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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO SISTEMAS ESTRUTURAIS E SUAS TECNOLOGIAS CONSTRUTIVAS: CONHECIMENTO E ENSINO APLICADOS EM FACULDADES DE ARQUITETURA SÃO PAULO 2021 LUIZ EDUARDO GUIMARÃES DIAS SISTEMAS ESTRUTURAIS E SUAS TECNOLOGIAS CONSTRUTIVAS: CONHECIMENTO E ENSINO APLICADOS EM FACULDADES DE ARQUITETURA Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como parte dos pré-requisitos exigidos para obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Orientador: Prof. Dr. Valter Caldana Tutor: Arq. Me. Haniel Israel SÃO PAULO 2021 Elaborado pelo Sistema de Geração Automática de Ficha Catalográfica da Mackenzie com os dados fornecidos pelo(a) autor(a) D541s Dias, Luiz Eduardo Guimaraes SISTEMAS ESTRUTURAIS E SUAS TECNOLOGIAS CONSTRUTIVAS: conhecimento [recurso eletrônico] / Luiz Eduardo Guimaraes - Dias. 8 KB ; il. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2022. Orientador(a): Prof(a). Dr(a). Valter Caldana Referências Bibliográficas: f. 158 -165 1. Arquitetura. 2. Ensino. 3. Método. 4. Sistemas Estruturais. 5. Tecnologias Construtivas. I. Caldana, Valter, orientador(a).II. Título. Bibliotecário Responsável: Paola Alessandra r. D?amato - CRB 8/6271 - LUIZ EDUARDO GUIMARÃES DIAS SISTEMAS ESTRUTURAIS E SUAS TECNOLOGIAS CONSTRUTIVAS: CONHECIMENTO E ENSINO APLICADOS EM FACULDADES DE ARQUITETURA Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como parte dos pré-requisitos para obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Aprovada em: _07 /12_/ 2021____ BANCA EXAMINADORA _________________________________________________________________ Prof. Dr. Valter Caldana Universidade Presbiteriana Mackenzie _________________________________________________________________ Prof. Dr. Bruno Ribeiro Universidade Presbiteriana Mackenzie _________________________________________________________________ Dr. Francisco Lucio Mario Petracco Universidade de São Paulo AGRADECIMENTOS Quero agradecer primeiramente à minha família, pelo apoio, paciência e estímulo, inclusive durante os anos em que atuo como docente. O período de trabalho para a elaboração desta dissertação, todos enfrentamos o desafio de viver na pandemia, isolados durante mais de um ano e se adaptando às novas formas possíveis de comunicação. Assim, é necessário agradecer duplamente ao corpo docente das aulas que tivemos, pois todos nos adaptamos rapidamente, neste período, para desempenhar nossas funções. Assim sendo agradeço ao meu orientador Professor Dr. Valter Caldana, a todos os professores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie, que me receberam como engenheiro civil, professor de estruturas, me acompanham no ensino das disciplinas no curso de Arquitetura e trocam conhecimentos entre as áreas de conhecimento que em paralelo se completam. Agradeço também aos meus colegas M.Sc Ricardo Martos, M.Sc Eduardo Martins, Dra. Eleana Patta Flain, Dr. Júlio Cezar Bernardes, M.Sc Haniel Israel, e outros, pelo estímulo constante e apoio inexorável ao longo dos anos. RESUMO O objetivo deste trabalho é estudar a relação dialógica entre o ensino de engenharia de estruturas e o ensino de arquitetura. Visa, portanto, conhecer os componentes identitários da construção civil na formação de estudantes de arquitetura, assim como também compreender as inovações curriculares que promovam práticas experimentais a partir de seus efetivos resultados. Para além da revisão bibliográfica necessária ao conhecimento do estado da arte do tema proposto, fez-se necessário enfatizar ao longo deste trabalho as abordagens vinculadas sobre os sistemas estruturais e suas tecnologias construtivas que, através de análises críticas elaboradas no amplo panorama histórico dessa disciplina, ponderou-se experiências que explicitassem o papel inovador das tecnologias construtivas em prol do avanço científico bem como de seus benefícios para a construção de sociedades, ora representados em edifícios icônicos. Em continuidade, após investigar sobre o “o que”, a presente pesquisa enveredou-se para tratar sobre o “quem”, ou em outras palavras, sobre os agentes que contribuíram para a ampliação e sofisticação do campo de conhecimento dos sistemas estruturais, seja por meio de casos experimentais físicos, seja por meio de postulados teóricos. Grandes pensadores e profissionais da construção civil, tais como Fritz Lenhardt, Pier Luigi Nervi e Buckminster Fuller, foram nomes selecionados nesses âmbitos, considerando os respectivos legados que preparou caminhos diretos ou indiretos para que a configuração de sistemas estruturais perpassasse por reinvenções. Aproximando-se do contexto brasileiro, a pesquisa também se inclina aos nomes ligados diretamente à docência no tema tratado: os professores Aluízio Fontana Margarido, Yopanan Rebello e Augusto Carlos de Vasconcellos. A partir dessas figuras, buscou-se então compreender as repercussões no âmbito da produção arquitetônica paulistana. Por fim, dando a sequência sobre “o que” e “quem”, a investigação seguiu para explorar sobre o “onde”, isto é, as localidades que protagonizam a experiência do ensino de sistemas estruturais em faculdades de arquitetura. Assim sendo, elegeu-se como procedimento de um único estudo de caso – o ensino de sistema estruturais e suas práticas metodológicas, a partir da apreciação deste objeto em dez escolas no Brasil, na Alemanha, na Itália e em Portugal. Palavras-chave: Arquitetura; Ensino; Método; Sistemas estruturais; Tecnologias construtivas; ABSTRACT The objective of this work is to study the dialogical relationship between the teaching of structural engineering and the teaching of architecture. It aims, therefore, to know the identity components of civil construction in the education of architecture students, as well as to understand the curricular innovations that promote experimental practices based on their effective results. In addition to the bibliographical review necessary for the knowledge of the state of the art of the proposed theme, it was necessary to emphasize throughout this work the linked approaches on structural systems and their constructive technologies that, through critical analyzes elaborated in the broad historical panorama of this discipline, experiments were considered that would explain the innovative role of construction technologies in favor of scientific advancement, as well as their benefits for the construction of societies, now represented in iconic buildings. Continuing, after investigating the "what", this research turned to the "who", or in other words, the agents who contributed to the expansion and sophistication of the field of knowledge of structural systems, either through physical experimental cases or through theoretical postulates. Great thinkers and construction professionals, such as Fritz Lenhardt, Pier Luigi Nervi and Buckminster Fuller, were selected names in these areas, considering the respective legacies that prepared direct or indirect paths for the configuration of structural systems to pass through reinventions. Approaching the Brazilian context, the research also leans towards names directly linked to teaching in the subject under study:professors Aluízio Fontana Margarido, Yopanan Rebello and Augusto Carlos de Vasconcellos. From these figures, we sought to understand the repercussions in the context of architectural production in São Paulo. Finally, continuing on “what” and “who”, the investigation went on to explore the “where”, that is, the locations that lead the experience of teaching structural systems in architecture schools. Therefore, it was chosen as the procedure of a single case study – the teaching of structural systems and their methodological practices, based on the appreciation of this object in ten schools in Brazil, Germany, Italy and Portugal. Keywords: Architecture; Teaching; Method; Structural systems; Construction technologies; LISTA DE ILUSTRAÇÕES Fig. 01 – Representação gráfica de um Zigurate Fig. 02 – Representação gráfica de um templo grego Fig. 03 – Vista interior da Catedral de São Marcos, Veneza Fig. 04 – Reprodução gráfica da Catedral de Durham Fig. 05 – Elevação com vistas das arcadas da Catedral de Durham Fig. 06 – Vista externa da Catedral de Notre-Dame, Paris Fig. 07 – Vista externa da Catedral de Notre-Dame, Paris: arcobotantes e vitrais Fig. 08 – Vista interna da nave lateral direita da Duomo, Milão Fig. 09 – Estudo 3D do processo construtivo da cúpula em Firenze Fig. 10 – Interior do Palácio de Cristal em Londres para a Exposição Universal de 1851 Fig. 11 – Vista da cobertura do Grand Palais, em Paris, a partir do Sena Fig. 12 – Vista da nave central do Palais des Machines de Paris, 1889 Fig. 13 – Recorte fotográfico do detalhe dos pórticos - Palais des Machines de Paris Fig. 14 – Instalação das peças metálicas na cobertura da Galleria Vittorio Emanuelle II Fig. 15 – Edifício Chrysler, o mais alto à época no centro da imagem Fig. 16 – Evolução da construção do Empire State Building Fig. 17 – Diagrama da organização dos espaços e da estrutura em planta... Fig. 18 – Vista do Terraço-Jardim da Vila Savoye Fig. 19 – Palácio Gustavo Capanema, antigo Ministério da Educaçãoe Saúde... Fig. 20 – Palácio Gustavo Capanema Fig. 21 – Fotografia de Fritz Leonhardt Fig. 22 – Momento da discussão sobre o modelo do Estádio Olimpico de Munique ... Fig. 23 – Desenho de implantação do Parque Olímpico de Munique... Fig. 24 – Possibilidades de articulação de membranas de cobertura... Fig. 25 – Fotografia de Pier Luigi Nervi Fig. 26 – Palazzo dell Esposizioni Internacionale del Lavoro (1961), Pier Luigi Nervi Fig. 27 – Palazzetto dello Sport, Pier Luigi Nervi Fig. 28 – Proposta para o Hanger em Orvieto (1935), Pier Luigi Nervi Fig. 29 – Buckminster Fuller manuseando um de seus experimentos estruturais Fig. 30 – Desenhos de Fuller com estudos para estruturas geodésicas Fig. 31 – Pavilhão da Exposição Universal de 1967, a “Biosfera de Montreal” Fig. 32 – Dymaxion House, projeto arquitetônico de Buckminster Fuller Fig. 33 – Buckminster Fuller segurando um modelo de estrutura de tensegridade Fig. 34 – Detalhe dos pilares externos do edifício da FAU-USP Fig. 35 – Corte Transversal do edifício da FAU-USP Fig. 36 – Vista parcial lateral da Garagem de Barcos do Clube Santapaula Fig. 37 – Vista da fachada da Garagem de Barcos: face voltada para Guarapiranga Fig. 38 – Vista panorâmica interna da Rodoviária de Jaú Fig. 39 – Rodoviária de Jaú em construção: detalhe dos pilares e abertura zenital Fig. 40 – Vista da fachada principal da Escola Rural Alberto Torres Fig. 41 – Desenho do projeto original da Escola Rural Alberto Torres Fig. 42 – Vista da estrutura do Clube XV de Santos Fig. 43 – Desenho em vista do projeto arquitetônico do Clube XV de Santos Fig. 44 – Croquis do Hospital Regional de Taguatinga: detalhamento de peças pré-moldadas Fig. 45 – Croquis de implantação e partido arquitetônico do Hospital Regional de Taguatinga Fig. 46 – Construção do canal para o Vale do Rio Camurujipe em Salvador Fig. 47 – Casa Comunitária e Casa da Criança implantada no Rio de Janeiro Fig. 48 – Detalhes construtivos do CAIC de Campina Grande Fig. 49 – Foto aérea do CIAC Nações Unidas, Rio de Janeiro Fig. 50 – Estudo esquemático tridimensional da estrutura – Residência Hélio Olga Fig. 51 – Processo de constituição de elementos estruturais in-loco – Residência Hélio Olga Fig. 52 – Croqui da Residência Baeta Fig. 53 – Detalhe da “árvore estrutural”, modulações triangulares e ponto de apoio Fig. 54 – Exposição de modelo físico e protótipo de estrutura da Residência Acayaba Fig. 55 – Vista parcial de uma das fachadas da Residência Acayaba Fig. 56 – Sede do Instituto de Estruturas Leves, Universidade de Stuttgart Fig. 57 – Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Munique Fig. 58 – Escola Bauhaus em Dessau, Alemanha Fig. 59 – Vista do prédio principal da Universidade de Brasília Fig. 60 – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie Fig. 61 – Vista do campus do Instituto Politécnico de Torino Fig. 62 – Anexo da Escola de Arquitetura do Politécnico de Milão Fig. 63 – Vista do campus universitário em Ancona Fig. 64 – Escola do Porto Fig. 65 – Faculdade de Arquitectura de Lisboa LISTA DE ABREVEATURAS E SIGLAS CEPLAN – Centro de Estudos e Planejamento Arquitetônico e Urbanístico FAU – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo FAUL – Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto ILEK – Instituto de Estruturas Leves e Projetos Conceituais PoliMi – Instituto Politécnico de Milão PoliTo – Instituto Politécnico de Turim TUM – Universidade Técnica de Munique UnB – Universidade de Brasília UNIVPM – Universidade Politécnica de Marche SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................................14 1. SISTEMAS ESTRUTURAIS: BREVE PANORAMA HISTÓRICO DAS TECNOLOGIAS CONSTRUVIAS......................................................................................................................16 1.1. MONUMENTOS DA ANTIGUIDADE: AS PRIMEIRAS TÉCNICAS CONSTRUTIVAS...17 1.1.1. Zigurates babilônicos.........................................................................................18 1.1.2. Pirâmides egípcias............................................................................................19 1.1.3. Templos gregos.................................................................................................21 . 1.2. ARQUITETURA RELIGIOSA DA IDADE MÉDIA: SIMBOLISMOS E EVOLUÇÃO DA TECTÔNICA...........................................................................................................................24 1.2.1. Templos paleocristãos.......................................................................................25 1.2.2. Igrejas românicas..............................................................................................28 1.2.3. Igrejas góticas....................................................................................................31 1.2.4. Renascença: a experiência de Brunelleschi em Firenze....................................35 1.3. CONSTRUÇÃO CIVIL NO SÉCULO XIX E NO SÉCULO XX: O PROTAGONISMO DO FERRO E DO VIDRO E A ASCENÇÃO DO CONTRETO ARMADO.......................................37 1.3.1. Pavilhões da Exposição Universal: os casos de Londres e de Paris..................39 1.3.2. Ainda em Paris: Galeria das Máquinas e Torre Eiffel..........................................42 1.3.3. Galleria Vittorio Emanuelle II..............................................................................46 1.3.4. Os arranha-céus em Nova York.........................................................................48 1.3.5. Villa Savoye: a consolidação de um novo paradigma arquitetônico...................52 1.5.6. Palácio Capanema: expoente da arquiteturamoderna brasileira.......................54 2. SISTEMAS ESTRUTURAIS: PENSAMENTO, ENSINO E REPERCUSSÕES...................57 2.1. ENTRE ARQUITETOS E ENGENHEROS: OS GRANDES MESTRES DO SÉCULO XX, SUAS OBRAS E SUAS LIÇÕES.............................................................................................58 2.1.1. Fritz Leonhardt……………………………………………………………………….59 2.1.2. Pier-Luigi Nervi……………………………………………………………………….65 2.1.3. Buckminster Fuller……………………………………………...……………………71 2.2. O LEGADO DO ENSINO DE SISTEMAS ESTRUTURAIS.............................................. 77 2.2.1. Aluízio Margarido...............................................................................................78 2.2.2. Yopanan Rebello...............................................................................................80 2.2.3. Augusto Carlos Vasconcelos.............................................................................82 2.3. A ESTRUTURA COMO ELEMENTO PROTAGONISTA DO EDIFÍCIO: REPERCUSSÕES EXEMPLARES NA ARQUITETURA BRASILEIRA ................................................................84 2.3.1. Concreto armado: a proeminência de Vilanova Artigas......................................85 2.3.2. Ainda sobre concreto armado: Joaquim Cardozo, Francisco Petracco e Pedro Paulo de Melo Saraiva.................................................................................................92 2.3.3. Argamassa armada: o prodígio criativo de Lelé.................................................96 2.3.4. Grelhas de madeira: a tectônica de Marcos Acayaba......................................103 3. SISTEMAS ESTRUTURAIS: COMPONENTES CURRICULARES E MÉTODOS DE ENSINO EM ESCOLAS DE ARQUITETURA.......................................................................111 3.1. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS: CONSIDERAÇÕES INICIAIS......................111 3.1.1. Conceituação de Estrutura e Sistemas Estruturais..........................................112 3.1.2. Metodologia de pesquisa.................................................................................114 3.2. ESTUDO DE CASO.......................................................................................................115 3.2.1. Institut für Leichtbau Entwerfen und Konstruieren – ILEK (Alemanha).............117 3.2.2. Fakultät für Architektur, TUM (Alemanha)........................................................120 3.2.3. Escola de Artes e Ofícios Bauhaus (Alemanha)...............................................123 3.2.4. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, FAU-UnB (Brasil).............................126 3.2.5. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. FAU-Mackenzie (Brasil)...................129 3.2.6. Dipartimento di Architettura e Design, PoliTo (Itália)........................................133 3.2.7. Progetazionne della’Architettura, PoliMi (Itália)...............................................137 3.2.8. Igegneria Edile, Università Politecnica Delle Marche (Itália)............................141 3.2.9. Escola do Porto, FAUP (Portugal)....................................................................143 3.2.10. Faculdade de Arquitectura de Lisboa, FAUL (Portugal).................................146 3.3. ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS OBTIDOS...........................................................148 3.3.1. Brasil................................................................................................................148 3.3.2. Alemanha........................................................................................................150 3.2.3. Itália.................................................................................................................152 3.2.4. Portugal...........................................................................................................154 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................157 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................................158 ANEXOS https://www.ar.tum.de/startseite/ 14 INTRODUÇÃO A pesquisa aqui desenvolvida, parte do interesse do próprio autor que, de modo geral, vem desenvolvendo sua carreira a longo tempo sobre o emprego das tecnologias construtivas, seja no âmbito acadêmico através do ensino, seja em trabalhos técnicos desenvolvidos para edificações, no que tange projetos e execução dos mesmos. Assim sendo, justifica-se algumas decisões tomadas, no que tange a elaboração deste trabalho, tendo como base um breve relato de acontecimentos e fatos ocorridos ao longo dos últimos 30 anos, cuja trajetória tem sido crucial para obter subsídios práticos e contribuitivos à esta área do conhecimento. O conhecimento amplo dos assuntos pertinentes ao domínio das engenharias, iniciou-se na Escola de Engenharia da Universidade Mackenzie no final dos anos 1970 que, quase de modo atávico, possibilitou-se o contato e entendimento sobre as estruturas aplicadas nas construções, tendo em vista a sua concepção mais geral, incluindo os materiais, geometria e suas características determinantes. Vinculada ao mesmo departamento acadêmico, deu-se partida à carreira docente, ainda em fase de consolidação na atuação profissional na área de projetos estruturais no início dos anos 1990, mas somente após 5 anos é que se viabilizou a mobilidade para a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, também da mesma Instituição. Ali na FAU Mackenzie, além do contato com professores dessa unidade acadêmica, ora também colegas atuantes na construção civil, obteve-se a oportunidade colaborativa em várias disciplinas técnicas, inclusive com participação da otimização do Plano de Ensino desta Faculdade, em específico na estruturação sequencial de disciplinas intituladas Estabilidade das Construções I, II e III. Paralelamente a esses cursos, também foram criadas disciplinas optativas, onde foi possível contribuir com a elaboração de uma nova matéria: Lajes Planas e Grelhas. Trata-se da apresentação de Conceitos Básicos de Alternativas Estruturais, importantes e altamente aplicadas. Neste trabalho de Mestrado, optou-se por se registrar este longo trabalho desenvolvido, pesquisando-se o que é lecionado sobre este tema. Os conteúdos atrelados à estrutura da edificação e suas técnicas construtivas, tem sido ferramenta de ensino nas faculdades de Arquitetura, não só no Brasil, mas também em outros países de destaque e importância, como Alemanha, Itália e Portugal. Tendo em vista o interesse primário desta pesquisa, portanto, adotou-se como uma das expectativas, elaborar um estudo comparativo sobre o que é ministrado nas nossas faculdades de Arquitetura no Brasil, em relação com escolas tradicionais de arquitetura do 15 contexto internacional, em suma, do cenário europeu. De antemão, sabe-se que haverá certamente constatações que nos indicarão novas inserções, composições, verificações e detalhamentos de como melhor compor este binário insofismável e imprescindível: não há arquitetura sem estrutura, assim como não há estrutura sem arquitetura. Desse modo, as páginas que aqui se desenrolarão sintetizam vivências profissionais e acadêmicas que tomam como mote a relevância dos sistemas estruturais e de suas tecnologias construtivas para a qualidade da concepção arquitetônica. Objetivando entender as equações pertinentes à essa temática, buscou-se, por meio de aproximações empíricas aplicadas com o auxílio de instrumentais metodológicos, relatar a presente pesquisa estruturando-a através de três capítulos, os quais configuram a sequência de perguntas “o que?”, “quem?”, “onde?”, no intuito de apresentar e esclarecer as interseccionalidades entre os campos da arquiteturae da engenheira civil. 16 CAPÍTULO I SISTEMAS ESTRUTURAIS: BREVE PANORAMA HISTÓRICO DAS TECNOLOGIAS CONSTRUVIAS Este capítulo destina-se especialmente à análise panorâmica das inovações tecnológicas ocorridas por meio da construção civil na humanidade. Visa ressaltar, em exemplos pontuais, a evolução das formas e da ampliação de possibilidades com o advento de descobertas empreendidas ao que hoje se conhece por construção civil. Nesse percurso histórico e de crescente protagonismo de avanço das técnicas construtivas em distintos cenários edificatórios e diferentes recortes cronológicos, serão sinalizadas as relações das tecnologias construtivas como resultado de desenvolvimento das sociedades que se organizam mediante à intelectualidade em voga, cujo aspecto cultural orientaria o “saber fazer arquitetura”. Nesse contexto, selecionou-se edifícios icônicos ou monumentos edificados partindo da Antiguidade até o século XX, com o surgimento da Arquitetura Moderna. A história clássica como um todo e, mesmo os tópicos específicos da arquitetura e da engenharia civil no âmbito acadêmico dentro dessas abordagens, forneceriam subsídios que ilustrassem tais contextos importantes para a compreensão do tema. Desse modo, objetiva-se estabelecer um olhar para o passado a partir do presente, intentando obter uma linha do tempo que ressalte a evolução da tectônica com o passar dos séculos. Assim, este capítulo subdivide-se em momentos centrais, cada qual seguindo um fragmento histórico a ser tratado. A iniciar com os monumentos clássicos da Antiguidade, percebe-se que, nessas sociedades, se mesclavam as questões religiosas em congruência com o papel representativo das edificações consagradas às divindades. Tais monumentos seriam, a princípio, simbólicos e também pertencentes às respectivas particularidades culturais, nas quais as técnicas construtivas teriam por objetivo atender os códigos civis e religiosos desses grupos organizados. Busca-se então entender o emprego das tecnologias construtivas realizadas nos zigurates babilônicos, nas pirâmides egípcias e nos templos greco-romanos. Tomando prosseguimento ao ponto inicial estabelecido dessa linha do tempo, na sequência, tem-se a importância da produção arquitetônica medieval. Ainda que sobre o Medievo sejam feitas leituras preconceituosas, as quais giram em torno dos “tempos sombrios” ou dos “tempos da escuridão”, termos esses comumente associados ao período em questão, seus edifícios icônicos são cruciais para entender as novas dinâmicas das cidades e do crescente conhecimento humano a essas entrelaçando, destacando-se a evolução tectônica dos templos religiosos, em suma das igrejas românicas e das igrejas góticas na Alta Idade Média. 17 Com advento da industrialização com seus processos modernizadores, mais precisamente no final do século XIX e ao longo de todo o século XX, foi possível observar uma sociedade de massas, a qual passou a requisitar novos padrões de vida e melhorias qualitativas por meio de tecnologias disponíveis. Assim, a arquitetura passou a absorver parte dessa influência, tendo como expoente a Villa Savoye, projetada por Le Corbusier. 1.1. Monumentos da Antiguidade: as primeiras técnicas construtivas O protagonismo da cidade nos seus aspectos de construção e da crescente necessidade de domínio da técnica de edificações, é palpável e testemunhável no exemplo das cidades sumerianas. Ur e Çatalhuiuk, cidades mais antigas de que se tem conhecimento (CALLIARI, 2016, p. 34), são notórias em estudos arqueológicos e de documentação histórica, uma vez que se destacaram pelo pioneirismo de emprego da argila cozida para construção de edifícios, técnica essa que nos tempos atuais ainda se utiliza fartamente no Oriente Médio. As cidades sumerianas, exemplificadas nos dois casos supracitados, caracterizavam-se pela sua organização espacial fortificada, onde no espaço dos intramuros eram abrigadas populações numerosas, se equiparadas à época. Os templos religiosos, nesse contexto, assumiam posição de notoriedade a julgar pela altura de suas edificações, uma vez que as edificações voltadas aos outros usos, tais como armazéns, residências, comércio, etc., detinham uma importância menor em face da grandiosidade desses templos, ou zigurates (BENEVOLO, 2020, p. 32). Assim surgiam os primeiros sistemas estruturais nas civilizações antigas que, configurado de modo maciço e, mesmo produzido artesanalmente, poderiam ser compreendidos como sofisticados para época, uma vez que configuraram as alvenarias primitivas a partir de tijolos cozidos. O fabrico do tijolo, isto é, a confecção de blocos feitos com argila amassada e acréscimo de vegetais secos - ou basicamente palha, quando cozidos ao sol, permitiram maior resistência e durabilidade para a sustentação dos edifícios que serviam às sociedades primitivas. Para além dos templos babilônicos, ou zigurates, a alvenaria elaborada à base de cerâmica, tornou-se primordial no decorrer dos séculos, amplamente empregada nas civilizações da Idade Antiga, cujas essas obtiveram destaque e pujança econômica nas extensões territoriais de seus respectivos impérios. Feitas as breves considerações sobre as sociedades antigas que tomam a cidade como base de suas estruturações, percebe-se também que, no Mundo Antigo, em especial na Mesopotâmia, o apreço religioso esteve intimamente ligado a esses assentamentos, cujo 18 simbolismo se materializa na arquitetura de templos, os quais convergiam tanto na fundação dessas cidades quanto nos edifícios religiosos em si, o papel da morada dos deuses (POZZER, 2003, p. 61). Nesse sentido, pressupõe-se que, dada a importância religiosa em diversas culturas da região em questão, empregava-se o que se havia de mais inovador em termos de tecnologias construtivas para edificação civil, em suma, os templos religiosos. 1.1.1. Zigurates babilônicos Fig. 1 – Representação gráfica de um Zigurate Fonte: Enciclopédia Global, 2021 O tijolo enquanto manufaturado mais antigo da construção civil, desde seu surgimento, se consagrou na cultura mesopotâmica pela disponibilidade da matéria-prima e pela crescente demanda que emergiam das cidades então em consolidação. Seu aspecto estrutural já se reconhecia empiricamente por meio da construção dos zigurates e palácios, portanto, os mais altos e vistosos nessas cidades e que, paulatinamente, obteve sua evolução nos modos de confecção em argila queimada (KATO, 2002, p. 5). Para além da disponibilidade de argila favorecida pelas condicionantes geográficas, a versatilidade dessa matéria-prima permitiu que os tijolos fossem confeccionados à mão ou mesmo em formas de madeira. Tradicionalmente, contata-se a representação sagrada nos tijolos, dada a sua fabricação no mês denominado “SIG” que, segundo a língua suméria, significa “o tijolo”, período esse correspondente ao intervalo entre os meses de maio e junho no calendário ocidental atual (POZZER, 2021, p. 18). 19 Assim designado, tal período era oportuno devido ao tempo seco e também à época do pós- colheitas, facilitando assim, a secagem dos tijolos ao sol, paralelamente à obtenção de palhas remanescentes das ceifas. Após a finalização desse processo, os tijolos de argila eram aplicados nas edificações diversas, em pavimentações de vias públicas, canalizações de cursos d’água e, principalmente, em locais com exposição à erosão. Tamanha importância da conciliação entre o conhecimento tecnológico disponível à época e as representações simbólico-religiosas, na qual se percebe simultaneamente a relevância dos zigurates na cultura de edificações das civilizações antigas. Em síntese, a palavra zigurate provém do verbo zaqãru, que significa “construir prédio alto”. Talvez a experiência dessa edificaçãomais conhecida seja aquela que remete ao episódio bíblico, no qual, segundo a tradição judaico-cristã, se relata a construção da torre de Babel; o mesmo zigurate também atende na cultura babilônica pelo nome “É.TEMEN.AN.KI”, cuja tradução literal significa “a casa da fundação do céu e da terra”. Desse modo, esses templos também atendiam, além de sua função religiosa, as atividades científicas, visto a produção do conhecimento pelos escribas sobre assuntos relacionados à astronomia (POZZER, 2021, p. 20). Ora, segundo dados arqueológicos, a forma dos zigurates consistia basicamente em uma torre, cujo volume remete a um tronco de pirâmide com níveis em escalonamento progressivo conforme se avança em altura, com escadas externas, em cujo topo se localizada um pequeno santuário, dedicado aos rituais sagrados e à observação dos astros. Em se tratando de Babel, estima-se que foram utilizados cerca de 36 milhões de tijolos crus e 3.000 homens trabalhando durante dois anos para erigir os 90 metros de altura (Idem, p. 19). Nessa façanha arquitetônica, presume-se o conhecimento aplicado sobre o desenvolvimento tecnológico à luz da época, tendo como base as condicionantes e determinismos geográficos nos locais em que se inseriram, em conjunto com as tradições culturais. Percebe-se no caso dos zigurates, a presença de uma sistematização de elementos construtivos, ainda que de modo implícito, a partir da capacidade criativa e da genialidade humana em aferir formas a partir da disponibilidade de matéria-prima e pela crescente demanda de construção das cidades. 1.1.2. Pirâmides egípcias Como parte das inovações tecnológicas consolidadas ao longo da história da construção civil, as quais se materializam por meio da criatividade humana e em face dos novos desafios 20 edilícios que surgem constantemente, inserem-se também nesse contexto de arquiteturas icônicas, as pirâmides egípcias. Tal como se conhece, o nome desses monumentos provém do grego pyramis, portanto, sem referências ao vocábulo da cultura egípcia. Em simples resumo, as pirâmides detinham em si uma função simbólica, a qual representa um rito de passagem para a posteridade, tal como um “castelo da eternidade” (PRUDENCIO, 2010, p. 1). Além das representações políticas e culturais estritamente ligadas aos valores religiosos do Egito Antigo, a arquitetura das pirâmides, em seu viés de projeto arquitetônico, é significativa quanto à escolha do terreno, à estruturação geral do seu programa – pirâmide principal e pirâmides secundárias, e ao tempo e aos recursos de trabalho para a sua execução. Estima- se que foram empreendidos, no caso da pirâmide de Quéops, os quantitativos de 2,3 milhões de blocos de rocha, totalizando aproximadamente 31,2 milhões de toneladas; a altura é próxima dos 150 metros, sendo ultrapassada somente no século XVI na categoria de construção mais alta do mundo (PRUDENCIO, 2010, p. 3). Não obstante, em termos de soluções tecnológicas inovadoras, a materialização desses empreendimentos viabilizou-se graças ao avanço do conhecimento tecnológico em paralelo às motivações culturais, e à capacidade do gênio criativo em configurar sistemas que permitissem a sofisticação da matéria-prima empregada na construção civil. Grosso modo, o salto da monumentalidade dos zigurates babilônicos para as pirâmides egípcias, deve-se, hipoteticamente, ao entendimento das proporções elementares dos blocos e, a partir desses, a sua organização em sistema construtivo para configurar a edificação. Se, na cultura suméria, os blocos de argila e palha seca cozidos ao sol permitiram erguer os zigurates a alturas consideráveis, sendo os edifícios mais notáveis dentro de suas cidades, na cultura egípcia, por sua vez, os blocos agora maiores e de composição de rocha pura, assumiram o protagonismo da construção civil à época, uma vez que se emergiu a necessidade de desenvolver instrumental tecnológico que operacionalizasse a construção das pirâmides. Não apenas as ferramentas de construção foram criadas e/ou aperfeiçoadas, como também se revelou o conhecimento prévio do sítio perante a atuação de forças dos componentes da edificação. Ainda em se tratando de Quéops e das pirâmides secundárias em Gizé, o aplainamento local tornou-se o passo fundamental para o início do processo de construção desses monumentos egípcios. De superfície plana e com solo de maciço rochoso, as condições do terreno favoreciam como base propícia ao suporte das altas cargas demandadas pelos blocos; a 21 composição em rocha, inclusive, atendia à extração de matéria-prima, servindo assim como uma pedreira no próprio canteiro de obras. Outro fator considerável, seria o procedimento técnico realizado: primeiro, o sítio era inundado por meio da construção de valas na rocha; segundo, realizava-se a drenagem parcial, deixando as valas com pouca água; em terceiro, as rochas eram lapidadas para que fossem niveladas tomando como referência a altura da água remanescente da drenagem (PRUDENCIO, 2010, p. 4). No que tange à lapidação das pedras, destacam-se os avanços de conhecimento tecnológico para que se desenvolvessem ferramentas no trabalho de cantaria. Segundo estudos arqueológicos, a broca teria sido o instrumento de maior utilidade nessa empreitada, servindo para escavações prospectivas quanto ao teste da solidez das rochas durante o seu processo de extração das pedreiras. Além disso, os operários induziam a matéria-prima a procedimentos de dilatação térmica por meio de fogo e água para que, assim, as rochas se desprendessem com maior integridade, sem fragmentar as peças com o auxílio de madeiras nos vãos. Tal conhecimento de aplicação direta em cantaria, seja em níveis implícitos ou explícitos, poderia ser entendido como componente básico na estruturação disciplinar no campo da engenharia civil, tendo em vista sua importância para a viabilização da construção de caráter monumentalista, assim como também a operação logística quanto ao transporte das pedras. Ora, os egípcios constituíram a engenhosidade desse deslocamento por meio de trenós e, mesmo ao chegar ao destino, as pedras passavam por um processo de refinamento no seu acabamento através da dolerita, em prol do aperfeiçoamento das superfícies dos paralelepípedos (PRUDENCIO, 2010, p. 5). 1.1.3. Templos gregos Sabe-se que a altura de edifícios são canais de comunicação para servir de referências de localização e de configuração estética de poder na estruturação das cidades (D’ALESSIO FERREIRA, 2008, p. 40). No caso dos templos religiosos - babilônicos e egípcios, essa experiência não se esgota a esses territórios, mas se estende na sua evolução histórica, principalmente ao perpassar e atingir a sua evolução no Mediterrâneo. Conquanto a arquitetura da civilização grega não superasse as alturas dos zigurates ou mesmo das pirâmides em termos quantitativos quanto às alturas desses, o aperfeiçoamento da técnica constatada nos templos gregos se consubstancia como base da cultura ocidental, cujos 22 princípios são retomados, reavaliados e renovados em pontos seminais ao longo da história da arquitetura até os tempos atuais. Fig. 2 – Representação gráfica de um templo grego Fonte: Greece Is, 2018 Dentro da civilização grega, os edifícios religiosos ali erigidos desacatam-se pelo emprego sofisticado da tectônica. Não somente no caso estrito desses edifícios icônicos, mas também nas suas cidades como um todo, composta por edifícios outros, uma vez que nelas localizavam-se os centros de poder organizados em principados, que também são fruto de uma intensa efervescência cultural que, consequentemente, favoreceu intercâmbio de intelectualidades e o desenvolvimento econômico (BENEVOLO, 2020, p. 91). Sua localização geográfica e fácil acesso aos mercados da época, permitiram que as cidades da Grécia Antigaatingissem seu apogeu e, dentro desse contexto, o protagonismo do conhecimento da geometria corroborou com o advento das inovações tecnológicas aplicadas à construção civil. Para além de sua função de santuário, os templos gregos compõem um repertório de edificações promovidas em face do progresso do conhecimento geométrico. Para construir um templo segundo as tradições dos gregos, requisitava-se uma organização transversal aos nichos especializados da sociedade em voga, entre esses, encontram-se as figuras dos obreiros, escultores, dirigentes e arquitetos. Esses últimos, por sua vez, tinham sobre si a função de auxiliar o governante da cidade, uma vez que o templo se tornava representação 23 política “que se materializa como reflexo de sua ideologia e sua história” (DUARTE, 2018, p. 137). A inovação tectônica que se constata na civilização grega, consiste basicamente na criação do sistema trilítico, proveniente da ilha de Creta, onde também se observa por meio de análises históricas a influência dos povos fenícios e dóricos no desenvolvimento da arquitetura local. Tal empreitada é resultante do manejo de matéria-prima disponível nas imediações do mar Egeu, isto é, a pedra calcária, cujo recorte adota o emprego de instrumentos compostos de ferro, que já se havia aperfeiçoado na confecção de esculturas e no labor da própria arquitetura. Conforme afirma Bruno Massara (2016): O emprego do ferro no trabalho da pedra permitiu o aperfeiçoamento dos cortes e o progresso na escultura, e na arquitetura. O que se pode perceber é que o desenvolvimento gradual dos equipamentos e dos utensílios de uso dos artistas teve influência direta no resultado formal encontrado nas edificações da época. Primeiramente os instrumentos de trabalho eram constituídos de sílex de bronze e não eram capazes de trabalhar as pedras com eficiência. A ausência do ferro deu origem a um tipo de alvenaria ciclópica. As ferramentas de ferro permitem, num segundo estágio, encarar de frente o problema da construção dando origem a um novo conceito construtivo. De modo geral, a arquitrave ou sistema trilítico, é visto como base de orientação construtiva para configuração das edificações gregas. Assim, são constituídos majoritariamente por blocos horizontais de rocha calcária, que se apoiam mutualmente para configurar paredes de alvenaria e essas, por sua vez, são reforçadas por um conjunto de pilares e lintéis, de desenho ortogonal e simétrico. Os templos eram destinatários de maior dedicação e esmeros por parte dos construtores, consagrando-se como palco de rigor construtivo e de aperfeiçoamento do sistema trilítico. Ressalta-se que tal processo foi paulatino, uma vez que essas edificações, na sua fase primitiva, eram compostas de madeira e tijolos de barro, sendo alteradas pela pedra calcária em questão, até alcançar seu estado de perfeição máxima por meio do mármore polido. Há, no entanto, que considerar sistemas construtivos de caráter trilítico antecedentes àquele empregado em larga escala na Grécia Antiga. Mesmo utilizado no esquema associável ao de arranjo “pilar e viga”, o Dólmen, por exemplo, seria um caso primitivo desse sistema estrutural e de aplicação rudimentar constituído em Stonehenge, o qual apresenta comportamentos semelhantes com sistema trilítico grego (CARREIRI, 2007, p. 36). Em se tratando da experiência grega, o que se resulta do sistema estrutural empregado consiste basicamente 24 no isolamento dos componentes que configuram a arquitrave, de modo que o conjunto permanecesse isostático (idem, p. 44). 1.2. Arquitetura religiosa da Idade Média: simbolismos e evolução tectônica Grosso modo, o período medieval é conhecido popularmente com a alcunha de idade das trevas, tendo em vista a remontagem de cenários históricos em face dos conflitos sociais e territoriais que se manifestavam à época. Entretanto, à luz da produção arquitetônica e das soluções tecnológicas desenvolvidas para que se viabilizasse a grandiosidade das edificações características desse período, percebe-se que tal concepção poderia induzir à formulação de eventuais pré-conceitos e, resultando desses, possíveis leituras preconceituosas. Assim sendo, insere-se a necessidade de estabelecer um olhar revisionista por meio de casos emblemáticos. A princípio, na arquitetura do período medieval, é possível constatar a configuração de formas inovadoras do ponto de vista de sua construção estética e estrutural.Ao passo em que a arquitetura religiosa continuava a exercer papel icônico nas cidades medievais, as inovações das tecnologias construtivas e dos sistemas estruturais delas resultantes, progrediram em direção reconhecimento implícito da gravidade. Para além de sua função simbólico-religiosa, a inserção desses templos representantes da cultura cristã, são notórias à sua época e poderiam, por hipótese, designar o nível de sofisticação de determinadas sociedades, a julgar pelas alturas de seus pináculos, quais que sejam, caracterizavam a imagem de imponência por meio de sua representação eclesiástica. Essas seriam visíveis de qualquer parte de uma cidade tipicamente medieval (BENEVOLO, 2020). Ora, as igrejas denominadas ou classificadas como de estilo românico e gótico, são testemunhos concretos da engenhosidade humana. Se consideradas como obras de arte, ou ainda como uma manifestação cultural e humana por excelência, no entanto, ressalta-se que tal produção não só se constituía por razões meras e simplesmente decorativas, mas inclinava-se como uma consolidação institucional e estrutura de poder em prol de estabelecer a unidade àquela estrutura social vigente. Não obstante, o advento da efervescência urbana trazida pelos valores burgueses, a circulação de bens e mercadorias, bem como a profusão de conhecimentos, teria impactado concomitantemente às soluções tecnológicas para que se erigisse os edifícios religiosos, os quais cumpriam papel de destaque nessas cidades. 25 1.2.1. Templos paleocristãos Antes de apresentar a arquitetura das igrejas de estilo românico e gótico, no entanto, convém dissertar sobre um estilo ou tipologia precedente, o qual norteará as bases de concepção arquitetônico-religiosa, em suma, ao longo do período medieval. O período histórico da Cristandade, em que foram erigidos os templos primitivos, será aqui denominado como arquitetura paleocristã, ora proveniente como legado da antiga civilização romana (FURNEAUX-JORDAN, 1985, p. 116). Nesse contexto, destaca-se a tipologia da basílica. Essa construção, ainda que nos seus primórdios não tenha sido designada para fins religiosos, isto é, se aproximando mais de um palácio da justiça laico do que uma igreja propriamente dita, serviu àquelas sociedades cujo objetivo dos fiéis centrava-se em dificultar a exposição, em face das perseguições do Estado e de seu fascínio pelos outros templos pagãos. Com a ascensão do Império de Constantino e nomeação de co-imperadores sucessivos, a basílica passou a ser um padrão adotado na construção de templos religiosos, uma vez que Teodósio em 380 (FURNEAUX-JORDAN, 1985, p. 118), havia declarado a religião cristã como oficial do Império. Desse modo, disseminou-se a tipologia da basílica para edificações religiosas daquele período, desta vez para congregar os cristãos batizados na nave principal, ou mesmo instrução dos catecúmenos em processo de conversão nas laterais desses templos. Em síntese, o sistema estrutural é o elemento que define a configuração arquitetônica, através dos ritmos dos intercolúnios e suas sucessivas passagens, que adotam o sistema trilítico greco-romano como base dessa engenhosidade. Por motivos de economia, as abóbadas já conhecidas à época não foram empregadas, hipótese essa que explicaria, por exemplo, o porquê desses templos utilizarem as vigas não-arqueadas e empregarem coberturas planasamadeiradas de início. Além da particularidade de abstenção das abóbadas, outro fato considerável são as paredes de tijolos revestidas de cimentos, as quais desempenhavam a função estrutural dos templos que então adotavam a planta da basílica, definindo assim. Suas colunatas, segundo Noberg- Schulz (1999, p. 65), não representam simbolicamente questões antropomórficas, tampouco uma exploração religiosa na sua concepção, cuja se faz independente das dimensões de altura e de diâmetro das colunas. Em conceitos visuais, essa estrutura reforçava a ideia de centro e de longitudinalidade espacial. 26 No bojo do desenvolvimento da arquitetura paleocristã e de suas tecnologias construtivas, destaca-se o papel revolucionário do emprego da cúpula. Sabe-se que tal façanha já se manifestava como uma construção viável à época, dado que sua aplicação se realizava por meio de edificações menores, como as termas romanas ou mesmo nos jazigos da antiga Pérsia (FURNEAUX-JORDAN, 1985, p. 123). Entretanto, a inovação do ponto de vista da tecnologia construtiva se deve, em primeiro lugar, em razão do seu peso próprio, o que consequentemente exigiu soluções estruturais mais complexas para que atingisse a estabilidade necessária como um todo; em segundo, porque houve um trabalho sofisticado de conciliar uma tipologia de planta nitidamente ortogonal com um elemento arquitetônico de formato circular. Não obstante, o protagonismo das cúpulas, grosso modo, bizantinas, cujo labor considerável e aprimorado se constata em Hagia Sophia – igreja construída pelo imperador Justiniano para substituir o templo precedente, erigido por também pelo imperador antecessor, Constantino, se viabilizou por meio de um sistema estrutural complexo. Sucedeu que, a descoberta da ogiva, em substituição dos lintéis de canto dos arcos, se tornou um ponto de partida para que se favorecesse a criação de pedículos no transepto da basílica, de modo que o tambor da cúpula repousasse sobre os memos. Ainda para o autor John Furneaux-Jordan (1985, p. 124), em comparação da solução estrutural adotada em Hagia Sophia com o Panteão romano: (...) A cobertura uniforme de luz no Panteão ilumina o seu conteúdo de paredes em forma de iglu, suas molduras fortes, lisas e bem definidas, arquitraves triangulares exatas sobre os nichos – tudo calculado com a precisão matemática que se poderia esperar de um império que havia classificado e organizado o mundo conhecido com eficiência admirável. Estruturalmente, tinha um desempenho seguro ao incorporar todas as formas de sustentação conhecidas em Roma. Por outro lado, Hagia Sophia mostra a capacidade de correr riscos, essencial para ser pioneiro em uma nova estrutura. Nossa admiração não depende de uma enumeração de estatísticas dessa grande edificação. Como parte das engenhosidades do Império Bizantino, em meio às lagoas do Mar Adriático, surgiu a cidade de Veneza, durante as incursões bárbaras e criação de rotas marítimas no século V. Anexada então ao império do Oriente, a cidade evoluiu através de sua função de entreposto comercial, além de sua localização estratégica em face das rotas de navegação. Assim sendo, em razão e sua pujança econômica, erigiu-se um novo santuário em homenagem a São Marcos, o Evangelista, cuja referência de ambiência respaldava-se em Hagia Shophia. Outra construção bizantina que serviu de inspiração para a Catedral de São Marcos, no que tange a utilização de cinco cúpulas com planta em cruz grega, é a Igreja de Justiniano dos Apóstolos Sagrados, hoje inexistente. 27 Fig. 3 –Vista interior da Catedral de São Marcos, Veneza Foto: Haniel Israel, 2019 (Acervo pessoal) 28 1.2.2. Igrejas românicas No lançamento das bases da civilização medieval, o qual ocorria em meio aos sucessivos eventos que dividiram o império de Carlos Magno em duas nações, isto é, França e Alemanha, encontra-se a estruturação social sistematizada pelo feudalismo, cuja parcela de contribuição e de influência para manutenção das relações entre o senhor e o vassalo, provém das organizações eclesiásticas que vinham se perpetuando nas sociedades cristãs até o momento. Nesse contexto, insere-se o surgimento do estilo românico, que data da estabilidade política conquistada no governo Oto, o Grande, em 962 e, consecutivamente através dos movimentos reformistas que conduziram o abade Maieul ao trono, em 965, em Cluny, região da Borgonha (PEVSNER, 2002, p. 46). Em primeira análise, constata-se a inovação de sua forma arquitetônica, em específico no desenho de planta dos templos cristãos, a qual passou a nortear, diga-se de passagem, suas características incisivamente ortogonais na composição do edifício como um todo. Seja na tipologia de planta em plano irradiante ou na sua versão em plano escalonado, percebe-se que são materializadas na espacialidade dessas igrejas, elementos que transmitem ideia de organização, planificação e hierarquização, diferentemente de como se vinha elaborando a arquitetura dos templos bizantinos ou das basílicas. Tais modificações ou inovações de organização espacial se deram em função da estruturação litúrgica dos eclesiásticos que, por sua vez, passou a demandar um número cada vez maior de capelas, estendendo-se às naves laterais e servindo-se do deambulatório, assim como de arremates de absides secundárias na organização do programa em planta. Assim sendo, faz- se necessário compreender o arranjo e o sistema estrutural resultante dessa concepção, baseada no modelo de fortaleza normanda. O sistema estrutural resultante do programa arquitetônico ora definido pelas hierarquias eclesiásticas, consiste basicamente na organização de vãos separados por colunas que atingiam alturas consideráveis, com capitéis arrematados em traços simples. As abóbadas, ou mais específico, abóbadas de berço, passariam a ser empregadas com frequência à proporção em que se avança no tempo, a partir do conhecimento consolidado e da sofisticação das técnicas construtivas, as quais permitiriam que esses templos transmitissem sensação de estabilidade e de rigidez aos seus congregandos. Desse modo, o românico primitivo assume as formas tendo como canal de referência os demais edifícios civis da arquitetura normanda, em suma, de suas fortalezas. 29 Fig. 4 – Reprodução gráfica da Catedral de Durham Fonte: Alison Stones, 2020 Disponível em: medart.pitt.edu Fig. 5 – Elevação com vistas das arcadas da Catedral de Durham Fonte: Alison Stones, 2020 Disponível em: medart.pitt.edu 30 No caso da Catedral de Durham, também identificada como um exemplar da arquitetura normanda e/ou românica, destaca-se a inovação tectônica protagonizada pelas abóbadas nervuradas que, em oposição às abóbadas de aresta desprovidas de nervuras, por hipótese, seriam elementos arquitetônicos precursores do estilo gótico. Nessa façanha, conquistou-se vantagens estruturais ao articular nervuras e arcos em cimbres independentes. Para Pevsner (2002, p. 57): Em, Durham, a abóbada de nervuras confere a toda a estrutura da igreja uma vivacidade que se opõe ao peso das paredes inertes que oprime tanto os interiores do século XI. Essa vivacidade encontra-se também no aspecto mais animado das arcadas e suas cornijas, e também na introdução de alguns motivos decorativos acentuados, particularmente o ziguezague. No entanto, apesar desta aceleração do ritmo, a arquitetura, em Durham, está longe de ser alegre ou dinâmica. Os pilares das arcadas continuam a ter uma força dominadora e própria importância de seus volumes é ressalta por uma decoração muito simples em ziguezague, losangos ou caneluras, esculpida com todo o requinte em toda superfície. Para além da contribuição normanda, a Alemanha, por sua vez, imprimiu seu legado na produção arquitetônica ocidental, em suma, no final do século XI.Ali o templo românico encontrou outros acréscimos de inovação, em se tratando da composição de formas em si e que, uma vez aliadas com a sofisticação de seus sistemas estruturais, conquistou-se ganhos não somente quanto às questões estilísticas ou de estética, como também na interface dessas com as tecnologias construtivas. Se observadas as vigas-mestras na Catedral de Speier, de modo a compor uma nave central abobadada e também iluminada por uma faixa de aberturas na parte posterior das arcadas, ora denominada de clerestório, ou mesmo a tipologia de duas torres flanqueando o corpo central da Catedral em Estrasburgo, constata-se a ampliação de possibilidades construtivas por meio do conhecimento à época dos germânicos. O modelo da planta da basílica paelocristã reciclada no estilo românico, considerando as intervenções normando-germânicas, passaria então a ser atualizada com o acréscimo dos campanários adjacentes ou das duas torres, simbolizando religiosamente o encontro do céu, isto é, o lar divino, com o lar dos homens (NORBERG-SCHULZ, 1999, p. 79). Assim sendo, sua estrutura por hipótese poderia representar um funcionamento de um esqueleto, cujos elementos componentes da estrutura, recebem um tratamento mais elaborado nas suas articulações. Nos templos românicos, de modo geral, empregam-se arcos longitudinais e transversais apoiados sobre os pilares, organizados em conjuntos para reafirmar sua verticalidade e de amarrações interdependentes. 31 1.2.3. Igrejas góticas A busca incessante por vencer as leis da gravidade, paralelamente ao desenvolvimento ou aperfeiçoamento da produção de edificações religiosas e civis na arquitetura medieval, grosso modo, perdurou por séculos até o fim cronológico da Alta Idade Média. Nesse período, destacam-se as construções de estilo gótico, as quais passaram a predominar aqueles núcleos urbanos fortificados, cuja presença dessas edificações, a título dos templos cristãos – vistos como seus principais exemplares e expoentes –, se fazia reconhecível naquelas sociedades então urbanas. Dentro de uma sequência de modelos e/ou estilos que não são estanques entre si, a cultura cristã mais uma vez colaborou para que houvesse inovações de tecnologias construtivas e da ampliação de complexidade de elementos estruturais. Em continuidade dos templos greco- romanos, das basílicas paleocristãs, das igrejas normandas e franco-germânicas que compõem o quadro da arquitetura românica e agora, nos santuários góticos, respectivamente, afinaram-se, progressivamente, os elementos decorativos, a distribuição espacial em planta, e complexidade de suas peças estruturais, entendidos como elementos que as qualificam na sua configuração arquitetônica. Se, nos seus precedentes reforçavam-se aquela imagem de austeridade, de robustez ou de fortificação, na arquitetura gótica, entretanto, veem-se a dissolução dos muros e integração dos ambientes com mais transparência (NOBERG-SCHULZ, 1999, p. 94). A começar pela organização de ambientes representada em planta, sua espacialidade consiste basicamente em um amadurecimento criativo dos templos de estilos antecedentes. Em casos mais afortunados, é possível encontrar exemplares de igrejas góticas contendo naves laterais duplas, ambientes distribuídos ou organizados de modo radial. Nesse estilo, o modelo românico é, diga-se de passagem, reinterpretado de modo a adquirir no eu exterior, uma intencionalidade de imponência e de comunicação dos ideais da fé cristã. As torres assumem um arranjo mais enriquecido e as coberturas das naves, por sua vez, são desenhadas por meio do cruzamento de arcos em ogivas, configurando assim, as abóbadas de arestas, então características do estilo gótico. Em face dessa conjuntura, os arcos desenhados em ogivas consagraram-se de modo emblemático na arquitetura gótica e, uma vez articulados como um “esqueleto de nervuras” (CARRIERI, 2007, p. 51), tal sistema teria a atribuição de transferir as cargas desses elementos então presentes nas naves, em direção aos arcobotantes, o que permitiu suprimir 32 as paredes maciças em prol da utilização de vitrais para a passagem de luz natural no interior dessas igrejas. Ainda o arco gótico ou ogival, contribuiu como uma inovação em face das tecnologias construtivas vigentes, visto que esses elementos libertou as superfícies laterais de sua função estrutural ao substituir as paredes maciças através da articulação dos contrafortes. Sobre as explicações desse arranjo estrutural, Pevsner (2002, p. 82), afirma: As vantagens técnicas são basicamente três. Antes de mais nada, o peso de uma abóbada de berço se distribui sobre toda a extensão das duas paredes que a sustentam. Ora, o peso das abóbadas de aresta, do românico alemão ou de Vézelay, repousa apenas sobe quatro pontos, mas, para que essas abóbadas fossem construídas de modo satisfatório, eram necessários vãos quadrados. Se se tentar construir uma abóbada românica de aresta, isto é, uma abóbada de aresta essencialmente de arco redondo sobre um vão retangular, será necessário utilizar três diâmetros diferentes, atravessando o comprimento, a largura e a diagonal do retângulo. Se o arco transversal, isto é, o mais visível deles, for semicircular, o arco diagonal será abatido; e arcos abatidos são estruturalmente perigosos (...). Uma verticalidade completa ofereceria uma segurança total; uma horizontalidade completa seria a causa de um desmoronamento imediato das suas paredes. Caso amplamente divulgado e conhecido dessa experiência, por exemplo, é a Catedral de Notre-Dame. Paris teria sido então a cidade-palco na qual se consagrou a fase clássica da arquitetura gótica, dado que a planta tipológica em si perpassou por mudanças com relação às proporções de espacialidade, em suma, sobre o transepto que, agora, estaria alinhado em conjunto com as torres laterais. Conquanto essa mudança trouxesse uma articulação mais definida entre seus espaços, no que tange às peças estruturais, portanto, mantiveram-se padrões precedentes desse estilo, salvo a adição de colunas – também cilíndricas –, agregadas ou adjacentes às principais e, além disso, a diminuição dos vãos entre as mesmas, com o objetivo de conduzir o ponto focal em direção ao altar (PEVSNER, 2002, p. 95). Em Milão, veem-se particularidades empregadas na Duomo. Embora as possibilidades de análise da symmetria vitruviana sejam eficazes na análise da organização dos elementos que configurem sua arquitetura, em específico de seu sistema estrutural e suas relações antropométricas (PEDRO, 2008, p. 5), há que considerar observações estritas quanto à sua inserção no contexto da arquitetura gótica. 33 Fig. 6 –Vista externa da Catedral de Notre-Dame, Paris Foto: Haniel Israel, 2019 (Acervo pessoal) Fig. 7 –Vista externa da Catedral de Notre-Dame, Paris: arcobotantes e vitrais Foto: Haniel Israel, 2019 (Acervo pessoal) 34 Fig. 8 –Vista interna da nave lateral direita da Duomo, Milão Foto: Haniel Israel, 2019 (Acervo pessoal) 35 1.2.4. Renascença: a experiência de Brunelleschi em Firenze Sabe-se, de passagem, que a Renascença se consagrou na história como um movimento que unificou arte, ciência e técnica em seus feitios, cujas repercussões são extensivas também à produção arquitetônica daquele período. Nesse contexto, algumas regiões italianas representam certo protagonismo, sendo que algumas de suas respectivas cidades atuaram como centro difusores no campo das artes, em prol do resgate dos valores humanísticos no outrora esmaecido nos séculos anteriores. À proporção em que os artistas se inclinavam à oficialização do labor arquitetônico à época e, conquanto essas figuras envolvam hojeamplos estudos transdisciplinares em si mesmas, tais como Franceco Borromini, Donato Bramante, Gian Lorenzo Bernini, Rafaello Santi, Leonardo da Vinci, Michelangelo Buonarroti, Andrea Paladio e Vigonla (CARRIERI, 2007, p. 59), há muito que se discutir sobre a produção arquitetônica renascentista, posto que as obras desse movimento artístico e cultural marcam significativamente não só a existência da arquitetura enquanto disciplina, mas também do seu papel crucial que definiram ou redefiniram os rumos posteriores dos modos de construção no Mundo Ocidental. Tendo em vista essas exposições, verificou-se, no entanto, que tal assunto seria extenso e que mereceria um capítulo à parte. Consecutivamente, considerando sua relevância quanto ao tema das inovações tecnológicas na construção civil, optou-se por apresentar suscintamente a experiência de Brunelleschi1, no que tange os percursos e percalços na edificação da cúpula da Catedral de Santa Maria Del Fiore, em Florença. Tal façanha é emblemática por se tratar de um novo paradigma arquitetônico que, grosso modo, contribuiu para que houvesse o entendimento da obra enquanto projeto e, em paralelo, enquanto processo de execução. Certamente as eventualidades relacionadas à cúpula da igreja atribuíram a fama de arquiteto a Brunelleschi. Em continuidade à construção pré-existente, cujo autoria do projeto remete à figura do arquiteto Arnolfo di Camilo, um dos destaques de inovação no emprego das técnicas construtivas seria a viabilização de andaimes, dada as características de envergadura então 1 Filippo Brunelleschi nasceu na cidade de Florença, em 1377. Ali na região da Toscana obteve destaque em face de suas ideias preconizadoras da arquitetura humanística, ora recorrentes nos primórdios do Renascimento italiano (RACHITEANU, 2015, p. 16). Por vontade de seu pai, Brunelleschi seguiu a carreira das artes. Existem poucos relatos originários e comprobatórios de exatidão dessa época, salvo os textos de Giorgio Vasari e de Baltasar Castiglione, nos quais eram mencionadas suas qualidades pessoais e a importância do seu legado no projeto e execução da cúpula da Catedral de Santa Maria del Fiore (MIGUEL, 2003). 36 sem precedentes, e de mão-de-obra com número considerável de artesãos, os quais reuniam- se em prol de soluções de edificação da cúpula para Santa Maria del Fiore (MIGUEL, 2003). Desse modo, obteve-se a associação desse empreendimento a Brunelleschi, devido à sua genialidade não só artística, mas também pelo seu conhecimento de “construtor técnico”. Para além da distinção profundida no campo das artes, isto é, as artes liberais e as artes mecânicas e de sua atuação revolucionária, sobretudo do ponto de vista técnico no início da Renascença (SILVA, 2017), Brunelleschi intenta para uma nova concepção espacial, concomitantemente à uma modernização das tecnologias construtivas. A cúpula da Catedral de Firenza, tal como invenção, elucida o pioneirismo de uma solução técnica na qual se dispensa as amarrações, partindo de experiências similares em Roma (ARGAN, 1999, p. 48). A concepção estrutural da cúpula em questão, consiste basicamente em um desdobramento a partir do arco, dado à sua função na transmissão de cargas de cisalhamento e flexão, conforme se verifica no direcionamento dos tijolos e das nervuras que configuram a sua forma. Brunelleschi, em suma, propõe um arco invertido entre as nervuras, fixando as alvenarias das nervuras para, posteriormente, acrescentar os tijolos em direção ao centro da cúpula (POZZA, 2015, p. 34 – 35). Tendo em vista a complexidade do sistema estrutural, constata-se por meio da geometria da cúpula, o emprego do tambor, isto é, a base de apoio de todo o conjunto, seguindo das cascas internas e externas que compõem as vedações; no arranjo desse sistema também coexistem os anéis concêntricos, os quais encontram-se distribuídos no sentido transversal cm relação ao eixo da cúpula. Por fim, a cúpula é arrematada por uma lanterna, produzida em mármore, obedecendo o desenho octogonal equivalente à base (2015, p. 42). Fig. 9 – Estudo 3D do processo construtivo da cúpula em Firenze Fonte: Archtrends Portobello, 2018 37 1.3. Construção Civil no século XIX e no século XX: o protagonismo do Ferro e do Vidro e a ascensão do Concreto Armado Visto o desenvolvimento das tecnologias construtivas desde a Antiguidade até o movimento artístico e cultural do Renascimento, o qual promoveu a renovação dos preceitos humanísticos em diversos simbolismos constatáveis na sua produção arquitetônica, toma-se um grande salto para o século XIX, partindo do pressuposto que, no intervalo anterior, não houve mudanças significativas do ponto de vista tecnológico da construção civil. Desse modo, o universo das tecnologias construtivas e dos sistemas estruturais das edificações, experimentaria uma ampliação do seu campo de conhecimento com o advento da Revolução Industrial. Surge então, na Europa, em se tratando dos centros urbanos que perpassavam por um processo de industrialização e, consecutivamente, de crescimento populacional vertiginoso, novas possibilidades de experimentação no campo das artes, das ciências e das tecnologias. Como exemplo dessa profusão e de intercâmbio de conhecimentos, inserem-se os eventos expositivos relacionados à produção global vigente, nos quais congregavam-se representantes de diversas regiões do mundo, em estágios diferentes de desenvolvimento industrial, com o intuito de apresentar, acompanhar e contemplar as novas tendências no contexto da industrialização. Assim, Londres e Paris protagonizaram as cidade-sedes mais importantes para o acontecimento dessas feiras tecnológicas. Ainda em se tratando do século XIX, esse período também é importante para a compreensão do reconhecimento da figura do engenheiro no campo da construção civil, cujo destaque é devido em parte à intelectualidade de cunho liberal, cada vez mais em ascensão, a qual contribuiu para o progresso tecnológico. Não obstante, os arquitetos da época permaneceram conservadores, no sentido de corroborar com os academicismos estéticos em alinhamento com o que se pronunciava nas escolas tradicionais, em suma, naquelas de caráter Beaux Arts. Isso explicaria, por hipótese, a modernização da figura do arquiteto em galgas lentas, senão tardia durante o século XIX, em decorrência da rejeição das possibilidades estéticas por meio dos novos materiais de construção que surgiam com o advento das indústrias (SILVA, 2012). À medida em que as cidades cresciam e suas sociedades assumiam as características industriais, aumentava-se, em paralelo, a demanda por novas edificações, cuja construção exigia processos cada vez mais assertivos e acelerados quanto à produção e articulação de seus componentes e de si próprios agora industrializados, nos quais empregou-se largamente 38 o ferro e vidro. Assim sendo, as tipologias edilícias existentes modernizavam-se por meio desses materiais, ao passo que outras novas emergiam no espaço urbano, representando um símbolo dos avanços tecnológicos alcançados por meio do progresso científico, como convém citar, por exemplo, os armazéns, as fábricas, os silos, as estações de trem, ou mesmo dos pavilhões temporários utilizados nas feiras tecnológicas supracitadas. Feitas essas considerações, insere-se a necessidade de apresentar, ainda que de modo panorâmico, alguns exemplares arquitetônicos com largo emprego de ferro e de vidro. Paralelamente ao emprego do ferro e do vidro com ênfase no século XIX, constata-se o crescimento considerável do emprego de materiais metálicos e de suas tecnologias construtivas para a construção civil a partir do aprimoramento de estudos científicos que rumam em direção à entrada do século XX. Com as descobertas do engenheiro inglês HenryBessemer, as quais corroboraram para a utilização crescente do aço nas edificações, seguindo das contribuições do engenheiro francês Joseph Lambot, no que tange a invenção da tela metálica para estruturação de argamassa e, além dessas, a sistematização e dimensionamento por meio de princípios teóricos organizados pelo Prof. Emil Morsch (CARRIERI, 2007, p. 63), conduziram paulatinamente para que o concreto armado, tal como se conhece hoje, auxiliasse na construção da arquitetura e das cidades do século XX. A tecnologia construtiva do concreto armado consagrou-se, a princípio, como a base por excelência para que se desenvolvesse o Movimento Moderno, em se tratando das inovações arquitetônicas concebidas pelos trabalhos pioneiros de August Perret, Adolf Loos, e de Frank Llyod Wright, figuras essas que representam do emprego do concreto armado. Tal técnica, conciliada com a invenção do elevador mecânico, possibilitou a verticalização dos solos e a ascensão de grandes cidades americanas, bem como suas respectivas imagens de progresso representadas por meio das arquiteturas dos arranha-céus que surgiam em meados do fim do século XIX e início do século XX. Entendida como um processo (CASARIL et. al, 2011), a verticalização não só configura mecanismos de lucro pela multiplicação de determinado lote, como também demostra a possibilidade de superar desafios no âmbito da construção civil. Não obstante, Le Corbusier traz uma crítica considerável quanto ao simbolismo das “Cidades- Torres” americanas, nas quais o próprio arquiteto entendia como uma grande planta, a qual estaria passível a uma ascensão contínua e que ainda mereceria uma atenção especial em alguns aspectos por ele questionados, como por exemplo, o repúdio ao traçado viário, bem como a negação de um modelo compacto e denso de habitação, segundo princípios higienistas em voga, distanciando-se assim do “fenômeno inédito dos negócios” (LE CORBUSIER, 2014, p. 33). No que tange a associação do processo de verticalização ou da 39 consolidação das cidades-torres no contexto econômico que se fazia à época, encontra-se o protagonismo do concreto armado. Para o arquiteto (2014, p. 33): Partindo do acontecimento construtivo capital que é o arranha-céu americano, bastaria reunir em alguns raros pontos essa forte densidade de população e de elevar lá, em 60 andares, construções imensas. O cimento armado e o aço permitem essas audácias e sobretudo se prestam a um certo desenvolvimento das fachadas graças ao qual todas as janelas se voltarão de cheio para o céu; assim, doravante, os pátios serão suprimidos. A partir do décimo-quarto andar, é a calma absoluta, é o ar puro.” Conquanto a passagem supracitada à luz da contemporaneidade apresente algumas lacunas para o seu entendimento, percebe-se que o cimento e o aço, compõem assim o espírito das cidades da época, em que se produziam edifícios icônicos, ao passo que esses figuravam a pujança de grandes centros urbanos, como convém citar os casos de Nova York, Boston e Chicago. Le Corbusier, embora repudiasse o modelo de crescimento vertiginoso dessas cidades, nas quais se seguia uma matriz densa de organização edilícia, por outro lado, enxergava com boas lentes o futuro que a industrialização da época e as novas técnicas construtivas guardava para a vida urbana, na compreensão tanto da Arquitetura Moderna quanto do Urbanismo Moderno. 1.3.1. Pavilhões da Exposição Universal: os casos de Londres e de Paris No que concerne à experiência inglesa, a Exposição Universal de Londres2 obteve sua edificação paradigmática no contexto em voga da construção civil, em se tratando do emprego protagonista do ferro e do vidro em simultâneo. Tal pavilhão, além de ser considerado como obra precursora desses materiais, é resultado de um concurso de projetos arquitetônicos, que contou com mais de 245 propostas (SILVA, 2012). A ideia vencedora teria sido de autoria de Joseph Paxton3 que, com a consultoria do engenheiro Charles Fox, concebeu então o “Palácio de Cristal” para abrigar as atividades da exposição internacional. 2 Com o título original de The Great Exhibition of the Works of Industry of all Nations, o evento teve sua abertura no dia 1 de maio, estendendo-se até meados de outubro de 1851. Funcionando, grosso modo, como uma feira internacional de artefatos tecnológicos, seu objetivo inclinava-se para a promoção dos produtos inovadores e contributivos ao desenvolvimento econômico e científico das atividades industriais. Em números, estima-se que a Exposição Universal de Londres contou com aproximadamente seis milhões de pessoas, participação de 25 países, ora representados por 13.000 expositores (BIBLIOTECA NACIONAL, 2020) 3 Joseph Paxton (1801-1865) destacou-se profissionalmente como paisagista e projetista de estufas. Trabalhou como superintendente em Chatsworth, de propriedade do Duque Derbyshire. Além do Palácio de Cristal projetado em ocasião da Exposição Universal em Londres (1851), Paxton também projetou estruturas similares para o conservatório de espécies dos jardins de Chatsworth (1840) e desenhou o edifício intitulado de Casa dos Lírios (1850) ou Victoria Regia House (BRITANNICA, 2021) 40 A solução tectônica para o Palácio de Cristal consistia basicamente na racionalização de peças elementares que, dispostas articuladamente, propõe criar um arranjo ou um sistema construtivo. Convertendo uma estrutura envidraçada voltada para atividades de jardinagem ou propriamente de estufa em específico, para um espaço que contemplasse atividades de encontro, Paxton, através da utilização componentes pré-fabricados, obteve otimização de recursos e de tempo de construção facilitando, em paralelo, o quantitativo de mão-de-obra para erigir uma obra dessa envergadura. Se, o sistema estrutural de ferro permitiu vãos largos, o vidro trouxe uma nova possibilidade de comunicação entre os espaços internos e externos, distribuindo equitativamente a luz do sol para os ambientes internos do palácio (SCHOENEFELDT, 2008, p. 285). Fig. 10 – Interior do Palácio de Cristal em Londres para a Exposição Universal de 1851 Fonte: ArchDaily, 2021 Desde a elaboração no projeto, considerou-se para a execução do Palácio de Cristal, uma modulação baseada na maior folha de vidro disponível na época, com objetivo de atender a conciliação ou articulação dos elementos pré-moldados conjuntamente. Agrupando o sistema modular de 10 x 49 polegadas através de um desenho geométrico de formas básicas, isto é, triângulos e retângulos replicados em configurações de barras de ferro fundido, essas, por sua vez, apoiavam-se no sistema tradicional de pilar e viga, esbeltos e resistentes, proporcionando espacialidades amplas no interior do edifício; 41 O Comitê responsável pela organização da Exposição de 1851, impressionado com os orçamentos baixos e de seu plano de execução, aprovou o projeto com prazo de construção de 8 meses em Hyde Park. Somam-se nesse empreendimento um número de 5.000 trabalhadores, os quais manusearam cerca de 84.000m² de superfície de vidro, com instalação de 18.000 folhas de vidro a cada semana. Em apenas 5 meses foram fixadas por inteiro as peças do sistema estrutural, que contou com mais de 1.000 pilares para sua sustentação (MERIN, 2013). Anos depois, com a consolidação da Exposição Universal em Londres, criou-se um calendário de encontros sucessivos em outras capitais europeias. Semelhantemente como cidade-sede, em Paris, próximo da virada do século XIX para o século XX, erigiu-se uma edificação inspirada no Palácio de Cristal de Londres. Não obstante, a capital francesa uma construção de modo permanente, diferentemente do edifício-sede do evento antecessor, no qual se podia desmontar a sua estrutura. O Palácio das Indústrias, ou Grand Palais, situado nos Champs-
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