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1 CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI FILOSOFIA DA LINGUAGEM GUARULHOS – SP 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 4 2 FILOSOFIA DA LINGUAGEM ...................................................................................... 5 2.1 Diferença entre linguagem e língua ........................................................................... 6 2.2 Língua e identidade ................................................................................................... 9 2.3 Língua e fala ............................................................................................................ 12 3 O CARÁTER SOCIAL DA LINGUAGEM .................................................................... 13 3.1 As interferências sociais na linguagem: ................................................................... 14 4 O TEXTO COMO MATERIALIDADE DA LINGUAGEM ............................................. 15 4.1 Textualidade na análise do discurso: historicidade e exterioridade ......................... 15 4.2 Textualidade na perspectiva da linguística textual ................................................... 17 5 COMUNICAÇÃO VERBAL E NÃO VERBAL.............................................................. 17 6 O SIGNO .....................................................................................................................19 7 VERBAL E NÃO VERBAL: ÍCONE, ÍNDICE E SÍMBOLO .......................................... 21 8 CONEXÕES POSSÍVEIS ENTRE O VERBAL E O NÃO VERBAL NA PROPAGANDA...............................................................................................................23 8.1 A significação ou representação .............................................................................. 24 8.2 A referência... ........................................................................................................... 25 8.3 A interpretação da mensagem ................................................................................. 25 8.4 A relação de complementariedade imagem–texto ................................................... 25 9 TEXTOS VERBAIS E NÃO VERBAIS NA PROPAGANDA. ...................................... 27 9.1 Texto verbal. ............................................................................................................ 27 9.2 Texto não verbal. ..................................................................................................... 29 10 IDEOLOGIA ............................................................................................................... 31 3 11 OS GRUPOS E SUA INTERAÇÃO NA PRODUÇÃO DE IDEOLOGIA ...................... 34 12 GRUPOS IDEOLOGIA E RELAÇÕES DE PODER ................................................... 35 13 DISCURSO E IDEOLOGIA ........................................................................................ 37 14 O QUE É CULTURA? ................................................................................................ 39 14.1 A interferência cultural ......................................................................................... 40 14.2 Cultura e linguagem ............................................................................................. 41 14.3 Cultura na análise do discurso ............................................................................. 43 15 JOGOS DE LINGUAGEM .......................................................................................... 46 16 O SIGNIFICADO DE UMA LINGUAGEM LOGICAMENTE EXATA ........................... 49 17 BERTRAND RUSSELL E A FILOSOFIA DA LINGUAGEM ....................................... 52 18 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ................................................................................ 55 18.1 Bibliografia básica ................................................................................................ 55 18.2 Bibliografia complementar ................................................................................... 55 4 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O grupo educacional Faveni, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 5 2 FILOSOFIA DA LINGUAGEM A linguagem é todo sistema constituído por signos expressados através da fala, da escrita, ou de outras formas de expressão, que permita a comunicação entre indivíduos em sociedade. Para Dondis (1997, p. 3), “A linguagem é simplesmente um recurso de comunicação próprio do homem, que evoluiu desde sua forma auditiva, pura e primitiva, até a capacidade de ler e escrever.”. Desde os tempos das cavernas, os grupos humanos organizados recorreram a modos de expressão com o objetivo de se manifestar e se comunicar socialmente, utilizando-se inicialmente de sons, desenhos e rituais “primitivos”, que em sua maioria envolviam música, dança e expressão corporal. O sistema de signos linguísticos, desenvolvido a partir de então, vem sendo estudado desde a antiguidade e chega até a cibernética (CAMPO 2017). O século XX foi o período de surgimento e consolidação de duas grandes ciências da linguagem, a linguística – a ciência da linguagem verbal, e a semiótica – a ciência dos signos em qualquer linguagem. Foi com Saussure (1857-1913) que os estudos de linguagem verbal se desenvolveram, tendo como premissa a língua e definindo que a unidade mínima desta é o signo linguístico constituído por significado e significante, sendo assim diádico (SAUSSURE, 1970). A aplicação dos princípios do modelo de Peirce (1839-1914) à linguagem não verbal possibilita, a partir do uso da tricotomia fundamental do signo, que quando não há constituições simbólicas, criadas a partir de convenções, ocorra outro processo pelo viés do trabalho cultural, com a vinculação de ícones com referentes e de índices com certos fenômenos (CAMPO 2017). Dessa maneira, os estudos de Semiótica são determinantes para a compreensão e análise das diferentes formas de linguagem verbal e não verbal. 6 Fonte: www.parabolablog.com.br 2.1 Diferença entre linguagem e língua A definição e diferenciação entre linguagem e língua é um assunto amplamente discutido por diversos linguistas. Saussure (1975) apresenta distinções entre as duas ideias; embora para alguns autores elas possam ser consideradas como sinônimas (em certas línguas como no inglês, por exemplo, sequer existem dois termos para diferenciá- las; “language” é a unidade lexical que expressa tanto língua quanto linguagem). Contudo, para o autor supracitado, existe uma diferença bastante importante entre linguagem e língua. É importante ressaltar que nosso objetivo é obter um conhecimento mínimo sobre o que caracteriza a língua e como elase diferencia da linguagem (CORTINA 2010). Observe o que Saussure (1975, p. 17) diz sobre a língua no livro Curso de Linguística Geral: Mas o que é a língua? Para nós, ela não se confunde com a linguagem; é somente uma parte determinada, essencial dela, indubitavelmente. É, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos. Portanto, podemos compreender o que Saussure (1975) enxergou de diferente entre língua e linguagem. Para ele, a linguagem é a capacidade comunicativa intrínseca dada ao ser humano e a língua é um sistema organizacional que funciona para alcançar 7 os fins da linguagem (comunicação) e para organizar o pensamento, a sociedade e a comunicação entre os falantes que adotam o mesmo sistema. Ao dividir o que Saussure (1975) disse em pequenas partes, para tentar compreender sua definição de língua de forma mais clara, temos que a língua é: Um produto social: por ser uma forma organizadora de comunicação entre falantes dentro de uma mesma cultura (e talvez região espacial) de forma convencional, aceita e utilizada por um determinado número de pessoas que compartilham cognitivamente, culturalmente e socialmente o mesmo sistema linguístico para a comunicação (CORTINA 2010). Um conjunto de convenções: sendo a língua um sistema criado e desenvolvido (proveniente de uma faculdade natural, a linguagem) que é sistematizado e convencional entre aqueles que compartilham a mesma língua. Essas convenções podem ser vistas como regras gramaticais, escolhas lexicais, formas de registro e apropriação linguística e, também, observadas em variações dentro de uma mesma língua (por diversos fatores que alteram a língua de forma que exista variações diferentes do mesmo idioma); Um idioma adotado pelo corpo social: que só tem utilização e validade se utilizada por um conjunto de pessoas, tais como as línguas que são atualmente consideradas vivas (português, inglês, espanhol, etc.). Uma vez que uma língua, quando não utilizada por um corpo social, deixa de existir como língua viva e passa a ser considerada uma língua morta (cuja evidência de uso pode se alocar em um tempo passado e cujos usos sejam restritos e não mais utilizados como forma oficial de comunicação vigente em determinados grupos, como o latim); O exercício da faculdade nos indivíduos: embora seja um produto social, cada indivíduo se apropria da língua de forma individual e internaliza cognitivamente o sistema para que, dessa forma, possa 8 se comunicar com os seus pares, participando de uma organização da comunicação e do pensamento dentro de um conjunto de pessoas. (Já imaginou se as línguas não existissem e só pudéssemos nos comunicar por um “sistema” rudimentar não padronizado de gestos, toques e sons não identificáveis?). Portanto, a diferença entre linguagem e língua é bastante clara para Saussure (1975), de forma que, linguagem é a faculdade dada ao ser humano para se comunicar e língua é um sistema social convencional, organizado com padrões e normas que um corpo populacional compartilha como forma de organizar o pensamento e a comunicação, permitindo o exercício da faculdade da linguagem (CORTINA 2010). Desse modo, a capacidade para a linguagem é natural, enquanto a língua é “adquirida”. Logo, como exemplos de linguagem podemos citar as pinturas, os sons, as cores, as línguas, etc., e como exemplos de línguas podemos mencionar o português, o inglês, o alemão, o espanhol e assim por diante. Em resumo, conclui-se que: Linguagem é a capacidade/faculdade natural humana de se comunicar uns com os outros e as diferentes manifestações que expressem uma mensagem; Língua é um produto artificial social da faculdade da linguagem, formada como um sistema de convenções utilizado por um grupo de pessoas para a comunicação. Ela também é cognitiva e cultural. 9 Fonte: www.fundacaoastrojildo.com.br 2.2 Língua e identidade O ser humano é um ser social, sua vida se constrói na coletividade e a língua é peça fundamental nas relações sociais. Trata-se de muito mais do que apenas um conjunto de signos linguísticos, reflete a maneira como as pessoas se relacionam, retrata o comportamento e a cultura de uma determinada comunidade linguística. Conforme apontam Araújo, Queiróz e Bueno (2012), a língua é um instrumento de fala, mas seu uso representa também um veículo identitário; até na mesma comunidade, ela é heterogênea, visto que pode sofrer variações devido à faixa etária, o sexo, a classe social do falante, entre outros fatores (BARCELLOS 2016). Na perspectiva sociolinguística, a língua falada, que sofre influência do contexto do falante, traduz perfeitamente a identidade da comunidade de fala. Todas as variações linguísticas, em última análise, constituem a impressão da identidade da comunidade à língua. Há diversas variações de vocabulário, morfossintaxe e fonologia que se pode observar na fala de diferentes grupos de uma comunidade de fala. Veja os exemplos: http://www.fundacaoastrojildo.com.br/ 10 Caraca, foi de base ou de switch?” (Skatista) “Cara, cola no meu bonde.” (Funkeiro) “Véi, na boa, o cara veio me medi” (Metaleiro) “Não, tô de boa!” (Adolescentes) Além dos falares regionais, tais como: “Bah, esse frio tá de renguear cusco!” (Gaúcho) “Vix Maria, parece o cão chupando manga!” (Nordestino) “Meu, tá osso isso aqui…” (Paulista) “Na moral mano, sem caô, tô cheio de fome!” (Carioca) Cada uma das falas anteriores, reflete a identidade do grupo que a utiliza. As gírias, tão comuns entre adolescentes e jovens, constituem muito mais do que simples vocábulos, muitas vezes estranhos, são elementos fundamentais no processo de formação identitária de cada um deles. Permitem desenvolver o sentimento de pertença, representam o acolhimento e expressam a rebeldia, nuances primordiais na construção do caráter e da identidade (BARCELLOS 2016). 11 Fonte: Recorte de RANGEL; VIEIRA, 2011,p.34, Segundo Orsi (2011), o léxico é o componente linguístico mais suscetível a transformações e variações; nele, surgem novas unidades léxicas a todo instante e, por outro lado, algumas podem se tornar arcaicas. Por isso, as gírias de ontem não são mais utilizadas hoje. Com certeza, em seu convívio, você percebe essa realidade (BARCELLOS 2016). Observe alguns casos: 12 Fonte: Recorte de Rangel; Vieira, 2011, p. 34. 2.3 Língua e fala Ao falar em linguagem, inevitavelmente, fala-se em língua, visto que as definições de língua e linguagem são complexas, por vezes se confundindo. A linguística é a ciência que estuda a língua e a linguagem (CORTINA 2010). A linguística moderna foi fundada por Ferdinand de Saussure, estudioso genebrino cuja obra Curso de Linguística Geral foi lançada em 1916, após a sua morte, sendo editada por dois de seus alunos a partir de seus escritos e de anotações de aula. No Curso de Linguística Geral, a língua é apresentada de forma sistemática, buscando-se estabelecer uma maneira de estudá-la em suas características gerais, comuns a qualquer língua. Assim, foi operada a separação da linguagem, denominada corte saussuriano, separando-a em língua e fala. Desse modo, a língua seria um sistema constante, social, que poderia ser analisado em sua organização e seu funcionamento. Em contrapartida, a fala seria o lado individual e variável da linguagem (NOBLE 2011). Para Émile Benveniste (1991), outro importante estudioso, a linguagem é a faculdade humana que possui característica universal e difere das línguas, as quais são 13 particulares e variáveis. Em seu entendimento,é na língua que a linguagem se realiza, se efetiva. No entanto, a linguagem, em sua característica universal, é que constitui o homem como sujeito. Segundo o autor, só a linguagem fundamenta na realidade a capacidade de o indivíduo se propor como sujeito, devido à possibilidade de dizer “eu sou”. A isso se chama subjetividade (NOBLE 2011). A subjetividade seria a capacidade de o locutor (aquele que fala) se colocar como sujeito do que diz. Ainda segundo Benveniste, a linguagem só é possível porque cada locutor se apresenta como sujeito, por meio de algumas marcas, em que o locutor se coloca como sujeito da enunciação. Isso se dá por meio das pessoas “eu” e “tu”, pois somente “eu” posso me colocar como “eu” em uma situação de enunciação, dirigindo- me a um “tu”. Fonte: www.sebastianlora.com 3 O CARÁTER SOCIAL DA LINGUAGEM A contribuição de Émile Benveniste, nos anos 1960, os estudos linguísticos avançam, no sentido de considerar que não só a linguagem reproduz a realidade, mas que a realidade se reproduz por meio da linguagem e que está possui sua própria organização. No entanto, outro importante estudioso nesse sentido foi Mikhail Bakhtin, 14 que publica, em 1929, a obra Marxismo e Filosofia da Linguagem, iniciando uma nova concepção de língua, na qual se ressalta o caráter social da linguagem. Bakhtin (2006) coloca em análise a natureza real dos fatos da língua, ou seja, a fala, a enunciação, e afirmar sua natureza social, não individual. Segundo o autor, “[...] a fala estaria indissoluvelmente ligada às condições da comunicação, que, por sua vez, estão sempre ligadas às estruturas sociais” (BAKHTIN, 2006, p. 7). Portanto, para o autor, a língua é um processo em constante transformação pelos sujeitos, constituindo-se em um processo de evolução ininterrupto, visto que está em transformação contínua, mesmo que o falante não se dê conta (NOBLE 2011). Assim, a linguagem é um produto social, que se constitui pela interação e por seu funcionamento social. A partir dessa concepção, a linguagem pode ser entendida como essencial para a compreensão da realidade e das relações de força na sociedade. 3.1 As interferências sociais na linguagem: A linguagem modifica e é modificada pela realidade. Ou seja, há tanto interferências do contexto social, em que o sujeito se insere naquilo que ele diz, quanto interferências do que se diz no contexto social. Diante disso, pode-se perceber que há “forças” em comum que constituem os sujeitos e os sentidos daquilo que eles dizem. Essas “forças” que os afetam são a ideologia e a cultura. Por ser social, o sujeito está inserido em uma ordem histórico- cultural e com ela se relaciona. Pelo exemplo anterior, pode-se perceber que não somos sujeitos intencionais, que decidem sobre seus atos de forma livre e individual, mas sujeitos constituídos no corpo social, que agem de acordo com determinada ideologia e com a cultura dessa ordem histórica. No entanto, apesar de ser determinado, o sujeito não é um ser passivo, ele também possui a capacidade de transformar a realidade a partir dos sentidos que produz (NOBLE 2011). 15 4 O TEXTO COMO MATERIALIDADE DA LINGUAGEM Não é somente por meio da língua falada e escrita que a linguagem é expressa, ou seja, ela não é somente verbal. A linguagem não verbal se dá por meio de diferentes materialidades, como ilustrações, gestos, imagens. Essas diferentes materialidades são o lugar onde se pode observar o confronto ideológico e as marcas da relação sociedade–cultura. Nesse sentido, o texto é uma materialidade simbólica própria e significativa, por meio do qual a ideologia e a cultura se manifestam concretamente. No entanto, não é função da linguagem e, consequentemente, nem do texto ser instrumento de comunicação. Pelo contrário, Orlandi (2012) afirma que a linguagem serve tanto para comunicar quanto para não comunicar (NOBLE 2011). Desse ponto de vista, não é possível olhar para um texto como uma soma de frases e palavras. Ele deve ser pensado em sua totalidade e, mais do que isso, como uma unidade fundamental da linguagem. Segundo Orlandi (1996, p. 111), “Quando uma palavra significa é porque ela tem textualidade, ou seja, porque a sua interpretação deriva de um discurso que a sustenta, que a provê de realidade significativa”. 4.1 Textualidade na análise do discurso: historicidade e exterioridade O texto, para a teoria da análise do discurso, não pode ser visto como um conjunto de enunciados com significações. É antes uma articulação de processos, que se desenvolve em determinadas situações sociais. O texto é, na verdade, um objeto sócio histórico, do qual a linguagem é um pressuposto. Pode-se observar que, quando se fala do texto como objeto histórico, não se está falando da história enquanto cronologia, mas sim da sua historicidade. A historicidade de um texto é relativa à temporalidade interna deste. Ou seja, o modo como, afetado pela história, um texto produz certos sentidos. Isso é possível porque a história provê a linguagem de sentidos. Assim, a linguagem só faz sentido porque se inscreve na história (ORLANDI, 2012). 16 Para Orlandi (1996, p. 112), “[...] há uma ligação entre a história lá fora e a historicidade do texto (a trama de sentidos nele), mas ela não é nem direta, nem automática, nem de causa e efeito, e nem se dá termo-a-termo”. Além da historicidade, outro elemento essencial da textualidade é a exterioridade, ou seja, a impossibilidade de significação de um texto sem a exterioridade que o constitui. No entanto, a exterioridade não deve ser entendida como algo externo, apartado do texto, por isso não é denominada contexto, pois não está alhures ao texto, está intrínseco a ele. Observe, na Figura 1, como esses aspectos da textualidade se fazem presentes em um texto publicitário (NOBLE 2011). Fonte: Dove (2019, documento on-line). Como visto no exemplo acima, as condições de produção de um texto são pontos essenciais para se chegar à exterioridade e à historicidade do texto. Orlandi (2012) divide as condições de produção em um sentido amplo e estrito. O sentido estrito se refere às situações imediatas de enunciação, ou seja, onde o texto foi veiculado e quais as características mais evidentes da linguagem presentes na superfície textual. Já o sentido amplo “[...] é o que traz para a consideração dos efeitos de sentidos elementos 17 que derivam da forma da nossa sociedade, com suas Instituições”, ou seja, o contexto sócio histórico e ideológico (ORLANDI, 2012, p. 31). 4.2 Textualidade na perspectiva da linguística textual Uma outra perspectiva teórica sobre a textualidade é a da linguística textual. Essa teoria toma o texto como lugar de interação, em que os interlocutores estariam sujeitos ativos e a produção de linguagem seria uma atividade complexa de produção de sentidos. Neste último ponto, de certa forma, as duas teorias convergem, uma vez que não percebem o texto como um amontoado de sentenças que fazem sentido em conjunto, mas sim como um todo (NOBLE 2011). Segundo Farah (2014, documento on-line), “A leitura não é uma atividade exclusivamente linguística; ela vai exigir vários tipos de conhecimentos prévios: os linguísticos, os enciclopédicos ou de mundo e os textuais”. A textualidade, nessa perspectiva, é aquilo que torna um texto efetivamente um texto. Para a linguística textual, os elementos que compõem a textualidade devem ser de ordem linguístico- semântica, como a coesão e a coerência, a intencionalidade, a aceitabilidade, a situacionalidade, a informatividade e a intertextualidade. Para Farah (2014, documento on-line): Ao ler um texto coeso e coerente, devem-se levar em conta esses fatores de textualidade, ou seja, refletir no processo de leitura sobre o que se pretende, como os leitores aceitam o conteúdo, como esse conteúdoé levado ao conhecimento do leitor, como o escritor ajusta o texto à situação em que ele ocorre e como ativa a experiência prévia com outros textos. 5 COMUNICAÇÃO VERBAL E NÃO VERBAL O estudo da linguagem é muito antigo; ele se iniciou na Grécia (ARISTÓTELES, 1979). A comunicação em si é uma troca de informação entre dois indivíduos, sendo constituída pela linguagem verbal e pela linguagem não verbal. Apesar de a diferenciação entre as duas ser bastante simples, quando aparecem em conjunto, elas 18 precisam usar códigos fáceis de se compreender, em uma argumentação ou conceito claro e objetivo. A comunicação verbal é a linguagem falada ou oralizada. Ela inclui todas as formas de comunicação oral, como fala, sons, música, ruídos, expressões sonoras e a escrita. Na peça publicitária, é importante dedicar uma atenção especial ao que se diz e também ao modo como se diz. O tom de voz, o volume e a empatia são transmitidos pela fala e interferem na mensagem final (GALHARDI 2019). Já a comunicação não verbal é definida por tudo aquilo que não faz uso de palavras. São as imagens, fotografias gestos, sinais, ilustrações, códigos e signos visuais, símbolos e ícones que possuem um significado na cultura. Aqui, também está inclusa a expressão e os gestos corporais, elementos de linguagem que possuem significado na forma de agir e que precisam ser levados em consideração em comerciais quando há presença de atores. Afinal, a forma como os atores se movimentam, se olham e se tocam passa informações para o espectador. É por meio da comunicação não verbal que você percebe se alguém está triste ou feliz, por exemplo. Portanto, grande parte da comunicação não verbal faz parte de um código universal. A semiótica é um método que pesquisa a linguagem verbal e não verbal representada pela interpretação dos signos. Ela ficou conhecida pela interpretação dos signos, da significação e da cultura no século XX e é bastante útil nas investigações sobre a comunicação, incluindo a comunicação publicitária. A autora Lucia Santaella (2007; 2009), nas obras O que é semiótica e Semiótica Aplicada, utiliza os conceitos de Pierce e tece considerações sobre como ver a comunicação. A semiótica é uma teoria desenvolvida por Pierce durante toda a sua vida. Ela não se limita à compreensão da classificação dos signos; é bem mais ampla, pertencendo a uma lógica entendida como uma teoria geral, formal e abstrata dos métodos de investigação que podem ser utilizados em diversas ciências (SANTAELLA, 2007). Dessa forma, você deve considerar a semiótica uma aliada no seu estudo das linguagens verbal e não verbal. Santaella (2009, p. 13) justifica que “A semiótica é a ciência que tem por objeto de investigação todas as linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno”. 19 Nesse contexto, a semiótica é importante porque ela ajuda a perceber como ocorre a transmissão de significado de uma mente para outra e de um estado mental para outro por meio da gramática, da lógica (abdução, indução e dedução) e da retórica especulativa (GALHARDI 2019). 6 O SIGNO O signo tem uma natureza triádica, isto é, ele se realiza a partir de três pontos de vista (SANTAELLA, 2007): Em si mesmo, nas suas propriedades internas, ou seja, no seu poder para significar; Na sua referência àquilo que ele indica, refere ou representa; Nos tipos de efeitos que está apto a produzir nos seus receptores, isto é, nos tipos de interpretação que ele tem o potencial de despertar nos seus usuários. Dessa forma, a semiótica permite adentrar no próprio movimento das mensagens, no modo como são engendradas, nos procedimentos e nos recursos utilizados nelas. Ela pode ser vista como uma metodologia analítica que percebe significados na comunicação verbal (é oral: fala, som, ruído) e na comunicação não verbal (é impressa: texto, imagem, ilustração, fotografia). Como redator, você deve ter cuidado na hora de analisar os signos: Sem conhecer a história de um sistema de signos e do contexto sociocultural em que ele se situa, não se pode detectar as marcas que o contexto deixa na mensagem. Se o repertório de informações do receptor é muito baixo, a semiótica não pode realizar para esse receptor o milagre de fazê-lo produzir interpretantes que vão além do senso comum (SANTAELLA, 2007, p. 6). É por isso que a maior parte da comunicação publicitária trabalha com mensagens fáceis de entender, de senso comum. Isso implica criar uma mensagem clara, que seja compreendida independentemente do grau de escolaridade e do contexto sociocultural 20 do receptor. Criar uma mensagem que apenas um seleto grupo de pessoas vai entender não é eficaz. Este é um sinal de alerta: a mensagem clara geralmente é aquela mais genérica, mas nem por isso deve deixar de ser autêntica. Mas, afinal, o que é o signo? O signo é qualquer coisa de qualquer espécie (uma frase, uma imagem, um som, um anúncio, uma pessoa, um vídeo) que representa uma outra coisa, que produz um efeito interpretativo na mente do receptor. Veja o exemplo apresentado por Santaella (2007): um grito representa algo que não é o próprio grito, isto é, ele indica que aquele que grita está em apuros e precisa de ajuda. O que é representado pelo signo, ou seja, aquilo a que ele se refere é chamado de objeto do signo, e o efeito que o signo produz (grito) é chamado interpretante do signo (GALHARDI 2019). Agora considere um exemplo na área da publicidade: um anúncio fala bem de determinado tênis, apresentando benefícios e diferenciais do produto. O signo (anúncio) vai provocar no receptor um efeito interpretativo: gostar do tênis, comprar o tênis, não se interessar pelo tênis. Esses efeitos são o interpretante. Os leitores só têm acesso ao objeto do signo, àquilo que o anúncio representa, pela mediação do signo. Agora considere mais um exemplo: suponha que um redator precisa criar um comercial para a televisão. O comercial é um signo daquilo que se deseja transmitir (objeto do signo). O efeito que a mensagem produz no espectador é o interpretante do comercial (interpretante do signo), que, no final no vídeo, é um mediador entre aquilo que o comercial deseja transmitir e o efeito que o redator deseja produzir por meio da mensagem. Quando a lógica triádica do signo fica clara, é mais fácil entender por que a lógica peirciana do signo inclui três teorias: a da significação, a da objetivação e da interpretação (Quadro 1). 21 Fonte: Adaptado de Santaella (2007). Qualquer coisa pode ser analisada semioticamente. O signo é aquilo que dá corpo ao pensamento, às emoções e reações que podem ser externalizadas. Essas externalizações são traduções dos signos internos e externos. A publicidade impressa, sonora e televisiva, incluindo a percepção que o receptor tem dela, pode ser vista pela luz da semiótica, inclusive na mistura de naturezas de signos, o verbal e o não verbal. É o que ocorre, por exemplo, em um comercial, em que o receptor interpreta a mistura verbal acrescida da imagem (GALHARDI 2019). 7 VERBAL E NÃO VERBAL: ÍCONE, ÍNDICE E SÍMBOLO A comunicação verbal é qualquer forma de expressão falada ou escrita. Já a comunicação não verbal são movimentos corporais e gestuais, posturas, expressões faciais e contatos visuais. Contudo, na publicidade, a comunicação não verbal é mais complexa. Isso significa que o não verbal da comunicação pode ser encontrado na imagem, na ilustração, na fotografia e também dentro da semiologia: o ícone, o índice e o símbolo são, muitas vezes, interpretados de forma inconsciente pelo receptor. 22 O livro O corpo fala, de Pierre Weil e Roland Tompakow (2015), faz um apanhado de imagens para ilustrar a comunicação não verbal do corpo humano. Para isso, analisa os princípiosinconscientes que regem e conduzem o corpo, as expressões, os gestos e os atos corporais, que expressam sentimentos, concepções ou posicionamentos internos. A comunicação não verbal é mediada por tudo o que não faz uso das palavras. Você pode tomar como exemplo as placas de sinalização de trânsito. Outra forma de comunicação não verbal é o significado das cores. No trânsito, o vermelho indica perigo, e o verde é associado à tranquilidade, ao caminho livre. Já no setor alimentício, o vermelho desperta a sensação de sede, de agitação corporal, e o amarelo, a sensação de fome (pense, por exemplo, nas cores do McDonald’s). Por sua vez, o verde indica alimentação saudável. Na área do meio ambiente, a cor mais usada para indicar sustentabilidade também é o verde. O preto, na cultura ocidental, significa luto; já no Oriente, a cor que representa o luto é o branco. A comunicação não verbal transmite informação sociocultural, valores, ideias e conceitos. Nesse sentido, é necessária a compreensão do ícone, do índice e do símbolo (GALHARDI 2019). O signo possui três tipos de propriedades categorizadas por Peirce (SANTAELLA, 2007). Considere que o signo sempre deve estar em relação ao objeto. O ícone é uma qualidade relacionada ao objeto. Por exemplo, a modelo Gisele Bündchen é um ícone da beleza (nesse caso, a beleza é vista como uma qualidade). O índice é a indicação de uma existência concreta relacionada ao objeto. Por exemplo, encontrar pegadas no chão é um indício de que alguém passou por ali. Já o símbolo é uma lei relacionada ao objeto. Por exemplo, a pomba branca é o símbolo da paz, é uma lei universal. Outro exemplo de símbolo é o logotipo desenvolvido para as Olimpíadas de Paris de 2014; o logo reúne a medalha de ouro, a chama olímpica e paraolímpica e a imagem de Marianne, símbolo da Revolução Francesa. O rosto de Marianne foi escolhido pois a sua figura “[...] revela a ambição de ser igualitária, partilhadora e generosa” (GEEKPUBLICITARIO, 2019), sendo um “[...] rosto que coloca humanidade no coração dos jogos” (GEEKPUBLICITARIO, 2019). A publicidade utiliza o ícone, o índice e o símbolo, como você vai ver mais adiante com exemplos de peças publicitárias. 23 Uma frase dita em voz alta é uma comunicação verbal. Uma fotografia é uma comunicação não verbal. Em qualquer um dos casos, os signos se reportam a algo porque esse algo que eles denotam está representado dentro do próprio signo. Ou seja, o modo como o signo representa, indica, assemelha-se, sugere e evoca aquilo a que ele se refere é o objeto. O papel do signo é colocar o receptor em contato com tudo aquilo que se costuma chamar de “realidade”. Por exemplo, quando você sente o aroma de um perfume e lembra da sua avó, o signo é o perfume que está no mundo real e que representa uma lembrança da avó. O signo é uma coisa que denota outra coisa. A seguir, veja uma síntese das propriedades do signo (SANTAELLA, 2007). Ícone: qualidade. Índice: existência concreta. Símbolo: lei. 8 CONEXÕES POSSÍVEIS ENTRE O VERBAL E O NÃO VERBAL NA PROPAGANDA O redator cria campanhas compostas por elementos verbais e não verbais, e o receptor, por meio de uma associação de ideias, interpreta a conexão entre o signo e o seu objeto. A ideia criativa da campanha, portanto, precisa ser coerente com a realidade. Desse modo, quando o redator utiliza um ícone, índice ou símbolo, deve trabalhar para que o receptor consiga interpretá-lo de maneira adequada, com base no seu conhecimento de mundo internalizado. Por exemplo, o hino nacional só simboliza o Brasil para quem internalizou essa convenção. Lembre-se de que o receptor (interpretante) da mensagem incorpora não só os elementos lógicos, racionais, como também os emotivos, sensórios, ativos e reativos como parte do processo interpretativo. Há uma sinestesia na comunicação não verbal. Segundo Santaella (2007, p. 53), “[...] as imagens visam produzir sensações não só visuais, como também sensações táteis e, principalmente, sensações de cheiro”. Está em jogo um conjunto de habilidades 24 mentais e sensórias que o receptor carrega e que não pode ser desconsiderado na hora de criar a mensagem publicitária. A linguagem não verbal na publicidade pode transmitir emoções confusas, de acordo com Pires e Oliveira Júnior (2011). Os autores alertam as agências de comunicação em relação ao uso de personagens nos enunciados. As expressões faciais, os movimentos e os gestos precisam transmitir os conceitos e sentimentos adequados à mensagem que se deseja passar. Imagine que contraditório seria a expressão de desconforto em um anúncio que deseja vender absorvente íntimo, ou ainda um bebê chorando ao tomar banho todo ensaboado em um anúncio de xampu infantil. Os autores defendem que a expressão facial do ator influencia a opinião do consumidor sobre o assunto. A linguagem não verbal na publicidade, quando utilizada de forma correta, evita rejeições do público e torna as campanhas mais atrativas e sinceras. Os autores sugerem ainda que seja feita uma análise prévia da campanha antes de veiculá-la na rua, para testar se o conceito adequado está sendo transmitido com clareza a partir da observação da linguagem não verbal dos personagens. Além disso, o uso adequado da linguagem não verbal na publicidade, além de evitar rejeições, pode tornar as campanhas mais agradáveis, atrativas e sinceras (PIRES; OLIVEIRA JÚNIOR, 2011). O processo comunicativo também pode ser observado a partir de quatro pontos de vista: a significação ou representação, a referência, a interpretação da mensagem e a relação de complementariedade imagem–texto. A seguir, você vai conhecer melhor essas quatro ideias que conectam elementos verbais e não verbais na propaganda. 8.1 A significação ou representação Na significação ou representação, a semiótica permite observar a mensagem a partir de três aspectos. O primeiro deles enfatiza as qualidades e a sensorialidade das propriedades internas que são mais subjetivas, como linguagem visual, cores, movimento, formas, linhas, volume e luz. O segundo aspecto se refere à mensagem no 25 seu aqui e agora, ou seja, deve-se observar a mensagem no seu contexto. E o terceiro aspecto se refere àquilo que a mensagem tem de geral, convencional, cultural. 8.2 A referência Na referência, a semiótica permite observar aquilo que a mensagem indica, aquilo a que se refere ou aplica. Aqui, também há três aspectos. O primeiro é perceber a sugestão sensorial ou metafórica da mensagem. O segundo é perceber a denotação da mensagem, ou seja, sua capacidade de indicar algo que está fora dela. E o terceiro aspecto é perceber ideias abstratas e convencionais que são culturalmente compartilhadas (SANTAELLA, 2007). 8.3 A interpretação da mensagem Na interpretação, a semiótica permite observar os efeitos que a mensagem pode causar no receptor. Esses efeitos são de três tipos. O primeiro é o efeito emocional, quando é despertado um sentimento no receptor, como alegria, tristeza, raiva e comoção. O segundo é o efeito reativo, quando o receptor é levado a agir diante da mensagem. E o terceiro é o efeito mental, quando o receptor é levado a refletir sobre a mensagem. É importante você entender que nem sempre é possível encontrar esses três aspectos nas mensagens; pode-se encontrar somente um ou dois. Contudo, lembre-se sempre de que o importante é perceber o que a mensagem representa, a que ela se refere na cultura e que efeitos provoca. 8.4 A relação de complementariedade imagem–texto A relação de complementariedade imagem–texto se dá quando imagem e texto precisam estar juntos para significar. Sem um deles, não é possível compreender o sentido da mensagem, ou seja, ambos se complementam. As palavras são organizadas de modo que o visual seja capaz de transmitir tanta informação quanto lhe é possível,26 cabendo ao verbal confirmar informações específicas que o visual já não é capaz de transmitir. Essa relação é perceptível em peças publicitárias que trabalham com a metáfora, uma figura de retórica em que ocorre um processo de associação subjetiva entre a significação própria e o efeito figurativo (GALHARDI 2019). Os quatro pontos de vista apresentados: significação ou representação, referência, interpretação da mensagem e relação de complementariedade imagem-texto permitem fazer uma análise semiótica detalhada da peça publicitária, percebendo os elementos verbais e não verbais e explorando os seus efeitos no receptor. Essa análise será apresentada na próxima seção, com exemplos. Para compreender a relação de complementariedade imagem–texto, analise a Figura 1, a seguir. Fonte: Trindade (2012, documento on-line) 27 Na Figura 1, é possível identificar alguns signos a partir da linguagem não verbal: as cores escuras lembram as trevas; as asas de anjo e o anel luminoso (auréola) lembram o divino. Esses elementos articulados produzem um significado. A linguagem verbal, presente na palavra “cairão”, está vinculada à ideia de movimento, já que as letras “a” e “i” estão mais alongadas, como se estivessem caindo, descendo. Esse recurso que permite inferir a ideia de movimento também é um signo identificado na imagem. A metáfora é composta pela relação imagem–texto, expressa pela frase “Até os anjos cairão”. Essa linguagem metafórica é uma forma de dizer que até as mulheres mais recatadas cairão aos pés de quem usar o desodorante. A palavra “anjo” funciona como uma metáfora. A imagem mostra que o desodorante possui um aroma que conquista todas as mulheres, até mesmo as que são inacessíveis, como anjos (GALHARDI 2019). 9 TEXTOS VERBAIS E NÃO VERBAIS NA PROPAGANDA. A semiótica é uma teoria que ajuda a entender todos os tipos de signos, sinais, códigos e linguagens. Ela permite compreender imagens, palavras e sons em diversas manifestações, como no design, na publicidade, na arte, na mídia, na literatura, nas instituições e em vídeos. Dessa forma, os processos perceptivos também fazem parte dos estudos semióticos. Santaella (2007, p. 59) diz que “[...] a semiótica estuda os processos de comunicação, pois não há comunicação sem mensagem”. Agora que você já compreendeu o potencial comunicativo das mensagens e os efeitos que elas podem gerar no receptor, como o emocional, o sensório, o metafórico e o simbólico, vai acompanhar a análise de alguns anúncios e textos verbais e não verbais na propaganda. 9.1 Texto verbal O texto verbal é sonoro. Você pode tomar como exemplos o som, o ruído, a música, a voz. A seguir, você vai ver a análise semiótica do texto verbal de duas peças publicitárias (jingle e spot). Nessa análise, são observados os seguintes elementos: 28 objeto do signo, interpretante do signo, presença de ícone, índice ou símbolo, representação, referência e interpretação. Para começar, considere o jingle Pipoca com Guaraná Antarctica, cuja letra é apresentada a seguir. Pipoca na panela começa a arrebentar Pipoca com sal Que sede que dá (som: tampa da garrafa de guaraná é aberta) Pipoca e guaraná, que programa legal Só eu e você, e sem piruá Quero ver pipoca pular (pipoca com guaraná) (3x) Soy loca por pipoca e guaraná O jingle sugere que o ouvinte memorize a marca guaraná Antarctica, que é repetida diversas vezes (objeto do signo). O efeito que a mensagem produz no ouvinte é despertar a vontade de consumir pipoca e guaraná (interpretante do signo). Os efeitos sonoros da pipoca estourando e do guaraná sendo aberto são percepções que fazem o ouvinte imaginar o produto real (representação), instigando o sentir (GALHARDI 2019). Esses sons produzem sensações visuais, táteis e até olfativas. No jingle, é possível encontrar principalmente o índice. O som do estouro que ocorre de forma rápida e contínua é um indício de pipoca, e a tampa sendo aberta com um som gaseificado é um indício de refrigerante (referência culturalmente compartilhada). Percebe-se, também, o desejo da marca de transformar o guaraná Antarctica em um ícone, pois sugere a combinação com a pipoca como uma qualidade, como se pipoca e guaraná fossem perfeitos juntos. Outra percepção é que o jingle cria o benefício (qualidade) da refrescância com a frase “A pipoca com sal, que sede que dá”. O ouvinte pode ter sido persuadido a consumir o produto, já que o seu desejo foi instigado com diversas referências que ficam na imaginação (interpretação que gera ação). Agora, veja o texto do spot Nestlé Purina: Ô bem, que tal a gente dar um passeio aqui na pracinha ao lado? Na pracinha aqui do lado? Aquela pracinha pequenininha? 29 Isso, aquela lá! Noooooossa, eu adooooooro aquela pracinha, tem árvore, tem gramado, tem bebedouro! Eu não acredito, não acredito, não acreditoooo!!! Mas vamos agora, vamos agora né, ai muito obrigada, obrigada, eu te amo querido, eu te amo muito muito muito muito muito! Ninguém gosta tanto assim de você, só o cachorro (som: au au a au au) Retribua com Purina, a marca preferida dos cães. O spot deseja transmitir a mensagem de que a marca Purina é a preferida dos cães (objeto do signo). O efeito que a mensagem produz no ouvinte é lembrar que o cachorro merece a melhor ração por amar o dono (interpretante do signo). A argumentação trabalha com o humor, gerando empatia no ouvinte por meio da mensagem (interpretação emocional). Percebe-se que se trata de um cachorro pela euforia com que a personagem reage à proposta de passeio na pracinha; logo, nota-se a representação no contexto, no seu aqui e agora. A referência também é percebida na sugestão metafórica da mensagem (o “bem” parece ser uma mulher, mas na verdade é um cão). Pode-se perceber o ícone no momento em que a marca deseja ser vista como uma marca de qualidade, “a preferida dos cães”. Já o som de latidos deixa clara a mensagem de que o personagem é um cachorro (índice) (GALHARDI 2019). 9.2 Texto não verbal. O texto não verbal é escrito. Você pode tomar como exemplos as palavras, frases, títulos, slogans e logotipos. A seguir, você vai ver a análise semiótica dos textos verbais e não verbais de um anúncio publicitário impresso (Figura 2) e de um outdoor (Figura 3). Na análise, são observados os seguintes elementos: objeto do signo, interpretante do signo, presença de ícone, índice ou símbolo, representação, referência e interpretação (GALHARDI 2019). 30 Fonte: Revista Galileu (2001, documento on-line). O anúncio deseja chamar a atenção para problemas relacionados à má alimentação (objeto do signo). O efeito que a mensagem produz no espectador é estimular a cultura alimentar saudável mediante a metáfora visual (interpretante do signo). A relação entre o tema do anúncio (“Alimente o Brasil com novas ideias”) e a metáfora visual (imagem-texto) indica que a alimentação saudável é necessária para combater os problemas de sobrepeso. Por isso, a imagem de uma fruta é o recurso visual utilizado para demonstrar um abdômen saliente (interpretação de efeito mental, que faz refletir). O limão trabalha metaforicamente com a representação da obesidade, assim como a palavra “alimente” é uma referência que denota algo fora da mensagem, referindo-se à alimentação adequada (GALHARDI 2019). A barriga saliente ilustrada pelo limão é tomada como um símbolo da obesidade e relacionada com a saúde. A frase “Alimente o Brasil com novas ideias” sugere que a alimentação saudável não deve ser uma meta individual, mas de toda a sociedade. Agora, observe a Figura 3. 31 Fonte: Baldi ([ 20--], documento on-line). O outdoor deseja comunicar o serviço de uma escola de idiomas (objeto do signo). O efeito que a mensagem produzno espectador é informar a qualidade do ensino por meio do adjetivo “mais força” (interpretante do signo). O tema do anúncio (“Mais força no inglês”) e a metáfora visual do Super-Homem (imagem-texto) relacionam o conceito de força a um serviço de qualidade. A imagem da camisa aberta e a bandeira embaixo dela são recursos visuais utilizados para representar a língua estrangeira (interpretação de efeito mental, que faz refletir). O Super-Homem é um ícone da força, considerado um herói. O gesto de abrir a camisa com as mãos (referência), aliado à frase, comunica o serviço e a marca (GALHARDI 2019). 10 IDEOLOGIA Os primeiros registros do termo ideologia foram realizados pelo filósofo e pensador sensista Antoine Destutt de Tracy (1754-1836) em 1796. Este filósofo usou a palavra ideologia para designar o que chamava de “ciência das ideias”, almejando conceber uma nova ciência com o objetivo de analisar sistematicamente as ideias e sensações. 32 Destrutt de Tracy, prisioneiro por lutar na revolução francesa e atuante no movimento da burguesia revolucionária, utilizou o tempo na prisão para delinear a ideologia como uma ciência que pudesse organizar, com base na razão, na origem e no desenvolvimento das ideias, seus encontros e possíveis consequências (THOMPSON, 2011). Ao longo da história, o conceito de ideologia teve diversos significados, partindo de uma compreensão reducionista sobre o termo e significando ideal de ideias até ser ampliado a uma concepção de conjunto de ideias, pensamentos, valores, doutrinas que indicam uma perspectiva de mundo de um sujeito ou grupo orientado por questões sociais e políticas (MAZZARI, 2012). O filósofo francês August Comte (1798-1857) refere o conceito de ideologia a um conjunto de ideias construídas de acordo com cada fase do desenvolvimento humano, relacionando o sujeito ao seu contexto. Dessa maneira, ideologia pode ser compreendida como uma organização sistemática dos conhecimentos científicos e considerados legítimos, isentos de aspectos religiosos e metafísicos (CHAUÍ, 1980). Para o filósofo alemão Karl Marx, já no início do século XX, a ideologia foi o tema dominante que permeou quase toda sua trajetória de estudos. Marx conectava o conceito de ideologia aos sistemas teóricos sociais, políticos e morais concebidos pela burguesia, como classe social dominante, que tinha como objetivo principal manter os mais ricos no controle da sociedade e, para isso, fazia uso da ideologia para promover dominação sobre a classe operária (CHAUÍ, 1980). Assim, para Marx e Engels (1965), a ideologia deveria ser mais bem difundida e clarificada entre a classe operária e atuar como ferramenta que surgiria como espaço no qual fosse possível entender a realidade posta, problematizar e pensar territórios de transformação. As relações sociais são produzidas pelos sujeitos, atuando como guias para os pensamentos e ações, ainda que esses sujeitos não tenham uma ampla consciência sobre sua autoria. Nesse sentido, as relações produzem ideologia, ao mesmo tempo em que constituem processos históricos por meio da amplificação de trocas e conhecimentos. A ideologia, a partir desse conceito, potencializa o poder de transformar a realidade social e produzir ideias que expliquem a vida social e individual (ZIZEK, 1996). 33 No entanto, Paul Ricoeur (1977) concebe, a partir das teorias de Marx e Engels, um conceito mais ampliado de ideologia compreendida conforme uma análise das funções e intenções. Dessa maneira, Ricoeur (1977) propõe como função geral da ideologia a mediação na integração social e na coesão grupal. Além da função geral da ideologia, Ricoeur ainda refere sobre a função de dominação na produção de crenças legitimadoras da dominação e, também, sobre uma função ancorada nas concepções marxistas, a função deformadora, a partir da qual Ricoeur faz referência a certa deturpação da realidade com objetivo de manipulação (RICOEUR, 1977). Assim, no decorrer de todo o seu desenvolvimento, o conceito de ideologia passou por diversas alterações, aprofundamentos e transformações. Desde sua concepção, a ideologia se caracterizou como plural de acordo com características do âmbito histórico e social vivenciado por diferentes sociedades devido à sua multiplicidade cultural por meio de distintos períodos (MAZZARI, 2012). No entanto, em todo o seu percurso constitutivo, o conceito de ideologia esbarra em dicotomias na sua concepção prática. Primeiro, porque, com base em interpretações, o conceito de ideologia fica à mercê da sensibilidade dos sujeitos, arriscando seu significado integral, já que é relacionada com o processo pelo qual as ideias da classe dominante se tornam universais, legitimando, assim, a dominação e a exploração de uma classe sobre a outra. Além disso, por ser caracterizada sob um saber científico-tecnológico, mais uma vez acaba sendo relacionada como instrumento de dominação entre os mais favorecidos e os menos favorecidos e dependentes (MAZZARI, 2012). Contudo, ainda que o conceito de ideologia apresente uma multiplicidade de “usos”, nos quais nem sempre esteja a serviço da verdade sobre a realidade, a ideologia, quando fortalecida e impulsionada pelos grupos, tende a atribuir poder aos sujeitos, estimulando a capacidade de mudar a ordem social e econômica vigentes. Conforme Zizek (1996), é a partir do reconhecimento da força da união estabelecida pelos sujeitos nos grupos que a ideologia pode promover histórias de mudanças e transformações. 34 Fonte: www.conhecimentocientifico.r7.com 11 OS GRUPOS E SUA INTERAÇÃO NA PRODUÇÃO DE IDEOLOGIA Considerando que os grupos são constituídos a partir das representações sociais, costurados por meio de símbolos e conduzidos conforme suas ferramentas comunicacionais, e que é na interação entre seus membros que se define axiologicamente, é possível compreender que, em meio aos processos grupais, seja possível conhecer os signos e as linguagens na produção de ideologia. Assim, o grupo existe na possibilidade de estabelecer significados a partir da interação e na leitura da realidade e de seus desejos (LANE, 1985). Bakhtin (2009) discute a ideologia sob o ponto de vista da linguagem e de sua simbologia evocada como um fenômeno para além da superfície da consciência. Ou seja, utilizando essa perspectiva, podemos compreender que, para que seja possível a interação dos sujeitos no grupo, os signos e seus significados são incorporados. O processo grupal, dessa maneira, aproxima signos conhecidos previamente pelos componentes grupais e, como resultado de uma soma, desenvolve-se a ideologia (MOSCOVICI, 1978). 35 Para Morin (2002), um signo é compreendido a partir de outro, viabilizando que a consciência se forme com base nesse sistema semiótico e absorvido de ideologia. A partir disso, a ideologia emerge por meio do processo de interação social, no qual adquire um sentido de unidade para o grupo, que, socialmente estruturado, em meio a um sistema de signos compreendidos entre os componentes grupais, possa alcançar um valor socioideológico. O grupo tem, em si, determinações próprias orientadas por fenômenos ideológicos designados pelo fluxo comunicacional e os significados atribuídos às palavras. A natureza significante da palavra é mediada por forças sociais presentes nos grupos e na sociedade da mesma forma que as relações sociais são orientadas pela ideologia (BAKHTIN, 2009). Os grupos utilizam a linguagem como ferramenta para criar signos comuns que possam atuar como potencializadores para uma inserção social. Os grupos se desenvolvem por meio do aprendizado e do compartilhamento de um conjunto de significados, as normas e os sistemas de valores e representações que regem a sociedade (LANE, 1985). Esse processo de desenvolvimento e aprendizado convoca a reprodução de ideologias que poderãoser reproduzidas, refratadas ou ressignificadas em conformidade com o contexto no qual o grupo está sendo desenvolvido (BAKHTIN, 2009). Nesse sentido, pensar a ideologia pressupõe uma noção de estrutura social, na qual os grupos atuam a partir das representações sociais (LANE, 1985). Nessa relação, os grupos estabelecem, na interação com o contexto, a heterogeneidade, a multiplicidade e um espaço potencializador da diferença como resistência para que a ideologia possa ser construída na transversalidade e na impermanência a fim de que escape de processos que tendem ao engessamento. 12 GRUPOS IDEOLOGIA E RELAÇÕES DE PODER Ideologia implica deixar-se adentrar pelo pensamento do outro, vislumbrar o ponto de vista de ideias individuais e coletivas por meio da soma das similaridades e diferenças (EAGLETON, 1997). A ideologia em si, como um conjunto de ideias não 36 assume um sentido definido, mas em conformidade com as relações de poder atua como a vela de um barco, direcionando o sentido de navegação dos grupos. Os grupos são movidos pelas relações estabelecidas entre seus componentes e objetos sociais e, dessa forma, constituem as relações de poder, compreendidas a partir de demandas criadas entre um grupo e outro e ainda entre os próprios componentes de cada grupo (ZIMERMAN, 2000). Ou seja, as relações de poder circulam entre os grupos e também nos grupos, pois se configuram a partir das demandas instituídas pelas ideologias. Lukács (1968 apud ZIZEK, 1996) alerta para a possibilidade de divergências bipolares sobre a noção de ideologia nas relações de poder que circulam nos grupos. A ideologia corre o risco, conforme a condução do grupo e os interesses das relações de poder, de ser utilizada para apontar para uma de versão unilateral da realidade apologética de interesses que, embora apareçam por meio dos grupos, possam clamar por prioridades individuais (ZIZEK, 1996). Assim, diante da complexidade apresentada por variações de sentidos, noções, conceitos e definições pertinentes à ideologia e elaboradas no decorrer da história, é necessário reconhecer que essas diversas concepções, muitas vezes contraditórias, resultam de contextos econômicos, políticos e socioculturais historicamente divergentes. As ações dos grupos são coordenadas numa perspectiva coletiva, como proposta de superação de ideologias instituídas, buscando implicar em constantes alterações na estrutura produtiva e na completa transformação das relações sociais (DURKHEIM, 1970). A ideologia como conceito construtivo pretende adquirir formas transversais à existência de signos criados nos grupos no percurso de suas relações sociais em meio às relações de poder. O poder exercido nas relações, tal como Lane (1985) referencia, é difuso, tecido como uma teia de forças penetrantes e invisíveis, encontrado em todo e qualquer tipo de relação entre os sujeitos. Dessa maneira, os grupos instrumentalizam suas relações de poder no delineamento da ideologia. Portanto, conforme Bion (1970), a soma da consciência sobre a realidade deriva da junção de pensamentos e percepções diferentes que caracterizam o processo grupal na constante composição das relações de poder. 37 Os movimentos dos grupos, imbuídos da ideologia, abandonam um plano individual para assumir um caráter coletivo que abarcaria mudanças mais amplas nas esferas políticas, culturais e da sociabilidade em proveito de um projeto centrado em conquistas que sirvam a coletividade, afetando de maneira decisiva a estrutura social (DURKHEIM, 1978). Reivindicações como respeito e justiça social, de gênero, raça, credo, entre outras, ocupam o cerne das problemáticas grupais, caminhando, assim, para o direito à diversidade como finalidade em si. 13 DISCURSO E IDEOLOGIA A noção de discurso, pela ótica da análise do discurso (AD), fundada por Michel Pêcheux, é fundamental para a compreensão da produção de sentidos. Se na proposta Pêcheuxtiana o discurso é efeito de sentidos entre locutores, isso se deve a uma ruptura com o modelo de comunicação proposto por Roman Jakobson, pois a ideia de discurso entre locutores significa que todos os sujeitos estão envolvidos no processo de produção de sentidos, não apenas aquele que enuncia (MEDEIROS 2012). Para Leandro Ferreira (2005), o discurso não é somente o objeto teórico da AD, ele é um objeto histórico-sociológico, que se produz socialmente por meio de sua materialidade, que é a língua. Ele é uma prática social cuja regularidade pode ser compreendida a partir da análise dos processos de sua produção. No entanto, Leandro Ferreira destaca que o discurso, como prática social, não se confunde com a noção de fala (parole) proposta por Ferdinand de Saussure (2006). Essa impossibilidade de relação entre esses conceitos é também abordada por Orlandi (2012): O discurso não corresponde à noção de fala, pois não se trata de opô- lo à língua como sendo está um sistema, onde tudo se mantém, com sua natureza social e suas constantes, sendo o discurso, como a fala, apenas uma sua ocorrência casual, individual, realização de um sistema, fato-histórico, a- sistemático, com suas variáveis, etc. O discurso tem sua regularidade, tem seu funcionamento que é possível apreender se não opomos o social e o histórico, o 38 sistema e a realização, o subjetivo ao objetivo, o processo ao produto [...] A língua é assim condição de possibilidade do discurso. Para Orlandi (2012), o discurso é o lugar de encontro da língua com a ideologia, no qual é possível compreender como a língua produz sentidos, uma vez que estes são determinados pelas formações discursivas (FD) com as quais os sujeitos se identificam. É por este motivo que você não pode compreender o discurso apartado da ideologia: se a língua é a materialidade do discurso, é possível dizer que o discurso é a materialidade da ideologia, o que se dá por meio das FD (MEDEIROS 2012). A ideologia, para Marx e Engels, seria um sistema de ideias ou representações, separado das condições materiais, ou seja, uma separação entre é próprio do intelecto daquilo que é manual (BRANDÃO, 2004). Assim, ela é um instrumento que faz com que as ideias da classe dominante passem a ser ideias de todos pela dominação de classe. Segundo Chauí (1980), a ideologia se organiza em um sistema de normas ou regras que indicam à sociedade o que pensar, como pensar, o que deve valorizar, sentir e fazer. Para a autora (CHAUI, 1980, p. 113), “[...] o discurso ideológico é aquele que pretende coincidir com as coisas, anular a diferença entre o pensar, o dizer e o ser [...]”. A ideologia seria, então, aquilo que produz um apagamento da história no discurso, dando a impressão de ser um discurso neutro (MEDEIROS 2012). Assim, podemos afirmar que os sentidos de um discurso sempre são determinados ideologicamente, pois, conforme Orlandi (2012, p. 43), há um “traço ideológico” presente nos discursos e “[...] o estudo do discurso explicita a maneira como linguagem e ideologia se articulam, se afetam em sua relação recíproca [...]”. Pêcheux (1990, p. 160) afirma que é a ideologia que determina “o que é e o que deve ser”, fornecendo as “[...] evidências que fazem com que uma palavra ou enunciado queiram dizer o que realmente dizem e que mascaram, assim, sob a ‘transparência da linguagem’, aquilo que chama de o caráter material do sentido das palavras e enunciados [...]”. Portanto, os sentidos dos discursos não existem em si mesmos, eles são determinados pelas posições ideológicas de quem produz e do processo sócio- histórico em que se inserem, ou seja, os discursos têm seus sentidos determinados pelas posições que sustentam aqueles que os empregam, adquirindo sentido pelas formações ideológicas em que essas posições se inscrevem (MEDEIROS 2012). 39 Para Pêcheux e Fuchs (1997, p. 166), “[...] cada formação ideológica constituium conjunto complexo de atitudes e de representações que não são nem ‘individuais’ nem ‘universais’, mas se relacionam mais ou menos diretamente a posições de classes em conflito umas com as outras [...]”. 14 O QUE É CULTURA? Buscando uma definição da expressão cultura, você irá se deparar com a proposta de Michel de Certeau (1995 apud ESTEVES, 2013), que traz, entre outros significados, o de cultura como a percepção ou compreensão de mundo de determinado meio ou época, bem como os comportamentos, instituições, ideologias e mitos que compõem e caracterizam uma sociedade. Para o autor John Lyons (1987, p. 273), a palavra cultura possui vários sentidos, porém, alguns deles merecem ser destacados. O autor contrasta duas visões, uma que percebe a cultura como “[...] mais ou menos sinônimo de civilização e, numa formulação mais antiga e extrema do contraste, oposta ao barbarismo [...] baseado em uma concepção clássica do que constitui excelência em arte, literatura, maneiras e instituições sociais [...]”. Essa cultura, segundo o autor, foi revivida pelos humanistas do Renascimento, enfatizada por pensadores do Iluminismo, do século XVIII, e associado à visão da história da humanidade como progresso e autodesenvolvimento (MEDEIROS 2012). Por outro lado, Lyons (1987, p. 274) ressalta que o termo cultura pode ser “[...] empregado sem nenhuma implicação de progresso humano uniforme do barbarismo à civilização e sem nenhum julgamento de valor a priori quanto à qualidade estética ou intelectual da arte, literatura, das instituições etc. de uma determinada sociedade.”. Assim, a cultura pode ser descrita como conhecimento adquirido socialmente, ou seja, como o conhecimento que uma pessoa tem em virtude de ser membro de determinada sociedade. O autor ressalta sobre a palavra conhecimento: “[...] tanto o saber fazer algo quanto o saber que algo é ou não assim. Em segundo lugar, quanto ao conhecimento de proposições, o que conta é o fato de algo ser considerado verdadeiro, e não a sua veracidade ou falsidade reais [...]” (LYONS, 1987, p. 274). A partir desses 40 sentidos possíveis para cultura, poderia se distinguir os traços do homem culto, diferenciando-o do selvagem (MEDEIROS 2012). Por outro lado, a partir da visão de Gramsci (apud ESTEVES, 2013), todo sujeito é um produtor de cultura, porque todo sujeito produz uma atividade intelectual, qualquer que seja essa atividade. No campo da AD, a cultura é pensada como lugar de interpretação, como você verá adiante. Atente para a questão histórica que perpassa a noção de cultura: Muitos dos significados atribuídos à cultura atualmente surgem no final do séc. XVII e início do séc. XIX quando esta palavra passa a ser utilizada com mais frequência com a criação do Estado-nação moderno, o qual se constitui com o processo de industrialização e a necessidade de proteger o mercado de um determinado território. Nesta estrutura, os papéis tradicionais já não dão conta de manter a sociedade unida, apela-se, então, à cultura, no sentido de estabelecer aspectos comuns a um povo, tais como linguagem, valores, costumes, que servissem para criar uma unidade social e estabelecer um laço com sua nação. O Estado-nação significa a ligação entre a política e a cultura, entre o geopolítico e o étnico. (RAMOS, 2015, p. 1). 14.1 A interferência cultural Muito semelhante à noção de ideologia, a cultura pode ser entendida como a percepção ou compreensão de mundo de determinado meio social ou época. Além disso, pode ser identificada com os comportamentos, instituições, ideologias e mitos que a compõem, os quais caracterizam uma sociedade (MEDEIROS 2012). Diante disso, a cultura pode ser entendida como um conhecimento partilhado sobre o funcionamento de uma sociedade, adquirido socialmente pelos sujeitos que nela convivem. Além disso, a cultura está relacionada ao pertencimento desses sujeitos à sociedade, já que partilham de determinados saberes, dentre eles a língua. Segundo Eagleton (2011, p. 139), “[...] as culturas são porosas, de margens imprecisas, intrinsecamente inconsistentes, nunca inteiramente idênticas a si mesmas, seus limites transformando-se continuamente em horizontes”. Em relação à linguagem, ela é entendida por John Lyons (1987) como biológica, por um lado, e, por outro, como um fenômeno cultural. Isso porque o processo de 41 aquisição da linguagem funciona de modo que a transmissão de fatores universais e não universais da linguagem depende de um processo de transmissão cultural. Assim, é possível compreender que a habilidade de produzir e compreender sentenças (fator universal da linguagem) em determinada língua (fator não universal da linguagem) constitui essencialmente parte da cultura, ou seja, do conhecimento social transmitido pela sociedade. Dessa forma, o significado das expressões não é somente universal, mas dependente da cultura específica da sociedade em que se fala aquela língua. Assim como a ideologia, o funcionamento da cultura interfere na concepção de mundo, na maneira como o sujeito percebe os fenômenos à sua volta e como significa suas práticas, rituais e saberes, entendendo-os como naturais, evidentes, e apagando a multiplicidade de sentidos possíveis para eles. Dessa forma, a cultura regula e determina o que pode e deve ser praticado em uma determinada formação social. Por esse motivo, pessoas de culturas diferentes possuem características distintas com as quais se identificam e pelas quais as podemos identificar, como: os modos de agir, a maneira de se vestir, o modo de caminhar, se portar diante de determinadas situações. Diante desses modos de agir, vestir, pensar e falar, o sujeito e a linguagem são determinados, pois, o sujeito entende que os seus modos são os únicos possíveis, de modo que a cultura se torna naturalizada, naturalizando os modos de se estar em sociedade. Ocorre, portanto, uma naturalização próxima a uma imposição dos pensamentos e das práticas dos indivíduos (MEDEIROS 2012). 14.2 Cultura e linguagem As relações possíveis entre cultura e outros campos também foram propostas por diferentes autores, com diferentes visões sobre o tema. Nesse sentido, destaca-se o entendimento de Kawachi (2011 apud TERENZI, 2012, p. 100), que destaca a cultura como: “[...] um construto diacrônico que, em sua abrangência histórica, social e artística, reflete e/ou contribui para constituir a identidade de um grupo [...]”. Portanto, pode-se dizer que a cultura também pode ser compreendida como um processo evolutivo, no qual se acompanha as evoluções e mudanças 42 sucessivas que ocorrem socialmente, seja no âmbito linguístico, em que ocorrem as alterações em que termos são substituídos por outros, como em demais âmbitos da cultura (MEDEIROS 2012). Ainda de acordo com a autora, a palavra cultura pode ser compreendida como pertencimento a uma comunidade discursiva que compartilha um espaço social, uma história e imaginários comuns. Nesse caso, haveria uma relação estreita entre a cultura e a língua de determinadas comunidades, ou regiões, no qual a língua pode ser compreendida como um dos veículos para a “transmissão de cultura”. John Lyons (1987) afirma que é frequente a correlação entre língua e cultura exercida em um nível muito geral, e com o pressuposto tácito ou explícito de que os que falam a mesma língua tem que, necessariamente, compartilhar a mesma cultura. Para o autor, esse pressuposto é falso com relação a muitas línguas e muitas culturas, pois os falantes de línguas diferentes não possuem a mesma visão de mundo. Para ele, muitos dos conceitos que lidamos são vinculados à cultura, no sentido de que dependem do conhecimento transmitido socialmente, tanto prático como propositivo, e variam consideravelmente de cultura para cultura. Lyons reforça sua concepção de que a linguagem é tanto um fenômeno biológicocomo cultural. Explica que as diferentes línguas têm uma subestrutura universal, certamente em gramática e vocabulário e talvez também em fonologia, e uma superestrutura não universal que não apenas se constrói sobre tal subestrutura, mas é completamente ligada a ela. Para o autor, a subestrutura universal é determinada, em parte, pelas faculdades cognitivas da mente humana, que são geneticamente transmitidas, ou seja, o processo de aquisição da linguagem é de tal natureza que a transmissão de tudo o que é universal em linguagem depende, também, para o seu sucesso, do processo de transmissão cultural. “Já a superestrutura não universal nas línguas, trata-se muito mais obviamente de uma questão de transmissão cultural e em dois sentidos. Não somente faz parte da competência linguística transmitida de geração em geração por meio das instituições de determinada sociedade, mas o que é transmitido é em si um componente importante na cultura daquela sociedade. ” (LYONS, 1987, p. 292). 43 Dessa forma, Lyons conclui que se a competência em determinada língua implica a habilidade de produzir e compreender sentenças daquela língua, então constitui inquestionavelmente parte da cultura: isto é, do conhecimento social. Afinal, o significado das expressões não é universal e dependente da cultura. E esse resultado só acontece porque, entre as sociedades, há um grau maior ou menor de justaposição cultural. Nesse sentido, ele afirma que “[...] a possibilidade de tradução é uma função do grau de justaposição cultural [...]” (LYONS, 1987, p. 292). Para o autor, o aprendizado de uma língua pode e deve ser dirigido a determinadas finalidades. Uma delas é a de adquirir e de participar tão completamente quanto for possível de uma cultura diferente daquela em que a pessoa foi criada. Porém, existirão consequências linguísticas, como o empréstimo e a tradução por empréstimo. Fonte: www.pt.dreamstime.com 14.3 Cultura na análise do discurso Como ponto de contato entre a noção de cultura e a análise do discurso (AD) podemos pensar na noção de ideologia, uma vez que não há cultura fora dela. Se o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia, é também por meio dela que ele se identifica com determinada formação discursiva (FD). Nesse sentido, Esteves (2013) afirma que como na FD, é pela ideologia que o sujeito se identifica com a cultura, que 44 estabelece o que pode/deve ser pensado, vestido, usado, sentido, cheirado, experimentado, etc. É assim, então, que você pode diferenciar a noção de cultura na AD e em outras vertentes teóricas: se a cultura aparece, comumente, como justificativa para a naturalização do que é pensado, vestido, usado, sentido, cheirado, experimentado, na AD, isso é desnaturalizado, uma vez que todos esses saberes são histórica e ideologicamente constituídos, sendo regulados pelas formações culturais (MEDEIROS 2012). Esteves (2013, p. 73) afirma que: “Em vez de se reproduzirem enunciados prévios em uma combinação psíquica camaleônica ou papagaiesca, a cultura estabelece os discursos prévios que vão ou não ser repetidos, em uma sobreposição com a formação ideológica.”. Esse efeito de evidência dos saberes que se dá na cultura é o mesmo que ocorre com a língua e os sentidos (MEDEIROS 2012). Toma-se um sentido de uma palavra ou expressão como transparente e da mesma forma toma-se algo como cultural. Porém, é revelando as condições de produção da cultura e dos discursos sobre ela que a AD torna-se um campo produtivo para pensá- la. Segundo Pêcheux, essa seria uma das razões pela qual uma única língua pode constituir várias culturas; por exemplo, no Brasil, falamos o português brasileiro, mas as diferenças culturais que trespassam os estados brasileiros são inegáveis. Isso porque a língua é a base dos processos discursivos. Lévi-Strauss sugere que os traços referenciáveis de uma cultura são múltiplos e podem ser comuns entre culturas estrangeiras ou demarcar o seu afastamento. Dessa forma, falar em cultura na perspectiva da AD é pensá-la em sua relação com a produção de sentido por um sujeito determinado pela ideologia e afetado pelo inconsciente. A relação do sujeito com suas condições de existência é da ordem do imaginário, a qual é sempre mediada pelo simbólico. Embora se acredite livre para fazer escolhas, o sujeito não o é, portanto, não tem como escapar das determinações da formação social na qual está inserido e da cultura que lhe é constitutiva. É na sua concepção de mundo, na maneira como percebe os fenômenos a sua volta que se pode observar o funcionamento da cultura, por meio de práticas, rituais e 45 saberes que naturalizam o que é constitutivamente múltiplo, pois conforme nos mostra a categoria da contradição, os opostos coexistem simultaneamente, permitindo que os sentidos possam sempre ser outros. Desse modo, uma formação cultural estaria regulando o que pode e deve ser praticado em uma determinada formação social. No entanto, os autores ressaltam que essas normas e preceitos reguladores da cultura não são fixos ou imutáveis e deixam-se capturar pelas brechas e furos, o que dá à cultura a possibilidade do novo, adquirindo um caráter dinâmico e abrindo espaço para ressignificação. Nessa direção, Esteves (2014) propõe falar de cultura imaginária (normatizada, imposta, sem espaço para falha ou para o equívoco) em oposição à cultura fluída, como aquela que foge à regulamentação, que está sujeita ao equívoco e que conclui que uma prática cultural pode ser outra. Ramos (2015) entende a cultura como resultado de um processo em constante transformação, que não pode ser analisado separado dos movimentos históricos e sociais que a envolvem. Dessa forma, a cultura não trata apenas da reprodução, mas também da transformação, com espaços para criticidade e interpretação. Conforme Leandro Ferreira e Ramos (2016), é possível pensar que a cultura funciona como um mecanismo ideológico, produzindo efeito de evidência que leva à estabilização do sentido, uma vez que a ideologia só existe em práticas sociais inscritas em instituições concretas e que tais práticas são reguladas pelos rituais nos quais se inscrevem na existência material de um aparelho ideológico (MEDEIROS 2012). Para Leandro Ferreira (2011, p. 61), “[...] as posições que os sujeitos ocupam em uma dada formação cultural condicionam as condições de produção discursivas, definindo o lugar por eles ocupados no discurso. Ao funcionamento dessas formações culturais estariam estreitamente associadas as formações sociais e ideológicas [...]” conforme você pode visualizar na Figura 1. 46 Assim, é possível compreender que sujeitos de culturas diferentes são identificados por uma série de características, como modo de agir, vestir, caminhar, se portar, oriundos de discursos que são parte da rede do interdiscurso. Esses discursos chegam ao sujeito por meio de uma memória que não é cognitiva, mas discursiva, sendo, então, reconhecidos como a única maneira possível e aceita de agir, vestir, caminhar e se portar, tornando “o que se pode e deve fazer” como algo naturalizado (MEDEIROS 2012). 15 JOGOS DE LINGUAGEM No século XX, muito se pesquisou sobre a linguagem, sobre a relação entre o que se fala, o que se escreve e as coisas que compõem o mundo. É nesse contexto que se insere a obra do importante filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein (1889–1951). Suas duas principais obras são: Tractatus logico-philosophicus (1994) e Investigações filosóficas (199), publicado postumamente. Esses textos representam duas fases do pensamento do filósofo sobre a linguagem (DIONIZIO 2009). A primeira fase do pensamento de Wittgenstein (1994), exposta no Tractatus logico-philosophicus, expressa, em um de seus aspectos, uma tentativa de 47 compreender o funcionamento
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