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1 @_LETICIAALBUQUERQ Objetivo 1°) Estudar a anemia carencial e hemolítica: epidemiologia, fatores de risco, etiologia, fisiopatologia, manifestações clínicas, diagnóstico e tratamento. Definição de anemia A anemia é definida como a existência de um número anormalmente baixo de hemácias ou de níveis de hemoglobina, ou ambos, resultando na diminuição da capacidade de transporte de oxigênio. (NORRIS,2021) Em indivíduos normais, os níveis de hemoglobina variam com a fase do desenvolvimento individual, a estimulação hormonal, a tensão de oxigênio no ambiente, a idade e o sexo. (ZAGO,2014) Os valores abaixo aplicam-se para o nível do mar, alterando-se significativamente em grandes altitudes, mas não sofrem variações com a raça, a região geográfica ou a idade avançada. Em particular, não ocorrem níveis de hemoglobina “fisiologicamente” mais baixos em idosos. (ZAGO,2014) Existem quatro causas primárias da anemia: (1) perda excessiva de hemácias causadas por hemorragia, (2) destruição (hemólise) de hemácias, deficiência (3) ou produção inadequada (4) de hemácias devido à insuficiência da medula óssea. (NORRIS,2021) Anemia não é uma doença, mas uma indicação de algum processo patológico ou de uma alteração funcional orgânica. (NORRIS,2021) Os efeitos de anemia podem ser agrupados em três categorias: 1) Manifestações de comprometimento no transporte de oxigênio e mecanismos compensatórios resultantes 2) Redução dos índices eritrocitários e dos níveis de hemoglobina 3) Sinais e sintomas associados ao processo patológico que provoca a anemia. Classificação das anemias As anemias podem ser classificadas de acordo com o mecanismo pelo qual ocorrem (classificação fisiopatológica) e de acordo com a morfologia dos glóbulos vermelhos (classificação morfológica). (LORENZI,2005) Classificação morfológica A classificação morfológica é baseada nos índices hematimétricos, fornecidos pelos contadores eletrônicos durante a realização do hemograma. (LORENZI,2005) Os índices hematimétricos a serem avaliados são: volume corpuscular médio (VCM) dos eritrócitos, concentração de hemoglobina (Hb), quantidade de hemoglobina corpuscular média por eritrócito (HCM), concentração hemoglobínica corpuscular média (CHCM — média da concentração de hemoglobina pelo volume total de eritrócitos) e do red cell distribution width (RDW — indica a variação do tamanho das hemácias, também denominado anisocitose), os quais compõem os índices hematimétricos obtidos por meio do hemograma. a) Volume corpuscular médio (VCM): é o volume médio das hemácias expresso em fentolitros; b) Hemoglobina corpuscular médica (HCM): quantidade de hemoglobina dentro da hemácia; c) Concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM): é o peso da hemoglobina dentro de determinado volume de hemácia. Também é útil para a classificação das hemácias em hiper/normo/hipercrômicas; d) Ampla distribuição de células vermelhas no sangue ou índice de anisocitose(RDW): corresponde a medida da variação do tamanho das hemácias. O esperado é que se tenha um RDW baixo, ou seja, que as hemácias tenham pouca variação no tamanho.; e) Contagem de reticulócitos: são as células precursoras dos eritrócitos, sendo muito útil na classificação das anemias em hiper e hipoproliferativa; De acordo com o VCM e HCM as anemias podem ser classificadas, do ponto de vista morfológico, em: 1) Anemias hipocrômicas e microcíticas: Microcíticas (VCM < 80fl): Diminuição da Hb dentro do eritrócito, o que torna as hemácias hipocrômicas e microcíticas. Geralmente ocorre por diminuição da síntese do grupo heme por deficiência de Ferro. Também ocorre nas talassemias (redução da síntese de globina), nas anemias sideroblásticas (acúmulo de Fe nas mitocôndrias), hemoglobinopatia C (mutação no gene da cadeia globina beta) Deve-se distinguir: a) Anemia verdadeira, caracterizada pela redução da massa eritrocitária, ou seja, do volume total de hemácias no organismo; b) Anemia relativa ou por diluição, quando há aumento do volume plasmático, sem correspondente aumento das hemácias. O exemplo mais comum de anemia relativa é a hemodiluição, que ocorre durante a gravidez. 2 @_LETICIAALBUQUERQ Estas anemias são causadas pela redução de hemoglobina no interior do eritrócito, o que torna a hemácia hipocrômica e microcítica. A molécula de hemoglobina é constituída por grupos heme e cadeias globínicas. A diminuição de síntese dos grupos heme ou das cadeias globínicas leva à diminuição de hemoglobina no interior dos eritrócitos. (LORENZI,2005) Na maioria dos casos a diminuição de síntese do grupo heme é decorrente da deficiência de ferro, a causa mais comum de anemia hipocrômica e microcítica. Outras condições que causam alterações morfológicas semelhantes são as talassemias, que decorrem de um desequilíbrio de síntese das cadeias globínicas da molécula de hemoglobina. (LORENZI,2005) 2) Anemias Macrocíticas: Macrocíticas (VCM > 100 fl): Hemácias de grande volume e, geralmente, hipercrômicas. Não necessariamente indica anemia. Causada muitas vezes pelo consumo de álcool, quimioterapia ou anemia perniciosa. São divididas em megaloblásticas, decorrentes de deficiência de vit. B12 e/ou ácido fólico, e não megaloblásticas, podendo ser decorrente de reticulocitose ou reticulocitopenia associada à hipotireoidismo, hepatopatia e aplasia de série vermelha. Estas anemias caracterizam-se por VCM elevado (> 100fl). Os aumentos maiores, superiores a 110fl, sem reticulocitose, em geral ocorrem nas deficiências de vitamina B12 ou ácido fólico. Outras causas de macrocitose com reticulócitos baixos são hipotireoidismo, hepatopatias, mielodisplasia ou aplasia/hipoplasia medular. Como os reticulócitos são maiores do que as hemácias maduras, a reticulocitose, que ocorre nas anemias hemolíticas, pode ser causa de macrocitose. (LORENZI,2005) 3) Anemias normocrômicas e normocíticas: Normocíticas (VCM 80-100 fl): Também são normocrômicas. Corresponde a maioria das anemias de doenças crônicas (que, eventualmente, podem ser microcíticas). Ocorrem em doenças crônicas, hipoplasia ou aplasia medular, insuficiência renal, algumas doenças endócrinas, infiltrações medulares, hemólises, hemorragias etc. As anemias normocrômicas e normocíticas com reticulócitos baixos são, às vezes, difíceis de diagnosticar, podendo necessitar de mielograma ou biópsia de medula óssea (MO) para elucidação diagnóstica. (LORENZI,2005) Classificação fisiopatológica/etiopatogenia Do ponto de vista fisiopatológico, as anemias são classificadas em: Anemias por falta de produção; Anemias por excesso de destruição; Anemias por perdas hemorrágicas; É baseada na contagem de reticulócitos Anemias por falta de produção Por deficiência de produção ou hipoproliferativa: Contagem de reticulócitos abaixo de 50.000/ mmᶟ. Ocorre por acometimento primário ou secundário da medula óssea ou por falta de estímulo à eritropoiese (ex: eritropoietina), falta de ferro, vit. B12 e/ou ácido fólico. Podem acompanhar doenças inflamatórias, infecciosas e neoplásicas. Estas anemias são decorrentes de: Redução do tecido hematopoético por aplasia ou hipoplasia medular idiopática ou induzida por agentes químicos, físicos, toxinas ou medicamentos; infiltração da medula óssea por tumores hematológicos ou metastáticos; substituição do tecido hematopoético por fibrose ou doenças de depósito. (LORENZI,2005) Falta de fatores estimulantes da eritropoese (eritropoetina), como ocorre na insuficiência renal crônica Falta de fatores essenciais à produção dos eritrócitos, como ferro, vitamina B12 e ácido fólico. (LORENZI,2005) Tais anemias caracterizam-se por número baixo de reticulócitos tanto em número absoluto como após correçãopelo hematócrito. (LORENZI,2005) 3 @_LETICIAALBUQUERQ Anemias por excesso de destruição (intrínseca e extrínseca) Por excesso de destruição ou hiperproliferativas: Típica das anemias hemolíticas, mas também pode ocorrer após perdas agudas de sangue. Estas anemias são causadas por: Alteracões intrínsecas dos eritrócitos: geralmente são hereditárias e decorrem de anormalidades em um ou mais constituintes do glóbulo vermelho: defeitos das proteínas da membrana, defeitos das enzimas eritrocitárias, anormalidades de síntese das cadeias globínicas da hemoglobina que causam as talassemias e alterações estruturais da hemoglobina, que constituem as hemoglobinopatias. Uma doença adquirida que pertence a este grupo é a hemoglobinúria paroxística noturna (HPN). Alteracões extrínsecas aos eritrócitos: são causadas por agentes que, de alguma forma, agridem os eritrócitos normais, como exposição a venenos e toxinas, parasitas (malária), exposição a agentes físicos (calor e radiação), traumas mecânicos (anemias micro e macroangiopáticas), certos medicamentos e anticorpos dirigidos contra os eritrócitos. (LORENZI,2005) As anemias hemolíticas caracterizam-se por aumento relativo e absoluto no número de reticulócitos. (LORENZI,2005) Anemias por perdas hemorrágicas (aguda e cônica) Por perdas: Pode ser (A) aguda, como as anemias pós-hemorrágicas, em que há compensação pela medula caso estoques de Fe estejam preservados ou (B) crônica, que causam espoliação do Fe e, consequentemente, anemia por falta de produção. Decorrem de perdas agudas ou crônicas de sangue. Agudas: as causas mais frequentes são: acidentes, cirurgias, hemorragias no tubo gastrointestinal, especialmente por úlcera péptica ou ruptura de varizes esofagianas, e hemorragia genital. A hemorragia aguda é uma emergência que exige intervenção imediata para cessá-la e repor, por meio de transfusões, o plasma e as hemácias perdidos, para evitar o choque hipovolêmico. Quando o volume de sangue perdido não é muito grande, o organismo dispõe de mecanismos fisiológicos que permitem a recuperação espontânea. (ZAGO,2014) Crônica: As perdas crônicas causam espoliação de ferro e, consequ ̈entemente, anemia ferropênica (LORENZI,2005) Anemia carencial As anemias carenciais são um grupo de anemias caracterizadas por apresentar carência de elementos fundamentais para a eritropoese: ferro, vitamina B12 ou folato. Na síntese da hemoglobina vários elementos säo essenciais, dentre eles o ferro, cuja carência determina a anemia ferropriva, e as vitaminas B12 e ácido fólico, que causam a anemia megaloblástica. Anemia ferropriva Definida como o “estado mais avançado da deficiência de ferro” O ferro é o metal mais presente no corpo humano e participa de todas as fases da síntese proteica e dos sistemas respiratórios, oxidativos e anti-infecciosos do organismo. Como o ferro é um componente do heme, a deficiência leva a uma diminuição da síntese de hemoglobina e, consequentemente, à redução no aporte de oxigênio aos tecidos. (NORRIS,2021) A deficiência de ferro é a causa predominante de anemia microcítica e hipocromica, na qual os dois índices eritrocitários, volume corpuscular médio (VCM) e hemoglobina corpuscular média (HCM) estão diminuídos, e a microscopia da distensão de sangue mostra eritrócitos pequenos (microcíticos) e pálidos (hipocro ̂micos). Esse aspecto decorre de defeitos na síntese de hemoglobina. Os principais diagnósticos diferenciais em casos de anemia microcítica e hipocro ̂mica são a talassemia e a anemia de doenc ̧a cro ̂nica. Epidemiologia De acordo com a Organização Mundial da Saúde, anemia é um problema de saúde pública global, que afeta o estado de saúde, a capacidade laborativa e a qualidade de vida de cerca de 2 bilhões de pessoas, cerca de um terço da população mundial. (ZAGO,2014) A Deficiência de Ferro (DF) é responsável por 75% de todos os casos de anemia. (ZAGO,2014) A deficiência de ferro (DFe) continua sendo, há décadas, a alteração hematológica mais frequente, acometendo 20 a 30% da população mundial (cerca de 2 bilhões de pessoas), sobretudo crianças, mulheres em idade fértil e gestantes. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), das dez principais causas de agravo à saúde da população geral, a DFe corresponde à 6a causa nos países em desenvolvimento e à 10ª causa no países desenvolvidos. (LOPES,2016) Estima-se a prevalência de DF em até 45% das crianças até cinco anos de idade, e de até 50% nas mulheres em idade reprodutiva. 4 @_LETICIAALBUQUERQ Cerca de 500 milhões de mulheres e até 60% de gestantes apresentam Anemia por Deficiência de Ferro (ADF), com resultados negativos na qualidade de vida, no feto e no lactente. (ZAGO,2014) Tanto em países subdesenvolvidos quanto em países desenvolvidos, a DF advém principalmente de desigualdades sociais. É muito mais prevalente em estratos sociais mais baixos, nos grupos de menor renda, e na população menos educada. Esse dado deve ser considerado na proposição de medidas populacionais de profilaxia e tratamento. (ZAGO,2014) Etiologia e fatores de risco A causa básica de DFe é o desequilíbrio entre quantidade absorvida e consumo e/ou “perda” de ferro que ocorrem por diversas vias, resultando na redução desse íon no organismo. (LOPES,2016) Geralmente, a DFe resulta da combinação de dois ou mais fatores, tais como: necessidade aumentada de ferro, diminuição da oferta, da absorção de ferro e/ou sangramento. (LOPES,2016) O abandono precoce do aleitamento materno, dieta de transição inadequada (baixa quantidade de ferro heme da dieta) somados à elevada velocidade de crescimento tornam as crianças, sobretudo com menos de 2 anos de idade, o grupo de maior risco de DFe e anemia ferropriva (AFe) na idade pediátrica. (LOPES,2016) Em geral, frequências mais elevadas de DFe são observadas em crianças de países em desenvolvimento devido a condições socioeconômicas desfavoráveis (baixa renda familiar e escolaridade materna, dificuldade de acesso aos serviços de saúde, precariedade nas condições de saneamento básico, dieta inadequada em ferro, desnutrição energético-proteica e infecções frequentes); em recém-nascidos (RN) de mães com DFe ou AFe, em RN de baixo peso ao nascimento e prematuros. (LOPES,2016) A ocorrência de DFe no neonato tem estreita correlação com o status de ferro da mãe. (LOPES,2016) O processo de crescimento de uma criança impõe exigências adicionais sobre o organismo. O volume de sangue aumenta, elevando as necessidades de ferro. As necessidades de ferro são proporcionalmente mais altas na primeira infância (3 a 24 meses) do que em qualquer outra idade, embora também sejam maiores por toda a infância e adolescência. Na infância, as duas principais causas de anemia ferropriva são baixos níveis de ferro ao nascimento devido a uma deficiência materna e uma dieta que consiste principalmente em leite de vaca, que é pobre em ferro absorvível. (NORRIS) Além disso, são fatores de risco para DFe a diminuição da absorção e/ou sangramento do tubo digestivo associado a doenças inflamatórias gastrintestinais crônicas (refluxo gastresofágico, gastrite, duodenite), intolerância à proteína do leite de vaca e parasitose intestinal (Necator americanus, Ancylostoma duodenale e Trichiuris trichiura). (LOPES,2016) Menorragia, geralmente relacionada com o mioma uterino, adenomiose, hiperplasia endometrial e hemorragia uterina disfuncional, é a causa mais frequente de DFe e AFe nas mulheres em idade fértil. (LOPES,2016) Fatores de risco para mulheres em idade fértil Além disso, os principais fatores de risco para DFe nesse grupo populacional são: condições socioeconômicasdesfavoráveis, múltiplas gestações, doença inflamatória intestinal crônica, ressecção gástrica e/ou intestinal (gastrectomia, gastroplastia ou cirurgia bariátrica), parasitose, uso crônico de medicamentos (ácido acetilsalicílico, anti-inflamatório não hormonal), doação de sangue de repetição, prática vegetariana Nas gestantes ocorre um aumento da demanda de ferro para eritropoese, justamente devido o desenvolvimento fetal. A elevada prevalência de AFe na gestação (40 a 60%) é deco rrente do elevado número de mulheres que já iniciam a gestação com DFe, ainda sem anemia, associado ao alto req uerimento de ferro na gravidez. (LOPES,2016) No puerpério, a DFe ou AFe pode estar presente devido às perdas sanguíneas (loquiação) que, em condições normais, gradativamente vão diminuindo, à medida que a contratilidade e involução uterina se estabelecem, bem como a cicatrização dos tecidos que participam do canal de parto, eventualmente lacerados por ocasião do nascimento; e à DFe preexistente. Anemia pós-parto é uma das causas mais importantes de morbidade e mortalidade materna. (LOPES,2016) Fisiopatologia da anemia ferropriva O Ferro é amplamente estudado e descrito na literatura mundial, este micronutriente desempenha importantes funções no metabolismo humano, tais como transporte e armazenamento de oxigênio, reações de liberação de energia na cadeia de transporte de elétrons, conversão de ribose a desoxirribose, co-fator de algumas reações enzimáticas e inúmeras outras reações metabólicas essenciais. (DE SÁ MOURA et al, 2021) A maior quantidade de Ferro do organismo está localizada na hemoglobina; o restante distribui-se na composição de outras proteínas, enzimas e na forma de depósito (ferritina e hemossiderina). (DE SÁ MOURA et al, 2021) O ferro usado pelo organismo é conquistado principalmente da dieta e da reciclagem de hemácias senescentes, a quantidade de ferro absorvida é regulada pela necessidade do organismo. A homeostase do ferro é importante para a eritropoiese e as funções celulares normais. (DE SÁ MOURA et al, 2021) A maioria do ferro inorgânico é encontrado na forma Fe3+ e é fornecida por vegetais e cereais. A aquisição do ferro da dieta na forma heme corresponde a 1/3 do total e é derivado da hemoglobina (Hb) e mioglobina contidas na carne vermelha. 5 @_LETICIAALBUQUERQ Ovos e laticínios oferecem uma menor quantidade dessa forma de ferro, que é melhor absorvida do que a forma inorgânica A deficiência de ferro no organismo pode ocorrer de gradual e evolutiva, em três estágios de desenvolvimento sequenciais: 1) O primeiro condiz ao esgotamento das reservas, demonstrando baixa concentração de ferritina sérica (< 12 μg/L) o que infere na perda nos estoques de ferro do baço, fígado e da medula óssea; 2) No segundo estágio é conhecido como eritropoese da deficiência de ferro, este é caracterizado pela elevação na capacidade de ligação de ferro e diminuição da concentração de ferro sérico. 3) E o terceiro e mais grave estágio, conhecido como anemia ferropriva, ocorre quando a quantidade de ferro é insuficiente para a síntese da hemoglobina, ocasionando uma redução nas concentrações de hemoglobina A deficiência de ferro instala-se por mecanismos diversos: (1) aumento do consumo, (2) excesso de perda (hemorragias) ou (3) má absorção. Quando o organismo está em balanço negativo de ferro o primeiro evento é a depleção dos estoques de ferro para a produção de hemoglobina. O intestino aumenta a absorção de ferro antes mesmo do desenvolvimento da anemia. A ferritina sérica já se encontra reduzida. A eritropoese nesses indivíduos resulta em células com conteúdo reduzido de hemoglobina, tornando-a hipocrômica e microcítica (observado no esfregaço sanguíneo) e por redução dos índices hematimétricos (VCM < 80 fL e CHCM < 32 g/dL). Além disso, as dosagens de ferro sérico e transferrina saturada de ferro são baixas. A contagem de reticulócitos também é reduzida. A observação do RDW é um importante no diagnóstico diferencial da anemia ferropriva com talassemias. Na anemia ferropriva o RDW está aumentado com os eritroblastos medulares picnóticos e irregulares. Manifestações clínicas Quando a deficiência de ferro está se desenvolvendo, só ocorre anemia quando já há depleção completa dos depósitos reticuloendoteliais de hemossiderina e ferritina. À medida que a condição evolui, o paciente passa a mostrar sinais e sintomas gerais de anemia. As manifestações clínicas da deficiência de ferro são determinadas pelos estágios de depleção, deficiência de ferro e anemia propriamente dita, quando as repercussões clínicas e fisiológicas são aparentes, como apatia, cansaço, irritabilidade, taquicardia e outros. As manifestações de anemia ferropriva estão relacionadas com prejuízo no transporte de oxigênio e falta de hemoglobina. (NORRIS,2021) Deficiência de ferro pode gerar redução da capacidade funcional de vários sistemas orgânicos, estando associada à alteração do desenvolvimento motor e cognitivo em crianças, redução da produtividade no trabalho e problemas comportamentais, cognitivos e de aprendizado em adultos. (ZAGO,2014) Em gestantes, aumenta o risco de prematuridade, baixo peso, sendo responsável por 18% das complicações no parto e morbidade materna. (ZAGO,2014) As queixas costumam ser leves, pois a anemia se instala de maneira insidiosa, gerando adaptação, e há pacientes completamente assintomáticos. (ZAGO,2014) Pode-se observar: Palidez cutaneomucosa; Fadiga; Astenia; Palpitações; Dispneia, Angina; Taquicardia; Baixa tolerância ao exercício; Redução do desempenho muscular; Perversão alimentar ou pica ((desejo e consumo de substâncias não nutritivas como gelo, terra, sabão, argila) Baqueteamento digital; Coiloníquia (unhas em forma de colher); Atrofia das papilas linguais Estomatite angular Disfagia (síndrome de Plummer-Vinson, que ocorrem mais comumente em mulheres, mais idosas, onde há uma formação de uma membrana entre hipofaringe e o esôfago); Amenorreia; Cabelos finos e quebradiços; Queda de cabelo (alopecia); Diminuição da libido; Diagnóstico 6 @_LETICIAALBUQUERQ Diagnóstico clínico Para o diagnóstico da anemia ferropriva é importante considerar os sinais clínicos da deficiência de ferro, incluem fraqueza, cefaleia, irritabilidade, síndrome das pernas inquietas e vários graus de fadiga e intolerância aos exercícios ou pica (apetite pervertido por barro ou terra, papeis, amido). Pode ocorrer ainda distúrbios de conduta e percepção e psicomotores, atenuação ou impedir a capacidade bactericida dos neutrófilos, diminuição de linfócitos T. Diminuição do rendimento a exercícios, palidez da face, das palmas das mãos e das mucosas conjuntival e oral, respiração ofegante, astenia e algia em membros inferiores, unhas quebradiças e rugosas e estomatite angular. Diagnóstico laboratorial Exames laboratoriais: Hemograma; Coloração do tecido medular pelo corante de Perls; Mielograma; Dosagem de ferritina sérica; Ferro sérico; Transferrina; Índice de Saturação de Transferrina (IST); Zincoprotoporfirina (ZPP) Receptor de transferrina (sTfR); Contagem dos reticulócitos; No exame laboratorial da anemia ferropriva encontraremos: Diminuição de Hb, Ht e VCM Hipocromia e microcitose Hemácias em alvo/ lápis Aumento do RDW Diminuição dos reticulócitos Plaquetas podem estar aumentadas, em casos de sangramento crônico FERRITINA é o primeiro exame que se altera na anemia ferropriva, com redução do seu valor, uma vez que representa o estoque de ferro no organismo! Diminuição do ferro sérico Diminuição da Transferrina Capacidadetotal de ligação do ferro aumentada devido ao aumento de transferrina tentando captar o ferro. Exames laboratoriais específicos oferecem diagnóstico em cada um desses períodos. 1) A depleção de ferro, primeiro estágio, é caracterizada por diminuição dos depósitos de ferro no fígado, baço e medula óssea e pode ser diagnosticada a partir da ferritina sérica, principal parâmetro utilizado para avaliar as reservas de ferro, por apresentar forte correlação com o ferro armazenado nos tecidos. Entretanto, a concentração de ferritina é influenciada pela presença de doenças hepáticas e processos infecciosos e inflamatórios, devendo ser interpretada com cautela; 2) No segundo estágio (deficiência de ferro), são utilizados para diagnóstico a própria redução do ferro sérico, aumento da capacidade total de ligação da transferrina (>250-390 μg/dL) e a diminuição da saturação da transferrina (<16%). Outros exames podem ser necessários como Transferrina, zincoprotoporfirina eritrocitária e capacidade total de ligação do ferro. O ferro sérico é relevante no diagnóstico quando seus valores se encontram menores que 30 mg/Dl 3) A anemia ferropriva (diminuição sanguínea da hemoglobina e hematócrito e alterações hematimétricas) é o estágio final da deficiência de ferro. Ainda na avaliação do hemograma, leucopenia e plaquetose também podem ser indicativos do quadro de anemia e devem ser considerados. A contagem dos reticulócitos se relaciona à eritropoiese, uma vez que o volume de hemoglobina presente nos reticulócitos representa o volume de ferro disponível para a eritropoiese e é um indicador precoce da anemia ferropriva e déficit de hemoglobinização. Hemograma O hemograma é um teste rápido, barato e amplamente disponível no rastreio de anemia ferropriva, mas incapaz de detectar deficiência de ferro sem anemia. (ZAGO,2014) Frequentemente se observa hipocromia, microcitose, aumento do índice de Anisocitose Eritrocítica (RDW) e plaquetose, além da presença de anisocitose, poiquilocitose, hemácias em charuto, eliptócitos e reticulocitopenia ao exame microscópico. (ZAGO,2014) Coloração do tecido medular pelo corante de Perls A avaliação dos estoques de ferro na medula óssea a partir da coloração do tecido medular pelo corante de Perls é considerada padrão-ouro no diagnóstico de DFe. (ZAGO,2014) É exame invasivo, de reprodutibilidade e acurácia questionáveis, não tendo papel na prática clínica diária. (ZAGO,2014) Mielograma No mielograma observa-se hiperplasia eritroblástica com displasias morfológicas na DF moderada até hipoplasia das três linhagens da DF grave prolongada. (ZAGO,2014) O exame padrão ouro para diagnosticar a anemia ferropriva é o mielograma com pesquisa de ferro medular com a coloração do Azul da Prússia. Porém, é pouco utilizado por ser um exame invasivo e pouco disponível, em comparação com os exames laboratoriais. Dosagem de ferritina sérica A dosagem da ferritina sérica está diretamente relacionada com a concentração de ferritina intracelular e, portanto, com o estoque corporal total (ZAGO,2014) Deficiência de ferro é a única condição que gera ferritina sérica muito reduzida, o que torna a hipoferritinemia bastante específica deste diagnóstico. No entanto, valores normais ou elevados de ferritina não excluem a presença de DF, pois a ferritina é uma proteína de fase aguda, tendo sua concentração sérica aumentada na presença de inflamação, infecção, doença hepática e malignidade, mesmo na presença de DF grave. (ZAGO,2014) 7 @_LETICIAALBUQUERQ Ferro sérico Ferro sérico é a fração do ferro corporal que circula primariamente ligado à transferrina, e encontra-se reduzido na DF. (ZAGO,2014) Varia com o ritmo circadiano e a alimentação e, por isso, a coleta de sangue para sua dosagem deve ter horário e jejum padronizados. Está também reduzido na presença de inflamação, não devendo, desta forma, ser utilizado isoladamente para avaliação de DF. (ZAGO,2014) Transferrina Transferrina, proteína transportadora específica de ferro, tem capacidade de ligar simultaneamente duas moléculas de ferro. Sua produção é regulada pelo ferro corporal, aumentando quando os estoques estão exauridos. (ZAGO,2014) Pode ser dosada diretamente ou por meio da avaliação da Capacidade Total de Ligação de Ferro (Total Iron Binding Capacity – TIBC), ensaio que permite a estimativa dos sítios de ligação de ferro disponíveis. (ZAGO,2014) A transferrina sérica se eleva em condições como gestação e uso de contraceptivos orais, estando reduzida na presença de inflamação, infecção, malignidade, doença hepática, síndrome nefrótica e desnutrição. (ZAGO,2014) Transferrina ou TIBC, juntamente com o ferro sérico, permitem o cálculo do Índice de Saturação de Transferrina (IST). O IST é calculado a partir da razão [Ferro sérico/TIBC] ou [Ferro sérico/Transferrina × 0,71], variando de 20 a 45%.(ZAGO,2014) Zincoprotoporfirina (ZPP) O último passo na síntese de Hb é a inserção de um átomo de ferro na protoporfirina para formação do heme. (ZAGO,2014) Na DF, zinco é incorporado no lugar do ferro, formando a Zincoprotoporfirina (ZPP). (ZAGO,2014) A taxa de elevação de ZPP é proporcional ao déficit de ferro na medula em relação à eritropoese, e a elevação de ZPP é o primeiro marcador de eritropoese deficiente em ferro, embora não seja específico. (ZAGO,2014) Fragmento solúvel do receptor de transferrina (sTfR) O fragmento solúvel do receptor de transferrina (sTfR) é derivado do receptor de transferrina de todas as células, porém os principais geradores desse fragmento são os eritroblastos e reticulócitos.. (ZAGO,2014) Assim, a concentração de sTfR reflete a atividade eritropoética e se encontra elevada na DF. (ZAGO,2014) Contagem dos reticulócitos Avalia a capacidade de regeneração da medula pela contagem do eritrócito jovem, reticulócitos Tratamento O tratamento da anemia ferropriva é feito através da reposição de ferro, para normalizar a eritropoese e repor os estoques. O tratamento da DF consiste na reposição oral ou venosa. No entanto, é mandatória a investigação da causa e sua pronta correção do contrário, a reposição é paliativa e tende a ser ineficaz no longo prazo. (ZAGO,2014) Ferro via oral Opção – Sulfato Ferroso 200mg (contém 67 mg de ferro elementar) O medicamento deve ser tomado com o estômago vazio a cada 6 horas, associado a uma substância ácida, como por exemplo o suco de laranja, que aumenta a absorção de ferro. Efeitos colaterais do ferro via oral: dor abdominal, náuseas, constipação ou diarreia, sensação de gosto amargo na boca e escurecimento das fezes. Mecanismo de ação: O ferro é um componente essencial na função fisiológica da hemoglobina; são necessárias quantidades adequadas de ferro para a eritropoiese e a capacidade resultante de transportar oxigênio no sangue. O ferro tem uma função similar na produção de mioglobina e também serve como co-fator de várias enzimas essenciais. Quando se administra por via oral, em alimentos ou como suplementos, o ferro passa através das células mucosas no estado ferroso e se une à proteína transferrina. Esta forma de ferro é transportada do organismo à medula óssea para a produção de glóbulos vermelhos. Ferro via parenteral A reposição parenteral de ferro é recomendada em casos excepcionais como os de hospitalização por anemia grave após falha terapêutica do tratamento oral, necessidade de reposição de ferro por perdas sanguíneas, doenças inflamatórias intestinais, quimioterapia ou diálise ou após cirurgias gástricas com acometimento do intestino delgado, devendo sempre ser solicitada avaliação de especialista experiente para uso prévio . Mais utilizado em casos em que há intolerância ao ferro via oral, falha no tratamento via oral, má absorção ou quando há necessidade urgente de repor o ferro Opções: Ferro-dextran,gluconato férrico de sódio, ferro-sucrose, feromoxitol OBS.: O Feromoxitol é a opção com melhor absorção e menos efeitos tóxicos. Efeito colateral: anafilaxia grave 8 @_LETICIAALBUQUERQ Anemias megaloblásticas As anemias megaloblásticas constituem um grupo de anemias em que os eritroblastos na medula óssea mostram uma anormalidade característica – atraso da maturação do núcleo em relação à do citoplasma. O defeito básico responsável por essa assincronia é a síntese defeituosa de DNA, geralmente causada por deficiência de vitamina B12 ou de folato. Anemias megaloblásticas são causadas pelo comprometimento na síntese de DNA, que resulta em hemácias aumentadas de tamanho (VCM > 100 fℓ), devido à maturação e divisão deficientes. A deficiência de vitamina B12 e ácido fólico são as condições mais comumente associadas a casos de anemia megaloblástica. (NORRIS,2021) Epidemiologia das anemias megaloblásticas As anemias resultantes de carências de vitamina B12 ou de folatos vão se tornando menos frequentes, em virtude da diminuição da ocorrência de carências nutricionais. No entanto, ainda são encontradas na prática médica, em especial entre grávidas de classes mais pobres, idosos e alcoólatras, na forma clássica da anemia perniciosa. (ZAGO,2014) Etiologia das anemias megaloblásticas As deficiências de cobalamina (vitamina B12) ou de ácido fólico são as mais frequentes causas de anemia megaloblástica. A ação de fármacos, erros inatos do metabolismo e a eritroleucemia são menos frequentes na prática clínica. (LOPES,2016) A causa mais comum desse tipo de anemia é a carência de folato e/ou cianocobalamina (vit. B12), sendo mais comum a deficiência de folato. (ZAGO,2014) As anemias por deficiência de folatos ou de vitamina B12 resultam de uma disparidade entre a disponibilidade e a demanda. A anemia é o último estádio das deficiências nutricionais, surgindo quando as reservas orgânicas esgotaram-se em virtude do balanço negativo. O tempo necessário para que a anemia se manifeste depende da magnitude dos depósitos e do grau de desequilíbrio. (ZAGO,2014) Assim, no caso da vitamina B12, os depósitos são habitualmente suficientes para manter a eritropoese por dois a cinco anos após haver cessado a absorção, enquanto que as reservas de folatos são suficientes apenas para três ou quatro meses. (ZAGO,2014) Genericamente, as causas de carências podem ser classificadas em: a) Menor ingestão do nutriente; b) Menor absorção intestinal; c) Defeitos do transporte ou metabolismo; d) Aumento da excreção ou das perdas; e) Aumento das necessidades fisiológicas ou patológicas; Causas de carência de vitamina B12 ou cobalamina Fisiologia da vitamina B12: A vitamina B12 pode ser encontrada em carnes, peixes e laticínios. Após a ingestão da vitamina, ela vai se ligar ao fator intrínseco, liberado pelas células parietais do fundo gástrico e cárdia. O complexo vitamina B12 + fator intrínseco se liga ao receptor no íleo distal, sendo a vitamina absorvida e o fator intrínseco destruído. No plasma, a vitamina B12 é transportada pela transcobalamina até a medula óssea e o fígado. Ela é responsável por transformar homocisteína → metionina e CoA → Succcinil- CoA.] a) Dieta. A vitamina B12 existe primariamente em alimentos de origem animal, não sendo encontrada em frutas e vegetais. As necessidades diárias são ínfimas (0,5-2 g/dia), e por isso a carência de vitamina B12 de origem alimentar é excepcional: somente ocorre em vegetarianos estritos após vários anos sem ingerir alimento de origem animal; b) Absorção. A absorção de vitamina B12 ocorre predominantemente no íleo terminal e depende de uma glicoproteína produzida pelas células parietais da mucosa gástrica, denominada “Fator Intrínseco” (FI). O complexo de vitamina B12/FI é captado pelos receptores das células epiteliais do íleo e a vitamina B12 é absorvida. Qualquer alteração desses passos da absorção leva à deficiência de vitamina B12. O tipo mais comum de carência de vitamina B12 é representado pela anemia perniciosa, doença de natureza provavelmente imunológica, em que ocorre atrofia e inflamação crônica da mucosa gástrica (gastrite atrófica), levando à ausência concomitante de fator intrínseco e da secreção de ácido clorídrico, com consequente má absorção da vitamina B12. Causas de carência de folato/ Ác. Fólico Fisiologia do folato: O folato pode ser encontrado em vegetais verdes, fígados e frutas, sendo absorvido no duodeno e jejuno proximal. No plasma, o folato é convertido em metil tetrahidrofolato (Metil-THF). O metil- THF ao entrar na célula, sofre ação da metionina sintetase, dependente da vitamina B12 para sua ação, e se transforma na sua forma ativa, o poliglutamato (THF). Os folatos são utilizados na conversão de homocisteína em metionina e na síntese de precursores purínicos de DNA A causa mais comum de carência de folatos é representada por dieta inadequada, por vezes associada a uma condição em que 9 @_LETICIAALBUQUERQ aumentam as necessidades diárias, habitualmente a gravidez ou o crescimento. De fato, a anemia megaloblástica da gravidez e a anemia megaloblástica do lactente são os dois tipos mais frequentes dessa deficiência. (ZAGO,2014) Outras causas comuns são alcoolismo, idade avançada, doenças intestinais associadas à má aborção, pobreza e desnutrição. Em geral, deficiências de folato são resultantes da associação de mais de um mecanismo. (ZAGO,2014) É um fato bem conhecido que existe uma associação entre deficiência de ácido fólico e defeitos do tubo neural (p. ex., espinha bífida, anencefalia) no feto em crescimento. Portanto, todas as mulheres em idade fértil com parceiros sexuais do sexo masculino são aconselhadas a ingerir 0,4 mg de ácido fólico para manter níveis séricos adequados para evitar defeitos do tubo neural na sua progênie. (NORRIS,2021) Fisiopatologia das anemias megaloblásticas A hematopoese normal compreende intensa proliferação celular, que por sua vez implica a síntese de numerosas substâncias como DNA, RNA e proteínas; em especial, é necessário que a quantidade de DNA seja duplicada exatamente. (ZAGO,2014) Tanto os folatos como a vitamina B12 são indispensáveis para a síntese da timidina, um dos nucleotídeos que compõem o DNA, e a carência de um deles tem como consequência menor síntese de DNA. (ZAGO,2014) Os folatos participam dessa reação na forma de N5 -N10- -metilenotetraidrofolato, que cede um radical -CH3 (metil) à desoxiuridinamonofosfato (dUMP), transformando-a em timidinamonofosfato (dTMP) que, por sua vez, será incorporada ao DNA A vitamina B12 participa indiretamente nesta reação, funcionando como coenzima da conversão de homocisteína em metionina, transformando simultaneamente o 5-metiltetraidrofolato em tetraidrofolato, a forma ativa de folato que participa da síntese de timidina. Na ausência de vitamina B12, o folato vai se transformando em 5-metiltetraidrofolato, uma forma de transporte do folato, inútil para síntese da timidina e do DNA (ZAGO,2014) A síntese inadequada de DNA tem como consequência modificações do ciclo celular, retardo da duplicação e defeitos no reparo do DNA. Por outro lado, a síntese de RNA não está alterada, pois a timidina não é necessária para sua síntese; não há, portanto, redução da formação de proteínas citoplasmáticas e do crescimento celular. Devido principalmente à lentidão da divisão celular na fase S do ciclo celular, há aumento do número de células com quantidade de DNA entre o diploide e o tetraploide. Estudos citogenéticos revelam exuberantes alterações cromossômicas, como gaps, fraturas e separação prematura do centrômero. A maioria dessas células com lesões cromossômicas graves não é capaz de completar a divisão celular, sendo prematuramente destruídas na medulaóssea. Essa desorganização cromossômica é reversível após o tratamento adequado. (ZAGO,2014) O quadro morfológico do sangue periférico e da medula óssea é idêntico nas deficiências de folatos ou de vitamina B12: dissociação de maturação nucleo-citoplasmática, produzindo células de tamanho aumentado e com alterações morfológicas características. No entanto, uma parcela considerável dessas células morre na própria medula óssea, antes de completar o desenvolvimento. (ZAGO,2014) A intensa desordem da maturação nuclear das três linhagens, mais evidente na série eritroide, produz um aumento de morte celular intramedular: apenas 10 a 20% dos eritrócitos sobrevivem e tornam- 10 @_LETICIAALBUQUERQ se viáveis para o sangue periférico (hematopoese ineficaz). Como resultado, além da anemia macrocítica, com megaloblastos na medula óssea e número de reticulócitos normal ou baixo, pode também ocorrer neutropenia, com neutrófilos polissegmentados e moderada plaquetopenia. (ZAGO,2014) Manifestações clínicas das anemias megaloblásticas O quadro clínico desses pacientes varia desde assintomáticos à sintomas clássicos de anemia associados a: Anorexia; Emagrecimento; Alterações do hábito intestinal (diarreia ou constipação); Glossite; Queilite angular; Púrpuras; Icterícia leve; Hiperpigmentação cutânea; Os quadros severos de deficiência de anemia megaloblástica podem apresentar ainda polineuropatia periférica, com parestesia nos membros inferiores e das mãos, alteração de marcha e alterações esfincterianas. Sintomas do sistema nervoso central, como alucinações, não são comuns, mas só são observadas associadas a deficiência de B12. A principal manifestação clínica é a anemia; apesar de plaquetopenia e neutropenia ocorrerem com frequência, sangramento ou infecções secundárias à plaquetopenia são pouco comuns. (ZAGO,2014) A deficiência da síntese de DNA afeta a divisão celular em outros tecidos em que há rápida multiplicação, em especial os epitélios do tubo digestivo, originando queixas de diarreia, glossite (ardência, dor e aparência vermelha da língua, “língua careca”), queilite e perda do apetite. Pode ser encontrada discreta a moderada esplenomegalia. (ZAGO,2014) A deficiência de vitamina B12 determina ainda uma degeneração do cordão posterior da medula espinal, cuja base bioquímica seria a carência de S-adenosil-metionina resultante de menor suprimento de metionina, pelo bloqueio da mesma reação homocisteína- metionina discutida anteriormente. O quadro resultante, denominado “degeneração combinada subaguda da medula espinhal”, inclui: Sensações parestésicas dos pés (formigamento ou picada de agulhas), pernas e tronco, seguidas de distúrbios motores, principalmente dificuldades da marcha, redução da sensibilidade vibratória, comprometimento da sensibilidade postural, marcha atáxica, sinal de Romberg, e comprometimentos das sensibilidades termoalgésica e dolorosa “em bota” ou “em luva”. (ZAGO,2014) O envolvimento do cordão lateral é menos frequente, manifestando- se por espasticidade e sinal de Babinski. (ZAGO,2014) A tríade de fraqueza, dor na língua e parestesias é clássica na deficiência de vitamina B12, mas os sintomas iniciais variam muito. São também comuns as manifestações mentais como a depressão e os déficits de memória, disfunção cognitiva e demência, além de distúrbios psiquiátricos graves como alucinações, paranoias, esquizofrenia. (ZAGO,2014) A deficiência de folatos não causa envolvimento do sistema nervoso, mas a deficiência durante a gravidez aumenta a incidência de defeitos de tubo neural em recém-nascidos. (ZAGO,2014) Defeitos no tubo neural podem levar a quadros de anencefalia, espinha bífida e encefalocele, sendo causados pela deficiência de folato. Assim, é recomendada a suplementação de ácido fólico em gestantes. Diagnóstico das anemias megaloblásticas O quadro clínico muitas vezes é sugestivo, mas nem sempre suficiente para firmar o diagnóstico. Mais comumente, o diagnóstico é feito com base nas alterações características do sangue periférico e da medula óssea. (ZAGO,2014) Para o diagnóstico correto, em geral, três são as abordagens nesses pacientes: (ZAGO,2014) 11 @_LETICIAALBUQUERQ 1) A primeira é reconhecer se a anemia megaloblástica está presente; 2) A segunda é distinguir entre as deficiências de vitamina B12 e folato; 3) E a terceira é a determinação da causa; Quadro clínico As manifestações megaloblásticas das deficiências de vitamina B12 e de folatos são clinicamente indistinguíveis, a não ser pela história recente (ao redor de seis meses) na deficiência de folato e mais prolongada (três anos ou mais) na deficiência de vitamina B12. (ZAGO,2014) Além das manifestações de anemia (fraqueza, palidez, dispneia, claudicação intermitente) são importantes os sintomas gastrintestinais e as alterações da boca e língua. (ZAGO,2014) Graus variados de palidez, com pele cor de limão (combinação de palidez com leve icterícia) são comuns. (ZAGO,2014) Uma das manifestações clássicas da anemia perniciosa é a perda de papilas da língua, que fica lisa, brilhante e intensamente vermelha (“língua careca”). Associação com outras carências vitamínicas pode mostrar queilite angular, dermatite, sangramento de mucosas, osteomalacia e infecções crônicas. (ZAGO,2014) Os casos mais graves são acompanhados de sinais de insuficiência cardíaca. (ZAGO,2014) De importância é o quadro neurológico que acompanha a deficiência de vitamina B12 e que auxilia na diferenciação. Queixas de outras doenças autoimunes devem orientar a atenção para anemia perniciosa. (ZAGO,2014) Avaliação laboratorial Sangue periférico; Os principais achados são anemia macrocítica, leucopenia, trombocitopenia, acompanhados de anisocitose, macrocitose com macro-ovalócitos, poiquilocitose, e granulócitos polissegmentados. A contagem de reticulócitos é normal ou baixa, mas o cálculo do índice de reticulócitos corrigido indica anemia hipoproliferativa As principais alterações morfológicas no esfregaço do sangue periférico são: A. Eritrócitos: macro-ovalócitos, poiquilocitose com esquistócitos, dacriócitos, corpúsculos de Howell-Jolly, anel de Cabot, eritroblastos, e até megaloblastos; B. Granulócitos: hipersegmentação nuclear, com presença de neutrófilos polissegmentados reconhecidos por no mínimo 5% de neutrófilos com cinco lobos (regra dos 5) ou um neutrófilo com seis ou mais lobos; C. Leucócitos: leucopenia com neutropenia, podendo os leucócitos chegar até abaixo de 2.000/µL, embora seja rara a ocorrência de infecções graves; D. Plaquetas: trombocitopenia com 30.000 a 100.000 plaquetas/µL; Esfregaço do sangue periférico X medula óssea Medula óssea: O quadro citológico medular é muito característico, e quando a punção é realizada precocemente, antes do uso de medicamentos com vitamina B12 ou folatos, o diagnóstico de anemia megaloblástica pode ser firmado com segurança. (ZAGO,2014) Há intensa hiperplasia da medula óssea, com acentuada hiperplasia da linhagem eritroide, que é composta por megaloblastos: eritroblastos mais volumosos que o normal, com núcleos com estrutura mais granular e menos condensada. (ZAGO,2014) Além disso, há grandes quantidades de aberrações citológicas, como megaloblastos gigantes ou com núcleos polilobulados, binucleados, contendo múltiplos micronúcleos, pontes citoplasmáticas e nucleares, e cariorréxis. (ZAGO,2014) As alterações na série branca são representadas principalmente por mielócitos e metamielócitos de volume aumentado, contendo núcleo gigante. (ZAGO,2014) O ferro medular está aumentado em virtude da eritropoese ineficaz e geralmente há grande número de sideroblastos, mas só raramente há sideroblastos em anel. (ZAGO,2014) O diagnóstico é feito a partir de dosagens de vitamina B12e/ou folato no sangue que estará reduzida indicando a deficiência. As alterações laboratoriais encontradas na anemia megaloblástica são: Hemácias Macrocíticas; Reticulócitos diminuídos; Leucopenia/trombocitopenia; Neutrófilos hipersegmentados; B12 e ou folato diminuídos; Homocisteína aumentada; Acúmulo de ácido metilmalônico, principalmente na deficiência de B12; Bilirrubina indireta e DHL aumentados, devido à hemólise; Na medula óssea, é observado hipercelularidade, falta de maturação e presença de metamielócitos gigantes. 12 @_LETICIAALBUQUERQ Dosagem das vitaminas: Esses testes compreendem as dosagens de vitamina B12 sérica, folato sérico e folato eritrocitário. (ZAGO,2014) Na deficiência de folatos, tanto o folato sérico quanto eritrocitário estão diminuídos, enquanto que os níveis de vitamina B12 estão normais ou aumentados. (ZAGO,2014) Na deficiência de vitamina B12 os níveis de cobalamina estão geralmente baixos e os de folato normais. Entretanto, níveis subnormais ou mesmo normais de vitamina B12 podem ocorrer em indivíduos com carência, em especial idosos. (ZAGO,2014) Pesquisa de metabólitos: Nos casos de dúvida diagnóstica, a dosagem sérica de ácido metilmalônico e de homocisteína total pode auxiliar na diferenciação das duas anemias megaloblásticas. (ZAGO,2014) Ambos os metabólitos estão aumentados em cerca de 95% dos casos de deficiência de vitamina B12, enquanto que o aumento de homocisteína (sem aumento do ácido metilmalônico) ocorre em 91% na deficiência de folatos. (ZAGO,2014) No entanto, o alto custo desses exames faz com que sejam reservados para situações de dúvidas diagnósticas, sendo dispensados quando o diagnóstico pode ser firmado com base nos testes rotineiros. (ZAGO,2014) Endoscopia gástrica com biópsia (p/ identificação da causa) Para identificação da causa a forma mais direta e simples, atualmente, de identificar a anemia perniciosa é a realização de endoscopia gástrica com biópsia nos pacientes em que se revela uma anemia megaloblástica com baixos níveis de vitamina B12. (ZAGO,2014) Teste de Schilling (p/ identificação da causa) Avalia indiretamente a absorção de vitamina B12 e consiste na ingestão oral da vitamina B12 marcada, seguida de medida da vitamina B12 radiativa excretada na urina no período de 24 horas após a ingestão oral: baixa excreção significa que pouca vitamina foi absorvida. (ZAGO,2014) Outros (p/ identificação da causa) A pesquisa de anticorpos antifator intrínseco e anticélula parietal, e a ausência de produção de ácido clorídrico pelo estômago após estímulo máximo (acloridria) contribuem para confirmar o diagnóstico de anemia perniciosa. (ZAGO,2014) Outros exames endoscópicos e radiológicos do tubo digestivo auxiliam no diagnóstico das afecções ileojejunais. (ZAGO,2014) Tratamento das anemias megaloblásticas A mais importante medida no tratamento dessas anemias consiste em identificar a causa e removê-la, se possível. (ZAGO,2014) Só excepcionalmente há necessidade de tratar esses pacientes com transfusões sanguíneas, uma vez que a reposição adequada do nutriente é acompanhada de pronta resposta, com rápida normalização hematológica. (ZAGO,2014) Nos casos em que há concomitância com carência de ferro, o tratamento deve ser simultâneo, caso contrário não haverá recuperação completa dos níveis de hemoglobina. (ZAGO,2014) Vitamina B12 por via parenteral A vitamina B12 estimula a hematopoiese. Transforma a medula óssea de megaloblástica em normoblástica e elimina a macrocitose de anemia perniciosa e outras anemias semelhantes. Por sua intervenção na síntese do ácido nucleico e nucleoproteínas, faz desaparecer as manifestações em mucosas e neurológicas da anemia perniciosa. Ácido fólico por via oral O ácido fólico, como é bioquimicamente inativo, é convertido em ácido tetra-hidrofólico e metiltetraidrofolato por di-hidrofolato redutase. Esses compostos afins de ácido fólico são transportados através células por endocitose mediada pelo receptor em que são necessários para manter a eritropoiese normal, sintetizar purinas e ácidos nucleicos timidilato, interconvertendo aminoácidos, metilato de ARNt, e gerar e utilizar o formiato. Usando a vitamina B12 como cofator, o ácido fólico pode normalizar os níveis elevados de homocisteína por remetilação de homocisteína em metionina via metionina sintetase Anemia hemolítica A anemia hemolítica se caracteriza por: Destruição prematura das hemácias Retenção orgânica de ferro e outros produtos da degradação da hemoglobina Aumento na eritropoese. 13 @_LETICIAALBUQUERQ As anemias hemolíticas compreendem um grupo de doenças em que a sobrevida das hemácias em circulação está acentuadamente reduzida e a medula óssea não é capaz de compensação mesmo aumentando sua produção. (ZAGO,2014) Essas doenças podem ser facilmente identificadas porque, além de anemia, esses pacientes exibem sinais clínicos e laboratoriais de aumento do catabolismo de hemoglobina e aumento da produção de hemácias. (ZAGO,2014) Quase todos os tipos de anemia hemolítica se distinguem pela existência de hemácias normocíticas e normocrômicas. Devido à redução da vida útil da hemácia, a medula óssea geralmente se torna hiperativa, resultando no aumento do número de reticulócitos na circulação sanguínea. (NORRIS,2021) Etiologia das anemias hemolíticas A hemólise pode ser intravascular, quando a hemoglobina é liberada no plasma, ou extravascular, quando ocorre principalmente no baço Quando a sobrevida dos eritrócitos está diminuída, a medula óssea aumenta o número de precursores eritroides, a fim de compensar a hemólise. A anemia só ocorre quando a hiperprodução medular não consegue se igualar ao ritmo da destruição. Assim, a medula pode acabar entrando em crise aplásica da anemia hemolítica, que corresponde a sua falência. As anemias hemolíticas podem ser congênitas (defeito corpuscular) ou adquiridas (defeitos extracorpusculares). 1) Anemia hemolítica por defeitos intrínsecos das hemácias 2) Anemia hemolítica por defeitos extrínsecos das hemácias Alterações da estrutura ou função da membrana São alterações que afetam a forma e a deformabilidade eritrocitária. Em geral, ocorre diminuição da relação superfície/volume e redução da deformabilidade (ZAGO,2014) Esferocitose hereditária A esferocitose hereditária é transmitida principalmente de forma autossômica dominante e é a doença hereditária mais comum da membrana das hemácias. (NORRIS,2021) O exemplo mais comum desse tipo de anormalidade é a esferocitose hereditária. (ZAGO,2014) Nessa doença existem anormalidades em proteínas do citoesqueleto eritrocitário, que resultam em perda de lipídeos, colesterol e fragmentos da membrana, com a hemácia perdendo sua forma bicôncava e transformando-se gradualmente em um esferócito (forma esférica) não conseguindo atravessar facilmente o baço. (ZAGO,2014) Esses esferócitos podem sofrer hemólise intraesplênica e, devido a sua reduzida deformabilidade, podem ser fagocitados pelos macrófagos. (ZAGO,2014) Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN) Uma alteração adquirida da membrana eritrocitária é a Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN). (ZAGO,2014) É uma doença hemolítica rara ligada ao X, resultante de mutações adquiridas no gene fosfaditilinositolglicano do grupo A (PIGA); as mutações em PIGA levam à expressão deficiente de uma família de proteínas normalmente ancorada na membrana celular via glicosilfosfatidilinositol (GFI, GPI). Na HPN, ocorre o surgimento de um clone na medula óssea com uma mutação no gene PIG-A (fosfatidilinositol glican, classe A), produzindo células sanguíneas com membrana sensível à lise pelo sistema complemento, gerando hemólise intravascular e graus variados de citopenias. (ZAGO,2014) Alterações da hemoglobinaAs anormalidades da hemoglobina podem ser classificadas genericamente em estruturais e no ritmo de síntese das globinas. A presença da hemoglobina anormal no interior das hemácias pode alterar sua viscosidade ou sua deformabilidade, sendo o exemplo mais conhecido a hemoglobina S. As anormalidades no ritmo de síntese são representadas pelas síndromes talassêmicas b e a. (ZAGO,2014) Anemia falciforme Corresponde a uma alteração estrutural da hemoglobina. A anemia falciforme é uma doença hereditária em que ocorre a produção de uma hemoglobina anormal (hemoglobina S [HbS]), que conduz a um estado crônico de anemia hemolítica, dor e falência de órgãos. O gene HbS é transmitido por herança recessiva e pode se manifestar como traço de células falciformes (i. e., heterozigoto com 14 @_LETICIAALBUQUERQ um gene HbS) ou anemia falciforme (i. e., com dois genes homozigotos HbS). (ZAGO,2014) Síndromes talassêmicas As síndromes talassêmicas constituem um grupo heterogêneo de distúrbios hereditários causados por mutações que reduzem a síntese da cadeia α- ou β-globina (MITCHELL et al., 2021) As cadeias β são codificadas por um único gene no cromossomo 11 (produzindo duas cópias); as cadeias α são codificadas por dois genes intimamente ligados no cromossoma 16 (produzindo quatro cópias) (MITCHELL et al., 2021) A síntese menor de uma cadeia tem consequências patológicas decorrentes de: (1) baixa hemoglobina intracelular (hipocromia) e (2) efeitos relacionados com o excesso relativo da outra cadeia (MITCHELL et al., 2021). As síndromes são mais comuns nos países mediterrâneos, em partes da África e sudoeste da Ásia (MITCHELL et al., 2021) β-talassemias As β-talassemias são caracterizadas pela síntese deficiente de β- globina: As mutações β0 abolem a síntese da cadeia β-globina; mais comumente envolvem mutações na terminação da cadeia que cria códons de parada prematura As mutações β+ levam à redução (porém detectável) da síntese de β-globina; mais frequentemente envolvem splicing de RNA aberrante, embora algumas sejam mutações na região promotor α-Talassemias As α-talassemias são decorrentes de defeitos hereditários que reduzem a síntese de α-globina; a deleção genética é a causa mais comum (MITCHELL et al., 2021). As consequências clínicas advêm da síntese desequilibrada das cadeias α e não α (cadeias γ na infância, cadeias β e δ depois de 6 meses de idade). Os tetrâmeros de cadeia β livres (hemoglobina H [HbH]) demonstram afinidade extremamente alta com O2 e, desse modo, causam hipóxia tecidual desproporcional aos níveis de hemoglobina. Além disso, a HbH é propensa à oxidação, levando à precipitação de agregados proteicos intracelulares que promovem o sequestro eritrocitário por macrófagos. As cadeias γ livres formam tetrâmeros estáveis (HbBart) que também se ligam ao O2 com avidez excessiva, resultando em hipóxia tecidual (MITCHELL et al., 2021) Anormalidades das enzimas eritrocitárias A produção de cada uma das enzimas pode ser deficiente por alterações na codificação genética (ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2013). Os defeitos da maioria das enzimas são muito raros, e apenas algumas enzimopatias têm importância clínica. As anormalidades das enzimas eritrocitárias podem ser genericamente classificadas em: 1) Defeitos da via de Embden-Meyerhof: a anormalidade mais frequente é a deficiência de Piruvato Quinase ou Cinase (PK) (ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2013). 2) Defeitos na via das pentoses: a alteração mais frequente é a deficiência de Glicose-6-Fosfato Desidrogenase (G6PD) (ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2013) Deficiência de Glicose-6-Fosfato Desidrogenase A glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD) é uma enzima no shunt a hexose monofosfato, que reduz a nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato reduzida (NAPD) a NADPH; por sua vez, a NADPH reduz a glutationa eritrocitária – conferindo proteção contra lesão oxidativa do eritrócito. Nas células com deficiência de G6PD, o estresse oxidativo (p. ex., decorrente de inflamação, drogas ou alimentos, como feijão fava) promove a ligação cruzada de sulfidrila hemoglobina e desnaturação de proteína. A hemoglobina alterada se precipita como corpúsculos de Heinz, o que pode causar hemólise direta; além disso, a hemoglobina precipitada pode se fixar à membrana celular interna, reduzir a deformabilidade e aumentar a suscetibilidade à destruição por macrófago esplênico (MITCHELL et al., 2021) A deficiência de G6PD é um distúrbio ligado ao X; embora existam diversas variantes de G6PD, apenas duas – G6PD- e G6PD mediterrânea – ocasionam hemólise clinicamente significativa. A G6PD- está presente em cerca de 10% dos negros americanos; dobras anormais na proteína acarretam aumento da degradação proteolítica e, desse modo, perda progressiva de G6PD nos eritrócitos mais velhos. Uma vez que os eritrócitos mais jovens não são afetados, os episódios hemolíticos são autolimitados na maioria das vezes. Na forma mediterrânea, os níveis de G6PD são muito menores e os episódios hemolíticos são mais graves (MITCHELL et al., 2021) Anemia imuno-hemolítica (AHI) É uma hipersensibilidade do tipo II, que consiste em uma hemólise precoce das hemácias por ação do sistema imune, gerando anemia quando não há uma resposta medular compensatória, ou seja, que consiga produzir eritrócitos suficientes para substituir os que foram destruídos. Esses distúrbios são assim chamados, porém o termo anemia imuno-hemolítica é preferido porque algumas reações são provocadas por medicamentos. Esse grupo de anemias pode ser subdividido em anemia hemolítica autoimune, anemia hemolítica induzida por droga e anemias hemolíticas aloimunes. Anemia hemolítica autoimune (AHAI) É uma condição clínica, na qual se tem uma destruição acelerada das hemácias em razão da fixação de imunoglobulinas ou complemento na superfície das hemácias (BARROS; BORDIN, 2016). Os sintomas iniciais são decorrentes da anemia causada pela hemólise, dos efeitos secundários do quadro hemolítico, ou da doença primária que está causando a AHAI (BARROS; BORDIN, 2016) A AHAI pode ser classificada com base nos resultados dos testes laboratoriais imunohematológicos, Conforme explicado a seguir: 15 @_LETICIAALBUQUERQ Causadas por anticorpos a quente a) Primárias ou idiopáticas; b) Secundárias: doença linfoproliferativa, carcinomas, mielodisplasia, colagenoses, retocolite, ulcerativa e hepatites Causadas por anticorpos a frio a) Doença das aglutininas a frio: idiopática ou primária e secundária (linfomas, Mycoplasma, mononucleose) b) Hemoglobinúria paroxística a frio: idiopática ou primária e secundária (sífilis, infecções virais) Mistas Induzidas por fármacos a) Indução de autoimunidade b) Adsorção de fármacos c) Adsorção de imunocomplexos d) Adsorção não imunológica de proteínas Anemia hemolítica aloimune Ocorre em uma reação pós-transfusional devido à presença de aloanticorpos, que são anticorpos reativos a antígenos da mesma espécie, mas de indivíduos geneticamente diferentes. Uma reação transfusional hemolítica aguda é definida como a hemólise das hemácias do doador nas primeiras 24 horas após a transfusão, graças aos aloanticorpos pré-formados. As reações hemolíticas transfusionais agudas potencialmente fatais normalmente são causadas por transfusão sanguínea de sangue ABO incompatível, sendo erros de escrita (amostra identificadas erroneamente) a principal responsável por essas reações. A causa das reações transfusionais hemolíticas é a lise intravascular dos eritrócitos do doador por anticorpos (aloanticorpos ou isoanticorpos) do receptor, que se ligam a um ou mais antígenos de grupo sanguínea nas células transfundidas Manifestações clínicas da anemia hemolítica As manifestações variam conforme o tipo de causa. Desta forma, são inúmeras manifestações. Hemóliseextravascular: Os principais aspectos clínicos são anemia, esplenomegalia e icterícia; reduções modestas na haptoglobina (uma proteína sérica que se liga à hemoglobina) também são observadas (MITCHELL et al., 2021). Hemólise intravascular: Os pacientes exibem anemia, hemoglobinemia, hemoglobinúria, hemossiderinúria, dor dorsal e icterícia; há acentuada redução da haptoglobina sérica. A hemoglobina livre pode ser oxidada em metemoglobina. Ambas as formas da proteína são excretadas na urina (conferindo a cor marrom) ou são absorvidas pelos túbulos proximais renais; o ferro liberado da hemoglobina pode se acumular nas células tubulares (hemossiderose renal) (MITCHELL et al., 2021). O paciente costuma ter: Palidez de mucosas; Icterícia leve flutuante; Esplenomegalia; Não há bilirrubina na urina, mas esta pode se tornar escura em conservação pelo excesso de urobilinogênio; Úlceras em volta do tornozelo (em particular com anemia falciformes); Podem ocorrer crises aplásticas, geralmente precipitadas por infecção com parvovírus, que “desligam” a eritropoese, caracterizadas por intensificação súbita da anemia e por queda da contagem de reticulócitos Na anemia hemolítica costuma haver icterícia, devido ao aumento da bilirrubina indireta e esplenomegalia persistente na anemia hemolítica crônica. As manifestações clínicas de anemia são aquelas advindas da redução da oxigenação dos tecidos, principalmente cérebro e coração e relacionadas à capacidade compensatória do sistema pulmonar e cardiovascular Quanto mais abrupta for essa queda no volume sanguíneo e/ou níveis de hemoglobina, mais intenso os sintomas. Assim, nas 16 @_LETICIAALBUQUERQ hemorragias agudas ou nas crises hemolíticas, os pacientes apresentam sintomas mais intensos do que nos quadros de instalação lenta e de longa duração Nos quadros agudos, devido à baixa oxigenação abrupta, o coração passa a trabalhar em ritmo mais acelerado, levando o paciente a se apresentar com dispneia, palpitações, tontura e fadiga extrema. Diagnóstico da anemia hemolítica Anamnese Pesquisa da história da anemia, se ocorre desde a infância, a história familiar, a consanguinidade e o uso de medicações Exame físico Ao exame físico deve-se atentar bastante à coloração das mucosas, já que a palidez é um sinal muito característico de anemia, principalmente nas mucosas da boca e da conjuntiva e no leito ungueal. A icterícia associada a palidez é uma manifestação característica de anemia hemolítica, devido a destruição das hemácias e produção de bilirrubina não conjugada, assim, deve-se buscar por visceromegalias, principalmente em baço e fígado Exames laboratoriais Laboratorialmente anemia hemolítica se caracteriza por: Reticulocitose ↑ bilirrubina não conjugada (indireta) ↑ desidrogenase lática ↓ haptoglobina. Pode ocorrer por alterações intrínsecas dos eritrócitos (maioria genética) ou por agressões por agentes extrínsecos (malária, veneno, toxinas) Segundo Norris (2021): Hemograma: anemia macrocítica (VCM maior que 96 fℓ), policromasia, poiquilocitose à custa de esferócitos e hemácias fragmentadas, eritroblastos circulantes, plaquetopenia eventualmente (síndrome de Evans) Teste de Coombs direto: adiciona-se um preparado de imunoglobulinas anti-imunoglobulina humana em uma suspensão de hemácias do paciente, observando-se a presença de aglutinação – reação positiva em 90% dos casos Reticulocitose: > 2,0% Hiperbilirrubinemia à custa de bilirrubina indireta (> 0,6 mg/dℓ) (PORTH) Desidrogenase láctica (DHL) elevada (> 480 U/ℓ) Haptoglobulina reduzida (< 26,0 mg/dℓ). Segundo Hoffbrand e Moss (2018), os achados laboratoriais, por conveniência, são divididos em três grupos. 1) Sinais de aumento da destruição eritroide: a) Aumento da bilirrubina sérica, não conjugada e ligada à albumina; b) b) Aumento do urobilinogênio urinário; c) c) Haptoglobinas séricas ausentes, pois ficam saturadas com hemoglobina, e os complexos são removidos pelas células do sistema RE. 2) Sinais de aumento da produção eritroide: a) Reticulocitose b) Hiperplasia eritroide da medula óssea; a relação normal mieloide: eritroide de 2:1 a 12:1 diminui para 1:1 ou se inverte. 3) Sinais de dano aos eritrócitos: a) Morfologia (p. Ex., microesferócitos, eliptócitos, fragmentos); b) Fragilidade osmótica; c) Testes para enzimas específicas, para proteínas ou de DNA. Anormalidades da membrana eritrocitária Segundo Zago; Falcão e Pasquini (2013), a investigação laboratorial das anormalidades da membrana eritrocitária compreende resumidamente os seguintes passos: Hemograma e observação cuidadosa da morfologia do sangue periférico. Teste de fragilidade osmótica das hemácias (incubação a 37ºC por 24 horas) Análise eletroforética das proteínas da membrana pelos métodos de Fairbanks e Laemmli e avaliação da quantidade de dímeros por gel não desnaturante. Análise eletroforética após digestão das proteínas com tripsina. Análise do gene correspondente à proteína qualitativa ou quantitativamente alterada. Citometria de fluxo com marcação para eosina5´maleimida. Ectacitometria Anormalidades das hemoglobinas Segundo Zago; Falcão e Pasquini (2013), a investigação laboratorial das anormalidades das hemoglobinas, em geral, pode incluir os seguintes aspectos: Hemograma, índices hematimétricos confiáveis, análise da morfologia do sangue periférico. Eletroforese das hemoglobinas em tampão-alcalino (acetato de celulose) e, se necessário, em tampão ácido. Eletroforese de hemoglobinas por Cromatografia Líquida de Alta Performance (HPLC) com quantificaçãode Hb A2 e Hb F. Teste de solubilidade da hemoglobina em tampãofosfato concentrado. Pesquisa de Hb H e Hb Bart’s. Pesquisa de Hb instável e corpos de Heinz. Eletroforese de cadeias de globinas. Análise molecular dos genes da globina É importante lembrar que, sempre que possível, deve ser realizado o estudo em todos os familiares disponíveis, pois, sendo a maioria 17 @_LETICIAALBUQUERQ dessas doenças de natureza hereditária, e podendo resultar de associações complexas de genótipos, em muitos casos, somente o estudo familiar permite o diagnóstico correto (ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2013). Anormalidade enzimática Segundo Zago; Falcão e Pasquini (2013), investigação laboratorial das anormalidades enzimáticas se inicia com a avaliação semiquantitativa e quantitativa da G6PD com os testes de Brewer, imunofluorescência e quantificação da G6PD. Além disso, deve ser feita a eletroforese em acetato de celulose, e nos casos que revelarem alterações, pode ser realizado o estudo molecular do gene da G6PD em busca das mutações mais frequentes. Nos casos sem alterações da G6PD, devem ser avaliadas as demais enzimas eritrocitárias. A deficiência de PK pode ser sugerida pelo pontilhado basófilo característico nas hemácias no esfregaço de sangue periférico e, nesses casos, a dosagem da atividade da PK está indicada (ZAGO; FALCÃO; PASQUINI, 2013) Tratamento da anemia hemolítica O tratamento é especifico conforme a causa da anemia hemolítica, alguns exemplos são listados abaixo: Anemia hemolítica por deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase: O tratamento é suspender o fator desencadeante, além de transfusões sanguíneas alguns em casos. Nos recémnascidos, pode ser feita a fototerapia e a exsanguineotransfusão. Anemia falciforme: Atualmente não existe cura conhecida para a anemia falciforme (NORRIS, 2021). É aconselhada a evitar situações que precipitam episódios de afoiçamento das hemácias, como infecções, exposição ao frio, esforço físico intenso, acidose e desidratação (NORRIS, 2021). A hidroxiureia é um fármaco citotóxico utilizado para evitar complicações da anemia falciforme e é recomendado como tratamentopadrão para todos os portadores dessa condição. Essa substância viabiliza a síntese de uma quantidade maior de HbF e menor de HbS, reduzindo, desse modo, o processo de afoiçamento. No entanto, são desconhecidos os efeitos a longo prazo do uso da substância em relação a danos em órgãos, crescimento, desenvolvimento e risco de doenças malignas (NORRIS, 2021) Anemia imuno-hemolitica: Anemia hemolítica por autoanticorpos “frios”: evitar exposição ao frio (mudança de clima pode ser necessária) (NORRIS, 2021) Anemia hemolítica por autoanticorpos “quentes”: prednisona, 1 a 2 mg/kg, VO, em dias alternados, durante 30 dias. Ao atingir níveis normais de hemoglobina, reduzir gradativamente o corticoide até 5 a 10 mg/dia (NORRIS, 2021) Referências DE SÁ MOURA, Maria Eduarda et al. Fisiopatologia, diagnóstico e tratamento da anemia ferropriva: Uma revisão de literatura. Revista de Casos e Consultoria, v. 12, n. 1, p. e23523-e23523, 2021. HOKAMA, N. K.; HOKAMA, P. O. M. Anemias Megaloblásticas. In: LOPES, A. C. Tratado de clínica médica. 3. ed. Rio de Janeiro: Roca, 2016 MITCHELL, R. N. et al. Robbins & Cotran fundamentos de patologia. Rio de janeiro: GEN, 2021. NORRIS, T. L. Porth fisiopatologia. 10. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2021. LORENZI, Therezinha F. Atlas Hematologia. Grupo GEN, 2005. E-book. ZAGO. M. A.; FALCÃO, R. P.; PASQUINI, R. Tratado de hematologia. São Paulo: Editora Atheneu, 2013.
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