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GESTÃO HOSPITALAR E SAÚDE OCUPACIONAL: ESTRATÉGIAS PARA EVITAR O DESENVOLVIMENTO DA SÍNDROME DE BURNOUT NOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE LUANA ANDRESSA GONÇALVES CHAEK RESUMO As crescentes mudanças no mundo do trabalho têm influenciando a saúde dos trabalhadores de forma intensa. No que diz respeito ao ambiente ocupacional, cada vez mais se eleva a preocupação com o tema do estresse, podendo-se perceber o aumento das publicações literárias e dos estudos dedicados a discutir o tema e relacionar métodos para se lidar com ele. O presente trabalho revisa as principais definições, sintomas e critérios diagnósticos da Síndrome de Bournout, revisa também as consequências e fatores de risco da SB nos profissionais de saúde que atuam em hospitais, descrevendo o papel do ambiente hospitalar no desencadeamento da síndrome e destacando a importância de uma boa gestão hospitalar para a prevenção da SB. Palavras-chave: Gestão Hospitalar; Sindrome de Bournout; Profissionais de saúde INTRODUÇÃO Os potenciais efeitos do estresse ocupacional sobre o bem-estar físico e emocional dos profissionais tem sido objeto de estudo de pesquisas científicas nos últimos anos, por se tratar de um importante problema de saúde. O estresse ocupacional é decorrente da percepção do trabalhador de que o ambiente laboral é ameaçador à sua saúde física e/ou mental, por acreditar que esse ambiente possui demandas excessivas ou por ele próprio não possuir recursos suficientes para enfrentá-las (França & Rodrigues, 1997). Um dos possíveis efeitos da exposição crônica ao estresse ocupacional é o desencadeamento da síndrome de Burnout (SB) ou esgotamento profissional, fenômeno que afeta profissionais que possuem intenso contato com os usuários de seus serviços, como os profissionais da saúde, da educação, policiais, assistentes sociais, entre outros (Ministério da Saúde do Brasil & Organização Pan- Americana da Saúde no Brasil, 2001). A SB afeta a saúde física e emocional dos profissionais trazendo conseqüências preocupantes em níveis individuais e organizacionais (Moss et al., 2016) tornando evidente a necessidade de prevenir sua sintomatologia (Carlotto & Câmara, 2008). As estratégias de prevenção para a SB incluem realização de intervenções individuais e organizacionais ou, idealmente, a combinação de ambas (Melo & Carlotto, 2017; Moss et al., 2016). No Brasil, a síndrome de burnout consta na Regulamentação da Previdência Social do Decreto nº 3.048 de 6 de maio de 1999, Anexo II, que trata dos Agentes Patogênicos causadores de Doenças Relacionadas ao Trabalhado por ser reconhecida como doença pertencente à categoria de saúde do trabalhador que está diretamente ligada à atividade laborativa (TELLES; PIMENTA, 2009). A síndrome é classificada como um transtorno mental e do comportamento relacionado ao trabalho e enunciada no Grupo V da CID-10 com o código: Z73.0 sendo a doença entendida como Sensação de Estar Acabado (“Síndrome de Burn-Out”, “Síndrome do Esgotamento Profissional”) (FRANÇA; FERRARI, 2012). O presente trabalho revisa as principais definições, sintomas e critérios diagnósticos da Síndrome de Bournout, revisa também as consequências e fatores de risco da SB nos profissionais de saúde que atuam em hospitais, descrevendo o papel do ambiente hospitalar no desencadeamento da síndrome e destacando a importância de uma boa gestão hospitalar para a prevenção da SB. DESENVOLVIMENTO A síndrome de Burnout (SB) foi descrita pela primeira vez pelo psiquiatra Herbert Freudenberger em 1974 (Freudenberger, 1974) e atualmente está inserida na Classificação Internacional de Doenças CID-11sob o código QD85 (Organização Mundial da Saúde [OMS], 2019). Christina Maslach (1976) propôs um modelo teórico para caracterizar a SB, definindo-a como uma resposta prolongada a estressores interpessoais crônicos no trabalho que se apresenta em três dimensões interdependentes: exaustão emocional, despersonalização e redução da realização pessoal (Maslach, Schaufeli & Leiter, 2001). A exaustão emocional é caracterizada pelos sentimentos de estar sobrecarregado e exaurido de seus recursos físicos e emocionais, levando ao esgotamento de energia para investir nas situações que se apresentam no trabalho (Maslach et al., 2001). Esta dimensão é considerada qualidade central e manifestação mais óbvia da síndrome, estando associada a sentimentos de frustração diante da percepção dos profissionais de que não possuem condições de depreender energia para atender os pacientes como faziam anteriormente (Maslach & Leiter, 2008; Carlotto & Câmara, 2008). Na medida em que a exaustão emocional se agrava, a despersonalização ou cinismo pode ocorrer, os quais são caracterizados por uma postura distante ou indiferente do indivíduo em relação ao trabalho, aos colegas e aos pacientes (Maslach et al., 2001). A despersonalização é considerada uma resposta à exaustão emocional, constituindo-se como estratégia de enfrentamento do indivíduo diante do estresse crônico (Maslach et al., 2001; Maslach & Leiter, 2008). A perda gradual de empatia e indiferença em relação ao trabalho culmina na insensibilidade afetiva e afastamento excessivo do público que deveria receber seus serviços (Carlotto & Câmara, 2008), comprometendo a habilidade dos profissionais de saúde de prover cuidado de qualidade para seus pacientes. De acordo com Moss et al.(2016), essa dimensão também pode ser expressa por comentários não profissionais dirigidos a colegas de trabalho, pela culpabilização de pacientes por seus problemas ou pela incapacidade de expressar empatia/pesar quando um paciente morre. Por fim, a dimensão de redução da realização pessoal é referente à tendência do sujeito de avaliar-se negativamente em relação às suas competências e produtividade no trabalho, o que pode acarretar na diminuição da autoestima (Bridgeman et al., 2018; Moss et al., 2016; Maslach & Jackson, 1981; Maslach et al., 2001). Nesta dimensão o indivíduo vivencia um declínio no sentimento de competência e êxito, bem como de sua capacidade de interagir com os outros (Carlotto & Câmera, 2008). A literatura aponta que o surgimento destes sintomas ocorre gradualmente e que a SB resulta da discrepância entre as expectativas e idealizações do indivíduo e a realidade da prática profissional (Schaufeli & Bunnk, 2003). Sua etiologia, portanto, é multifatorial e pressupõe uma combinação de aspectos individuais associados às condições e relações no trabalho (Maslach & Jackson, 1981; Maslach et al., 2001; Benevides-Pereira, 2002). Concomitantemente podem ser identificados sintomas como falta de atenção, alterações de memória, lentificação do pensamento, sentimentos de alienação, solidão e impaciência, além de sintomas físicos como insônia, fadiga constante, tensão muscular, dores de cabeça e problemas gastrointestinais (Maslach et al., 2001; Benevides-Pereira, 2002). Haja vista a alta incidência de pessoas apresentando sintomas de esgotamento no cotidiano de seus trabalhos é provável que muitos desses trabalhadores desenvolvam o estresse devido às condições a que estão submetidos. Tais condições podem estar relacionadas às longas jornadas de trabalho ou à falta de reconhecimento de seus superiores. Quando o estresse é experimentado no ambiente de trabalho, as demandas ocupacionais ultrapassam a capacidade de adaptação dos trabalhadores ocorre o que se chama de estresse ocupacional. Para a enumeração dos fatores de risco para o desenvolvimento do burnout, são levadas em consideração quatro dimensões: a organização, o indivíduo, o trabalho e a sociedade. Tem-se que índices superiores associados com a síndrome de burnout quanto a organização são: burocracia, falta de autonomia, mudanças organizacionais frequentes, falta de confiança, respeito e consideração entre membros de equipe, comunicação ineficiente, ambiente físicoe seus riscos; os fatores individuais são padrão de personalidade, locus de controle externo, super envolvimento; indivíduos pessimistas, indivíduos perfeccionistas, indivíduos controladores, indivíduos passivos, indivíduos com grande expectativa e idealismo em relação a profissão, gênero, nível educacional, estado civil (FRANÇA et al, 2014). Já os fatores laborais são a sobrecarga, baixo nível de controle das atividades ou acontecimentos no próprio trabalho, sentimento de injustiça e de iniquidade, trabalho por turno ou noturno, tipo de ocupação, precário suporte organizacional e relacionamento conflituoso entre os colegas, relação muito próxima ao trabalhador com as pessoas a que deve atender, conflitos e papel. Por fim, os fatores sociais equivalem a falta de suporte social e familiar, valores e normas culturais (TRIGO, 2007). O estresse contínuo no trabalho pode trazer consequências prejudiciais à saúde mental e física do trabalhador, tais como: o desenvolvimento da síndrome metabólica, distúrbios do sono, diabetes, hipertensão, enfermidades psicossomáticas, síndrome de burnout, depressão, uso de substâncias psicoativas, além de queda na produtividade, absenteísmo, insatisfação laboral e baixa qualidade de vida no trabalho. Assim, se entende que a importância de qualidade de vida no trabalho defronta- se com os fatores que geram o estresse ocupacional, que atua de forma negativa tanto na saúde como no bem-estar do trabalhador, que conseguem influenciar de maneira direta o desempenho de toda a estrutura organizacional (LIMONGI-FRANÇA, 2004). A satisfação laboral deve ser foco na gestão das atividades da equipe de enfermagem, que além de contribuir para manter o trabalhador motivado, consegue melhorar sua produtividade, agregando mais valor aos resultados aferidos pela empresa. Desta forma destaca-se que é imprescindível tarefa dos gestores em fornecer as condições para que estes desenvolvam sua inventividade, criatividade e aumente sua capacidade de solucionar problemas (PEREIRA, 2002). A cobrança e metas impostas por gestores, também são fonte de adoecimento,pois na maioria das vezes o solicitado pela chefia não é exatamente o que é colocado em prática, elevando o desgaste emocional, decorrente de questões da gestão do trabalho (FERREIRA et al., 2017). Investimentos e mudanças como reconhecimento profissional, implantação deprogramas de educação continuada, capacitação e aperfeiçoamento profissional, suporte social, melhora da participação profissional nas decisões, são estratégias degestão, que tem a diminuir a incidência da SB (SANCHEZ; OLIVEIRA, 2016). De certo modo, como se evidencia que a gestão apresenta consequências positivas e negativas sobre o desenvolvimento da SB entre os profissionais da saúde. Quando o gestor se torna negligente com seu papel, as consequências sobre os profissionais acabam por proporcionar um ambiente praticamente insalubre à saúde dos mesmos. Entretanto, quando a gestão é eficiente, constata-se que a valorização do profissional, criação de ambientes favoráveis, a melhora da comunicação, entre outros, não só contribuem para o crescimento profissional como aumenta a capacidade de trabalho, mesmo em ambientes críticos, diminuindo o sofrimento moral, físico, emocional e psicológico (MACHADO et al., 2012). A prevenção da Síndrome de Burnout inicia com uma mudança na rotina do local de trabalho, procurando não atingir metas, mas, incluindo o bem-estar de cada um, vendo o profissional dentro de uma perspectiva holística e vendo o ambiente de trabalho como um todo, seja na climatização, na diminuição dos ruídos, nos recursos materiais para que juntos, com uma valorização do profissional, contribuam para seu crescimento profissional (SILVA et al, 2016). CONCLUSÃO O estudo contribuiu para ampliar o conhecimento sobre as estratégias de enfrentamento da síndrome de burnout e possibilitou vislumbrar e levantar a produção científica recente sobre essa temática publicada em bases indexadas e outros materiais bibliográficos que abordaram o assunto. Ressalta-se que a eficácia da intervenção no combate a esta doença estabelece-se com maior resolutividade quando são empregadas estratégias com abordagem individuais corroboradas por estratégias organizacionais. Nota-se a necessidade de uma maior divulgação sobre a Síndrome de Burnout, por ser ainda pouco conhecida pelos profissionais de saúde, visto que quando os profissionais desconhecem as manifestações e causas desse fenômeno, não buscam formas efetivas de prevenção ou intervenção. Só assim poderemos obter subsídios para intervir nessa dimensão tão subjetiva e delicada, a dos desejos, das aspirações e realizações. REFERÊNCIAS Carlotto, M.S., & Câmara, S.G. (2008). Análise da produção científica sobre a Síndrome de Burnout no Brasil. Psico - PUCRS, 39(2), 152-158. França, A.C.L., & Rodrigues, A.L. (1997). Stress e trabalho: guia prático com abordagem psicossomática. São Paulo: Atlas. FRANÇA, F.M.; FERRARI, R. Síndrome de Burnout e os aspectos sócio- demográficos em profissionais de enfermagem. Acta paul. enferm. São Paulo, v.25, n.5, p. 743, 2012. FERREIRA, J. S. et al. Estresse e estratégias de enfrentamento em trabalhadores de enfermagem de uma unidade de saúde da família. J. res.: fundam. care. online, v. 9, n. 3, p. 818-23, 2017. LIMONGI-FRANÇA, A. C. Qualidade de Vida no Trabalho – QVT: Conceitos e práticas nas empresas da sociedade pós-industrial. 2 ed. Atlas S.A., São Paulo, 2004. MACHADO, D. A. et al. O esgotamento dos profissionais de enfermagem: uma revisão integrativa sobre a síndrome de burnout em UTI. R. pesq.: cuid. fundam. online, v. 4, n. 4, p. 2765-75, 2012. Maslach, C., Schaufeli, W.B., & Leiter, M.P. (2001). Job Burnout. Annual Review of Psychology, 52, 397-422. Recuperado de https://doi.org/10.1016/B978-0-12- 397045-9.00149-X. Melo, L. P.de, & Carlotto, M. S. (2017). Programa de prevenção para manejo de estresse e Síndrome de Burnout para bombeiros: Relato de experiência de uma intervenção. Estudos de Psicologia (Natal), 22(1), 99-108. Recuperado de https://dx.doi.org/10.22491/1678-4669.20170011. Ministério da Saúde do Brasil, & Organização Pan-Americana da Saúde no Brasil. (2001). Doenças relacionadas ao trabalho: manual de procedimentos para os serviços de saúde. In Série A Normas e Manuais Técnicos (Vol. 114). Ministério da Saúde do Brasil. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/doencas_relacionadas_trabalho1.pdf. Moss, M., Good, V.S., Gozal, D., Kleinpell, R., & Sessler, C.N. (2016). An official critical care societies collaborative statement: burnout syndrome in critical care healthcare professionals: a call for action. American Journal of Critical Care, 44(7), 1414-1421. Recuperado de https://doi.org/10.1097/CCM.0000000000001885. PEREIRA AMTB. Burnout: quando o trabalho ameaça o bem estar do trabalhador. 1 ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 282p, 2002. SANCHEZ; F. F. S.; OLIVEIRA, R. Aspectos mediadores e desencadeadores da Síndrome de Burnout nos enfermeiros. Cuid. Enferm., v. 10, n. 1, p. 61-67, 2016. TRIGO, T.R.; TENG, C.T.; HALLAK, J.E.C.. Síndrome de burnout ou estafa profissional e os transtornos psiquiátricos. Rev. Psiq. Clín São Paulo, v. 34, n. 5, p. 223- 233, 2007.
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