Buscar

CULTURA E LINGUAGEM

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 112 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 112 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 112 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

CULTURA E LINGUAGEM 
AULA 1 
 
 CONVERSA INICIAL 
As ciências sociais, de uma forma geral, estão preocupadas em descrever e 
compreender as relações humanas. Estas se desdobram em múltiplas direções: 
políticas, sociais, econômicas, culturais etc. Tais dimensões abarcam a totalidade 
da produção da vida humana para além dos elementos biológicos e naturais. 
A vida humana, com isso, não é apenas um fenômeno evolutivo natural, mas 
uma produção constante de maneiras de bem viver, que estabelecem limites, 
normas, percepções, regras morais, definições do “belo”, enfim, modos de vida. 
Fica claro que essas relações apresentam capacidades únicas do humano, como 
a produção de um universo compartilhado de símbolos, significados e práticas 
de transformação da natureza, tudo isso levando à vida em sociedade. 
Com isso, podemos perceber que o ser humano não é um ente isolado de 
seu meio, ele está em constante contato com os outros e compartilha meios 
comuns de produzir sua vida, perceber seu papel social e construir determinados 
valores, ainda que tácitos, que vão reger sua presença no mundo social. O 
elemento implícito dessas relações pode ser chamado de cultura, pois se trata de 
uma forma de vida que está para além de uma percepção consciente dos seres 
humanos envolvidos nas relações, apontando para uma dimensão “espiritual” das 
relações, ou seja, dimensões da produção das artes, das ideias, da ciência, 
literatura e representações sociais. 
Essa é uma forma de abordar a cultura e, podemos dizer, que poucos 
conceitos são tão complexos nas ciências sociais como este. Há uma explosão de 
sentidos da palavra no mundo atual. Falamos em “cultura empresarial”, “cultura 
das periferias”, “cultura literária”, “científica”, “cultura de massas”, “cultura 
popular” etc. Tais usos cotidianos apontam para a complexidade do tema e a 
forma como ele vem sendo tratado em seus sentidos sociais. 
Nosso objetivo é contribuir para o entendimento dos diferentes sentidos de 
cultura nas ciências sociais, apresentando as relações entre a cultura e a natureza, 
a multiplicidade das culturas e sua relação com as artes de uma forma geral. 
Com tais definições esperamos que vocês compreendam não apenas o 
processo de produção sócio-histórico da cultura, a forma como ela engendra 
diferentes modos de vida, mas, sobretudo, compreender o papel que ela 
desempenha no mundo contemporâneo. Todos esses elementos têm em comum 
a linguagem, pensada para além do uso da língua materna, ou seja, em sua 
dimensão de produção de significado para nossas práticas sociais. 
Por fim, traremos definições das ciências sociais para definirmos com alguma 
precisão o conceito e, a partir disso, refletir sobre as relações estabelecidas com 
a psicanálise, em especial o texto O Mal-estar na Civilização (Freud, 2010 [1930]). 
TEMA 1 – A IDEIA DE CULTURA 
O debate sobre a cultura enquanto um conceito das Ciências Sociais é 
relativamente recente na história do pensamento. Ele nos remete aos primórdios 
da modernidade (séc. XVI), em especial o período de nascimento do capitalismo 
e os contatos com populações não europeias que levaram a um debate sobre 
seus modos de vida. Mas é somente com a Revolução Industrial, nos séculos XVIII 
e XIX, que a cultura entra como uma palavra a ser debatida, passando assim por 
uma transformação semântica. 
Segundo Santos (1983): 
Cultura é palavra de origem latina e em seu significado original está ligada às atividades agrícolas. Vem 
do verbo Latim “colere”, que quer dizer cultivar. Pensadores romanos antigos ampliaram essa 
significação e a usaram para se referir ao refinamento pessoal, e isso está presente na expressão cultura 
da alma. (p. 27) 
Podemos perceber, com essa definição, que a cultura, em seus sentidos 
originais, estava ligada diretamente a uma ação feita sobre a natureza, ligada 
diretamente às sociedades rurais. Nesse aspecto, a cultura estaria ligada ao 
cultivo da terra para as plantações, por exemplo. O sentido da palavra vai 
mudando historicamente ao ser aplicada a novos objetos. Os romanos, conforme 
nos diz Santos (1983), vão aplicá-lo ao cultivo de si, ao cultivo das boas ideias, do 
bom comportamento e da boa vida. 
Tais elementos permanecem subjacentes à ideia moderna de cultura, mas 
apontam para outras questões. No século XIX, com o grande crescimento das 
cidades e da indústria, isto é, do que ficou conhecido como civilização, ela ganha 
novos contornos. Tal mudança na ordem social gera impacto nos modos de vida 
dos sujeitos, que assumem posturas ora críticas, ora elogiosas sobre a forma de 
vida nascente. 
Há, na ideia de cultura, uma duplicidade, o primeiro sentido que a liga à 
natureza, portanto enquanto uma questão orgânica e natural, e a segunda, que 
aponta para os sentidos daquilo que é produzido pelos seres-humanos em seus 
grupos sociais, o que podemos chamar de produções do “espírito”, aqui 
entendido como as produções artísticas, morais, científicas, em suma, produções 
intelectuais. 
O que trouxemos até o momento ainda não dá conta da questão 
fundamental a ser respondida: afinal, o que é cultura? Olhar para essa 
transformação dos sentidos da palavra nos dá pistas sobre a forma como ela será 
definida e as maneiras como ela se relaciona como todos os aspectos da vida 
humana. 
A partir do que dissemos até o momento, podemos dizer que: 
Com base em suas raízes etimológicas no trabalho rural, a palavra primeiro significa algo como 
"civilidade", depois no século XVIII, torna-se mais ou menos sinônima de civilização, no sentido de um 
processo geral de progresso intelectual, espiritual e material. Na qualidade de ideia, civilização 
equipara significativamente costumes e moral: ser civilizado inclui não cuspir no tapete assim como 
não decapitar seus prisioneiros de guerra. (Eagleton, 2000, p. 19) 
Há, com isso, uma abertura que faz com que a cultura possa der definida de 
diferentes formas que estão em disputa pela sociedade como um todo. Podemos 
dizer que cultura é aquilo que separa o ser humano da natureza, isto é, as 
sociedades, as formas de produzir o mundo, material ou simbolicamente, ela 
significa, aqui, a separação que há entre os animais e os humanos. Além disso, 
ela se desdobra em dois elementos, o primeiro como um elogio das conquistas 
da civilização, seja nos aspectos da racionalidade, das artes, ou da ciência. O 
segundo como uma crítica a essa mesma civilização, numa tentativa de retorno a 
um suposto momento em que os sujeitos ainda não haviam sido corrompidos 
pela sociedade moderna e viviam em comunidades orgânicas e em relações de 
proximidade. 
Todos esses elementos se fazem presentes quando falamos de cultura, eles 
situam os sentidos que ainda hoje são produzidos em nossa sociedade. Portanto, 
podemos dizer que a ideia de cultura é um objeto de luta política, já que nela 
vivemos e, a partir dela percebemos os acontecimentos do mundo e nos situamos 
e situamos os outros na sociedade. 
Contudo, este é apenas o primeiro passo para entendermos a questão, é 
preciso ir além e aprofundarmos em alguns desses termos. O primeiro deles é a 
relação cultura-natureza. Uma dicotomia clássica que está na origem não apenas 
do debate, mas situa as definições daquilo que podemos chamar de ser humano. 
TEMA 2 – CULTURA E NATUREZA 
Quando falamos da relação entre cultura e natureza, adentramos em uma 
questão insolúvel, ela nos leva a uma pergunta filosófica que muitas vezes recai 
na metafísica ou em respostas místicas, afinal, o que é o ser humano? Como, em 
que momento, nos descolamos do mundo animal e nos tornamos seres de 
linguagem e cultura, que falam, vivem juntos, se entendem e se desentendem? 
Qualquer resposta a essa pergunta, sobre as origens do ser humano enquanto 
animal social, recai em especulação. Rousseau dizia que antes vivíamos em um 
“estado de natureza” em que os seres humanos eram felizes e bondosos, estando 
aqui a origemdo “bom selvagem”, e que a instauração da cultura e da civilização 
corrompeu nossa bondade natural. 
Hobbes busca uma solução diferente, dizendo que o “estado de natureza” 
era um momento de guerra de todos contra todos e que a essência humana é 
perversa, no qual o homem é o lobo do homem, em que a sociedade surge para 
regular os excessos e evitar regular os comportamentos em sociedade. 
Esses dois exemplos nos mostram que esse descolamento da natureza não 
tem uma resposta fácil. Mas também nos mostra as formas como a cultura 
ocidental trata do tema das origens e destinos do humano, sendo estes também 
temas culturais. 
Porém, há um fato inescapável, vivemos em um mundo cultural, que definiu 
a forma das relações sociais e os valores morais que guiam nossos 
comportamentos, ainda que não tenhamos participado de sua elaboração. Ou 
seja, ao nascermos, adentramos em um mundo de valores, linguagem e relações 
(três elementos fundamentais da cultura) que existiam antes de nós e continuarão 
a existir depois de nossa morte. Mas, afinal, como chegamos a esse estado? O 
que motivou com que vivêssemos juntos e produzíssemos a vida material da 
forma como a produzimos? O primeiro ponto a ser destacado sobre essa questão 
vem de Freud (2010 [1930]): 
O que buscam os homens? É difícil não acertar a resposta; eles buscam a felicidade, querem se tornar 
e permanecer felizes. Essa busca tem dois lados, uma meta positiva e uma negativa; quer a ausência 
de dor e desprazer e, por outro lado, a vivência de fortes prazeres. (p. 29-30) 
As hipóteses de Freud sobre o mal-estar na cultura (ou civilização) partem 
da percepção de que o ser humano, no processo de seu desenvolvimento, se 
depara com elementos incontroláveis, sejam eles provenientes da natureza, do 
próprio corpo ou das relações que estabelece com outras pessoas. Para o autor, 
os homens buscam maximizar seu prazer e, ao mesmo tempo, reduzir seu 
desprazer. 
Tal meta de maximização do prazer possui seus limites, já que ela depende 
sempre de objetos – e aqui entendemos objeto como aquilo que está fora do 
sujeito, podendo ser outro sujeito, ou objetos da natureza. Essa relação com os 
objetos é onde está, na hipótese freudiana, o surgimento da cultura. 
Para ele, o que motiva a produção da cultura é a angústia ante o inesperado, 
ele afirma: 
O sofrer nos ameaça a partir de três lados: do próprio corpo, que, fadado ao declínio e à dissolução, 
não pode sequer dispensar a dor e o medo, como sinais de advertência; do mundo externo, que pode 
se abater sobre nós com forças poderosíssimas, inexoráveis, destruidoras; e, por fim, das relações com 
os outros seres humanos. (Freud, 2010[1930] p. 31) 
A cultura surge, portanto, de um duplo movimento. O primeiro a partir de 
um descolamento do humano da natureza. Os objetos se apresentam em estado 
bruto e são transformados em outros objetos, a madeira que, a partir do trabalho 
é transformada em uma mesa, por exemplo. A essa mesa é dada uma função, 
essa função, que já não é mais do tronco da árvore, é imbuída de sentido – 
significado – fazendo com que aquilo dado de início naturalmente se torne outra 
coisa. 
Tais transformações fazem com que a natureza animal do homem seja 
desnaturalizada, fazendo com que se produza um novo ritmo de produção da 
vida, o tempo do trabalho, da caça, do lazer, dos cuidados etc. Esses novos ritmos 
não são dados isoladamente, o desenvolvimento da cultura a partir da angústia 
ante o inesperado, a necessidade de controle sobre a natureza faz com que os 
humanos se aproximem, criando comunidades e construindo uma vida em 
comum. 
A produção da cultura, segundo Freud, é uma forma de proteção ante ao 
descontrole inerente ao mundo natural, é a produção humana de todo um modo 
de vida em comum, a partir da transformação da natureza. Tal processo gera o 
mundo humano, feito de linguagem, relações sociais, hierarquias e controle de 
comportamentos. 
Isso não quer dizer que há aqui uma evolução, isto é, que todas as culturas 
levam a um mesmo fim. Cada cultura teve seus modos específicos de produzir 
sentido para as relações, sejam humanas ou com a natureza. O que se pode dizer 
é que a cultura produz modos de vida, maneiras coletivas de encarar os desafios 
impostos pelo mundo e de regular as relações e produções humanas. “Assim, a 
cultura diz respeito à humanidade como um todo e ao mesmo tempo a cada um 
dos povos, nações, sociedades e grupos humanos” (Santos, 1983, p. 8). 
Para concluir, com Freud (2010[1930]), a cultura foi construída na tentativa 
de proteção e controle ante ao intempestivo e ela não foi feita sem um preço a 
ser pago. A saída do mundo natural gerou seus efeitos, colocando como centro 
do processo as relações humanas. 
TEMA 3 – CULTURA COMO MODO DE VIDA 
Conforme vimos no tema anterior, na hipótese freudiana a Cultura surge a 
partir da necessidade de autoproteção humana em relação às intempéries da 
vida. Com isso, se formam famílias, clãs, comunidades, enfim, agrupamentos 
humanos de ordem maior que os indivíduos. 
Tais agrupamentos criam suas formas específicas de produzir riqueza, 
controlar as relações sociais e proteger seus membros. Pensada dessa forma, a 
cultura aponta para todo um modo de vida histórico construído pelos seres 
humanos que está na base de toda a sociedade. 
Enquanto modo de vida, podemos dizer que a cultura é aquela que 
disponibiliza valores (morais, éticos e estéticos) para todos os indivíduos. Tais 
valores se materializam em instituições, em regras tácitas de comportamento e 
constroem a identidade dos sujeitos sociais que vivem sob uma determinada 
cultura. Pensar a cultura como modo de vida é, portanto, uma maneira de 
perceber a diversidade cultural presente no mundo, bem como a diversidade 
interna à sociedade em que vivemos. Ela nos convida a nos percebermos em 
sociedade e reconhecer as diferenças como constitutivas do mundo social. 
A riqueza de formas das culturas e as suas relações falam bem de perto a cada um de nós, já que 
convidam a que nos vejamos como seres sociais, nos fazem pensar na natureza de todos os seres 
sociais de que fazemos parte, nos fazem indagar das razões da realidade social de que partilhamos e 
das forças que a mantém e transformam. (Santos, 1983. p. 9) 
Dessa forma, ela nos leva a considerar tal processo não como uma evolução 
linear da humanidade que nos levaria a um modo de vida único, mas nas 
especificidades históricas que levaram determinados grupos a produzirem sua 
vida social de determinada forma e não de outra. Além disso, olhar para a 
diversidade dos modos de vida presentes no mundo nos apresenta a 
desigualdade das relações entre culturas e sujeitos na sociedade, ao processo de 
dominação e de relações de poder que fazem com que determinados grupos 
tenham acesso ou não aos aparelhos institucionais de controle da cultura. Um 
exemplo desse processo é de se pensar o racismo no Brasil como um processo 
de dominação cultural que tende a apagar em nossa historiografia as tradições 
africanas e indígenas que estão na base de nosso modo de vida. 
Como diz Eagleton, “a cultura [...] não significa uma narrativa grandiosa e 
unilinear da humanidade em seu todo, mas uma diversidade de formas de vida 
específicas, cada uma com suas leis evolutivas próprias e peculiares” (2000, p. 24). 
Essa é a definição que nos permite falar de, por exemplo, cultura indígena, 
cultura Maia, enfim, a cultura articulada como a identidade de um povo, seus 
mitos, suas histórias, seu modo de vida como um todo. Além disso, olhar as 
especificidades históricas de cada uma dessas populações faz com que possamos 
também relativizar o nosso modo de vida, calcado na chamada civilização 
ocidental e perceber que ela é também produto de relações históricas, políticas 
e sociais. “Definir o próprio mundo da vida como uma cultura é arriscar relativizá-
la. Para uma pessoa, seu próprio modo de vida é simplesmentehumano; são os 
outros que são étnicos, indissiocráticos, culturalmente pecualiares” (Eagleton, 
2000, p. 43). 
Chegamos, assim, ao cerne da questão, a cultura como modo de vida parte 
do reconhecimento da diversidade, deslocando nosso olhar para o nosso próprio 
modo de vida e relativizando supostos valores universais da civilização. Ela nos 
mostra que não há processo evolutivo linear, mas que existem diferentes formas 
de se produzir aglomerados humanos, com diferentes valores e percepções do 
mundo, o que nos leva a considerar a pluralidade de comunidades e identidades 
como o único elemento universal presente no mundo da vida. 
Conforme dissemos, os valores de uma cultura se materializam na sociedade 
de determinada forma. Nesse ponto, ela é um dos elementos articulados na 
noção moderna de Estado-Nação. Se desmembramos as duas palavras, podemos 
dizer que o Estado é aquele que comporta as instituições responsáveis por 
manter as normas sociais, como o judiciário, responsável pela aplicação e 
cumprimento das leis, as instituições políticas que organizam as formas de 
participação social e econômicas, que regulam as maneiras de se produzir bens. 
A Nação abarcaria com isso os valores que movem determinado país. Isto é, 
definiria a identidade cultural, os símbolos da pátria, os heróis e os mitos. Isso 
pode ser pensado quando falamos de Identidade Brasileira, que é um conjunto 
de valores compartilhados socialmente que dizem o que é ser um bom brasileiro, 
estipula valores positivos ou negativos para determinados comportamentos 
como o “jeitinho brasileiro”, ou seja, disponibiliza uma narrativa sobre o nosso 
passado, o presente e as perspectivas de futuro. 
Por fim, precisamos destacar que a cultura, enquanto modo de vida, está 
sempre atravessada por relações de poder. Há uma cultura dominante em toda a 
sociedade, fazendo com que existam relações de desigualdade entre os seres 
humanos, fazendo com que determinadas formas de vida sejam desvalorizadas e 
marginalizadas. Isso gera disputas de poder para mudanças na cultura e que as 
instituições absorvam essas demandas. Dessa forma, podemos citar a luta, como 
exemplo, as lutas pelos direitos civis dos negros nos EUA, que levaram ao 
reconhecimento da cultura negra e a integração dessas comunidades na 
sociedade americana. Esse aspecto nos mostra que a cultura é um elemento 
dinâmico da sociedade e, além disso, ela contribui de maneira fundamental em 
nossa percepção sobre nós mesmos e nossas relações com o mundo. 
TEMA 4 – CULTURA E CIVILIZAÇÃO 
Nas discussões que fizemos até o momento fica patente que a cultura é um 
dos elementos-chave para a compreensão da sociedade. Além disso, podemos 
observar que ela está calcada sempre na relação com o "outro”, seja este a 
natureza ou a sociedade. 
Quando falamos de civilização, o que se torna central são as questões em 
relação ao outro enquanto humano e social. Ela é, com isso, a amalgama de 
valores que media e controla essas relações. Além disso, em uma sociedade que 
carrega os valores civilizacionais (Estado, Direito, Modo de Produção Capitalista, 
Laicidade), como a nossa, ela também aponta para as relações de poder que 
sustentam a hierarquia social. De acordo com Freud (2010[1930]): 
A palavra civilização designa a inteira soma das realizações e instituições que afastam a nossa vida 
daquela de nossos antepassados animais, e que servem para dois fins: a proteção do homem contra a 
natureza e a regulamentação dos vínculos dos homens entre si. (p. 49) 
Contudo, quando pensamos na “civilização” enquanto um modo de vida, 
conforme visto anteriormente, percebemos que essa forma de organização social 
é apenas mais uma dentre várias outras que se estabeleceram historicamente. 
Esse fato aponta para uma das contradições da civilização, ela estipula um 
pensamento universal sobre o humano, baseado em valores locais – 
especialmente na Europa – e faz com que esse particular ganhe área de universal, 
concretizando um processo de poder e dominação que esteve na base do 
colonialismo. 
Dessa forma, ela aponta para dois aspectos: o primeiro para a ciência 
antropológica, que busca conhecer esse “outro” da sociedade, e o segundo para 
o projeto de dominação política de diferentes povos, que esteve na base dos 
processos coloniais (Santos, 1983). Temos, portanto, o seguinte cenário: 
Cultura pode por um lado referir-se à alta cultura, à cultura dominante, e por outro, a qualquer cultura. 
No primeiro caso, cultura surge em oposição à selvageria, à barbárie; e cultura é então a própria marca 
da civilização. Ou ainda, a alta cultura surge como marca das camadas dominantes da população de 
uma sociedade; se opõe à falta de domínio da língua escrita, ou à falta de acesso à ciência, à arte e à 
religião daquelas camadas dominantes. No segundo caso, pode-se falar de cultura a respeito de 
qualquer povo, nação, grupo ou sociedade humana. Considera-se como cultura todas as maneiras de 
existência humana. (Santos, 1983, p. 35) 
Com isso, temos que a cultura como civilização aponta para dois aspectos. 
Um de caráter normativo, no qual diz-se que determinado povo, ou camada da 
população, não possui cultura, ou só tem acesso àquilo que de pior foi produzido 
por ela mesma. Está na base disso os julgamentos estéticos e éticos sobre essas 
camadas sociais, independentemente de pertencerem a outros países ou não. Ela 
é uma das bases, por exemplo, do racismo, que visa tratar a população negra de 
determinada sociedade como inferiores. 
O outro ponto é de caráter descritivo, ao mostrar que olhar para a nossa 
sociedade a partir das lentes da cultura é uma forma de compreendê-la a partir 
do processo histórico, social, político e econômico que a criou e que sustenta a 
hierarquia social e determinadas formas de dominação. Essa concepção está na 
base de um pensamento crítico sobre a sociedade, que busca mostrar a não 
universalidade dos preceitos civilizacionais e que a civilização é uma das formas 
de dominação de uma camada social por outra. Ela está na base das discussões 
atuais sobre gênero e sexualidade, identidade cultural e comportamentos típicos 
de diferentes estratos sociais. 
Esse segundo ponto é o que mais se aproxima das definições de Freud sobre 
a relação complexa que temos com a civilização. Se uma das origens dos conflitos 
são as relações humanas, e estas são mediadas pelos valores culturais dominantes 
de uma determinada época, logo sempre há uma certa insatisfação em relação 
ao mundo. 
Para ele dois são os valores que estão na base da civilização enquanto 
cultura. Os padrões de ordem, ou seja, uma certa previsibilidade nas relações, o 
ordenamento jurídico que estipula uma igualdade formal e os padrões de 
higiene, que se articulam com a ordem, em especial a urbana. Ambas dizem 
respeito à noção de segurança contra o acaso da vida e do mundo e são balizas 
das relações humanas criadas a partir dos vínculos de proteção. 
Com isso, Freud (2010 [1930]) está dizendo que, ao adentrarmos no mundo 
da cultura, estamos fazendo uma troca. Isto é, trocamos uma porção de nossa 
liberdade irrestrita, e individual, de satisfação dos instintos por uma porção de 
segurança, fazendo com que a liberdade seja limitada em prol do coletivo. 
Esse aspecto é fundamental para o entendimento dos vínculos sociais e para 
os conflitos culturais. Já que é por meio deles que articulamos nossas identidades 
com os outros, a quem consideramos como iguais, mas também nossos 
antagonismos com outros grupos. 
Por fim, este é um aspecto importante, já que os vínculos estão na base da 
produção de nossas identidades. As identidades nos constituem enquanto 
sujeitos, já que incorporamos os valores sociais a nós mesmos, em especial pela 
linguagem, e vivemos em um mundo social de forma a não percebermos 
completamente os elementos que estão na base dessa constituição. 
TEMA 5 – A CULTURA E SUA RELAÇÃO COM A 
LINGUAGEMVimos até agora que a cultura é todo um modo de vida que produz sentido 
para aqueles que vivem na sociedade. Esse processo, que se materializa em 
práticas sociais, instituições e modos de produção está intimamente atrelado ao 
que podemos chamar de linguagem. 
Aqui é preciso fazermos uma definição mais ampla do que seja a linguagem. 
Quando falamos nesse termo, não estamos reduzindo-o apenas à língua nacional 
que os povos falam, a linguagem é um elemento mais amplo dessa realidade, ela 
se materializa não apenas na língua, mas nos rituais, nos sinais de trânsito, nos 
processos jurídicos, nas artes audiovisuais, enfim em todo o processo simbólico 
que produz reconhecimento dos sujeitos enquanto pertencentes a uma mesma 
comunidade. 
Esse processo de simbolização da cultura é fundamental para a compreensão 
do modo de vida das sociedades, pois é ele que está na base da compreensão do 
mundo, produzindo sentido para a vida em seu todo e regulando o 
funcionamento das relações sociais. Segundo Santos (1983): “É a simbolização 
que permite que o conhecimento seja condensado, que as informações sejam 
processadas, que a experiência acumulada seja transmitida e transformada” (p. 
42). 
Provém daí a importância da linguagem, as tradições precisam ser passadas 
de geração em geração para se estabilizar o modo de vida, os valores precisam 
ser incorporados aos sujeitos para que eles se reconheçam enquanto 
pertencentes à sociedade. Sem a simbolização – o que podemos chamar também 
de produção de sentido – não há construção de uma memória coletiva, narrativas 
não são compartilhadas e as estruturas sociais não podem se reproduzir. 
Contudo, esse processo de troca simbólica que sustenta a cultura não é algo 
estanque na sociedade, ele está em disputa e podemos dizer que a cultura de um 
povo, de uma comunidade ou de uma nação, se dá por um processo de luta pela 
imposição de valores de determinado grupo. Esse é caso da nossa civilização que, 
após as revoluções burguesas, a vitória dessa classe social fez com que seus 
valores fossem universalizados. Podemos citar como valores de base da cultura 
burguesa hegemônica em nossa sociedade as ideias do indivíduo como o único 
responsável pelo seu destino e sucesso, o trabalho como categoria central para 
o reconhecimento social, o estabelecimento da igualdade formal perante a lei no 
sistema jurídico, o liberalismo econômico e a democracia parlamentar. 
Tal forma de organização se propõe universal – e de fato possui elementos 
de universalidade, mas sua origem está ligada aos valores em disputa contra a 
aristocracia reinante no período pré-moderno. Nessas disputas, comparece 
também o simbólico como aquele que sustenta a percepção sobre a sociedade e 
a luta por reconhecimento da existência de diferentes estratos sociais. Podemos 
citar de exemplo as lutas feministas, que buscam a integração da mulher no 
mercado de trabalho, as quais buscam alterar os sentidos do que é ser mulher na 
sociedade na busca pela igualdade de condições de trabalho e salário, ou seja, 
uma luta cultural por reconhecimento. 
Além desses exemplos, se nos voltarmos para o sujeito e sua relação com a 
linguagem, é a cultura que contribui para a autopercepção do lugar social que 
ocupamos na sociedade, a forma como expressamos nossos sentimentos, e 
muitas vezes como os sentimos, enfim, a forma como lemos e expressamos o 
mundo está profundamente relacionada ao processo de simbolização da cultura. 
O estudo dos processos de simbolização, ou seja, de processos de substituição de uma coisa por aquilo 
que a significa, que permitem, por exemplo, que uma ideia expresse um acontecimento, descreva um 
sentimento ou uma paisagem; ou então que a distribuição de pessoas numa sala durante uma conversa 
formal possa expressar as relações de hierarquia entre elas. (Santos, 1983. p. 41-42) 
Por fim, é possível afirmar que a cultura está na base do processo social 
enquanto uma forma de simbolizar essa vida, isto é, à forma como se produz 
sentido para o mundo, tendo a linguagem como seu fundamento principal. 
NA PRÁTICA 
Pensemos na identidade nacional. O que é ser brasileiro? Quais são as 
práticas sociais características de nosso país? Quais as histórias que contamos 
que fundamentam a nossa percepção enquanto pertencentes a este país? Além 
disso, é possível dizer que o discurso sobre “ser brasileiro” possui elementos de 
dominação de uma região determinada do país em relação às outras? Quais 
seriam esses elementos? Discuta com seus colegas sobre o processo histórico da 
formação da identidade nacional. 
FINALIZANDO 
Vimos nesta unidade que a cultura é um todo complexo de produção de 
sentido que está na base das nossas relações sociais. Ela foi a responsável por 
nos separar do estado de natureza e a fazer com que o humano produzisse algo 
que estava para além do natural. 
Com isso, uma série de questões e desentendimento é colocada para nós, 
como a regulação da vida em comum, a construção dos laços sociais, as práticas 
materiais que as sustentam e as instituições que se materializam para regular 
esses vínculos. 
Além disso, a cultura enquanto civilização pode ser percebida enquanto uma 
construção histórica, na qual um estrato social obteve hegemonia sobre os outros 
na determinação da forma como tais vínculos seriam regulados. A civilização, 
dessa forma, ganha uma duplicidade, ao mesmo tempo em que aponta para um 
sentido normativo sobre o que é “ser civilizado”, sobre o bom e o belo, ela tem 
caráter descritivo sobre um modo de vida específico dominante de uma 
determinada sociedade. 
O mais importante que precisamos ficar atentos é que a cultura não é algo 
estanque, ainda que sua mudança seja um processo longo e demorado, ela é de 
ordem histórico-social e diferentes grupos estão em constante conflito na luta 
por reconhecimento ou por uma mudança radical nos padrões culturais 
dominantes de determinada conjuntura. 
CULTURA E LINGUAGEM 
AULA 2 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Cícero Costa Villela 
CONVERSA INICIAL 
CULTURA E REPRESENTAÇÃO 
A cultura pode ser definida como um conjunto de práticas, dentre essas 
práticas temos uma que é de importância central para o entendimento da forma 
como produzimos os sentidos para o mundo. Estamos falando da prática da 
linguagem, esta entendida como algo mais amplo que a língua, que abarca 
imagens visuais, conceitos, rituais, enfim, toda e qualquer prática simbólica que 
sustenta os significados compartilhados em nossa sociedade. 
Nesta etapa vamos aprofundar o debate sobre essa relação, buscando 
compreender como se dão esses entrelaçamentos entre as duas práticas, além 
do papel da circulação das representações sociais para a mudança e a 
manutenção de valores culturais. 
Debater a cultura enquanto um sistema representacional nos coloca no cerne 
da análise dos conflitos culturais no mundo contemporâneo. Além disso, nos abre 
a possibilidade de, no futuro, debatermos a questão dos sujeitos sociais, suas 
lutas por reconhecimento e as disputas de poder por meio da linguagem que 
sustentam grande parte do debate atual. 
Nosso objetivo é, portanto, iniciar o debate sobre a relação entre cultura e 
linguagem a partir do entendimento da relação de ambas enquanto sistemas 
representacionais (Hall, 2016). Sistemas esses que circulam dentro da sociedade, 
mas que levam ao questionamento da suposta homogeneidade que se poderia 
pressupor. 
Não podemos esquecer que trabalhar tal relação dessa forma retoma a 
definição de cultura enquanto “modo de vida” de determinada população, 
comunidade ou estrato social, como afirma Hall (2016), tratá-las dessa forma é 
entrar naquilo que há de mais atual no debate sobre a cultura, 
Nos últimos anos, porém, a palavra “cultura passou a ser utilizada para se referir a tudo o que seja 
característico sobre o “modo de vida” de um povo, de uma comunidade, de uma nação ou de umgrupo social – o que veio a ser conhecido como definição “antropológica”. Por outro lado, a palavra 
também passou a ser utilizada para descrever os “valores compartilhados” de um grupo ou de uma 
sociedade – o que de certo modo se assemelha à definição antropológica, mas com uma ênfase 
sociológica maior”. (Hall, 2016, p.19) 
Com isso, devemos ter claro que, a partir de agora, sempre que nos 
referirmos à cultura, estaremos falando da conjunção entre “modo de vida” e 
“valores compartilhados”, pois são eles que nos permitem pluralizar a abordagem 
sobre a cultura e que abrem espaço para um trabalho mais amplo das relações 
com a linguagem. 
TEMA 1 – O CIRCUITO DA CULTURA 
O advento da modernidade, com o crescimento das cidades, a revolução 
industrial e o desenvolvimento econômico, gerou impactos no modo de vida da 
sociedade. Nesse período, meados do século XIX, houve também o início de uma 
grande expansão do sistema cultural. 
Estamos chamando de sistema cultural todo um aparato de circulação da 
cultura, de valores sociais, que foram fundamentais para o desenvolvimento do 
consumo da cultura. Trata-se de jornais, revistas, museus, romances literários, 
enfim, todo um aparato de transmissão e consumo que deslocou as culturas 
tradicionais, integrando-as – não sem um processo de dominação – aos valores 
da civilização. 
O século XX foi ainda mais longe com o desenvolvimento do cinema, 
televisão, rádio e, atualmente, das redes sociais, ampliando o sistema de 
produção e consumo cultural, fazendo com que determinados valores circulem 
de maneira irrestrita por todo o globo. Estamos aqui no cerne daquilo que 
Adorno (1994) chamava de Indústria Cultural. Vivemos, com isso, em meio a todo 
um circuito da cultura massificado, produzindo seus efeitos e transformando 
relações. 
A Indústria Cultural é a articulação do processo industrial de produção, com 
seus produtos homogeneizados, voltados para um público amplo, com o 
processo cultural de produção e circulação de valores sociais. Ou seja, o que a 
Indústria Cultural vende é o que podemos chamar de “Cultura de Massa”, esta 
que está embebida de valores sociais da classe dominante. 
A tese de Adorno (1994) de que a Indústria Cultural seria responsável pela 
alienação dos sujeitos sociais se sustenta apenas até determinado ponto, já que 
o autor não leva em conta os processos culturais que mediam o consumo e 
apropriação desses valores pelas pessoas. Além disso, ele desconsidera que há 
produções culturais que se situam à margem do sistema. Nesse aspecto, 
precisamos ampliar essa percepção para entendermos que onde há poder, há 
resistência, e que os sujeitos se apropriam dessa cultura de maneiras diferentes. 
Esse é ponto que Du Gay et al. (1997) vão abordar, eles nos falam de um circuito 
cultural, conforme a figura a seguir: 
Figura 1 – O Circuito da Cultura 
Fonte: Du Gay et al., 1997. 
A articulação desses cinco elementos da cultura nos coloca no cerne da 
questão da representação, já que ela é o meio privilegiado de produção e 
circulação de valores sociais, tendo como base a linguagem. Nesse aspecto, entra 
um novo ponto na definição da cultura enquanto um modo de vida que se 
sustenta em “significados compartilhados” por meio da linguagem, já que ela é 
“o meio privilegiado pelo qual ‘damos sentido’ às coisas, onde o significado é 
produzido e intercambiado. Significados só podem ser compartilhados pelo 
acesso comum à linguagem” (Hall, 2016, p. 17). 
Nessa interpretação, os objetos culturais perdem a centralidade dada por 
Adorno (1994) e ganha destaque a representação, já que, ao articular identidade, 
regulação, consumo e produção, ela coloca como questão o sujeito e os grupos 
sociais, e o uso que estes fazem desses produtos. Tais usos que são de ordem 
prática, de apropriação, tendo a prática significante (sentido) da linguagem como 
seu fundamento. É por compartilharem sentidos sobre o mundo que os sujeitos 
podem dizer que pertencem a uma mesma cultura. 
Basicamente, a cultura diz respeito à produção e ao intercâmbio de sentidos – o “compartilhamento 
de significados” – entre os membros de um grupo ou sociedade. Afirmar que dois indivíduos 
pertencem à mesma cultura equivale a dizer que eles interpretam o mundo e maneira semelhante e 
podem expressar seus pensamentos e sentimentos de forma que um compreenda o outro. (Hall, 2016, 
p. 20) 
Estamos dizendo que a prática da linguagem, a produção de sentido, é o que 
permite que construamos nossas identidades, nossa noção de pertencimento a 
determinado grupo, cidade, país etc. Ela que sustenta as histórias que contamos, 
a forma como lemos e interpretamos o mundo e como situamos os sujeitos na 
sociedade. 
O sentido é sempre um diálogo, isto é, uma forma de travar contato com 
outro e, por isso, passível de ser parcialmente compreendido, mas sustentado em 
uma troca desigual. Esse elemento serve, por exemplo, para pensarmos as 
concepções que sustentam algumas práticas da sociedade. Quando perguntamos 
“qual o papel da mulher na sociedade?” estamos fazendo uma pergunta cultural 
que aponta para os sentidos do que é ser “mulher” e “seu lugar na sociedade”. 
Tal resposta está embebida em um sistema de valores que situa relações de poder 
e discrimina os sujeitos sociais. 
Essas relações sociais, baseadas na desigualdade, são constitutivas de nosso 
modo de vida. Elas circulam em representações midiáticas, artísticas, discursos 
políticos e produzem identificações (identidades), fazendo com que os sujeitos 
se vejam, ou não, na sociedade. Essa circulação é fundamentalmente uma 
circulação de linguagem, que é o elemento fundamental na “captura” e 
construção dessas identificações. 
TEMA 2 – CULTURA E REPRESENTAÇÃO 
Ao falarmos da cultura enquanto compartilhamento de sentidos, 
significados, entramos no âmbito da representação. Falar em representação é 
falar em algo que se coloca no lugar de outra coisa, por exemplo, uma palavra 
que designa um objeto, um sentimento ou descreve um acontecimento. Dessa 
forma, falar em representação é falar de todo o sistema simbólico que regula as 
relações sociais e, ao mesmo tempo, produz o laço social. Como afirma Hall (2016, 
p. 20), “os significados culturais não estão somente na nossa cabeça – eles 
organizam e regulam práticas sociais, influenciam nossa conduta e 
consequentemente geram efeitos reais e práticos”. 
Há, com isso, todo um processo de compartilhamento social do sistema 
simbólico que (re)produz valores sociais e que são inculcados historicamente em 
nossa mente. É preciso ressaltar o fato de a cultura ser uma produção 
eminentemente humana e que descola os humanos da natureza, por isso o 
funcionamento da cultura não é marcado biologicamente, mas funciona a partir 
de sua naturalização, isto é, um certo funcionamento inconsciente, no qual nossos 
julgamentos estão incluídos, mas não necessariamente passam por um crivo 
racional do indivíduo. 
Nesse ponto se situa o fato de que todos os eventos, objetos e pessoas 
possuem suas representações sociais, ou seja, estão marcadas por um certo 
circuito que faz funcionar uma série de expectativas em relação ao sujeito social. 
Em parte, nós damos significados a objetos, pessoas e eventos por meio de paradigmas de 
interpretação que levamos a eles. Em parte damos sentidos às coisas pelo modo como as utilizamos 
ou as integramos em nossas práticas cotidianas. É o uso que fazemos de uma pilha de tijolos com 
argamassa que faz disso uma “casa”; e o que sentimos, pensamos ou dizemos a respeito dessa “casa” 
um “lar”. Em outra parte ainda, nós concedemos sentido às coisas pela maneira como 
as representamos – as palavras que usamos para nos referir a elas, as histórias que narramos a seu 
respeito, as imagens que delas criamos, as emoções que associamos a elas, as maneiras como a 
classificamos e a conceituamos, enfim, os valores que nelas embutimos. (Hall, 2016, p. 21) 
O processodescrito por Hall nos mostra como essas representações são 
deslocadas de uma função inicial a partir de seus usos e associações. No caso em 
questão ele fala da passagem da “casa” para o “lar”, ambas que designam o 
mesmo objeto no mundo, mas que representam para os sujeitos diferentes 
relações com aquilo sobre o que se fala. 
Esse é um fenômeno fundamental da representação e de sua relação com a 
cultura, a prática simbólica – que podemos usar como sinônimo de representação 
– situa os objetos para além deles mesmos, ou seja, não há o objeto em si, sua 
existência é condicionada a sua função dentro do sistema simbólico da cultura, 
eles valem por essas relações. Estas que permitem a construção de diferentes 
sistemas de interpretação da realidade e que são responsáveis pela manutenção 
dos laços sociais, bem como pelos conflitos culturais. 
A representação, enquanto sons, gestos, expressões, roupas, imagens são 
parte do nosso cotidiano, está entremeada de signos que expressam os 
significados e os valores sociais com os quais nos associamos, eles “funcionam 
como símbolos que representam ou conferem sentido (isto é, simbolizam) às 
ideias que desejamos transmitir” (Hall, 2016, p. 24). 
Ao abordamos a cultura, dessa forma estamos abrindo ainda mais o campo 
de estudos, já que agora olhamos para a heterogeneidade da cultura dentro de 
um ambiente social, e não mais para os elementos homogêneos. Pensemos em 
uma cidade como São Paulo, repleta de tribos urbanas, 
como punks, hipsters, empreendedores, religiosos etc. Cada um desses grupos 
compartilha determinados valores entre si, estes estão situados em um espectro 
mais amplo, ou seja, os valores do Estado, da cidadania e dos direitos e deveres. 
Porém, ao mesmo tempo, compartilham diferentes valores entre si, em seus 
modos de vestir, de interpretar o mundo, de se apresentarem socialmente. Essas 
diferentes formas significam diferentes práticas de vida, pois elas se materializam 
em seus comportamentos e na forma como eles se apresentam socialmente. São, 
por isso, culturas diferentes, já que produzem e representam sentidos sociais 
diferentes sobre a vida e a sociedade. 
Tal abordagem da cultura, enquanto representação, é uma virada 
fundamental nas ciências sociais e traz para o centro do debate a questão da 
linguagem. É exatamente por esse motivo que ela é de relevância para a 
psicanálise, já que os processos simbólicos são fundamentais na constituição do 
sujeito, sendo o campo de compartilhamento de valores e da forma como os 
sujeitos enxergam a si mesmos, a cultura, enquanto modo de vida, ganha 
elementos mais amplos, já que passa a ser definida em referência à 
representação. 
[...] a cultura é definida como um processo original e igualmente constitutivo, tão fundamental quanto 
a base econômica ou material para a configuração de sujeitos sociais e acontecimentos históricos – e 
não uma mera reflexão sobre a realidade depois do acontecimento. (Hall, 2016, p. 26) 
Olhar para a cultura a partir da representação é uma virada fundamental para 
seu estudo, já que ela traz de volta a dimensão do sujeito, dos usos que ele faz 
dos diferentes sentidos produzidos e compartilhados socialmente e intervém na 
disputa por novos significados sociais para determinados grupos e sujeitos, até 
então apartados, ou não reconhecidos, pela vida comum da sociedade. 
A linguagem se torna, portanto, o paradigma central de avaliação e estudo 
da cultura, já que, agora, ela vai buscar compreender o sistema simbólico em seu 
todo, tendo como fundamento o estudo da vida das representações sociais no 
seio da sociedade. 
TEMA 3 – SENTIDO E LINGUAGEM 
Ao adentrarmos na discussão sobre a cultura como representação, 
chegamos na consideração do papel central que a linguagem tem para a 
produção dos vínculos sociais e os nexos de pertencimento a uma cultura. Essa 
afirmação nos coloca no cerne do paradigma da semiótica – ciência que estuda 
a vida dos signos na sociedade. 
O falarmos sobre sentido e linguagem estamos no campo da linguagem 
enquanto uma prática, como já ressaltamos, e, por isso, ela transborda a descrição 
da língua somente. Quando falamos em língua nos limitamos ao sistema de 
representação do mundo por meio das palavras – sejam faladas ou escritas –, já 
quando falamos de linguagem ampliamos a questão para todos os objetos e 
práticas que produzem sentido no mundo social. 
Todavia, o funcionamento da linguagem é similar ao da língua, ambas são 
sistemas de representação, isto é, 
podemos afirmar que essas práticas funcionam ‘como se fossem línguas’ não porque elas são escritas 
ou faladas (elas não são), mas sim porque todas se utilizam de algum componente para representar 
ou dar sentido àquilo que queremos dizer e para expressar ou transmitir um pensamento, um conceito, 
uma ideia, um sentimento. (Hall, 2016, p.23-24) 
O sentido e a linguagem, com isso, ligam-se à cultura por meio da 
representação. Esta é construída no compartilhamento de signos e de sistemas 
de interpretação da realidade pelos membros de uma mesma cultura. Além disso, 
é ela, ao ser a materialização do sistema simbólico como um todo, que possibilita 
que nos reconheçamos enquanto cidadãos e pertencentes a determinadas 
comunidades, ou seja, ela é o processo pelo qual a identidade dos sujeitos é 
produzida. 
Pensemos, por exemplo, na representação da cruz para os cristãos. Enquanto 
objeto material ela é apenas a disposição perpendicular de duas tábuas de 
madeira. Mas quando inserida no contexto da fé, ela se torna outra coisa, ela 
passa a representar a crucificação, a salvação da humanidade pelo sacrifício de 
Jesus etc. Ou seja, um objeto é investido de significado e passa a simbolizar toda 
uma história. Essa simbolização gera reconhecimento dos laços de pertencimento 
à comunidade cristã, ela é um dos elementos que produz o laço entre esses 
sujeitos. 
A produção de sentido por meio das práticas de linguagem, o que estamos 
chamando de representação, é o que une os conceitos, a linguagem e o mundo 
dos objetos (físicos ou não). Existem, com isso, dois processos de representação 
que estão articulados. Como afirma Hall (2016), 
Primeiro, há o “sistema” pelo qual toda ordem de objetos, sujeitos e acontecimentos é correlacionada 
a um conjunto de conceitos ou representações mentais que nós carregamos. Sem eles jamais 
conseguiríamos interpretar o mundo de maneira inteligível. (p. 34) 
Esse primeiro sistema se dá por um processo de similaridade, quando vemos 
ou presenciamos um acontecimento, ou descrevemos um sentimento, todo um 
sistema de sentidos é posto em circulação e faz com que identifiquemos o lugar 
que esse elemento ocupa. Pensemos, por exemplo, em conceitos abstratos como 
a “amizade”, ou a “guerra”, elas não são coisas materiais como “mesas” ou 
“telefones”, mas podemos produzir sentidos sobre essas práticas a partir de 
conceitos formados em nossa mente – lembre-se, tais conceitos não são 
individuais, mas produzidos pelo sistema cultural que nós incorporamos em 
nossa vida. 
Esse sistema de representação se organiza a partir da relação com a cultura, 
ela que dispõe as maneiras de agrupar, organizar e classificar os acontecimentos, 
os indivíduos e estabelece relações entre eles. O ponto que devemos destacar é 
que não se trata de uma coleção aleatória de conceitos, mas que todo o processo 
de organização deles que está baseado nas relações que estabelecemos entre 
nós e os fenômenos do mundo. 
O sentido funciona, pois depende da relação entre as coisas do mundo – 
sejam elas reais, ficcionais, pessoas, objetos e acontecimentos – e o mapa 
conceitual determinado pela cultura que carregamos em nós. Esse é o motivo 
pelo qual conseguimos estabelecer comunicação, gerar entendimentos, pois os 
sujeitos pertencentes a uma mesma cultura carregam consigo praticamente os 
mesmos mapas conceituais em si. “Uma vez que nós julgamos o mundo de forma 
demaneira relativamente similar, podemos construir uma cultura de sentidos 
compartilhadas e, então, criar um mundo social que habitamos juntos” (Hall, 
2016, p. 36). 
Mas carregar apenas os mapas conceituais em nossa mente não é o 
suficiente. Uma cultura é feita de compartilhamento de sentidos, daí a 
importância do segundo sistema, que é a “linguagem”, ou seja, a prática social de 
troca de signos que gera o (re)conhecimento dos sujeitos entre si e possibilita a 
materialização dos sentidos nas representações. 
A linguagem é um bem comum, todos nós a possuímos, ela é, como diz 
Saussure (1916), “um tesouro social depositado na mente dos falantes”. Isso 
significa que temos uma dupla articulação, as representações mentais que temos 
em nossa mente somente ganham vida na sociedade, ou seja, no 
compartilhamento delas no mundo. Com isso, não há linguagem individual, ela é 
sempre pública, no sentido de que os sentidos não são determinados 
individualmente, mas preexistem a nós mesmos, fazendo com que, ao 
representarmos o mundo, ele sempre está já relacionado a códigos culturais e 
sentidos que estão para além da vontade individual. 
É por esse motivo que não há existência do sujeito fora da cultura, já que a 
realidade do pensamento só é possível porque há um sistema de 
correspondências na linguagem que permite que os sentidos sejam sempre 
compartilhados, mesmo quando discordamos há um sistema comum que nos 
coloca nessa posição, já que para discordamos é preciso que todos estejamos 
imersos na linguagem. 
TEMA 4 – OS CÓDIGOS CULTURAIS 
O tratamento da linguagem enquanto sistema de representação desloca 
uma certa concepção referencialista da linguagem. Isso significa que não estamos 
mais lidando com a relação referencial entre linguagem e coisa, mas com 
processos de semelhança e articulação de sentidos que têm o sujeito e sua 
relação com o mundo como um dos elementos fundamentais. 
A interpretação do mundo passa, com isso, necessariamente pela linguagem 
compartilhada entre as culturas. Ela estabelece padrões de interpretação para o 
mundo, isso ocorre pelo processo de introjeção do sistema simbólico pelos 
sujeitos, fazendo com que surja em meio ao processo as identidades culturais e 
o sentimento de pertencimento a determinado grupo social. 
Esse deslocamento entre coisa e representação coloca a noção de sentido 
como algo mutável, ou seja, o que estabelece determinado padrão de 
interpretação, ou a nomeação de um acontecimento no mundo se dá por um 
processo de produção social do sentido. A relação entre signo e referente se 
torna menos clara, fazendo com que um mesmo acontecimento possa ser 
nomeado de maneiras diferentes. Um exemplo desse processo está na forma 
como os jornais nomeiam as lutas por terra do Movimento dos Trabalhadores 
Sem-Terra (MST). O grupo tem como prática a ocupação de fazendas 
improdutivas, “ocupação” é o termo que o próprio grupo usa para designar sua 
ação, enquanto os jornais os nomeiam como “invasão”. 
Temos, nesse caso, instalado uma disputa de sentido em relação a uma 
mesma ação que pode ser nomeada de maneiras positivas ou negativas. Isso 
afeta a percepção pública sobre o evento, seus sujeitos, tendo por base diferentes 
códigos culturais que sustentam essas percepções. 
Os códigos culturais, portanto, são formas de estabilizar os sentidos do 
mundo, já que se levarmos ao extremo esse deslizamento entre signo e referente, 
a comunicação entre os sujeitos seria impossibilitada. O sentido desses códigos 
não está no objeto, na pessoa, no acontecimento, ou mesmo na palavra. 
Somos nós quem fixamos o sentido tão fortemente que, depois de um tempo, ele parece natural e 
inevitável. O sentido é construído pelo sistema de representação. Ele é constituído e fixado pelo código, 
que estabelece a correlação entre nosso sistema conceitual e nossa linguagem, de modo que, a cada 
vez que pensamos em uma árvore, o código nos diz para usar palavra em português ÁRVORE, ou a 
palavra inglesa TREE. (Hall, 2016, p. 41-42) 
Podemos definir os códigos culturais como o universo simbólico 
compartilhado pelas comunidades que estabilizam as relações entre o elemento 
externo da linguagem, ou seja, as representações, a língua e os mapas conceituais 
que incorporamos em nós no processo de transmissão da cultura. 
É preciso levar em conta que esses mapas conceituais não são determinados 
biologicamente, eles são sistemas de convenções que aprendemos em nosso 
desenvolvimento, em especial no contato com a linguagem. Esse processo de 
significação também não se dá por decreto, ele é resultado de um acordo tácito 
entre os membros da cultura. No seu processo de socialização, as crianças, por 
exemplo, internalizam, inconscientemente, esses códigos, que vão permitir a 
expressão das ideias por meio das representações. 
O código está, com isso, intimamente relacionado com a língua. Esta é um 
sistema de signos arbitrários, isto é, a razão de se referirem a determinada coisa 
não possui uma relação necessária. A princípio, qualquer relação de sons e letras 
pode se referir a determinada coisa. O que conta nos códigos culturais é a relação 
que sons, letras, conceitos estabelecem entre si. 
Dessa forma, podemos dizer que a língua tem íntima relação com tais 
códigos e que todas as línguas expressam valores de diferentes formas, 
relacionadas com os códigos culturais aos quais pertencem. Um exemplo desse 
processo pode ser visto na linguagem dos esquimós. Enquanto em nossa língua 
temos três palavras para fenômenos da água em estado sólido (gelo, neve e 
granizo), eles, por viverem nesse clima, desenvolveram um vocabulário que é 
capaz de diferenciar múltiplos aspectos de tal estado. 
Figura 2 – Termos inuítes para neve e gelo 
Fonte: Hall, 2016. 
Percebemos com isso que a relação entre língua e cultura se dá por meio 
dos códigos compartilhados pelas comunidades humanas. Estes são os 
responsáveis por todo o sistema simbólico que produz sentido e se materializa 
nas práticas representacionais da linguagem. 
TEMA 5 – TEORIAS DA REPRESENTAÇÃO 
Em termos gerais, podemos dizer que existem três diferentes enfoques para 
explicar como a representação do sentido funciona por meio da linguagem. Cada 
uma delas visa responder às seguintes perguntas: “De onde vêm os significados?”; 
“Como podemos saber dizer o significado verdadeiro de uma palavra ou 
imagem?”. 
As diferentes respostas a essas questões apontam para essas diferentes 
teorias, podemos chamar a primeira de abordagem reflexiva, a segunda de 
abordagem intencional e a terceira de abordagem construtivista. 
Na perspectiva reflexiva, o sentido é pensado como repousado, ou 
pertencente ao objeto, pessoa ou evento. A linguagem funcionaria, dessa forma, 
como um reflexo do sentido verdadeiro que já estaria dado no mundo. Ela 
repousa sobre a noção grega de mimesis, ou imitação, já que pensa a linguagem 
enquanto uma imitação da verdade do mundo real. 
Tal teoria funciona muito bem na abordagem de imagens realistas, por 
exemplo, já que nossos mapas conceituais conseguem reconhecer em um quadro 
a imagem de uma cabra, por exemplo, contudo ela não aborda o fato de que tal 
imagem é na verdade um signo e que suas relações com mundo real são apenas 
uma das quais ela estabelece na produção de sentido, já que ela também se 
articula com os outros signos visuais apresentados na imagem. Hall (2016) vai 
utilizar a rosa como exemplo para tal funcionamento, 
É claro, podemos usar a palavra rosa para fazer referência à planta real e verdadeira crescendo no 
jardim, como dissemos antes. Mas isso funciona porque eu conheço o código que liga o conceito a 
uma palavra ou imagem particular. Eu não posso pensar, falar ou desenhar com uma rosa verdadeira. 
(p. 47) 
Esse caso nos coloca o fato de que a diferença de códigos culturais vai fazer 
com que nomeemos os objetos da realidade de formas diferentes, ou seja, cada 
cultura as olhade uma determinada forma, estando ambas corretas. 
A segunda corrente, chamada intencional, vai tentar resolver esse problema 
afirmando que o mais importante na representação dos sentidos é a intenção do 
falante. As palavras vão significar aquilo que o autor pretende que elas 
signifiquem. 
Essa teoria funciona até determinado ponto, obviamente quando 
designamos ou falamos sobre um evento temos uma intenção em dizê-lo e, ao 
mesmo tempo, de sermos compreendidos em nossas intenções. Contudo, o 
funcionamento do sentido na cultura extrapola a intenção individual. A língua, 
por exemplo, está para além dos significados privados que damos aos objetos, 
ela é pública, fazendo com que os sentidos preexistam àquilo que falamos. Ou 
seja, a linguagem é sempre social, os sentidos não são produzidos de maneira 
adâmica pelos locutores individuais. 
A linguagem é um sistema social por completo. Isso significa que nossos pensamentos privados 
precisam negociar com todos os sentidos das palavras ou imagens guardadas na linguagem que o uso 
do nosso sistema inevitavelmente desencadeará. (Hall, 2016, p. 48) 
Por fim, e esta abordagem esteve no centro de nossa discussão em nossas 
etapas, temos a abordagem construtivista. Ela vai afirmar que nem as coisas, nem 
as intenções individuais podem fixar os significados das coisas no mundo. O 
mundo não possui significado em si mesmo, somos nós que construímos e 
compartilhamos sentidos, criando laços e colocando o sistema simbólico em 
funcionamento. 
São os atores sociais que usam os sistemas conceituais, seja a língua ou outro 
sistema de representação, fazendo com que ele seja compreensível e, com isso, 
possa ser comunicado com os outros. Olhada por esse aspecto, a linguagem é 
vista como um sistema simbólico, no qual os diferentes signos se relacionam com 
os outros na produção do sentido. E nesse processo de construção coletiva dos 
sentidos o laço social se realiza. 
Olhar para a representação, a cultura e a linguagem, dessa forma, é 
fundamental, pois não há produção de significado para o mundo de forma 
isolada, ela é sempre assujeitada pelo sistema da língua e da cultura que preexiste 
a nós, mas é ela também que possibilita a mudança – sempre coletiva – dos 
significados sociais. É por meio desse sistema que construímos laços, que nos 
aproximamos uns dos outros, mas que também se estabelecem conflitos e 
antagonismos. Sendo esse aspecto fundamental para a compreensão do sujeito, 
seus conflitos e sua relação com o outro. 
NA PRÁTICA 
Abra o jornal ou algum portal de notícias de alcance nacional. Nesse site 
busque as notícias relacionadas às favelas. Olhe para o texto e para as imagens 
presentes. Agora, responda: quais são as representações que os jornais 
constroem sobre as favelas? Como elas são vistas? Quais são os sujeitos passíveis 
de serem encontrados em tais ambientes urbanos? Ao fazer tal análise leve em 
conta que os jornais são um dos meios de circulação das representações e que, 
com isso, constroem uma percepção pública sobre a vida na cidade. 
FINALIZANDO 
Nesta unidade nos dedicamos a olhar mais de perto a relação entre 
linguagem e cultura, tendo como eixo explicativo a noção de representação. 
Vimos que a representação é um elemento fundamental na compreensão do 
processo de produção de significado para o mundo social. 
Além disso, tal processo é a base para o entendimento da cultura como 
compartilhamento de significados, ou seja, uma forma de ler, perceber e 
interpretar o mundo a partir de determinados signos socialmente 
compartilhados. 
A linguagem deve ser vista enquanto uma prática social, que produz e altera 
o sentido das coisas do mundo, produz laço e possibilita a comunicação. Além 
disso, ela é um elemento social, “um tesouro social depositado na mente dos 
falantes”, que se inserem num mundo de sentidos que já existam antes deles. Tal 
prática da linguagem está no cerne do sistema simbólico que estrutura a nossa 
percepção do mundo e nossas relações com os outros. 
Tal sistema se sustenta nos códigos culturais atrelados à nossa língua e as 
representações que construímos do mundo. Daí a importância de olharmos para 
uma teoria da representação construtivista, que coloca as relações sociais como 
fundamentais na produção de significado para o mundo, afastando assim 
hipóteses da linguagem enquanto imitação ou pura intencionalidade do sujeito. 
CULTURA E LINGUAGEM 
AULA 3 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Cícero Costa Villela 
CONVERSA INICIAL 
O que veio primeiro, a cultura ou a linguagem? Tal pergunta permeia todo o 
pensamento filosófico desde a Antiguidade. Com esta, outras perguntas também 
surgem: como a língua representa a realidade? O que é a língua? Como surgiu a 
capacidade humana da linguagem? 
Até aqui traçamos esboços de respostas sobre essas perguntas, tomando a 
cultura como foco e a representação como aquela que tem por papel ligar cultura, 
língua à realidade. Nesta etapa, vamos passar para o outro lado da questão e 
abordar as concepções de língua e linguagem que abriram a questão para a 
cultura e que deslocaram uma concepção naturalista do signo linguístico. 
Teremos como enfoque dois autores fundamentais para o pensamento 
contemporâneo e que se situam nessa interface com questões relativas ao sujeito 
e à sociedade e, por consequência, à cultura. Abordaremos a concepção de língua 
de Ferdinand de Saussure, pai da linguística moderna, responsável pelo estatuto 
científico da linguística e pensador fundamental do campo do pensamento 
psicanalítico sobre a linguagem. 
Além dele, veremos as relações entre língua e poder por meio da perspectiva 
discursiva de Michel Foucault. Tal filósofo foi o responsável por deslocar as 
noções estruturais do signo e trazer para cena a questão do sujeito, do poder e 
do discurso. 
Nosso objetivo é mapear os principais conceitos desses pensadores para nos 
municiar de perspectivas sólidas sobre os estudos da linguagem que se abrem 
para a discussão das relações entre sujeito, cultura e realidade. 
TEMA 1 – SIGNO E REALIDADE 
O fato de Ferdinand de Saussure ser considerado o pai da linguística 
moderna não significa que a linguagem tenha se tornado objeto de reflexão 
apenas da parte dele. Pelo contrário, os filósofos da Antiguidade clássica, da 
Idade Média e do princípio da modernidade também se debruçaram sobre a 
relação entre língua e mundo, sobre a origem da língua e sobre como esse 
sistema funciona. A gramática, a retórica, a poética e a lógica sempre estiveram 
presentes nessas reflexões, contudo, sempre atreladas a concepções metafísicas 
sobre o ser humano. 
Com isso, se pode dizer que a reflexão sobre a linguagem estava 
subordinada à discussão sobre a consciência do “ser”, colocando o papel 
do logos, das ideias da mente dos falantes, como central. Nesse primeiro tema, 
vamos fazer um breve esboço histórico sobre as reflexões acerca da linguagem 
em diferentes momentos históricos para, com isso, situarmos o debate e as 
elaborações de Saussure. 
No século I a.C., os estoicos elaboraram uma teoria da linguagem. Segundo 
eles: 
A razão recebe as ideias mediante as sensações, a memória e a experiência. Daí nascem os conceitos. 
A representação, sendo intelecção pela qual se reconhece a verdade das coisas, permite que haja 
assentimento, compreensão e pensamento. O pensamento é enunciativo, exprime com palavras o 
material recebido da representação, que são as proposições completas em si, podendo ser verdadeiras 
ou falsas porque dizem algo sobre o que foi expresso. No processo de significação, há três elementos: 
o significado, o signo e a coisa, que pode ser uma entidade física, uma ação, um acontecimento. 
(Araújo, 2004. p. 19-20) 
Podemos perceber que essas ideias se relacionam com as questões de 
representação, já que a língua está sempre atrelada ao mundo, isto é, à “coisa”, 
sendo que as palavras e as expressões proferidasnecessitam ser verificadas de 
sua realidade por meio do apontamento da coisa no mundo. É o que podemos 
chamar de uma teoria veritativa, ou seja, a língua está ligada às condições de 
verdade de suas expressões que são atestadas empiricamente por meio do olhar, 
do sentimento e da elaboração. Só há significados porque há fatos significativos. 
Essa forma de tratar a língua perdura até o século XIX, e ainda hoje tem seus 
defensores. Entretanto, ela já aponta para a existência do signo. Por exemplo, 
quando falamos o nome “João”, para os estoicos o signo é a palavra da forma 
como está aqui, a significação é o processo mental que se estabelece quando se 
diz ou ouve a palavra e a coisa é como ela se apresenta no mundo. 
Um avanço sobre esse debate acontece com Santo Agostinho (354-430). Na 
obra O Mestre, ele vai considerar que falar é exteriorizar a vontade por meio da 
articulação do som. A linguagem serve, portanto, para ensinar ou para recordar, 
para a “fala interior” que é o pensamento aderido à memória. 
A grande novidade em Agostinho é sua concepção de que os signos são 
formas de relação, em que as palavras seriam sinais verbais que remeteriam a 
outros sinais. “As orações se compõem de nomes, e a presença do verbo assegura 
que se trata de uma proposição. Enquanto a palavra resulta da verbalização, isto 
é, o que se entende quando alguém fala ou escreve algo, o nome relaciona-se ao 
que o espírito compreende ou conhece” (Araújo, 2004, p. 21). 
Tal concepção ainda permanece atrelada à noção de referência, isto é, à 
“coisa”, já que para haver significado é preciso que a palavra aponte para coisas 
do mundo. O conhecimento verdadeiro seria somente aquele em que as palavras 
poderiam apontar para elementos realmente existentes na realidade. Dessa 
forma, o aprendizado da língua não se dá por meio do aprendizado dos sons, 
estes não tinham significado antes de apontarem para algo. O significado das 
palavras só será aprendido ao sabermos ao que elas se referem. 
Essa tradição de pensamento produziu ótimas análises da linguagem, mas 
sempre atreladas à questão da realidade. Não há aqui uma autonomia da língua, 
ela ainda está subordinada a uma relação entre sujeito e coisa mediada por uma 
certa universalidade de que, ao se apontar para uma coisa no mundo, todos as 
reconhecem como a mesma. Ou seja, a noção de que as culturas afetam a 
percepção e a produção da língua ainda não estão presentes nessas reflexões. 
O avanço da modernidade faz com que algumas concepções de língua 
avancem. A noção do cogito cartesiano abre a possibilidade de separação entre 
sujeito e objeto, radicalizando a separação entre mundo e língua, ou entre ideia 
e realidade. 
Foi com a gramática de Port-Royal (1660) que tal concepção tomou forma. 
Para esse grupo de pensadores, há de um lado as ideias e de outro lado o mundo, 
a realidade a ser captada por essas ideias. A linguagem é o elemento que media 
esse contato, interferindo na relação entre pensamento e ser das coisas. Nesse 
caso, a linguagem é um elemento útil, mas imperfeito, já que não consegue 
captar plenamente o significado das coisas, isto é, não atinge a essência do 
mundo ao se falar sobre ele. 
Há, contudo, a reflexão de que a língua é um sistema de signos, fato que será 
importante para o pensamento contemporâneo. 
Para Port-Royal, a língua é um sistema de signos. As palavras ou expressões são invólucros das ideias. 
Apenas as ideias ligam-se aos objetos. O nível mais elaborado é o nível lógico das ideias, a língua 
exterioriza essa lógica, que é o fundo comum por detrás da diversidade linguística, daí a gramática 
fundir-se com a lógica. As palavras são sons distintos e articulados que se transformam em signos, 
encarregados de traduzir o que se passa no pensamento, isto é, as operações lógicas, tais como 
conceber, julgar, raciocinar. As palavras apenas marcam essas operações. (Araújo, 2004, p. 24) 
O que podemos perceber nessa forma de pensar a língua é um 
deslocamento das coisas para o sujeito. A língua não é mais uma forma de captar 
a realidade das coisas, mas a forma como o sujeito expressa, por meio de seu 
pensamento, o seu raciocínio sobre o mundo. A relação entre língua e referência 
é dependente da intenção do sujeito e não mais do conhecimento do mundo. 
Tal forma de enxergar a língua subsiste ainda em concepções centradas no 
indivíduo, no qual a língua é uma forma de julgar a realidade do mundo, de 
produzir juízos, colocando o indivíduo como o criador supremo da linguagem 
que, com base em sua experiência individual expressa o significado do mundo. 
Existem ainda outros pensadores que trazem questões relevantes sobre a 
linguagem, como Hobbes e Locke, mas não abordaremos suas concepções, pois 
elas também estão articuladas com a base das que já vimos até aqui. Se trata de 
duas formas, uma eminentemente empírica, na qual o significado é produzido do 
mundo exterior, e outra racionalista, na qual é a elaboração do sujeito sobre o 
mundo que cria a realidade. 
Essas duas formas de ver a língua caem ao adentrarmos no pensamento de 
Saussure, já que, para esse linguista, ao se elaborar a ciência da língua a questão 
da referência do signo se torna menos importante. É o que veremos a seguir. 
TEMA 2 – SAUSSURE E SIGNO LINGUÍSTICO 
Saussure é por muitos considerado o pai da linguística moderna, a ciência 
que estuda a língua. Seu projeto de pesquisa, publicado com base em notas de 
seus alunos no Curso de Linguística Geral, visava criar um campo autônomo de 
estudo sobre a língua e a linguagem deslocado das questões filosóficas e 
gramaticais que o precederam. 
Essa perspectiva se afastava da gramática à medida que o estudo da língua 
não estava voltado para o uso normativo, regras do bem dizer, ou uso correto da 
língua; seu projeto era estudar a língua no seio do sistema social. Pelo lado 
filosófico, o pensador retira as discussões sobre o ser e a relação entre língua e 
coisa da reflexão, tomando a língua enquanto um sistema autônomo e que 
poderia ser estudada por si mesma. 
Apesar de ter como foco principal de estudo a língua, Saussure abre espaço 
para o estudo da linguagem de forma geral, o que ele chama de Semiologia, ou 
o estudo da vida dos signos na sociedade. 
Pode-se conceber uma ciência que estuda a vida dos signos no seio da vida social; ela formaria uma 
parte da psicologia social, e por conseguinte da psicologia geral; nós a chamaremos de semiologia (do 
grego semeion, “signo”). Ela nos diria em que consistem os signos, que leis os regem. Já que ela ainda 
não existe, não se pode dizer o que ela será; mas ela tem o direito à existência, seu lugar está 
previamente determinado. A linguística é apenas uma parte dessa ciência geral; as leis que a semiologia 
descobrir serão aplicáveis à linguística, e esta se encontrará assim ligada a um campo bem definido no 
conjunto dos fatos humanos. (Saussure, 1975, p. 33, grifos do autor) 
Mas como Saussure cria essa ciência? O primeiro ponto, que já mostramos, 
é o entendimento de que o estudo da língua é parte da Semiologia e que estuda 
os sistemas de signos na sociedade. A ideia de signo como algo que se coloca no 
lugar de alguma coisa não é nova, como pudemos ver anteriormente, mas na 
linguística, ao menos na saussuriana, ele perde a relação com a coisa, passando 
a ter outro funcionamento descritivo. Pensar as linguagens dessa forma abre 
espaço para o estudo das culturas. 
O gesto que possibilita tal autonomia do estudo da língua é a separação 
entre linguagem, língua e fala. Já vimos a definição de linguagem, como o sistema 
de signos, mas o que a diferencia da língua? Vamos ao próprio autor: 
Mas o que é a língua? Para nós ela não se confunde com a linguagem: ela é apenas uma parte 
determinada da linguagem, essencial, é verdade. É ao mesmo tempo um produto social da faculdade 
da linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social, parapermitir o 
exercício dessa faculdade entre os indivíduos. Tomada em seu todo, a linguagem é multiforme a 
heterogênea, situada em vários campos; ao mesmo tempo física, fisiológica e psíquica, pertence ao 
domínio individual e ao domínio social; não se deixa classificar em nenhuma categoria dos fatos 
humanos, porque não se sabe como depreender a sua unidade. A língua, ao contrário, é um todo em 
si e um princípio de classificação. Logo que lhe damos o primeiro lugar entre os fatos da linguagem, 
introduzimos uma ordem natural em um conjunto que não se presta a nenhuma outra classificação. 
(Saussure, 1975, p. 25) 
Podemos depreender duas questões. A linguagem é formada 
de signos, assim como a língua. Tais signos fazem parte de convenções adotadas 
pelo corpo social, contudo, também tem seus aspectos individuais. A língua é 
vista como um princípio de classificação, isto é, um sistema que funciona não 
para designar aspectos do mundo real apenas, mas que funciona com autonomia 
em relação à coisas do mundo. 
Com isso, temos dois aspectos. A língua enquanto princípio de classificação 
em si, que tem como referência o social, isto é, ela está para além das vontades 
individuais, e a fala, que se liga às realizações individuais do sistema da língua. 
Dessa forma, o foco do estudo da linguística será a língua, pois essa é passível de 
sistematização, para além dos usos individuais, já que estes apenas reproduzem 
em ato o sistema linguístico ao qual pertencem. 
Definimos assim a primeira dicotomia de Saussure, mas ainda há algo que 
resta a ser dito. Falamos que a língua é composta por signos e, além disso, 
dissemos que essa noção em linguística não é a mesma dos filósofos da 
linguagem, já que há um gesto de exclusão feito pelo linguista; aqui o signo não 
está mais colado à coisa, isto é, a língua não é um sistema de nomenclatura. 
O signo, unidade fundamental para a linguística, é composto por duas faces, 
ele une “um conceito e uma imagem acústica” (Saussure, 1975, p. 98). O conceito, 
podemos definir como a imagem mental, que é produzida ao se falar um 
determinado som, ou se escrever uma palavra; ele é também designado como 
o significado. Essa noção está para além da coisa, já que, por exemplo, o 
significado da letra “A” vai depender de onde ela se situa em uma fala, de modo 
a ter significado de artigo definido ou marcador de feminino em determinados 
substantivos. 
A imagem-acústica, nós podemos associar à forma material com que o signo 
aparece, seja ela por som ou escrita; é o que o autor chama de significante. 
Retomando o exemplo anterior, a letra “A” não aponta para uma realidade 
exterior, para uma coisa, mas para seu funcionamento em relação aos outros 
elementos que se associam a ela no processo de produção do som ou da frase. 
Podemos dizer, com isso, que o signo é um elemento fundamental da língua, 
representado da seguinte forma (Figura 1). 
Figura 1 – Signo linguístico 
Fonte: elaborado com base 
em Saussure, 1975. 
Fica claro agora que o signo não aponta para uma relação externa à língua, 
esta é composta pela articulação dos signos. A relação entre significado e 
significante é eminentemente arbitrária, isto é, não há uma motivação exterior 
que justifique que uma palavra se conecte a uma determinada ideia. “Assim, a 
ideia de soeur (“irmã”, em francês) não está ligada por nenhuma relação interior 
com a sequência de sons s-ö-r (escrita fonética) que lhe serve de significante; ele 
poderia também ser representado por qualquer outra” (Saussure, 1975, p. 100). 
Tanto ela é arbitrária que, ao falarmos sobre o que é soeur, a traduzimos para 
o português “irmã”. Ou seja, a mesma realidade é designada por diferente signo, 
sem que haja uma relação necessária entre imagem acústica e palavra; elas são o 
que são, e esse é um postulado da linguística. 
Dessa forma, Saussure abre o caminho para o estudo da língua por si só, 
separando os fenômenos passíveis de estudo sistemático, como a língua, dos 
usos cotidianos e comuns da fala. Ele entende que esse estudo não é histórico, 
isto é, não se olha para a mudança histórica da língua, o que ele chama de 
“diacronia”, mas para o estado da língua no presente, na forma como esses signos 
se articulam no agora, é o que ele chama de “sincronia”. Olhar para a sincronia 
partindo do fato de a língua ser um sistema de classificação em si mesmo 
demanda que entendamos como funciona a língua. 
TEMA 3 – LÍNGUA COMO SISTEMA DE SIGNOS E 
NOÇÃO DE VALOR 
Os signos não aparecem isolados na realidade, eles estão sempre articulados, 
em palavras, frases, textos, sons. Por isso, é fundamental que compreendamos 
como se constroem os sentidos das coisas, já que, nessa concepção, elas estão 
apartadas da noção de “coisa” ou “referente”. 
Em seu funcionamento, a língua é um sistema de puro valor. Dizer que elas 
são “valor” significa que só se pode analisar uma língua por meio da relação que 
os signos estabelecem entre si. 
Voltemos ao exemplo da letra “A”. Se ela aparece na sequência “A, E, I, O, U”, 
diremos que seu significado é ser uma vogal. É do sistema de vogais de nossa 
língua, na relação que ela tem com “E”, o fato de ela ser “não E”, que faz com que 
determinemos seu valor. Quando ela aparece da seguinte forma: “A dentista”, ela 
agora se torna um artigo definido. Isso se dá pela relação que ela estabelece com 
o substantivo “dentista”, que demanda que o artigo seja feminino; quando essa 
mesma letra aparece em “jogadora”, temos que o “A” é designativo do gênero 
feminino na palavra. É importante perceber que a letra não tem sentido por si só, 
ela só pode ser determinada por meio da análise do conjunto no qual ela se 
articula. Essa é a ideia de valor para Saussure. 
A ideia de valor, assim determinada, nos mostra que é uma grande ilusão considerar um termo 
simplesmente como a união de um certo som com um certo conceito. Defini-lo assim seria isolá-lo do 
sistema do qual faz parte; seria acreditar que se pode começar pelos termos e construir o sistema 
fazendo a soma destes, ao passo que, ao contrário, é do todo solidário que se deve partir, para obter, 
por análise, os elementos que ele encerra. (Saussure, 1975, p. 157) 
Essa ideia de valor faz com que consideremos a língua como um sistema de 
diferenças. Nela não há uma identidade do signo consigo mesmo, sua identidade 
é dada por meio da cadeia em que ele se insere no sistema da língua. O exemplo 
de Saussure é entre sheep (“carneiro”) e mutton (“carne de carneiro”); o inglês faz 
essa diferenciação do estado do carneiro, vivo ou morto, enquanto no francês 
temos apenas mouton, que é válido para ambos os casos. A diferença de valor 
entre as duas expressões na língua está em que, no inglês, temos associado 
a mutton a palavra sheep, enquanto no francês esse valor não se realiza. Ou seja, 
é da relação interna ao sistema que os signos valem. Como diz o autor: 
Na língua só há diferenças. E não é só isso: uma diferença supõe, em geral, termos positivos entre os 
quais ela estabelece; mas na língua, há apenas diferenças sem termos positivos. Quer se tome o 
significado, quer o significante, a língua não comporta nem ideias nem sons que preexistiriam ao 
sistema linguístico, mas somente diferenças conceituais e diferenças fônicas provenientes desse 
sistema. (Saussure, 1975, p.166, grifos do autor) 
Esse sistema de diferenças e articulações vai ser descrito por Saussure por 
meio de dois eixos. O primeiro deles é chamado de eixo dos sintagmas, que se dá 
por intermédio das relações que os elementos consecutivos de um discurso 
estabelecem entre si. Essas relações podem se dar desde a palavra, como em 
“amaremos”, em que temos o verbo “amar” como radical e “emos” como 
designativo do tempo verbal, ou uma frase, como “Eu sou forte”, em que temos 
as relações entre pronome, verbo e predicativo do sujeito. 
Essa cadeia sintagmática se dá em razão do caráter linear do significante na

Continue navegando