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avião tatu foca lápiscaneta carta amor papel bola folhasapo laranja igreja THALITA FOLMANN DA SILVATHALITA FOLMANN DA SILVA T H A LIT A FO LM A N N D A S ILVA T H A LIT A FO LM A N N D A S ILVA FU N D A M EN T O S D E A LFA BET IZ A Çà O E LET RA M EN T O FU N D A M EN T O S D E A LFA BET IZ A Çà O E LET RA M EN T O Fundamentos deFundamentos de AlfabetizaçãoAlfabetização LetramentoLetramentoee ISBN 978-65-5821-103-7 9 786558 211037 Código Logístico I000031 Fundamentos de alfabetização e letramento Thalita Folmann da Silva IESDE BRASIL 2022 Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br © 2022 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Cienpies Design/cosmaa/shutterstock CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ S584f Silva, Thalita Folmann da Fundamentos de alfabetização e letramento / Thalita Folmann da Silva. - 1. ed. - Curitiba [PR] : Iesde, 2022. 152 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-65-5821-103-7 1. Alfabetização. 2. Letramento. 3. Prática de ensino. 4. Professores - Formação. I. Título. 21-75242 CDD: 372.416 CDU: 37.091.33:028.1 Thalita Folmann da Silva Doutora em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestra em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Pedagoga graduada pela PUCPR e premiada com o mérito acadêmico Marcelino Champagnat. Professora da Escola de Educação e Humanidades da PUCPR. Coordenadora da Especialização em Alfabetização e Letramento da PUCPR. Profissional do magistério na Rede Municipal de Ensino de Curitiba. Autora de obras e artigos sobre alfabetização, aprendizagem da leitura e da escrita e formação docente. Atuou como orientadora do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) e como professora substituta do Departamento de Teoria e Prática de Ensino da UFPR. Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO 1 Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica 9 1.1 O que é alfabetização? 10 1.2 O que é letramento? 21 1.3 A alfabetização na perspectiva do letramento: os gêneros textuais em sala de aula 28 2 Políticas Nacionais de Alfabetização 36 2.1 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9394/1996 e a alfabetização 37 2.2 Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa 42 2.3 Provinha Brasil 46 2.4 Avaliação Nacional de Alfabetização 51 2.5 Política Nacional de Alfabetização 54 2.6 A Base Nacional Comum Curricular 60 3 As habilidades metalinguísticas e o processo de alfabetização e letramento 71 3.1 As habilidades metalinguísticas 72 3.2 Consciência fonológica 74 3.3 Consciência metatextual 79 3.4 Consciência morfossintática 83 3.5 Consciência pragmática 88 4 Processos cognitivos e estratégias de ensino para a compreensão leitora 94 4.1 Leitura e compreensão: processos cognitivos 95 4.2 A aprendizagem da leitura e a dislexia 99 4.3 Funções executivas e a aprendizagem da leitura 102 4.4 Estratégias de ensino e a aprendizagem da leitura 105 5 A produção de textos no processo de alfabetização 117 5.1 A escrita de textos individuais e/ou coletivos 118 5.2 Etapas na produção de um texto 128 5.3 Estratégias de revisão textual 134 Resolução das atividades 140 Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! Esta obra visa apresentar os fundamentos teóricos referentes à alfabetização e ao letramento, de modo que a ação pedagógica diante da aprendizagem inicial da leitura e da escrita seja, de fato, relevante para que as pessoas possam ser capazes de ler e escrever. Ao longo da discussão a ser efetuada, buscaremos responder alguns questionamentos, por exemplo: como é possível a uma pessoa aprender a ler e a escrever? O que significa letramento? Qual o papel da consciência fonológica no processo de alfabetização? Quais estratégias beneficiam a compreensão leitora? Como possibilitar a produção de textos no processo de alfabetização? No primeiro capítulo apresentaremos um percurso histórico, traçando um panorama dos métodos que foram adotados no cenário nacional ao longo da história da alfabetização. Após a apresentação da perspectiva histórica, abordaremos alguns dos principais estudos em relação à alfabetização na contemporaneidade. Será abordada a alfabetização numa perspectiva de letramento, trazendo para o debate estudos que mostram a necessidade de que a aprendizagem inicial da leitura e da escrita faça sentido para os aprendizes. Ainda, será discutida a prática do professor alfabetizador, considerando a exploração dos gêneros textuais em sala de aula por meio das sequências didáticas. No segundo capítulo abordaremos os impactos da promulgação da LDB n. 9394/1996, especificamente em relação à alfabetização, considerando as transformações decorrentes da legislação nas duas etapas de escolaridade: Educação Infantil e Ensino Fundamental. Trataremos do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), da Provinha Brasil, a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e da Política Nacional de Alfabetização (PNA), de modo que seja possível compreender o embasamento APRESENTAÇÃOVídeo 8 Fundamentos de alfabetização e letramento teórico adotado e os objetivos delimitados, assim como os procedimentos metodológicos para a implementação no contexto nacional. No terceiro capítulo abordaremos as diferentes dimensões da consciência fonológica e a importância delas para que uma pessoa possa aprender a ler e a escrever. Trataremos de outras habilidades metalinguísticas que não influenciam diretamente na alfabetização, mas que são importantes no que se refere à consolidação da aprendizagem da leitura e da escrita. No quarto capítulo discutiremos acerca da decodificação e da compreensão de textos, bem como verificaremos estratégias de ensino e de aprendizagem que beneficiam a compreensão da leitura por estudantes em processo inicial e em consolidação da alfabetização. Encerraremos esta obra com uma discussão, a ser apresentada no quinto capítulo, acerca da produção de textos individuais e coletivos. Trataremos das três etapas no processo de produção de um texto: planejamento, escrita e revisão. Também serão compartilhadas estratégias para o aperfeiçoamento da escrita. Esperamos que com as discussões apresentadas nesta obra seja possível compreender os fundamentos teóricos relacionados à alfabetização e ao letramento, bem como os encaminhamentos metodológicos adequados para a aprendizagem da leitura e da escrita na contemporaneidade. Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica 9 1 Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica Você já ouviu falar no termo alfabetização, não é mesmo? Sabe dizer como é possível alfabetizar uma pessoa? Já ouviu falar também no termo letramento? Sabe dizer qual é a diferença entre eles?Para responder a essas e outras questões, neste capítulo nos debru- çaremos sobre os dois conceitos, ancorando o debate em estudos que são considerados relevantes quando se trata dessa temática. Começaremos com um percurso histórico, traçando um panorama dos métodos que foram adotados no cenário nacional ao longo da história da alfabetização. Após a apresentação da perspectiva histórica, consideran- do os avanços necessários ao longo do tempo, a fim de possibilitar que as pessoas fossem capazes de ler e escrever, abordaremos alguns dos principais estudos com relação à alfabetização na contemporaneidade. Em seguida, abordaremos a alfabetização em uma perspectiva de letra- mento, trazendo para o debate estudos que mostram a necessidade de que a aprendizagem inicial da leitura e da escrita faça sentido para os aprendizes. Assim, a premissa ora defendida é que os gêneros textuais possam ser objeto de reflexão em sala de aula, de modo que seja possível considerar tanto a aprendizagem da tecnologia quanto o uso das habilidades de ler e escrever em práticas reais. Por fim, discutiremos a prática do professor alfabetizador diante da aprendizagem inicial da leitura e da escrita, considerando a exploração dos gêneros textuais em sala de aula por meio das sequências didáticas. Com o estudo deste capítulo, você será capaz de: • Compreender, em uma perspectiva histórica e teórica, o con- ceito de alfabetização. • Analisar o conceito de letramento à luz do referencial teórico. • Compreender os conceitos de alfabetização e letramento na prática pedagógica do professor alfabetizador. Objetivos de aprendizagem 10 Fundamentos de alfabetização e letramento 1.1 O que é alfabetização? Vídeo Para iniciar a conversa sobre o que vem a ser alfabetização, convido você a responder às seguintes questões: você é alfabetizado? Como você foi alfabetizado? Quem foi seu professor alfabetizador? Você se lembra de algum material utilizado para aprender a ler e a escrever? Como foi esse momento em seu período de escolaridade? Pode ser que você tenha se lembrado de algumas cartilhas que uti- lizou quando pensou nos materiais empregados em seu processo de alfabetização; ou de histórias que ouviu e que, na sua opinião, contri- buíram para que você pudesse ser capaz de ler e escrever; ou, ainda, de parlendas, músicas e trava-línguas que foram utilizados pelos pro- fessores alfabetizadores que oportunizaram a sua aprendizagem inicial da leitura e da escrita. Esses diferentes materiais citados denotam práticas condizentes com determinados períodos na história da alfabetização. As cartilhas passaram a ser adotadas em meados dos séculos XV e XVI. A primeira cartilha da Língua Portuguesa, segundo Cagliari (2009), foi publicada em meados de 1540 por João de Barros, e chamava-se A Cartinha. Ou- tros materiais foram publicados e repercutiram nacionalmente: Carti- lha maternal (1870), escrita por João de Deus; Caminho suave, escrita por Branca Alves de Lima em 1870, entre outros. Posteriormente, entre 1920 e 1970, as cartilhas foram substituí- das por materiais criados pelos próprios professores alfabetizadores. Podemos citar ainda a exploração dos gêneros textuais, como as par- lendas, adotados de modo a favorecer a alfabetização dos aprendizes, considerando o papel dos textos verbais e não verbais no cotidiano. Essa perspectiva explora a função social da escrita, ou seja, o letramen- to e se apresenta no contexto nacional desde o final do século XX. Pode ser que você esteja pensando: eu me alfabetizei com uma car- tilha e deu certo. Por que não utilizar esse mesmo material para que os meus estudantes possam aprender a ler e a escrever? Para responder a essa questão, vamos fazer uma comparação com o cenário da indústria automobilística. Os primeiros automóveis foram um sucesso e se mostraram avanços significativos para a humanidade. No entanto, modificações foram necessárias para oportunizar expe- riências ainda melhores. Se pensarmos que o uso do cinto de seguran- Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica 11 ça, por exemplo, não era obrigatório e que, de algumas décadas para cá, se tornou item indispensável, garantindo menores taxas de morta- lidade em acidentes de trânsito, conseguimos entender a importância das modificações. Não é porque os primeiros carros deram certo, que as mudanças a fim de os aperfeiçoar não seriam mais necessárias. Nos séculos XV e XVI, o uso da imprensa representou como um mar- co histórico. Antes disso, a leitura era realizada de modo coletivo, ou seja, uma pessoa realizava a leitura para o seu grupo. Apenas uma pe- quena parcela da população tinha a possibilidade de desenvolver essa habilidade linguística. Com a invenção da imprensa, a leitura passou a ser necessária a mais pessoas. É nesse contexto que surgiu a cartilha como instrumento que oportunizaria a alfabetização e, assim, a leitura individual. Diferentes educadores se dedicaram a escrever esses materiais, entre eles, Jan Hus, Comênio, São João Batista de La Salle, José Hamel, Robert Owen, Friedrich Froebel. Entre os títulos, citamos O mundo sensível em gravu- ras: gravuras para motivar as crianças na alfabetização, empregado por Comênio em sua obra didática (CARVALHO, 2005). Na época, tanto o surgimento da imprensa quanto das cartilhas foram marcos tecnológicos. A intenção era contribuir para que mais pessoas pudessem aprender a ler e escrever. Embora façamos críticas significativas a esses materiais, os consideramos importantes na histó- ria da alfabetização. Nesse contexto, nas últimas décadas do século XIX, surgiram os métodos sintéticos como alternativas para orientar o trabalho dos professores e propiciar a aprendizagem inicial da leitura e da escrita. Para Soares (2016), esses métodos evidenciavam a aprendizagem das letras, ou seja, para aprender a ler e escrever, seria necessário aos alfabetizandos saberem nomear as letras do alfabeto. Por essa razão, houve um investimento para promover o ensino da grafia. Primeiro, os estudantes aprendiam a nomear as letras do alfabeto para aprender a combinatória consoante e vogal, formar sílabas, escrever palavras e frases. Esse era o modo linear de promover a alfabetização. Além disso, a alfabetização envolvia a exploração dos sons, ou seja, preocupava-se com a percepção auditiva. Portanto, explorava-se as unidades menores, fonemas e sílabas, para prosseguir com a explora- ção de outros elementos linguísticos (SOARES, 2016). Nesse contexto, escrever era sinônimo de copiar. Os estudantes eram frequentemente expostos às cópias e/ou a ditados. Essas estra- tégias didáticas eram reconhecidas como imprescindíveis para a apren- dizagem da escrita. Você pode estar se perguntando, qual o equívoco ao possibilitar có- pia e ditado na alfabetização? Veremos mais adiante que possibilitar a reflexão sobre o sistema de escrita alfabética (SEA) é o que propicia a aprendizagem da escrita, não a mera exposição à cópia e/ou ao ditado. Entre os métodos sintéticos, podemos citar os que privilegiavam a soletração e a silabação. Além disso, nesse rol, encontravam-se os mé- todos fônicos. Esses métodos eram alternativas para a alfabetização e foram pensados para a escola daquela época. Os métodos voltados à soletração e à silabação exploravam a me- morização. Podemos citar o uso do silabário para a memorização das sílabas. Investia-se na decodificação, e não na compreensão da leitura. Exploravam as cinco vogais, palavras isoladas, frases fora de contexto. Provavelmente você já tenha se deparado com materiais que propõe a escrita de palavras juntando as vogais, como: “AI, UI, AU, OI”. No entan- to, quando batemos o braço em uma mesa e sentimos dor, provavel- mente, não falaremos somente “AI”. Em nosso cotidiano, não utilizamos somente palavras com encontro de vogais ou somente palavras com sílabas canônicas (consoante e vo- gal). Isso vai ao encontro desse grupo de métodos que entendia como necessário apresentarpalavras simples no início e, do meio para o final do trajeto na alfabetização, palavras complexas. Não poderíamos, por exemplo, explorar os nomes dos alunos, uma vez que dificilmente te- ríamos somente nomes como “Camila” e “Talita” em uma sala de aula. Temos uma variedade de nomes, unidades de sentido para os alfabe- tizandos, que são registrados considerando as diferentes combinações Ch in na po ng /S hu tte rs to ck 1212 Fundamentos de alfabetização e letramentoFundamentos de alfabetização e letramento Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica 13 silábicas, como “Larissa”, “Antônio”, “Breno”, “Fernanda”, entre tantos outros que poderiam ilustrar essa questão. No caso dos métodos fônicos, o foco era a dimensão sonora, como explica Carvalho (2005). Não começavam com o ensino da nomeação das letras, mas da percepção dos sons correspondentes. No entanto, algumas dificuldades se apresentam nesse caminho, como a articula- ção sonora de algumas letras que necessitam da composição silábica para serem pronunciadas, por exemplo, /P/. Além disso, há dificuldade de pronunciar o som da letra isoladamente no início do processo de alfabetização. Outro fator limitador é a representação de mais de um som por letra, como no caso da letra “C” em “cebola” e em “cachorro”. Um material bastante conhecido foi empregado nesse período, A casinha feliz, de Iracema e Eloisa Meireles. Nesse material, apresentava- -se letras associadas a personagens e enfatizava-se a memorização de sílabas. O método da abelhinha também surgiu nesse contexto, com o apoio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), e envolvia personagens para a ilustração das letras. Surgiram ainda práticas alfabetizadoras que defendiam a consciên- cia fonológica, ou seja, ressaltavam a dimensão sonora da língua, con- siderando a dimensão fonêmica, uma das dimensões da consciência fonológica. Defendiam a identificação do número de sílabas nas pala- vras, reconhecimento de rimas e aliterações, entre outras estratégias (CARVALHO, 2005). Retomaremos essa discussão na sequência, a fim de recuperar o papel da consciência fonológica no processo de alfabe- tização com base nas evidências científicas. Ao revisitar os métodos sintéticos, verificamos a exploração da re- lação grafema-fonema, o ensino das letras do alfabeto, a exploração das unidades menores da língua e as possibilidades de se considerar a consciência fonológica, no que se refere às rimas, às aliterações e aos fonemas. Esses aspectos mencionados que se mostram favoráveis à alfabetização justificam a escolha pelos métodos sintéticos? Não, so- mente um método é ineficaz. Há limitações dos métodos sintéticos que precisam ser consideradas. Entre essas limitações, podemos citar a ênfase na leitura como deco- dificação, desconsiderando a importância da compreensão no ato de ler. Além disso, defendia-se o ensino prioritário do alfabeto, uma vez que para ler era necessário, primeiro, o reconhecimento das letras. 14 Fundamentos de alfabetização e letramento Nesse sentido, invalidava-se a possibilidade de efetuar a pseudoleitura, por exemplo, que independe de conhecer as letras do alfabeto. Uma criança pode folhear um livro de literatura infantil e contar uma história, mesmo que ainda não saiba reconhecer as letras e palavras existentes. Antes de conhecer as letras do alfabeto, as crianças já estão imersas na cultura escrita e no mundo da leitura. Ler uma imagem, imitar a es- crita de um adulto, tentar escrever um bilhete, tentar ler um livro não exige reconhecimento por completo das letras, o que era uma exigên- cia dos professores que se fundamentavam nos métodos sintéticos. Para eles, as crianças precisavam atender a certos pré-requisitos para a alfabetização, o que acarretou, à época, considerável número de repro- vações na 1ª série. Prevalecia a cópia, o ensino sobre a aprendizagem, ou seja, o foco era o professor, e não o estudante. No início do século XX, na tentativa de aperfeiçoar as práticas relati- vas à alfabetização, surgiram os métodos analíticos, entre eles: método de contos, ideovisual de decroly, natural de Freinet, psicolinguística ou metodologia de base linguística, alfabetização a partir de palavras-chave e método natural. Embora não tenha afirmado a criação de um método, a proposta de Paulo Freire é citada nesse grupo (CARVALHO, 2005). Esse período histórico era marcado pela influência da Escola Nova, movimento que impulsionou o conhecimento e o respeito às necessi- dades e aos interesses da criança, assim como também estabeleceu a relação entre a escola e o meio social do estudante. Portanto, os métodos analíticos reconheciam a necessidade de considerar a realidade da criança e de tornar a aprendizagem signifi- cativa. Segundo Soares (2016), partia-se das unidades maiores e por- tadoras de sentido, como palavra, frase e texto. Depois, explorava-se as unidades menores: sílabas, letras e fonemas. Para tanto, palavras eram intencionalmente selecionadas e as sentenças e os textos eram construídos em prol da alfabetização. As cartilhas foram substituí- das por outros materiais, elaborados pelos próprios alfabetizadores, como O livro de Lili, de Anita Fonseca, citado por Carvalho (2005). Nesse contexto, o trabalho de Paulo Freire é resgatado. Ao alfabe- tizar trabalhadores de construção civil, o educador explorou palavras geradoras, as quais emergiam do cotidiano desses profissionais. A par- tir da palavra, discutia-se seu significado e desmembrava-a em sílabas, a fim de explorar as famílias silábicas. fiz ke s/ Sh ut te rs to ck Obviamente, os métodos analíticos, também conhecidos como mé- todos globais, apontaram possibilidades a serem consideradas na alfa- betização: considerar a realidade, o ritmo, o interesse e as necessidades dos alfabetizandos; explorar as unidades maiores até chegar à explora- ção das unidades menores; considerar a criatividade, a ludicidade, com a promoção de jogos e de trabalho colaborativo; propiciar a dialogici- dade e a experimentação; considerar a livre expressão, oportunizando momentos de escrita sem que a cópia se faça sempre presente; e, em uma perspectiva freiriana, considerar a alfabetização como instrumen- to de conscientização. No entanto, há limitações que precisam ser citadas, como foco na percepção visual, preocupação com os estímulos externos e textos ar- tificiais, criados para o ensino da leitura e da escrita. No fim do século XX, surgiu um novo cenário na história da alfa- betização. Em 1980, Emília Ferreiro e Ana Teberosky defenderam a chamada teoria da psicogênese da língua escrita, um estudo que trouxe “grandes desafios e lacunas [...] ao desbancar os métodos tradicionais de alfabetização” (MORAIS, 2012, p. 45). Com base na epistemologia genética, de Jean Piaget, as pesquisado- ras comprovaram que a alfabetização é um processo, por isso as crian- ças passam por diferentes fases durante a construção de conhecimentos da escrita. Conforme Soares (2016), nessa perspectiva, o processo de aprendizagem da escrita é uma construção do princípio alfabético que, portanto, ocorre de modo progressivo. Dessa forma, os aprendizes devem ser reconhecidos como sujei- tos que pensam sobre a escrita e têm conhecimentos prévios que precisam ser valorizados no processo de alfabetização. Logo, de um ensino centrado no professor, passa-se para um ensino centra- do no estudante. Se o foco é o estudante, o método passa a ser irrelevante. Fundamental passa a ser reconhecer o que o estudante sabe sobre o princípio alfabético e oportunizar a ele construir e reconstruir saberes do sistema de escrita. Essa perspectiva difere-se da prática tradicional, a qual pressupõe que o aluno aprende repetindo e memorizando. Ao decorar a equivalência entre as formas gráficas (letras) e os sons que elas substituem (fonemas), os aprendi- zes viriam a ser capazes de “decodifi- car” ou “codificar” palavras. Então, Alfabetização e letramento:conceitos e trajetória históricaAlfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica 1515 16 Fundamentos de alfabetização e letramento para serem capazes de “decodificar” e “codificar” frases e textos, teríamos apenas uma questão de treino, de prática repetitiva e acúmulo (das formas gráficas e dos seus respectivos sons). Lembremos que, por trás dessa visão associacionista/empirista, a escrita alfabética é reduzida a um código (MO- RAIS, 2012, p. 46-47). No contexto de romper a visão tradicional, há necessidade de que o professor alfabetizador seja mediador na construção do princípio alfa- bético pelo alfabetizando. O processo de alfabetização, nessa perspectiva, exige que “a criança (ou jovem ou adulto alfabetizando) precise ‘desvendar a esfinge’, com- preendendo as propriedades do alfabeto como sistema notacional” (MORAIS, 2012, p. 49). Os estudantes precisam entender o que as letras representam e como é possível fazer representações utilizando-as, ou seja, o funcionamento do sistema de escrita. Desse modo, os alfabetizandos necessitam compreender as dez propriedades do sistema de escrita alfabética: Escreve-se com letras que não podem ser inventadas, que têm repertório finito e que são diferentes de números e de outros símbolos.1 As letras têm formatos fixos e pequenas variações produzem mudanças em sua identidade (p, q, b, d), embora uma letra assuma formatos variados (P, p).2 A ordem das letras no interior da palavra não pode ser mudada.3 Uma letra pode se repetir no interior de uma palavra e em diferentes palavras ao mesmo tempo que distintas palavras compartilham as mesmas letras.4 (Continuação) Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica 17 Nem todas as letras podem ocupar certas posições no interior das palavras, nem todas as letras podem vir juntas de quaisquer outras.5 As letras notam ou substituem a pauta sonora das palavras que pronunciamos e nunca levam em conta as características físicas ou funcionais dos referentes que substituem.6 As letras notam segmentos sonoros menores que as sílabas orais que pronunciamos.7 As letras têm valores sonoros fixos, apesar de muitas terem mais de um valor sonoro e certos sons poderem ser notados com mais de uma letra.8 Além de letras, na escrita de palavras, também usam-se algumas marcas (acentos) que podem modificar a tonicidade ou o som das letras ou sílabas onde aparecem.9 As sílabas podem variar quanto às combinações entre consoantes e vogais (CV, CCV, CVV, CVC, V, VC, VCC, CCVCC...), mas a estrutura predominante no português é a sílaba CV (consoante-vogal), e todas as sílabas do português contêm uma vogal ao menos. 10 Fonte: Elaborado com base em Morais, 2012, p. 51. Nesse contexto, diferente de considerar o sistema de escri- ta como um sistema de codificação e decodificação, considera-o um sistema de representação ou um sistema notacional. Segundo Soares (2016), o objeto de conhecimento do estudante é o sistema de escrita alfabético. No entanto, a compreensão das propriedades do SEA varia confor- me as fases de desenvolvimento na aprendizagem da escrita. Nas pala- vras de Morais (2012, p. 52), “não ocorre da noite para o dia, mas, sim, pressupõe um percurso evolutivo, de reconstrução, no qual a atividade do aprendiz é o que gera, gradualmente, novos conhecimentos rumo à ‘hipótese alfabética’”. Para Soares (2016, p. 56, grifos do original), no caso da aquisição do sistema alfabético-ortográfico de escrita, essa progressiva interação entre desenvolvimento e aprendizagem origina fases que resultam da ação recíproca entre causas internas, que geram o desenvolvimento, parti- cularmente a maturação de processos cognitivos e processos linguísticos, da visão e da memória, e causas externas, que provocam a aprendizagem, fundamentalmente as experiên- cias com a língua escrita no contexto sociocultural, e o ensino, seja informal, na família e em outras instâncias não escolares, seja formal, em instituições educativas. Vale trazer para esse debate a relevância de oportunizar rabiscos, os desenhos, os jogos, a brincadeira do faz de conta – momentos iniciais do desenvolvimento da língua escrita em que, ao atribuir a objetos a função de signos, a criança cons- trói sistemas de representação, precursores e facilitadores da compreensão do sistema de representação que é a língua es- crita. (SOARES, 2016, p. 57) Nesse sentido, a autora recupera a perspectiva semiótica ao fa- lar do que antecede a aprendizagem da escrita propriamente dita. Defende o papel de práticas que oportunizem “a atribuição de sig- nos e significados, facilitando-se assim o processo de atribuição de signos aos sons da fala, ou seja, a conceptualização da escrita como um sistema não só de representação, mas também nota- cional” (SOARES, 2016, p. 59, grifos do original). Momentos para desenhar, rabiscar, brincar de faz de conta, espe- cialmente na Educação Infantil, seriam im- pulsionadores da alfabetização, uma vez que oportunizam a atribuição de signos e significados, como defende a autora. No processo de aprendizagem da leitura e da escrita, o aprendiz preci- sa compreender que o sistema de es- crita é um sistema de representação. Na Figura 1, podemos ver como essa compreensão se efetiva. fi zk es /S hu tte rs to ck 1818 Fundamentos de alfabetização e letramentoFundamentos de alfabetização e letramento Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica 19 Figura 1 Significante, significado e signo linguístico. Significante /b/ /o/ /I/ /a/ Significado Signo linguístico /bola/ Fonte: Adaptada de Santos; Barrera, 2019, p. 55. Na figura, vemos a articulação das partes sonoras que compõem a palavra, o seu significado e a representação por escrito, ou seja, o signo linguístico. Para escrever, é necessário compreender a representação do que é falado, do padrão sonoro, que se faz por meio das letras. A compreensão do sistema de escrita alfabética, ou seja, dos signos linguísticos empregados para cada significante (palavra) em confor- midade com seu referente (significado) acontece em um processo de aprendizagem que, por essa razão, envolve diferentes fases. Sobre as fases de desenvolvimento da escrita, com base na teoria da psicogênese da língua escrita, Soares (2016, p. 65-66, grifos do origi- nal) denomina cinco níveis: • Nível 1 – diferenciação entre as duas modalidades básicas de representação gráfica: o desenho e a escrita; uso de grafismos que imitam as formas básicas de escrita: linhas onduladas- -garatujas, se o modelo é a escrita cursiva, linhas curvas e retas, ou combinação entre elas, se o modelo é a escrita de imprensa; reconhecimento de duas das características básicas do sistema de escrita: a arbitrariedade e a linearidade. • Nível 2 – uso de letras sem correspondência com seus valores sonoros e com as propriedades sonoras da palavra (número de sílabas), em geral respeitando as hipóteses da quantidade míni- ma (não menos que três letras) e da variedade (letras não repe- tidas), nível a que se tem atribuído a designação de pré-silábico. • Nível 3 – uso de uma letra para cada sílaba da palavra, inicialmen- te letras reunidas de maneira aleatória, sem correspondência com as propriedades sonoras das sílabas, em seguida letras com valor sonoro representando um dos fonemas da sílaba: nível silábico. • Nível 4 – passagem da hipótese silábica para a alfabética, quan- do a sílaba começa a ser analisada em suas unidades menores (fonemas) e combinam-se, na escrita de uma palavra, letras re- presentando uma sílaba e letras já representando os fonemas da sílaba: nível silábico-alfabético. 20 Fundamentos de alfabetização e letramento • Nível 5 – escrita alfabética que, segundo Ferreiro e Teberosky (1986: 213; ênfase acrescentada), é o final do processo de com- preensão do sistema de escrita. Após o nível 5, o alfabetizando seguirá para a consolidação da al- fabetização. É o momento que passará a “enfrentar dificuldades em relaçãoà ortografia, não ao sistema de escrita” (SOARES, 2016, p. 66). Embora os estudos de Ferreiro e Teberosky tenham tido ampla divul- gação no cenário nacional, outros autores já haviam reconhecido que há diferentes níveis no processo de apropriação da escrita. Para Sargiani e Albuquerque (2016), há quatro fases no desenvol- vimento da escrita: pré-silábica (logográfica ou pré-comunicativa); alfabética parcial (semi-fonética); alfabética completa (fonêmica ou fonética); e alfabética consolidada (ortográfica). Os pesquisadores identificaram essas fases após a análise dos estudos de outros auto- res: Gentry (1982), Frith (1985) e Ehri (1991, 1994, 2005 e 2014). A passagem por cada fase resultará na compreensão do sistema de escrita alfabética, ou seja, na compreensão das propriedades do SEA. Nesse contexto, a aprendizagem da tecnologia da escrita, do fun- cionamento do sistema de escrita e de suas convenções, designaria o termo alfabetização. No entanto, é necessário que a função social da leitura e da escrita seja considerada fio condutor das práticas alfabetizadoras. Os professo- res não devem criar textos para que possam explorar as unidades maiores da língua, textos artificiais. Os alfabetizadores aproveitarão o contexto de uso da leitura e da escrita, propiciando a exploração dos gêneros textuais que circulam em diferentes ambientes frequentados pelos usuários da língua. Por essa razão, o termo letramento surge no contexto da alfabe- tização, considerando a aprendizagem inicial da leitura e da escrita de modo mais abrangente, elucidando o uso das habilidades de ler e escrever no meio social. Nesse sentido, Soares (2016) afirma que a alfabetização envolve as facetas linguística, interativa e sociocultural. Nos métodos sintéticos e analíticos, há o predomínio da faceta linguística; as demais (interativa e sociocultural) não são consideradas. Portanto, não se pode adotar um único método de alfabetização. Alguns jogos digitais dis- ponibilizados na internet podem ser explorados no processo de alfabetização de modo a possibilitar a reflexão dos estudantes sobre o funcionamento do sistema de escrita alfabética. Por essa razão, sugerimos que você visite os sites a seguir e conheça alguns recursos digitais que poderão ser adotados no processo de alfabetização. Os jogos estão disponíveis em: http://www.escolagames.com. br/jogos/ https://www.ludoeducativo. com.br/pt/play/ ludo-primeiros-passos-nivel-2 https://www.jogosdaescola.com. br/completar-letra-inicial http://educajogos.com.br Acessos em: 18 out. 2021. Site Para aprofundar seus conhecimentos sobre o que estudamos até aqui, sugerimos as seguintes leituras: Alfabetização: a questão dos métodos, de Magda Soares; Práticas do ensino do SEA: princípios gerais e atividades voltadas a compreender as proprie- dades do sistema, de Artur G. de Morais; e Letra- mentos Múltiplos, escola e inclusão social, de Roxane Rojo. Essas obras são consideradas relevantes quando se fala em alfabe- tização e letramento. SOARES, M. São Paulo: Contexto, 2016. MORAIS, A. G. de. São Paulo: Melhoramentos, 2012. ROJO, R. São Paulo: Parábola, 2009. Livro http://www.escolagames.com.br/jogos http://www.escolagames.com.br/jogos http://www.escolagames.com.br/jogos/ https://www.ludoeducativo.com.br/pt/play/ludo-primeiros-passos-nivel-2 https://www.ludoeducativo.com.br/pt/play/ludo-primeiros-passos-nivel-2 https://www.ludoeducativo.com.br/pt/play/ludo-primeiros-passos-nivel-2 https://www.jogosdaescola.com.br/completar-letra-inicial/ https://www.jogosdaescola.com.br/completar-letra-inicial/ http://educajogos.com.br/ Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica 21 A alfabetização deve ocorrer em uma perspectiva de letra- mento, considerando não somente a compreensão do sistema de escrita alfabética pelo aprendiz. A seguir, vamos nos debruçar sobre o surgimento do termo letramento e seus desdobramentos na prática alfabetizadora. 1.2 O que é letramento? Vídeo Como estudamos, aprender a ler e a escrever exige a compreensão do funcionamento da escrita. É essencial, portanto, compreender as propriedades do sistema de escrita alfabética e consolidar o processo de alfabetização com a apropriação das convenções ortográficas. No entanto, não basta a apropriação do funcionamento do sistema de escrita alfabético-ortográfico, ou seja, considerar apenas a faceta linguística no processo de alfabetização. Faz-se necessário considerar a leitura e a escrita em seus contextos de uso. Nessa perspectiva, surge o termo letramento, que se refere ao “re- sultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita” (SOARES, 2017, p. 18). Esse termo surgiu no cenário nacional em 1980, especialmente com os estudos de Mary Kato (1986). Outras pesquisadoras também se dedicaram a defender o conceito de letramento, como Kleiman (1995) e Soares (1998). Nas palavras de Leite (2010, p. 30), “ambas rea- firmam que o letramento refere-se ao envolvimento com as práticas sociais que incluem a leitura e a escrita e que somente o domínio do código não garante esse processo, como o longo domínio do modelo tradicional de alfabetização em nossa sociedade demonstrou”. A associação ao termo alfabetização surgiu a partir de 1990. Nessa perspectiva, considera-se alfabetização e letramento como processos distintos, mas indisso- ciavelmente complementares e que remetem, no caso da alfabe- tização, aos processos de aprendizado e ensino do sistema de escrita alfabética e, no que concerne ao letramento, ao conheci- mento e domínio dos usos históricos, sociais, culturais, políticos e cognitivos desse sistema. (CASTRO; GATTO; BARRERA, 2019, p. 58) Kiril l Go rshk ov/S hutt erst ock Nesse sentido, alfabetização e letramento são tomados como termos que se complementam, como é possível observar na figura a seguir. Figura 2 Alfabetização e letramento Alfabetização Domínio do sistema de escrita (níveis alfabético e ortográfico) Letramento Habilidades de uso da leitura e da escrita em diferentes contextos sociais Fonte: Adaptada de Castro; Gatto; Barrera, 2019, p. 59. Ao seguir essa premissa, a aprendizagem inicial da leitura e da es- crita exige a compreensão do sistema de escrita alfabética e do seu uso em diferentes situações do cotidiano que requerem as habilida- des de ler e escrever. Nesse contexto, torna-se relevante expor a criança a situações inte- rativas que envolvam leitura e escrita desde a infância, bem como pro- mover o contato com diferentes materiais impressos, não somente nos primeiros anos de escolaridade. Essas práticas se mostram propulso- ras da alfabetização e são preconizadas por estudos que defendem “a aquisição da linguagem escrita como um processo contínuo, com suas origens no início da vida da criança” (CASTRO; GATTO; BARRERA, 2019, p. 60), isto é, o letramento emergente. Por essa razão, não podemos deixar de men- cionar o papel da Educação Infantil em prol da alfabetização das crianças ao considerar o conceito de letramento emergente. Além disso, temos de mencionar o papel do ambiente familiar em oportunizar expe- riências nas quais as crianças possam observar um adulto lendo, discutindo sobre uma história, escrevendo um 2222 Fundamentos de alfabetização e letramentoFundamentos de alfabetização e letramento Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica 23 bilhete em sua companhia, uma mensagem, entre outras ações que podem caracterizar o letramento emergente. Para Rojo (2009, p. 99 apud STREET, 1984), há dois enfoques quando falamos de letramento: o autônomo e o ideológi- co; o primeiro enfoque refere-se à “ver- são fraca do conceito de letramento, [...] é (neo)liberal e estaria ligada a me- canismos de adaptação da população às necessidades e exigências sociais do uso da leitura e escrita, para funcionar em sociedade”.Por sua vez, o enfoque ideológico do letramento é definido como um conceito forte, sendo uma versão revolucionária, crítica, na medida em que colaboraria não para a adaptação do cidadão às exigências sociais, mas para o resgate da autoestima, para a construção de identidades fortes, para a potencialização de poderes (empoderamento, empowerment) dos agentes sociais, em sua cultura local, na cultura valorizada. (ROJO, 2009, p. 100). Com base nessa definição, entendemos que a escola precisa oportunizar aos estudantes, de uma forma geral, e aos alfabetizan- dos, de modo específico, poderem “participar de várias práticas so- ciais que se utilizam da leitura e da escrita (letramentos) na vida da cidade, de maneira ética, crítica e democrática” (ROJO, 2009, p. 107). Para tanto, é relevante que a escola considere três tipos de le- tramentos: multiletramentos ou letramentos múltiplos; letra- mentos multissemióticos; e letramentos críticos e protagonistas (ROJO, 2009). No Quadro 1, apresentamos o significado de cada um deles. Quadro 1 Tipos de letramento Multiletramentos ou letramentos múltiplos Deixa-se de ignorar ou apagar os letramentos das culturas locais de seus agentes (professores, alunos, comunidade es- colar) e coloca-os em contato com os letramentos valoriza- dos, universais e institucionais. (Continua) Ja ck F ro g/ Sh ut te rs to ck 24 Fundamentos de alfabetização e letramento Letramentos multissemióticos Exigidos pelos textos contemporâneos, amplia a noção de letramentos para o campo da imagem, da música, das outras semioses que não somente a escrita. O conhecimentos e as capacidades relativas a outros meios semióticos estão fican- do cada vez mais necessários no uso da linguagem, tendo em vista os avanços tecnológicos, como as cores, as imagens, os sons, o design etc., que estão disponíveis na tela do com- putador e em muitos materiais impressos que têm transfor- mado o letramento tradicional (da letra/livro) em um tipo de letramento insuficiente para dar conta dos letramentos ne- cessários para agir na vida contemporânea. Letramentos críticos e protago- nistas Trato ético dos discursos em uma sociedade saturada de tex- tos e que não pode lidar com eles de maneira instantânea [...] quem escreveu, com que propósito, onde foi publicado, quando, quem era o interlocutor projetado etc. Fonte: Elaborado pela autora com base em Rojo, 2009, p. 107-108. Para que a escola possa cumprir esses letramentos, faz-se necessá- rio ampliar a exploração dos gêneros discursivos/textuais, ou seja, dos textos. É importante considerar a leitura e a produção de textos em diversas linguagens e se- mioses (verbal oral e escrita, musical, imagética [imagens está- ticas e em movimento, nas fotos, no cinema, nos vídeos, na TV], corporal e do movimento [nas danças, performances, esportes, atividades de condicionamento físico], matemática, digital etc.), já que essas múltiplas linguagens e as capacidades de leitura e produção por elas exigidas são constitutivas dos textos contem- porâneos. (ROJO, 2009, p. 119) Não basta a exploração dos textos no processo de aprendizagem da leitura e da escrita, é preciso considerar os letramentos multisse- mióticos. Pode-se propor a leitura e/ou escrita de textos impressos, no entanto, não se pode perder de vista que há outras semioses impor- tantes: textos orais, como entrevistas, telefonemas e áudios; e a leitura crítica de imagens, fotografias etc. Essa é uma necessidade que impera na contemporaneidade no que se refere ao processo de alfabetização, na perspectiva do letramento. Nas palavras de Leite (2010, p. 29), o uso da escrita e da leitura em práticas sociais “implica o domínio de toda a tecnologia da escrita, o que supõe competência de leitura e escrita dos diversos gêneros tex- tuais em função dos diferentes objetivos e demandas sociais”. A escrita de um bilhete, o envio de uma mensagem por aplicativo, a leitura de um aviso, a leitura de compromissos na agenda, entre tantos Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica 25 exemplos que poderíamos citar, constituem práticas sociais que exi- gem as habilidades de ler e escrever e que fazem parte de inúmeras tarefas realizadas pelas pessoas em nossa sociedade. Vejamos um exemplo citado por Rojo (2009, p. 42) sobre os eventos de letramento de uma mulher brasileira. Ela começa por escrever um bilhete para sua diarista, que é al- fabetizada e cursou a 3ª série, pedindo que limpe o forno e use o dinheiro deixado em cima da pia para comprar sabão em pó para a lavagem da roupa (não teria tempo de fazê-lo antes do trabalho). Em seguida, consulta sua agenda telefônica para pegar o número da autorizada que fez o orçamento do conserto. Nessa descrição, podemos perceber os eventos de letramento vi- venciados já no início de uma manhã e o quanto ter autonomia na es- crita de um bilhete lhe favoreceu. Não temos a descrição do processo de escrita, mas podemos inferir que não bastou saber empregar as le- tras na escrita do bilhete, uma vez que para escrever, não basta codificar e observar as normas da escrita do português padrão do Brasil; é também preciso tex- tualizar; estabelecer relações e progressão de temas e ideias, providenciar coerência e coesão, articular o texto a partir de um ponto de vista levando em conta a situação e o leitor etc. (ROJO, 2009, p. 44) A leitura da agenda telefônica deu condições para que a brasileira realizasse as suas tarefas sem depender de outra pessoa. Provavel- mente, não bastou reconhecer letras e fonemas, precisou identificar o significado, reconhecer se o nome registrado correspondia à pessoa desejada, e assim por diante. Vemos, portanto, que para ler, não basta conhecer o alfabeto e decodificar letras em som da fala. É preciso também compreender o que se lê, isto é, acionar o conhecimento de mundo para relacioná-lo com os temas do texto, inclusive os conhecimentos de outros textos/ discursos (intertextualizar), prever, hipotetizar, inferir, comparar informações, generalizar. É preciso também interpretar, criticar, dialogar com o texto: contrapor a ele seu próprio ponto de vista, detectando o ponto de vista e a ideologia do autor, situando o texto em seu contexto. (ROJO, 2009, p. 44) Além de compreender o funcionamento do sistema de escrita, por- tanto, aprender a ler e escrever envolve compreender a função da lei- 26 Fundamentos de alfabetização e letramento Dan Kosmayer/Shutterstock tura e da escrita no dia a dia, utilizar a tecnologia em situações sociocomunicativas. Cotidianamente, quando escrevemos determinados textos, precisamos pensar a sua finalidade. Por exemplo, ao escrever um bilhete para alguém de sua casa, você não poderia escrever uma receita. A escrita de um bilhete tem uma finalidade, uma função e, consequentemente, exige que, ao escrevê-lo, você pense também no interlocutor, na pessoa que o receberá. Esse exemplo mostra que “quando domi- namos um gênero textual, não dominamos uma forma linguística, e sim uma forma de realizar linguisticamente objetivos es- pecíficos em situações sociais particulares” (MARCUSCHI, 2008, p. 154). Ainda nas palavras de Marcuschi (2008, p. 154), “é impossível não se comunicar verbalmente por algum texto. Isso porque toda a mani- festação verbal se dá sempre por meio de textos realizados em algum gênero. Em outros termos, a comunicação verbal só é possível por al- gum gênero”. Nesse sentido, ao falarmos em gêneros textuais, referimo-nos aos textos, sejam eles orais (entrevistas, conversas), sejam escritos (bilhe- tes, avisos, convites), utilizados em situações sociocomunicativas. Re- correndo a Marcuschi (2008, p. 155): os gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões sociocomunicativos ca- racterísticos definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas. Além depensarmos a definição do gênero textual como textos que são empregados com objetivos específicos, seguindo características específicas e estilo próprio, há a necessidade de diferenciar gênero de tipo textual. Quando falamos em tipologia textual nos referimos à categoriza- ção, que, nas palavras de Marcuschi (2008, p. 155), pode ser “narração, argumentação, exposição, descrição, injunção”. Por exemplo, uma car- ta pessoal pode contemplar a sequência tipológica descritiva, injuntiva, narrativa e até argumentativa. Isso quer dizer que um gênero textual pode se enquadrar em uma ou mais categorias, dependendo de sua finalidade sociocomunicativa, ou seja, “atos retóricos praticados nos gêneros” (MARCUSCHI, 2008, p. 156). Como podemos observar, há cinco categorias com relação aos tipos textuais. No entanto, não é possível delimitar a quantidade de gêneros textuais presentes em nossa sociedade. No que se refere à distinção entre gênero e tipo textual, podemos dizer que todos os textos se realizam em algum gênero e que todos os gêneros comportam uma ou mais sequências tipológicas e são produzidos em algum domínio discursivo que, por sua vez, se acha dentro de uma formação discursiva, sendo que os textos sempre se fixam em algum suporte pelo qual atingem a socieda- de. (MARCUSCHI, 2008, p. 176) Desse modo, um texto é sempre apresentado em um suporte, ou seja, “um lócus físico ou virtual com formato específico que serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado como texto” (MARCUSCHI, 2008, p. 174). Em outras palavras, o suporte é o lugar que possibilita a visualização do texto, e pode ser convencional ou incidental. Os suportes convencionais são locais criados para a exposição de determinados textos, como livro, livro didático, jornal, revista, re- vista científica, rádio, televisão, telefone, quadro de avisos, outdoor, encarte, folder, luminosos e faixas. Suportes incidentais são super- fícies inusitadas que são também destinadas à fixação do texto, por exemplo, embalagem, para-choques e para-lamas de caminhão, roupas, corpo humano, paredes, muros, paradas de ônibus, estações de metrô, calçadas, fachadas e janelas de ônibus. Até o tronco de uma árvore, onde é exposta uma declaração de amor, pode ser um supor- te incidental (MARCUSCHI, 2008). Além dos suportes, há os serviços em função de determinada atividade comuni- cativa, como descreve Marcuschi (2008). Esses podem ser: correios, e-mail, mala di- reta, internet, homepage, entre outros. Você deve estar se perguntando: como explorar os textos que circulam em nosso meio com os estudantes em processo de al- fabetização? Para responder a esse questio- namento, na próxima seção, discutiremos como possibilitar a alfabetização em uma Para aperfeiçoar a sua compreensão sobre o conceito de letramento e ampliar a discussão que realizamos até aqui, não deixe de assistir aos vídeos Alfabetização e letramento – parte 1 e Alfabetização e letramento – parte 2, publicados pelo canal Ceelufpe. Com eles, você poderá refletir sobre o conceito de letramento, a partir da exibição de práticas pedagógicas que defendem a exploração de gêneros textuais em sala de aula. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=Gb_ HDtzgmGo&feature=youtu.be. Acesso em: 18 out. 2021. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=M- VMUXdzbR8&feature=youtu.be. Acesso em: 18 out. 2021. Vídeo M Lo ne W ol fK /S hu tte rs to ck Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória históricaAlfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica 2727 https://www.youtube.com/watch?v=Gb_HDtzgmGo&feature=youtu.be https://www.youtube.com/watch?v=Gb_HDtzgmGo&feature=youtu.be https://www.youtube.com/watch?v=Gb_HDtzgmGo&feature=youtu.be https://www.youtube.com/watch?v=M-VMUXdzbR8&feature=youtu.be https://www.youtube.com/watch?v=M-VMUXdzbR8&feature=youtu.be https://www.youtube.com/watch?v=M-VMUXdzbR8&feature=youtu.be 28 Fundamentos de alfabetização e letramento perspectiva de letramento, de modo a possibilitar tanto a compreensão do sistema de escrita alfabética quanto a produção e a compreensão de textos, garantindo que as habilidades de ler e escrever sejam emprega- das em situações reais do cotidiano. 1.3 A alfabetização na perspectiva do letramento: os gêneros textuais em sala de aula Vídeo Como estudamos, ao considerar a alfabetização pela perspectiva de letramento precisamos reconhecer a necessidade de que os gêneros textuais sejam objeto de reflexão. Compreender o funcionamento da escrita é de extrema relevância, porém apenas essa compreensão não basta para as necessidades de uma sociedade letrada. É preciso saber como utilizar essa tecnologia, como empregá-la na produção e com- preensão de textos verbais e não verbais, necessários em diferentes situações sociocomunicativas do nosso cotidiano. Diante disso, você pode questionar: como podemos oportunizar aos alfabetizandos a compreensão do funcionamento do sistema de escrita, bem como o uso das habilidades de ler e escrever em situações reais? Para responder a esse questionamento, vamos trazer para discussão a proposta metodológica de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), que de- fendem a sequência didática (SD) no ensino dos gêneros textuais. A sequência didática é uma metodologia que consiste em um “conjunto de atividades escolares organizadas de maneira sistemáti- ca em torno de um gênero textual oral ou escrito” (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 82). Essa metodologia visa ao ensino de determi- nado gênero textual que ocorre em diferentes etapas, como podemos observar na figura a seguir. Figura 3 Esquema da sequência didática Apresentação da situação Produção inicial Módulo 1 Módulo 2 Módulo n Produção final Fonte: Adaptada de Dolz; Noverraz; Schneuwly, 2004, p. 83. Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica 29 A primeira etapa dessa metodologia é a apresentação de uma si- tuação comunicativa, ou seja, os estudantes precisam de uma situação que exige a escrita real ou simulada para que possam fazer uma pri- meira versão do gênero que será explorado. A elaboração da produção inicial permite ao professor verificar co- nhecimentos que os estudantes têm, saberes que precisam ser amplia- dos e/ou reelaborados. É o momento para a avaliação diagnóstica, na qual o professor identifica os saberes e as necessidades de aprendiza- gens dos estudantes. Na sequência, temos as etapas para o ensino do gênero textual. Nessas etapas, os estudantes realizam atividades pedagógicas, nas quais refletirão sobre o gênero textual, sua funcionalidade, meio de cir- culação, destinatário e estrutura textual. Entre as atividades propostas, deve-se considerar a análise linguística de modo a propiciar a reflexão sobre o sistema de escrita alfabético-ortográfico. Após as diferentes etapas, cuja quantidade é definida pelo professor, o estudante fará uma produção final do mesmo gênero textual explo- rado ao longo dessa trajetória. Essa produção dará condições ao pro- fessor de avaliar as aprendizagens em relação à sequência didática implementada. Nesse contexto, o objetivo para o uso dessa metodologia é “ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de texto, permitindo-lhe, assim, escrever ou falar de uma maneira mais adequada numa dada situação de comunicação” (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 83, grifo do original). Desse modo, a definição dos gêneros textuais a serem objetos de reflexão, tanto no que se refere à leitura quanto à produção, deve le- var em consideração que “as sequências didáticas servem [...] para dar acesso aos alunos a práticas de linguagem novas ou dificilmente domináveis” (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 83). Precisa- mos propor a exploração de gêneros textuais que sejam desafiadores, que impulsionem a aprendizagem dos estudantes, de acordo com as necessidades que apresentam quanto à linguagem. Para delimitar quais gêneros textuais seriam necessários no processo de alfabetização,a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento orientador do sistema educacional brasileiro (BRASIL, 2017), traz algumas recomendações. 30 Fundamentos de alfabetização e letramento Primeiro, recomenda-se que seja adotada a perspectiva enunciati- va-discursiva de linguagem, ou seja, tal proposta assume a centralidade do texto como unidade de trabalho e as perspectivas enunciativo-discursivas na aborda- gem, de forma a sempre relacionar os textos a seus contextos de produção e o desenvolvimento de habilidades ao uso significati- vo da linguagem em atividades de leitura, escuta e produção de textos em várias mídias e semioses. (BRASIL, 2017, p. 67) Além da defesa de uma perspectiva que considera o texto como central no que se refere ao desenvolvimento das habilidades de ler e escrever, a proposta também orienta para a necessidade de considerar os multiletramentos dos estudantes. A respeito das práticas de linguagem, a BNCC traz os quatro eixos que precisam ser contemplados, a saber: oralidade, leitu- ra/escuta, produção (escrita e multissemiótica) e análise linguís- tica/semiótica (que envolve conhecimentos linguísticos – sobre o sistema de escrita, o sistema da língua e a norma-padrão –, textuais, discursivos e sobre os modos de organização e os ele- mentos de outras semioses). (BRASIL, 2017, p. 71) Ainda, faz-se necessário que os quatro campos de atuação sejam considerados nas práticas de linguagem e, consequentemente, que os gêneros textuais específicos de cada campo sejam objetos de ensino. O quadro a seguir explicita, com base na BNCC (BRASIL, 2017), os cam- pos de atuação e os gêneros específicos de cada campo, considerando os 1º e 2º anos do Ensino Fundamental, definidos como etapas de escolari- dade em que a alfabetização dos estudantes brasileiros deve se efetivar. Quadro 2 Campos de atuação CAMPO DA VIDA COTIDIANA CAMPO ARTÍSTICO-LITERÁRIO CAMPO DAS PRÁTICAS DE ESTUDO E PESQUISA CAMPO DE ATUAÇÃO NA VIDA PÚBLICA Agendas; listas; bilhe- tes; recados; avisos; convites; cartas; cardá- pios; diários; receitas; regras de jogos e brincadeiras. Lendas; mitos, fábulas; contos; crônicas; canção; poemas; poemas visuais; cordéis; quadrinhos; tirinhas e charges. Enunciados de tarefas escolares; relatos de experimentos; quadros; gráficos; tabelas; infográficos; diagramas; entrevistas; notas de divulgação científica e verbetes de enciclopédia. Notas; álbuns noticiosos; notícias; reportagens; cartas do leitor (revista infantil); comentários em sites para criança; textos de campanhas de conscientização; Estatuto da Criança e do Adolescente; abaixo-assinados; cartas de reclamação, regras e regulamentos. Fonte: Adaptado de Brasil, 2017. Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica 31 Para exemplificar a exploração de gêneros textuais como encami- nhamento favorável ao processo de alfabetização, podemos citar o es- tudo desenvolvido por Vieira e Aparício (2020) com estudantes de 1º ano do Ensino Fundamental a partir de uma sequência didática que focou o gênero carta ao autor. Como relatado pelos pesquisadores, a sequência didática iniciou com o interesse dos estudantes em escrever para o autor de um livro li- terário que fora explorado em sala de aula. Nesse sentido, a sequência didática iniciou com uma situação comunicativa, escrever para alguém, com a intenção do grupo de crianças de se comunicar com o escritor da obra Tutuli em: que barulho é esse, papai?, de autoria de Marcelo Loro. Realizou-se, então, uma roda de conversa em que foram levantados alguns conhecimentos prévios sobre o gênero carta, com as seguintes perguntas: Como vocês pen- sam que é uma carta? Como será que tenho que escrever para o autor? O que eu preciso escrever na minha carta? E as seguin- tes orientações: vocês vão pensar e escrever do melhor jeito como acham que é a escrita de uma carta; é muito importan- te que vocês escrevam e leiam o que estão escrevendo. (VIEIRA; APARÍCIO, 2020, p. 9) Nessa perspectiva, os estudantes são impulsionados à reflexão sobre a funcionalidade do gênero, estrutura do texto, intenção comu- nicativa etc. Também são encorajados a tentar escrever – exercício im- portante nessa fase do processo de alfabetização. Essa produção inicial possibilitou verificar “que alguns alunos co- nheciam superficialmente este gênero, outros não, mas todos foram capazes de escrever mesmo sem apresentar todas as características do gênero carta” (VIEIRA; APARÍCIO, 2020, p. 9). Os módulos para a exploração do gênero textual foram implementa- dos, contando com a realização de leituras, produções coletivas, reflexão sobre a estrutura de carta, comparação com o gênero bilhete, exploração do sistema de escrita alfabético-ortográfico, entre outras ações. Ao fim da sequência didática implementada por Vieira e Aparício (2020), os estudantes reescreveram a carta ao autor da obra literária. Além disso, escreveram uma carta ao Papai Noel, contemplando in- tervenções e revisões do texto, possibilitando ao professor avaliar as aprendizagens e as necessidades de aprendizagens dos estudantes após a implementação da sequência didática. Para saber mais sobre o estudo em que o gênero textual carta foi explora- do, a fim de oportunizar a alfabetização em uma perspectiva de letramen- to, sugerimos a leitura do artigo completo Sequência didática de gênero textual: uma ferramenta de ensino da escrita no processo de alfabetização, das autoras Fabiana Silva Soares Vieira e Ana Silvia Moço Aparício. Disponível em: http://www2.ifrn. edu.br/ojs/index.php/HOLOS/ article/view/6664. Acesso em: 18 out. 2021. Saiba mais Outro gênero textual que pode ser explorado junto aos estudantes em processo de alfabetização, considerando a pers- pectiva de letramento, é história em quadrinhos (HQ). Acesse o link a se- guir e conheça a proposta desenvolvida em uma escola pública brasileira que explorou a produção da HQ em ambiente infor- matizado, com o uso de um software educativo. Disponível em: http://books. scielo.org/id/3vrq5/pdf/ rodrigues-9788538604723-04.pdf. Acesso em: 23 set. 2021. Leitura http://www2.ifrn.edu.br/ojs/index.php/HOLOS/article/view/6664 http://www2.ifrn.edu.br/ojs/index.php/HOLOS/article/view/6664 http://www2.ifrn.edu.br/ojs/index.php/HOLOS/article/view/6664 http://books.scielo.org/id/3vrq5/pdf/rodrigues-9788538604723-04.pdf http://books.scielo.org/id/3vrq5/pdf/rodrigues-9788538604723-04.pdf http://books.scielo.org/id/3vrq5/pdf/rodrigues-9788538604723-04.pdf 32 Fundamentos de alfabetização e letramento Na figura a seguir, podemos analisar a primeira e a última produção da carta por um dos participantes do estudo. Figura 4 Produção do gênero textual carta Produção inicial Produção final OLA MARCELO LORO EU ADOREI O SEU LIVRO. E QUANDO VOCÊ VAI LANSAR OS OUTROS LIVROS? VEM AQUI NA ESCOLA 16/09/2017 (NOME DO ALUNO) SÃO CAETANO DO SUL, 28 DE NOVEMBRO DE 2017. QUERIDO MARCELO LORO, EU SOU UM ALUNO DO 1ºC DA ESCOLA E.M.E.F (NOME DA ESCOLA) E POR FAVOR FAÇA UM LIVRO DE AÇÃO AVENTURA TERROR ANIVERSSÁRIO E MUITO MAIS PORQUE EU TE ADORO MUITO EU VOU TE AJUDAR VOCÊ SOU SEU Fà NÚMERO 10 EU GOSTO DE VOCÊ ATÉ MAIS (NOME DO ALUNO) Fonte: Adaptada de Vieira; Aparício, 2020, p. 11. A respeito das aprendizagens do estudante, diante da implementação da sequência didática, nas palavras de Vieira e Aparício (2020, p. 14), o trabalho desenvolvido nos módulos da SD, elaborados em fun- ção da avaliação diagnóstica da primeira produção, contribuiu para uma melhor aprendizagem dos alunos. Tais resultados si- nalizam que o trabalho com a SD no contexto da alfabetização contribui efetivamente no desenvolvimento das capacidades de linguagem do aprendiz, na medida em que lhe dá condições de sentir-se mais confiante ao produzir seus textos e, assim, ocupar um lugar de autor em condições de produção significativas. Portanto, considera-se pertinente o trabalho que possibilita aos es- tudantes desenvolveremas habilidades de ler e escrever textos que tenham funcionalidade para eles, que sejam escritos tendo objetivos bem delimitados, com destinatário explícito. Desse modo, acredita-se que a alfabetização pode ocorrer em uma perspectiva que considera a necessidade de ler e escrever em situa- ções reais ou que as representem, em situações simuladas. Conheça os materiais teórico-metodológicos elaborados pelos pesqui- sadores dos centros de pesquisa referências na área da alfabetização das universidades federais de Pernambuco (CEEL/UFPE) e Minas Gerais (CEALE/ UFMG) e da Associação Brasileira de Alfabetização (ABALF), que poderão subsidiar a prática alfabe- tizadora em sala de aula de modo a propiciar a aprendizagem da leitura e da escrita de modo signifi- cativo aos estudantes. Disponível em: http://www. portalceel.com.br/principal/. Acesso em: 18 out. 2021. Disponível em: http://www.ceale. fae.ufmg.br/. Acesso em: 18 out. 2021. Disponível em: https://www.abalf. org.br/. Acesso em: 18 out. 2021. Site http://www.portalceel.com.br/principal/ http://www.portalceel.com.br/principal/ http://www.ceale.fae.ufmg.br/ http://www.ceale.fae.ufmg.br/ https://www.abalf.org.br/ https://www.abalf.org.br/ Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica 33 Nessa perspectiva, ler e escrever se tornam habilidades linguísticas empregadas no contexto social, em que não basta conhecer o funciona- mento da escrita, mas saber empregá-la em situações sociocomunica- tivas que beneficiam a atuação do usuário da língua em seu cotidiano. CONSIDERAÇÕES FINAIS Na primeira parte deste capítulo, discutimos o conceito de alfabeti- zação com base em uma perspectiva histórica e um aporte teórico. Com isso, foi possível averiguarmos que a alfabetização refere-se à compreen- são do funcionamento do sistema de escrita como uma representação da língua falada. Em seguida, tratamos de letramento, que amplia o conceito de al- fabetização, contemplando o uso da leitura e da escrita em situações sociocomunicativas. Ainda, recuperamos a definição de gêneros textuais, tipologia, suporte, entre outros aspectos fundamentais quando se trata da perspectiva em que o texto toma a centralidade em práticas de linguagem. Nesse sentido, recorremos a um exemplo de sequência didática im- plementada no processo de alfabetização de participantes de um estudo brasileiro, o qual defendeu o ensino do gênero de modo a beneficiar a aprendizagem da escrita, sem desconsiderar a importância da compreen- são textual. O processo de alfabetização deve considerar o uso que se faz da leitura e da escrita no cotidiano, seja por meio de textos verbais, seja por meio de textos não verbais. Entretanto, não se trata de descartar as práticas pedagó- gicas que buscam oportunizar a reflexão sobre o funcionamento do sistema de escrita alfabética, a aprendizagem da tecnologia. Aprender como funcio- na o nosso sistema de escrita é fundamental no processo de alfabetização. No entanto, somente compreender o funcionamento do sistema de escrita é insuficiente para o processo de alfabetização. Além da faceta linguística, é importante explorar as facetas interativa e sociocultural. Re- fletir sobre o sistema de escrita alfabética a partir de situações em que os textos que circulam em nosso cotidiano sejam explorados propicia aos aprendizes da língua portuguesa compreenderem a tecnologia e empre- gar as habilidades de ler e escrever em situações reais. 34 Fundamentos de alfabetização e letramento ATIVIDADES Atividade 1 Com base na leitura deste capítulo, apresente uma definição para alfabetização. Atividade 2 Durante um dia, anote todos os eventos de letramento dos quais você participa, isto é, todas as atividades desempenhadas que, de alguma maneira, envolvam a leitura ou a produção de textos. Para isso, use o quadro a seguir. Veja o exemplo: Evento de letramento Campo de atuação do gênero textual Finalidade Uso de leitura e/ou escrita Ler recado escrito na agenda escolar do filho. Campo da vida cotidiana Receber informações da escola onde o filho estuda. Leitura Fonte: Adaptado de Rojo, 2007, p. 53. Atividade 3 Escolha um livro didático de 1º ou 2º ano do Ensino Fundamental. Analise a obra selecionada com base nas seguintes questões: a) Possibilita a exploração da função social da escrita e da leitura? b) Oportuniza a leitura de diversos gêneros textuais? c) Oportuniza a produção de diversos gêneros textuais? d) Há propostas que contribuem para o multiletramento dos estudantes? e) Considera os letramentos multissemióticos? f) Contempla atividades que promovem letramentos críticos e protagonistas? g) Oportuniza aos estudantes efetuarem escritas espontâneas? h) Há propostas que promovem a interação entre os pares? i) O material possibilita aos estudantes compreenderem o funcio- namento do sistema de escrita alfabética? Quais as propriedades do SEA que podem ser exploradas com o material? j) O material favorece a alfabetização na perspectiva do letramento ou vai ao encontro dos métodos tradicionais de alfabetização, aproximando-se mais da proposta de uma cartilha, por exemplo? Título do livro didático: ___________________________________________________ Autor(es): ___________________________________________________ Editora: _________________ Ano de publicação: _____________ Ano/Série: _______________ PNLD: _______________________________ Alfabetização e letramento: conceitos e trajetória histórica 35 REFERÊNCIAS BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_ versaofinal_site.pdf. Acesso em: 15 out. 2021. CAGLIARI, L. C. Alfabetizando sem o bá-bé-bi-bó-bu. São Paulo: Scipione, 2009. CARVALHO, M. Alfabetizar e letrar. Petrópolis: Vozes, 2005. CASTRO, D. A. S.; GATTO, R. K. S.; BARRERA, S. D. Letramento emergente, educação infantil e aprendizagem inicial da leitura e da escrita. In: SANTOS, M. J.; BARRERA, S. D. (org.). Aprender a ler e escrever. São Paulo: Vetor, 2019. DOLZ, J.; NOVERRAZ, M.; SCHNEUWLY, B. 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(org.) Aprender a ler e escrever. São Paulo: Vetor, 2019. SARGIANI, R. de A.; ALBUQURQUE, A. Análise das estratégias de escrita de crianças pré- escolares em português do Brasil. Psicologia Escolar e Educacional, São Paulo, v. 20, n. 3, p. 591-600, set./dez. 2016. SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998. SOARES, M. Alfabetização: a questão dos métodos. São Paulo: Contexto, 2016. SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2017. VIEIRA, F. S. S.; APARÍCIO, A. S. M. Sequência Didática de gênero textual: uma ferramenta de ensino da escrita no processo de alfabetização. Revista Holos, v. 1, p. 1-15, 2020. Disponível em: http://www2.ifrn.edu.br/ojs/index.php/HOLOS/article/view/6664. Acesso em: 15 out. 2021. http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdfhttp://www2.ifrn.edu.br/ojs/index.php/HOLOS/article/view/6664 36 Fundamentos de alfabetização e letramento 2 Políticas Nacionais de Alfabetização É comum aos brasileiros o conhecimento de que nosso país não possui índices satisfatórios quando o assunto é a alfabetização, tema que confi- gura ainda um grande desafio para os estudantes, professores e pesqui- sadores, bem como para os promotores de políticas públicas. Neste capítulo iremos discutir acerca das principais ações efetuadas em prol de melhorias na alfabetização no cenário nacional. Abordaremos as Políticas Nacionais de Alfabetização, implementadas a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB n. 9.394/1996). Num primeiro momento nos debruçaremos sobre os impactos da pro- mulgação da LDB n. 9394/1996, especificamente em relação à alfabetiza- ção, considerando as transformações decorrentes da legislação nas duas etapas de escolaridade: Educação Infantil e Ensino Fundamental. Na sequência, o foco da discussão será o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), a fim de que seja possível compreen- der a proposta da formação ofertada, seu objetivo e o modo como se efetivou a implementação junto aos municípios brasileiros, bem como os resultados dessa política perante a alfabetização. Dando continuidade, trataremos da avaliação em larga escala, mate- rializada no contexto nacional por meio da Provinha Brasil e da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), ambas instituídas nos últimos anos no sistema educacional brasileiro para avaliar as habilidades de ler e escrever dos estudantes nos primeiros anos do Ensino Fundamental. Em seguida, abordaremos outra política instituída considerando a ne- cessidade de qualificar a alfabetização, a Política Nacional de Alfabetização (PNA), de modo que seja possível compreender o embasamento teórico adotado e os objetivos delimitados, assim como os procedimentos meto- dológicos para a sua implementação no contexto nacional. Por fim, o foco de discussão será a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O estudo desse documento orientador das ações educativas, ou seja, dos currículos escolares, será importante por possibilitar a compreensão do que é esperado, em relação à alfabetização, tanto na Educação Infantil quanto no Ensino Fundamental. Políticas Nacionais de Alfabetização 37 Analisar as políticas nacionais de alfabetização, implementadas a partir da LDB n. 9.394/1996, no que se refere à Educação Infantil e ao Ensino Fundamental. Objetivo de aprendizagem 2.1 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9394/1996 e a alfabetização Vídeo Nesta seção nos debruçaremos sobre as principais determinações promulgadas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394/1996 no que se refere à alfabetização. Como consta em sua identificação, a lei que estabelece as diretrizes para a educação no contexto nacional foi promulgada no ano de 1996. As prescrições para o sistema educacional brasileiro estão contempla- das nos 92 artigos, considerando os procedimentos a serem adotados nas diferentes etapas (Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Ensino Superior) e modalidades da educação (Ensino Regular, Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos, Educação Profissio- nalizante, Educação a Distância). Embora tenha sido promulgada em 1996, a LDB sofreu modifica- ções para atender a medidas do governo brasileiro em prol da educa- ção. Dentre essas modificações, podemos citar a ampliação do Ensino Fundamental de oito para nove anos. Vale ressaltar que essa ampliação do ensino não é uma novidade no sistema educacional brasileiro e ocorreu em diferentes momentos his- tóricos. Em 1971, por exemplo, o ensino obrigatório passou de quatro, de 1ª a 4ª série, para oito anos, de 1ª a 8ª série (SILVA, 2010). Em 2001, a ampliação de oito para nove anos voltou à discussão, pois “a partir da LBD 9394/96, retomam-se as discussões a respeito de uma nova alteração no tempo escolar, com o Programa de Ampliação do Ensino Fundamental, contemplado no PNE – Plano Nacional de Edu- cação” (SILVA, 2010, p. 26). Portanto, era necessário ampliar o ensino obrigatório no país por essa ampliação ser uma das metas previstas no PNE, aprovado por meio da Lei n. 10.172, de 9 de janeiro de 2001. 38 Fundamentos de alfabetização e letramento Embora a discussão tivesse sido retomada em 2001, foi no ano de 2006 que a ampliação do Ensino Fundamental de oito para nove anos se efetivou no sistema educacional brasileiro. Assim, crianças que fre- quentavam a última etapa da Educação Infantil passaram a integrar o primeiro ano do Ensino Fundamental, com o respaldo da Lei n. 11.274/2006, que alterou o artigo 32 da LDB n. 9.394/1996, que deter- minava a duração de oito anos para essa etapa do ensino. As escolas brasileiras efetuaram essa implementação do ensino am- pliado entre os anos de 2007 e 2009, com o ano de 2010 sendo o prazo máximo para que as instituições públicas e privadas se adequassem à nova organização. Para orientar as escolas diante dessa modificação no sistema edu- cacional, o governo federal disponibilizou documentos, como a Reso- lução do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica (CNE/CEB) n. 3, de 3 de agosto de 2005. Além disso, foram publicados documentos orientadores, tais como: BRASIL. Ensino Fundamental de nove anos: orientações gerais. Brasília, DF: MEC/SEB, 2004. BRASIL. Ensino fundamental de nove anos: passo a passo do processo de implantação. 2. ed. Brasília, DF: MEC/SEB, 2009. BRASIL. A criança de 6 anos, a linguagem escrita e o Ensino Fundamental de nove anos. Brasília, DF: MEC/SEB, 2009. Políticas Nacionais de Alfabetização 39 A intenção com a partilha dos documentos era capacitar as escolas para o atendimento qualitativo das crianças que adentrariam o Ensi- no Fundamental e possibilitar subsídios teóricos e metodológicos para que a ação docente pudesse contribuir de modo que os objetivos deli- mitados quanto à ampliação do ensino fossem atingidos, a saber: Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante: (Redação dada pela Lei nº 11.274, de 2006) I – o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II – a compreensão do ambiente natural e social, do sistema polí- tico, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamen- ta a sociedade; III – o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a forma- ção de atitudes e valores; IV – o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solida- riedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social. (BRASIL, 1996) Diante do exposto, é possível reconhecer a formação básica do cida- dão como o objetivo delimitado para o Ensino Fundamental, prescrito na legislação. No rol de capacidades a serem desenvolvidas para essa formação está a capacidade de ler e escrever. Vemos, portanto, que a ampliação do ensino tinha como objetivo desenvolver nos estudantes o domínio da leitura e da escrita, entre ou- tros aspectos delimitados. Diante da necessidade de alfabetizar os estudantes no início do En- sino Fundamental, o Parecer CNE/CEB n. 4, de 20 de fevereiro de 2008, definiu que a alfabetização deveria se dar nos três primeiros anos e de- terminou a reorganização da Educação Infantil, especificamente em re- lação à última etapa, a pré-escola (crianças de 4 a 5 anos) (BRASIL, 2008). Além desse documento, a Resolução CNE/CEB n. 7, de 14 de dezembro de 2010, também enfatizou a alfabetização nos três primeiros anos, de- nominando esse período de ciclo de alfabetização (BRASIL, 2010). O documento também definiu a entrada dos estudantes, conside- rando o ingresso com 6 anos no Ensino Fundamental para aqueles que completassem essa
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