26 pg Com base nos dados acima, a Anemia provavelmente é causada por: __________. Anemias Macrocíticas e Normocrômicas Neste segundo grupo de características morfológicas das anemias, vamos estudar aquelas que cursam com hemácias macrocíticas, em que o VCM se encontra aumenta- do, e normocrômica, aquelas em que o HCM se encontra em sua faixa de normalidade. Elas podem ser divididas em: • Anemias megaloblásticas, que ocorrem por distúrbios na replicação do DNA. As principais são a anemia por carência de cobalamina (Vitamina B12); e a anemia por carência de ácido fólico; • Anemias não megaloblásticas, causadas por outros mecanismos. As principais são a anemia secundária à doença hepática e a anemia secundária ao hipotireoidismo. Anemias megaloblásticas: Anemias por Deficiência de Ácido Fólico e de Cobalamina (Vitamina B12) A hematopoiese é um processo com intensaproliferação celular, sendo que deve haver grande síntese de material genético para as novas células que são formadas diariamente. 24 25 A cobalamina e o ácido fólico são indispensáveis para essa replicação do mate- rial genético. Em caso de deficiência dessas substâncias, um dos primeiros tecidos do organismo que sofre as consequências é o tecido hematopoiético. Pode-se dizer que a cobalamina e o ácido fólico são cofatores da síntese de material genético e a diminuição de seus níveis acarreta menor síntese de DNA. Ambos são essenciais para a formação da timidina a partir da uracila. A timidina é o nucleosídeo que, quando aliado à desoxirribose e o fosfato, forma o nucleotídeo timina da molécula de DNA. Já a uridina é um nucleosídeo que, quando aliado à ribose e ao fosfato, forma o nu- cleotídeo uracila da molécula de RNA. A vitamina B12 e o fosfato são cofatores essenciais nas reações que transformam a uridina em timidina. Esta, por sua vez, originará o nucleotídeo timina, essencial para a for- mação do DNA. A diminuição desses cofatores implica a diminuição da síntese do DNA. Essa diminuição de DNA implica um assincronismo da maturação do eritrócito: tem- -se um citoplasma maduro, com produção de hemoglobina; e um núcleo imaturo que não consegue replicar corretamente seu material genético. Desse modo, a hematopoiese não se realiza corretamente e as células não adquirem sua maturidade. Na medula, esse eritrócito imaturo tem um núcleo bem abundante e mais hemoglobinizado. Na medula óssea, podemos observar um ambiente hipercelular, devido à demora das células para sair da medula e atingir o sangue periférico. Essa demora ocorre devido à imaturidade celular, ou seja, a medula óssea se encontra com grande quantidade de células eritrocitárias imaturas, que demoram para sair desse local e atingir o sangue periférico e que não desempenham corretamente sua função. No sangue periférico, podemos observar macro-ovalocitose (eritrócitos grandes e ovais, sem halo central), precursores aumentados em tamanho, os megaloblastos, e a medula óssea pode se esgotar de tal maneira que comece a haver prejuízo de outras linhagens hematopoéticas, como surgimento de neutrófilos hipersegmentados (Figura 11). Figura 11 – Morfologia de um neutrófi lo hipersegmentado (6 lobos) Fonte: SILVA, 2016, p. 117 25 UNIDADE Classificação de Anemias Dieta e Absorção de Ácido Fólico e Cobalamina O ácido fólico está presente em folhas verdes cruas, feijões, fígado etc. É absorvido pela porção jejunal do intestino delgado, sendo que temos pouca reserva desse nutriente no organismo. Portanto, devemos fazer um aporte diário de cerca de 50 microgramas/dia. Já a cobalamina (vitamina B12) está presente em alimentos de origem animal, prin- cipalmente, na carne vermelha. É absorvida na porção ileal do intestino delgado e, para ser absorvida, deve estar acoplada ao Fator Intrínseco, que é produzido pelas células parietais do corpo e pelo fundo gástrico. É importante ressaltar que esse acoplamento ocorre ao nível duodenal. Em compa- ração com o ácido fólico, o organismo tem maiores estoques de cobalamina. Assim, sua necessidade diária também é menor (cerca de 1 micrograma/dia). Portanto, pode-se notar que a deficiência de ácido fólico ocorre mais facilmente e mais precocemente do que a deficiência de cobalamina. No que diz respeito às causas de deficiência de cobalamina e folato, vale ressaltar, mais uma vez, que a anemia não é uma doença em si, mas uma consequência de uma patologia que deve ser identificada para um tratamento eficaz. As mais comuns são explicitadas nos Quadros 1 e 2. Quadro 1 – Causas mais comuns de deficiência de folato Ingestão inadequada • Crianças; • Idosos; • Pós operatórios; • Distúrbios alimentícios; • Alcoólatras. Aumento da demanda • Lactantes; • Gestação; • Processos hemolíticos; • Neoplasias. Má absorção • Doença Jejunal; • Doença Inflamatória Pélvica; • Linfoma intestinal; • Síndrome Intestino Curto. Droga induzida (antagonistas do ácido fólico) • Anticonvulsivantes; • Álcool; • Metotrexato. Quadro 2 – Causas mais comuns de deficiência de cobalamina Ingestão inadequada • Crianças; • Idosos; • Pós operatórios; • Distúrbios alimentícios; • Alcoólatras. 26 27 Aumento da demanda • Lactantes; • Gestação; • Processos hemolíticos; • Neoplasias. Má absorção • Gastrite atrófica; • Gastrectomia; • Uso crônico Omeprazol; • Doença IIeal ou ressecção; • Síndrome de alça cega. Droga induzida (competidor) • Metilformina. Você Sabia? Algumas pessoas podem ter defeito no fator intrínseco e, assim, a vitamina B não exerce a sua função. Nesse caso, ocorre uma anemia denominada Perniciosa. Veja mais sobre o assunto no artigo, disponível em: https://bit.ly/3ta1NFY Diagnóstico O diagnóstico é feito a partir do quadro clínico do paciente e do hemograma. O quadro clínico é composto por cansaço, fraqueza, emagrecimento, glossite atrófica, esplenomegalia (decorrente da destruição das células defeituosas), alterações neuropsi- quiátricas, como amortecimento de extremidades, diminuição de sensibilidade vibratória e proprioceptiva, impotência sexual, ataxia espática etc. O hemograma revela uma anemia macrocítica e normocrômica, com anisocitose. Pode-se realizar, de forma adicional, a dosagem sérica de ácido fólico e cobalamina por quimioluminescência. Anemias Não Megaloblásticas Anemias macrocíticas e normocrômicas podem ter outras causas. As principais são: anemias hemolíticas autoimunes, doença hepática crônica, hipotireoidismo e deficiência G6PD, as quais serão abordadas separadamente a seguir. Anemia Hemolítica Autoimune É causada por autoanticorpos que atacam e destroem eritrócitos. Para compensar a redu- ção de eritrócitos no sangue periférico, a medula óssea libera precursores imaturos, os reticu- lócitos, que são células maiores (macrocíticas) e normocrômica, gerando reticulocitose. A origem desses autoanticorpos pode ser detectada como doença autoimune (por exem- plo, o lúpus eritematoso sistêmico) ou até mesmo a Anemia Hemolítica Autoimune Idiopática. Os pacientes podem ser desde assintomáticos até sintomáticos graves. Os sintomas leves são fadiga, fraqueza, palidez e desconforto abdominal, sendo que a destruição 27 UNIDADE Classificação de Anemias maciça de eritrócitos pode configurar quadros de icterícia, febre, insuficiência cardíaca e morte. O diagnóstico é feito a partir do quadro clínico do paciente (descrito acima), junta- mente com hemograma acusando uma anemia macrocítica e normocrômica e testes que indiquem a presença desses autoanticorpos contra os eritrócitos. Esses testes podem ser Coombs indireto, que indica a presença de autoanticorpos na superfície dos eritrócitos, ou Coombs direto, que indica anticorpos no plasma sanguíneo. • Teste de Coombs Direto. Disponível em: https://bit.ly/3gWvzt2 • Teste de Coombs Indireto. Disponível em: https://bit.ly/3gSkuJi Doença Hepática Crônica A doença hepática crônica pode causar uma anemia macrocítica e normocrômica, principalmente, por distúrbios metabólicos. Nessa entidade, a esterificação do colesterol é defeituosa, causando alteração na membrana dos eritrócitos. Esses eritrócitos sofrem destruição, causando anemia. Nesses casos, pode haver uma leve reticulocitose, mas, geralmente, o número de reticulóticos no sangue periférico encontra-se normal. A sintomatologia é característica de quadros de anemia e hemólise, com fraqueza, palidez, quadros de icterícia etc. É importante ressaltar que a sintomatologia varia entre os pacientes, conforme gravidade do quadro. O paciente pode apresentar sinais de he- patopatia, como ascite, varizes esofágicas e hipertensão portal. O diagnóstico é feito a partir do quadro clínico do paciente (descrito acima), junta- mente com hemograma acusando uma anemia macrocítica e normocrômica e pesquisa de função hepática. É importante salientar que, vez que o fígado é o local de depósito da Vitamina B12, pacientes hepatopatascrônicos têm maiores chances de desenvolver Anemia Megalo- blástica por deficiência dessa vitamina. Hipotireoidismo Pacientes com hipotireoidismo podem cursar com anemia macrocítica e normocrô- mica, entretanto, suas causas não estão definidas. Acredita-se que ela ocorra por altera- ções no metabolismo das células da linhagem hematopoiética por hipóxia. Vale salientar que pacientes com hipotireoidismo podem cursar com anemia mega- loblástica devido à anemia perniciosa, provavelmente, por causa da origem autoimune comum, causando alterações na absorção da vitamina B12. Deficiência G6PD A G6PD (Glicose-6-Fosfato-Desidrogenase) é uma enzima que inibe fatores oxi- dantes e está presente em todas as células do corpo. Em especial, nos eritrócitos, essa 28 29 enzima tem papel fundamental na produção de energia e na proteção da hemoglobina contra a oxidação. Como você deve recordar, somente o átomo de Ferro 2+ é capaz de se ligar à molé- cula de oxigênio. Sua deficiência diminui a energia disponível para manter a integridade da membrana da hemácia, diminuindo sua vida útil, visto que essas hemácias sofrem destruição. Por- tanto, a deficiência de G6PD é um tipo de anemia hemolítica hereditária. Alguns medicamentos, em menor frequência, podem acentuar esse processo, princi- palmente, aqueles que causam oxidação da hemoglobina, como os salicilatos. O diagnóstico é suspeitado na fase de hemólise aguda, podendo causar anemia macrocítica e normocrômica, icterícia e reticulocitose (esta, por sua vez, é a causa de macrocitose). Ao exame morfológico, podem identificar-se corpúsculos de Heinz (aspecto de “cé- lulas mordidas”), que são partículas citoplasmáticas ou hemoglobinas desnaturadas. Corpúsculos de Heinz. Disponível em: https://bit.ly/3jyMHXd As principais causas de anemia macrocítica e normocrômica e seus mecanismos estão indicadas no Quadro 3. Quadro 3 – Principais causas e mecanismos de anemia macrocíticas e normocrômica não megaloblásticas Causas • Anemia Hemolítica Autoimune; • Doença Hepática Crônica; • Hipotireoidismo; • Deficiência G6PD. Mecanismos • Reticulocitose; • Distúrbio metabólico; • Distúrbio metabólico; • Reticulocitose. Teste seu Conhecimento 1. Leia o texto a seguir: “[...] esta anemia é causada pela deficiência de vitamina B12, ácido fólico ou induzida por drogas, como quimioterápicos. Na anamnese do paciente pode-se observar pele amarelada. Em relação ao hemograma, observa VCM e RDW elevados e na microscopia observa-se hemácias macrocíticas e pode haver neutrófilos hipersegmenta- dos. A plaquetopenia e a neutropenia podem coexistir” (AMORIN, p. 17) O texto se refere a um quadro típico de qual anemia? ____________________. 29 UNIDADE Classificação de Anemias Anemias Normocíticas e Normocrômicas As anemias podem ser caracterizadas, morfologicamente, como normocíticas e normocrômicas, indicando, respectivamente, VCM e HCM dentro da normalidade. Esse tipo de anemia pode ser dividido, principalmente, em anemia aplásica, anemia secundária a processos inflamatórios, anemia secundária à insuficiência renal crô- nica, anemia das alterações hepáticas e, por fim, anemia das alterações endócrinas. Vamos estudar essas divisões nos tópicos a seguir. Anemia Aplásica A anemia aplásica é uma doença que pode ser adquirida ou hereditária. No caso das hereditárias, são causadas por defeitos genéticos que impedem a eritropoiese normal, como a Anemia de Fanconi, uma insuficiência medular progressiva. É causada, principalmente, por exposição à radiação ionizante, a alguns agentes químicos e drogas e vírus, como o vírus do Epstein-Barr e o da imunodeficiência humana adquirida. De formas variadas, esses agentes contribuem para a anemia aplásica adquirida em or- ganismos suscetíveis, ao lesar ácidos nucleicos e proteínas de células precursoras da eritro- poiese, desencadeamento de processos imunes que lesem essas mesmas células, distúrbios no microambiente na medula óssea e encurtamento telomérico, entre outros mecanismos. A perda dos precursores da hematopoiese leva a uma aplasia medular, com dimi- nuição do número de eritrócitos, leucócitos e plaquetas. A anemia é morfologicamente caracterizada como normocítica e normocrômica. O quadro clínico se dá em razão da diminuição desses grupos de células. Assim, a diminuição de eritrócitos leva à anemia, à redução de leucócitos (leucopenia), a infecções recorrentes e oportunas. Já a diminuição de plaquetas (trombocitopenia) leva a sangra- mentos. Por consequência, há uma aplasia medular. Quanto ao diagnóstico, ele pode ser realizado por meio de: • Quadro clínico; • Hemograma: evidenciando pancitopenia (leucopenia, trombocitopenia e anemia) com anemia normocítica e normocrômica; • Biópsia de medula: evidenciando uma medula hipoplásica (com rarefação de células). Anemias Secundárias aos Processos Inflamatórios As Anemias secundárias aos processos inflamatórios podem ser causadas por qual- quer processo infeccioso, ou por processos não infecciosos inflamatórios. Geram uma anemia normocítica e normocrômica e, geralmente, são derivadas de processos crônicos. O principal mecanismo é a insuficiência do metabolismo férrico intracelular, causada por aumento da molécula de hepcidina. 30 31 A hepcidina é uma molécula proteica produzida pelo fígado, cuja função é inibir a absorção de ferro no intestino delgado e impedir o recrutamento de ferro nos depósitos macrofágicos. O processo inflamatório, principalmente quando crônico, libera várias citocinas, que causam o aumento da hepcidina. Assim, ocorre um bloqueio no metabolismo de ferro: há uma grande quantidade de depósito desse elemento, enquanto pouco ferro sérico circula no organismo e é disponibilizado para a hematopoiese. Dessa forma, os eritrócitos não são produzidos corretamente, o que diminui sua so- brevida, acarretando uma Anemia Normocítica e Normocrônica. O quadro clínico é o mesmo da Síndrome Anêmica. O diagnóstico é feito a partir do quadro anêmico, juntamente com o hemograma e exames laboratoriais que evidencia- rão os aspectos a seguir: • Anemia Normocítica Normocrômica; • Diminuição de ferro sérico; • Aumento de ferritina sérica, refletindo no aumento dos depósitos intracelulares dela; • Aumento compensatório da transferrina. Anemia da Doença Renal Crônica Independente da etiologia da Doença Renal Crônica, ela pode causar uma Anemia Normocítica Normocrômica decorrente da diminuição da produção de eritropoietina, que é uma glicoproteína cuja função é induzir e controlar a hematopoiese. A eritropoeitina é a proteína pelo parênquima renal, que se encontra diminuído na Doença Renal Crônica. Sendo assim, com a diminuição no parênquima renal, além de diminuição da função renal, diminui-se também a síntese de eritropoietina e, assim, a hematopoiese. Consequentemente, há uma hipoproliferação da série eritrocítica que leva à anemia normocítica e normocrômica. Outro fator que contribui para essa anemia é a hemólise decorrente do processo de diálise, provavelmente, em razão da alta quantidade de ureia nesses pacientes, que dimi- nui a sobrevida dessas células. O Quadro 4 resume outras causas de Anemia Normocítica e Normocrômica na Do- ença Renal Crônica. Quadro 4 – Causas da anemia da insufi ciência renal passíveis de correção Hemorragia e defi ciência de ferro Perdas iatrogênicas: diálise, fístula A/V, gastrintestinal e urinária Defi ciência de folato Aumento da demanda, ingestão deficiente, perda pela diálise e inibi- ção da absorção ou do metabolismo 31 UNIDADE Classificação de Anemias Associada a drogas Agentes com alto potencial oxidativo: drogas contendo tiol e fenilhidra-zina e agentes imuno-hemolíticos: a-metildopa, penicilina, quinidina Hemólise associada à diálise Toxicidade pela exposição ao cobre, cloramina, formaldeído e nitra- tos, aquecimento excessivo dos eritrócitos e alterações no conteúdo de água dos eritrócitos Microangiopática Hipertensão maligna e vasculite Depleção defosfato eritrocitário Uso excessivo de antiácidos Hiperesplenismo Sequestração de eritrócitos, hepatite crônica, hemossiderose secun-dária e transfusões, fibrose de medula óssea e toxicidade por silicone Anemia das Alterações Hepáticas e Endócrinas Doenças hepáticas podem causar Anemias Normocíticas e Normocrômicas por diversos mecanismos, sendo os principais as hemorragias por varizes esofágicas, de- vido à hipertensão portal, deficiências de ferro, por diminuição da disponibilidade dos depósitos de ferro, secundário à inflamação, e diminuição da absorção de ferro, devido ao aumento da hepcidina, secundário à inflamação (Atenção! Nesses casos, em longo prazo, pode evoluir para eritrócitos microcíticos também). Aqui, as manifestações da Síndrome Anêmica também configuram o quadro clínico. Ademais, podem estar presentes ascite, varizes esofágicas e hipertensão portal em ra- zão da hepatopatia. O diagnóstico é feito em pacientes com hepatopatia, por exclusão de outras causas de anemias normocíticas e normocrômicas. Algumas alterações endócrinas podem cursar com anemias normocíticas e normo- crômicas, geralmente, leves e assintomáticas. Algumas dessas alterações são: • Hipotireoidismo: sem causa conhecida, mas se acredita que algum mecanismo leva à diminuição da eritropoiese; • Hiperparatireoidismo: sem causa conhecida. O Quadro Clínico constitui sintomatologia dessas doenças específicas, junto com manifestação da Síndrome Anêmica. O diagnóstico, também nesse caso, é a união do quadro clínico juntamente com o hemograma, evidenciando Anemia Normocítica e Normocrômica em pacientes com essas respectivas patologias e com outras causas de anemias excluídas. Por fim, veja o Quadro 5, que indica as principais causas e mecanismos de anemias normocíticas e normocrômicas. 32 33 Quadro 5 – Principais causas e mecanismos de anemias normocíticas e normocrômicas Anemia aplásica Diminuição eritropoiese Anemia secundária a processos infl amatórios Menor absorção e disponibilidade de ferro Anemia da Doença Renal Crônica Multifatorial Anemia por alterações hepáticas Desconhecidos A Anemia não é uma doença em si, e sim uma manifestação de doença-base. Trata--se de uma Síndrome e, portanto, é uma característica pertencente a várias doenças, com diversas causas. Busque sempre a etiologia da Anemia. Teste seu Conhecimento Agora, é a hora de pôr em prática tudo o que você aprendeu nesta Unidade! Elabore uma tabela contendo os principais tipos de Anemias e, para cada uma delas, aponte a etiologia, os sintomas principais e os achados do hemograma. Por último, destaque os principais exames laboratoriais, além do hemograma, que permi- tem a identificação de cada uma das anemias estudadas. Considere as leituras básicas e complementares realizadas. 33 UNIDADE Classificação de Anemias Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros Hematologia Laboratorial: teoria e procedimentos Leia o capítulo 6 – “Série vermelha – Eritrograma avaliação laboratorial e classificação das anemias”, e o capítulo 7 – “Série Vermelha – Eritrograma Classificação Morfofisiológica Das Anemias”. SILVA, P. et al. Hematologia Laboratorial: teoria e procedimentos. Porto Alegre: ArtMed, 2016. Vídeos O que é deficiência de ferro? https://bit.ly/2WtjyUe Leitura Hemoglobinopatias: uma Questão de Saúde Pública https://bit.ly/3ym6tJJ Hemoglobinas e eletroforese de hemoglobina https://bit.ly/38gIctZ Manual sobre anemias hemolíticas hereditárias: Deficiência de G6PDe Esferocitose https://bit.ly/3DpE60U Talassemia beta: da Síntese da Hemoglobina ao diagnóstico clínico e molecular (páginas 11 a 27) https://bit.ly/3yFQLJN 34 35 Referências BAIN, B. J. Cé lulas sanguíneas: um guia prático [recurso eletrônico] Trad. Renato Failace. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016. BIOCRISTALOGRAFIA UNESP. Formação da estrutura quaternária da hemoglobi- na. Disponível em: <http://www.biocristalografia.df.ibilce.unesp.br/xtal/texto_hb.php>. Acesso em: 10/2018. FAILACE, R. Hemograma: manual de interpretação. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015. HOFFBRAND, A. V.; MOSS, P. H. Fundamentos em Hematologia. 7. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2017. LONGO, D. L. Hematologia e Oncologia de Harrison. 2. ed. AMGH, 2015. 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