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Caderno 
de 
ARTIGOS 
____________________________ 
Filosofia do Direito - Grupos Vulneráveis - Sucessões 
 
 
 
Ars commune 
 
2020.1 
 
 
 
 
 fil 
 
 
 
 
 direito 
21-55336 
Título: 
Caderno de Artigos: Filosofia do 
Direito, Grupos Vulneráveis e Sucessões 
 
 
Organização: 
Rafael Reis Ferreira 
 
 
Editora: 
Ars commune 
Boa Vista - Roraima 
 
 
Volume: 
I – 2021 
 
 
A totalidade ou parte desta obra pode 
ser reproduzida, por qualquer meio, 
desde que referida a fonte. 
 
 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Com grande felicidade apresento o lançamento do primeiro Caderno de 
Artigos 2020.1 que contém artigos dos(as) acadêmicos(as) do Curso de Direito, de 
diferentes turmas, nas áreas de Filosofia do Direito, Grupos Vulneráveis e Sucessões. 
Tratam-se de textos produzidos no contexto da pandemia e do regime de Ensino 
Remoto Especial da Universidade Federal de Roraima, com ampla abrangência de 
temáticas atuais e fundamentais de serem refletidas por quem defende o Direito no 
sentido do justo, em perspectiva de superação da crise do direito legal-normativista. 
Gostaria de agradecer as turmas aqui representadas pela atitude frente 
à pandemia, com a manutenção do distanciamento e respeito ao ser humano. Diante da 
ignorância demonstrada por parcela da população e do comportamento individualista 
inferior até mesmo ao estado de natureza imaginado por Hobbes, os(as) acadêmicos(as) 
tiveram comportamento exemplar que dignificam para sempre o Curso de Direito da 
UFRR. 
Assim, segue o resultado de um esforço coletivo de produção científica 
materializado nesta primeira coletânea de artigos, que espero permaneça como espaço 
de pesquisa e reflexão jurídica diante de nossa sociedade racista, ignorante, violenta e tão 
sofrida. 
 
 
 
Prof. Me. Rafael Reis Ferreira 
ÍNDICE 
FILOSOFIA DO DIREITO Págs. 
ORDEM E PROGRESSO: O POSITIVISMO E SUAS INFLUÊNCIAS NO BRASIL 
Ana Beatriz Silveira Prado; Antonia Lara da Costa Macêdo; Marcia da Silva Oliveira Barata 
6-16 
REPENSANDO A HISTÓRIA ÚNICA DO DIREITO LEGALISTA A PARTIR DA TEORIA 
JURÍDICA FEMINISTA E DA INTERSECCIONALIDADE 
Andrezza Gabrielli Silveira Menezes; Juliana Carolina da Silva Lima; Juliana Fabrícia Correia Orihuela 
17-27 
ANÁLISE JURÍDICA E FILOSÓFICA DO FILME PANTERA NEGRA 
Danyele Beatriz Cavalcante de Oliveira; Isabelly da Silva Rodrigues; Maria Clara Govêia de Oliveira 
28-39 
O DISCURSO JURÍDICO E O DISCURSO FILOSÓFICO: A EVOLUÇÃO DO DIREITO NA 
SOCIEDADE MODERNA 
Darlete Souza do Nascimento; Ícaro Vitório Viana Braga; Yara Ravenna Nascimento do Rosário 
40-48 
A LUTA PELO DIREITO: IHERING E OS TEMPOS DE COVID-19 
Lee Oswald Vito de Medeiros 
49-56 
ARBITRAGEM E INTERPRETAÇÃO JURÍDICA: ANÁLISE DE UMA IMPORTANTE DECISÃO 
DA 2ª VARA DE FAMÍLIA DE BOA VISTA-RORAIMA 
Luane Lopes Salazar; Mariana Schafer Ignatz; Natália Talia Andrade de Oliveira 
57-66 
A CIDADANIA E A TEORIA DA JUSTIÇA COMO EQUIDADE EM JOHN RAWLS 
Luciana Nascimento de Souza; Natálya Nallyja Medeiros; Wesley Tomé da Matta 
67-75 
PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL E SEUS FUNDAMENTOS 
Marília Talia Gabriel da Silva; Ricardo Matheus Gomes Botelho 
76-85 
FILOSOFIA DO DIREITO: AS DIVERSAS FORMAS DE COMPREENSÃO DO FENÔMENO 
JURÍDICO 
Micael Ferreira Menezes; Warlison Monteiro Mota 
86-93 
A INFLUÊNCIA DOS PRECEITOS BÍBLICOS NO DIREITO POSITIVO BRASILEIRO 
Michelly Larrary Araújo Botelho; Saymon Thyago Barbosa Menezes 
94-108 
GRUPOS VULNERÁVEIS Págs. 
O PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO 
BRASIL E A ATUAL VULNERABILIDADE NO CENÁRIO BRASILEIRO 
Carla Johanna Duarte Correia 
109-119 
A TUTELA PENAL AO DIREITO DOS VULNERÁVEIS: A (IN)EFICÁCIA DO DIREITO PENAL 
NA PROTEÇÃO DOS GRUPOS VULNERÁVEIS 120-130 
 
 
Edgard Mauricio Carneiro Coutinho; Francisco Artemízio Silva Freitas 
A NEGAÇÃO DE DIREITOS AOS POVOS INDÍGENAS FACE A CONVENIÊNCIA E 
OPORTUNIDADE DA NARRATIVA JURÍDICA: ESTUDO DE CASO ENVOLVENDO PESSOA 
AUTODECLARADA INDÍGENA EM LITÍGIO CRIMINAL 
Francisco Alves Gomes 
131-142 
EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: A LUTA PELO DIREITO A UMA EDUCAÇÃO ESPECÍFICA 
E DIFERENCIADA 
Mávera Teixeira dos Santos 
143-150 
PANDEMIA DE COVID-19 E FECHAMENTO DA FRONTEIRA BRASIL-VENEZUELA 
MEDIDAS FRENTE À PAMDEMIA E CONSEQUÊNCIAS PARA OS REFUGIADOS 
Merian Pereira da Silva; Nataliene Cavalcante Rodrigues; Sandro Rafael da Fonseca Pinto 
151-161 
VULNERABILIDADE DOS IMIGRANTES VENEZUELANOS EM RORAIMA 
Warlison Monteiro Mota 
162-170 
SUCESSÕES Págs. 
RENÚNCIA À HERANÇA NO PACTO ANTENUPCIAL 
Ana Beatriz Silveira Prado; Itáryk Cardoso Peres; Márcia da Silva Oliveira Barata 
171-181 
SUCESSÃO LEGÍTIMA DA HERANÇA DIGITAL E OS ENFRENTAMENTOS JURÍDICOS POR 
AUSÊNCIA DE LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA 
André Gabriel da Silva Soares; Bruna Vitória Lima Barros; Lee Oswald Vito de Medeiros; Ricardo José da Mota Filho 
182-196 
ANÁLISE SOBRE O RECONHECIMENTO DA MULTIPARENTALIDADE E SEUS REFLEXOS 
PARA O DIREITO SUCESSÓRIO 
Antonia Lara da Costa Macêdo; Fabiane Melo Alencar; Isabelle Campelo Bessa 
197-210 
A SUCESSÃO DOS BENS DIGITAIS E O DIREITO DE HERANÇA 
Beatriz Moura Pinho; Ícaro Vitorio Viana Braga; Matheus Fonteles Fernandes 
211-219 
UNIÃO ESTÁVEL: A EVOLUÇÃO JURÍDICA NAS SUCESSÕES 
Darlete Souza do Nascimento; Juliana de Castro Menezes Rangel; Yara Ravenna Nascimento do Rosário 
220-231 
ANÁLISE DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO SUCESSÓRIO E SEUS 
DESDOBRAMENTOS NO CÓDIGO CIVIL DE 2002 
Dayana Souler Gonzaga Deodato; Marthleen Katrinny Gomes da Conceição 
232-238 
ASPECTOS DA HERANÇA DIGITAL NO DIREITO SUCESSÓRIO 
Gladstton Tiago da Silva Simas; Ítalo Lopes da Silva Teixeira; Mateus de Sousa Lima 
239-250 
SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA EM TEMPOS DE PANDEMIA: UMA ANÁLISE DA 
RELATIVIZAÇÃO DAS FORMALIDADES PREVISTAS EM LEI 
Johana Rainara Ferreira Bispo; Vanessa Thays Kramer da Silva Alves; Victoria Holanda Cavalcante 
251-264 
 
 
AS DÍVIDAS DA HERANÇA E O PRINCÍPIO NON VIRES INTRA HEREDITATIS 
Pedro Augusto Silva Coelho César; Virgínia Gandur Pigari 
265-276 
A EXCLUSÃO DA SUCESSÃO POR INDIGNIDADE ALÉM DAS HIPÓTESES ELENCADAS NO 
CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO 
Valério Graco Dantas de Sousa 
277-286 
 
 
 
 
6 
 
ORDEM E PROGRESSO: O POSITIVISMO E SUAS INFLUÊNCIAS NO BRASIL 
 
 
Ana Beatriz Silveira Prado1 
Antonia Lara da Costa Macêdo2 
Marcia da Silva Oliveira Barata3 
 
 
RESUMO 
O seguinte artigo científico busca examinar, sob o ponto de vista histórico, como o Positivismo ocorreu no Brasil, 
a partir de análise e explanação sobre a teoria positivista proposta por Auguste Comte e sua busca por investigar 
fenômenos sociais através da observância das leis naturais. Comte influencia Kelsen a estabelecer uma proposta 
de abordagem positivista para o Direito para a criação de uma ciência jurídica autônoma com dimensão científica, 
o Positivismo Jurídico. Neste ínterim, surge a ideia da teoria positivista no Brasil, contudo, tal teoria se afastou do 
aspecto sociológico em sua composição, limitando a compreensão do direito ao puro exame da norma, sem 
considerar a realidade fática a qual está inserida. Desse modo, criou-se excessivo formalismo que conduziu à 
fragilidade da ciência jurídica enquanto mecanismo de solução de conflitos sociais. 
 
Palavras-chave: Comte; Positivismo Jurídico; Positivismo no Brasil. 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
A teoria positivista de Auguste Comte iniciou como uma das nuances do Iluminismo e 
ascensão do desenvolvimento intelectual, nas perspectivas política, econômica e social após a 
época do Renascimento. Essa teoria é consequência da decadência do período da Idade Média, 
onde o conhecimento era cerceado pela Igreja e imposição de seus dogmas. 
Comte acreditava que a ciência era o fator norteador para que a sociedade ascendessena ordem social e, por consequência dessa primazia científica e intelectual, as crises política e 
social que ocorriam à época da Revolução Industrial chegariam ao fim. A teoria positivista 
influenciou grandes nomes, como Hans Kelsen, a aplicar tal teoria a outros campos do 
conhecimento, como o Direito. 
 
1 Acadêmica de Direito da Universidade Federal de Roraima (bia.absp@gmail.com). 
2 Acadêmica de Direito da Universidade Federal de Roraima (laracmacedo@hotmail.com.br). 
3 Acadêmica de Direito da Universidade Federal de Roraima (profemarciaoliveira@gmail.com). 
 
 
7 
 
Este artigo objetiva aprofundar sobre a forma que a corrente positivista ocorreu no 
Brasil, a partir do ponto de vista histórico e da teoria Comtiana, além de breve exposição sobre 
o Positivismo Jurídico e Filosófico. Será desenvolvido por meio de revisão doutrinária com 
análise do tema em obras bibliográficas, artigos e material de cunho científico. Será utilizada 
linguagem jurídica de acordo com o âmbito histórico e jurídico da pesquisa. 
 
2 POSITIVISMO 
 
O positivismo nasceu em um contexto em que a religião perdia espaço e se aprimorava 
o conhecimento científico e tecnológico. Assim, a ciência passou a ter lugar de prestígio em 
detrimento ao conhecimento religioso. O pensamento positivista tem por ideal o progresso da 
sociedade de forma contínua. Se atribui a origem da filosofia positivista, que se deu no século 
XIX, ao pensador francês Auguste Comte que foi fortemente influenciado pelas ideias 
Iluministas. 
Para Comte, a essência do positivismo se baseia na ideia de uma sociedade organizada 
onde se almejava uma reforma intelectual do homem. Desta maneira, apregoa tal filosofia a 
primazia da ciência como forma de conhecimento que guiasse a sociedade para a evolução na 
ordem social e, com isso, findaria a crise política e social que estava instaurada no século, 
derivadas da Revolução Industrial que ocasionou a explosão demográfica de forma desordenada 
nos centros urbanos, bem como as desigualdades sociais. Este ideal se inspirou no pensamento 
progressista, onde a progressão da humanidade acontecia de forma constante. 
 
O positivismo se compõe essencialmente duma filosofia e duma política, 
necessariamente inseparáveis, uma constituindo a base, a outra a meta dum mesmo 
sistema universal, onde inteligência e sociabilidade se encontram intimamente 
combinados (COMTE, 1978, p. 229). 
 
O ponto de partida para Comte expor a sua ideia foi a teoria denominada de lei dos três 
estados, a saber, o teológico, metafísico e o positivo. Segundo Comte, o conhecimento humano 
enfrentou estes três estados e afirma que em cada um deles há uma forma de pensar. 
 
[...] em virtude desses três estados existem também três tipos de filosofia, ou três 
modos de conceber o conjunto dos fenômenos, que são totalmente excludentes: a 
primeira, a filosofia teológica, constitui o ponto de partida da inteligência humana; a 
segunda, a filosofia metafísica, destina-se apenas a servir de etapa de transição; já a 
 
 
8 
 
terceira e última, a filosofia positiva, seria o estágio fixo e definitivo da razão humana 
(BRANDÃO, 2011, p. 3). 
 
O primeiro estado é o caracterizado por elementos mitológicos, no qual a sociedade 
buscava explicações por meio de crenças e entidades. Segundo Comte, este estado possui três 
estágios, o fetichismo, politeísmo e monoteísmo. O primeiro refere-se a atribuição de vida e 
poderes a corpos e astros celestes, a segunda ao espírito teológico onde há entrega de objetos à 
seres fictícios e na crença de que estes influenciavam os fenômenos exteriores e humanos. O 
último, em verdade, é o declínio da fase teleológica pois o homem passa a sujeitar os fenômenos 
a leis imutáveis e não mais em seres sobrenaturais. 
No estado metafísico ocorre a substituição dos seres fictícios por entidades abstratas que 
explicam os fenômenos e não há a predominância da observação. O estado positivo é aquele 
onde há uma quebra radical no estado metafísico. Há um “estado de virilidade da nossa 
inteligência” (BRANDÃO, 2011, p. 4). Neste estado, não se faz necessário a explicação dos 
fenômenos, mas sim pesquisar por meio da observação, as leis que existem entre estes. Assim, 
o estado positivo, na verdade, é um conhecimento científico. Neste contexto, o conhecimento 
científico, por meio da observação, alcançou um alto patamar e por isso serve de modelo para 
a organização da sociedade. 
Apesar do avanço do conhecimento científico, este não tinha por objeto os fatos sociais. 
Com a criação da física social Comte pretendia trazer um caráter positivo para a sociologia, o 
que já acontecia com as outras ciências. Comte inclui a sociologia no ramo das ciências 
naturais, assim, sinteticamente, Comte: 
 
[...] pretende unir as ciências do homem às ciências da natureza, em uma 
homogeneização epistemológica. A estabilidade social pretendida decorre exatamente 
deste ponto, ou seja, a invariabilidade das leis da natureza assegura, no campo 
econômico e social, a concentração do capital e a supremacia patronal e industrial 
(OLIVEIRA; GALEB, 2014, p. 4). 
 
Desta maneira, Comte busca investigar fenômenos sociais por meio da observância das 
leis naturais que precisam ser observadas e descobertas pelos cientistas. Tal pesquisa procede 
do geral para o particular e do estático, que se relaciona à ordem, para o dinâmico, que se refere 
ao progresso. 
Comte com sua teoria, influencia o início do século XX as ciências sociais, a partir desta 
influência, as ciências sociais e isso influenciou Kelsen a estabelecer uma proposta de 
 
 
9 
 
abordagem científica, positivista para o Direito para a criação de uma ciência jurídica 
autônoma. 
 
3 POSITIVISMO JURÍDICO 
 
Hans Kelsen utilizando o método positivista procurou atribuir ao Direito uma dimensão 
científica, assim, criando a denominada Teoria Pura do Direito. Na Teoria Pura do Direito, 
Kelsen conceitua o direito como uma: 
 
[...] a técnica social que consiste em obter a desejada conduta social dos homens 
mediante a ameaça de uma medida de coerção a ser aplicada em caso de conduta 
contrária (KELSEN, 2009, apud OLIVEIRA; GALEB, 2014, p. 12). 
 
Oliveira e Galeb (2014) frisam que Kelsen propunha uma concepção pura do saber 
jurídico no qual visava separar o discurso jurídico de elementos de cunho moral, político e 
ideológico. Assim, ao estudar direito, deve ser desvinculado qualquer juízo de valor. 
Kelsen ainda distingue o ser do dever ser, ou seja, as ciências naturais e humanas. Desta 
maneira, os fenômenos humanos, em seu aspecto social, são previsíveis apenas no campo do 
dever ser, pois não há, com exatidão, possibilidade de prever um comportamento social. 
Pelo Direito ser um fenômeno social, regula a conduta do homem e se relaciona com o 
princípio da consequência. Desta forma, nesta teoria, o que interessa para os juristas não são os 
fatos, assim o que estes significam, geram como consequência que se extrai das normas. 
Salienta-se que a teoria pura de Kelsen, por meio desta concepção, tem por válida qualquer 
norma jurídica positivada. 
BITTAR e ALMEIDA (2015) tecem algumas as críticas quanto ao positivismo de 
Kelsen. Pelo fato deste apenas se preocupar com a norma jurídica devidamente positivada, 
vigente e eficaz, abre margem para a aplicação de normas tidas como esdrúxulas, imorais, como 
aconteceu na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial ou até mesmo no Brasil durante a 
Ditadura Militar. Ademais, salientam que, seguindo esta teoria, o aplicador do Direito fazer 
um juízo de valor ao caso e segrega o Direito, haja vista não haver qualquer diálogo com outras 
ciências. 
 
 
 
10 
 
4 POSITIVISMO NO BRASIL 
 
Em linhas gerais, o positivismo no Brasil manifestou-se inicialmente por volta da 
metade do século XIX, ganhando notório espaço nas escolas militares. Dentre os principais 
precursores do movimento nesse período, destaca-se o professorBenjamin Constant como 
sendo um dos mais relevantes adeptos e propagadores das ideias de Auguste Comte no país. 
Segundo ensina João Torres (2018, p. 76), as concepções defendidas por Benjamin 
Constant influenciaram para que Deodoro da Fonseca, ainda que contra sua vontade, depusesse 
D. Pedro II e instalasse a República no Brasil. Defende ainda que a proclamação da República 
está diretamente relacionada ao descontentamento de alguns oficiais com o governo imperial, 
fazendo com que a questão militar adotasse coloração republicana. 
Impulsionados pelos ideais da liberdade do pensamento propagados fortemente por 
Benjamin Constant, os líderes do governo provisório adotaram a divisa do positivismo em nossa 
bandeira, passando a figurar o lema “ordem e progresso” como símbolo da influência do 
movimento positivista na República. 
Arantes (1988, p. 187-188) defende que os ideais positivistas no Brasil serviram para 
assegurar a modernização conservadora, de modo que as elites buscavam a promoção das 
mudanças sem viabilizar, entretanto, modificações nas estruturas sociais. 
Esse comportamento, segundo o autor supracitado, demonstra que o sistema positivista 
no Brasil teve sua função histórica alterada, não servindo como instrumento de produção de 
mudanças nas estruturas sociais. 
Em sentido contrário, Luiz Antonio de Castro Santos (1988, p. 196) entende que a 
filosofia positivista não teve qualquer influência no processo de modernização conservadora. 
Embora presente o conservadorismo, para o autor, o processo não teve o aludido papel 
modernizador. Foi, em suas palavras, “ornamental e descartável”, no sentido que não 
apresentava função específica. 
Santos (1988, p. 198) procura demonstrar que, ao contrário do que se prega, a aplicação 
do sistema positivista no Brasil, no que diz respeito à modernização conservadora, não 
demandou alterações relevantes na estrutura social: 
 
 
 
11 
 
[...] o Positivismo no Brasil não pode, salvo erro, ser julgado como um exemplo de 
doutrina deslocada ou postiça em relação à estrutura social da Província. o ideário 
positivista, no tanto que municiou a nascente elite agrário-exportadora e industrial 
com o necessário instrumento modernizador, não padeceu do anacronismo, do "modo 
de não-ser" (R. Schwarz) característicos de outros modelos culturais importados das 
matrizes. 
 
De modo diverso, os ensinamentos de João Cruz Costa (1956, p. 98) demonstram que 
os ideais importados são moldados pelas características e circunstâncias próprias do país: 
 
Se é certo que a nossa história intelectual tem sido, em grande parte, um variado tecido 
das vicissitudes da importação transoceânica de idéias, não menos certo é que os dados 
dessa importação aqui se conformam ou deformam em face das circunstâncias 
próprias ao ambiente, que é complexo e rico de contrastes. E é para isso que é preciso 
atender e atentar, pois talvez aí resida a nossa originalidade. A história do positivismo 
brasileiro é, cremos, sob êste aspecto, das mais curiosas e das mais interessantes. 
 
O declínio da influência dos ideários positivistas sobreveio a partir do ano de 1891, após 
os primeiros momentos do regime republicano. Os ideais positivistas foram substituídos por 
outras correntes filosóficas de origem europeia gradualmente adotadas pela elite intelectual 
brasileira. 
Conjecturando as possíveis causas para o declínio do movimento, Torres (2018, p. 191) 
aponta como principais fatores: 
 
[...] a evolução da ciência pela aplicação dos métodos positivos (positivismo em 
sentido lato, no qual podemos bem colocar Stuart Mill, Spencer e a corrente empirista 
anglo- -americana) destruindo os resultados de Comte pela aplicação de seus próprios 
princípios; a renovação e arejamento dos princípios da metafísica tradicional: 
neotomismo, neokantismo das escolas de Marburgo e Baden; a revolução operada 
pela nova metafísica: a fenomenologia, a filosofia existencial, o empirismo metafísico 
de Bergson e, por fim, o positivismo evoluído da escola de Viena. 
 
Nesse período, a história mundial é caracterizada pelo surgimento de pensamentos 
filosóficos divergentes das convicções positivistas. Os reflexos da adoção das novas 
concepções – dentre as quais destacam-se o evolucionismo, o novo espiritualismo e o 
espiritualismo tradicional – impactaram diretamente na decadência do positivismo no Brasil. 
Outro fator é assinalado por João Cruz Costa (1956, p. 103), para quem: 
 
A propaganda a favor de uma República Ditatorial, como a que era feita pelos adeptos 
de Comte, não podia inspirar simpatia aos políticos liberais da tradição monarquista 
que se haviam apoderado da jovem República. Os positivistas não atentavam, porém, 
para isso. Seguiam, serenos, a linha traçada por Augusto Comte. As afirmações do 
Mestre bastavam-lhes, desatentos que sempre viveram da realidade que os envolvia. 
 
 
12 
 
 
Diante disso, conclui-se que o progresso das ciências suscitou profundas alterações nos 
sustentáculos da filosofia proposta por Auguste Comte, enfraquecendo, desse modo, os 
postulados do positivismo. 
Conforme já tratado, a doutrina positivista foi muito influente no Brasil até meados do 
século XIX. Quanto à adaptação do pensamento de Auguste Comte ao direito, discute-se que o 
positivismo jurídico implementado no Brasil sofreu muitas distorções em razão de uma 
tendência a se considerar apenas a dimensão científico-positivista do pensamento, afastando 
assim os fundamentos básicos da sociologia Comteana. 
É oportuno recordar que para o teórico, a sociologia deveria ser pensada como uma 
forma de se compreender o desenvolvimento da vida humana em sociedade sempre com o 
objetivo de proporcionar aos indivíduos a melhor adaptação possível ao ambiente social. 
(GONZALEZ; GOMES, 2014, p. 09). 
Ao mesmo tempo em a filosofia positivista serviu de suporte aos republicanos na 
promoção de mudanças na sociedade, tais ideais influenciaram também o chamado legalismo, 
evidenciado a partir de uma necessidade de previsão dos comportamentos em um regras escritas 
que seriam invocadas para a resolução dos conflitos da vida em sociedade. 
Gonzalez e Gomes (2014, p. 09) ressaltam que Luís Pereira Barreto foi um dos primeiros 
positivistas que no Brasil a desenvolver estudos na área jurídica, manejando a filosofia de 
Auguste Comte para fundamentar suas críticas ao direito, aos jurisconsultos e a Academia. 
Pereira Barreto, segundo apontam Gonzalez e Gomes (2014, p. 10), direcionou suas 
críticas aos fundamentos do direito no momento de criação dos cursos jurídicos no Brasil, 
notadamente “a reprodução dos compêndios coimbrãos, as bibliotecas jurídicas importadas, o 
formalismo que não acompanhava os aspectos histórico-sociais do país e a ausência de 
aprofundamento dos estudos filosóficos nas Faculdades de Direito (...)” 
Nesse ínterim, defendia-se a necessidade de reconstrução do direito a partir do 
reconhecimento da dinamicidade da sociedade. Criticava-se, nesse sentido, os juristas que 
negavam a incidência dos apontamentos sociológicos durante a elaboração e aplicação das leis, 
as quais eram apartadas da realidade e firmadas tão somente na razão. (Gonzales e Gomes, 
2014, p. 10) 
 
 
13 
 
Outra importante observação feita pelos autores quanto ao desenvolvimento do 
positivismo jurídico no Brasil diz respeito ao perfil dos bacharéis em direito à época. No 
momento do Segundo Reinado, o título de bacharel garantia ao indivíduo uma posição na elite 
política. Tal fato representava um problema à medida que a formação teórica de tais 
profissionais era insuficiente, bem como não a formação prática era praticamente ignorada. 
Desse modo, conforme os autores, não se verificava, nesse momento, o suporte científico 
necessário à resolução dos problemas sociais existentes. (Gonzales e Gomes, 2014, p. 10) 
Ademais, a insatisfação com o papel ocupado pelos bacharéis na elite política 
desagradava em especial os militares, hajavista que nesse período histórico, tais sujeitos eram 
afastados das funções políticas. Os militares encontraram no positivismo um importante suporte 
para seu descontentamento. 
Nesse sentido, Gonzales e Gomes (2014, p. 11) ensinam que: 
 
Para os militares, todas as críticas à jurisprudência, ao Direito e principalmente aos 
legalistas lhes eram convenientes, para desbancar o prestígio intocável dos bacharéis 
nas mais diversas funções sociais. Dessa forma, a introdução no Brasil da doutrina 
comteana desfrutou de grande admiração por parte da maioria da população instruída, 
incluindo os militares que nela se firmavam para destronar os bacharéis dos postos e 
prestígios alcançados. Instarou-se, então, nesse período de nossa história, uma crise 
entre o elemento militar e os bacharéis denominada por Sérgio Buarque de Holanda 
(apud VENÂNCIO, 1977, p. 280) de a batalha entre “a Farda e a Beca”. Tudo que 
fosse relativo ao bacharelismo passou a ser criticado duramente pelos militares e pelos 
positivistas formadores de opinião, que destacavam a falta de adequação dos juristas 
coimbrãos às questões sociais que se apresentavam; pelo despreparo dos lentes 
contratados pelo Império; pelas obras estrangeiras descompassadas e inúteis ao 
cenário nacional; pela má-formação dos bacharéis – os quais mais se aplicavam à 
literatura, ao jornalismo e à política; pela ausência de estudos práticos e atuais; pela 
falta de vocação jurídica, considerando que ser bacharel era ter um futuro promissor 
nas carreiras públicas, na política ou até mesmo no meio jurídico. 
 
 Por fim, interessa expor que, conforme os referidos autores buscam demonstrar, a 
filosofia Comteana não afastava o direito de seu papel enquanto regulador dos fatos sociais, 
reconhecendo, nesse sentido a relevância da sociologia na formação dos profissionais da área. 
O afastamento dos ensinamentos sociológicos na formação jurídica fez com que o positivismo 
fosse compreendido como cientificismo legalista. (Gonzales e Gomes, 2014, p. 12) 
Ainda segundo eles, os fatores para que não fosse concretizada a construção do direito 
social idealizado por Auguste Comte estão relacionados à ascensão do liberalismo no mundo 
orientado pelo individualismo e crescente teoria da autonomia da vontade. (Gonzales e Gomes, 
2014, p. 12) 
 
 
14 
 
Nesse sentido, o positivismo jurídico no Brasil afastou-se do aspecto sociológico em 
sua composição, o que limitou a compreensão do direito ao puro exame da norma, sem 
considerar a realidade fática a qual está inserida. Desse modo, criou-se excessivo formalismo 
que conduziu à fragilidade da ciência jurídica enquanto mecanismo de solução de conflitos 
sociais. 
 
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
Diante do exposto, infere-se que a teoria positivista não foi desenvolvida no Brasil da 
forma como foi proposta por Auguste Comte. Na teoria originária, a ideia se baseia em uma 
sociedade organizada de forma a primar a ciência como forma de conhecimento norteadora da 
evolução social, inspirando o pensamento progressista. 
O símbolo da influência do movimento positivista na República brasileira foi adotar o 
lema “ordem e progresso” em nossa bandeira. Há quem defenda que os ideais positivistas no 
Brasil funcionavam para tentar promover mudanças sem viabilizar, entretanto, modificações 
nas estruturas sociais e assegurar a modernização conservadora. Demonstrando que o sistema 
positivista no Brasil teve sua função histórica alterada, não servindo como instrumento de 
produção de mudanças nas estruturas sociais. Outros asseveram que a filosofia positivista não 
teve qualquer influência no processo de modernização conservadora, por não apresentar o 
aludido papel modernizador, tratando de processo sem função específica. 
O declínio da influência dos ideários positivistas sobreveio a partir do ano de 1891, após 
os primeiros momentos do regime republicano. Os ideais positivistas foram substituídos por 
outras correntes filosóficas de origem europeia gradualmente adotadas pela elite intelectual 
brasileira. O progresso das ciências suscitou profundas alterações nos sustentáculos da filosofia 
proposta por Auguste Comte, enfraquecendo, desse modo, os postulados do positivismo. 
Do estudo, infere-se que os fatores para que não fosse concretizada a construção do 
direito social idealizado por Auguste Comte estão relacionados à ascensão do liberalismo no 
mundo orientado pelo individualismo e crescente teoria da autonomia da vontade. Nesse 
sentido, o positivismo jurídico no Brasil afastou-se do aspecto sociológico em sua composição, 
o que limitou a compreensão do direito ao puro exame da norma, sem considerar a realidade 
fática a qual está inserida. Desse modo, criou-se excessivo formalismo que conduziu à 
fragilidade da ciência jurídica enquanto mecanismo de solução de conflitos sociais. 
 
 
15 
 
6 REFERÊNCIAS 
 
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um leitor europeu. Estudos CEBRAP, no. 21. 1988. 
 
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São Paulo: Atlas, 2015. 
 
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In Theoria - Revista Eletrônica de Filosofia. Volume 03 – Número 06 – Ano 2011. 
 
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<https://jus.com.br/artigos/18443/o-positivismo-juridico-de-hans-kelsen>. Acessado em 28 de 
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Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os pensadores) 
 
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Vol. 29 – História do Direito – Ano 2014. 
 
QUILICI GONZALEZ, Everaldo T.; GOMES, Agostinho Geraldo. A Transposição do 
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– edições. Câmara, 2018. 
 
https://jus.com.br/artigos/18443/o-positivismo-juridico-de-hans-kelsen
 
 
16 
 
WOLKMER, Antonio Carlos. História do Direito no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 
2003. 
17 
 
REPENSANDO A HISTÓRIA ÚNICA DO DIREITO LEGALISTA A PARTIR DA 
TEORIA JURÍDICA FEMINISTA E DA INTERSECCIONALIDADE 
 
 
Andrezza Gabrielli Silveira Menezes1 
Juliana Carolina da Silva Lima 2 
Juliana Fabrícia Correia Orihuela 3 
 
 
RESUMO 
O Direito é contado por meio de normas supostamente gerais, abstratas e imparciais, explicadas pelo Positivismo 
Jurídico Legalista. No entanto, faz-se necessário ressaltar que tais características são transmitidas por quem conta 
a história, fazendo-o, muitas vezes, de forma a desconsiderar o gênero, a raça e a classe como lentes necessárias 
para se pensar a ciência jurídica. Nesse sentido, tem-se como objetivo demonstrar como as premissas de 
conhecimento pretensamente avalorativo e neutro, postuladas na forma de se enxergar os direitos, mascara a forma 
com que estes atingiram e continuam a atingir as diversas mulheres em suas corporalidades, violentando-as. 
Outrossim, demonstra-se como a incorruptibilidade do Direito à outros âmbitos como a religião, a história e a 
medicina nãopode ser considerada absoluta quando se pensa na forma com que tais discursos de poder 
influenciaram a lei no tratamento de inferiorização postulado às mulheres. A pesquisa foi realizada a partir de uma 
abordagem da teoria jurídica feminista e da interseccionalidade, utilizando-se da metodologia crítica-reflexiva, por 
meio da análise de artigos, livros e legislação considerados pertinentes à temática proposta. Defende-se que, para 
que realmente não se conte uma histórica única do Direito é necessário compreender como este atuou e atua 
contrário as pretensões que postula, a partir das reflexões trazidas pelos feminismos. Somente dessa forma é que 
se torna possível compreender como as leis positivadas, na verdade, refletem o ponto de vista do homem e são 
instrumento para a subjugação das mulheres. 
 
Palavras-chave: Feminismos; Interseccionalidade; Positivismo Legalista. 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
O Direito Positivista é ensinado como avalorativo, tendo o seu surgimento enquanto 
ciência necessitado da abdicação de juízos de valor, devendo reter-se aos juízos de fato. Nesse 
sentido, são abandonados ditames em relação aos valores morais e à justiça, atrelados à busca 
por um direito ideal, própria do Juspositivismo (BOBBIO, 1995). 
Tem-se, portanto, a negação da subjetividade, com o intuito da busca por um 
conhecimento neutro. Deve-se ressaltar que a necessidade de buscar por objetividade também 
 
1 Acadêmica de Direito na Universidade Federal de Roraima (andrezzagabriellim@gmail.com). 
2 Acadêmica de Direito na Universidade Federal de Roraima (julianasilvarr@gmail.com). 
3 Acadêmica de Direito na Universidade Federal de Roraima (julianaorihuela@gmail.com). 
18 
 
passa a ser ideário de outras ciências humanas como, por exemplo, a história, pois “mesmo o 
historiador se esforça em ser objetivo, em reconstruir os fatos, despojando-se de suas paixões 
[…] de modo a explicar os eventos e não julgá-los […]”( BOBBIO, 1995, p. 136). 
Essa construção de cientificismo, própria da Modernidade, replicada nos conhecimentos 
das áreas humanas, foi responsável por justificar diversas violências. Sob esse prisma, 
Chimamanda Ngozi (2009) questiona os perigos de uma história única. A análise feita por ela, 
atrelada ao pensamento decolonial, questiona como a realidade objetiva é apresentada sob o 
ponto de vista do colonizador, considerada a mais racional, a mais avançada, enquanto a visão 
do colonizado, considerada como inferior, seria subjetiva. 
De maneira análoga à construção de Ngozi, tem-se como objetivo questionar o perigo 
de uma história única do Direito, ou seja, aquela que é contada por meio de normas 
supostamente gerais, abstratas e imparciais, explicadas pelo Positivismo Jurídico Legalista. Tal 
questionamento será realizado a partir das perspectivas feministas, que, por muito tempo, foram 
excluídas do âmbito acadêmico por pautarem-se sob o ponto de vista do grupo excluído, frisa-
se, não homogêneo, das mulheres. 
Nesse sentido, utiliza-se dos feminismos, pois tais movimentos contestam de maneira 
assertiva as premissas de conhecimento avalorativo e neutro postuladas pela ciência jurídica na 
forma com que estes atingiram e continuam a atingir as diversas mulheres em suas 
corporalidades. A utilização de Feminismo no plural se dá pelas diversas correntes desse 
pensamento, como o Radical, Liberal, Negro, Decolonial etc, que realizam as críticas a partir 
da própria definição do termo feminismo enquanto categoria hegemônica. Dessa forma, 
somente a partir das óticas feministas, por meio de juízos de valor, é que se torna possível 
compreender como as leis positivadas, na verdade, refletem o ponto de vista do homem e são 
instrumentos para a subjugação das mulheres. 
A pesquisa foi realizada a partir de uma abordagem da teoria jurídica feminista e da 
interseccionalidade, utilizando-se da metodologia crítica-reflexiva, por meio da análise de 
artigos, livros e legislação considerados pertinentes à temática proposta. Por fim, ressalta-se 
que a maioria dos ensinos jurídicos brasileiros desconsidera a relação dos feminismos com o 
Direito, pois, pautando-se somente na letra fria da lei, ocultam as formas com que os 
movimentos feministas lutaram por direitos e para a desconstrução de machismos e moralismos 
legalizados. 
 
2 CONTRAPONDO UMA HISTÓRIA ÚNICA DO DIREITO 
 
19 
 
As críticas feministas “se apresentam como um contraponto à tradição científica 
positivista, que busca a verdade absoluta a partir de uma concepção de ciência marcada, de um 
lado, pela neutralidade e, de outro, por uma metodologia imune às influências sociais” 
(MENDES, 2017, p. 84). Ao analisar tal crítica ao positivismo, pode-se observar a negação de 
pressupostos do Direito baseado em tal corrente, que postula ser neutro, imparcial, geral e 
abstrato. 
Nesse sentido, pontua-se que, em uma análise rasa, o âmbito jurídico poderia ser visto 
unicamente como protetor, garantidor de direitos e instrumento de justiça social, considerando 
nesse recorte, sobretudo, os direitos concernentes ao grupo diverso que se constitui o termo 
mulheres. Evita-se partir de uma concepção homogênea do termo mulher, considerando que 
não se pode considerá-la de maneira a ignorar multiplicidades e complexidades concernentes 
ao gênero, raça, classe e etnia. Para fugir de tais concepções Alda Facio (1999, p. 25) destaca a 
importância de se conhecer o feminismo, não só pela popularidade do Movimento, mas “para 
compreender el rol que ha desepeñado el derecho en la mantención y reproducción de la 
ideologia y estructuras que confirman el patriarcado” (Tradução livre: “para compreender o 
papel que o direito desempenhou na manutenção e na reprodução da ideologia e estruturas que 
confirmam o patriarcado”). 
O Movimento Feminista questiona, desde a Revolução Francesa, a suposta igualdade da 
ciência jurídica. A francesa Olympe de Gouges foi uma das principais representantes a 
questionar a universalidade da Declaração dos Direitos do homem e do cidadão, que claramente 
pressupunha como intrínseco à qualidade de humanidade o gênero masculino, branco e detentor 
de subsídios. Partindo desse pressuposto, as mulheres não eram consideradas cidadãs e, 
portanto, não existiam como sujeitos de direito. Como Cusicanqui ressalta (2010, p. 204) “el 
derecho y la formación histórica moderna […] tienen en Europa un anclaje renacentista e 
ilustrado a través del cual renace el ser humano como Sujeto Universal (y masculino) de la 
noción misma de ‘derecho’” (Tradução livre: “O Direito e a formação histórica moderna […] 
tem na Europa um enclave renascentista e ilustrado através de qual renasce o ser humano como 
sujeito universal (e masculino) de noção mesma de direito”). 
Apesar disso, quando cita-se a relação entre mulheres e Direito, em grande parte das 
abordagens, tem-se o intuito de enfatizar a atuação do Direito não como criador de disparidades, 
mas como salvador, acentuando aspectos concernentes, por exemplo, ao combate à violência 
doméstica, utilizando-se da Lei Maria da Penha, ao homicídio em razão do gênero, utilizando-
se da qualificação do Feminicídio e, mais recentemente, contra os atos que caracterizam a 
Importunação Sexual, tipificada pelo Código Penal. 
20 
 
No entanto, todas essas temáticas supracitadas são apresentadas de forma ineficaz e sob 
à ótica do conhecimento hegemônico, tratando-se de tais direitos de forma a ocultar a sua 
história, como se tivessem surgido magicamente da boa vontade do legislador. Utiliza-se, dessa 
forma, da pretensiosa perspectiva da objetividade, distanciando-se completamente da realidade 
de que foram direitos que surgiram da dor das violências praticadas contra às mulheres, que os 
reivindicaram por meio dos diversos movimentos feministas. 
Tratando-se da Lei Maria da Penha, Fabiana Severi (2018) demonstra como a forma em 
que a história da Lei é contada tende a omitir a atuação das feministas brasileiras que,por muito 
tempo, lutaram para ter a violência doméstica reconhecida além do âmbito privado. Também 
cita a propensão das obras concernentes a tal dispositivo legislativo citarem o movimento 
feminista simplesmente com a finalidade de acusá-lo de punitivista, sendo que o propósito do 
movimento nunca foi simplesmente a criminalização, mas a busca por outras medidas que não 
foram adotadas pelo Estado. 
 
3 A INFERIORIZAÇÃO DA MULHER PELOS DIVERSOS DISCURSOS E A 
IMPLICAÇÃO NO DIREITO 
 
Faz-se necessário ressaltar o fato de não se pontuar como o posicionamento do Direito, 
enquanto Teoria Pura e avalorativa, “parte del punto de vista masculino [...] da respuesta 
exclusivamente a los intereses de los hombres y trata dichas necesidades como universales al 
ser humano y no como próprias de una mitad de los sujetos del derecho (FACIO, 1999, p. 27. 
Tradução livre: “parte de um ponto de vista masculino […] dá resposta exclusivamente aos 
interesses dos homens e trata de tais necessidades como universais ao ser humano e não como 
próprias da metade dos sujeitos de direito”). Portanto, oculta-se que o âmbito jurídico foi 
influenciado por diversos discursos de poder que circundam a sociedade responsáveis por 
solidificar a dominação do homem sobre a mulher. 
Nesse sentido, Silvia Chakian (2019) demonstra em âmbitos como a religião, a história 
e a medicina foram responsáveis por consolidar o tratamento dado às mulheres pelo Direito. No 
mesmo plano expõe Beauvoir (2016, p. 19), “legisladores, sacerdotes, filósofos, escritores e 
sábios sempre se empenharam em demonstrar que a condição de subordinação da mulher era 
desejada no céu e proveitosa na terra”. 
Dessa forma, visa-se atrelar tal construção a como a legislação brasileira, calcada nos 
ideais positivistas, relegava às mulheres uma posição de subordinação e inferiorização. 
Outrossim, busca-se demonstrar como, além de não se falar sobre a luta feminista pelos direitos 
21 
 
conquistados, não se fala na maneira em que o Direito atuou/atua como mecanismo de violência 
contra as mulheres, mesmo partindo de uma concepção legalista. 
 
3.1 Mística cristã 
 
A religião é um dos âmbitos que mais estabelece papéis de gênero dentro do meio social. 
Ao fugir de tais normas comportamentais, a figura feminina é considerada, por vezes, diabólica 
por ser um instrumento de tentação e pecado que corrompe o homem. É interessante ressaltar 
como a visão bíblica é responsável por atribuir às mulheres que decidem não seguir as 
orientações do poder divino pressupostos de serem corruptíveis, ludibriáveis e maldosas. 
Pode-se perceber tais constatações ao analisar as representações das mulheres na Bíblia, 
como expressa Chakian (2019, p.9), citando Maíra Zapater:, “[...] enquanto a mulher é 
representada por duas figuras centrais: Eva e a Virgem Maria: a primeira, responsável pelo 
‘pecado do mundo’, e a segunda, por conceber o filho de Deus ‘sem pecado’”. Nesse sentido, 
a mulher considerada valorosa e digna de respeito é aquela que se adequa às normas de 
castidade, de submissão, de passividade e de obediência. 
Essa percepção de separar as mulheres em grupos diversos, considerando valores morais 
postulados pela religião, sobretudo quanto às ideias de que uma “pureza sexual” feminina 
atrelada à honestidade enquanto ser humano, é absorvida pelo âmbito jurídico na Codificação 
Penal de 1940. O referido código “excluía de proteção jurídica toda aquela cuja reputação não 
correspondesse aos padrões morais de recato, pudor e submissão da época” (CHAKIAN, 2019, 
p. 233). A proteção apenas à “mulher honesta” ainda foi alvo de tentativa de explicação, anos 
depois, por Nelson Hungria, presidente da Comissão Revisora do Anteprojeto do Código Penal 
de 1969, quando declarou: 
 
Como tal se entende, não sòmente aquela cuja conduta, sob o ponto de vista da moral 
sexual, é irrepreensível, senão também aquela que ainda não rompeu com o minimum 
de decência exigida pelos bons costumes. Só deixa de ser honesta (sob o prisma 
jurídico-penal) a mulher francamente desregrada, aquela que inescrupulosamente, 
multorum libidini patet, ainda não tenha descido à condição de autêntica prostituta. 
Desonesta é a mulher fácil, que se entrega a uns e outros, por interesse ou mera 
depravação (cum vel sine pecúnia accepta) (DA SILVA, 2019, p. 229-230). 
 
Nesse sentido pode-se perceber o histórico sexista em que o Código Penal brasileiro 
classificava as mulheres entre honestas e não honestas. Como exemplo, o anterior caput do art. 
215: “ter conjunção carnal com mulher honesta mediante fraude”; sendo o termo “honesta” 
suprimido da redação atual. Na visão de Chakian (2019) a situação poderia ser enxergada até 
22 
 
mesmo como uma forma de classificação atinente à mulheres estupráveis e não estupráveis. Tal 
fato só foi alterado na letra da lei com o advento da Lei n.º 11.106/05, que passa a retirar o 
termo “honesta” da tipificação penal. 
No entanto, deve-se ressaltar que, apesar da alteração legislativa, não necessariamente 
houve câmbio na mentalidade da sociedade e dos juristas, uma vez que ainda tende-se atrelar 
tais condutas para qualificar às vítimas de estupro como passíveis ou não de serem acreditadas. 
Como exemplificação, pode-se citar o caso da influencer Mariana Ferrer, que teve parte da 
audiência divulgada na qual é possível observar como o advogado de defesa utiliza-se dos 
comportamentos da vítima para tentar descaracterizar que esta era virgem, pois na concepção 
da defesa ela não era “pura” o suficiente (THE INTERCEPT BRASIL, 2020), trazendo à tona 
o mesmo pensamento de Nelson Hungria. 
 
3.2 A Idade Média e a Era das Bruxas 
 
No imaginário coletivo existe a imagem construída da bruxaria da Idade Média, 
responsável por levar muitas mulheres à fogueira por seus feitiços, pactos com o demônio, 
heresias e pecados. No entanto a historiadora Silvia Federici (2017, p. 299) demonstra que a 
bruxa era a que “praticava sua sexualidade fora dos vínculos do casamento e da procriação. Por 
isso, nos julgamentos por bruxaria, a má reputação era prova de culpa” 
Importante destacar o Malleus Maleficarum ou Martelo das Feiticeiras, um manual de 
inquisidores da época, no qual “constam afirmações relativas à perversidade, à malícia, à 
fraqueza física e mental, à pouca fé das mulheres, e, até mesmo, a classe de homens que seriam 
imunes aos seus feitiços” (MENDES, 2017, p. 21). Dessa forma, justificando judicialmente a 
caça às bruxas em razão da mulher ter intrinsecamente uma conduta desviante. 
Essa construção que passa a caracterizar as mulheres como seres que deveriam ser 
temidos e, após, aniquilados, ultrapassou a chamada Idade Média. Nesse sentido, as mulheres 
que não seguem as normas prescritas pela sociedade, por exemplo, por não aceitarem a 
maternidade compulsória ou, sobretudo, os ditames da moral sexual, continuam a ser mal vistas: 
 
[...] ainda que tenha passado a ser reconhecida como sujeito passivo, a prostituta 
continua sofrendo, não só com as consequências físicas, psíquicas, econômicas e 
sociais do fato típico (vitimização primária), mas também com a falta de prepara e o 
descrédito das instituições no que diz respeito à sua palavra (vitimização secundária) 
(CHAKIAN, 2019, P. 235). 
 
Dessa forma, observa-se que a figura das bruxas, claramente, faz-se persistente, tendo 
em vista que, a mulher que decide não seguir a conduta prescrita pela sociedade machista e 
23 
 
patriarcal, não é vista da mesma forma pelos julgadores. Portanto, é possível entender que o 
âmbito jurídico não é incorruptível quanto à concepção social pautada, como demonstra 
Chakian (2019), em uma dupla moral sexual, na qual se repudia no comportamento sexual 
feminino o que se aprova no masculino. 
 
3.3 A literatura médica 
 
Do século XIII ao século XIX a mulher passa a ser categorizada por um discurso 
biológico e patologizante que tem como intenção justificar a sua inferioridadede forma 
científica. Nesse plano, Chakian (2019, p. 21) citando Laqueur, demonstra que até mesmo 
utilizavam-se dos fluidos corporais das mulheres contra elas, “os humores frios e úmidos 
considerados dominantes no corpo da mulher eram relacionados com as características de 
“mentira, mutação, instabilidade”. 
Tais discursos eram utilizados para determinar o lugar da mulher na sociedade, muitas 
vezes utilizando do seu sexo para relegá-la a um lugar inferior e transformá-la em um ser menos 
confiável, mentiroso e atribuir-lhe a loucura, retirando-lhe o estado de sanidade mental. 
A influência de tais ideias fica bastante evidente quando analisamos que até o Estatuto 
da Mulher Casada, Lei n.º 4.121, de 1962, no qual as mulheres eram consideradas relativamente 
incapazes ao se casarem. Nesse sentido, o casamento as fazia perder a capacidade, que, como 
se sabe, no Direito Civil está atrelada ao desenvolvimento mental do sujeito. Dessa situação 
jurídica, decorriam importantes limitações: 
 
Entre 1916 e 1962, a chefia masculina permaneceu assim definida, competindo ao 
marido a representação legal da família, a administração dos bens comuns, o direito 
de fixar domicílio e o dever de ‘prover a manutenção da família’. A lei de 1962 
avançou ao retirar do código o direito do marido de ‘autorizar a profissão da mulher 
e sua residência fora do teto conjugal’ (BIROLI, 2018, p. 120). 
 
Dessa forma, o próprio Direito legitimava a infantilização da mulher, que perdia a 
habilidade de tomar as próprias decisões e se autodeterminar. Concepções que ainda perpetram 
o tratamento institucional dado às mulheres que vão em busca da tutela jurisdicional: 
 
[…] a reação vai questionar não apenas os fatos que a mulher afirma, mas também a 
sua capacidade de falar e seu direito de falar. Gerações de mulheres já foram chamadas 
de delirantes, confusas, manipuladoras, malévolas, conspiratórias, congenitamente 
desonestas [...] (SOLNIT, 2017, p. 134). 
 
Nesse sentido, pode-se observar, sobretudo no campo processual penal, como o discurso 
médico se cristalizou, pois muito se fala da mulher mentirosa, sendo incontáveis os 
24 
 
depoimentos em casos de violência de gênero que já foram descredibilizados por não 
acreditarem na palavra da vítima, principalmente, quando se está à frente de um agressor que 
não se encaixa no estereótipo, por ser considerado um homem de família e um cidadão do bem, 
rico, branco e heterossexual. 
 
4 A IMPORTÂNCIA DA INTERSECCIONALIDADE 
 
 Apesar das alterações legais quanto às violências legitimadas contra as mulheres no 
plano jurídico, como pôde-se observar no tópico anterior, e da criação de direitos que tendem a 
caracterizar o Direito como um instrumento de justiça social, faz-se necessário fazer ressalvas. 
Nesse sentido, mesmo que esses direitos se apresentem positivados nas diversas leis e códigos, 
não são todas as mulheres que podem exercê-los de forma equânime e igualitária. 
Alda Facio (1999) demonstra como a maioria das correntes dos feminismos não se 
preocupa somente com a elaboração de mais leis para as mulheres, simplesmente considerando 
um aspecto formal, mas também considera quem vai conseguir exercer tais direitos, 
possibilitando um exercício substancial. 
A autora aponta que, muitas vezes, o feminismo apoia as mudanças legislativas, apesar 
de ter consciência que atingirão em grande parte somente as mulheres de classe média alta, com 
a esperança de talvez haver certa mudança nas estruturas de poder. Nesse viés, Sueli Carneiro 
(2003) relata diversas conquistas do movimento feminista brasileiro, mas, também, demonstra 
como, por muito tempo, tal movimento foi pautado por uma visão homogênea, que 
invisibilizava as pluralidades e as diferenças das diversas mulheres. 
Tal fato pode ser visto nas importantes conquistas pelo chamado Lobby do Batom, que 
liderou diversas conquistas quanto aos direitos das mulheres na Constituinte. No entanto, nos 
direitos conquistados, não se falava na realidade da mulher negra ou indígena. Dessa forma, é 
válido ressaltar que, essa mesma visão de que existe uma figura de mulher homogênea, é 
adotada pelo Direito. 
Desconsiderar as multiplicidades que circundam o gênero é uma forma de ocultar a 
diferença que sempre existiu entre as mulheres de diferentes classes e raças. Isto posto, é 
necessário ressaltar que “enquanto […] mulheres brancas lutavam pelo direito ao voto e ao 
trabalho, mulheres negras lutavam para serem consideradas pessoas” (RIBEIRO, 2016, p. 100). 
O Movimento Feminista Negro enfatiza que, apesar do âmbito jurídico prever 
formalmente direitos relacionados ao gênero, substancialmente não são todas as mulheres que 
usufruem deles. Há de se observar que parte da classe feminina está subordinada a sistemas de 
25 
 
opressão simultâneos ao machismo, como o racismo e a classe social, o que torna mais 
complexo o exercício material de direitos, haja vista a maior vulnerabilidade. 
Assim, considerando a desigualdade histórica do exercício de direitos, sobretudo no 
Brasil, em que há uma fortíssima hierarquia social, faz-se relevante ressaltar o conceito de 
“Interseccionalidade”, que apresenta a forma com que “o racismo, o patriarcalismo, a opressão 
de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as 
posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras” (CRENSHAW, 2002, 277). Em 
analogia, enquanto a mulher branca e rica está firme no combate ao machismo, a preta pobre 
tem que defrontar com o sexismo e preconceito contra a raça diariamente enquanto desempenha 
o papel de trabalhadora. 
Por esse motivo, há necessidade de compreensão da questão de gênero como um 
fenômeno complexo. Observa-se nele a existência de diferentes formas de desigualdade, que 
não apenas a desigualdade entre homem e mulher. Através da interseccionalidade há o estudo 
e contribuição para que mulheres negras, indígenas, imigrantes, transgêneros, homoafetivas, 
com deficiência, pobres, com baixa escolaridade e mulheres brancas, classe média e 
escolarizadas, tenham diferentes experiências que devem ser consideradas motivo pela esfera 
jurídica. 
 
5 CONCLUSÃO 
 
 A partir do que foi exposto é possível perceber que os ideias positivistas quanto à 
neutralidade e à imparcialidade não são observados quando se analisa a história jurídica por 
outra ótica. Nesse sentido, mesmo pautando-se na legislação, observou-se um tratamento que 
visava regular e reprimir determinado gênero, raça e classe, sendo o critério generalista da 
norma inobservado para se alcançar tais fins. 
 Ademais, a pretensa proibição da adequação à valores é rechaçada quando se analisa as 
formas com que o Direito replicou convicções que inferiorizam as mulheres, advindos de 
diversos círculos, como a religião, a história e a medicina. Observou-se, através da presente 
pesquisa, que estas crenças foram responsáveis por solidificar características negativas 
continuamente atribuídas às mulheres de forma a inferiorizá-las. 
 Apesar da esfera jurídica ter legitimado por muito tempo a submissão feminina através 
das leis e códigos, atualmente há uma ênfase ao papel dos direitos ligados ao combate à 
violência de gênero. Contudo, as normativas omitem que tal cambio de perspectiva se deu como 
fruto das mobilizações dos diversos feminismos e não resultou de uma curta batalha. 
26 
 
Nesse sentido, deve-se destacar que apesar das mudanças legislativas, a esfera jurídica 
continua a violentar as diversas mulheres na substancialidade do exercício de direitos. Dessa 
forma, para não contar uma história única do Direito é importante, além de entender como o 
âmbito jurídico subjugava as diversas mulheres por meio das leis, pensar a partir das lentes da 
interseccionalidade. A partir desse pensamento, será possível, então, possibilitar a equidade na 
garantia e segurança dos direitos à multiplicidade feminina existente no mundo, deforma que 
as necessidades de mulheres mais vulneráveis sejam atendidas tais quais são as de mulheres 
brancas, ricas, e escolarizadas. 
 
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
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28 
 
 
ANÁLISE JURÍDICA E FILOSÓFICA DO FILME PANTERA NEGRA 
 
 
Danyele Beatriz Cavalcante de Oliveira1 
Isabelly da Silva Rodrigues2 
Maria Clara Govêia de Oliveira3 
 
 
RESUMO 
O filme Pantera Negra é um longa de Ryan Coogler, que traz como personagem principal um super-herói negro. 
Em consequência desse fato, a obra aborda muitos temas da luta por direitos da comunidade negra e africana. O 
presente artigo pretende realizar uma análise das questões levantadas pelo filme Pantera Negra, utilizando-se de 
um estudo filosófico e jurídico, refletindo sobre como essas críticas impactam o cenário mundial. Utilizando-se o 
método dedutivo aliado ao método crítico-reflexivo e realizando pesquisa bibliográfica doutrinária, tem-se como 
resultado a comprovação de que a película desempenha imprescindível papel na militância antirracista, 
contribuindo com o cenário acadêmico. 
Palavras-chave: Pantera Negra; Antirracismo; Direito; Filosofia. 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
Pantera Negra (2018) é um filme do Universo Marvel e retrata a história do começo do 
reinado do príncipe T’Challa no país africano fictício Wakanda, que é um grande segredo para 
o mundo. Para a sociedade mundial, trata-se de um país de terceiro mundo. No entanto, 
Wakanda é, na verdade, um grande centro de desenvolvimento, cultura e fartura, onde os 
avanços tecnológicos são inimagináveis. Com o novo status real, T’Challa enfrenta um grande 
 
1 Acadêmica em Direito da Universidade Federal de Direito (danybeatriz15@gmail.com). 
2 Acadêmica em Direito da Universidade Federal de Direito (risabelly980@gmail.com). 
3 Acadêmica em Direito da Universidade Federal de Direito (mariaclarinha.rr@gmail.com). 
29 
 
 
problema: os vilões Ulysses Klaue e Erik Killmonger estão roubando o grande metal 
“Vibranium”, típico de Wakanda e um dos principais garantidores do desenvolvimento do país. 
Por ser o primeiro filme que conta a história de um super-herói negro nos cinemas, a 
obra cinematográfica se tornou um marco no que se refere a representatividade para a população 
negra. O filme gerou grande repercussão ao retratar não apenas um super-herói em posição de 
poder, mas uma sociedade onde há respeito mútuo e os negros não são discriminados, não 
passam dificuldades e têm suas origens e cultura valorizadas. A história representa não apenas 
os negros no geral, mas também a comunidade feminina, pois o país fictício de Wakanda tem 
as mulheres como principais guerreiras e defensoras da terra, além da personagem adolescente 
Shuri, irmã do príncipe T’Challa, que coordena e idealiza toda a produção tecnológica do país. 
Em agosto de 2020 o Atlas da Violência, em estudo feito pelo Ipea (Instituto de Pesquisa 
Econômica Aplicada), juntamente com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, tendo como 
base de dados os números indicados pelo Sistema de Informação sobre Mortalidade, do 
Ministério da Saúde (SIM/MS), apontou que a taxa de homicídio de negros cresceu 11,5% e a 
de não-negros caiu 12% no período de 2008 a 2018. Ainda segundo a pesquisa, os negros 
contabilizam 75,9% dos brasileiros assassinados no período estudado, destacando o estado de 
Roraima com a taxa de 87,5 mortos para cada 100 mil habitantes. 
Diante dos fatos mencionados e das recentes manifestações antirracistas que ocorreram 
no mundo, como o movimento “Black Lives Matter”, surgiu a necessidade de analisar como o 
filme impactou a sociedade ao acender uma chama de esperança de dias melhores, com mais 
respeito, igualdade e oportunidade para os grupos que se encontram em situação de 
vulnerabilidade social. 
Tendo em vista essa justificativa e por usufruto do método dedutivo em conjunto com o 
método crítico-reflexivo, realiza-se este artigo com objetivo de construir uma análise das 
críticas feitas pelo longa. Para tal, se faz presente um estudo filosófico e jurídico em que ocorre 
uma reflexão sobre como é impactado o cenário mundial mediante repercussão do filme. 
 
2 PARTICULARIDADES DE PANTERA NEGRA 
 
É possível notar, com a sinopse e o enredo, que o filmeé uma verdadeira aventura e 
fantasia que, em princípio, não se adequaria como objeto de um estudo filosófico e jurídico. 
30 
 
 
Entretanto, a obra utiliza referências reais que representam a população negra de todo o mundo. 
O presente tópico tem por objetivo analisar esses traços que fazem a película se tornar rica para 
ser estudado. 
É relevante citar que o elenco é majoritariamente composto por pessoas negras. O 
protagonista é homem negro que é rei de um país extremamente desenvolvido. Além disso, a 
maioria das personagens coadjuvantes, que estão em volta de T’Challa, são mulheres negras, 
que são retratadas como guerreiras, rainhas e gênias superdotadas. Com essa observação, pode-
se constatar que há uma preocupação em desconstruir estereótipos muito comuns do imaginário 
social, em que se coloca um homem negro em uma posição de destaque e a mulher negra em 
uma função que, em uma sociedade não fictícia, seria ocupada por um homem. 
A ideia do filme é contrária ao que Djamila Ribeiro (2019) ilustra ao citar casos 
brasileiros: 
 
A escrava Isaura, por exemplo, uma adaptação de Gilberto Braga do romance 
homônimo de Bernardo Guimarães (1875), apesar de no livro a personagem-título ser 
uma mulher negra, a atriz que a interpretou foi Lucélia Santos, uma mulher branca. O 
diretor apresenta muitos casos de racismo e critica o lugar subalterno a que 
personagens negros são relegados: para além da reivindicação justa por 
representatividade, também se deve questionar o modo como estamos sendo 
retratados. Muitas vezes atores negros são contratados para atuarem como “bandido” 
ou “bêbado”, no caso dos homens, ou como empregada doméstica ou a “gostosa”, no 
caso das mulheres. (RIBEIRO, 2019, p. 73 e 74) 
 
Além disso, é interessante compreender a construção social e cultural do país Wakanda. 
A nação fictícia é pautada em uma forte tradição baseada na espiritualidade, o que se expressa 
nas cenas dos rituais e da coroação do rei. Uma clara referência à cultura dos povos tradicionais 
africanos. 
Mediante essa reflexão, todavia, pode surgir a dúvida se a utilização dos aspectos no 
filme caracterizaria a existência de uma apropriação cultural, uma vez que se trata de uma 
produção lucrativa. 
O antropólogo Rodney William (2019) traz o seguinte conceito: 
 
Apropriação cultural é um mecanismo de opressão por meio do qual um grupo 
dominante se apodera de uma cultura inferiorizada, esvaziando de significados suas 
produções, costumes, tradições e demais elementos. Tomando como exemplo a 
sociedade de consumo, onde tudo se transforma em produto(...) (WILLIAM, 2019, p. 
29) 
31 
 
 
 
Djamila Ribeiro, escrevendo sobre o assunto, disse: 
 
É importante que se tenha uma preocupação real em não desrespeitar os símbolos de 
outra culturas. Para isso, deve-se nutrir empatia pelos diversos grupos existentes na 
sociedade, um processo intelectual que é construído ao longo do tempo e exige 
comprometimento: quando eu conheço outra cultura, eu a respeito. Então é essencial 
estudar, escutar e se informar. (RIBEIRO, 2019, p. 72) 
 
A partir desses discursos, pode-se constatar que o filme utiliza a tradição africana, por 
meio do veículo do entretenimento, para atingir a massa mundial, trazendo representatividade 
para a comunidade negra. Não se trata de uma opressão, nem ignora as mazelas vividas pelo 
povo africano (RIBEIRO, 2019). Na verdade, essa é uma das reflexões que o filme faz. O povo 
wakandano vive em um país extremamente desenvolvido e repleto de recursos, enquanto a 
população negra de todo o resto do mundo sofre com a escravidão, o racismo e a fome. 
Em face desse fato, é possível compreender a demonstração de que não há lugar perfeito 
e que Wakanda tem uma política extremamente isolacionista proveniente do medo de serem 
dominados, e de se aproveitarem de suas riquezas. Em consequência dessa política, a sociedade 
wakandana é muito preconceituosa com quem é de fora do país e tal traço se revela na figura 
do antagonista principal: Erik Killmonger. 
Na história do filme, se descobre que Erik é o primo renegado do rei T’Challa que 
cresceu às margens da sociedade estadunidense. Sendo um reflexo do sistema (MACHADO, 
2018), ele se revolta com a política exclusivista wakandana e busca tomar o país para si para 
que possa vingar o povo oprimido. Sobre o vilão Ayana Medeiros reflete: 
 
Considerando que o mesmo, foi criado fora de Wakanda, o seu essencialismo se 
igualava ao essencialismo europeu, através da sua experiência de vida no ocidente. O 
mesmo, por não respeitar a hierarquia espiritual própria do essencialismo africano 
acaba se tornando o vilão, no mais seus atos visavam a tornar Wakanda uma nação 
imperialista , assim como alguns países historicamente são. (MEDEIROS, 2018) 
 
Diante de tudo, é claro que que o filme traz muitos pontos importantes, que merecem 
uma ponderação filosófica mais profunda. 
 
3 PANTERA NEGRA, A MODERNIDADE E A PÓS-MODERNIDADE 
32 
 
 
Uma passagem muito marcante do filme é a cena em que Killmonger é derrotado e 
T’Challa demonstra misericórdia, não querendo matá-lo. O antagonista diz que prefere a morte 
e diz a seguinte frase: “Jogue-me no oceano com meus antepassados que pularam dos navios, 
porque sabiam que a morte era melhor do que a escravidão”. Com essa frase, a personagem 
lembra de como era feito o processo de escravização da população africana, que era levada 
pelos países dominantes para as colônias em navios negreiros. 
A partir dessa consideração, é imprescindível ponderar sobre a formação da sociedade 
moderna mundial e de suas influências. A modernidade (LOPES, 2011) surge após eventos 
como a Reforma Protestante e a chegada dos europeus à América, baseada nas correntes 
ideológicas advindas de pensadores como Immanuel Kant (1724-1804) e Georg Wilhelm 
Friedrich Hegel (1770-1831), os quais pregam ideais de liberdade e emancipação (CÂNDIDO; 
JESUS; NEGRI, 2018), no plano filosófico. 
Contraditoriamente, percebe-se que a modernidade se forma a partir de uma influência 
exclusivamente europeia. No entanto, o mundo não é formado apenas pela Europa. O que dizer 
das outras culturas como a da população negra? Elas foram diminuídas e escravizadas, 
resistindo aos colonizadores através de muita luta. Dessa forma, tem-se: 
 
Sendo assim, aquelas formas de pensar e de viver que não se identificavam com as 
formas de pensar e viver europeias eram consideradas como não-humanas, bárbaras 
ou selvagens. E isso justificaria um processo supostamente civilizador e modernizante 
dessas populações e culturas, mesmo que realizado de forma violenta e gerando 
sacrifícios humanos. (CÂNDIDO; JESUS; NEGRI, 2018) 
 
O filme é, portanto, muito eficaz ao abordar essa construção social. Com isso, a Revista 
Movimento (2018) aponta Pantera Negra como uma produção com características fundamentais 
pós-modernistas. Segundo Terry Eagleton: 
 
Pós-modernidade é uma linha de pensamento que questiona as noções clássicas de 
verdade, razão, identidade e objetividade, a ideia de progresso ou emancipação 
universal, os sistemas únicos, as grandes narrativas ou os fundamentos definitivos de 
explicação. Contrariando essas normas do iluminismo, vê o mundo como contingente, 
gratuito, diverso, instável, imprevisível, um conjunto de culturas ou interpretações 
desunificadas gerando um certo grau de ceticismo em relação à objetividade da 
verdade, da história e das normas, em relação às idiossincrasias e a coerência de 
identidades. Essa maneira de ver, como sustentam alguns, baseia-se em circunstâncias 
concretas: ela emerge da mudança histórica ocorrida no Ocidente para uma nova 
forma de capitalismo — para o mundo efêmero e descentralizado da tecnologia, do 
consumismo e da indústria cultural, no qual as indústrias de serviços, finanças e 
informação triunfam sobre a produção tradicional, e a política clássica de classes cede 
terreno a uma série difusa de “políticas de identidade”. (EAGLETON,2011, p.7) 
33 
 
 
 
Em razão dessa explanação, a revista classifica o filme nessa categoria, uma vez que ele 
retrata as consequências de um sistema neoliberal, como a desigualdade e a pobreza, que se 
relaciona com a sociedade capitalista. Além disso, a obra também discute como seria se 
Wakanda, um país tão avançado tecnologicamente, dominasse o mundo, o que também se 
encaixa na ideia pós-moderna. Tal fatos demonstram que as críticas da obra contribuem para o 
cenário acadêmico e bombardeiam a massa com extremas reflexões. 
 
4 QUESTÕES JURÍDICAS LEVANTADAS A PARTIR DA ANÁLISE DO FILME 
 
Conforme já exposto, toda a produção e execução do filme “Pantera Negra” nos faz 
refletir sobre o papel que os negros têm ocupado não só no cinema, como também nos diversos 
setores da sociedade. 
O filme apresenta um país africano extremamente rico com pessoas negras exercendo 
funções de destaque como reis e heróis, muito diferente do que nos é comum em grandes 
produções cinematográficas. Se tornou natural, no âmbito desse meio artístico, retratar esse 
segmento sempre em posição de inferioridade e submissão ou até mesmo como o “mau” que 
deve ser eliminado. 
O que se observa é como produções artísticas reforçam os estereótipos e o racismo 
estrutural presente na sociedade. Ao assistir o longa-metragem ora analisado pode-se 
questionar: quem exerce as posições de poder na nossa sociedade? Todos os segmentos estão 
igualmente representados? O direito à igualdade é uma realidade? 
Cumpre destacar que o tema em questão possui muitos desdobramentos a serem 
discutidos, no entanto, tendo em vista os objetivos delimitados no presente artigo, atém-se a 
uma abordagem meramente jurídica. 
 
5 O DIREITO NA LUTA CONTRA O RACISMO 
 
34 
 
 
No contexto internacional, vemos que o direito à igualdade se tornou uma preocupação 
das nações principalmente após às Segunda Guerra Mundial, quando em 1948 é celebrada a 
Declaração Universal dos Direitos Humanos que em seu artigo primeiro dispõe: 
 
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados 
de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de 
fraternidade. 
 
A partir daí surgiram vários tratados e resoluções importante com o objetivo de pôr fim 
às diversas discriminações incluindo a racial. Destacamos a Convenção Interamericana de 
Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) de 1969, ratificada pelo Brasil por meio 
do Decreto n° 678/1992, cujo art. 24 assim nos apresenta: “Artigo 24. Todas as pessoas são 
iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem discriminação, a igual proteção da lei.” 
No Brasil nossa Constituição Federal em seu art. 5° dispõe: 
 
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos 
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à 
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: 
(...) 
XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades 
fundamentais; 
XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à 
pena de reclusão, nos termos da lei. 
 
Como pode se observar no campo das normas qualquer tipo de discriminação é 
intolerável, sendo que todos devem ser tratados igualmente, entendendo-se que os lugares de 
poder de uma sociedade podem ser exercidos por qualquer cidadão. 
Mais uma vez nos deparamos com o dilema do mundo jurídico de trazer para a realidade 
da população o disposto na norma, tarefa muito árdua e que muitas vezes é dificultada pelo 
Direito quando observamos, por exemplo, o sistema penal e sua seletividade. O que se vê, ao 
contrário do disposto na lei, é o poder de representatividade concentrado nas mãos de apenas 
um segmento da sociedade. 
No entanto, isso não significa afirmar que o Direito seja dispensável na luta por um 
tratamento igualitário. Sobre a relação do direito com o racismo Silvio Luiz de Almeida em seu 
livro Racismo Estrutural, apresenta duas visões: 
35 
 
 
 
1. o direito é a forma mais eficiente de combate ao racismo, seja punindo 
criminal e civilmente os racistas, seja estruturando políticas públicas de promoção da 
igualdade; 
2. o direito, ainda que possa introduzir mudanças superficiais na condição de 
grupos minoritários, faz parte da mesma estrutura social que reproduz o racismo 
enquanto prática política e como ideologia. (ALMEIDA, 2019) 
 
Muito embora seja possível afirmar que o direito como instituição pode, de alguma 
forma, reproduzir o racismo presente na ordem social, entendemos que ele ainda é uma 
ferramenta importante na luta antirracista empreendida por diversos movimentos sociais. 
 
6 HISTÓRICO LEGISLATIVO BRASILEIRO SOBRE QUESTÕES RACIAIS 
 
No ordenamento jurídico brasileiro, a legislação vem tratando da temática racial há 
muitos anos. Em 1951 foi promulgada a Lei Afonso Arinos, Lei 1.390/51, que tornou 
contravenção a prática da discriminação racial. A Constituição de 1988 tratou de forma mais 
eficiente o assunto, no âmbito penal tornou o crime de racismo inafiançável e imprescritível 
como já exposto, tal disposição serviu de base para a Lei n° 7.716/89, lei dos crimes de racismo, 
também conhecida como Lei Caó em homenagem ao parlamentar que propôs o projeto de lei, 
Carlos Alberto de Oliveira, 
Em 1997 a Lei n° 9.459 acrescentou o §3° ao art. 140 do Código Penal instituindo o tipo 
penal da injúria racial ou qualificada. Vale destacar a Lei 10.639/2003, que determina o ensino 
de história da África e cultura afro-brasileira em todas as escolas nacionais, e a Lei 12.288/2010, 
que é também chamada de Estatuto da Igualdade Racial. 
Recentemente no dia 25 de novembro de 2020, foi aprovado no Senado Federal um 
projeto de lei (PLS 787/2015) que altera o Código Penal e inclui a previsão de agravantes aos 
crimes praticados por motivo de racismo. O texto inclui no Código Penal Brasileiro a 
possibilidade de inserir agravante “por motivo de discriminação e preconceito de raça, cor, 
etnia, religião, procedência nacional ou orientação sexual”. O projeto seguiu para a aprovação 
na Câmara dos Deputados. 
 
7 REPERCUSSÃO DO FILME NO ATUAL CENÁRIO RACIAL 
36 
 
 
 
As manifestações antirracistas têm sido cada vez mais frequentes em vários países, seja 
através de protestos nas ruas ou nas redes sociais. Em 2020, tais manifestações ganharam mais 
força e visibilidade após o caso de George Floyd, que foi assassinado em uma abordagem 
policial nos Estados Unidos. Com a repercussão do caso, o movimento Black Lives Matter veio 
à tona e levou várias pessoas às ruas em protestos contra o racismo mesmo diante da pandemia 
de Covid-19. 
No Brasil, só em 2020, houve vários casos de racismo que resultaram em mortes 
circulando nos meios de comunicação. Como por exemplo, o recente caso de João Alberto da 
Silva, homem negro que faleceu na véspera do Dia da Consciência Negra após ser espancado 
por dois seguranças brancos em uma das filiais de uma grande rede de supermercados do país. 
Ocorrências como essa se tornaram rotineiras e desencadearam a necessidade de frequentes 
protestos contra o racismo estrutural que ainda predomina em muitos lugares. 
Nesse sentido, é de extrema importância que haja representatividade de negros em todos 
as áreas da sociedade, seja na política, na universidade, na arte, na saúde, na segurança e entre 
outras. A boa notícia é que, mesmo enfrentando muitas dificuldades, o número de negros e 
pardos tem aumentado em alguns desses setores. O IBGE (BRASIL, 2018) divulgou dados da 
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), que apontou a taxa de 50,3% 
de pretos e pardos nas universidades públicas brasileiras enquanto brancos e outros compõem 
49,7% do total. Em 2019, uma foto com 12 formandos negros da Universidade Federal do 
Recôncavo da Bahia (UFRB) viralizou nas redes sociais ao mostrar a primeiraturma de médicos 
negros da UFRB. 
O número de negros também aumentou na política, segundo o TSE (BRASIL, 2020), 
nas eleições municipais de 2020 o índice de candidatos pardos e pretos foi de 49,9% 
ultrapassando os 48,1% dos candidatos autodeclarados brancos nos pedidos de registro de 
candidatura. No mesmo período, as eleições para presidência dos Estados Unidos marcaram a 
representatividade de mulheres negras ao eleger, Kamala Harris, a primeira vice-presidente 
negra do país. 
Esses e outros fatos associados ao filme Pantera Negra são motivos pelos quais mulheres 
e homens negros devem continuar se impondo e resistindo a episódios de violência e 
desigualdade racial. 
Sobre os impactos causados pelo filme, pode-se observar: 
37 
 
 
 
Foi capaz de inspirar, mais que fãs, pessoas que se reconheceram e se viram 
representadas pelos personagens, suas lutas e conquistas. Tudo isto, é claro, não 
ocorreu de modo direto, mas por vezes provocou tensões e reflexões. 
(DAMASCENO; CARVALHO; OLIVEIRA, 2019, p. 14) 
 
O filme em questão demonstra o ideal de que negros e pardos podem e devem 
desenvolver trabalhos essenciais na sociedade. A representatividade no filme é exibida em 
diversos aspectos, tanto no elenco quanto na produção e tem enfoques sociais, políticos e 
culturais, pois em vários momentos da obra fictícia são mencionadas a escravidão, a segregação 
racial e a cultura africana. No que se refere a cultura, durante todo o filme é possível ver muitas 
referências às diferentes culturas e etnias africanas, algo extremamente importante e que deveria 
ser ensinado nas escolas, pois as particularidades históricas dos povos africanos seriam 
valorizadas, resultando em respeito e oportunidades para essas pessoas. 
 
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
Afirma Sílvio Almeida que: 
 
A supremacia branca é uma forma de hegemonia, ou seja, uma forma de dominação 
que é exercida não apenas pelo exercício bruto do poder, pela pura força, mas também 
pelo estabelecimento de mediações e pela formação de consensos ideológicos. A 
dominação racial é exercida pelo poder, mas também pelo complexo cultural em que 
as desigualdades, a violência e a discriminação racial são absorvidas como 
componentes da vida social [...] (ALMEIDA, 2019) 
 
É perceptível a desigualdade presente em nossa sociedade por motivo de cor ou raça, 
tendo em vista que apenas uma determinada parcela desta ocupa os lugares de 
representatividade e poder. Interessante observar como meios de culturais, como o cinema por 
exemplo, refletem essa desigualdade e discriminação racial em suas produções. 
Nesse sentido, “Pantera Negra” desempenhou um papel importante na luta do atual 
contexto da luta antirracista, ao apresentar pessoas negras em lugares de destaque e relevância 
de forma contrária ao que se observa em grandes produções como essa. O longa levantou 
questões e discussões que podem, e espera-se que assim aconteça, servir de referência para 
futuras obras cinematográficas. 
38 
 
 
Dessa forma, é possível ver cada vez mais o negro sendo valorizado nas grandes 
produções artísticas. Surgindo a esperança de que as mesmas instituições que propagavam 
ideais racistas, sejam as mesmas que contribuam para o combate dele, para que assim seja 
concretizado o princípio da igualdade expresso em tantos documentos internacionais e, no caso 
do Brasil, consagrado com princípio constitucional. 
 
9 REFERÊNCIAS 
 
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40 
 
O DISCURSO JURÍDICO E O DISCURSO FILOSÓFICO: A EVOLUÇÃO DO 
DIREITO NA SOCIEDADE MODERNA 
 
 
Darlete Souza do Nascimento 1 
Ícaro Vitório Viana Braga2 
Yara Ravenna Nascimento do Rosário3 
 
 
RESUMO 
Na sociedade atual e, inclusive dentro das faculdades de direito, faz parte do discurso a ideia de que o Direito deve 
promover a justiça social e, o pensamento de que em um Estado democrático, a noção de igualdade e dignidade 
da pessoa humana deve prevalecer. Porém, esta ideia de direito justo e neutro sem nenhuma criticidade, muitas 
vezes corrobora para que o imaginário de que, de fato, há efetividade na igualdade entre as pessoas e que vivemos 
em um estado de direito pleno para todos. Desta forma, este artigo pretende levantar a discussão sobre o discurso 
jurídico e o discurso filosófico ao longo da história e até nos dias atuais, analisando, de forma crítica, a evolução 
do direito e as suas raízes na tradição, bem como analisar a ótica do pensamento jurídico neutro e puro na sociedade 
atual. 
 
Palavras-chave: Discurso jurídico e filosófico; Modernidade e Pós-Modernidade; Evolução social. 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
Norberto Bobbio aponta que, ao contrário do que se pensava, a evolução da sociedade 
industrial do século XIX – segundo as concepções nas quais o Estado liberal e democrático foi 
formado –, não causou a diminuição das “funções do Estado”, como acreditavam os liberais – 
ademais, em sociedades onde aconteceu a revolução socialista, o Estado não desapareceu, 
como se pregava e, ainda aponta que alguns grupos continuam sendo alimentados por ideias de 
 
1 Acadêmica de Direito da Universidade Federal de Roraima (prof.darlete@gmail.com). 
2 Acadêmico de Direito da Universidade Federal de Roraima (IcaroBraga63@gmail.com). 
3 Acadêmica de Direito da Universidade Federal de Roraima (yravenna.nr@gmail.com). 
 
 
41 
 
 
 
liberdade, as quais nunca se transformam em um real movimento político (BOBBIO, 2004, p. 
63). 
Da mesma forma, tem-se a ilusão de que as transformações que ocasionaram a mudança 
de um direito codificado para um pensamento jurídico racional e puro não trouxe com ela os 
problemas de uma sociedade que já possuía certa tradição, muitas vezes forjada em 
preconceitos, desigualdades, entre outros problemas sociais. 
Desta forma, este artigo foi escrito sob a metodologia de pesquisa bibliográfica, a qual 
foi consultado alguns teóricos como Norberto Bobbio, Von Ihering, Hans Kelsen, Zygmund 
Bauman, dentre outros autores que tratam do tema. Assim, a pesquisa traz alguns 
questionamentos sobre a evolução do direito e os problemas advindos da tradição, a qual trouxe 
para a pós modernidade a ideia de um direito justo, mas que, na realidade, tem problemas 
trazidos juntamente com a ideia de direito baseado na razão e na neutralidade. 
Precipuamente, o trabalho aborda o contexto jurídico da modernidade e pós 
modernidade, que passa do direito positivo, baseado na codificação, para uma interpretação 
mais racional, a qual faz alusão às ideias dos juristas Von Ihering, Hans Kelsen e também 
Norberto Bobbio, sobre o qual foram recortadas as suas ideias a respeito do direito racional e 
puro. 
Dessa maneira, para tentar fazer uma analogia sobre o direito no contexto pós moderno, 
discorremos sobre as ideias do filósofo Zygmunt Bauman, mais precisamente o seu pensamento 
na obra “Modernidade líquida”, na qual o autor aborda a atualidade, de modo a descrever como 
o capitalismo acaba por aprofundar as desigualdades sociais. 
Para finalizar, Abordaremos, ainda, a teoria de Hans Kelsen sob uma perspectiva 
contemporânea e, traremos a reflexão sobre de que forma as mudanças da sociedade devem 
influenciar o direito para que sejam criados mecanismos que diminuam as desigualdades e que 
atenuem os problemas advindos de uma sociedade forjada na tradição. 
 
2 O CONTEXTO JURÍDICO DA MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE 
 
Embora a modernidade tenha rompido algumas tradições da idade média ao colocar o 
homem e a razão como centro, focando na ciência empírica e trazendo ideias positivistas, o 
direito na sociedade ocidental trouxe em suas raízes, problemas advindos de ideias que foram 
forjadas por meio de discursos carregados de tradições. Neste contexto moderno, o Estado e o 
 
 
42 
 
 
 
Direito eram os instrumentos de manutenção da ordem e, para a sua efetivação, o deveria ser 
“positivado, codificado, legislado e ordenado” (LEITE, 2019). 
Foi neste cenário, de um direito baseado na codificação, que ocorreram as grandes 
guerras e o holocausto, o que revelou uma crise sem precedentes, pois esse sistema tinha a 
preocupação em manter as mesmas estruturas de poder e privilegiar apenas parte da sociedade 
por meio da ordem (LEITE, 2019). 
Obviamente, essa construção de modernidade, trouxe em seu discurso ideologias de 
coronelismo e tradições cheias de preconceito, por não haver um olhar crítico sobre alguns 
problemas ocasionados por tais tradições, como por exemplo, o racismo e a situação da mulher 
na sociedade. Assim, Negri (2002, p. 356, apud MOTA 2019), afirma que o direito positivo 
moderno e baseado na razão defende e dá garantia apenas a determinados indivíduos de certas 
classes sociais. 
É preciso destacar que Von Ihering, acreditava que para resolver os problemas advindos 
do séc. XX, mais precisamente das guerras, holocausto e todas as tragédias da humanidade à 
época, a luta pelo direito seria o caminho mais apropriado. Esta “luta do direito contra a 
injustiça” deve ser o mote para tentar resolver os conflitos da época, o que pressupõe a luta de 
classes, como aponta o próprio autor: 
 
Todo direito no mundo foi adquirido pela luta; esses princípios de direito que estão 
hoje em vigor foi indispensável impô-los pela luta àqueles que não os aceitavam; 
assim, todo o direito, tanto o de um povo, como o de um indivíduo, pressupõe que 
estão o indivíduo e o povo dispostos a defendê-lo (IHERING, 2009, p. 22). 
 
Assim, Ihering aponta que as mudanças do direito são ocasionadas pela pressão dos 
movimentos sociais e que, contrariando os preceitos de um direito objetivo, a luta pelo direito 
deve ser para que se chegue a uma finalidade, ou seja, em termos de leis, o que se pretende 
atingir com ela, qual seria seu fim. 
Hans Kelsen desenvolveu a teoria do pensamento jurídico para separar o direito da 
ligação com a política. Assim, a ideia de um direito racional e puro é apontado por Norberto 
Bobbio como a “constitucionalização dos remédios contra o abuso do poder”, o que culminou 
na separação dos poderes e na “subordinação de todo poder estatal (BOBBIO, 2004, p. 62). 
Porém, apesar do conceito de racionalidade como centro do pensamento jurídico ter 
trazido muitos benefícios para a sociedade atual, é preciso olhar estas mudanças de forma 
crítica, pois não se pode esquecer que a pretensão de um direito neutro em uma sociedade 
desigual. Como diz Bobbio, é necessário observar as concepções pelas quais o Estado liberal 
foi forjado, como bem explica: 
 
 
43 
 
 
 
 
Nosso renovado interesse pelo problema da resistência depende do fato de que, tanto 
no plano ideológico quanto no institucional, ocorreu uma inversão de tendência com 
relação à concepção e à práxis política através das quais se foi formando o Estado 
liberal e democrático do século XIX (BOBBIO, 2004, p. 62). 
 
Assim, embora convergindo com as ideias de Hans Kelsen, Pachukanis (2017, p.119-
120 apud MOTA, 2019), afirma que o liberalismo olha o direito como mecanismo para conter 
a “força/violência”, ou seja, o direito legitima asações do Estado que, de forma arbitrária e, por 
meio de leis aparentemente forjadas em uma “neutralidade axiológica”, acaba por sair vitorioso 
nas lutas de classe. 
O filósofo Zygmunt Bauman, ao falar do consumismo na atualidade, aponta para o fato 
de que, embora o capitalismo instigue a pessoa a consumir de forma amigável, as autoridades 
que ditam as normas não foram abolidas, mas ampliadas e seus cargos, os quais ficaram 
voláteis, fazendo com que nenhuma perdurasse no poder por muito tempo (BAUMAN, 2001, 
p. 76). 
Analisando o que diz o autor, pode-se inferir que quando o indivíduo está inserido nesta 
sociedade do consumo, mas encontra-se à margem desse consumismo, o qual ele 
denomina amigável, o Estado tende a criar leis com penas cada vez mais rígidas para que estas 
pessoas não mais ofereçam riscos, já que receberão punição para coibir suas condutas. 
Bauman ilustra o fato de que hoje o termo “comunidade” é deturpado, pois, para 
favorecer o consumismo e passar a ideia de segurança, as pessoas são separadas de acordo com 
o que podem comprar. É o que ocorre quando ele explica a ideia de um projeto de condomínio 
ofertado na África, a qual o objetivo é de vender um local totalmente aprazível e estruturado, 
bem diferente do que se vê do lado de fora dos portões daquele lugar que é chamado de refúgio 
e, ainda, o vendedor anuncia que quem puder comprar passará boa parte da sua vida afastado 
dos “riscos e perigos” que há do lado de fora (BAUMAN, 2001, p. 107). 
Observa-se que o exemplo dado por Bauman demonstra claramente como a sociedade 
foi forjada sob determinados discursos, os quais acabam por dar uma sensação de que a ideia 
de igualdade é real. Porém, ao observarmos o mundo atual, veremos que devemos refletir sobre 
para quem está sendo aplicada esta igualdade. 
Assim, retomando a ideia de neutralidade do pensamento jurídico, indagamos se o 
direito neutro é capaz de contemplar a todos. Além disso, questionamos o fato de que, em uma 
sociedade desigual, como promover a justiça para todos com base nesta neutralidade? 
 
3 REINTERPRETAÇÃO DA DICOTOMIA DO SER X DEVER SER 
 
 
44 
 
 
 
O filósofo David Hume desenvolveu um tipo de pensamento que foi chamado de “Lei 
de Hume”, também conhecida como Guilhotina de Hume ou falácia naturalista, a qual critica a 
concepção do “dever ser” com base no que “é”. Para Hume, o “ser” deve ser compreendido 
através do plano da natureza numa perspectiva empirista e exclusivamente descritiva. Contudo, 
o “dever ser” é atribuição do ponto de vista de cada pessoa. 
 
Em todo sistema de moral que até hoje encontrei, sempre notei que o autor segue 
durante algum tempo o modo comum de raciocinar, estabelecendo a existência de 
Deus, ou fazendo observações a respeito dos assuntos humanos, quando, de repente, 
surpreendo-me ao ver que, em vez das cópulas proposicionais usuais, como é e não é, 
não encontro uma só proposição que não esteja conectada a outra por um deve ou não 
deve. Essa mudança é imperceptível, porém da maior importância. Pois, como esse 
deve ou não deve expressa uma nova relação ou afirmação, esta precisaria ser notada 
e explicada; ao mesmo tempo, seria preciso que se desse uma razão para algo que 
parece inteiramente inconcebível, ou seja, como essa nova relação pode ser deduzida 
de outras inteiramente diferentes (Hume, 2000, p. 509). 
 
Dessa maneira, essa segmentação dos planos do “ser” e do “dever ser” é de extrema 
importância para o mundo jurídico e sua compreensão na sociedade, vez que, diante desse 
princípio, não é possível ou sequer prudente deduzir o “dever ser” da visão tida do “ser”. 
Outra aplicação da Lei de Hume refere-se à normatividade do direito, considerando que 
as obrigações jurídicas, geradas pelas normas jurídicas advindas da norma 
fundamental (KELSEN, 2005, p. 580), surgem dos fatos sociais. De modo similar, as normas 
morais geram obrigações morais, as quais refletem em ações resguardadas na crença de uma 
norma válida e valorativa. 
Para Kelsen, a Teoria Pura do Direito, base do direito positivo, está logicamente 
associada ao “dever ser” (KELSEN, 1998). Assim, o Direito é visto como um conjunto de 
normas que regulam a conduta humana. Na sociedade existe uma dualidade ato-relação, a qual 
presume uma ação litigiosa diante do mundo (práxis) que pressupõe uma modificação no 
comportamento humano. 
Assim, o “dever ser”, pautado na ordem jurídica, expressa condutas que devem ser 
coibidas através de sanção. Posto isso, infere-se que a conduta a qual foi imposta sanção é 
proibida, ao passo que a conduta oposta é correta (KELSEN, 1998, p. 50). 
A teoria de Hans Kelsen foi um verdadeiro rompimento com o jusnaturalismo, 
desvinculando-se das discussões propostas unicamente pela religião e pela filosofia, e 
embasando a discussão social nas normas jurídicas propostas pelo Estado. Diante disso, a maior 
preocupação tornou-se a lei, e demais normas positivas, saneando o Direito e investindo seu 
caráter exclusivamente nas diretrizes normativas. 
 
 
 
45 
 
 
 
O Jusnaturalismo é uma doutrina segundo a qual existe e pode ser conhecido um 
‘direito natural’ (iusnaturale), ou seja, um sistema de normas de conduta intersubjetiva 
diverso do sistema constituído pelas normas fixadas pelo Estado (direito positivo). 
Este direito tem validade em si, é anterior e superior ao direito positivo e, em caso de 
conflito, é ele que deve prevalecer (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, p. 655 
1999). 
 
O objetivo precípuo da Teoria Pura do Direito é analisar metodicamente as ciências 
jurídicas e afastar do Direito qualquer alienação, adequando-o à norma pura (KELSEN, 1995, 
p.8). Assim, a norma jurídica deve atentar-se apenas ao mundo lógico, desprendendo-se de 
aspectos valorativos e mundanos. 
Aduz-se então que o mundo é dividido entre o “ser”, coabitado pela ciências naturais, e 
o “dever ser”, contemplado pelo Direito, onde as leis naturais estão vinculadas ao princípio da 
causalidade e as normas jurídicas vinculam-se ao princípio da imputação (KELSEN, 1995, p. 
10), recorrendo aos mandamentos legais para determinação de condutas, sob pena de aplicação 
de sanção. 
 
4 MALEABILIDADE DO DISCURSO JURÍDICO PERANTE A EVOLUÇÃO SOCIAL 
 
Como bem valorizou Ihering, novos direitos não são dados de forma espontânea, de 
bom grado, a um grupo que sente a carência de uma tutela jurídica. Se perpassa por todo um 
processo de mudança e lutas até que se incorpore essa nova garantia ao grupo social que a 
reivindica. 
É natural que ao surgir um movimento de reforma, quebra de paradigmas e 
desconstrução social, haja uma resistência por parte do grupo dominante que teme perder seus 
privilégios e do poder de controle que exerce sobre a sociedade. Assim ocorreu com 
movimentos religiosos, como a Reforma Protestante, econômicos, como as Revoluções 
Industriais, e Políticos, com a onda do liberalismo no século 19, e torna a ocorrer até os dias de 
hoje. 
Na sociedade atual, já deixou-se de tolerar concepções tidas como corretas no passado, 
ao menos no plano legal, a exemplo da diferenciação de indivíduos pela cor da pele, 
discriminação de homossexuais e subjugação de mulheres. Essa evolução social somente se deu 
após longos períodos de reivindicação e “luta pelo direito” de minorias e grupos vulneráveis. 
Nesse contexto, é importante a manutenção da ciência jurídica como um instrumento, 
adaptável e que consegue observar as reivindicações sociais pois o direito não é um fim em si 
mesmo, mas um meio utilizado para se atingir um fim melhor. 
 
 
46 
 
 
 
A petrificação de conceitos não mais aceitos, pois codificados e não atualizados, tornam 
as leis inócuas e sem utilidade por não acompanharem o avanço social. Em uma releitura da 
tese da teoria constitucional de Lassale (1997), apesar das normas serem frutos das relações de 
poder de uma determinada comunidade política, se não se mantém em consonância com a 
realidade, tornam-se somentepedaços de papel sem valor algum. 
Como bem aponta Paulo Bonavides: 
 
A constituição do Estado social deve ser basicamente o código do consenso e do 
pluralismo e não a bíblia de uma ideologia ou o programa de planejamento de um 
sistema centralizador que estatize ou tenda a estatizar todos os poderes decisórios da 
Sociedade (2010, p. 360). 
 
Ademais, tal como o discurso jurídico não pode inovar abruptamente, sob o risco de 
criar algo ainda não compreensível pelos indivíduos, também não pode engessar-se e ignorar 
reivindicações por mudança. 
Com essa concepção em tela, em uma sociedade onde somente se tem presente a 
igualdade formal prevista na constituição, não há serventia para um direito neutro, avalorativo 
e que não considera o contexto social na hora de desenvolver o discurso jurídico. 
Um olhar meramente tecnocrata ao corpo social não permite que se enxergue todos os 
nuances, necessidades e demandas sociais. Desse modo, ao se buscar a promoção de justiça 
social, o direito deve valer-se não só da lei seca, mas de princípios, valorações e sopesamento 
de valores. 
O discurso jurídico é maleável, adapta-se às reivindicações de grupos minoritários e 
altera relações de poder antes estabelecidas. Previsões como a instituição da discriminação 
positiva e de ações afirmativas, nunca cogitadas em um estado democrático de um século atrás, 
agora formam o alicerce do que se chama de Estado de Bem-estar social. 
Assim, o direito não mais comporta um dogmatismo jurídico que dita padrões a se 
seguir, mas um debate que traga à tona as novas necessidades inerentes à cada evolução social. 
 
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
No mundo atual é preciso compreender que o direito tem influência histórica na luta de 
classe da burguesia e, embora tenha passado por transformações no sentido de separá-lo da 
política, é preciso ter um olhar crítico sobre a neutralidade do pensamento jurídico. 
 
 
47 
 
 
 
Por esse motivo o presente artigo se prestou a realizar uma retrospectiva daevolução do 
discurso jurídico atual, o qual perpassou por diversas etapas de desenvolvimento, sempre 
influenciado pelo contexto da sociedade onde estava inserido. 
A ideia de que o direito não deve ser analisado de forma isolada, ao invés de promover 
justiça social pode acabar por trazer desigualdades, pois a tradição foi aprofundando diferenças 
entre grupos minoritários, os quais necessitam de um olhar diferenciado e não neutro. 
Assim, problemas que ainda afetam a nossa sociedade, como o machismo, racismo, 
homofobia, entre outros, não podem ser analisados do ponto de vista geral ou neutro, pois 
tradicionalmente, os indivíduos pertencentes a estas minorias foram colocados em situação de 
desigualdade ao longo da história. Torna-se necessário realizar, de tempos em tempos, uma 
releitura das teses jurídicas predominantes em determinado contexto social a fim de identificar 
se ainda em consonância com a realidade. 
É por esta razão que os ideais de justiça, pregados até mesmo em textos constitucionais, 
ao induzir o pensamento de que a justiça atinge todos da mesma forma, devem ser observados 
de forma crítica, pois não basta apenas dizer, por exemplo, que o Estado Democrático postula 
que todos são iguais, é preciso proporcionar esta igualdade, fazendo valer o início e o fim do 
direito, como apontava o jurista Ihering. 
 
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49 
 
A LUTA PELO DIREITO: IHERING E OS TEMPOS DE COVID-19 
 
 
Lee Oswald Vito de Medeiros1 
 
 
RESUMO 
Este artigo é um instrumento de pesquisa desenvolvido no âmbito do curso de Direito da Universidade Federal de 
Roraima - UFRR, Disciplina de Filosofia do Direito, e apresenta uma abordagem sobre a aplicação da luta pelo 
Direito conforme a visão de Rudolf Von Ihering e sua aplicação no ano de 2020, onde todos foram acometidos 
pela pandemia chamada cientificamente de COVD-19. Assim como em aspectos históricos e gerais que trouxeram 
esta a concretude do direito na sociedade, bem como seu ataque feroz pela necessidade de sobrevivência da 
humanidade. Trata-se de uma flexão com abordagem nos ensinamentos deixados por Rudolf Von Ihering que 
cravou em letras garrafais para a humanidade que ela teria uma eterna luta por direitos. 
 
Palavras-chave: A luta pelo Direito; Filosofia de Ihering; COVID-19. 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
Não é de hoje e nem tão pouco de ontem que já se ouviu falar em pandemia, ou seja, 
ciclos de sociedade já foram acometidos por pestes, vírus, bactérias e outras doenças. Em 2020 
o mundo presenciou a COVID-19 e sentirá por muitos anos as consequências dessa doença, 
mas o que isso tem em conexão com a luta pelo Direito deixado como ensinamento clássico por 
Rudolf Von Ihering? Que lógica se encontra ao realizar um paralelo entre uma doença viral e a 
filosofia do direito? Perguntas como essas despertaram curiosidade e as respostas são as mais 
semelhantes com as deixadas por Rudolf Von Ihering no século XIX. 
Este artigo se justifica mediante a importância de uma problemática que se faz no 
Brasil quanto ao direito de cada brasileiro em exercer seu trabalho e garantir sua sobrevivência 
mediante previsão constitucional proporcionando toda a legalidade. 
Este estudo tem como objetivo geral comparar a luta pelo Direito proposta por Ihering, 
em contraponto às medidas legais impostas em tempos de pandemia. 
Neste artigo será adotada uma metodologia baseada em pesquisas bibliográficas, 
doutrinas, artigos e revistas que abordam os assuntos referentes ao pensamento do jurista 
alemão e as medidas legais impostas pelo Estado a partir de abril de 2020, que alterou o convívio 
 
1 Acadêmico de Direito da Universidade Federal de Roraima (vitoosw@gmail.com). 
 
 
50 
 
social devido à imposição de isolamento, redução da jornada de trabalho e a paralização de 
diversas atividades econômicas, dentre Quanto à descrição, será utilizada uma linguagem 
formal, valendo-se, em determinados momentos, de termos específicos do ramo jurídico, bem 
como há necessidade de termos específicos da filosofia do direito. 
No decorrer da leitura da obra de Ihering é possível extrair que o interessado pelo direito 
deve buscar a defesa do próprio direito e isso se presenciou a partir de março de 2020 quando 
muitas pessoas lotaram hospitais e clínicas médicas em busca de cura e garantias vitais pela 
sobrevivência. 
Emsua obra Ihering trata muito de luta em busca de paz, manter-se vivo e viver em paz, 
tudo isso com um custo muito alto para toda a sociedade. No século XXI tomado por uma 
pandemia incurável busca a saúde e manter o distanciamento social a qualquer custo. 
Ihering argumentou que “O Direito não se teoriza, se vive, é alcançado mediante força 
e luta: “O Direito não é uma pura teoria, mas uma força viva””. Essa fala do renomado jurista 
alemão atesta, com diz a Constituição Federal de 1988 no caput do art. 6º, onde estão previstos 
os direitos sociais à saúde e assistência aos desamparados. Porém, o sistema público de saúde 
encontra-se lotado por doentes, que desamparados morrem com mais vulnerabilidade. 
Restou aos que não alcançaram vagas no sistema de saúde lutar arduamente pelos seus 
direitos, enfrentar filas, adquirir por preços abusivos os medicamentos e equipamentos 
hospitalares, quebrar o isolamento social para compor renda familiar, infringir legislações que 
obrigavam o uso de protetores individuas, dentre outros. 
 
2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA LUTA PELO DIREITO 
 
A luta pelo direito remonta tempos muito distante e tendo por base a Idade Média, onde 
guerras, disputas por espaço de terra, domínio mercantil, levaram a sociedade a grandes 
sacrifícios. 
Conforme acentua Brannwart (2019, p. 1294), bem como levando em consideração a 
possibilidade de uma ordem social (política), na qual as ações humanas se interconectam por 
meio de uma base comum (ethos), o Direito surge como condição de realização da lei (monos). 
Os paradigmas do direito se dividem em três: jusnaturalismo; positivismo jurídico e o 
pós-positivismo. Brannwart (2019, p. 1295) aponta que os direitos naturais se vinculam, desde 
então, a uma ordem racional inscrita na própria natureza. Ao passo que o direito criado pela 
 
51 
 
vontade humana se refere ao direito positivo. 
Com a formação e consolidação dos estados se passou a figurar o direito posto, ou seja, 
o que está escrito. Fruto da racionalidade humana a luta pelo direito construiu uma ciência 
jurídica, portadora de autonomia, em que o direito possa ser pensado a partir de sua própria 
estrutura jurídica. 
A luta pelo Direito atravessou gerações, vivenciou guerras e aniquilação de civilizações. 
Foi se construindo ao longo do tempo passando de povos para outros povos um legado de 
condutas, limites e liberdades a serem exploradas pelo homem, tudo isso com o fito de 
estabelecer fronteiras físicas e ideológicas para se respeitar a liberdade, igualdade e 
fraternidades entre os homens. 
Como um legado, Ihering trouxe ao mundo o interesse na luta pelo direito, onde se 
perfaz tanto pelos ricos como pelos pobres, estes tiveram um processo mais árduo para a 
conquista; aqueles sempre possuíam o poder e a manipulação do estado aos seus moldes e 
interesses. 
A luta pelo direito é o litígio. O que litiga se propõe a um sacrifício, um esforço, um 
peso que busca a recompensa. Ihering explana bem quando se refere que a grande questão não 
é a restituição do objeto, porém o almejo do reconhecimento do seu direito. 
Veja-se a evolução da luta pelo direito, segundo Bannwart: 
 
Na Antiguidade grega, o direito era visto como área de reflexão situada no âmbito 
da razão prática, e o discurso acerca da esfera jurídica era um discurso prático 
associado à ética e à política. 
No contexto romano, o direito passou a ser visto como técnica de resolução de 
problemas, havendo a compreensão de que seria necessário um estudo mais 
aprofundado dos textos legais, assegurando-lhe coerência e, ao mesmo tempo, 
autoridade para que pudessem se impor socialmente. 
Na modernidade, o direito se aproxima da ciência e passa a requerer que o conjunto 
de suas leis, normas, doutrina e jurisprudência seja constituído na forma de um saber 
científico. (BANNWART, 2019, p. 1317). (nossos destaques). 
 
 
3 FILOSOFIA DO DIREITO DE RUDOLF VON IHERING 
 
Ihering divide seus estudos na luta pelo Direito na esfera individual e social. 
Quanto à construção da luta no campo individual o filósofo alemão apontou que o 
indivíduo busque a defesa seu direito, desperta no homem anão desistência de sua defesa. 
“Ninguém conhece melhor os seus interesses que si próprio, nem os defende tão ardentemente, 
e não há pessoa alguma que tudo sacrifique a uma demanda tão facilmente” (IHERING, 1998, 
 
52 
 
p. 4). 
Ihering forma um raciocínio jurídico quanto ao direito subjetivo do mais fraco que na 
sua época era a figura do camponês, onde este não poderia permitir que o ladrão prevalecesse, 
assim como o devedor não quitasse a dívida. O indivíduo precisaria lutar pela honra, guerrear 
como uma condição vital. 
Portanto, todo indivíduo atacado defenderia, segundo a visão de Ihering, o seu direito 
as condições da sua existência moral. 
Na luta pelo direito em esfera social o direito se tornaria um dever para com a sociedade, 
conforme o jurista alemão como o homem convive em relações surgiu-se ao longo do tempo as 
questões que tratam do direito público, privado e criminal. O direito pública e penal - conforme 
à legislação romana – era dever dos funcionários públicos; já o privado apresentava-se aos 
particulares regulando à sua livre iniciativa e à sua própria atividade. 
Assim, bem como nos dias atuais, coube aos Estado regrar a sociedade e cumprir o seu 
dever, mas para isso seria necessário a colaboração de todos. A lei foi o instrumento eficaz capaz 
de valer o direito e de regrar e pacificar os conflitos. 
Como em qualquer parte da história Ihering criticava e também era criticado, sendo o 
jurista alemão quem impugnava Savigny e Putcha, defensores do historicismo, que pregava o 
Direito como expressão viva da história, revelado também pela linguagem. Conforme Godoy 
(2014, p. 1) Ihering defendia o Direito posto na lei, resultante de intensa luta, por parte dos 
interessados na fixação do Direito em norma que seria por toda a gente conhecida. 
Cabe destacar que a filosofia do direito proposta por Ihering refutava os pensadores de 
sua época que defendia pensamentos que não exigiam esforço e luta, para ele a tranquilidade 
ativa da verdade sem o devido esforço a sua medida resultaria, gradativa e lentamente numa 
derrota previsível. 
Expõe Kent (1982, p. 5) que a concepção de Savigny era centrada no direito como 
resultante da convivência e da contínua e pacífica formação da vida social; já Ihering opunha 
visão realista, que de certa forma se identificava com a própria percepção que os alemães faziam 
de si mesmos, na parte final do século XIX, e logo após à guerra franco-prussiana, vejamos o 
que diz Ihering: 
 
Todas as grandes conquistas que a história do direito registra: - a abolição da 
escravatura, da servidão pessoal, liberdade da propriedade predial, da indústria , 
crenças, etc., foram alcançadas assim à custa de lutas ardentes, na maior parte das 
 
53 
 
vezes continuadas através dos séculos; por vezes são torrentes de sangue, mas sempre 
são direitos aniquilados que marcam o caminho seguido pelo direito. O direito é como 
Saturno devorando os seus próprios filhos; não pode remoçar sem fazer tábua rasa do 
seu próprio passado. (IHERING, 2009, p.4) 
 
Bem destacado por Fernandes (2017, p. 2), Ihering dá um enfoque especial para o direito 
subjetivo. O fundamento se encontra na lesão do direito, portanto, deve-se mover ação para 
recuperar o objeto do litígio, segundo Ihering, o ideal está focado na defesa própria da pessoa e 
do sentimento de justiça. 
O jurista alemão enfatiza que as leis sozinhas não são garantia do direito: “mesmo que 
conheça perfeitamente todo o corpus juris civilis, não percebeu ainda o que é o direito o 
indivíduo que nunca sentiu essa dor na própria carne ou na pele de outra pessoa.” 
(IHERING,1998, p. 59 apud FERNANDES, 2017, p. 2). 
Portanto, como na época romana, feudal e contemporânea, Ihering destacou que a força 
moral unida ao sentimento do direito despertado do povoseria capaz de proteger a nação contra 
invasão estrangeira. A concretização do direito na esfera social é a liberdade de ação que 
formado ao sentimento legal forma a luta pelo direito. 
 
4 A LUTA PELO DIREITO EM TEMPOS DE COVID-19 
 
Como exposto na nota introdutória deste artigo em 2020 o mundo presenciou a COVID-
19, segundo o pesquisador científico entrevistados no dia 18 de setembro de 2020 pela 
renomada rede de notícias CNN, disse o doutor Anthony Fauci a Wolf Blitzer: “Sinto um 
otimismo cauteloso de que teremos uma vacina até o final deste ano, entrando no início de 
2021”. Como diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, Fauci é um dos 
líderes da batalha médica contra o vírus. 
Realizou-se então duas interrogações, sendo elas: o que isso tem em conexão com a luta 
pelo Direito deixado como ensinamento clássico por Rudolf Von Ihering? Que lógica se 
encontra ao realizar um paralelo entre uma doença viral e a filosofia do direito? 
A resposta para a primeira interrogação seria o direito de trabalho em plena pandemia. 
Em um artigo de opinião se destaca muito bem esse direito, vejamos: 
 
 
54 
 
As principais consequências dessa pandemia na seara laboral, em face da decretação 
de lockdown em países, Estados e cidades, com confinamento generalizado 
(isolamento horizontal) e não apenas por grupos de risco em face da idade e outros 
fatores (isolamento vertical), para preservar vidas até o desenvolvimento de uma 
vacina ou remédio que combatesse a doença, foram fundamentalmente de duas 
ordens: aumento do desemprego (pela redução generalizada da atividade produtiva) 
e universalização do trabalho remoto (especialmente na modalidade de 
teletrabalho). (FILHO, 2020, p. 1). (nossos destaques). 
 
 Ihering trata a luta pelo Direito no campo direito subjetivo, ou seja, aquele direito que 
não está posto na lei, cabendo ao homem a liberdade de exercê-lo ou não. Como exemplo do 
direito subjetivo podemos citar a saúde e o trabalho. É garantia constitucional no art. 6º, caput, 
ao estar previsto na Lei Maior, isso constitui um direito objetivo, ao passo que, ir trabalhar, 
cuidar da saúde, ser fiel ao cumprimento de horários, efetuar boa alimentação, dentre tantos 
exemplos, dar-se-ia o direito subjetivo no gozo do direito objetivo. 
 Como dito: “as regras de confinamento atingiram a todos os brasileiros, todavia, a 
garantia dos serviços essenciais tiveram que ser mantidas e muitos não deixaram de exercer seu 
pleno direito subjetivo, mesmo colocando a vida de muitos em risco por conta da contaminação 
viral” (FILHO, 2020, p. 2). 
 Assim como afirmava Ihering a luta pelo Direito custaria vidas e o sangue seria uma 
moeda de troca para se alcançar a plenitude dos direitos. 
 O Governo Federal precisou tomar medidas urgentes para evitar a desordem social a 
uma luta massiva pelos direitos de cada indivíduo. Por sua vez, pontua categoricamente essa 
passagem, observe-se: 
 
No Brasil, o esforço governamental de natureza econômico-jurídica, na esfera 
federal, para enfrentar a pandemia e seus efeitos danosos no mundo do trabalho, 
materializou-se na edição das Medidas Provisórias 927 e 936, a locando recursos 
financeiros e flexibilizando normas trabalhistas e tributárias, com o fim de salvar 
empregos e empresas durante o largo período de confinamento decretado pelas esferas 
estaduais e municipais. (FILHO, 2020, p. 2). (nossos destaques). 
 
 Com relação a saúde pública o problema se tornou mais delicado, uma vez que muitas 
vidas estavam sendo dizimadas por conta da falta de medicamentos e materiais hospitalares. 
Isso levou uma escassez de máscaras e álcool 70, e por conseguinte medicamentos do tipo 
cloroquina e aparelhos respiradores. 
Diante da previsão do art. 196 da Constituição Federal, afirma-se que do Brasil de 1988, 
aduz: 
 
55 
 
 
Vale a pena comentar que as políticas públicas sociais e econômicas visam, possuem 
por objetivo à REDUÇÃO DE RISCO DE DOENÇA, ou seja, o norte dessas 
políticas públicas brasileiras de fato deveria ser esse, entretanto, o doutrinador 
argumenta que no Brasil tal texto de lei não foi concretiza na prática, noutras palavras, 
mesmo antes dessa Pandemia, já tínhamos tal problema de falta de efetividade dessa 
norma constitucional, o que se precisa analisar são as possíveis soluções para tal 
problemática (SARAIVA, 2020, p. 1). 
 
A lógica encontrada ao realizar um paralelo entre uma doença viral e a filosofia do 
direito diz respeito ao campo filosófico de pensar, pois é nele que se constroi a massa crítica. 
Coaduna com este pensar ao fundamentar que a compreensão da Filosofia do Direito é 
notar a conexão entre a Filosofia e o Direito. A Filosofia é fruto de um contexto localizado 
espacial e temporalmente, ao passo que o Direito é consolidado institucionalmente em 
sociedades concretas. (BRANNWART, 2020, p. 1291). 
 
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
A luta pelo Direito conforme Rudolf Von Ihering e os tempos de COVID-19 é uma 
reflexão filosófica explorada no direito subjetivo, direito este no qual é o meio de satisfazer 
interesses humanos ((hominum causa omne jus constitutum sit), onde este deriva do direito 
objetivo que é o conjunto das regras jurídicas. 
Ao tratar da figura do camponês como peça mais frágil entre a elite dominante o jurista 
alemão traz ao mundo jurídico de sua época o argumento de que o exercício do Direito dar-se-
ia por meio de luta, ato este envolto do próprio sangue, ou seja, a vida. 
Portanto, em tempos de pandemia o Brasil, assim que o resto do mundo, enfrentou uma 
celeuma entre o isolamento social e a liberdade. Esses dois institutos provaram ser de difícil 
conciliação, uma vez que o primeiro afetou duramente a economia e a rotina das pessoas, já o 
segundo provou se perigoso ao ponto de recrudescer a contaminação entre as pessoas. 
Logo, nos casos em que o indivíduo precisou exercer seus direitos subjetivos frente ao 
poderio estatal para rechaçar essa liberdade passou então a se refletir nos argumentos de Ihering, 
a luta pelo Direito. 
 
 
56 
 
6 REFERÊNCIAS 
 
BRANNWART, Clodomiro. Filosofia do Direito. OAB primeira fase esquematizado. 6ª ed. 
São Paulo: Saraiva, 2019. 
FERNANDES, Fernanda Regis da Luz. A luta pelo direito de Rudolf Von Ihering. Âmbito 
Jurídico, 2017. Disponível em: <https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-
constitucional/a-luta-pelo-direito-de-rudolf-von-ihering-uma-revisao-necessaria-da-historia-
constitucional-brasileira/>, acesso em 19 de novembro de 2020. 
FILHO, Ives Gandra Martins. O Direito e o trabalho humano em tempos de pandemia da 
Covid-19. Conjur, 2020. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-jul-15/ives-
gandra-filho-direito-trabalho-humano-covid-19>, acesso em 21 de novembro de 2020. 
FOX, Maggie. Por que uma vacina não vai acabar com a pandemia de Covid-19 
imediatamente? CNN Brasil, 2020. Disponível em: 
<https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2020/09/23/veja-por-que-uma-vacina-nao-vai-acabar-
com-a-pandemia-de-covid-19-imediatamente>, acesso em 21 de novembro de 2020. 
FRANCISCO, Sosa Wagner. Maestros Alemanes del Derecho Público. Madrid: Marcial 
Pons, 2005. 
GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. O jurista alemão Rudolf von Ihering e a luta pelo 
Direito. Conjur, 2014. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2014-ago-31/embargos-
culturais-rudolf-von-ihering-luta-direito>, acesso em 20 de novembro de 2020. 
IHERING, Rudolf von, São Paulo: Forense, 2006. 
____. A luta pelo direito. Título original. Der Kampf um´s Recht. Tradução Ivo de Paula, 
LL.M. São Paulo: Editora Pillares, 2009. 
____. A Luta pelo Direito. Tradução de José Cretella Jr. e Agnes Cretella. Editora Revista dos 
Tribunais, São Paulo/SP. 1998. 
KENT, George O., Bismarck e seu tempo, Brasília: Editora UnB, 1982. 
SARAIVA, Rodrigo Pereira Costa. O direito à saúde em tempos de Pandemia. Das possíveis 
soluções para a Calamidade Pública provocada pelo vírus Covid 19. Jus, 2020. Disponível 
em:https://jus.com.br/artigos/81195/o-direito-a-saude-em-tempos-de-pandemia-das-possiveis-
solucoes-para-a-calamidade-publica-provocada-pelo-virus-covid-19, acesso em 20 de 
novembro de 2020. 
57 
 
ARBITRAGEM E INTERPRETAÇÃO JURÍDICA: ANÁLISE DE UMA 
IMPORTANTE DECISÃO DA 2ª VARA DE FAMÍLIA DE BOA VISTA-RORAIMA 
 
 
 Luane Lopes Salazar1 
Mariana Schafer Ignatz2 
Natália Talia Andrade de Oliveira3 
 
 
RESUMO 
A utilização de métodos alternativos de resolução de conflitos está se tornando cada vez mais popular no Brasil, 
dentre eles, o instituto da arbitragem. Porém, essa técnica continua sendo novidade para muitos operadores do 
direito e para a comunidade como um todo, isso contribui para corriqueiras negligências cometidas em sua 
utilização, como o equivocado emprego de determinadas ferramentas oferecidas pela arbitragem. Ainda, verifica-
se a utilização indevida de nomenclaturas destinadas aos próprios profissionais da área, o que causa grande 
confusão no entendimento deste método. Considerando este cenário, toma-se, como base para a produção deste 
artigo e discussão dos equívocos mencionados, a decisão judicial do processo 0831476-16.2019.8.23.0100, da 2ª 
Vara de Família da Justiça Estadual de Roraima, comarca Boa Vista, o qual indeferiu o cumprimento da Carta 
Arbitral 003/2019, enviada pela Câmara Nacional de Justiça Arbitral – CNAJUS, sob a premissa de que esta 
encontrava-se abarrotada de ilegalidades para a sua constituição, no que se refere a utilização inadequada da carta 
arbitral, a descaracterização da convenção arbitral e aos poderes do árbitro. 
 
PALAVRAS CHAVE: Métodos Alternativos; Arbitragem; Carta Arbitral; Convenção de arbitragem; Árbitro; 
Poder Judiciário; Jurisdição. 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
A arbitragem, instituída pela Lei n° 9.307/1996, Lei de Arbitragem – LArb, 
posteriormente reformada pela Lei 13.129/2015, apesar do seu inquestionável avanço no Brasil, 
nos últimos anos, alcançando, em 2016, o 3º lugar no ranking de países que mais utiliza esse 
instituto no mundo, ainda é inédito para muitos operadores do direito e para a comunidade em 
geral (COMMERCE, 2016). A arbitragem é um verdadeiro exercício da liberdade das partes, 
 
1 Acadêmica de Direito da Universidade Federal de Roraima (luanelsalazar@gmail.com). 
2Acadêmica de Direito da Universidade Federal de Roraima (ana_ignatz@hotmail.com). 
3Acadêmica de Direito da Universidade Federal de Roraima (nataliataliaandradedeoliveira@outlook.com). 
58 
 
que podem escolher a forma em que o processo será conduzido, por se constituir como um 
método privado de solução definitiva de controvérsias oriundas de direito patrimonial 
disponível. 
Com o crescimento do uso da arbitragem, torna-se importante salutar o estudo no 
método em Roraima, sobretudo para garantir que a missão jurisdicional de dizer o direito do 
árbitro, nomeado pelas partes, venha a ser a mais eficiente possível, além de garantir que o 
instituto não venha a ser utilizado de forma equivocada, gerando descrédito e consequente 
receio na escolha do instinto para a solução dos conflitos. 
Dessa forma, este estudo tomou, como ponto de partida, a decisão judicial do processo 
0831476-16.2019.8.23.0010, da 2º Vara de Família da Justiça Estadual de Roraima, comarca 
Boa Vista, publicada em 29/10/2019, cujo teor refere-se a um pedido por meio de carta arbitral 
n° 003/2019, de cumprimento de sentença arbitral, expedida pela Câmara Nacional de Justiça 
Arbitral – CNAJUS, também localizada em Boa Vista. 
O referido instrumento solicita a cooperação do Poder Judiciário para expedição de 
ordem a instituições bancárias locais, para fins de cumprimento de sentença arbitral, cujo teor 
trata de ação de arrolamento de inventário requerido pela única herdeira do de cujus, sem 
contestação de terceiros. 
Diante do caso concreto apresentado, destacam-se alguns tópicos essenciais, extraídos 
da decisão judicial em análise, que serão abordados tomando-se, como norte, os fundamentos, 
as normas basilares e as boas práticas do instituto da arbitragem. Além disso, o artigo também 
mencionará temas secundários, não trabalhados na decisão em tela, mas que também são de 
grande importância para o avanço nos estudos deste instrumento, a saber, a arbitralidade 
objetiva, ou seja, se o objeto do procedimento arbitral ocorrido é legalmente arbitrável; e os 
deveres que as instituições arbitrais devem cumprir. 
O estudo inicia-se com a análise da utilização da carta arbitral para a própria execução 
da sentença arbitral. Sem respaldo normativo, conforme art. 29 da LArb, a carta em comento 
somente é utilizada no curso do procedimento arbitral, o qual já havia sido formalmente 
finalizado com a sentença já proferida. 
Em seguida, o exame se perfaz sobre as irregularidades na convenção arbitral e, 
consequentemente, no compromisso arbitral anexado à carta arbitral do caso. A convenção de 
arbitragem é prevista no art. 3º da LArb, sendo instaurada pelas partes interessadas por meio da 
cláusula compromissória ou do compromisso arbitral. De acordo com a decisão judicial em 
análise, não foi observada a parte contrária no compromisso arbitral e o possível litígio gerador 
do procedimento não foi plenamente apresentado. 
59 
 
O próximo ponto abordado no presente artigo será a função do árbitro. Conforme 
verifica-se na decisão judicial, o árbitro designado pela parte interessada não só a representa 
em juízo, como pede o cumprimento da sentença arbitral já proferida, práticas que, como será 
demonstrado, não encontram respaldo normativo e doutrinário. 
A subsequente investigação norteará a matéria objeto do procedimento arbitral. 
Tratando-se de direito sucessório, é necessário averiguar se, no caso concreto, o objeto atua 
como direito patrimonial disponível, em obediência ao art. 1° da Lei de Arbitragem. Por fim, o 
presente estudo apontará, brevemente, alguns aspectos e deveres aos quais se submetem as 
instituições arbitrais. 
Nesse artigo foi utilizada a metodologia de análises de decisões (MAD), de método 
qualitativo e indutivo, em que foi realizado um estudo centrado na problemática da decisão 
judicial, analisando-se as diversas variáveis encontradas no caso em um único evento em 
questão. O objetivo é a compreensão mais acurada sobre as circunstâncias que determinaram o 
resultado da decisão judicial em estudo (LIMA, 2010). 
 
2 CARTA ARBITRAL 
 
A carta arbitral n° 003/2019, expedida pela CNAJUS, objetivava que o Poder Judiciário, 
através de seu poder de imperium, enviasse ordem judicial a determinadas agências bancárias, 
a fim de disponibilizarem, para saque, os valores herdados pela interessada. Este pedido 
resumia-se à sentença arbitral deste procedimento, que resultou na declaração de que a 
requerente seria a única herdeira do de cujus. 
Neste primeiro momento, um dos argumentos utilizados pelo juízo estatal para a 
negativa do pedido foi a utilização inadequada da carta arbitral, visto que foi expedida após 
finalização do procedimento arbitral, uma vez que já havia sentença proferida pelo árbitro. 
Por certo, o uso da carta arbitral para a própria execução da sentença arbitral fere a sua 
natureza, já que, como ponto de inovação pela nova lei de arbitragem, a carta arbitral equipara-
se às cartas precatória, rogatória e de ordem (art. 69, art. 237, IV e art. 260, § 3º do Código de 
Processo Civil). Ainda, a Lei de arbitragem apresenta o termo carta arbitral em seu artigo 22-C 
que diz: 
 
 Art. 22-C. O árbitro ou o tribunal arbitral poderá expedir carta arbitral para que o 
órgão jurisdicional nacional pratique ou determine o cumprimento, na área de sua 
competência territorial, de ato solicitado pelo árbitro. 
60 
 
Parágrafo único. No cumprimento da carta arbitral será observado o segredo de 
justiça, desde que comprovada a confidencialidade estipulada na arbitragem 
(BRASIL,1996). 
 
O árbitro, a quem se defere jurisdição, conta com amplos poderes decisórios,mas não 
conta com o poder de executar as decisões que toma. Portanto, sempre que qualquer medida 
coercitiva no curso da arbitragem for necessária, expedirá a carta arbitral para execução pelos 
órgãos do Poder Judiciário, da mesma maneira que estes cumprem cartas precatórias, mediante 
requerimento do interessado. Muitas vezes, embora não seja o caso de medida coercitiva, a 
arbitragem precisa da estrutura do Poder Judiciário simplesmente para a eficácia de decisão 
arbitral, como, por exemplo, para oitiva de testemunha fora da comarca que não pode ser 
ouvida de outra forma. 
Assim, todas servem como instrumento utilizado dentro do procedimento para melhor 
chegar à prolação de uma sentença, seja estatal ou arbitral, servindo como elementos de 
cooperação jurisdicional, uma vez que o árbitro tem jurisdição, mas não tem o poder de 
constrição dado ao juiz. 
Nesse sentindo, entende a doutrinadora Selma Lemes (2015), uma das responsáveis pela 
elaboração da LArb, que a carta arbitral funciona como forma de comunicação dos árbitros com 
os juízes, com a finalidade de executar ato determinado pelo árbitro no curso da arbitragem, 
tais como o cumprimento de medida cautelar ou a condução de testemunha que se recusa a 
comparecer. 
Desse modo, a referida carta perde a finalidade quando enviada após a finalização do 
procedimento arbitral, pois com a prolação da sentença arbitral, dá-se por finda a arbitragem 
(art. 29 da LArb). Na medida em que a carta arbitral n° 003/2019, enviada pela CNAJUS, 
buscava o estrito cumprimento da sentença arbitral, mediante expedição de ordem judicial a 
bancos locais, resta claro que se tornou ineficaz para este fim. 
É importante pontuar que, de fato, o poder judiciário tem jurisdição para determinar o 
cumprimento de uma sentença arbitral, no entanto, esta provocação deve ser feita por meio de 
processo autônomo proposto pela parte interessada no juízo competente. A partir daí, é 
entendimento notável que a execução de sentença arbitral se dá por uma ação independente, e 
não por meio de carta arbitral E, ainda, por provocação da parte do procedimento arbitral e não 
pelo próprio árbitro. Isto porque a sentença arbitral é título executivo judicial (art. 515, 
VII/NCPC), tendo em vista que o árbitro pode decidir, mas não possui poder para tomar 
nenhuma providência executiva. 
61 
 
Ainda no NCPC, artigo 516, III, determina-se que o cumprimento da sentença efetuar-
se-á perante o juízo cível competente, quando se tratar de sentença penal condenatória, de 
sentença arbitral, de sentença estrangeira ou de acórdão proferido pelo Tribunal Marítimo. 
Observa-se, então que nenhum desses padrões foram observados no caso em comento, sendo 
correta a recusa da Carta Arbitral n° 003/2019/CNAJUS, pelo juízo estatal. 
 
2.1 Convenção de arbitragem 
 
Carlos Alberto Carmona (1998), também responsável pela elaboração da LArb, 
esclarece que as partes, através da cláusula compromissória ou do compromisso arbitral, são as 
responsáveis pela instauração da arbitragem para solução de suas controvérsias. Ocorre que, 
conforme depreende-se da decisão em análise, não se observa a parte contrária no compromisso 
arbitral em análise, sequer existe litígio gerador do procedimento. Ou seja, a própria convenção 
de arbitragem não se sustenta ao caso concreto. 
De acordo com CAHALI (2012), a convenção de arbitragem é a maneira em que as 
partes, requerente e requerido, capazes de contratar e exercendo a sua autonomia privada, optam 
pela jurisdição arbitral. A convenção de arbitragem é o gênero, que tem como espécies o 
compromisso arbitral e a cláusula compromissória o (art. 3° da LArb). Apesar de não haver 
parte requerida no caso concreto, a requerente utilizou o compromisso arbitral, próximo objeto 
de estudo. 
 
2.2 Compromisso arbitral 
 
O compromisso arbitral é firmado pelas partes quando o litígio já está deflagrado e elas 
optam resolvê-lo, por meio de arbitragem. Tal documento deve estar escrito e pode ser 
celebrado em audiência pela jurisdição estatal ou pode ser celebrado em particular, pelo meio 
extrajudicial, como dispõe o art. 9º, parágrafos 1º e 2º, da LArb. No entanto, a lei de arbitragem 
exige que requisitos básicos sejam respeitados para ter uma convenção de arbitragem válida: a 
capacidade de contratar, o consentimento livremente manifestado, se a matéria é arbitrável e se 
há observância na forma prescrita em lei. 
Nesse diapasão, consoante os argumentos fixados na decisão em estudo, não se verificou 
a constituição de convenção arbitral e, consequentemente do compromisso arbitral, uma vez 
que não há qualquer menção a parte requerida do procedimento, havendo dados somente da 
62 
 
parte requerente. Ora, como já explicado, a vontade de solucionar conflitos que envolvam 
direitos patrimoniais disponíveis deve partir da vontade de no mínimo duas pessoas (física ou 
jurídica) envolvidas na lide. 
Sem quaisquer vestígios da existência da parte requerida, há tão somente uma 
declaração de que a requerente, como única herdeira do de cujus, e na condição de inventariante, 
de forma unilateral, submete à CNAJUS a resolução definitiva decorrente do inventário. 
Destarte, perde o compromisso arbitral o caráter de convenção de arbitragem, pois não traz 
nenhum elemento que indique existência da parte requerida e do litígio, mormente a ausência 
da manifestação de vontade da parte contra quem se firma qualquer compromisso arbitral, 
motivo pelo qual a recusa da carta arbitral era o único possível deslinde do caso. 
 
2.3 Objeto da arbitragem 
 
Nesse tópico será estudado um ponto que não fora abordado na decisão, mas que seu 
levantamento é de grande relevância. Para que se analise este aspecto, é necessário explanar 
sobre arbitralidade ensinada pela doutrina. 
A arbitralidade é um conceito que resulta no preenchimento de algumas características 
estabelecidas pelo ordenamento jurídico, LArb e Código Civil Brasileiro, para a utilização do 
procedimento arbitral. 
 
Ela se subdivide em dois requisitos: o subjetivo e o objetivo. No primeiro, refere-se a 
quem pode se submeter a arbitragem, enquanto o segundo se direciona nas matérias 
ou tipos de controvérsias, as quais podem se submeter ao juízo arbitral, ou seja, se a 
matéria objeto do litígio pode ser resolvida pela arbitragem (CEMCA/CFOAB, p. 52, 
2015). 
 
Verifica-se que, 
 
Desse modo, antes das partes cogitarem em ter seu conflito dirimido pela arbitragem, 
é necessário que elas verifiquem se há arbitralidade, isto é, se as partes são capazes de 
contratar e, se a matéria do objeto do litígio, trata de direitos patrimoniais disponíveis, 
como determina a lei de arbitragem, em seu art. 1º (CEMCA/CFOAB, p. 48-50, 2015). 
 
Enquanto a LArb em seu art. 1º diz o que pode ser objeto da arbitragem, o art. 852 do 
Código Civil traz as vedações para a sua instituição: solução de questões de estado, de direito 
pessoal de família e de outras que não tenham caráter estritamente patrimonial, não podem ser 
objeto da arbitragem. 
Em complemento a essa delimitação, a própria definição de direito patrimonial 
disponível é um conceito em evolução constante, tanto com novas leis que tratam do tema, 
63 
 
quanto na doutrina e jurisprudência. Em regra, as matérias de inventário e partilha têm seus 
próprios procedimentos judiciais e são consideradas direitos extrapatrimoniais. No entanto, 
consoante a interpretação do artigo supracitado do Código Civil, as matérias de direito de 
família, quando não personalíssimas e somente patrimoniais, podem ser arbitráveis. 
É o que se observa no presente caso, uma vez que, não obstante os vários vícios 
cometidos durante a arbitragem em estudo, inclusive, passíveis de anulação da sentença, o 
objeto entorna somente questões patrimoniais. 
No entanto, Francisco Cahali ensina: 
 
Que restrito o litígio a efeitos meramente patrimoniais, ainda que decorrentes de 
relações familiares, inexisteóbice legal, tanto no direito de família, como na 
legislação sobre arbitragem para utilização deste expediente na solução dos conflitos 
(arbitrabilidade objetiva), sempre no pressuposto de se verificar a capacidade das 
partes (arbitrabilidade subjetiva) (p. 371, 2012). 
 
Desse modo, existem direitos disponíveis que podem ser submetidos à arbitragem 
dentro do direito de família e sucessório, caminho procurado sobretudo para quem busca 
confidencialidade, tendo em vista que o procedimento arbitral é sigiloso. 
 
2.4 O árbitro 
 
Consta, na decisão judicial, no que se refere a características do árbitro, denominações 
como “árbitro registral”, inclusive com numeração de registro, remetendo-se a uma possível 
existência de inscrição profissional. Ainda, verifica-se que a sua atuação se demonstrou 
irregular, visto que agiu como representante da interessada ao encaminhar a carta arbitral n° 
003/2019 ao Poder Judiciário, quando já existente a sentença arbitral, evidenciando tanto o uso 
incorreto da referida carta, como também evidencia a atuação irregular do árbitro no caso 
concreto. 
De acordo com a doutrina majoritária, a atividade exercida pelo árbitro não é uma 
profissão, mas sim função transitória condicionada à nomeação para um litígio específico. Tal 
função do árbitro é temporária e termina após proferida a sentença arbitral. Tampouco deve ser 
utilizada a denominação “juiz arbitral” de forma a ensejar uma profissão, expressão rechaçada 
pelos profissionais sérios que atuam na área. O árbitro dentro do procedimento arbitral é um 
dos pontos mais diferenciados em relação ao processo convencional. No instituto da arbitragem, 
a figura do julgador do litígio reside em um terceiro, imparcial e competente, escolhido pelas 
partes. (CEMCA/CFOAB, p.72-73, 2015). 
64 
 
Selma Lemes (2006) ensina que no momento em que as partes nomeiam um terceiro 
para julgar a controvérsia, e este aceita a função, torna-se árbitro investido que atuará no 
processo arbitral. Ainda, ao discorrer sobre as atribuições do árbitro no procedimento arbitral, 
refletiu: 
 
Indaga-se o que é estar árbitro? No sentido de que não existe a profissão de árbitro e 
em contraposição à assertiva inválida: ser árbitro. Estar árbitro é mais do que estar 
investido para decidir a controvérsia. É ser uma pessoa sensível, ter disponibilidade 
de tempo para analisar convenientemente a demanda, ser disciplinado, preparar-se 
para as audiências, ter prontidão e iniciativa, não retardar as decisões e despachos 
durante o procedimento arbitral (LEMES, 2006). 
 
Nesse sentido, o árbitro é uma atividade que atrai a confiança, mediante o seu amplo 
conhecimento sobre o objeto do conflito. Tal confiança nasce de sua competência profissional, 
independência declarada e a certeza de que atuará com total imparcialidade. 
Além disso, caso esta condição fosse tida como uma profissão, haveria uma nítida 
quebra em uma das mais honradas características da arbitragem: a liberdade dos litigantes 
escolherem livremente seus julgadores. Sobre o tema, já houve o Projeto de Lei n° 4.891, de 
2005, que dispunha sobre a instituição da profissão de árbitro e mediador, o qual foi arquivado 
por atentar contra a liberdade explorada pela arbitragem. 
Segundo Gilberto Melo (2007), os argumentos utilizados em favor ao Projeto de Lei 
foram pelo fato de existirem "pessoas inescrupulosas que se escondem sob o manto da Lei nº 
9.307, agindo e desvirtuando os seus fundamentos e princípios". Ademais, afirma que devem 
ser utilizados instrumentos legais, cíveis e penais, sendo da competência do Poder Judiciário, 
Ministério Público e até mesmo do Poder Executivo para aplicar as sanções cabíveis. 
 
2.5 A câmara arbitral 
 
Outro ponto a ser analisado é a escolha da forma pela qual a arbitragem será conduzida. 
Pela forma institucional, a arbitragem será administrada por uma câmara arbitral. Na forma ad 
hoc, por sua vez, será conduzida pelos próprios árbitros em conjunto com as partes e eventuais 
secretários, ou, ainda, por um tribunal arbitral, que se constitui quando o litígio vier a ser 
decidido por três ou mais árbitros (CEMCA/CFOAB, págs. 88-93,2015). Na análise do caso 
concreto, verifica-se que a forma institucional foi a escolhida pela requerente. 
As câmaras geralmente disponibilizam lista de pessoas que, vinculados ou não, 
colocam-se à disposição para atuarem como árbitras, caso escolhidas pelas partes. Assim, estas 
65 
 
instituições atuam em toda a logísticas do procedimento, no intuito de oferecer tranquilidade às 
partes e seus advogados. 
Ao escolher uma câmara, as partes escolhem, também, o regulamento dessa instituição, 
que irá nortear todo o procedimento, por isso a importância da escolha de instituições que 
estejam comprometidas com os requisitos éticos necessários para garantir uma atuação idônea 
e correta, além de observar a própria matéria da controvérsia, para só então escolher a câmara 
mais especializada no tema. 
Nesse ponto, o CONIMA – Conselho Nacional das Instituições de Mediação e 
Arbitragem, entidade com vasta divulgação das boas práticas da arbitragem e da mediação 
privada no país, visa oferecer à sociedade brasileira condições para a melhor escolha de uma 
instituição, bem como oferece orientação para a criação de novas instituições no país. 
 
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
A arbitragem apresenta-se como um verdadeiro exercício de autonomia das partes, que 
podem escolher não só a forma como o processo será conduzido, como também podem escolher 
a norma material que será aplicável à solução dos conflitos. 
Paulatinamente, a arbitragem está ganhando credibilidade do cidadão e esse modelo de 
pacificação social está tendo um aumento do seu uso por parte da sociedade brasileira. Paralelo 
ao seu avanço, cresce o uso equivocado da arbitragem, gerando descrédito do método e 
consequente receio na sua escolha para a solução dos litígios. No entanto, na decisão judicial 
em estudo, percebe-se a aplicação acertada da lei de arbitragem por parte do juiz togado. 
Por isso, faz-se necessário um maior zelo no rito do procedimento arbitral, de modo que 
as falhas encontradas no caso estudado não se tornem frequentes. Nesse sentido, os estudos 
acadêmicos dentro da área, inclusive aplicados a casos concretos, são de grande importância 
para contribuição da fiscalização e obediência as boas práticas da arbitragem. 
 
4 REFERÊNCIAS 
 
BRASIL. Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. Lei de Arbitragem. Disponível em: 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13129.htm. Acesso em: 19 
out. 2019. 
______. Lei n o 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 19 out. 2019. 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13129.htm
http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2010.406-2002?OpenDocument
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm
66 
 
______. Lei nº 13.129, de 26 de maio de 2015. Altera a Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 
1996, e a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Disponível em: 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13129.htm. Acesso em 19 
out 2019. 
CAHALI, F. J. Curso de arbitragem: resolução CNJ 125/2010: mediação e conciliação. 2º ed. 
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. 
CARMONA, C. A. Arbitragem e processo: um comentário à lei nº 9.307/96. São Paulo: Malheiros 
Editores, 1998. 
COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO, MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM DO CONSELHO 
FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS - CEMCA/CFOAB. Manual de arbitragem 
para advogados, p. 52, 2015. 
CONIMA – Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem. Disponível em: 
https://conima.org.br/. Acesso em: 19 out. 2019. 
INTERNATIONAL CHAMBER OF COMMERCE (ICC). TPI revela número recorde de 
novos casos de arbitragem arquivados em 2016. Disponível em: https://iccwbo.org/media-wall/news-speeches/icc-reveals-record-number-new-arbitration-cases-filed-2016/. Acesso em: 
19 out. 2019. 
LEMES, S. M. F. A carta arbitral e a arbitragem na lei das s.a. Disponível em: 
http://selmalemes.adv.br/artigos/Artigo%203%20%20A%20carta%20arbitral%20e%20a%20a
rbitragem%20na%20Lei%20das%20S.A.pdf. Acesso em: 19 out. 2019. 
LIMA, T. M.; FREITAS FILHO, R. Metodologia de análise de decisões – mad. Univ. JUS, 
Brasília, n. 21, p. 1-17, jul./dez, 2010. Disponível em: 
https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/jus/article/download/1206/1149. Acesso em 1 
jun. 2020. 
MELO, G. Arbitragem e a “profissão” de árbitro, 2007. Disponível em: 
https://gilbertomelo.com.br/a-arbitragem-e-a-profissaoq-de-arbitro. Acesso em: 19 out. 2019. 
NETO, A. J. de M. et al. Direitos patrimoniais disponíveis e indisponíveis à luz da lei da 
arbitragem. Temas Atuais de Direito. 1ª ed. – Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2013. 
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE RORAIMA. Decisão autos n. º 0831476-16.2019.8.23.0010 - 
carta arbitral. Juiz de Direito Paulo Cézar Dias Menezes. Diário de Justiça Eletrônico: Poder 
Judiciário, Ano XXII, Boa Vista, 2019. Disponível em: http://diario.tjrr.jus.br/dpj/dpj-
20191030.pdf. Acesso em: 15 mai. 2020. 
http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2013.129-2015?OpenDocument
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https://gilbertomelo.com.br/a-arbitragem-e-a-profissaoq-de-arbitro
http://diario.tjrr.jus.br/dpj/dpj-20191030.pdf
http://diario.tjrr.jus.br/dpj/dpj-20191030.pdf
67 
 
A CIDADANIA E A TEORIA DA JUSTIÇA COMO EQUIDADE EM JOHN RAWLS 
 
 
Luciana Nascimento De Souza1 
Natálya Nallyja Medeiros2 
Wesley Tomé da Matta 3 
 
 
RESUMO 
Este presente artigo objetiva analisar a teoria de justiça proposta por John Rawls, bem como a sua concepção de 
cidadania, e como esta pode contribuir para a compreensão da cidadania no Brasil. A teoria da justiça de John 
Rawls é certamente uma das mais importantes obras da filosofia política contemporânea, e foi bastante utilizada 
para justificar o Estado do bem-estar social, e também utilizada como resposta para a maioria dos problemas 
sociais. Ora, levando-se em conta que o Brasil tem uma história de exclusão social, onde apenas após o 
fortalecimento dos movimentos sociais, com a redemocratização do país e com a Constituição Federal de 1988, 
foi possível a maior participação popular, e com ela o aumento das reinvindicações sociais, ao mesmo tempo em 
que vemos uma onda reacionária conservadora e de extrema-direita não somente no Brasil, mas na Europa e 
Estados Unidos, torna-se relevante compreender a importância da liberdade, igualdade e cidadania em sociedades 
democráticas. 
 
Palavras-chave: Cidadania; Equidade; Justiça. 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
Entende-se que a época vivida por John Rawls foi bastante frustrante quanto às 
expectativas acerca do progresso, de modo que, se perdeu a fé na possibilidade de uma vida 
plena. A crença na verdade científica como meio para se atingir a perfeição foi abalada pelas 
fraquezas humanas. A individualização entre os seres adquiriu forças, enfraquecendo a 
sociedade, culminando em um sentimento de aversão para com o outro. Neste trilhar, o 
totalitarismo toma para si o lugar da liberdade, a qual entra em crise (SEINO, 2014, p. 149). 
Então, é nesse contexto que Rawls evidencia os problemas estruturantes da sociedade e 
dos princípios de justiça inerentes a ela, propondo uma reflexão importante sobre questões 
acerca da concepção de sociedade, cidadania e virtudes políticas (BARBOSA, 2019, p. 153). 
 
1 Acadêmica de Direito da Universidade Federal de Roraima (lu.roraima@gmail.com). 
2 Acadêmica de Direito da Universidade Federal de Roraima (nallyja@yahoo.com.br). 
3 Acadêmico de Direito da Universidade Federal de Roraima (w.tomematta@outlook.com). 
68 
 
Assim, John Rawls (1990) elenca como seu principal objetivo alcançar a fundamentação 
de uma teoria de justiça, a fim de fornecer uma nova concepção basilar ao regime democrático 
constitucional, vez que, na visão deste autor, a justiça é a principal virtude das instituições 
sociais (apud PANSIERI, 2016). 
Deste modo, eis que se difunde o liberalismo igualitário com as concepções desse autor, 
de modo que, o próprio se coloca como um contratualista, buscando responder como avaliar as 
instituições sociais, posto que uma sociedade para ser concebida como bem ordenada, não 
somente deve partilhar de uma concepção pública de justiça entre todos os indivíduos, mas 
também ser capaz de regular a estrutura básica da sociedade (CLEMENTE, 2019, p. 89). 
Neste sentido, o presente artigo se justifica por sua análise acerca do conceito de 
cidadania pela teoria rawlsiana de justiça, uma vez que, este autor é visto como um dos maiores 
expoentes no campo da filosofia política, cuja teoria, conforme Pansieri (2016), busca alcançar 
um parâmetro moral básico da sociedade para que assim seja possível avaliar políticas 
fundamentais inerentes às instituições sociais de um país. 
Portanto, tem-se como objetivo compreender os conceitos referentes a teoria de justiça 
idealizada por John Rawls, bem como a sua concepção de cidadania, além de, em paralelo, 
verificar como esta pode contribuir para a noção de cidadania quando vista sob a perspectiva 
do contexto histórico brasileiro. 
Quanto a metodologia a ser adotada, será utilizada a pesquisa bibliográfica, valendo-se 
de conteúdo material já elaborado (GIL, 2002), constituído principalmente de doutrinas, obras 
literárias e artigos científicos. Com relação aos objetivos, a pesquisa será exploratória, segundo 
Gil (2002) este tipo de pesquisa visa proporcionar maior familiaridade com o problema, no 
objetivo de torná-lo mais explícito. Quanto à forma de abordagem, será qualitativa, uma vez 
que é necessário que se faça uma análise da situação e contexto do presente tema. 
 
2 JOHN RAWLS E UMA TEORIA DA JUSTIÇA 
 
John Rawls, particularmente em sua obra Uma Teoria da Justiça, buscava uma 
alternativa para as doutrinas que há muito tempo dominavam a tradição filosófica em sua época, 
principalmente de concepções utilitaristas, uma vez que “cada pessoa possui uma 
inviolabilidade fundada na justiça que nem mesmo o bem-estar da sociedade como um todo 
pode ignorar”, além de buscar elevar a um plano superior de abstração do contrato social de 
Locke, Rousseau e Kant (RAWLS, 1997, p. 4 e 12). 
69 
 
Rawls considerava a verdade e a justiça indisponíveis, de maneira que “os direitos 
assegurados pela justiça não estão sujeitos à negociação política ou ao cálculo de interesses 
sociais”, uma vez que os princípios da justiça na estrutura básica da sociedade são, para ele, 
consenso original do contrato social e aqui vemos a introdução do que ele irá denominar de 
“Justiça como equidade” (RAWLS, 1997, p. 4 e 12). 
Na justiça como equidade “a posição original de igualdade corresponde ao estado de 
natureza na teoria tradicional do contrato social”, o autor deixa claro que essa concepção 
original não é uma situação histórica real, mas uma situação hipotética para a compreensão da 
concepção da justiça, cujos princípios são escolhidos sob um véu de ignorância e por indivíduos 
éticos, racionais e mutuamente desinteressadas, e por isso são resultado de “um consenso ou 
ajuste equitativo”, uma vez que são acordados “numa situação inicial que é equitativa” 
(RAWLS, 1997, p. 13 e 14). 
Rawls afirma que os princípios de justiça são contrários ao utilitarismo e perfeccionismo 
“que pode exigir para alguns expectativas de vida inferiores, simplesmente por causa de uma 
soma maior de vantagens desfrutadas por outros”, de modo que a justiça como equidade, 
fundamentada emum contrato social, não conviveria com o princípio da utilidade, sendo este 
“incompatível com a concepção da cooperação social entre iguais para a vantagem mútua” 
(RAWLS, 1997, p. 15 e 16). 
Assim, a justiça teria o papel de preservar a liberdade do indivíduo em relação à vontade 
da maioria, não possibilitando que a liberdade das pessoas seja violada por leis e instituições 
injustas que visam o bem-estar coletivo (SÁ, 2019, p. 250). 
Brito Filho (2014, p. 35 apud SÁ, 2019, p. 250) afirma que Rawls inverte a lógica 
aristotélica, pois para ele a “concepção de bem, ainda que seja fruto da comunidade, não pode 
sobrepor-se à concepção do que é justo”. 
A terminologia do contrato foi utilizada por Rawls não como uma “teoria completa 
contratualista”, mas por transmitir a ideia de “princípios da justiça”, princípios estes “escolhidos 
por pessoas racionais e que assim as concepções da justiça podem ser explicadas e justificadas”, 
de maneira que cabe destacar que Rawls não utiliza o contratualismo no sentido clássico para 
fundamentar uma obediência ao Estado, mas ao processo de escolhas e eleição de princípios 
como dito anteriormente (RAWLS, 1997, p. 18). 
Rawls irá apresentar vários princípios, mas os que será o destaque de sua obra são os 
que os seguintes: o primeiro é o princípio da liberdade ou igual liberdade que exige uma 
distribuição igual, liberdades básicas iguais para todos e uma igualdade equitativa de 
oportunidades e uma divisão igual da renda e da riqueza. O segundo seria o princípio da 
70 
 
diferença que exige que desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer duas condições: 
igualdade equitativa de oportunidades e o maior benefício possível para os membros 
privilegiados da sociedade: 
 
Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de 
liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de 
liberdades para as outras. Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser 
ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas 
para todos dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e cargos 
acessíveis a todos (RAWLS, 1997, p. 64). 
 
 
A esses dois princípios Rawls denominou de “dois princípios da justiça” e irão marcar 
não somente nesta obra, mas também as seguintes do autor. As discursões e críticas que 
surgiram sobre o seu estudo foram tais, e que Rawls revisita o tema em sua obra o Liberalismo 
Político que analisaremos a seguir. 
 
3 JOHN RAWLS E O LIBERALISMO POLÍTICO 
 
Naquela obra já referida, Rawls busca aperfeiçoar suas teses, mas também deixar claro 
o caráter político desta, e não moral. 
O foco no utilitarismo se justifica, pois segundo Rawls (2000, p. 22) “a visão sistemática 
predominante no mundo de língua inglesa sempre foi alguma forma de utilitarismo”, 
fundamenta em linhagem de escritores brilhantes, como Hume, Adam Smith, Edgeworth, 
Sidwick, etc. 
Rawls também busca diferenciar o construtivismo moral de Kant do construtivismo 
político da justiça como equidade apresentada em sua obra. A primeira diferença é que Kant 
tem uma visão moral abrangente “em que o ideal de autonomia tem um papel regulador para 
tudo na vida”, o que é incompatível com o liberalismo político da justiça como equidade. A 
segunda é que no liberalismo político também rejeita a autonomia constitutiva de Kant 
(RAWLS, 2000, p. 144 e 145). 
A terceira é que as concepções básicas de pessoas e sociedade de Kant estão 
fundamentadas em seu idealismo transcendental, enquanto que a justiça como equidade “usa 
certas ideias fundamentais, que são políticas, como ideias organizadoras básicas”. A quarta 
diferença é que a justiça por equidade tem por objetivo “descobrir uma base pública de 
justificação no que se refere a questões de justiça política, dado o fato do pluralismo razoável”, 
enquanto que Rawls acredita que Kant entendia o papel da filosofia como apologia a defesa da 
fé razoável (RAWLS, 2000, p. 145 e 146). 
71 
 
Rawls reescreve o seu princípio da igual liberdade, retirando a expressão o mais 
abrangente possível para “um sistema plenamente adequado”: 
 
Toda pessoa tem um direito igual a um sistema plenamente adequado de liberdades 
fundamentais iguais que seja compatível com um sistema similar de liberdades para 
todos. As desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer duas condições. A 
primeira é que devem estar vinculadas a cargos e posições abertos a todos em 
condições de igualdade equitativa de oportunidades; e a segunda é que devem 
redundar no maior benefício possível para os membros menos privilegiados da 
sociedade (RAWLS, 2000, p. 342). 
 
Rawls afirma que os dois princípios de justiça “propiciam uma compreensão melhor das 
exigências da liberdade e da igualdade numa sociedade democrática”, uma vez que os princípios 
do utilitarismo, perfeccionismos ou intuicionismo não atendem adequadamente a essa 
sociedade (RAWLS, 2000, p. 346). 
 
4 A JUSTIÇA COMO EQUIDADE E CIDADANIA 
 
Cunningham (2009 apud Clemente, 2019, p. 86) defende que a cidadania passou a ser 
um elemento mediado entre as demandas da justiça liberal e o pertencimento comunitário. 
Para Rawls a cidadania igual garante aos cidadãos o direito a disputar oportunidades de 
forma equitativa no cenário público, independentemente de sua “ainda que se respeitem as 
desigualdades, na medida em que representem o maior benefício possível aos cidadãos menos 
favorecidos da sociedade” (SOARES, 2014, p. 241 e 242). 
Soares (2014, p. 242) afirma que a teoria de Rawls admite e aceita que sejam 
possibilitadas condições de igualdade equitativa de oportunidades para aqueles que possuem 
condições sociais e econômicas desiguais, para garantir um maior benefícios para os menos 
favorecidos, de maneira que “ainda que se parta da posição de cidadania igual, é possível que 
ocorram direitos básicos desiguais”. 
Essas distinções seriam justificadas pelo princípio da diferença. Além disso, o filosofo 
afirma que devem ser preservadas condições iniciais sociais justas, por leis denominadas de 
“normas de justiça de fundo”, pelas quais seriam propiciadas a “igualdade equitativa de 
oportunidades, como a educação, saúde, trabalho, moradia e outros direitos sociais” (SOARES, 
2014, p. 243). 
Inclusive, Rawls destaca o papel da educação na garantia da autonomia dos indivíduos 
e da produção e reprodução ordenada da sociedade, tendo a educação “o valor de cultivar e 
estimular atitudes e virtudes para sustentar a igualdade” e a cidadania (SOARES, 2019, p. 245). 
72 
 
Podemos resumir o que estudamos que os cidadãos na visão de Rawls, são livres e 
iguais. Os Cidadãos livres concebem o bem para si e buscam promovê-lo extrapolando o campo 
da interiorização, passando para a ação reivindicatória direcionada às instituições, pois 
consideram suas reivindicações válidas, e assumem as responsabilidades por aquilo que 
almejam, tanto em dever, quanto em direito, por estarem em um regime de cooperação (SEINO, 
2014, p. 155). 
Para Rawls, a cidadania em um sistema democrático, “faz parte de um ideal político 
amplo que inclui a concepção de razão pública, bem como o conceito de razoável (SEINO, 
2014, p. 155). 
 
5 A CIDADANIA NO BRASIL À LUZ DA TEORIA DE RAWLS 
 
Barbosa (2019, p. 153), em seus estudos sobre cidadania, resgata a concepção de Rawls 
de que “a justiça com equidade só pode ser incorporada com a cooperação de toda a sociedade 
para o benefício de todos a partir da sua organização em torno da sua estrutura básica”. 
Essa estrutura, segundo Barbosa (2019, p. 153) pode ser incorporada através de ações e 
interações sociais, considerando as diferenças entre as pessoas, refutando “a ideia de um 
indivíduo particularista e uma ideia restritiva de bem-estar ampliando o princípio de equidade”. 
Barbosa (2019, p. 154) aponta que o Brasil teve muitos obstáculos para a construção de 
uma cidadania, tanto em direitos civis,políticos, sociais e humanos. 
Desde o “descobrimento” ou conquista do Brasil, ao retarda na aplicação da libertação 
de escravos exigido pelo Estados-Nação, a supressão de direitos civis e políticos e a 
centralização de poder em diversos momentos históricos do país, e a falta de relação entre as 
massas e as instituições, bem da aplicação de políticas sociais de cima para baixo em diversos 
governos, a população sempre foi excluída da participação das decisões nacionais (BARBOSA, 
2019, p. 155). 
Com o fortalecimento dos movimentos sociais e com a Constituição de 1988 e o 
consequente aumento da participação social, o Estado passou a ser pressionado para a produção 
de políticas públicas enquanto pautas de ação coletiva em busca de diminuir as desigualdades 
sociais (BARBOSA, 2019, p. 156). 
Barbosa (2019, p. 156) aponta que diante de sua história, e a ainda recente democracia 
restabelecida constitucionalmente, o Brasil ainda passa por “inúmeros problemas de 
institucionalidade política e um ambivalente juízo ético-moral conservador no tratamento sobre 
73 
 
populações vulneráveis”, desconsiderando a pluralidade e diversidade de valores culturais 
existentes no país. 
Sá (2019, p. 250 e 251) destaca que para Rawls a “concepção de justiça condizente com 
o pluralismo deve ser imparcial em relação às diversas visões compreensivas acerca do que 
constitui uma vida digna”. 
Ora, essa concepção, associada a cooperação social entre pessoas livres e iguais, torna-
se clara a importância da participação e inclusão de grupos minoritários através de políticas que 
garantam condições igualitárias a esses indivíduos. 
No entanto, as pressões sociais têm levado a mudanças de estrutura do Estado e ao 
desenho de novas políticas nas mais diversas áreas possibilitando o ingresso de grupos 
excluídos a serviços básicos e qualidade de vida (BARBOSA, 2019, p. 160). 
Porém, Barbosa (2019, p. 160 e 161) defende que a noção de política tornou a ser de 
depreciada em prol do privilegio do capital depois da crise de 2008, levando a população a uma 
descrença das instituições e ao aumento da desconfiança dos cidadãos sobre a democracia 
representativa. 
Barbosa (2019, p. 164), se fundamenta na teoria de Rawls para trazer uma resposta ao 
cenário brasileiro, e inicia apontando que para o filosofo cada sujeito trás consigo uma 
concepção do que é justo, a interação social e a política possibilita uma sociedade bem 
ordenada, pautada em razoabilidade e princípios que garantem o direito fundamental a todos. 
Assim, Barbosa (2019, p. 164 e 165) defende que a cidadania estaria “condicionada à 
justiça como equidade”, se manifestando na expressão dos direitos fundamentais e no exercício 
da ação política, possibilitando o exercício de sua própria autonomia, de maneira que “os 
indivíduos devem compartilhar de liberdades exercidas em sua plenitude, o que exige um 
equilíbrio reflexivo sobre os termos de justiça na estrutura básica da sociedade”. 
 
6 CONCLUSÃO 
 
A individualização entre os seres adquiriu forças, enfraquecendo a sociedade, 
alcançando um sentimento de repulsão de um indivíduo para com o outro. É nesse contexto que 
Rawls evidencia os problemas estruturantes da sociedade e dos princípios de justiça a ela 
inerentes. O que o faz propor uma reflexão significante acerca de questões sobre a concepção 
de sociedade, de cidadania e de virtudes políticas. 
Essas concepções o levam a difundir um liberalismo igualitário, de modo a se posicionar 
como um contratualista, buscando respostas que avaliem as instituições sociais, com a 
74 
 
justificativa de que uma sociedade para ser considerada como bem ordenada, não somente deve 
partilhar de uma concepção pública de justiça entre todos os indivíduos, mas também ser capaz 
de regular sua própria estrutura básica. 
Então, este artigo buscou a análise sobre o conceito de cidadania pela teoria Rawlsiana 
de justiça. Partindo do pressuposto que esse autor é considerado um dos maiores expoentes no 
campo da filosofia política, conforme Pansieri (2016). Buscando alcançar um parâmetro moral 
básico da sociedade para que fosse possível avaliar as políticas fundamentais inerentes às 
instituições sociais de um país. 
Rawls afirma que os princípios de justiça são contrários ao utilitarismo e ao 
perfeccionismo. Visto que a justiça teria o papel de preservar a liberdade do indivíduo em 
relação à vontade da maioria, não possibilitando que a liberdade das pessoas fosse violada pelas 
leis e instituições injustas que visavam o bem-estar coletivo. 
Assim, os cidadãos na visão de Rawls, são livres e iguais. Os Cidadãos livres concebem 
o bem para si e buscam promovê-lo extrapolando o campo da interiorização, passando para a 
ação reivindicatória direcionada às instituições, pois consideram suas reivindicações válidas, e 
assumem as responsabilidades por aquilo que almejam, tanto em dever, quanto em direito, por 
estarem em um regime de cooperação. 
A cidadania estaria “condicionada à justiça como equidade”, se manifestando na 
expressão dos direitos fundamentais e no exercício da ação política, possibilitando o exercício 
de sua própria autonomia, de maneira que “os indivíduos devem compartilhar de liberdades 
exercidas em sua plenitude, o que exige um equilíbrio reflexivo sobre os termos de justiça na 
estrutura básica da sociedade”. 
No Brasil, considerando sua história de exclusão social, em que apenas após o 
fortalecimento dos movimentos sociais, e a redemocratização do país e depois da Constituição 
Federal de 1988, foi possível maior participação popular, e com ela o aumento das 
reinvindicações sociais, ao mesmo tempo em que vemos uma onda reacionária conservadora e 
de extrema-direita não somente no Brasil, como apontado linhas acima. 
Contudo, houve a depreciação da noção de política em prol do privilegio do capital 
depois da crise de 2008, levando a população a uma descrença das instituições e ao aumento da 
desconfiança dos cidadãos sobre a democracia representativa. 
 Tornando a cidadania “condicionada à justiça como equidade” Barbosa (2019). 
Manifestando-se na expressão dos direitos fundamentais, no exercício da ação política, até 
mesmo como políticas de cotas sociais e raciais, possibilitando o exercício de sua própria 
autonomia, de maneira que os indivíduos compartilhem de liberdades exercidas em sua 
75 
 
plenitude, o que exige um equilíbrio reflexivo sobre os termos de justiça na estrutura básica da 
sociedade, buscando a tão almejada dignidade da pessoa humana, a qual no Brasil é um de seus 
fundamentos. 
 
7 REFERÊNCIAS 
 
BARBOSA, Luana Darby Nayrra da. Cidadania, políticas de identidade e renovação 
política: Um debate à luz da Teoria da Justiça de John Rawls. Rev. Sem Aspas, Araraquara, v. 
8, n. 2, p. 152-166, jul./dez., 2019. e-ISSN: 2358-4238. DOI: 
https://doi.org/10.29373/sas.v8i2.13106. 
CLEMENTE, Augusto Junior. A cidadania nas teorias da justiça. Revista Estudos Políticos, 
v. 7, n. 1, p. 84-104. ISSN: 2177-2851. 
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002. 
PANSIERI, Flávio. A Crítica de Amartya Sen à Concepção Rawlsiana de Justiça. 
Sequência (Florianópolis), Florianópolis, n. 74, p. 181-206, Dec. 2016. Disponível em: 
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-
70552016000300181&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 29 nov. 2020. 
https://doi.org/10.5007/2177-7055.2016v37n74p181. 
RAWLS, John. Uma teoria da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 1997. Tradução Almiro 
Pisetta e Lenita M. R. Esteves. 
______. O liberalismo político. São Paulo: Ática, 2000. Tradução Dinah de Abreu Azevedo, 
Revisão da Tradução Álvaro de Vita. 
SÁ, João Daniel Macedo de. “Direito de propriedade e teoria da justiça: a defesa da propriedade 
na justiça distributiva a partir da concepção de John Rawls”. Sequência (Florianópolis), n. 82, 
p. 242-264, ago. 2019. DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2019v41n82p242.SEINO, Eduardo. “Os alicerces da cidadania em Kant e Rawls”. Cadernos de Campo: Revista 
de Ciências Sociais, n. 18, p. 147-160, 2014. Disponível em: 
https://periodicos.fclar.unesp.br/cadernos/article/view/7385. Acesso em: 28 nov. 2020. 
SOARES, Dilmanoel de Araújo. “Os direitos sociais e a teoria de justiça de John Rawls”. 
Revista de Informação Legislativa, ano 51, n. 203, p. 237-247, jul/set 2014. Disponível em: 
https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/51/203/ril_v51_n203_p237.pdf. Acesso em: 28 nov. 
2020. 
76 
 
PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL E SEUS FUNDAMENTOS 
 
 
 
Marília Talia Gabriel da Silva1 
Ricardo Matheus Gomes Botelho2 
 
 
RESUMO 
A fim de inovar em diversos planos normativos, a Constituição Federal de 1988 importou o Princípio da Vedação 
Ao Retrocesso Social, de nítida inspiração portuguesa, que, a partir da paradigmática decisão do Tribunal 
Constitucional português (AC 39/84), reconheceu a existência implícita desse princípio na Constituição 
Portuguesa. Contudo, é público e notório o paradigma positivista/pós-positivista em que opera o direito brasileiro, 
cujo efeito notável, dentre vários, é um distanciamento de questões objetivas e perenes e uma aproximação às 
questões subjetivas e efêmeras, não por outro motivo a Constituição é continuamente emendada. Em vista desse 
fato, o presente artigo preocupa-se em contornar os fundamentos do aludido princípio, bem assim verificar se é 
necessário o estabelecimento de uma base natural que sirva de referencial não só para vedar o retrocesso, como 
também para nortear um progresso. 
 
Palavras-chave: Constituição; Vedação ao Retrocesso; Progresso. 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88) trouxe a lume, 
dentre várias inovações, um instituto até então inalcançado por todas as suas antecessoras: 
aboliu, por ato constitucional, a possibilidade de erro e arrependimento, instituindo, pois, sua 
vanguarda certeira e inquestionável com o chamado Princípio da Vedação ao Retrocesso Social. 
Destaca-se, porém, que não há, neste artigo, a pretensão de esgotar a matéria, 
tampouco as causas políticas e/ou psicológicas por trás do fenômeno, o recorte é evidente: 
lançar contorno aos fundamentos do aludido princípio. 
A vontade legiferante dos Constituintes de 1988 expressa uma forma mentis que 
enxerga a história como uma marcha contínua em direção ao progresso, isto é, adotou-se um 
 
1 Acadêmica de Direito da Universidade Federal (mariliatgsilva@gmail.com) 
2 Acadêmico de Direito da Universidade Federal (ricardogbotelho@gmail.com) 
77 
 
método histórico progressista, legado filosófico materialista de Karl Marx (1818-1883) e 
positivista de Auguto Comte (1798-1857) mais de Littré (1801-1881), onde a “[...] humanidade 
teria seguido uma estrada ascendente [...] as doutrinas da antiguidade e da Idade Média 
seriam hoje passadas, e já não poderiam trazer respostas aos problemas do nosso tempo”3. 
A partir da análise do princípio, buscar-se-á sua origem, seu fundamento e sua eficácia 
no direito brasileiro, bem como se é possível, de fato, frear o retrocesso sem adotar uma carga 
objetiva do que é “retrogrado” ou “vanguardista”, isto é, se o princípio analisado é ou não um 
apontamento de que o direito positivo não é possível sem uma base natural. 
 
2 A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL AOS DIREITOS SOCIAIS E OS DIREITOS 
GERACIONAIS/DIMENSIONAIS 
 
O corpo constitucional guarnece direitos individuais e coletivos, sociais, de 
nacionalidade, políticos e mais um sem-número de dispositivos legais, caracterizando uma 
constituição tipicamente analista4. 
Na doutrina brasileira destaca-se a teoria geracional dos direitos, que compreende os 
direitos humanos a partir de uma evolução histórica (caráter historicista), em que, a cada 
geração (ou dimensão), o ser humano foi conquistando mais direitos. Atribui-se a autoria destes 
ciclos ao jurista tcheco, Karel Vasak5. 
Em resumo, a teoria utiliza como alegoria a Revolução Francesa e a partir do seu lema: 
Igualdade, Liberdade e Fraternidade, esquematiza o que seriam as três primeiras gerações de 
Direitos Humanos: a dimensão individual, a social e a solidária. 
A primeira geração refere-se aos ideais do liberalismo, na qual há uma prestação 
negativa estatal, isto é, um absenteísmo estatal (sic), cuja expressão são os direitos individuais 
e políticos, consagrando os direitos à vida, à liberdade e à igualdade. 
A segunda geração origina-se da filosofia política do Estado Social de Direito, que 
encontra nas Constituições do México de 1917 e na de Weimar de 1919 suas maiores 
 
3 VILLEY, Michael. O Direito e os Direitos Humanos. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2016, p. 13. 
4 Constituições classificadas como analíticas são extremamente detalhadas e prolixas. Disponível em: 
<https://www.escolalivrededireito.com.br/como-e-uma-constituicao-analitica-e-uma-sintetica/>. Acesso em: 10 
de nov. de 2020. 
5 MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2008, p. 40. 
https://www.escolalivrededireito.com.br/como-e-uma-constituicao-analitica-e-uma-sintetica/
78 
 
influências, consagrando, pois, os direitos sociais (igualdade). O Brasil, importou-a, 
insculpindo na Constituição de 19346 tal premissa, que teve como presidente o ditador Vargas. 
Por fim, consagrando o lema Fraternidade, tem-se os direitos de terceira geração, que 
abarca os direitos coletivos e difusos, tais como direito do consumidor e direito ambiental7, e 
foram consagrados no texto de 19888. 
Nesse aspecto, sendo a história uma linha ascendente guiada pelos luminares 
progressistas de cada época, avança-se para o que a doutrina chama de quarta dimensão dos 
direitos humanos, que envolve manipulação genética e afins. 
A partir dessa curiosa visão evolutiva, não basta que a lei seja justa, exige-se dela que 
também seja filantrópica9. Ao fim, muitas vezes porta-se como justa e muito menos solidária. 
Afinal, como bem pontua o Bastiat (1801-1850)10, a falsa filantropia (involuntária) semeia a 
injustiça e destrói a liberdade. 
 
3 CONCEITO E EFICÁCIA DO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO 
SOCIAL 
 
Os principais expoentes do princípio em análise são os professores José Joaquim 
Gomes Canotilho e Vital Moreira11. Para o professor Canotilho, cuja densa obra constitucional 
serve de base a um sem-número de novos doutrinadores, o princípio estava implícito na 
Constituição Portuguesa, cujo efeito é a proibição da supressão de um direito social uma vez 
previsto na constituição, vinculando o Estado e proibindo-o de suprimi-lo. 
 
6 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 2019, p. 1953 (kindle). 
7 [...] com apoio em douta lição expendida por CELSO LAFER (“A Reconstrução dos Direitos Humanos”, p. 
131/132, 1988, Companhia das Letras), de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que 
assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o gênero humano. (RTJ158/205-206, Rel. Min. CELSO 
DE MELLO). 
8 LENZA, op. cit., p. 2113 (kindle). 
9 BASTIAT, Frederic. A lei. LVM Editora, 2019, p. 54. 
10 Vida e Morte Frédéric Bastiat. Disponível em: 
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Fr%C3%A9d%C3%A9ric_Bastiat>. Acesso em: 17 de dez. de 2020. 
11 QUEIRÓZ, Cristina . O princípio da não reversibilidade dos Direitos Fundamentais Sociais, 2006, p. 68. 
https://pt.wikipedia.org/wiki/Fr%C3%A9d%C3%A9ric_Bastiat
79 
 
Nesse sentido, a Constituição Portuguesa afastou-se da “decisão socialista [em] favor 
de novas premissas normativas da justiça econômico-social”12. Isso porque se optou por uma 
abertura econômica, social e cultural. 
O consagrado autor segue afirmando que há no princípio um significado jurídico de 
imposição constitucional “dirigida aos órgãos de direção política (legislativa e executivo) no 
sentido de desenvolverem uma atividade econômica e social conformadora, transformadora e 
planificadora das estruturas socioeconômicas”13. 
Assim,verifica-se que, sob novos termos e inédita roupagem, homenageia-se o colega 
de longa data progressismo histórico, intitulando-o de “proibição de contrarrevolução social” 
ou “proibição da evolução reacionária”. 
Em síntese, os direitos sociais, escudados por este princípio, uma vez conquistados, 
passam a ser, além de uma garantia institucional, um direito subjetivo; isto é, um limite jurídico 
e uma obrigação do legislador ordinário, vinculando-o a uma política congruente com os 
meandros enveredados por essa noção histórica. 
Pontua-se, porém, que o professor de Coimbra, em obra mais recente, abrandou os 
ânimos, admitindo um “esquema alternativo ou compensatório”14, permitindo ao legislador 
ordinário que esculpa mudanças nos direitos sociais, sob a condição de não as abolir, mas 
aprimorá-las, isto é, ao modifica-las, que seja para expandi-las e não as retrair, entendimento 
seguido pela jurisprudência pátria. 
O STF reconheceu que multicitado princípio não se reveste de valor absoluto, sendo 
posicionamento consolidado desde o julgamento da ADI 4.350/DF, sob relatoria do ministro 
Luiz Fux15. 
Esclareça-se, porém, que a partir dessa noção, é possível atribuir aos direitos sociais 
um duplo grau de eficácia: um positivo e outro negativo. Aquele, constitui-se no dever do 
Estado de agir positivamente em favor do indivíduo, enquanto este, compreende-se que, uma 
vez previsto o direito social, ele passa a integrar o patrimônio jurídico de seu beneficiário. 
 
12 CANOTILHO, J.J. Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, contributo para 
compreensão das normas constitucionais programáticas. 6 ed. COIMBRA: Livraria Almeida, 1993, p. 467. 
13 Ibid. p. 467-468. 
14 Idem. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. São Paulo: Almedina, 2018. 
15 “O princípio da vedação ao retrocesso social não pode impedir o dinamismo da atividade legiferante do Estado, 
mormente quando não se está diante de alterações prejudiciais ao núcleo fundamental das garantias sociais” (ADI 
4.350/DF. Data de Julgamento: 23/10/2014, Rel. Min. Luiz Fux. p. 47). 
80 
 
Bem verdade, a doutrina diverge quanto à extensão do princípio, para alguns, trata-se 
de uma derivação da eficácia negativa16, para outros nada mais é que um princípio contrário à 
autonomia legislativa, além de convalidar a ideia de uma marcha histórica contínua em direção 
ao progresso17. 
A grande falha, talvez, resida no fato de possibilitar à mão que dominou as políticas 
inseridas na Lei Maior do país no momento de sua elaboração ditar, ad eternum, o rumo das 
políticas públicas do país, e qualquer governo que vier após, se contrário, não conseguirá 
lastrear sua governança, vez que não terá base constitucional que não a vereda delineada pelo 
progressismo histórico anterior à sua eleição. 
A situação mostra-se mais problemática no Brasil pois, aqui, há nítida simbiose entre 
“coisas de estado” e “coisas de governo”. Assim, em vez de reservar àquelas a perenidade, 
estender-se a estas, perpetuando políticas que não são de estado e, portanto, deveria ser legada 
a transitoriedade, vez que advém de um juízo de oportunidade e conveniência. 
A intenção pode ser virtuosa e alguns resultados celebráveis, mas, toda norma que 
legitima alguma forma de esbulho, tão logo corromperá todo o ordenamento, pois mesmo não 
sendo a causadora da instabilidade, uma vez plantada no sistema, torna-se fonte fecunda de 
iniquidade, exigindo uma rápida remoção sob pena de corromper todo o sistema normativo18. 
O princípio é fruto de um sistema hibrido que tenta casar toda sorte de correntes antagônicas. 
 
4 UM REFERENCIAL DETERMINA O ESTADO DE MOVIMENTO OU REPOUSO 
DE UM CORPO 
 
Para inferir se um corpo está em movimento ou não é preciso se adotar um referencial, 
isto é, elege-se um observador para possibilitar e identificar o estado de repouso ou movimento 
de um corpo. 
Tem-se, pois, que para definir a posição de um corpo, necessária é a análise das 
coordenadas cartesianas (x, y, z) em um conjunto de eixos cartesianos (X, Y, Z). Imagina-se, 
por exemplo, um indivíduo que pela manhã pega o ônibus para ir à escola. A depender do 
 
16 Eficácia negativa impõe à declaração de invalidade a todos as normas ou atos que se opõe aos efeitos pretendidos 
pela norma dotada; a Constituição Federal de 1988 pode revogá-la ou não a recepcionar, nesta última hipótese se 
anterior à promulgação em 1988 (ex.: Código de Trânsito Brasileiro). 
17 DE ANDRADE. José C.V. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 5ª Ed. São Paulo: 
Almedina, 2012, p. 377-381. 
18 BASTIAT, op. cit., p. 49. 
81 
 
referencial adotado, o mesmo indivíduo pode estar em repouso ou movimento. Inclusive, para 
se chegar à escola, que é o ponto almejado, o motorista precisa de coordenadas para definir se 
está transitando em círculo ou não. 
Assim, ao se estabelecer um princípio constitucional de vedação ao retrocesso é 
preciso, também, fixar uma base que sirva de referencial, a fim de se localizar e saber se está 
se movendo corretamente em relação ao ponto almejado que, in casu, é o não retrocesso. 
O progresso pressupõe, necessariamente, aproximar-se de um local almejado, ou seja, 
para saber se uma sociedade se moveu do ponto A ao ponto B é necessário coordenadas fixas e 
objetivas que permitam identificar o movimento feito pela respectiva sociedade. 
Observa-se, pois, que o progresso é o mister da Nação brasileira19 e por todos é 
desejado. A questão aqui delineada conduz, inexoravelmente, à antiga discussão entre direito 
natural e positivo. 
O direito natural pressupõe, basicamente, universalidade, perenidade e 
indisponibilidade; o direito positivo, de outra sorte, guarnece localidade, efemeridade e 
disponibilidade. 
Parmênides (530 a.C-460a.C)20, Filósofo Grego que nasceu e morreu na cidade de Eléia 
na Itália, defendeu a teoria da estaticidade, isto é, um fato não pode ser mudado, nada está em 
transformação, sendo a máxima: aquilo que é, é. Ou seja, nada se transforma ou muda sua 
estrutura atual, mesmo que algo mude diante dos olhos do indivíduo ele deve ignorar, pois, o 
primeiro passo para a racionalidade e veracidade de fato é afastar-se dos sentimentos e atentar-
se à racionalidade, portanto, um fato em qualquer um dos mundos – fático ou do Direito – não 
estão subordinados a quaisquer mudanças em qualquer hipótese. 
 
Certamente esta coisa nunca pode ser imposta, que são coisas que não são, mas você 
remover o seu pensamento deste caminho de investigação nem longe hábito puxa você 
ao longo deste caminho, dirigir o olho que não olha e a orelha retumbante e a língua, 
mas julgue pelo raciocínio a prova duramente exibida por mim. Para dizer ou para 
pensar: na verdade, o que não é é absolutamente inalterável e impensável. 
[PARMÊNIDES, Fragmento 7 (versos 1-6)]21 
 
19 Não se pode olvidar o lema positivista insculpido na bandeira do Brasil: Ordem e Progresso. 
20 Parmênides. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Parm%C3%AAnides>. Acesso em: 19 dez 2020. 
21 “Fragment 7 (verses 1-6) Certainly this thing can never be imposed, that there are things that are not: but you 
remove your thought from this way of inquiry nor long habit push you along this way, to direct the eye that does 
not look and the resounding ear and the tongue, but judge by reasoning the hard-fought proof exhibited by me. To 
say or to think: in fact What Is Not is absolutely unutterable and unthinkable” (ELEIA, PARMÊNIDES, 502 a.C 
https://pt.wikipedia.org/wiki/Parm%C3%AAnides
82 
 
 
Há um fundamento naturalista na aludida concepção, considerando que, para o direito 
natural, o indivíduo possui direitos naturais que são invioláveis em qualquer tempo e lugar, 
logo, carrega em sua estrutura a universalidade, a imutabilidade e a concretude, tendo sua fonte 
na natureza social. O contraponto a essa teoria é o eterno devir do filósofo Heráclito (540 a.C-
470 a.C)22 que defendeu a tese de que tudovem a ser23. 
O grande embate é observável, também, na Trilogia Tebana de Sófocles, mormente a 
discussão entre as personagens Antígona, filha de Édipo, e Creonte, monarca absoluto; aquela, 
nítida representante do jusnaturalismo e este do juspositivismo24. 
 
5 É POSSÍVEL VEDAR O RETROCESSO? 
 
Imagine-se a situação hipotética de um grupo de trilha, composto de um determinado 
número de pessoas e um guia que os lidera, orientando-os em uma trilha tortuosa e, em certo 
momento, deparam-se com uma bifurcação: à direita, o caminho reto; à esquerda, o caminho 
torto. Observando a situação, e confiando em sua formação, o guia do grupo assegura-lhes que 
o caminho correto é o da esquerda. 
No entanto, por obra do acaso ou da Providência, parcela do grupo percebe o equívoco 
a tempo e nota que o caminho até então trilhado conduz, inexoravelmente, a um precipício. Ao 
anunciar a iminente tragédia que os aguarda à autoridade competente (o guia), são calados pela 
aguda voz deste que anuncia a impossibilidade de retorno, e acrescenta “não podemos voltar! 
Tenho por absoluta certeza que este é o caminho correto e tenho por mandamento o lema de 
seguir sempre em frente”. 
Chega-se, logicamente, a um ponto em que a analogia aqui empregada encontra um 
limite. Afinal, pode a virtuosa parcela do grupo que percebeu o erro tornar o caminho e 
abandonar a parcela do grupo que insiste em seguir o guia. Na vida prática, contudo, os 
indivíduos devem observância às normas estatais, sendo elas abusivas ou não e, eventualmente, 
forçar uma mudança legislativa pela via legítima. 
 
– 460 a.C). Disponível em: <http://www.parmenides-of-elea.net/Parmenide%27s_poem.pdf>. Acesso em: 11 de 
nov. de 2020. 
22 Heráclito. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Her%C3%A1clito>. Acesso em: 19 dez 2020. 
23 SANTOS, Maria Carolina Alves dos. A Lição de Heráclito. Disponível em: 
<https://www.scielo.br/pdf/trans/v13/v13a01.pdf>. Acesso em 01 de nov. de 2020. 
24 SÓFOCLES. A Trilogia Tebana. 15 reimp. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p. 11. 
http://www.parmenides-of-elea.net/Parmenide%27s_poem.pdf
https://www.scielo.br/pdf/trans/v13/v13a01.pdf
83 
 
Com efeito, na analogia feita, o progresso será feito pela parcela que retornou ao início 
da trilha e não daquela que seguiu “em frente”, pois, como bem leciona C.S. Lewis “se você 
tomou um atalho errado, então seguir em frente não vai leva-lo para mais perto. Se você estiver 
no caminho errado, o progresso significará dar meia-volta e retornar ao caminho certo”25. 
Dito isso, dá, sim, para vedar o retrocesso, desde que se admita a existência de leis 
naturais, que sirvam de base e limite, bem assim atuem como princípio informador de todo o 
ordenamento jurídico. Elas seriam, pois, o referencial necessário a se adotar para saber se a 
sociedade está em movimento ou não; se está progredindo ou retrocedendo. 
Com isso, afasta-se ou ao menos limita-se a sujeição dos direitos e deveres inerentes à 
dignidade da pessoa humana à prepotência do ser humano que, a depender do momento político, 
pode marginalizar a liberdade ou a vida de seus opositores de turno. Afinal, como exposto de 
forma lapidar por Madison, “se os homens fossem anjos nenhuma espécie de governo seria 
necessária”26. 
É uma linha necessária a fim de se diferenciar o que é legítimo e o que é ilegítimo; o 
que é uma ação justa ou injusta, sem negar a possibilidade de mudança, posto que um corpo 
não deixa de estar em movimento pelo simples fato de adotar um referencial inerte. 
Somente assim é possível assegurar um princípio de vedação ao retrocesso sem gerar 
iniquidade, pois, em termos aristotélicos, a justiça é dar a cada um o seu (suum cuique tribuere), 
e sem uma base natural, isto é, objetiva, torna-se improvável estabelecer uma relação entre o 
que se deve dar e o que é devido: a cada um é devido o que lhe pertence27. 
Sobreleva destacar que a iniquidade não conhece barreiras, mormente o fato de o 
multicitado princípio alcança vários ramos do direito como, por exemplo, o trabalhista28 e até 
mesmo o princípio da função social da propriedade29. 
Bem verdade que o cotejo aqui desenvolvido conduz o(a) leitor(a) à demonstração de 
que a base natural é condição sem a qual o direito positivo não lograria em progredir no bem-
comum; lega-se o seu lugar de expressão escrita de direitos há muito não-escritos. 
 
25 Cristianismo puro e simples. Tradução de Gabriele Greggersen. 1 ed. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 
2017, p. 60. 
26 MADISON, James; HAMILTON, Alexander. Federalista nº 51. Disponível em: 
<https://perguntasaopo.files.wordpress.com/2010/06/fed51.pdf>. Acesso em: 15 de nov. de 2020. 
27 Unicuique debetur quod suum est (Santo Tomás de Aquino, Summa Theologica, I, 21, 1 ad 3). 
28 TRT-3 – RO: 0000748-80.2014.5.03.0083. Relator: Convocado Cleber Lúcio de Almeida, Sétima Turma, Data 
de Publicação:12/05/2015. 
29 TJ-RO-APL: 0002239-82.2010.8.22.0019, Data de Julgamento: 19/04/2018. Data de Publicação: 03/05/2018. 
https://perguntasaopo.files.wordpress.com/2010/06/fed51.pdf
84 
 
A existência de cláusulas pétreas cujo núcleo é objetivo e não pode ser abolido, ainda 
que se admita mudanças substanciais, demonstra, também, a necessidade de uma base natural, 
isto é, uma barreira que também vedaria o retrocesso social. 
 
6 REFERÊNCIAS 
 
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extremamente detalhadas e prolixas. Disponível em: 
<https://www.escolalivrededireito.com.br/como-e-uma-constituicao-analitica-e-uma-
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SÓFOCLES. A Trilogia Tebana. 15ª reimp. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. 
85 
 
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______. Parmênides. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Parm%C3%AAnides>. 
Acesso em: 19 dez 2020. 
______. Heráclito. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Her%C3%A1clito>. Acesso 
em: 19 dez 2020. 
 
86 
 
FILOSOFIA DO DIREITO: AS DIVERSAS FORMAS DE COMPREENSÃO DO 
FENÔMENO JURÍDICO 
 
 
 
Micael Ferreira Menezes1 
Warlison Monteiro Mota2 
 
 
RESUMO 
Para o estudo deste tema, será feita uma análise histórica da criação do Direito e da Filosofia do Direito. 
Ademais, será analisado o caminho percorrido para se chegar ao que hoje entendemos como Direito Moderno. 
Busca-se responder quais as transformações ocorridas com o Direito desde seu surgimento, e meios fornecidos 
pela Filosofiado Direito que contribuíram nesse processo, além de fazer um estudo sobre a sua finalidade. A 
Filosofia do Direito é disciplina que exerce de forma intensa a tarefa de pensar e repensar de forma crítica, 
profunda e ampla o Direito. Por mais que o Direito tenha que se apresentar como um ser gerador de segurança, 
por mais que certo grau de rigidez lhe seja indispensável, a Filosofia tem o poder de oferecer a ele elementos que 
contribuem para seu aperfeiçoamento. 
 
PALAVRAS-CHAVE: Direito; Filosofia; crítica; aperfeiçoamento. 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
Os objetivos da pesquisa concentram-se em compreender as variadas formas de pensar 
o Direito através da Filosofia do Direito. Trata-se de um recorte temático que destaca a 
criação do direito e da filosofia do direito. E também o mito de criação do direito moderno no 
Brasil: escravidão e legalismo. 
Para o estudo deste tema, será feita uma análise histórica da criação do Direito e da 
Filosofia do Direito. Ademais, será analisado o caminho percorrido para se chegar ao que hoje 
entendemos como Direito Moderno. 
Justifica-se o estudo do tema pela busca em responder quais as transformações 
ocorridas com o Direito desde seu surgimento, e meios fornecidos pela Filosofia do Direito 
que contribuíram nesse processo, além de fazer um estudo sobre a finalidade da Filosofia do 
Direito. Questões fundamentais para o profissional do Direito. 
 
1 Acadêmico de Direito da Universidade Federal de Roraima (micaelfmenezes@gmail.com). 
2 Acadêmico de Direito da Universidade Federal de Roraima (warlison.mota@ufrr.br). 
87 
 
Pesquisa acadêmica realizada utilizando método qualitativo e conceitual, através de 
pesquisa bibliográfica dos materiais publicados sobre o tema na sala virtual da disciplina e 
dos vídeos aulas e pesquisas publicadas em periódicos reconhecidos. 
 
2 A CRIAÇÃO DO DIREITO E DA FILOSOFIA DO DIREITO 
 
O ponto de partida desse artigo são as perguntas inevitáveis: Qual é o objetivo de se 
estudar o Direito e Filosofia do Direito? Eles foram criados? Qual o caminho percorrido para 
chegar ao Direito que conhecemos hoje? 
Realizar a reflexão do Direito é um grande desafio. Partimos do pressuposto de que o 
Direito é uma criação social humana, e passou a ser um objeto científico. Seu grande 
desenvolvimento ocorreu no âmbito das sociedades. Portanto o Direito é objeto criado e como 
tal deve ser estudado. 
 A Filosofia do Direito também é uma criação social humana. As formas de se pensar 
o Direito são criações humanas que funcionam como alternativas que oferecem caminhos para 
compressão. Não existe uma fórmula mágica de entender toda essa complexidade do Direito e 
da Filosofia do Direito. 
A curiosidade do acadêmico de direito o levará a buscar novas formas de 
compreensão para tentar entender como as mudanças foram ocorrendo no espaço e no tempo. 
Começamos a estudar a Filosofia do Direito a partir de textos que trazem elementos para 
reflexão. 
Para BOBBIO (2004, p.6-16) o Direito é a Lei. Ele se nega a reconhecer que existe um 
fundamento inquestionável e que exista valores absolutos. É uma forma de refletir e ver o 
Direito. Ele é considerado um jurista positivista porque para ele o Direito está posto na Lei. 
Há várias formas de ver o Direito, e nesses diálogos vamos formando questões como: 
Quais são as propostas do Direito? Quais são as ideias sobre o Direito? Existem várias 
propostas de entender o Direito. Na Filosofia do Direito o dogmatismo não deve ter espaço. 
Devemos estar abertos para novas formas de pensar o Direito e assim realizar sempre novas 
leituras. 
Uma visão limitada da historicidade do Direito torna impossível sua compreensão. O 
Direito nem sempre existiu, o que chamamos de Direito tem um momento de formação ou 
criação. 
A necessidade de criação do Direito ocorre porque ele oferece ferramentas de 
discussão e de reflexão sobre as questões sociais, direitos e obrigações. A humanidade já 
88 
 
viveu e hoje ainda existem várias comunidades vivem sem aquilo que entendemos e 
chamamos de Direito. Assim o Direito é uma opção das sociedades humanas. 
Estudamos no curso de Direito um objeto que foi criado culturalmente e socialmente 
no tempo e no espaço, e existem propostas diferentes para entendê-lo. Por isso a intenção da 
Filosofia do Direito é afastar a falta de reflexão crítica. 
Atualmente temos de um lado o Direito moderno, codificado, legalista, científico e 
técnico, e do outro a Filosofia do Direito que se propõe em buscar o conhecimento para 
aperfeiçoar o Direito. No passado a Filosofia do Direito se resumia a técnica. Para alguns 
pensadores a Filosofia do Direito serve para justificar o Direito técnico. Para outros a 
Filosofia do Direito é uma forma de pensar inclusive na superação do Direito técnico. 
Temos a tradição dos gregos que é estudada e citada até hoje. Esses estudos 
começaram a ser realizados profundamente a partir de 1960. Da tradição grega da filosofia 
vem até nosso tempo alguns nomes como: Sócrates, Pitágoras, Platão entre outros. 
O Imperador Bizantino Justiniano (482 d.C–565 d.C) fez um esforço de organização 
não só da religião, mas um esforço de organização do que hoje chamamos de Direito. Em 
Roma foram produzidos textos regulando compra, propriedade, escravidão entre outros. Dos 
gregos herdamos a Filosofia e dos romanos herdamos o Direito. 
O Direito começa a ser pensado a partir da influência dos textos que vieram do 
período romano. Esses Textos foram tão importante e que várias universidades foram criadas 
como a de Salamanca e Coimbra. Esses textos foram compilados no chamado Corpus Juris 
Civilis. 
O Corpus Juris Civilis foi a origem da construção das Ordenações Manuelinas, 
Afonsinas e Filipinas. O Direito na América portuguesa era o Direito Medieval das 
Ordenações que tratava como resolver os problemas do Direito. O Corpus Juris Civilis não foi 
um código, mas sim o lugar onde estaria a sabedoria para interpretar um caso. 
Quem vai substituir o Corpus Juris Civilis é o Código Civil. O que se entende por 
Direito moderno é um Direito codificado, sistematizado, simples, reduzido. 
O Direito brasileiro tem origem em um Direito Medieval que é superado pelo Código 
Civil que é um código construído em cima cientificidade, no empírico, na sistematização. 
O Direito Medieval foi um direito filosófico que buscava o conhecimento, o melhor 
fundamento, o justo. Com o Código Civil Francês de 1804 nasce o Direito Moderno. 
 
3 O MITO DE CRIAÇÃO DO DIREITO MODERNO NO BRASIL: ESCRAVIDÃO E 
LEGALISMO 
89 
 
 
Como podemos reconhecer a criação do Direito moderno e da Filosofia do Direito no 
âmbito do Direito brasileiro? No contexto brasileiro devemos realizar a reflexão sobre a 
relação entre escravidão e legalismo. 
Foram criados mitos de formação do Direito moderno brasileiro, normalmente em 
livros de direito é possível reconhecer alguns mitos como no caso da escravidão que quando 
aparece no texto ela é especificada como um acontecimento que foi superado e deve ser 
esquecida. 
Quando se tenta esconder escravidão temos como consequência o comprometimento 
do entendimento da formação do direito brasileiro. Esse esforço de ocultação da nossa 
formação jurídica não é valido, pois a escravidão e toda a sua problemática merece ser 
estudada. 
Teixeira de Freitas, o primeiro jurista brasileiro, que vai tentar fazer a codificação no 
Brasil é contratado para fazer um Código Civil e um Código Negro, pois a intenção é de 
manutenção da escravidão. A tentativa de modernizar o direito com a permanência da 
escravidão é um problema. 
O legalismo é ascensão da lei que ocorre a partir do Código Civil Francês, é uma 
forma de pensamento que foi desenvolvido no século XIX. No século XX se desenvolve uma 
outra forma de positivismo que é um positivismo-normativista. Através de uma interpretação 
sistemática, ou interpretação de uma lei a partir de um texto constitucional, ou a partir dautilização de princípios, a interpretação fica mais sofisticada. 
O normativismo nasce com Hans Kelsen, o pensamento de Kelsen no Livro uma 
Teoria Pura do Direito, a ideia de teoria pura gera o controle de constitucionalidade 
concentrado, gera uma racionalização das fontes jurídicas em forma de pirâmide, gera a 
criação das cortes mais alta de um país a ser guardião da Constituição, ou seja, guardião da 
interpretação jurídica. 
Paulo Eduardo Arantes defendida à ideia, de que o positivismo teria sido, no Brasil 
da passagem do século XIX para o XX, uma ideia fora do lugar, uma vez que nas matrizes 
europeias a filosofia positiva teria exercido uma função modernizadora, enquanto no Brasil 
teria assumido aspectos conservadores. 
O mesmo autor demonstra que o positivismo no Brasil não pode ser pensado como 
uma corrente homogênea, pois havia uma corrente doutrinária que transformava a filosofia 
positivista numa retórica ornamental e descartável e um grupo positivista que poderia ser 
considerado pragmático e modernizador. 
90 
 
Para Paulo (Arantes, 1988, p. 192) a fim de evidenciar, os “transplantes 
descalibrados” da doutrina francesa para o Brasil de origem colonial. Por exemplo, o 
paradoxo acerca da política abolicionista defendida também pelos positivistas: 
 
A Civilização e a agricultura científica exigiam a abolição do trabalho servil, porém 
a mais científica das filosofias da história condenava pela raiz o sentimento retó rico 
dos abolicionistas, mal estribados na ficção metafísica do direito natural (Arantes, 
1988, p. 189). 
 
A doutrina positivista foi acolhida no Brasil – pois, “como o atraso fosse horroroso 
[...] as ideias modernas eram sempre bem-vindas” (Arantes, 1988, p. 188) –, o autor evidencia 
uma questão inegavelmente falível do positivismo: a epistemologia. 
 O positivismo frutificou no Brasil, diz Paulo Arantes (1988, p. 185), “foi porque a 
própria secura do ambiente ia se encarregando de enxugar as ambições epistemológicas em 
proveito das promessas de redenção social que encerrava”. 
 
4 ALGUMAS REPOSTAS DA FILOSOFIA DO DIREITO 
 
Existem vários posicionamentos para essa questão, mas a possibilidade da divergência 
é força da Filosofia do Direito porque é da natureza do filósofo do Direito converter “em 
problema o que para o jurista vale como resposta ou ponto assente e imperativo” (REALE, 
2002, p. 10). 
Se converte respostas em problemas então temos uma indicação acerca de uma 
finalidade da Filosofia do Direito: problematizar. Mas o que é problematizar? 
Problematizar é o ato de transformar em questionamento algo tido como seguro e 
resolvido. É colocar um ponto de interrogação inesperado onde já descansa tranquilo e 
satisfeito um ponto final. 
A Filosofia do Direito não é obstáculo para o desenvolvimento do Direito. É 
exatamente o contrário. Pois problematizar tem o intuito de incentivar o direito a evoluir. 
Cabe à Filosofia do Direito, além de problematizar, também a função de estabelecer 
uma investigação conceitual do direito: Podemos pensar, “resumidamente, que a Filosofia 
Jurídica consiste na pesquisa conceitual do direito” (NADER, 2005, p. 10). 
O conceito “é a representação dum objeto pelo pensamento, por meio de suas 
características gerais” (FERREIRA, 1998, p. 166). 
Conceituar é necessário para estabelecer sentido e aplicabilidade ao Direito. O filósofo 
do Direito deseja purificar cada vez mais os conceitos a fim de que haja maior lucidez em sua 
utilização. 
91 
 
Outra finalidade da Filosofia do Direito é a de ser uma permanente questionadora do 
Direito positivo. O Direito positivado pelo Estado goza de credibilidade suficiente para que 
seja aplicado sem quaisquer questionamentos, mas podem surgir perguntas capazes de revelar 
fragilidades nessa credibilidade. 
Portanto, Filosofia do Direito, supera a linguagem do Direito posto e debate com os 
valores ou contra valores que estão para além da linguagem técnica. Conversa com ideologias, 
interesses, que a pura apresentação do Direito positivo não permite aparecer à primeira vista. 
Desde o surgimento do Direito houve regras que definiam o comportamento dos 
grupos. Acontece que tais regras nunca foram expressão pura e equilibrada dos interesses da 
coletividade. A Filosofia do Direito leva a uma abertura de mente. 
 
5 CONSIDERACÕES FINAIS 
 
Ao término da elaboração deste verificamos que a Filosofia do Direito contribui para 
uma formação holística, humanística e capaz de levar a uma leitura reflexiva do fenômeno 
jurídico. 
Tem a função de instigar o acadêmico de direito a ter uma visão mais completa e 
complexa do Direito que supere a visão meramente técnica. Levando o estudioso a perguntar 
o porquê do direito, a perguntar o que é o direito e não somente a perguntar como se fazem os 
processos jurídicos. 
O Direito é um produto humano social cultural, feito pela razão do homem e precisa 
ser submetido aos critérios da racionalidade. A Filosofia do Direito é disciplina que exerce de 
forma intensa a tarefa de pensar e repensar de forma crítica, profunda e ampla o Direito. 
Por mais que o Direito tenha que se apresentar como um ser gerador de segurança, por 
mais que certo grau de rigidez lhe seja indispensável, a Filosofia tem o poder de oferecer a ele 
elementos que contribuem para seu aperfeiçoamento. 
 
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94 
 
A INFLUÊNCIA DOS PRECEITOS BÍBLICOS NO DIREITO POSITIVO 
BRASILEIRO 
 
 
 
Michelly Larrary Araújo Botelho1 
Saymon Thyago Barbosa Menezes2 
 
 
RESUMO 
O Direito brasileiro, ao longo de sua formação, bebeu de diversas fontes de conhecimento, as quais ainda hoje 
podem ser vistas em seus institutos legais e doutrinários. Dentre estas fontes está o Direito hebraico, mais 
precisamente, os escritos bíblicos que por anos serviram de inspiração para os mais diversos ramos jurídicos do 
país. O povo de Israel, conforme a narrativa da Bíblia Sagrada, após o êxodo, obteve de seu próprio Deus (Yahweh) 
toda a instrução necessária para orientá-los no caminho até a Terra Prometida de Canaã. Estes ensinamentos se 
encontram espalhados por todo o texto bíblico, indo desde o Pentateuco, até os livros finais do Antigo Testamento. 
Por toda a escritura é possível verificar normas de caráter diverso, tanto para resolução de controvérsias civis, 
como para punição de ilícitos penais cometidos. Tais leis influenciaram o ordenamento jurídico nacional desde 
sua origem, uma vez que foi criado tendo como base a doutrina cristã, trazida pela nação portuguesa, que perdura 
até os dias atuais. A incidência do pensamento bíblico na legislação e doutrina jurídica brasileira é inequívoca, 
podendo ser notada em ramos como o Direito Constitucional, Direito Civil e Direito Penal. O transcurso dos anos, 
no entanto, tem feito com que alguns institutos adquiram uma faceta contemporânea, em resposta ao anseio e 
mudanças da sociedade brasileira. 
 
Palavras-Chave: Direito Hebraico; Direito brasileiro; Bíblia; Influências; Direito Constitucional; Direito Civil; 
Direito Penal. 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
 A religião foi e ainda é influente no direito e nos costumes de uma sociedade, percebe-
se ao perscrutar a história da maioria das sociedades conhecidas que o homem, de alguma 
forma, buscava algo em que acreditar, algo que definisse sua existência, explicasse coisas que 
ao seu ver, pelo menos naquela época, eram inexplicáveis como os raios e trovões, que para a 
mitologia Grega eram vistas como a ira de Zeus sobre os homens. 
O ser humano precisou e ainda precisa de algo em que acreditar, séculos se passaram e 
ainda buscamos um ser celestial para servir. Para os brasileiros e outros povos que se 
consideram católicos ou cristãos, somos regidos por um Deus que tudo vê e tudo sabe, um Deus 
 
1 Acadêmica de Direito da Universidade Federal de Roraima (michelly.larrary18@gmail.com). 
2 Acadêmico de Direito da Universidade Federal de Roraima (saymon.thyago@gmail.com). 
95 
 
de amor e compaixão cujo único objetivo e salvar as almas e leva-las aos céus. Tal crença foi 
usada como controle populacional no período medieval, cujo conhecimento de tão poderoso 
Deus estava limitado apenas aos clérigos, hoje esse conhecimento foi difundido por meio da 
publicação da Bíblia, agora, as pessoas tem a capacidade de tirarem suas próprias conclusões, 
de lerem e escolherem acreditar ou não, limitando o poder imposto pela Igreja ou pelo Estado, 
hoje separados e destituídos de força. 
Por fim, se busca por meio deste trabalho versar sobre a influência da religião, 
especialmente a cristã, em diferentes povos ao longo da história, incluindo o Brasil, mais 
especificamente, no direito brasileiro vigente, identificando de que maneira as construções 
jurídicas nacionais tomam como arrimo a doutrina cristã. 
 
2 OS PRECEITOS DEFENDIDOS PELO DIREITO HEBRAICO 
 
A história social e religiosa do povo Hebreu é provavelmente uma das mais difundidas 
e conhecidas, não teria como ser de outra forma, uma vez que é contada na Bíblia, o livro mais 
vendido no mundo, tendo sido traduzido para mais de duas mil línguas e dialetos conhecidos. 
A bíblia vem do grego “βιβλία” que significa rolo ou livro, conhecido por portar uma 
coleção de textos religiosos de valor sagrado para algumas religiões, entre elas, o cristianismo. 
A Bíblia na qual se aprofundará esse estudo, é a bíblia utilizada pelos cristãos evangélicos que 
consiste em 66 livros, sete livros a menos do que a versão utilizada pelos católicos. Os livros 
de Tobias, Judite, I Macabeus, II Macabeus, Baruque, Sabedoria e Eclesiástico foram 
considerados não canônicos pelos protestantes, por nunca terem sido citados por nenhum autor 
do Novo Testamento. 
 Dentro desse livro religioso, está descrito desde a fundação do mundo até as primeiras 
leis, princípios e regras criadas por Deus, o todo poderoso, rei dos reis e Senhor dos Senhores, 
são apenas alguns dos nomes atribuídos ao unido Deus conhecido por falar diretamente com 
seus servos, os profetas, porta voz de Deus, pessoas responsáveis por guiar e ensinar a palavra 
aos demais seguidores do Senhor. 
Esse livro é de extrema importância para a compreensão da sociedade atual, tendo em 
vista que a religião marcou e difundiu seus ideais e preceitos em todos os aspectos da sociedade, 
sendo um dos pilares da construção moral e social de muitos povos ao redor do mundo. Esse 
livro não só trouxe os primeiros moldes morais e códigos de vestimenta, como adentrou em 
muitas outras áreas da humanidade, conforme elucida Pitanga (2012): 
 
96 
 
A Bíblia sem dúvida é uma coletânea de vários assuntos. Evidentemente, a religião 
revelada por Deus é o principal, mas as escrituras incluem textos sobre história, 
geografia, filosofia, estatística, aventuras, poesias, viagens, amor, guerras e o direito, 
trata-se de um livro sagrado, assim considerado por judeus e cristãos, mas é também 
um livro humano, pois abrange tudo que se relaciona com a vida e as atividades dos 
homens. 
 
Assim, é impossível não perceber a influência que a religião hebraica, com suas leis e 
costumes, causou ao contatar os demais povos a que teve acesso ao longo da história. No 
entanto, o mesmo impacto que teve nos outros povos, também repercutiu em sua sociedade, 
pois nenhum povo é impassível ao contato com outras culturas. Dessa forma, será feito um 
pequeno esboço da religião, costumes e direito hebraico, bem como os impactos nos povos a 
sua volta e em si mesmo. 
Inicialmente, analisa-se que é apenas após a saída do povo hebreu do Egito e durante a 
travessia do deserto, com o intuito de instrui-los e garantir que estes estivessem prontos a 
adentrar a terra prometida que Yahweh/Deus, entregou por meio de Moises, seu profeta, as leis, 
decretos, mandamentos e princípios que deveriam reger não só as normas sociais, como as 
vestimentas, pesos e medidas empregados no mercado, a condução das festividades e condutas 
dos levitas e sacerdotes durante os trabalhos no tabernáculo. 
Essas leis encontram-se descritas no Antigo Testamento divididas entre os livros de 
Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio, posto que, conforme informa a autora é a 
tradução direta da Torah, a Lei dos judeus. 
 
O Antigo Testamento [...] é a primeira parte da Bíblia e representa o equivalente a 
quatro quintos da obra, começa pelo Pentateuco, cujo nome grego significa “cinco 
livros”. Em hebraico o conjunto chama-se Torá, a Lei, O Deuteronômio é o último 
livro do Pentateuco, representa as leis (PITANGA, 2012). 
 
A lei mais conhecida de Deus, provavelmente, é a dos 10 (dez) mandamentos, cuja 
estrutura segue a seguinte ordem: 1 – Não terás outros deuses além de mim (Êxodo 20:3); 2 –Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem esculpida, nada que se assemelhe ao que 
existe lá em cima, nos céus, ou embaixo na terra, ou mesmo nas águas que estão debaixo da 
terra (Êxodo 20:4); 3 – Não pronunciarás em vão o nome de Yahweh, o Senhor teu Deus (Êxodo 
20:7); 4 – Lembra-te do dia do shahbãth, sábado, para santifica-lo (Êxodo 20:8); 5- Honra teu 
pai e tua mãe, a fim de que venhas a ter vida longa na terra que Yahweh, o teu Deus, te dá 
(Êxodo 20:12); 6 – Não assassinarás (Êxodo 20:13); 7 – Não adulterarás (Êxodo 20:14); 8 – 
Não furtarás (Êxodo 20:15); 9 – Não darás falso testemunho contra o teu próximo (Êxodo 
20:16); e 10 – Não cobiçaras a casa do teu próximo. Não cobiçarás a mulher do teu próximo, 
97 
 
nem seus servos ou servas, nem seu boi ou jumento, nem coisa alguma que lhe pertença (Êxodo 
20:17). 
Verifica-se que dentre esses preceitos existem tantos conselhos quando ao modo de agir 
com a família, como as primeiras regras que podem ser denominadas de penais (não roubarás, 
nem matarás). 
 Posto isso, verifica-se que boa parte das condutas e regramentos impostos aos judeus se 
encontram exatamente no Antigo Testamento, assim sendo, focaremos no segundo livro da 
Bíblia, Êxodo que fica atrás apenas de Gênesis, que versa sobre a fundação do mundo. 
 Dessa forma, faz-se necessário esboçar algumas considerações quanto ao livro 
mencionado, assim sendo, peço licença para transcrever alguns dos mandamentos e normas 
presentes nesse livro, como a lei sobre os escravos hebreus, que informa que: “sendo o escravo 
hebreu, trabalhará apenas 6 anos, dessa forma, no sétimo ano estará livre” (Êxodo 21:1). Nesse 
mesmo capítulo, embora nada tenha a ver com escravidão, traz a “obrigatoriedade da divisão 
igualitária de roupas, alimentos e direitos conjugais ao homem que tenha mais de uma esposa, 
posto que este não pode beneficiar uma mais que a outra” (Êxodo 21:10). Nesse sentido, é fácil 
concluir que não havia uma divisão clara entre direito civil, penal, constitucional etc. embora 
podemos ver uma cisão por títulos, tal qual se percebe ao ler o título “Lei sobre homicídios” 
presente no livro de Êxodo, capítulo 21, versículos 12 a 17. Entretanto, como já mencionado, 
todos aglutinados sob o mesmo capítulo. 
 Assim, podem ser encontrados os seguintes mandamentos e leis no segundo livro mais 
conhecido da Bíblia, esmiuçando desde “Leis sobre violência e acidentes” – Êxodo 21:18-36; 
“Leis sobre roubos e prejuízos” – Êxodo 22.1-30; “Leis sobre o exercício da justiça” – Êxodo 
23:1-5; “Leis sobre a atitude dos juízes” – Êxodo 23:6-9, “Leis sobre o shabbãth, sabado”- 
Êxodo 23:10-13; até “Leis sobre as festas anuais” – Êxodo 23:14-19. Provavelmente, um dos 
livros mais completos a descrever não só as leis, e modo de agir dos juízes, como também o 
procedimento nas festas anuais e nas festividades sabáticas (shabbãth), as vestimentas, as 
ofertas a serem entregues no tabernáculo, bem como, uma descrição sobre a arquitetura, e 
fabricação dos objetos e utensílios a serem usados no templo. 
 Interessante constatação que se retira desse livro, uma entre várias, e a que elucida sobre 
as “Leis sobre a atitude dos juízes”, essa “Lei” se encontra positivada em muitos ordenamentos 
jurídicos atuais, entre eles a própria Carta Magna e o código de processo penal brasileiros, que 
presam pelo princípio da imparcialidade do juiz e pela anulação do processo em caso de 
suborno, mas especificamente positivado no art. 5°, inciso XXXVII da Constituição Federal e 
no art. 564 do Código de Processo Penal. 
98 
 
Posto isso, são incontáveis as leis advindas dessa obra com mais de dois mil anos de 
existência, mas podemos resumir seu fundamento único como Deus – o grande legislador -, 
não como um contrato social como nos dias atuais, e sim como um ser superior tentando garantir 
a segurança do povo escolhido em meio as outras sociedades. Essa segurança garantida pela lei 
é fundamento mantenedor da sociedade ainda hoje. 
 
Vê-se, portanto, que não podemos questionar a importância que a religião, teve/têm 
sobre a vida do homem. Todos os valores, comportamentos, sentimentos, e inclusive 
normas, advém do pensamento e regras religiosas, apesar de muitos negarem isto. 
(PINTO, DAVI, 2008) 
 
Enfim, esse teocentrismo “Deus no centro de tudo”, enveredou e permaneceu por 
séculos, permeando até a Idade Média na Europa e daí em diante passando aos continentes 
descobertos, como o Brasil, até o momento em que o Estado se separou da religião, momento 
em que o homem foi iluminado pelo conhecimento, advento do iluminismo e do avanço da 
ciência, momento em que o homem passou ser senhor de si mesmo. Assim, por mais 
interessante que seja explanar sobre a história hebraica, estes não foram os únicos a impactar 
na sociedade atual, muito disso adveio de outros povos, ao qual passaremos a conhecer. 
 
3 OS EGIPCIOS E AS RELIGIÕES 
 
Todos em algum momento estudam a história do Egito, é de conhecimento geral que 
eram uma sociedade politeísta, isto é, cultuavam vários deuses, a religião dominava, tal qual os 
hebreus, todos os aspectos sociais, no entanto, sua influência ultrapassava as barreiras 
religiosas, despontando também pelos seus conhecimentos em agricultura, matemática, 
astronomia, e sobretudo, pela sua arquitetura única marcada pelas pirâmides. 
Entretanto, seu prestigio não fica limitado ao campo matemático e religioso, posto que, 
por mais que a civilização atual tenha sido influenciada profundamente pelo direito romano, 
considerado o berço do direito, os egípcios também possuíam documentos jurídicos, mais 
precisamente de 3.000 a.C, porém sem a existência de um código propriamente dito, sua 
existência é comprovada pela arqueologia por meio de testamentos, decisões judiciais, bem 
como pela referência à está em textos sagrados e literários. 
Nesse sentido, o direito deste povo repousava nas mãos de Maat, a deusa egípcia da 
verdade e justiça, assim, as questões jurídicas e sociais eram guiadas por essa deusa. Nessa 
lógica, Maat passou a ser considerado o conjunto de valores para a aplicação do direito, e o 
vizir, o homem responsável pelos julgamentos, era visto como o “sacerdote de Maat”. Assim 
99 
 
sendo tem-se algumas das constatações do desenvolvimento avançado desse povo no campo 
legal, assim exposto: 
 
A ideia de propriedade privada era bem desenvolvida e os contratos faziam parte da 
interação dos cidadãos, inclusive de quem fazia parte da complexa escravatura 
egípcia, servindo para atestar atos de venda, doação, fundação etc. A princípio estes 
documentos eram assinados pelas duas partes e com o tempo passou para a 
intermediação de um escriba, que além de redigir o contrato o assinava para 
certificá-lo. Todos os bens, imóveis e móveis eram alienáveis e entravam na 
dinâmica da grande mobilidade de bens da época. (FACHINI, 2017). 
 
Posto isso, passaremos a versar sobre o encontro entre egípcios e hebreus. Os Egípcios 
também se encontram descritos na Bíblia, notadamente no livro de Gênesis, quando os 
Israelitas/Hebreus migram para lá fugindo da fome e seca da sua terra, sendo recebidos 
amigavelmente por estes, até que o povo hebreu, depois de vários anos, passou a ser tão ou mais 
numeroso que os egípcios, motivo pelo qual, para garantir sua soberania, os egípcios passaram 
a escravizar esse povo. 
Como mencionado, os egípcios eram politeístas, e entre os deuses mais conhecidos desse 
povo, destacam-se: Rá, deus do sol; Anúbis, deus dos mortos e do submundo; Isis, deusa do 
amor; Seth, deus da tempestade, do mal, da destruição e da violência; Osíris, deus da vida após 
a morte, entre outros, tão numerosos quanto diferentes entre sim, cada um criado para descrever 
coisas das quais os seres humanos eram incapazes de explicar com o conhecimento da época. 
Provavelmente, o deus mais popular era Osíris, pois o ritual mais conhecido pela 
humanidade ao estudar esse povo advém da prática damumificação que preparava e 
conservava, por meio do embalsamamento, as pessoas para a vida pós morte, vida essa sob o 
comando de Osíris. Também é interessante constatar que os hebreus, da mesma forma que estes, 
acreditavam em uma vida após a morte, todavia, não havia necessidade da preservação do corpo 
pois jugavam que apenas a alma ascendia aos céus. 
No entanto, o contato que os Hebreus tiveram com os egípcios os influenciaram a cultuar 
vários deuses, motivo que conforme esclarece a bíblia, levou o povo hebreu a perecer no deserto 
durante uma travessia que levou 40 (quarenta) anos, dessa forma, apenas os seus descendentes 
que não tiveram contato com os deuses egípcios adentraram a terra prometida, assim seguindo 
uma das primeiras leis de Deus “não adorarás outros deuses além de mim”. 
Ainda, é relevante lembrar que o Faraó, o rei do Egito, era considerado um deus vivo, 
filho do sol (Amon-Rá), ou seja, o rei governava em nome dos deuses, e as pessoas dessa forma 
serviam diretamente a deus, vendo-o e ouvindo-o, essa crença fez desse povo um dos mais 
dominantes da época. 
http://www2.uol.com.br/historiaviva/artigos/especial_egito_cativos_sim_escravos_nao.html
http://www2.uol.com.br/historiaviva/artigos/especial_egito_cativos_sim_escravos_nao.html
100 
 
Isto posto, sou obrigada a novamente demonstrar o impacto dos egípcios no povo hebreu, 
sendo que, assim que os Israelitas adentraram na terra prometida, após um período sendo 
regidos por juízes e profetas, contado pelo livro de Juízes, exigiram um rei pois queriam ser 
iguais aos outros povos, assim, é entregue a eles um rei eleito por Deus, Saul, filho de Quis da 
tribo de Benjamim (Samuel, capítulo 10), se observa nesse momento a rejeição de Deus e dos 
profetas como líderes do povo, instigados pela cultura dos povos ao seu redor. 
 
4 OS GREGOS E AS RELIGIÕES 
 
Tal qual Roma, a Grécia Antiga também desponta entre os estudiosos como um dos 
leitos do direito, pelo menos em relação aos códigos, tal qual os usados pela sociedade moderna 
ocidental. Mas especificamente em relação a própria organização que se dá atualmente à ciência 
jurídica e a tripartição dos poderes. 
Os gregos também se encontram descritos em esparsas passagens bíblicas, como em Joel 
3:6 – “e, além de tudo isso, vendestes o povo de Judá e de Jerusalém aos gregos, sequestrando-
os para muito longe de sua terra natal”, essa passagem se refere a diáspora, momento em que 
os hebreus se dispersaram pelo mundo, assim mergulharam na cultura grega, mas não em sua 
religião, pois se mantiveram fiéis a sua cultura judaica. 
Interessante é a ligação entre justiça e religião que pairava sobre a Grécia Antiga, estes 
acreditavam que, em quanto um criminoso não era punido, toda a sociedade pagava pela sua 
culpa, conforme expõe esse estudioso: 
 
A intervenção religiosa se dava a partir do momento em que um crime era cometido 
à religião, ou seja, um crime contra preceitos religiosos com o qual o culpado 
maculava as outras pessoas da família ou da sociedade da qual fazia parte com sua 
culpa. Enquanto não fosse expiada essa culpa e o transgressor não fosse purificado, 
acreditava-se que um castigo recairia sobre o culpado e sobre todos os que faziam 
parte da sua comunidade (MELO, SOUZA). 
 
De certa forma, era como se os deuses punissem a sociedade, algo muito parecido ao 
Deus dos judeus, que ao constatar um pecado, poderia vir a punir pessoalmente a pessoa ou 
grupo que viesse a protege-la, ou seja, Deus agia diretamente entre os humanos. Constatasse tal 
afirmação na passagem de Gênesis 19:28 – “e contemplou as cidades de Sodoma e Gomorra, 
assim como toda a planície, e o que viu foi uma densa fumaça que subia da terra, como fumaça 
de uma fornalha”. 
Enfim, esse povo tão avançado culturalmente pode ter sofrido tanta influência dos 
hebreus quanto estes daqueles, mas suas semelhanças são escassas, tendo em vista os vários 
101 
 
deuses ao qual cultuavam. Tal qual os egípcios, eram politeístas, essa constatação está presente 
em seus vasos, pinturas, apriscos etc. É interessante verificar que diferentemente dos povos até 
agora citados, para os gregos, os deuses eram quase como os humanos, possuindo as mesmas 
fraquezas, defeitos, desejos e paixões, tendo como única diferença entre eles e a humanidade, a 
imortalidade e força superior. 
Os gregos acreditavam na existência de divindades, que se reunião em seus tronos no 
alto do Monte Olimpo, tais como: Apolo, deus do sol; Afrodite, deusa do amor; Atenas, deusa 
da sabedoria, entre outros. Tais deuses eram associados a fenômenos naturais, tal qual os 
trovões e raios que representavam a ira de Zeus. É interessante constatar que algumas 
divindades gregas possuíam capacidades ou poderes parecidos com alguns deuses egípcios ou 
romanos, como por exemplo o deus grego Hades, deus dos mortos, muito parecido com o deus 
Osíris (egípcio) ou o deus plutão (romano). 
Logo, chega-se à conclusão que os deuses nos períodos antigos, além de influenciar nas 
leis e normas sociais daquela época, eram usados como uma forma de controlar a sociedade, 
bem como, utilizados para explicar fenômenos ou acontecimentos de difícil compreensão, como 
a morte, que mesmo para a sociedade atual e com mais conhecimento, ainda é de difícil 
explicação. 
Por fim, por mais interessante que seja explanar sobre deuses e o impacto religioso nas 
sociedades antigas, é mais proveitoso dirimir como a religião e as leis se coadunam na sociedade 
atual, mais precisamente, sua influência nas leis brasileiras. 
 
5 A INFLUÊNCIA DO PENSAMENTO BÍBLICO NO DIREITO BRASILEIRO 
 
Como visto, o raciocínio jurídico traçado pelo Direito Hebraico remonta a um antigo 
agrupamento social do Oriente Médio que pautava seus dias na figura celestial de Yahweh, 
buscando obter Dele sua regra de fé e prática. A inspiração divina da Palavra recebida, 
inicialmente, por Moisés, era o ponto central da nação hebraica e repercutia em todos os seus 
aspectos espirituais e sociais, o que inclui a seara jurídica. 
A doutrina cristã, no entanto, não se manteve presa à região do Oriente Médio, mas se 
expandiu por todo o mundo até alcançar outros territórios, fixando-se como uma das práticas 
religiosas mais recorrentes em países europeus e americanos. No Brasil, as caravelas 
colonizadoras portuguesas e as missões jesuíticas foram as fontes originárias da fé cristã, 
introduzida por meio do catolicismo de base romana e difundida, mais recentemente, por 
102 
 
intermédio do protestantismo, tornando o país um dos representantes com maior contingente 
cristão do mundo (SOUZA, 2012, p. 131). 
Malgrado toda a influência do cristianismo no Estado brasileiro, fruto de séculos de 
propagação religiosa no território, os artigos 5º, incisos VI, VII e VIII, e 19, inciso I, 
Constituição da República de 1988, quando interpretados sistematicamente, estabelecem o 
Princípio da Laicidade, por meio do qual se constitui “um regime social de convivência, cujas 
instituições políticas estão legitimadas principalmente pela soberania popular e já não mais por 
elementos religiosos” (BLANCARTE, 2008, p. 19 apud ZYLBERSTAJN, 2012, p. 37). 
Sabe-se, no entanto, que o próprio texto constitucional apresenta vestígios da influência 
religiosa histórica, conforme se depreende, v.g., do Preâmbulo da Lei Maior, que em sua atual 
redação se utiliza do termo Deus como fonte de proteção à República brasileira. 
Conforme explica Miranda (apud MENDES, 2009, p. 31), a doutrina nacional apresenta 
três posições distintas acerca do destaque dado ao enunciado preambular. Pela tese da 
irrelevância jurídica, o Preâmbulo não é elemento de relevo para o campo do Direito, sendo 
considerado um texto com importância meramente política. A tese da plena eficácia afirma que 
o Preâmbulo se equipara às normas constitucionais em geral. Já a tese da relevância jurídica 
indireta, majoritariamente adotada pela doutrina e na jurisprudência,sustenta a ideia de 
destaque jurídico ao Preâmbulo, o qual não apresenta semelhanças com as normas da 
Constituição. 
A adoção proeminente da teoria da relevância jurídica indireta não retira do Preâmbulo 
constitucional sua importância social e histórica intrínseca em cada um dos termos utilizados 
em sua redação. 
Segundo Tavares (2012, p. 92), “no preâmbulo o legislador constituinte aponta, pois, os 
ideais que o inspiraram e que se impregnam no texto que se apresenta à nação”. Nesse sentido, 
a invocação divina exposta no texto preambular denota, não apenas, manifestação habitual das 
Constituições nacionais (MENDES, COELHO, BRANCO, 2009, p. 38), mas também uma 
expressão da inquestionável influência religiosa, majoritariamente cristã, existente no país. 
 
5.1 A Influência no Direito Civil Brasileiro 
 
A legislação civil ordinária, por sua vez, também apresenta claras concepções, raciocínios 
e dogmas baseados no pensamento cristão. 
O texto bíblico do Livro de Hebreus, capítulo 13, verso 4, exaltando a importância do 
vínculo matrimonial, afirma que este deve ser “digno de honra entre todos” (BÍBLIA 
103 
 
SAGRADA, 1988, 1993, p. 1222). Deveras, por toda escritura sagrada é possível encontrar 
diversas passagens que ressaltam o valor do casamento (Gênesis 2:24-25, Malaquias 2:15-16, 
Mateus 19:6, I Coríntios 7, Efésios 5:22-33), protegido pelo povo hebreu, por ordenança de seu 
Deus. 
Nessa temática, o padrão de casamento instituído divinamente para a nação hebréia se 
baseava no vínculo monogâmico, inexistindo a possibilidade de relacionamentos conjugais 
entre indivíduos diversos, conforme se depreende das seguintes passagens: 
 
Tampouco para si multiplicará mulheres, para que o seu coração se não desvie; nem 
multiplicará muito para si prata ou ouro (BÍBLIA SAGRADA, Deuteronômio 17:17). 
 
Então, respondeu ele: Não tendes lido que o Criador, desde o princípio, os fez homem 
e mulher e que disse: Por esta causa deixará o homem pai e mãe e se unirá a sua 
mulher, tornando-se os dois uma só carne? (BÍBLIA SAGRADA, Mateus 19:4-5). 
 
É necessário, portanto, que o bispo seja irrepreensível, esposo de uma só mulher, 
temperante, sóbrio, modesto, hospitaleiro, apto para ensinar; [...]. O diácono seja 
marido de uma só mulher e governe bem seus filhos e a própria casa. (BÍBLIA 
SAGRADA, II Timóteo 3:2,12). 
 
De forma semelhante, a legislação nacional manifesta seus cuidados para com a instituição 
conjugal ao prezar por seu estabelecimento, nos termos do artigo 226, §3º, da Constituição 
Federal, ao disciplinar exaustivamente tal contrato no Código Civil brasileiro (Lei nº 
10.406/2002) a partir do artigo 1.511 em diante, bem como ao elevar a monogamia ao status de 
princípio, conforme ressalta Tartuce (2017, p. 178) ao afirmar que “no sistema brasileiro, a 
monogamia é princípio do casamento, uma vez que não podem se casar as pessoas já casadas 
(art. 1.521, inc. VI, do CC), o que justifica plenamente o citado dever de ser fiel”. 
Ainda na seara do dentro do Direito de Família, verifica-se certa semelhança entre os 
critérios utilizados nacionalmente para o exame da relação de parentesco entre indivíduos e os 
postulados biblicamente instituídos. 
O texto do Evangelho de Marcos, capítulo 9, versículo 8, ao tratar sobre o laço matrimonial 
entre homem e mulher apregoa que “serão os dois uma só carne”, de modo que a celebração do 
casamento, para a sociedade, assim como para o Direito hebreu, importava em real união de 
vida entre os indivíduos. 
No que tange às relações de parentesco, a doutrina nacional classifica, além do parentesco 
consanguíneo, o vínculo por afinidade como sendo “a assimilação de parentesco, por um 
cônjuge ou companheiro, de membros da família do consorte” (NADER, 2016, p. 445). 
O destaque de tal vínculo se dá em sua contagem, bem elucidada por Nader (2016, p. 446): 
 
104 
 
A contagem de graus, em ambas linhas, se faz como no parentesco natural, assim, 
genro e sogra são afins em primeiro grau em linha reta; cunhados, afins em segundo 
grau na linha colateral. Bastante expressiva é a terminologia da língua inglesa ao 
denominar a figura da sogra por mother in law (mãe segundo a lei) e do cunhado por 
brother in law (irmão segundo a lei). 
 
Nota-se que a verificação dos vínculos por afinidade entre os parentes de um cônjuge e 
do outro ocorre mediante a “sobreposição” de ambas as árvores de parentesco, ou seja, os 
genitores (ascendentes em linha reta de primeiro grau) de um equivalem aos do outro, de modo 
para que se faça a contagem do grau de vinculação por afinidade basta visualizar um cônjuge 
na posição do outro em sua linha genealógica, em clara alusão ao texto bíblico citado. 
As conexões entre o Direito hebraico e o Direto Civil brasileiro também se verificam na 
relação entre pais e filhos. O quinto mandamento da lei mosaica dispunha sobre o respeito da 
prole para com seus pais ao descrever, em tom impositivo, que os descedentes deveriam honrar 
seus ascendentes em todas as circunstâncias, sob pena de execução (BÍBLIA SAGRADA, 
Êxodo 21:17, Deuteronômio 27:16, Provérbios 20:20, Mateus 15:4, Marcos 7:10), punição 
condizente com o contexto de aplicação. 
A legislação civil atual, à semelhança dos mandamentos impostos aos hebreus, atribui 
aos filhos o dever de obediência e respeito aos pais, como de depreende do art. 1.634, inciso 
IX, do Código Civil. Por sua vez, os filhos que descumprirem o preceito normativo, ofendendo 
de algum modo aos pais, receberão a devida e justa punição, adequada a cada caso, a exemplo 
da exclusão do rol sucessório, conforme o art. 1.814 do Código Civil, e da desderção da 
sucessão, prevista no art. 1.962 do Código Civil. 
 
5.2 A Influência no Direito Penal Brasileiro 
 
No tocante ao direito criminal, tem-se que a legislação penal nacional guarda 
inequívocas relações com o passado hebraico, encartado no texto bíblico. 
De início, as Tábuas da Lei entregues a Moisés pelo próprio Deus, como forma de 
instruir o povo israelita nos anos após a fuga do Egito, se associam com a realidade atual do 
ordenamento penal brasileiro. As leis divinas determinavam a ilicitude da prática homicida 
(BÍBLIA SAGRDA, Êxodo 20:13), assim como o presente Código Penal brasileiro (Lei nº 
2.848/1940), que disciplina o crime de homicídio em seu artigo 121, como forma de proteção 
ao bem jurídico vida. 
Destaque-se que a condenação bíblica à condutas de assassinato abrange também outras 
práticas análogas ao homicídio, tais como o aborto induzido ilicitamente (art. 124, 125, 126, do 
105 
 
Código Penal) e o feminicídio (art. 121, §2º, incisos VI eVII, do Código Penal), práticas 
atualmente punidas pela legislação penal brasileira. 
O Decágolo ainda dispunha acerca de outras condutas vedadas, como o furto (BÍBLIA 
SAGRADA, Êxodo 20:15) e o falso testemunho (BÍBLIA SAGRADA, Êxodo 20:16), que 
ainda hoje mantêm a condição de infrações penais, conforme se verifica dos artigos 155 e 342, 
do Código Penal vigente. 
No versículos 7, capítulo 23 do Livro de Êxodo, consagra o solidarismo entre os 
indivíduos ao proibir acusações não condizentes com a realidade, englobando quaisquer 
informações inverídicas que venham a incriminar terceiro ou prejudicar sua imagem, honra ou 
reputação. 
Nesse sentido, o diploma legal criminal em seus artigos 138, 139, 339, 340 e 341, 
partindo da premissa bíblica que condena a prática de acusações infundadas, tipifica diversas 
condutas relacionadas a disseminação de denúncias ou incriminações injustas, em consonância 
com os preceitos bíblicos. 
Ademais, sem adentrar em controvérsias axiológicas, o Código Penal brasileiro ao 
classificar em seu artigo 235 o crime de bigamia, mantém posicionamento semelhante ao visto 
anteriormente na lei civil, conforme esclarece Greco (2017, p. 261): 
 
Uma vez adotada pelo Estado a monogamia, torna-se impossível que alguém, 
desprezando as determinações legais e sociais, contraia umsegundo matrimônio. A 
conduta afeta, de tal modo, a paz social que o legislador entendeu por bem tipificá-la, 
criando o delito de bigamia [...]. 
 
Com efeito, o distanciamento temporal entre os preceitos normativos bíblicos e a 
legislação penal nacional não foram o suficiente para separar os pensamentos cristãos já 
enraizados. Não só a lei mosaica, como também todo o arcabouço normativo instituído pelo 
Deus do povo hebreu foi capaz, como ainda é, de moldar a norma penal contemporânea no país. 
 
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
Deveras, os escritos bíblicos ora abordados, embora tenham iniciado a fase de produção e 
publicação em massa no século XV, possuem mais de dois mil anos de existência, considerando 
período de elaboração. A origem remota, no entanto, não se mostrou um empecilho para a 
escritura sagrada, que permanece como fonte de inspiração para o Direito nacional nos mais 
diversos ramos. 
106 
 
O ordenamento jurídico brasileiro é fruto de anos de experiência social, econômica, cultural 
e religiosa, sendo esta última marcadamente de viés cristão. Ainda hoje, muitas das instituições 
jurídicas presentes na legislação, bem como aquelas desenvolvidas pelos jurisconsultos, 
provêm de pensamentos oriundos do Direito hebraico, encartado no texto bíblico e centrado no 
cristianismo. 
As influências abarcam as mais diversas áreas do Direito brasileiro, indo desde o 
fundamentalismo do Direito Constitucional, até os institutos próprios do Direito Civil e do 
Direito Penal. Tanto a literalidade da norma jurídica, como a doutrina são influenciados pelos 
fundamentos cristãos, havendo inequívoca relação entre a lei e institutos hebraicos e o Direito 
nacional. 
É fácil de observar as semelhanças entre as leis dispostas nas escrituras sagradas e o Direito 
brasileiro contemporâneo. Percebe-se também que com o passar dos anos, a evolução da 
sociedade e o dinamismo do Direito, muitas das instituições anteriormente existentes, baseadas 
no texto bíblico, foram descontinuadas, com vistas ao desenvolvimento uma perspectiva 
jurídica própria e o atendimento das demandas coletivas atuais. 
 
7 REFERÊNCIAS 
 
ADAID, Felipe. Um estudo sobre a obra História da cultura jurídica: o direito na Grécia. 
Disponível em:<https://jus.com.br/artigos/53321/um-estudo-sobre-a-obra-historia-da-cultura-
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o%20na%20sociedade%20hodierna%20ocidental%2C%20tem,leito%20primordial%20a%20
Gr%C3%A9cia%20Antiga.&text=A%20exist%C3%AAncia%20de%20diversos%20direitos,
pela 20forma%C3%A7%C3%A3o%20da%20civiliza%C3%A7%C3%A3o%20mic% 
3%AAnica.> Acesso em: 22 de dezembro de 2020. 
 
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2. ed. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil: 1988, 1993, p. 1222. 
 
FACHINI, Tiago. Como era o direito no Egito Antigo. Disponível em: 
<https://tiagofachini.jusbrasil.com.br/artigos/366939115/como-era-o-direito-no-egito-antigo>. 
Acesso em: 22 de dezembro de 2020. 
 
https://jus.com.br/artigos/53321/um-estudo-sobre-a-obra-historia-da-cultura-juridica-o-direito-na-grecia#:%7E:text=antiga%20e%20moderna.-,O%20direito%2C%20como%20%C3%A9%20aceito%20na%20sociedade%20hodierna%20ocidental%2C%20tem,leito%20primordial%20a%20Gr%C3%A9cia%20Antiga.&text=A%20exist%C3%AAncia%20de%20diversos%20direitos,pela%20forma%C3%A7%C3%A3o%20da%20civiliza%C3%A7%C3%A3o%20mic%C3%AAnica
https://jus.com.br/artigos/53321/um-estudo-sobre-a-obra-historia-da-cultura-juridica-o-direito-na-grecia#:%7E:text=antiga%20e%20moderna.-,O%20direito%2C%20como%20%C3%A9%20aceito%20na%20sociedade%20hodierna%20ocidental%2C%20tem,leito%20primordial%20a%20Gr%C3%A9cia%20Antiga.&text=A%20exist%C3%AAncia%20de%20diversos%20direitos,pela%20forma%C3%A7%C3%A3o%20da%20civiliza%C3%A7%C3%A3o%20mic%C3%AAnica
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107 
 
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 14. ed. Niterói, Rio de 
Janeiro: Impetus, 2017. 
 
Livros gospel ou cristão. Bíblia é o livro mais traduzido e mais publicado do mundo. 
Disponível em:<https://noticias.gospelmais.com.br/biblia-livro-mais-traduzido-publicado-
mundo-29039.html>. Acesso em: 01 de dezembro de 2020. 
 
MELO, José; SOUZA, Paulo. A influência da Religião na Organização da Sociedade Grega 
no Processo de Transição do Gênos para Pólis. Disponível em:< 
http://www.achegas.net/numero/37/joaquim_37.pdf> Acesso em: 22 de dezembro de 2020. 
 
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. 
Curso de direito constitucional. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. 
 
PINTO, Davi. Bíblia sagrada e ciência do Direito: algumas justificações da importância 
que teve a religião para a formação do direito positivo contemporâneo. Disponível 
em:<https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-56/biblia-sagrada-e-ciencia-do-direito-
algumas-justificacoes-da-importancia-que-teve-a-religiao-para-a-formacao-do-direito-
positivo-contemporaneo/>. Acesso em: 21 de dezembro de 2020. 
 
PITANGA, Sádia. A Bíblia Sagrada e o Direito. Disponível em: 
<https://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=7591#:~:text=A%20B%C3%ADblia%20%
C3%A9%20a%20fonte,Hebraico%20%C3%A9%20um%20direito%20religioso.&text=Os%2
0dez%20Mandamentos%20%C3%A9%20a,povo%20hebreu(%C3%8Axodo%2C%20cap>. 
Acesso em: 21 de dezembro de 2020. 
 
SOUZA, Ricardo André de. O pluralismo cristão brasileiro. Revista Caminhos, Goiânia. v. 
10, n. 1, p. 131, jan./jun. 2012. 
 
TARTUCE, Flávio. Direito civil, v. 5: Direito de Família. 12. ed. rev., atual. e ampl. Rio de 
Janeiro: Forense, 2017. 
 
TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 10. ed., rev. e atual. São Paulo: 
Saraiva, 2012. 
 
https://noticias.gospelmais.com.br/biblia-livro-mais-traduzido-publicado-mundo-29039.html
https://noticias.gospelmais.com.br/biblia-livro-mais-traduzido-publicado-mundo-29039.html
http://www.achegas.net/numero/37/joaquim_37.pdf
108 
 
ZYLBERSTAJN, Joana. “O Princípio da Laicidade na Constituição Federalde 1988”. 
(Doutorado em Direito do Estado) - Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São 
Paulo: 2012. 
109 
 
O PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO 
ADOLESCENTE NO BRASIL E A ATUAL VULNERABILIDADE NO CENÁRIO 
BRASILEIRO 
 
 
Carla Johanna Duarte Correia1 
 
 
 
RESUMO 
No sentido de realizar uma reflexão sobre o processo de constituição dos Direitos da Criança e do Adolescente no 
Brasil, este artigo toma como ponto de partida o histórico das garantias jurídicas direcionadas às crianças e 
adolescentes na pátria brasileira antes do advento do Estatuto da Criança e do Adolescente. Aborda discussões 
internacionais sobre o direito infanto-juvenil, como a Convenção das Nações Unidas, e trata da especificidade de 
um sistema de garantia de direitos, de sua articulação em rede e de sua estruturação e implantação, que deve 
integrar a consolidação da defesa, do controle e da proteção integral. De natureza qualitativa, este trabalho se apoia 
na produção bibliográfica que discute a constituição dos direitos de crianças e adolescentes preconizados pelo 
Estatuto da Criança e do Adolescente ao longo desses trinta anos de sua promulgação. Evidencia-se, pois, que 
críticas ainda não podem ser feitas de maneira concreta ao estatuto, tendo em vista que ainda existe uma concepção 
punitivista por parte da sociedade e grande precariedade nas políticas públicas. 
 
Palavras-Chave: Estatuto da Criança e do Adolescente. Convenção das Nações Unidas. Proteção integral. 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
O Direito da Criança e do Adolescente é uma área muito importante do ordenamento 
jurídico e para a proteção integral desses sujeitos. Atualmente, a situação brasileira é bastante 
confortável, entretanto não foi sempre assim. O processo de constitucionalização dos direitos 
infanto-juvenis consistiu no desenvolvimento da legislação, a qual teve grande influência de 
documentos internacionais. Dessa forma, o trabalho busca explicar como se deu essa evolução 
e de que forma reflete-se no cenário atual. 
 
1 Acadêmica de Direito da Universidade Federal de Roraima (carlajohannad@gmail.com). 
mailto:carlajohannad@gmail.com
110 
 
É bastante relevante entender que os primeiros dispositivos legais não garantiam 
proteção ao grupo vulnerável. No início do século XX, foi criado o Código Melo Mattos2 que 
foi o primeiro dispositivo exclusivamente responsável por amparar apenas o menor em situação 
irregular. Ao longo do tempo, surge a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das 
Crianças, a qual muda completamente o olhar perante os direitos infanto-juvenis, passando a 
atender suas reais necessidades e garantir seu pleno desenvolvimento. 
Nesse sentido, o desenvolvimento desse artigo foi realizado por meio de um estudo 
bibliográfico de autores e artigos específicos e do contexto histórico-social da situação 
brasileira do Direito da Criança e do Adolescente. Ademais, o método dedutivo também foi 
usado, chegando a conclusão do raciocínio apresentado no decorrer do texto. 
Portanto, será abordado o desenvolvimento do menor no Brasil, o desenvolvimento do 
direito do menor, assim como também será feito uma análise da Convenção das Nações Unidas 
e do Estatuto da Criança e do Adolescente. Dessa forma, existe o questionamento de que se 
realmente no cenário atual há a aplicação de forma efetiva da proteção integral e se suas 
necessidades são realmente assistidas ou se é um princípio que consta apenas no papel, sem real 
aplicação. Assim, para ter melhor compreensão, é importante fazer uma análise dos direitos 
conquistados até a atualidade. 
 
2 O DESENVOLVIMENTO DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO 
BRASIL 
 
Em fase anterior ao surgimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, não se tinha 
uma preocupação específica com crianças e adolescentes, tampouco se estipulava uma 
legislação que tratasse de seus direitos e garantias fundamentais. Havia apenas um sistema que 
amparava o menor em situação irregular, que, de acordo com o parâmetro comportamental da 
época, era aquele que fugia do padrão social, ou seja, era o marginalizado, infrator, aquele que 
vivia na rua. 
 
2 O código de Menores de 1927 ficou conhecido como Código Mello Mattos em alusão a José Cândido 
Albuquerque Mello Mattos, primeiro Juiz de Menores do Brasil e da América Latina, empossado em 2 de fevereiro 
de 1924. 
111 
 
No Brasil, o Código de Menores de 1927 era a legislação destinada ao tratamento de 
infrações infanto-juvenis, mais conhecido como Código Mello Matos, onde essa normativa 
legal era apenas destinada ao menor em situação irregular conforme o art. 1º do Código: 
 
O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 
anos de idade, será submetido pela autoridade competente ás medidas de assistência 
e proteção contidas neste Código.3 
 
Desse modo, há época, não havia uma solução propriamente dita, mas uma medida 
temporária que escondia o problema, tirando a criança ou adolescente das ruas e dos ambientes 
viciosos e institucionalizando esses menores delinquentes ou abandonados. Era da crença 
estatal que ao se isolar o infrator, resolveria-se não apenas os conflitos sociais e o problema 
com a criminalidade, mas também se moldariam esses menores aos padrões sociais, 
transformando-os para o mercado de trabalho, ignorando as reais necessidades de criança e 
adolescente. 
Com o Código de Menores de 1927 os problemas não foram resolvidos, pois não havia 
estrutura para comportar a quantidade de crianças e adolescentes já que as instituições estavam 
superlotadas e não se propuseram a efetuar uma ressocialização. Além disso, tinha-se uma 
constante falta de recursos, e as instituições centralizaram-se nos grandes centros, deixando de 
lado as periferias e interiores. 
Seguindo uma análise histórica, no plano internacional, o tema sobre a valorização dos 
direitos infanto-juvenis começou a circular e a ser devidamente aprovado no início do século 
XX. Tem-se como paradigma a Declaração de Genebra (1924), que foi a primeira a reconhecer 
que crianças devem ser objetos de cuidados e atenção. Apesar de seu conteúdo notável, tal 
declaração não teve muito impacto no plano internacional, pois carecia de uma imperatividade, 
pois não exigia nenhuma obrigação dos Estados. 
Dessa forma, em 1959, aprovado pela Organização das Nações Unidas, foi criada a 
Declaração Universal dos Direitos da Criança que representou um grande avanço para os 
direitos da criança e do adolescente, uma vez que passa a considerar o indivíduo com menos de 
 
3 D. 17943A. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1910-1929/d17943a.htm>. Acesso 
em: 22 dez. 2020. 
 
112 
 
18 anos, um sujeito de direitos. A nomenclatura “menor” passa a não ser mais usada, por não 
considerar crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, sim meros objetos a quem era 
destinado uma tutela jurídica. Assim, de acordo com Sérgio Augusto G. Pereira de Souza a 
Declaração: 
 
[...] é formada de dez princípios básicos onde se afirma, em síntese, o direito da 
criança à proteção especial; à ser-lhe dadas as oportunidades e facilidades necessárias 
ao pleno desenvolvimento saudável e harmonioso; à utilizar-se dos benefícios 
relativos à seguridade social, incluindo-se a adequada nutrição, moradia, recreação e 
serviços médicos; à receber educação e a ser protegida contra todas as formas de 
negligência, crueldade e exploração. 
 
Notoriamente o Brasil foi signatário da Declaração, entretanto, não passou de uma 
assinatura no papel, visto que suas ações e políticas internas iam de encontro ao que constava 
no conteúdo da declaração da ONU. O ordenamento jurídico do país continuava a tratar as 
crianças e os adolescentes como “delinquentes ou abandonados”, dando assistência apenas aos 
que se enquadravam nessa situação irregular, e o olhar centralizador do Estado continuava 
culpabilizando os próprios jovens e crianças pelamarginalização infantojuvenil. 
Foi neste contexto que o Código de Menores de 1979 foi aprovado pela Lei n. 6.697, 
de 10 de outubro de 1979, revogando o anterior Código Mello Matos de 1927. Entretanto, o 
novo ordenamento jurídico passou a adotar a Doutrina Jurídica da Situação Irregular que passa 
a tutelar somente os menores que se encontravam em situação emergencial, não trazendo 
melhorias significativas. Desse modo, o cenário basicamente continuou o mesmo, apenas 
passou-se a adotar uma nova codificação que aumentou o rol de menores que se enquadravam 
nessa situação, deixando a referida Declaração apenas no papel (LIMA; VERONESE, 2012, p. 
38-43). 
Outro elemento que contribuiu para a regulamentação dos direitos da criança e do 
adolescente é a Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM), criada em 1964, que 
prevaleceu no código de 1979. A lei autorizava o Poder Executivo instituir a Fundação Nacional 
do Bem-Estar do Menor a qual ficou responsável pela assistência ao menor. Contudo, revelou-
se ser um lugar de tortura e sem limites para esses jovens. 
Assim, as mudanças realmente começam com o surgimento da Constituição Federal de 
1988, que trouxe um rol de direitos fundamentais (direitos humanos no plano internacional) que 
https://jus.com.br/946897-sergio-augusto-g-pereira-de-souza/publicacoes
https://jus.com.br/946897-sergio-augusto-g-pereira-de-souza/publicacoes
https://jus.com.br/tudo/educacao
113 
 
inclui os menores de dezoito anos em seu texto. Pode-se considerar a consagração da Doutrina 
da Proteção Integral, conforme o Art. 227 da Constituição Federal de 1988. 
 
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao 
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à 
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao 
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo 
de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e 
opressão (BRASIL, 1988). 
 
Ao fazer a análise do artigo 227, pode-se verificar que a família, a sociedade e o Estado 
passam a ser responsáveis em garantir o cumprimento dos direitos elencados, onde todos são 
responsáveis solidários, ou seja, todos possuem total responsabilidade. Além disso, pode-se 
entender o porquê se chama Doutrina da Proteção Integral, uma vez que faz uma proteção 
completa aos direitos das crianças e adolescentes, garantindo direito à sobrevivência, direito à 
proteção e direito ao desenvolvimento. 
Portanto, a chegada da Constituição mudou o tratamento e o olhar jurídico-social a 
respeito dos direitos infantojuvenis, como bem aponta Fernanda Lima e Josiane Veronese: 
 
A Constituição brasileira foi responsável pela redemocratização e apresentou muitos 
avanços – em termos políticos e na perspectiva de direitos – na vida social do país; 
conseguiu consagrar novas formas de democracia direta, com atuação/ participação 
popular; garantiu autonomia aos municípios; e reconheceu novos sujeitos de direitos.4 
 
Nesse viés, se começava a constituição dos direitos da criança e do adolescente no 
território brasileiro, acompanhando o cenário internacional. Entretanto, tais direitos ainda 
viriam a sofrer modificações e influências internacionais até atingir o seu estado final com o 
Estatuto da Criança e do Adolescente ratificado em 1990. 
 
3 CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS E O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO 
ADOLESCENTE 
 
4 LIMA, Fernanda da Silva; VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente: a necessária 
efetivação dos direitos fundamentais-Volume V. 2012. 
114 
 
 
Em 1979, por iniciativa da Polônia, foi constituído pela ONU um Grupo de Trabalho 
(Working Group on the Question of a Convention on the Rights of the Child) que estaria 
responsável para criar o texto da Convenção. Assim, após dez anos, no dia 20 de novembro de 
1989 foi adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas e entra em vigor em 2 de setembro 
de 1990. 
A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança é um dos instrumentos 
de direitos humanos mais aceito no mundo. O Brasil foi um dos países a ratificar o Tratado 
Internacional em 24 de setembro de 1990. Dessa forma, conforme disposto no Art. 2º: 
 
1. Os Estados Partes respeitarão os direitos enunciados na presente Convenção e 
assegurarão sua aplicação a cada criança sujeita à sua jurisdição, sem distinção 
alguma, independentemente de raça, cor, sexo, idioma, crença, opinião política ou de 
outra índole, origem nacional, étnica ou social, posição econômica, deficiências 
físicas, nascimento ou qualquer outra condição da criança, de seus pais ou de seus 
representantes legais. 
2. Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar a proteção 
da criança contra toda forma de discriminação ou castigo por causa da condição, das 
atividades, das opiniões manifestadas ou das crenças de seus pais, representantes 
legais ou familiares.5 
 
É o documento de natureza internacional responsável por consagrar a Doutrina da 
Proteção Integral e a importância da proteção e assistência especial à criança. De acordo com 
Esther Maria de Magalhães Arantes, existem: 
 
quatro grandes princípios ético-filosóficos e jurídicos em relação aos quais deve-se 
ler toda a Convenção. São eles: 1) não discriminação; 2) melhor interesse da criança; 
3) direito à sobrevivência e ao desenvolvimento e 4) respeito à opinião da criança.6 
 
 Assim, nota-se que a consciência mundial amadureceu no momento que passou a 
respeitar e constitucionalizar os direitos infantis. Pois, como fala Maria Cecília de Souza: 
 
5 Convenção sobre os Direitos da Criança. Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-
direitos-da-crianca>. Acesso em: 29 nov. 2020. 
6 ARANTES, Esther Maria de Magalhães. Direitos da criança e do adolescente: um debate necessário. Psicologia 
Clínica, v. 24, n. 1, p. 45-56, 2012. 
https://www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-direitos-da-crianca
https://www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-direitos-da-crianca
115 
 
 
[...] uma sociedade que respeita os direitos da criança dará liberdade e dignidade aos 
jovens, criando as condições em que possam desenvolver todas as suas 
potencialidades e preparar-se para uma vida adulta plena e satisfatória.7 
 
 Ademais, passa-se a exigir um sistema jurídico que garanta e regule todos os direitos de 
crianças e adolescentes, assim como garanta uma proteção integral, abrangendo todas as suas 
necessidades que precisam ser respeitadas pela sociedade, família e Estado, por serem seres de 
direito em regime de desenvolvimento diferenciado. 
Dessa forma, nesses dez anos para a ratificação da Convenção, o cenário 
socioeconômico mundial encontrava-se em péssimas condições, o que tornou latente a 
necessidade por mudanças. O Brasil, consciente do conteúdo que estaria presente no futuro 
documento, antecipa-se e traz na sua nova Constituição de 1988 a Doutrina da Proteção Integral 
disposta no Art. 227, tornando-se o primeiro país a adotar tal doutrina em sua constituição, 
demonstrando um grande avanço para o país. 
Assim, com advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, com influência da 
ratificação da Convenção das Nações Unidas e o surgimento da Constituição Federal de 1988, 
supera-se a fase tutelar formalmente dos direitos infanto-juvenis. Denomina-se superação 
formal, pois, segundo Jessica Silveira, ainda há cinco características do Modelo Tutelar que 
permanecem no atual estatuto: 
 
a) a negação de sua natureza penal; b) a indeterminação das medidas aplicáveis; c) no 
aspecto processual, a ausência de garantias jurídicas; d) amplo arbítrio judicial; e e) 
recusa ao critério de imputabilidade.8 
 
 
7 NJAINE, Kathie; MINAYO, Maria Cecília de Souza. Análise do discurso da imprensa sobre rebeliões de jovens 
infratores em regime de privação de liberdade. 
8 SILVEIRA, JessicaZiegler de Andrade. A proteção integral e o melhor interesse da criança e do adolescente: 
uma abordagem à luz da lei n. 8.069/90. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito)–Universidade 
Federal do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2015. 
116 
 
4 ECA NA ATUALIDADE 
 
No contexto atual, a criança e o adolescente são vistos como sujeitos de direitos, que 
devem ser protegidos de forma a não obstar seu desenvolvimento e devida inserção na 
sociedade. 
Com o advento do ECA, o Brasil aderiu a um novo paradigma de tratamento das 
questões relacionadas à proteção dos direitos de crianças e adolescentes, agora vistos como 
sujeitos de direitos e garantias fundamentais, cuja garantia de uma infância digna e saudável é 
de responsabilidade compartilhada entre Estado, sociedade e família. 
Dessa forma, irradiou-se a doutrina da proteção integral, baseada no reconhecimento de 
direitos especiais e específicos de todas as crianças e adolescentes. Passou-se a entender pela 
precedência dos direitos do menor perante todos os outros, em razão de sua fragilidade e 
vulnerabilidade em confronto com outras pessoas de direito.9 
Dentre outras inovações, o ECA passou a prever a proteção de crianças e adolescentes 
de abusos sexuais dentro de suas casas, afastando-os de seus agressores e penalizando quem 
pratica esses crimes contra o menor (art. 130 da Lei 8.069/90 - ECA), o que não era previsto 
pelo ultrapassado código de menores, que só contava com a figura dos maus tratos. 
Institui a rede de proteção à infância por meio da criação dos Conselhos Tutelares (art. 
131 do ECA), que atua tanto na prevenção de violação de direitos quanto no enfrentamento de 
quem restringe ou desrespeita-os; 
Passa a proteger crianças e adolescentes da venda e exposição de conteúdo pornográfico 
contendo sua imagem (art. 241 do ECA), bem como busca proteger menores no contexto de 
novas mídias digitais (art. 241-D), mobilizando agentes do Governo para enfrentar a situação; 
Além de tudo isso, trouxe a concepção do desenvolvimento peculiar do menor (art. 232 
do ECA), bem como da proteção integral da criança e do adolescente (art. 3º do ECA), 
existindo, agora, uma proteção ao desenvolvimento de cada indivíduo, observando-se suas 
peculiaridades. 
Desde sua promulgação até os dias de hoje, verifica-se que o Estatuto da Criança e do 
Adolescente continua a quebrar paradigmas, concretizando a missão de conceber crianças e 
adolescentes como sujeitos de direitos em condição peculiar de desenvolvimento. 
 
9 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: Doutrina e Jurisprudência/Válter Kenji Ishida – 
18. ed. rev. Ampl. e atual. – Salvador: JusPODIVM, 2017. 
117 
 
É nítido que muito se avançou na execução de políticas públicas, no entanto, passadas 
três décadas da sua aprovação, ainda há muito a ser construído para sua completa 
implementação e efetividade. 
Como bem aponta Ivana Moreira: 
 
A aprovação do ECA não se constitui por si só na concretização de proteção social 
integral. Antes, evidencia a necessidade de mudanças nas práticas de atendimento de 
crianças e adolescentes que insistem, ainda na atualidade, em manter resquícios de 
uma concepção ‘menorista’ e de uma cultura dominante ‘punitivista’ e 
‘judicializada’.10 
 
É perceptível que ainda está entranhado no meio social a visão estabelecida em época 
passada, diante da manutenção do estigma da reprodução da violência, criminalização, 
desigualdade social e negação de direitos já consagrados e garantidos aos menores. 
(MOREIRA, Ivana. 2020). 
Desse modo, não há como imputar erros das instituições e precariedade das políticas 
públicas fundamentais ao ECA, mas sim que se deve trabalhar na construção social para que 
seja possível dar-lhe total cumprimento. 
 
5 CONCLUSÃO 
 
O processo de constitucionalização dos direitos das crianças e dos adolescentes no 
Brasil acontece, portanto, tendo bastante influência internacional, por meio de tratados e 
convenções. Assim, as conquistas presentes atualmente na sociedade brasileira são uma grande 
conquista para a proteção desses sujeitos em desenvolvimento. 
Diante dos fatos expostos, usando como referência fatos históricos e documentos legais 
para a interpretação, é indubitável que a constitucionalização dos direitos da criança e do 
adolescente foi um processo longo e marcado por violência e maus-tratos. Assim, crianças e 
adolescentes eram considerados objetos, não possuindo direitos na sociedade. 
O surgimento do Código Melo Mattos de 1927, que estaria responsável em tutelar os 
que se enquadravam na situação irregular, apenas aumentou o nível de violência contra eles. 
Por volta do mesmo período, no plano internacional, começava-se a existir a preocupação em 
reconhecer que esse grupo também é detentor de direitos. Como, por exemplo, a Declaração de 
Genebra de 1924 e a Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959. Ambas não tiveram 
muito impacto, porém, em 1959, o menor de dezoito anos passa a ser sujeito de direito. Tal 
 
10 MOREIRA, Ivana Aparecida Weissbach. 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente: comemorar é 
preciso, implementar e efetivar é urgente. Humanidades em Perspectivas, v. 2, n. 4, 2020. 
118 
 
evento teve importante impacto no cenário brasileiro, uma vez signatário da Declaração, adotou 
em seu segundo Código de Menores de 1979 a Doutrina Jurídica da Situação Irregular. 
Contudo, o impacto da mudança foi apenas registrado no papel, pois o tratamento 
perante crianças e jovens continuava a ser marcado pela violência e negligência da parte do 
Estado e, consequentemente, da sociedade. Não há dúvidas que os longos anos até o surgimento 
da Constituição de 1988 foram sofridos, entretanto, a sua promulgação trouxe um rol de direitos 
fundamentais que inclui os direitos infanto-juvenis e consagra a Doutrina da Proteção Integral. 
Posteriormente, surge o ECA pela necessidade de regulamentar o dispositivo 227 presente na 
Constituição Federal e o campo social. 
Sendo assim, conclui-se que foi um processo longo e que na atualidade crianças e 
adolescentes possuem uma proteção integral. Entretanto, ainda existe no meio social a 
reprodução de violência, criminalização e desigualdade social, como também discursos que 
tentam retroagir direitos já garantidos. Assim, é preciso proteger a criança e o adolescente, pois 
como já dizia Nelson Mandela: "Não existe revelação mais nítida da alma de uma sociedade do 
que a forma como esta trata as suas crianças". 
 
6 REFERÊNCIAS 
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necessário. Psicologia Clínica, v. 24, n. 1, p. 45-56, 2012. 
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MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA: UMA ANÁLISE À LUZ DO ORDENAMENTO 
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ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: Doutrina e 
Jurisprudência/Válter Kenji Ishida – 18. ed. rev. Ampl. e atual. – Salvador: JusPODIVM, 
2017. 
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-114/codigo-de-menores-eca-e-adolescentes-em-conflito-com-a-lei/
https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-114/codigo-de-menores-eca-e-adolescentes-em-conflito-com-a-lei/
119 
 
MOREIRA, Ivana Aparecida Weissbach. 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente: 
comemorar é preciso, implementar e efetivar é urgente. Humanidades em Perspectivas,v. 2, 
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Efetivação dos Direitos Fundamentais Volume V. [s.l: s.n.]. Disponível em: 
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tos%20da%20Crian%C3%A7a.&text=Somente%20com%20a%20Declara%C3%A7%C3%A
3o%20Universal,de%20cuidados%20e%20aten%C3%A7%C3%B5es%20especiais.> . Acesso 
em: 20 nov. 2020. 
SILVEIRA, Jessica Ziegler de Andrade. A proteção integral e o melhor interesse da criança e 
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(Bacharelado em Direito)–Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Rio de 
Janeiro, 2015. 
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https://jus.com.br/artigos/2568/a-declaracao-dos-direitos-da-crianca-e-a-convencao-sobre-os-direitos-da-crianca#:%7E:text=Em%201924%20a%20Assembl%C3%A9ia%20da,Genebra%20dos%20Direitos%20da%20Crian%C3%A7a.&text=Somente%20com%20a%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20Universal,de%20cuidados%20e%20aten%C3%A7%C3%B5es%20especiais
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https://jus.com.br/artigos/2568/a-declaracao-dos-direitos-da-crianca-e-a-convencao-sobre-os-direitos-da-crianca#:%7E:text=Em%201924%20a%20Assembl%C3%A9ia%20da,Genebra%20dos%20Direitos%20da%20Crian%C3%A7a.&text=Somente%20com%20a%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20Universal,de%20cuidados%20e%20aten%C3%A7%C3%B5es%20especiais
https://jus.com.br/artigos/2568/a-declaracao-dos-direitos-da-crianca-e-a-convencao-sobre-os-direitos-da-crianca#:%7E:text=Em%201924%20a%20Assembl%C3%A9ia%20da,Genebra%20dos%20Direitos%20da%20Crian%C3%A7a.&text=Somente%20com%20a%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20Universal,de%20cuidados%20e%20aten%C3%A7%C3%B5es%20especiais
 
 
120 
 
 
A TUTELA PENAL AO DIREITO DOS VULNERÁVEIS: A (IN)EFICÁCIA DO 
DIREITO PENAL NA PROTEÇÃO DOS GRUPOS VULNERÁVEIS 
 
 
 
Francisco Artemízio Silva Freitas1 
Edgard Mauricio Carneiro Coutinho² 
 
 
RESUMO 
Nossa sociedade vive uma crise social onde os estratos mais abastados vozeiam por modelos de políticas criminais 
cada vez mais repressivas se utilizando do sistema jurídico penal como instrumento de opressão das classes menos 
favorecidas. Sendo assim, o presente artigo tem o objetivo de verificar em uma análise crítica-reflexiva a maneira 
como têm sido tutelados os direitos dos grupos vulneráveis e minorias pelo ordenamento jurídico penal brasileiro. 
Para tanto, quanto ao objetivo proposto, utilizar-se-á procedimentos metodológicos voltados à pesquisa 
bibliográfica, descritiva e exploratória de dados de fontes abertas; quanto à forma de abordagem, pesquisa 
qualitativa. Portanto, não obstante o Direito Penal fundamentar-se em uma retórica de igualdade social, na vida 
quotidiana esse discurso demonstra-se assaz desarrazoado pois ele é, deveras, seletivo e excludente possuindo uma 
clientela própria constituída das classes menos favorecidas e vulneráveis. Ademais, em última análise, constata-se 
pelos dados apresentados que, embora necessário, o direito penal tem demonstrado inocuidade na proteção ao 
direito dos grupos vulneráveis. 
 
Palavras-chave: Grupos Vulneráveis; Minorias; Tutela Penal; Igualdade. 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
O presente trabalho tem como tema a tutela do direito penal ao direito dos grupos 
vulneráveis e minorias. Em um exame mais preciso, pode-se dizer que o estudo analisa a 
(in)eficácia do direito penal na proteção dos grupos vulneráveis. A importância desse tema se 
justifica pelo momento em que vivemos, onde cada vez mais novos grupos minoritários e 
vulneráveis surgem em nossa sociedade rogando por proteção legal que lhes traga guarida para 
as hostilidades que têm sofrido. 
Antes de prosseguir, importa dizer que este trabalho não tem por objetivo adotar uma 
visão maniqueísta acerca da criminalização de condutas que ultrajam os direitos dos grupos 
 
1 Acadêmico do Curso de Direito da Universidade Federal de Roraima (guerra4646@hotmail.com). 
² Acadêmico do Curso de Direito da Universidade Federal de Roraima (edgardcoutinho@gmail.com). 
 
 
 
 
121 
 
 
minoritários, nem mesmo se posicionar contra a criminalização. Objetiva-se, no entanto, 
verificar em uma análise crítica-reflexiva a maneira como têm sido tutelados os direitos dos 
grupos vulneráveis e minorias pelo ordenamento jurídico penal brasileiro, buscando evidenciar 
através de pesquisa bibliográfica e exploratória de dados de fontes abertas, o quão legítimo e 
eficaz têm sido os institutos criminais de nosso ordenamento jurídico em seu propósito de 
coibir práticas de discriminação e violência. 
Para tal propósito, o desenvolvimento desse estudo iniciará mostrando a retórica da 
tutela penal que subsidia a pretensão em legitimar a criminalização de condutas que afrontam 
o direito dos grupos vulneráveis. Em seguida, serão abordados alguns normativos criminais 
voltados para os grupos vulneráveis e minoritários, com destaque para os imigrantes. No item 
que tratará sobre a seletividade penal, serão expostos alguns dados referentes aos índices de 
prisões e encarceramentos e, por fim, discorrer-se-á sobre a eficácia do direito penal na 
proteção aos grupos vulneráveis. 
Com efeito, não obstante a legítima criminalização necessária de condutas que 
afrontam o direito dos grupos vulneráveis como uma resposta imediata do Estado ao pedido 
de socorro desses grupos, percebe-se nitidamente a faceta de um direito penal simbólico, 
incapaz de lidar sozinho com a raiz do problema. 
 
2 DIREITO DOS VULNERÁVEIS E A TUTELA PENAL 
 
Nos último anos, a concretização dos direitos das minorias e grupos vulneráveis tem 
passado tanto pela fomentação da chamada igualdade material, principalmente com a 
implementação das políticas afirmativas, quanto pela proibição de condutas segregacionistas 
e discriminatórias. É justamente nesta perspectiva proibicionista onde se pode compreender o 
papel do direito penal na tutela ao direito dos vulneráveis. 
Há quem defenda que as políticas públicas com suas ações afirmativas e inclusivas 
seriam suficientes para extinguir as discriminações em nossa sociedade, sem a necessidade de 
criar tipos penais ou endurecer penas já existentes. Se assim o for, será que os outros ramos 
do direito poderiam cumprir esse papel de coibir as práticas racistas, sectárias, violentas e 
reacionárias juntamente com as políticas públicas? 
A despeito das políticas públicas de inclusão social e ações afirmativas se mostrarem 
 
 
122 
 
 
como importantes instrumentos de promoção da verdadeira igualdade esculpida na 
Constituição Federal de 1988, entende-se que elas têm obtido um resultado muito mais 
compensador que reparador o que, de fato, é seu escopo (SANDEL, 2019). Destarte, é preciso 
dizer que as políticas públicas, por si só, não são revestidas do poder de reparar os danos 
físicos, psicológicos, morais e históricos pelos quais os grupos vulneráveis e minoritáriostêm 
passado no decorrer dos anos. 
 Quanto aos demais ramos do direito, acredita-se que poderiam não surtir o efeito 
desejado, qual seja, coibir, de fato, as práticas segregacionistas e repugnantes contra os grupos 
minoritários e vulneráveis, sendo, portanto, incapazes de alterar comportamentos. Por 
conseguinte, o legislador, ouvindo o clamor daqueles que são olvidados pela sociedade, com 
efeito, concebe o direito penal como a principal ferramenta e, senão, o mais importante meio 
de intervenção na garantia de seus direitos. 
Aliás, é de bom alvitre lembrar que um dos princípios do direito penal é o da 
intervenção mínima. Segundo Bitencourt (2012) a essência desse princípio norteador reflete a 
ideia de que o direito penal só deve ser aplicado quando extremamente necessário, de maneira 
que sua invocação seja subsidiária, após o fracasso dos demais ramos do direito. 
Daí, fala-se em um direito penal mínimo, o que, em última análise, leva-nos a 
reconhecer o direito penal dentro dessa perspectiva como um direito de primeira dimensão, na 
possibilidade de se requerer do Estado uma postura negativa, que limite o poder do jus puniedi, 
concomitantemente, também um postura positiva, na ideia de que Estado proteja a pessoa 
contra violações de seus direitos humanos, na clara perspectiva de uma direito fundamental de 
segunda dimensão. 
De fato, é indiscutível que o direito penal tem sido colocado à disposição dos grupos 
vulneráveis e minoritários como o principal instrumento de defesa de seus direitos. Percebe-
se isso quando, por exemplo, o código preconiza penas maiores para o estupro de vulnerável 
(art. 217-A, CP) diferente daquelas aplicadas ao estupro comum do artigo 213. Corroborando 
esse entendimento, cita-se ainda a pena de reclusão para a injuria racial do art. 140, § 3° do 
CP, ao passo que a injuria simples, aprouve ao legislador apenar com detenção. 
Há de se perceber perfeitamente que essa desigualdade de tratamento, com efeito, é 
benéfica, pois consagra a máxima da igualdade formal: tratar os desiguais na medida de sua 
desigualdade. Porém, percebe-se uma segunda faceta que reflete desigualdade na aplicação do 
direito penal, essa, não benéfica, pois faz despontar e reproduzir mais ainda a desigualdade 
 
 
123 
 
 
social, como será visto adiante. 
 
3 NORMATIVOS PENAIS DE TUTELA AO DIREITO DE GRUPOS 
MINORITÁRIOS E VULNERÁVEIS 
 
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso XLII, traz uma expressa norma 
mandamental para as condutas decorrentes da prática de racismo. Este foi, de fato, o start para 
que no ano seguinte fosse promulgada a Lei 7.716/89. Essa lei, inicialmente, veio tratando 
somente de crimes resultantes de preconceito de raça e cor, porém, em 1997, o legislador 
acrescentou em seu artigo 1° as palavras “etnia”, “religião” e “procedência nacional”, dando 
uma maior abrangência para outros grupos minoritários. 
Fora este diploma legal que fornece proteção de forma geral a diversos grupos 
minoritários, tivemos ainda a edição da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), que em seu 
preâmbulo enuncia o objetivo de sua elaboração, qual seja, a criação de mecanismos para 
coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. No tocante aos menores de idade, no 
ano de 1990, a Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) trouxe uma nova visão 
sobre aqueles que eram chamados de “de menor”, ao estatuir a proteção integral da criança e 
adolescente em situação de vulnerabilidade. 
Por seu turno, a Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso), foi um marco para os direitos 
daqueles que, em razão da idade, se tonam necessitados de proteção e cuidados especiais. 
Outrossim, a Lei 8.078/90 (código do consumidor) inaugurou a proteção e reconhecimento do 
consumidor como a parte hipossuficiente nas relações consumeristas e, por fim, porém não 
menos importante, a Lei 7.853/89 (Lei dos portadores de deficiência) veio ressignificar a ideia 
de inclusão social e integração das pessoas portadoras de deficiências. 
Importante salientar neste ponto que as normas direcionadas aos grupos vulneráveis 
não se esgotam na relação supra. Sem dúvida alguma, seria simplória demais uma 
compreensão de que somente os grupos mencionados acima, pela mera existência de uma lei, 
devam compor rol dos chamados grupos vulneráveis e minoritários. Outro fato a se ressaltar é 
que todos esses diplomas normativos apontados trazem em seu bojo dogmas primários (o 
dever ser) e secundários (reprimenda em concreto) da norma criminal (MASSON, 2011). 
É natural que com o passar do tempo venham a surgir novos grupos que buscam o 
 
 
124 
 
 
reconhecimento do exercício de seus direitos, especialmente no Brasil, onde vimos surgir nos 
últimos anos grupos de imigrantes, grupos de soropositivos, grupos LGBTI+, dentre outros 
(CARDOSO; et al., 2019). Nessa perspectiva, assim como a construção conceitual de minorias 
e grupos vulneráveis se modifica conforme o tempo e espaço, é perfeitamente compreensível 
que o direito, por ser mutável, venha a se adequar aos anseios desses novos grupos minoritários 
emergentes em nossa sociedade. 
Sobre essa mutabilidade do direito, há de se destacar o recente julgamento no STF da 
Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO 26/DF), de relatoria do ministro 
Celso de Mello, onde ficou estabelecido que práticas preconceituosas contra homossexuais e 
transexuais deveriam ser enquadrados no crime de racismo. Acertadamente, o ministro 
Ricardo Lewandowski pontuou em seu voto que não era papel daquela corte o estabelecimento 
de condutas que deveriam ser enquadradas como crime, mas que a mora legislativa em 
conduzir o tema, aliada as barbáries diuturnamente cometidas contra homossexuais, era causa 
urgente para que se buscasse uma criminalização simbólica (BRASIL, 2019). 
Ainda sobre o surgimento de novos grupos vulneráveis, destaca-se neste trabalho os 
grupos imigrantes. No mundo globalizado em que vivemos, a imigração de pessoas entre os 
países tem sido uma realidade desafiadora pela qual tem passado vários países. Nos últimos 
anos, o Brasil vem enfrentando esse desafio com a chegada massiva de venezuelanos que 
cruzam a fronteira seca situada entre a cidade venezuelana de Santa Helena do Uairén e a 
cidade brasileira de Pacaraima, no Estado de Roraima. 
Desde o início da crise migratória, “estima-se que mais de 264 mil venezuelanos 
entraram e permaneceram no Brasil” (BRASIL, 2020a, online). A grande maioria dos que 
chegam em Roraima é composta de pessoas em situação de miserabilidade que não contam 
sequer com o mínimo existencial para sua sobrevivência. 
No entanto, o Estado brasileiro vem dispensando uma especial atenção aos estrangeiros 
em situação de vulnerabilidade, adotando medidas de acolhimento em abrigos, interiorização 
para outras Unidades Federativas do País com maiores condições de sustento e participação 
em programas de inclusão social, tudo isso com ajuda de organizações internacionais, como o 
Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). 
A situação pela qual esses imigrantes venezuelanos têm passado, distantes de sua terra 
natal, sem dinheiro e sem lar, morando nas ruas de um país estrangeiro, é fator determinante 
para a formação de uma compreensão jurídica e filosófica que os classifique no patamar de 
 
 
125 
 
 
um grupo vulnerável, carecedores de uma amparo legal específico. Como se não bastasse essa 
condição de refugiado, é notória a desconfiança e estranhamento de parte da população de Boa 
Vista (capital de Roraima) para com os estrangeiros do país bolivariano. 
Em outubro deste ano, em meio as campanhas eleitorais municipais da cidade de Boa 
Vista, em Roraima, um fato chamou atenção de todos quando dois candidatos a prefeito foram 
denunciados pela Defensoria Pública da União por promoverem propostas eleitorais de cunho 
discriminatório e xenofóbico nos meios de comunicação social. O MinistérioPúblico Federal 
aceitou a denúncia com base no artigo 20, §2º, da Lei 7.716/1989, que trata sobre os crimes 
resultantes de preconceito de raça ou de cor (GIRARDI, 2020). 
 
4 A SELETIVIDADE DA LEI PENAL FRENTE AOS GRUPOS VULNERÁVEIS 
 
Como já abordado, o direito penal tem por finalidade a proteção dos valores mais 
importantes da sociedade e esses valores se consubstanciam em bem jurídicos penais. Para 
tanto, o direito penal se desdobra em duas vertentes, a saber, o “preceito primário e preceito 
secundário” (BITENCOURT, 2012, p. 337). Pelo preceito primário, o Estado estabelece a 
norma proibitiva em abstrato; por seu turno, pelo preceito secundário, o Estado se utiliza da 
norma para exercer com exclusividade o jus puniedi sobre a pessoa que desobedecer. 
Cleber Masson (2011) diz que uma característica marcante do direito penal é notada 
pelo fato dele estabelecer uma escala valorativa, determinando o conteúdo das condutas que 
deseja abranger em suas normas. De fato, tanto na norma primária como na norma secundária, 
observa-se essa escala valorativa. Em primeiro momento, percebe-se a criminalização 
primária de condutas pré-valoradas através de um ato formal e programático e, em segundo 
momento, a criminalização secundária da conduta daquele que infringiu a norma primária. 
Eugênio Zaffaroni (apud MASSON, 2011, p. 6) diz que é na “aplicação do preceito 
secundário que o Estado se utiliza da seletividade da norma e da vulnerabilidade do indivíduo, 
ao exercer um poder punitivo em face de pessoas definidas pela sua fraqueza social.” 
Certamente, Zaffaroni foi muito feliz em sua colocação, posto que é justamente no momento 
da persecução penal, com a atuação dos órgão de aplicação da lei, que observa-se a disparidade 
de tratamento entre as pessoas. 
Em meados da década de 60 do século passado, uma teoria criminológica surgida nos 
 
 
126 
 
 
EUA de nome Labelling Approach, levou alguns estudiosos a se perguntarem porque algumas 
pessoas eram rotuladas de criminosas e outras não. A tese focal desse questionamento se 
baseava na ideia de que a criminalidade não poderia ser uma qualidade em si mesma, mas 
resultado de um processo de seleção que rotula os indivíduos (FILHO, 2020). 
Não é raro observar o tratamento diferenciado que a mídia dar para um mesmo crime, 
por exemplo, ao se referir como “traficantes” àqueles jovens que são apanhados pela polícia 
em bocas de fumo de bairros periféricos, ao passo que, para a mesma situação, se utiliza do 
termo “jovens usuários”, quando os mesmos apanhados são de classe média ou alta. Nas 
palavras de Andrade (1997), essa etiquetação criminológica se dá não pela inclinação que a 
pessoa tenha para cometer crimes, mas pelo fato da pessoa ser uma parte fraca e frágil nesse 
sistema construído por aqueles que têm menor chance de serem criminalizados nas mesmas 
condições. 
Destarte, o viés segregacionista do sistema criminal brasileiro, desde o momento em 
que a norma primária é pensada até o instante em que o Estado se utiliza da persecução penal 
no intuito de exercer o jus puniedi, é voltado para a incriminação daqueles que estão em 
condições mais vulneráveis, colocando-os dentro das estatísticas da chamada cifra negra. 
Corroborando essa ideia, basta olhar para os dados do Departamento Penitenciário 
Nacional (DEPEN), registrados de julho a dezembro de 2019, os quais apontam que 66,69% 
do total de presos encarcerados no Brasil são pessoas pretas e pardas. Na análise dos dados 
referentes aos crimes cometidos por toda população carcerária, sobressaem os crimes contra o 
patrimônio com 50,96%, crime de drogas com 20,28%, crimes contra a pessoa com 17,36% e 
crimes contra a administração pública com 0,18% (BRASIL, 2020b). 
Percebe-se claramente que os dados revelam uma estruturação preponderante de um 
perfil seletivo do marginal brasileiro, fazendo despontar e aflorar a discriminação com a qual 
o Estado rotula e seleciona os sujeitos. De fato, não há como negar que existe um sistema penal 
seletivo, excludente e desigual que, ao invés de proteger, elabora normas que reforçam na 
mente das pessoas a preconcepção do bandido como sendo o negro, o pardo e o imigrante. 
 
5 A (IN)EFICÁCIA DO DIREITO PENAL NA TUTELA DO DIREITO DOS GRUPOS 
VULNERÁVEIS 
 
 
 
127 
 
 
Como visto, é incontestável o fato de que o direito penal aplica-se aos grupos 
minoritários e vulneráveis, buscando ainda atender aos anseios de novos grupos minoritários 
que surgem em nossa sociedade. Também é axiomático o fato de que, na busca pela igualdade 
material, o direito penal arroga-se ao direito de aplicar penas mais altas para infrações que 
atentam contra os direitos de alguns vulneráveis. 
Contudo, mesmo com esse tratamento desigual que visa a igualdade material, é 
possível identificar a coexistência de um viés reprodutor de inaceitável desigualdade, pois não 
obstante a ilusória impressão de isonomia e proteção, na verdade, o direito penal termina 
disfarçando as causas e fundamentos de toda segregação social, seletividade e discriminação. 
Descobre-se, então, o papel do sistema penal como um dos mais proeminentes dispositivos 
que visa manter e reapresentar a dominação existente na sociedade, sem a menor preocupação 
em entender as razões da desigualdade (KARAM, 1996). 
Com efeito, o alcance da pretensão punitiva do Estado gera no ser humano uma falsa 
sensação de alívio e de resolução imediata do problema, entretanto, na prática somente 
mascara a verdadeira origem, inebriando as mentes mais fragilizadas e assustadas pelo 
maldade sofrida, ao fazer acreditar que o Estado fez tudo o que podia e deveria fazer, quando 
na verdade somente encobriu a raiz do problema aplicando sanções penais. 
Sobre a eficácia da norma incriminadora na tutela dos grupos vulneráveis, é preciso 
uma compreensão pragmática e fidedigna com relação aos dados que se apresentam dia após 
dia. Veja-se que, por exemplo, em 2020 a Lei Maria da penha completará quatorze anos de 
existência e, mesmo depois de todo esse tempo, percebe-se que os índices de violência contra 
a mulher continuam assustadores e crescentes. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública 
(2020) registrou 1.834 feminicídios cometidos no Brasil somente no primeiro semestre de 
2019, sendo que no primeiro semestre de 2020 esse número subiu para 1.861. 
Ainda segundo o anuário, no que tange à raça/cor, 79,1% das vítimas de intervenções 
policiais que resultaram em morte eram pretas e pardas, indicando a sobrerepresentação de 
negros entre as vítimas da letalidade policial. Este percentual é superior à média nacional 
verificada no total das mortes violentas intencionais, em que 74,4% de todas as vítimas são 
negras ou pardas. 
Sobre os crimes de estupro, o anuário registra ainda que em 2020 a média foi de 1 
estupro a cada 8 minutos, sendo contabilizado o total de 66.123 vítimas de estupro e estupro 
de vulnerável; 57,9% das vítimas tinham no máximo 13 anos e 85,7% eram do sexo feminino. 
 
 
128 
 
 
Do total da violência registrada, 10,3% é o número que representa as crianças vítimas 
de assassinatos no país em 2019. Já no campo da injúria racial, mas uma vez contatou-se um 
aumento de 9.110 casos em 2018 para 11.467 em 2019. No que se refere a violência contra os 
grupos LGBTI+, o anuário nacional registrou um aumento saindo de 542 casos em 2018 para 
584 casos em 2019. 
Portanto, pela crescente dos números apresentados, fica claro que é necessária uma 
reflexão sobre a idoneidade do direito penal como instrumento eficaz na proteção do direito 
dos grupos vulneráveis. Importante ressaltar ainda que todos os dados apresentados têm uma 
margem para mais, posto que nem todos os Estados brasileros disponibilizaram os números 
no anuário nacional. 
 
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
Com o reconhecimento por parte do Estado da urgente necessidade de tutelar o direito 
dos grupos vulneráveis e minoritários, especialmentecoibindo condutas discriminatórias e 
violentas, o legislador achou por bem utilizar-se do direito penal para este fim. Entretanto, 
olhando para os números da violência, percebeu-se uma indispensável reflexão relacionada a 
legitimação e eficácia do direito penal na tutela do direito desses grupos, uma vez que os 
números da violência contra eles nunca estiveram tão altos. 
Sendo assim, fazendo uso da legislação pertinente, bibliografias e análise de dados de 
fontes abertas, esse trabalho debruçou-se sobre a reflexão crítica acerca da forma pela qual os 
normativos criminais resguardam o direito desses grupos. Sobre a análise de dados, insta dizer 
que uma das limitações deste trabalho se refere ao fato de que, pela amplitude tomada, buscando 
dados nacionais da violência contra os grupos vulneráveis, não foi possível expressar com total 
exatidão o espectro nacional, uma vez que nem todas as secretarias de segurança pública 
estaduais entregaram seus dados na consolidação anual ao Ministério da Justiça. 
Portanto, desta análise crítica-reflexiva, entende-se como perfeitamente plausível a 
atitude do legislador ao criminalizar e até estabelecer penas mais altas para os crimes que 
atentam contra o direito dos vulneráveis. Assim, a criminalização de condutas como a 
homofobia e o racismo, por exemplo, mostra-se bem acertada. Contudo, constata-se pelos 
dados crescentes da violência contra os grupos vulneráveis que a punição, embora necessária, 
tem se revelado ineficaz ao fim que se propõe. 
 
 
129 
 
 
De outra sorte, embora fundamental a atuação dos órgãos que levam a cabo o 
cumprimento da normativa penal, é inconteste que, ao aplica-la, reproduzem o caráter seletivo, 
excludente e desigual que, ao invés de proteger, fomenta mais ainda na mente das pessoas a 
preconcepção do bandido como sendo o negro, o pardo e o imigrante. 
 Em suma, o direito penal, como a última ratio, é legítimo em sua aplicação na defesa 
dos bens jurídicos mais relevantes. Assim, toda conduta que fere direitos humanos merece ser 
criminalizada. Contudo, uma atuação solitária do direito penal, de forma simbólica, sem 
examinar nem refletir sobre a raiz do problema, não passa de política criminal demagoga e 
sem resultados práticos. 
 
7 REFERÊNCIAS 
 
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de Segurança Jurídica: do controle da 
violência à violência do controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. 
 
ANUÁRIO BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Fórum brasileiro de segurança 
pública. ISSN 1983-7364.versão online. Anual. Disponível em: 
<https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-
interativo.pdf>. Acesso em 01 nov. 2020. 
 
BITENCOURT, Cezar Roberto.Tratado de direito penal : parte geral. 17 ed. rev., ampl. e 
atual. São Paulo: Saraiva, 2012. 
 
BRASIL. Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN). Levantamento Nacional de 
Informações Penitenciárias. 2020b. Disponível em: <&lt;https://www.gov.br/depen/pt- 
br/sisdepen&gt>. Acesso em: 20 out. 2020. 
 
BRASIL. Operação Acolhida. Histórico da operação acolhida. 2020a. Disponível em: 
<https://www.gov.br/acolhida/historico/>. Acesso em: 22 out. 2020. 
 
BRASIL. Superior Tribunal Federal. STF enquadra homofobia e transfobia como crimes 
de racismo ao reconhecer omissão legislativa, 2019. Disponível em: < 
 
 
130 
 
 
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/tesesADO26.pdf>. Acesso em: 25 
out. 2020. 
 
CARDOSO, J.G. et al.Direito penal das minorias e dos grupos vulneráveis. São Paulo: 
editora Jus Podivm, 2019. 416 p. 
 
FILHO, Nestor Sampaio Penteado. Manual esquemático de criminologia.10 ed. São Paulo: 
Saraiva Educação, 2020. 296 p. 
 
GIRARDI, Polyana. MPF abre investigação por suspeita de xenofobia em declarações de 
candidatos à Prefeitura de Boa Vista. G1 Roraima. Boa Vista. 09 out. 2020. Disponível em: 
<https://g1.globo.com/rr/roraima/eleicoes/2020/noticia/2020/10/19/mpf-abre-investigacao-
por-suspeita-de-xenofobia-em-declaracoes-de-candidatos-a-prefeitura-de-boa-vista.ghtml>. 
Acesso em: 09 dez. 2020. 
 
KARAM, Maria Lúcia. A esquerda punitiva. In: Discursos Sediciosos: crime, direito e 
sociedade. Blog da Boitempo. 28 jul. 2015. Disponível em: 
<https://blogdaboitempo.com.br/2015/07/28/a-esquerda-punitiva/>. Acesso em: 10 nov. 2020. 
 
MASSON, Cleber Rogério. Direito penal esquematizado - parte geral. 5 ed. rev. e atual. Rio 
de Janeiro: Método, 2011. 
 
SANDEL, Michael J. Justiça - o que é fazer a coisa certa. 26 ed. Rio de Janeiro: Civilização 
brasileira, 2019. 
131 
 
A NEGAÇÃO DE DIREITOS AOS POVOS INDÍGENAS FACE A CONVENIÊNCIA 
E OPORTUNIDADE DA NARRATIVA JURÍDICA: ESTUDO DE CASO 
ENVOLVENDO PESSOA AUTODECLARADA INDÍGENA EM LITÍGIO 
CRIMINAL 
 
 
 
Francisco Alves Gomes1 
 
 
RESUMO 
O presente trabalho busca, mesmo que em um caráter ensaísta, a compreensão da narrativa discursiva presente nas 
entrelinhas de Processos de Apelação Criminal contra decisão de primeira instância, proferidas por Juízes da 
Comarca de Bonfim – RR, em caso atípico envolvendo a pessoa indígena em crime previsto no artigo 217-A, do 
Código Penal – CP brasileiro. Em um primeiro, tem-se em vista o aprimoramento da análise crítica, reflexiva e 
humanista atinente ao conteúdo apreciado na disciplina Direito dos Grupos Vulneráveis e, em consequência, a 
identificação dos sentidos que se impõem a construção das vulnerabilidades no pensamento jurídico formal e 
ocidental, diante das especificidades dos povos indígenas e a busca por direitos individuais e coletivos. 
 
Palavras-chave: Vulnerabilidade, povos indígenas, negação de direitos, perícia antropológica. 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
Trata-se de um estudo de caso de caráter analítico, reflexivo e humanista em torno de 
Processos de Apelação Criminal contra decisão de primeira instância, proferidas pelo Juízo da 
Comarca de Bonfim – RR. Os referidos documentos abordam, em comum, o litígio criminal 
previsto no artigo 217-A, do Código Penal, tendo como réu cidadão autodeclarado indígena, o 
que figura os chamados grupos minoritários2. Objetiva-se, em um primeiro momento, analisar 
os meandros das narrativas e discursos presentes nas entrelinhas dos referidos Processos de 
Apelação Criminal contra decisões de primeira instância. 
De modo geral, parte-se do princípio hipotético de que, via de regra, tais narrativas 
costumam ser utilizadas para justificar a negação da feitura da perícia antropológica por parte 
dos operadores do direito que compõem o Tribunal de Justiça do Estado de Roraima – TJRR, 
 
1 Acadêmico do Curso de Direito da UFRR (francisko_ag@yahoo.com.br). 
2 Para fins deste estudo, minoria refere-se a um grupo humano ou social que esteja em uma situação de 
inferioridade ou subordinação em relação a outro, considerado majoritário ou dominante. Essa posição de 
inferioridade pode ter como fundamento diversos fatores, como socioeconômico, legislativo, psíquico, etário, 
físico, linguístico, de gênero, étnico ou religioso (PAULA, SILVA, BITTAR, 2017, p. 3842). 
132 
 
sobretudo em litígios criminais que tenham com uma das partes indivíduos autodeclarados 
indígenas. Em um segundo momento, busca-se identificar possíveis prevalência à uma lógica 
discursiva assimilacionista e integracionista por parte da Corte, ainda sob a influência do 
paradigma de integração do indígena, logicamente à sobra do Estatuto do Índio, mesmo após a 
primazia da Constituição Federal de 1988 na contemporaneidade. 
Partindo-se dessa perspectiva, analisa-se as jurisprudências em forma de decisões e 
acórdãos originárias do órgão julgador, o Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, consultadas 
em 20 de novembro de 2010, por meio da plataforma “Juris – V.4.1”, depositada no site do 
TJRR. Essa plataforma Juris – 4.1 é interpretado nesta pesquisa como uma “aldeia-arquivo”, 
tal como adotado por Becker, Souza e Oliveira (2013). Desse modo, o presente estudo 
configura-se, em termosmetodológicos, como uma pesquisa etnográfica dos arquivos oficiais, 
em forma de processos. 
O insight intelectual que motivou a execução deste estudo, além da disciplina “Direito 
dos Grupos Vulneráveis”, surgiu na fila de um banco na cidade de Boa Vista-RR. Momento em 
que ouvi, mesmo sem querer, uma conversa entre dois indivíduos, ao aguardar a senha para o 
atendimento. Em tom de indignação, um dos sujeitos emitiu juízo de valor sobre um processo 
cujo alvo referia-se a um homem indígena que se envolveu em uma situação na justiça e fora 
condenado em razão da prática de ato libidinoso com uma menor de quatorze anos. 
No entanto, o mesmo sujeito asseverou que a defesa dos envolvidos havia entrado com 
uma apelação, com a alegação principal fundada na questão cultural, com a justificativa de que, 
depois do primeiro fluxo menstrual, a adolescente indígena já estaria suscetível ao casamento 
e, inclusive, predisposta a vida sexual, independentemente da idade. Em um segundo momento 
da narrativa, em tom de deboche, o sujeito concluiu a sua fala afirmando que os argumentos da 
defesa não deram em nada, pois ficou claro que aquela prática cultural era “lorota” para o 
criminoso se livrar da pena cruel. 
A partir desse relato sucinto, aduz-se que, em princípio, é corriqueiro encontrar decisões 
emitidas pelos diferentes tribunais para denegar, por exemplo, a feitura da perícia antropológico 
a pessoas autodeclaradas indígenas, com a seguinte narrativa: “[...] apesar dos apelantes 
possuírem origens indígenas, eles se mostraram já integrados completamente à sociedade, 
sendo que escrevem e falam a língua portuguesa, possuem como grau de instrução o ensino 
médio, sendo portadores de cédulas de identidade e de cadastro de pessoas físicas [...]”3. 
 
3 Argumentação constante nos autos da Apelação Criminal nº 0000.15.002237-4 - BOA VISTA/RR. 
133 
 
No entanto, essa compreensão acerca da alteridade apresenta-se explicitamente carente 
de fundamentos antropológicos e percepções profundamente equivocadas à luz da teoria social 
contemporânea. Neste aspecto, a negação da perícia antropológica com base em argumentos 
pueris evidencia um campo de pesquisa frutífero e ainda em fase de exploração acadêmica, 
sobretudo em perspectiva antropológica. 
 
2 DA PROBLEMATIZAÇÃO À NARRATIVA COMO FATOR DE NEGAÇÃO DE 
DIREITOS 
 
Silveira (2013, p. 56), já havia sinalizado o grito acadêmico atinente a essa questão da 
negação à perícia antropológica por parte dos juízes brasileiros ao inferir panoramicamente que: 
 
[...] os juízes brasileiros decidem sobre direitos coletivos fundamentais indígenas 
sempre levando em consideração o laudo antropológico, tendo ele como uma prova 
indispensável e apta a guiar o seu juízo de valor; enquanto que nos processos onde 
se discute direito fundamental individual indígena, as mesmas cortes de justiça 
praticamente o dispensam sob alegações das mais variadas matizes e sem 
qualquer critério técnico/científico (GRIFO NOSSO). 
 
A partir desses apontamentos, elucidamos algumas questões norteadoras, as quais 
problematizamos: Quais são as principais alegações apresentadas nos processos criminais 
indígenas em análise? Quais os motivos que levam o Juiz de primeira instância a dispensar um 
laudo técnico para subsidiar a sua decisão? Quais os argumentos e características narrativas 
discursivas oficiais sustentaram a negação da feitura de perícia antropológica por parte dos 
operadores do direito que compõem o Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, nos processos 
criminais onde se discute direito fundamental individual indígena? Quais sãos as fontes do 
direito e os elementos teóricos e epistemológicos utilizados pelos membros da Corte estadual 
para mensurar quem é índio e quem não, em caso de negação da perícia antropológica? 
Essa última questão: “quem é índio e quem não é”, já foi há bastante tempo objeto de 
indagação por parte, inclusive, de Eduardo Viveiros de Castro e ainda hoje repercute, pois como 
se sabe e conforme as suas palavras: “índio não é uma questão de cocar de pena, urucum e arco 
e flecha, algo de aparente e evidente nesse sentido estereotipificante, mas sim uma questão de 
‘estado de espírito’”4, isto é, algo muito mais complexo para se levar em consideração do que 
se ater a uma simples posse de identidade, CNH e celular. Ou seja, não é cabível concluir quem 
 
4 Em carta divulgada amplamente pela internet e encaminhada a Revista Veja, com publicação em 03 de maio de 
2010. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/brasil/no-brasil-todo-mundo-e-indio-exceto-quem-nao-e/>. 
Acesso em 30 jan. 2020. 
134 
 
é e quem não é índio com base nesses critérios superficiais, como o nosso trabalho pretender 
evidenciar a partir de extensas ponderações. 
Nesse contexto, a presente proposta surge a partir de motivações práticas e teóricas. As 
motivações práticas, estão relacionadas as inquietações apontadas acima e as renúncias e 
impedimentos de perícia antropológica em casos criminais envolvendo indígenas no âmbito 
judicial. As motivações teóricas, em síntese, partem da necessidade de analisar as narrativas 
discursivas da Corte roraimense, essencialmente em virtude de Roraima ser o Estado brasileiro 
detentor do maior número de populações indígenas, em termos proporcionais, conforme o censo 
do IBGE de 2010. 
No caso específico de abordagem deste estudo, referimo-nos a “narrativas” aqueles 
discursos e argumentos presentes nas sentenças constantes nos autos dos processos objetos de 
análise de nossa pesquisa antropológica. Essas narrativas jurídicas, apresentadas na forma 
litúrgica da prática ritual forense, típica dos processos criminais, contém em seu cerne os 
elementos necessários para a implementação de uma análise antropológica sobre o tom das 
experiências sociais dos réus indígenas e das diferentes perspectivas individuais e institucionais 
exaradas em desfavor do sujeito, no momento em que o órgão julgador decide por negar a 
presença do perito antropológico para compor de modo auxiliar etapas do processo. 
Clandinin, Connely (2000), Pinnegar e Daynes (2007), compreendem a narrativa tanto 
como um meio de pesquisa, utilizado como instrumento para encontrar uma dada experiência 
passada, presente e vivida ou como um fenômeno de estudo, uma metodologia que atua no 
sentido de colher histórias sobre diferentes temas, possibilitando a quem investiga dada 
realidade ou contexto o alcance do conteúdo necessário para a compreensão de determinado 
acontecimento. 
 
3 AS ESPECIFICIDADES DOS PROCESSOS ANALISADOS E A RESOLUÇÃO Nº 
287, DE 25 DE JUNHO DE 2019 DO CNJ 
 
Sob inspiração metodológica em Becker, Souza e Oliveira (2013), sobretudo, pela 
leitura do artigo “a prevalência da lógica integracionista: negações à perícia antropológica em 
processos criminais do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul”, a aldeia estudada aqui, 
refere-se aos processos judiciais categorizados como decisões pelo discurso nativo êmico 
proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Roraima. 
Nesse documento analisado, encontramos logo de início uma série de similaridades 
narrativas que denunciam a comodidade discursiva, individual ou coletiva, no momento da 
135 
 
fundamentação da negação à perícia antropológica, enquanto direito da pessoa indígena diante 
dos conflitos criminais. Conforme (BECKER, SOUZA E OLIVEIRA, 2013, p. 102-103): 
 
[...] conflitos criminais exigem uma atenção redobrada, devendo o magistrado atentar-
se para a existência da diversidade de valores, toda vez que membros de sociedades 
tradicionais figurarem nos processos. Sugerimos que esse exercício de relativização 
torna ainda mais complexa a tarefa de julgar, não só devido à deficiência de formação 
antropológica nas graduações dos cursos de Direito do Brasil, como também ao fato 
de que certos valores indígenas muitas vezes só se tornam compreendidos por aqueles 
que tenham estudado e convivido com determinadaetnia por um período razoável de 
tempo. 
 
No entanto, contrariando essa orientação predominante pelo lado antropológico, no 
âmbito do direito, a prática jurisprudencial simplesmente adotou como modus operandi a 
negação da perícia antropológica fundando-se, em último caso, nas decisões antigas dos 
tribunais superiores, por mera oportunidade e conveniência ideológica, cujas bases de 
sustentação estão arraigadas no tempo e no espaço do berço esplêndido da lógica 
integracionista, onde não se vislumbra o esforço mínimo de reconhecimento do pluralismo 
jurídico inaugurado pela Constituição brasileira de 1988. 
Conforme Barbosa (2001), essa legitimidade das normas jurídicas do Direito, imposto 
pelo Estado brasileiro em direção as sociedades indígenas, está condicionada à potencialidade 
de discernimento que estas sociedades compreendem como seus direitos peculiares. Em outras 
palavras “[...] para a sociedade indígena e seus indivíduos, a lei do Estado Brasileiro só é 
legítima quando prevê e aplica convenientemente aquilo que a sociedade indígena concebe e 
admite como Direito” (p. 20). Caso contrário, adentra-se nos limites técnicos da imputabilidade 
e inimputabilidade da pessoa indígena, uma vez que a noção de crime, por exemplo, pode variar, 
conforme o nível de adestramento do indivíduo com os limites jurídicos e conceituais da 
sociedade ocidental. 
Diante dessa dupla variedade de percepções acerca de uma mesma prática em contextos 
culturalmente diferentes, a análise sobre “imputabilidade” e “inimputabilidade” por parte do 
Estado deve ser adquirida “com auxílio de uma perícia antropológica, para o fim de dar atenção 
à particularidade de cada caso, ou seja, de cada sujeito indígena e de cada etnia” (BECKER, 
SOUZA E OLIVEIRA, 2013, p. 103). 
Essa orientação é fortemente recomendada por vários e diferentes instrumentos 
normativos, dentre eles, o instrumento mais recente, a Resolução nº 287, de 25 de junho de 
2019 do CNJ. Essa resolução entrou em vigor após 90 (noventa) dias de sua publicação (final 
de outubro), e surge para tratar especificamente sobre os direitos dos povos indígenas no âmbito 
dos processos judiciais. O referido instrumento expõe de modo claro e objetivo as diretrizes e 
136 
 
procedimentos de atuação por parte do judiciário no trato direto ou indireto de pessoas 
indígenas, sejam elas ré, condenadas, em privação de liberdade ou qualquer outra condição ou 
tratamento na esfera criminal no Poder Judiciário. 
Em um primeiro momento, destaca-se a postura do CNJ no trato dessa questão, haja 
vista que em razão da especificidade da matéria, o conselho foi levado a realizar diferentes e 
diversas reuniões com representantes de instituições e de entidades do Sistema de Justiça, do 
Poder Executivo e da sociedade civil que atuam direta ou indiretamente com a temática, 
principalmente como o Ministério Público Federal, a Defensoria Pública da União - DPU, a 
Funai e o Conselho Indigenista Missionário - CIMI, bem como buscaram o diálogo com 
especialistas do próprio Poder Judiciário e do Programa das Nações Unidas para o 
Desenvolvimento - PNUD. 
Em tese, trata-se neste momento de uma resposta do Estado diante da vulnerabilidade 
jurídica dos povos indígenas, enquanto minoria étnica, bem como serve de fundamento para a 
proposta de “imaginação antropológica” que deveria impregnar o pensamento do judiciário 
brasileiro, pois o referido documento desenha a forma como o sistema judicial deve atuar em 
situações onde constem pessoas indígenas acusadas, rés, condenadas ou privadas de liberdade. 
Em resumo, na prática, a Resolução nº 287/2019 impõe aos juízes, defensores públicos 
e promotores de justiça a necessidade de observar todos os aspectos definidos no respectivo ato 
normativo, tais como: o critério da autodeclaração da pessoa indígena, a presença de intérprete 
durante o processo, o auxílio da perícia antropológica para fornecer subsídios para o 
estabelecimento de responsabilidades da pessoa acusada e a adoção ou homologação de práticas 
de resolução de conflitos e de responsabilização de acordo com os costumes e normas da própria 
comunidade indígena. 
 
4 ANÁLISE DAS NARRATIVAS PRESENTES NOS PROCESSOS DE APELAÇÃO: 
EM DEFESA DA IMAGINAÇÃO ANTROPOLÓGICA 
 
De modo geral, constata-se que os discursos jurídicos presentes na fundamentação da 
negação da peça pericial ilustram, mesmo que em parte, um cenário jurídico fincado na década 
de 70 do século passado, para não ir mais longe. Conforme fica demonstrado, as decisões 
judiciais do TJRR, analisadas no âmbito recursal, são fundamentadas a partir de uma narrativa 
jurisprudencial utilizadas para confirmar decisões de primeira instância, de lógica de influência 
quase que messiânica, uma vez que não se vislumbra qualquer resquício ou faísca que evidencie 
137 
 
a vontade de sair do lugar comum de um roteiro jurídico antecipadamente anunciado contra as 
prerrogativas favoráveis a dignidade da pessoa indígena. 
As decisões exaradas no âmbito das apelações criminais envolvendo a pessoa indígena 
sinalizam para uma sentença sem zelo técnico antropológico, por simples desleixo político e 
ideológico, ao adotar por conveniência e oportunidade um fundamento, em tese, mais favorável 
ao padrão de pensamento dominante no meio que habitualmente se vive na prática forense. Agir 
favoravelmente fundando em uma perícia antropológica não condiz, até esse momento, com a 
norma culta predominante no meio jurídico como um todo, com raras exceções. 
Mesmo com a manifesta necessidade de um tratamento penal diferenciado, à luz da 
Constituição Federal de 88 e da Lei nº 6.001/73, dentre outros dispositivos, as pernas da justiça 
continuam amarradas, indispostas a qualquer reação que procure provocar fissuras no 
paradigma dominante que assombra as decisões da Corte roraimense, em processos criminais 
onde uma das partes envolvidas invoque elementos de alteridade. 
Ora, a justiça que não se utiliza de todos os instrumentos legais, conforme a necessidade 
de cada caso, é como um camaleão atrofiado, que não consegue se utilizar de suas capacidades 
de camuflagem para se adequar ao meio e, com isso, se porta igualmente, em todos os cenários 
da fauna e da flora. Em uma sociedade recheada de diversidade, com uma população 
pluriétnica, com um quantitativo de 817.963 pessoas autodeclaradas indígenas, conforme o 
Censo de 2010, do IBGE, ainda não se alcançou o ideal de justiça. O índio continua sendo 
tratado com desprezo, inclusive pela letra da lei, a exemplo dos equívocos teóricos e 
terminológicos presentes no Estatuto do Índio. 
Na própria jurisprudência dos Tribunais Superiores encontramos o ponto de alimentação 
que ressoa pelos corredores das Cortes regionais. Os discursos narrativos que idealizam o índio 
tal como descrito na literatura por José de Alencar são, geralmente, chancelados pelo órgão 
máximo do judiciário brasileiro e reproduzidos nos Tribunais locais sem qualquer 
constrangimento. Pela análise jurisprudencial, as decisões envolvendo a negação da perícia 
antropológica por parte das Cortes superiores desenham o índio com tintas do senso comum, 
ao estabelecer parâmetros e critérios obsoletos e não consagrados pela teoria antropológica 
contemporânea sobre quem é índio e quem não é. 
Quem é o indígena caracterizado pelas Cortes superiores e regionais? É aquele que 
remete a um personagem folclorizado, que acompanha a concepção idílica de um “índio de 
138 
 
cocar de pena, urucum e arco e flecha”, para utilizar as palavras de Viveiros de Castro5. 
Conforme se observa, tem-se a imagem fotografada dos “índios” de 1500, quando da chega dos 
portugueses no que hoje denominamos de Brasil, e essa imagem ficou emoldurada por vários 
séculos e o que se vê hoje é exatamente a mesma imagem, estática, prostrada na parede. 
A partir dessa imagem congelada do ideal de idianidade, constrói-se o “mito do silvícola 
verdadeiro”, esteque anda pelado, com o corpo pintado artesanalmente, que fala um dialeto 
não identificado e que caça, pesca e colhe. Partindo-se desse mito fundante, o órgão julgador 
procede de modo comparativo, com a sagacidade de uma criança no jardim de infância no 
momento em que tem uma imagem atual nas mãos e olha para a parede, instintivamente, para 
comparar com o retrato remasterizado da bisavó. 
Em procedimento análogo, temos a aferição da Corte, quando se depara com um 
processo onde consta nos autos uma das partes como indígena autodeclarado. Instintivamente, 
o responsável pela análise do mérito parece resgatar a fotocópia do “silvícola verdadeiro”, 
proveniente da leitura do texto literário de Pero Vaz de Caminha, para mensurar a validade da 
autodeclaração do sujeito, e negar a sua etnicidade, isto e, a sua condição de indígena, por meio 
de parâmetros fundados no ideal de integração do índio a comunhão nacional, tal como previsto 
no antiquado Estatuto do Índio, sem levar em consideração que muitos dos dispositivos 
presentes nesse instrumento normativo acabaram por se tornar sem sentido prático no contexto 
da teoria antropológica contemporânea, bem como dos instrumentos normativos nacionais e 
internacionais atuais. 
Diante disso, o órgão julgador apresenta-se, em vários momentos, impenetrável frente 
a ameaça atual de mudança de paradigma6, mesmo diante dos esforços da narrativa de defesa 
do réu indígena de demonstrar, em diferentes momentos, que a persecução criminal do Estado 
contra réu autodeclarado indígena deve ser levada a cabo em consonância com as normas 
garantidoras de direito específicos e diferenciados, com fulcro nos artigos 215, caput, § 1º, e 
216, I e II, da CF-88, bem como dos artigos 1º, a e b, e 2º da Convenção nº 169 da OIT, sobre 
povos indígenas e tribais, promulgada pelo Decreto nº 5051/2004 e da Resolução nº 287/2019 
do CNJ. 
 
5 Em carta divulgada amplamente pela internet e encaminhada a Revista Veja, com publicação em 03 de maio de 
2010. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/brasil/no-brasil-todo-mundo-e-indio-exceto-quem-nao-e/>. 
Acesso em 30 jan. 2020. 
6 Nesse ponto, cabe lembrar que, em paralelo as decisões majoritárias em desfavor da dinâmica e da lógica da 
cultura indígena no âmbito criminal, há registros isolados de decisões recursais por parte do TJRR em que o Relator 
anulou o processo de primeira instância que não deferiu o laudo, em razão do cerceamento de defesa. No entanto, 
essa não é a regra imperativa em um contexto de larga presença indígena no Estado. 
139 
 
Tais dispositivos ratificam o respeito à pluralidade étnica e cultural da sociedade 
brasileira, e apontam para um cenário de julgamento adequado, qual seja: a necessária 
intervenção antropológica em todos os atos do processo, destacando que, sem a observância 
dessa formalidade, o julgador não teria como chegar à exata compreensão dos fatos e vice-
versa, cabendo a função do antropólogo a devida compreensão dos aspectos socioculturais de 
determinadas práticas (objetos do processo de acusação), por meio dos aparatos técnicos e 
metodológicos desenvolvidos ao longo do tempo pela antropologia para decodificar o saber 
local de dada população. 
Assim sendo, a inserção do antropólogo, da perícia e do laudo antropológico reforçaria 
no auxílio a essa árdua luta pela busca de garantia de direitos nesse cenário habitado por 
entidades de aparente universo rival. No entanto, constata-se que esse panorama de prevalência 
da lógica integracionista de denegações de perícia antropológica em processos criminais nos 
tribunais só, e somente só, definhar-se-á com uma mudança de postura do judiciário brasileiro, 
a partir da adoção da imaginação antropológica. 
A expressão “imaginação antropológica” refere-se a um neologismo importado da 
sociologia. O termo em sua origem apresenta-se como “imaginação sociológica” (MILLS, 
1972), criado pelo sociólogo norte-americano Charles Wright Mills. O referido teórico buscou 
delinear uma metodologia que unisse a experiência individual do agente a estrutura ideológica 
da instituição social que frequentava e com o seu próprio lugar na narrativa histórica. 
A imaginação antropológica deve ocorrer quando o agente julgador caminha para além 
da oportunidade e da conveniência jurisprudencial e se propõe a pensar e pesquisar outras 
possibilidades de atuação, tendo em mente a pessoa humana e não o processo em si, utilizando-
se de instrumentos legais, mas não convencionais, isto é, fora do círculo da narrativa 
integracionista, como as concepções do mundo do direito para além da visão ocidental 
positivista, bem como os dispositivos nacionais e internacionais relacionados a questão 
indígena. 
A imaginação antropológica configura-se como instrumento metodológico a ser adotado 
pelos agentes públicos, em especial no âmbito dos processos judiciais envolvendo a pessoa 
indígena, sobretudo para fomentar fissuras na forma dominante de se pensar a alteridade, com 
base na ideia estática sobre a identidade e sobre a condição de idianidade do réu, conforme foi 
evidenciado ao logo desse estudo, momento em que vislumbramos de modo repetitivo e 
reiterado, ao longo dos processos analisados, a seguinte expressão de pensamento: “[...] apesar 
de possuir origem indígena, já se mostra integrado à sociedade”. 
140 
 
De acordo com a teoria antropológica contemporânea e em vista de todo um conjunto 
de compromissos normativos assumidos pelo Brasil, no sentido de respeitar os direitos dos 
povos indígenas e garantir o mínimo de dignidade desse grupo étnico, as narrativas utilizadas 
em demasia pelo órgão julgador há de ser contestada. Primeiro que não se pode falar no contexto 
atual em classificações idílicas, tais como se apregoava em alguns dispositivos do Estatuto do 
Índio, pois resta superado essas categorias fundadas no “índio integrado”, “índio em via de 
integração” ou de “índio aculturado”. 
 Em termos antropológicos, à luz da contemporaneidade, só existe uma classificação 
possível no âmbito da etnologia indígena a respeito da condição de índio: ou é índio ou não é. 
Não existe “índio descendente”. Em outras palavras, com a Resolução nº 287/2019 do CNJ, o 
tratamento jurídico da questão indígena por meio das categorias de civilizados, de aculturados 
ou não aculturados, integrados ou em vias de integração deixa de existir ao dar eco aos gritos 
constitucionais contra o paradigma da integração. 
 
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
Uma questão merecedora de consideração concentra-se nos aspectos decisórios dos três 
processos analisados, isto é, tem a ver com a aparente ausência de critérios ou com a presença 
de critérios penais diferentes para casos semelhantes. Percebe-se que todos os casos analisados 
referem-se a estupro de vulnerável, mas com penas bem distintas, emitidas por juízes diferentes, 
isto é, todas as decisões tiveram penas destoantes no contexto geral de parâmetros penais. 
A contento de explanação, nos casos analisados neste trabalho, verifica-se no primeiro 
Processo de Apelação, uma pena de 25 anos, mas o TJRR diminuiu para 7 anos. No segundo 
Processo observa-se uma pena de 21 anos, mais multa de R$ 10 mil. No terceiro caso temos 
uma pena de 10 anos, mais multa de R$ 15 mil. Em outras palavras, a partir dos destaques acima 
evidenciados, desenvolve-se a seguinte questão: é possível encontrar segurança jurídica na 
jurisprudência atinentes a estes casos de estupro de vulnerável praticados por pessoa 
autodeclarado indígena? 
É necessário sepultar de vez a ideia integracionista que ainda insiste no ideal 
civilizatório do “mito do silvícola verdadeiro”. A condição de ser do índio, sua identidade e 
cultura prevalecem na dinâmica das ressignificações interétnicas. A etnicidade indígena não se 
esgota em razão do indivíduo “falar bem o português”, “ter frequentado a escola”, “possuir 
carteira de habilitação”, “ser portador de cédula de identidade” e de“cadastro de pessoa física”, 
da mesma forma que a identidade étnica do venezuelano não se esvai pelo fato de o cidadão 
141 
 
venezuelano aprender a falar a língua portuguesa, “se vestir como brasileiro”, ou utilizar gírias 
tipicamente roraimense, dentre outros. Esse é um princípio antropológico primário. 
Dessa forma, esse pressuposto de identidade essencialista, exarado nos autos dos 
processos para negar direitos ao réu indígena, deve ser excomungado da narrativa dominante 
presente na Corte roraimense e, doravante, dos tribunais Brasil à fora, em consonância, 
sobretudo, com o instrumento mais atual emitido pelo CNJ: a Resolução nº 287/2019, que 
estabelece procedimentos ao tratamento das pessoas indígenas acusadas, rés, condenadas ou 
privadas de liberdade, e dá diretrizes para assegurar os direitos dessa população no âmbito 
criminal do Poder Judiciário. 
Nesse cenário, urge a aferição doutrinária de que esse arsenal de dispositivos jurídicos 
e normativos em defesa da garantia de direitos dos povos indígenas cumpre a prerrogativa 
dialética de superar a tese fundada na narrativa integracionista no meio jurídico, com base no 
esforço de direcionar ao índio um conjunto de normas fundadas no paradigma da interação, 
partindo-se do pressuposto de que o índio, diante de sua cultura e estilo de vida sui generis 
representa uma nação singular dentro do contexto do Estado brasileiro, ainda que o país esteja 
alicerçado nos moldes políticos típico do Estado Nacional. 
 
6 REFERÊNCIAS 
 
BARBOSA, Marco Antônio. Direito Antropológico e Terras Indígenas no Brasil. São 
Paulo, Plêiade/Fapesp, 2001. 
BECKER, Simone; SOUZA, Olivia Carla Neves de.; OLIVEIRA Jorge Eremites de. A 
prevalência da lógica integracionista: negações à perícia antropológica em processos criminais 
do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul. Etnográfica, vol. 17 (1) | 2013, 97-120. 
BRASIL. Código de Penal Brasileiro. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. 
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. 
Acesso em: 28 out. 2020. 
______. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. 
______. Convenção no 169 da OIT, de 07 de junho de 1989. Sobre Povos Indígenas e 
Tribais. 
______. Decreto Federal nº 5.051 de 19 de abril de 2004. Promulga a Convenção no 169 da 
Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais. 
______. Lei n. 6.001, de 19 de dezembro de 1973. Dispõe sobre o Estatuto do Índio. 
142 
 
______. Resolução nº 287, de 25 de junho de 2019 do CNJ. Estabelece procedimentos ao 
tratamento das pessoas indígenas acusadas, rés, condenadas ou privadas de liberdade, e dá 
diretrizes para assegurar os direitos dessa população no âmbito criminal do Poder Judiciário. 
CLANDININ, D. J.; CONNELLY, F. M. Narrative inquiry: experience and story in 
qualitative research. San Francisco: Jossey-Bass, 2000. 
MILLS, Charles Wright. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1972. 
PAULA, Carlos Eduardo Artiaga; SILVA, Ana Paula da; BITTAR, Cléria Maria Lôbo. 
Vulnerabilidade legislativa de grupos minoritários. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 
22, n. 12, p. 3841-3848, dez. 2017. Disponível em: 
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
81232017021203841&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 27 nov. 2020. 
PINNEGAR, S.; J. G. DAYNES. Locating narrative inquiry historically. In.: CLANDININ, D. 
J. Handbook of narrative inquiry: mapping a methodology. Thousand Oaks, London, New 
Delhi: Sage, 2007. 
SILVEIRA, Edson Damas da. Perícia antropologia como direito fundamental indígena à 
ampla defesa nos casos de crimes contra a dignidade sexual. Dissertação (mestrado) - 
Universidade Federal de Pernambuco, CFCH. Programa de Pós-Graduação em Antropologia. 
Bibliotecária, Divonete Tenório Ferraz Gominho. Recife, 2013. 
143 
 
EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: A LUTA PELO DIREITO A UMA EDUCAÇÃO 
ESPECÍFICA E DIFERENCIADA 
 
 
Mávera Teixeira dos Santos1 
 
 
RESUMO 
A presente pesquisa busca refletir a educação escolar indígena e a luta das organizações e dos povos indígenas 
por uma educação específica e diferenciada. Objetivo é compreender como esses povos indígenas distintos, 
buscaram articular uma mesma pauta de reivindicação, buscando ainda nos dias atuais a efetivação dos direitos 
reivindicados a diferença e especificidade. A metodologia utilizada para realização da pesquisa foram 
levantamento bibliográfico sobre educação escolar indígena, legislação indígena, artigos e periódicos que 
discutem e abordem a especificidade dos povos indígenas. Passando mais de trinta anos da promulgação da 
Constituição Federal, percebe- se a importância de um debate sobre os termos “educação diferenciada e 
específica”, a pergunta que se faz é esses termos surgem dos movimentos indígenas ou é incorporado pelos 
colaboradores, que auxiliaram e somou juntamente com os povos indígenas na luta pela busca de direitos e 
posteriormente a conquista deles. Para tanto abordaremos o contexto histórico das pautas levantadas pelo 
movimento indígena a partir de 1970, as principais conquistas históricas desde a promulgação da Constituição, 
bem como apontaremos algumas legislações marcantes que valoram essa luta dos povos indígenas no Brasil e 
como isso afeta positivamente a sociedade brasileira já que os povos indígenas estiveram à margem da história 
oficial por séculos. 
 
Palavras-chave: Povos Indígenas; Direito Indígena; Educação Escolar Indígena. 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
A presente pesquisa busca refletir a educação escolar indígena a partir da premissa que 
a educação é um principio fundamental da vida humana. Neste sentido buscamos trabalhar 
com a interdisciplinaridade com estudos da antropologia, história e direito para pensar os 
movimentos sociais e também a conquistas de direitos buscadas pelos povos indígenas. 
 A reflexão parte das aulas sobre “direitos dos grupos vulneráveis”, que ao longo do 
semestre discutiu temas sensíveis, conceitos esses que nos fizeram pensar como sujeitos de 
direitos e pensar a leis positivadas desde o contexto do conceituado de direitos humanos. A se 
refletir também sobre questões de educação voltada aos povos vulneráveis e como isso ganha 
espaço nas leis internacionais a partir do pós-guerra. 
 Diante dessas reflexões no primeiro momento buscamos nas ciências humanas a 
interdisciplinaridade, para dar suporte histórico e social bem como reconhecer a importância 
 
1 Acadêmica de Direito da Universidade Federal de Roraima (mavera.bv15@hotmail.com). 
144 
 
de ambas na produção cientifica e nas reflexões sobre a sociedade. A metodologia utilizada 
foi de dissertações, artigos sobre legislação indígena, bem como leituras sobre os princípios 
básicos de educação e a história dos povos indígenas. 
 Com textos voltados mais para a interculturalidade suscitamos a igualdade da luta dos 
povos indígenas juntamente com os colaboradores, por uma educação plural, demonstrando 
pela lei positivada a busca pela reparação histórica tanto em níveis internacionais refletindo 
nas legislações nacionais. Mas levantando também a importância do reconhecimento da luta 
dos povos indígenas e a concretização de suas demandas, pois pouco se aborda ainda nas 
ciências jurídicas essa questão. 
 
2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA 
 
Conforme Baruffi e Rauber (2009) a educação é compreendida como um direito 
fundamental da humanidade, nesta perspectiva é um elemento essencial para a humanização 
do homem, princípio universal reconhecido nas cartas internacionais, foi positivado na Carta 
Magna - Constituição Imperial de 1824 – nos seguintes termos “a instrução primária é gratuita 
a todos os cidadãos” (art. 179, XXXII) e reiterado na Constituição de 1988 como “direito de 
todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da 
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,seu preparo para o exercício da 
cidadania e sua qualificação para o trabalho” (art. 205). 
No entanto é interessante compreender o aspecto histórico da construção do atual 
debate sobre a educação escolar indígena e a luta por essa demanda. No primeiro momento 
cabe ressaltar que a educação foi implementada pelo estado e pela igreja aos povos indígenas 
de maneira impositiva, o que se entende pelos pesquisadores da área como uma educação 
colonizadora. 
A educação escolar oferecida aos povos indígenas durante séculos sempre teve como 
objetivo a integração do índio à sociedade nacional, sem respeito às diferenças culturais e 
linguísticas. Vale ressaltar que as experiências históricas da educação escolar e seus objetivos 
estiveram pautados numa perspectiva integracionista no primeiro momento. (BONIN, 2012; 
LUCIANO, 2012) 
Ainda Luciano (2012) retrata que a implantação das primeiras escolas nas 
comunidades indígenas no Brasil é contemporânea e que representa atualmente a 
consolidação empreendimento colonial. Para o autor a dominação política dos povos 
indígenas, a invasão de suas terras, a destruição de suas riquezas e a extinção de sua cultura 
145 
 
tem sido desde o inicio do século XVI o resultado de práticas que sempre souberam aliar 
métodos de controle político a atividade escolar civilizatória. 
 
[...] podemos identificar quatro principais etapas no desenvolvimento da educação 
escolar indígena. A primeira se desenvolve do período colonial até as primeiras 
décadas do século XX e pode ser caracterizada por uma violência etnocêntrica 
explícita de imposição da cultura hegemônica sobre as populações indígenas. 
Eliminar o “outro” foi a tônica do período colonial e a partir das primeiras décadas 
do século XX essa eliminação se configura de outra forma: a “assimilação”. Base de 
construção da homogeneidade requerida pelos estados nacionais modernos 
(CANDAU; RUSSO, 2010, p. 155). 
 
A proposta da “assimilação” serve como um “motor de desenvolvimento comunitário” 
onde, através de explicações dadas na língua materna, à criança conseguiria entender muito 
melhor e transmitir para os pais os conceitos e valores da cultura nacional. Com esse objetivo 
a SIL ajudou nessa transição sistematizando e transcrevendo as línguas indígenas, que foram 
fundamentais para a escrita e influenciar posteriormente nas políticas educativas (CANDAU; 
RUSSO, 2010). 
 Essa proposta foi sendo implantada junto às escolas que foram fundadas nas 
comunidades indígenas, tanto que atingiu fortemente a política educacional no período de 
1960 a 1980. Vale ressaltar que neste período o Brasil estava sendo governado por militares 
que compartilhavam com a mesma ideologia da SIL (Summer Institute of Linguistics) 
implantando assim um sistema de ensino de língua indígena que contribuiu historicamente 
para desvalorização das línguas indígenas na América Latina (D’ANGELIS, 2012). 
 Quando falamos que a SIL contribuiu para desvalorização da língua indígena 
queremos levar ao debate o fato de que o papel da tradução da língua era justamente para 
introduzir nas comunidades o domínio da língua nacional e com isto outros aspectos da 
mudança de vida das sociedades indígenas. 
 Para D’ Angelis, (2012) a SIL agia em consonância com a FUNAI com o interesse de 
abreviar no máximo as línguas indígenas, o que acarretou segundo o autor o aceleramento de 
perdas linguísticas a partir da década de 1970, alimentada por essa escola oficial. 
 Vale dizer que esses estudos citados são de autores críticos aos modelos de educação 
oferecidos pelo sistema aos povos indígenas, buscando assim uma interdisciplinaridade para 
compreendermos posteriormente a luta dos movimentos sociais por educação reivindicada 
pelos povos indígenas e para os povos indígenas. 
 
2.1 Movimentos indígenas e educação escolar indígena 
 
146 
 
A ruptura com o paradigma assimilacionista ocorre com a promulgação da 
Constituição de 1988, que pela primeira vez implementa formalmente no país, uma nova 
proposta de relacionamento entre o Estado e seus cidadãos indígenas. Através da União das 
Nações Indígenas (UNI), uma nova visão foi inaugurada com a Constituição de 1988, a qual 
declarou "todos são iguais perante a Lei, sem distinções de qualquer natureza" reconhecendo 
a pluralidade do povo brasileiro. (CAVALHEIRO; WENCZNOVICZ, 2013) 
Essa conquista dos povos indígenas por direitos obtidos via Constituição Federal, 
incluindo o direito à posse da terra habitada tradicionalmente e a preservação das suas 
culturas custou à luta dos movimentos indígenas e colaboradores. O Estado brasileiro se ver 
num impasse de reconhecer direitos que lhes foram negados durante séculos, principalmente o 
direito a diferença. 
Entretanto, conforme Cavalheiro e Wencznovicz (2013) o Estatuto do Índio e a 
Constituição Federal entraram em conflito em aspectos doutrinais e se tornaram 
imediatamente polêmicos, e a regulamentação das normas secundárias não evoluiu conforme 
as demandas do grupo. Acresce-se a isso que o regime de tutela, à qual os nativos estão 
formalmente sujeitos pelo Estado, como definido no Estatuto está em conflito com aquele 
expresso no Código Civil. 
 
Existe disputa sobre o que quer dizer "terras tradicionais", sobre o significado de 
etnia, e a controvérsia permanece acesa em torno de vários outros conceitos 
fundamentais. Dentre as transformações desse período, o surgimento da FUNAI, 
órgão existente até hoje, é sem dúvida algo bastante relevante, posto que ao 
substituir o espaço ocupado pelo SPI, ela passa a ser o órgão responsável para lidar 
com a temática indígena no país e tem como uma de suas principais finalidades 
proteger e promover os direitos dos povos indígenas (conforme o Decreto nº 
7056/2009) (CAVALHEIRO; WENCZNOVICZ , 2013, p. 11). 
 
 Cabe ressaltar também como uma conquista de direitos os novos instrumentos 
internacionais, como a convenção 169 da OIT (de 1989) e a Declaração dos Direitos dos 
Povos Indígenas, baseados em revisão, operada nos anos de 1970 e, sobretudo de 1980, das 
noções de progresso, desenvolvimento, integração e discriminação ou racismo. (CUNHA, 
2012, p. 129). 
 Em relação à educação escolar indígena, se insere nesta luta em conjunto com as 
manifestações pela redemocratização do país, o movimento indígena se mobilizava para a 
garantia da educação especifica e diferenciada pautada nas matrizes étnicas e culturais. 
 Em resultado as demandas do movimento, temos espaços nas legislações pós à 
promulgação da Constituição de 1988. “A exemplo, podemos citar os artigos 210, 215, 231 e 
147 
 
232 que tratam especificamente da educação Escolar e Cultura Indígena” (CAVALHEIRO; 
WENCZNOVICZ, 2013, p. 12). 
No entanto cabe ressaltar que a educação escolar indígena é vista pelo movimento 
indígena como uma conquista dos povos indígenas para os povos indígenas, visto que em 
alguns textos de juristas com outras teorias normativas do direito apontam como um dever ou 
cumprimento da “pressão internacional”, visto que na realidade e nas manifestações os povos 
buscaram de fato ao que chamam de “agência”. 
Agenciaram juntamente com as organizações não governamentais, colaboradores 
indigenistas, a igreja e tantos outros parceiros. Autores como Luciano (2011) apontam 
questões relacionadas a isso a busca pela direito diferença bem como a atenção da legislação 
voltada aos povos indígenas. 
 
Na década de 90, a educação escolar indígena fundamentada em ações práticas que 
decorriam de décadas anteriores, caracterizava-se pelo fortalecimento do Movimento 
Indígena. Os povos indígenas como protagonistas de sua história passaram a 
reivindicar direitos, entre eles a educação indígena específica e diferenciada. O 
Movimento dos Professores Indígenas realizaram encontros em diversas regiões do 
Brasil e nesses espaços coletivos eram e continuam sendo pensados princípios e 
diretrizes para as escolas indígenas. (VALENTINI, 2009, p. 10) 
 
Nestesentido não foi só o Estado brasileiro cumprindo normas internacionais, mas sim 
buscando atender as demandas da sociedade brasileira, isso nos traz a reflexão de Ihering no 
tópico “Aluta pelo direito na esfera social”, o autor diz: “A luta pelo direito é, pois, ao mesmo 
tempo uma luta pela lei; não se trata somente de um interesse pessoal, de um fato isolado em 
que ela toma corpo de daguerreotipo, como já dissemos [...]” (IHERING, 2009, p. 42). 
Demonstra também que a luta levando em conta a esfera social da sociedade brasileira 
tanto que demonstraremos no próximo tópico as leis elencadas, reflexo da luta pelo direito. 
 
2.2 Legislação e ações governamentais 
 
Conforme a leitura e o debate sobre o tema fica explicito que as leis elencadas 
mudaram o cenário indígena no Brasil em busca de reconhecer a pluralidade do povo 
brasileiro. Neste sentindo apontaremos algumas medidas desde a promulgação da 
Constituição Federal de 1988. 
Para Valentini (2009) a partir da década de 1980 várias comunidades indígenas, 
participantes de Movimentos Indígenas, se multiplicaram em diferentes locais e passaram a 
considerar a possibilidade de reversão do processo de escolarização, tornando a escola uma 
instituição com condições de fortalecimento cultural e político das comunidades. 
148 
 
Ou seja, com as novas perspectivas colocadas pela Constituição de 1988, estas se 
transformaram em novas possibilidades e constituição de um novo momento da história da 
educação escolar indígena, muda- se o cenário anteriormente citado se sujeição a políticas 
“assimiliacionista” a se pensar a interculturalidade e valorização da história dos povos 
indígenas. 
Ainda conforme Valentini (2009) a Legislação Federal referente à Educação Escolar 
Indígena começa a ser aprimorada na década de 1990 até os dias atuais. A autora lembra que 
cada Estado possui uma legislação própria que, em princípio, deve seguir os fundamentos 
legais e conceituais da Legislação Federal. Nesse sentido, parece importante destacar alguns 
dipositivos da legislação federal referente Educação escolar Indígena: Constituição Federal 
(1988): arts. 210, 215 e 231; .Decreto 26/1991; .Lei de Diretrizes e Bases da Educação 
Nacional (LDB); Lei 9.394, de 20/12/1996, arts. 23, 24, 78 e 79; Referencial Curricular 
Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI – 1998); .Parecer 14/99 Diretrizes Curriculares 
Nacionais da Educação Escolar Indígena (1999); Resolução CEB 03/99; Plano Nacional de 
Educação (2001) e Referenciais para a Formação de Professores Indígenas (2001). 
Desse ponto vista não apenas elencamos as leis que regulamentam a educação, mas 
queremos demostrar à mudança também da força da luta dos povos indígenas, a se pensar 
uma educação que valorize as condições sociais e culturais de cada povo, neste sentido 
demonstrar também que a história pode ser vista de vários pontos de vista, essas leis deram 
força as demandas reivindicadas pelo movimento indígena. Vale lembrar que estamos numa 
reflexão não só sobre a legislação listada e posta em si, mas de demostrar o avanço do direito 
em prol dos povos marginalizados da história a se pensar as ações governamentais a partir 
dessas premissas. 
 
3 CONCLUSÃO 
 
A presente reflexão sobre a temática da educação escolar indígena e seus princípios 
fundamentais como dito no inicio do texto, suscitaram no primeiro momento a relação da 
história com o direito e sua evolução no tempo e no espaço. Para num segundo momento 
ressaltar a importância da luta dos povos indígenas para elencar na constituição federal 
questões de reconhecimento como um povo capaz de pensar por si juntamente com a 
sociedade envolvente. 
Neste sentindo elencamos um debate da importância que se tem em toda sociedade 
brasileira levando em contas as leis estabelecidas de reconhecimento da pluralidade do povo 
149 
 
brasileiro, e as leis que dão subsídios na luta contra o preconceito o racismo, as desigualdades 
sociais e econômicas respeitando a cultura e os modos de viver dos povos indígenas. 
Para tanto é importante destacar que esse foi um ensaio voltado a algumas questões, 
pois ainda serão discutidos posteriormente num estudo aprofundado, sobre os direitos 
indígenas relacionados à educação e a questão dos termos utilizados pelos povos indígenas em 
busca de direitos como, por exemplo, os termos: “especifico e diferenciado”. 
Nos dias atuais a partir das legislações postas, os povos indígenas juntamente com 
colaboradores e os movimentos sociais conquistaram direitos a ações afirmativas, vestibulares 
específicos para indígenas, seleções de bolsas de mestrados e pesquisas disputados entre os 
próprios indígenas. Atualmente continua- se a luta pela efetividade e a mudança de algumas 
legislações que ainda em seu principio demostram questões voltadas a “integração”, 
“evolução” dos povos indígenas. 
Essas questões são profundas e suscitam de um outro olhar e pesquisa mais apurada 
para discussão, mas só de discutirmos a educação em si, percebemos o avanço voltado ao 
reconhecimento, ao respeito a igualdade e equidade entre os povos, no combate ao racismo e 
ao preconceito princípios estes claros na Constituição Federal brasileira. 
 
4 REFERÊNCIAS 
 
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151 
 
PANDEMIA DE COVID-19 E FECHAMENTO DA FRONTEIRA BRASIL-
VENEZUELA MEDIDAS FRENTE À PAMDEMIA E CONSEQUÊNCIAS PARA OS 
REFUGIADOS 
 
 
Merian Pereira da Silva1 
Nataliene Cavalcante Rodrigues2 
Sandro Rafael da Fonseca Pinto3 
 
 
RESUMO 
No final do ano de 2019 surgiu na cidade de Wuhan na China um novo coronavírus: o Covid-19, doença infecciosa 
quepassou a se espalhar pelo mundo e causar muitas mortes, que posteriormente culminou em uma pandemia 
trazendo consequências sociais, econômicas ao redor do mundo, a pandemia atingiu com mais impacto as pessoas 
que se encontram em situação de extrema vulnerabilidade, é o caso do imigrantes e refugiados. De fato, crises 
políticas, econômicas e sociais ao redor do mundo tem causado grandes movimentos migratórios nos últimos anos. 
Neste artigo analisaremos como as medidas e políticas públicas adotadas pelo governo brasileiro afetaram os 
refugiados no Brasil, especificamente os que fugiram da crise na Venezuela e estão residindo em Roraima. Com 
intenção de demonstrar como as decisões governamentais afetam os mais vulneráveis, mesmo que isso tenha 
justificativa de conter a disseminação de um vírus que tem se mostrado ameaçador como o Covid-19. Para 
subsidiar o estudo realizou-se pesquisa exploratória de cunho bibliográfico em notícias, artigos, livros e notas 
técnicas e dados disponibilizados na internet. Além da introdução e considerações finais, realizou-se em primeiro 
plano uma análise do contexto histórico dos direitos humanos ligados à imigração venezuelana e em seguida como 
alguns aspectos da Covid-19 e as medidas para evitar a proliferação do vírus juntamente com suas possíveis 
consequências aos imigrantes e refugiados. Por fim, uma análise da questão fronteiriça com o fim de compreender 
especificamente como a viabilidade jurídica em relação ao fechamento da fronteira notadamente em relação aos 
direitos dos refugiados. 
 
Palavras-chave: Direitos Humanos, Vulnerabilidade, Refugiados, Covid-19. 
 
 
 
 
1 Discente do curso de Direito da UFRR. E-mail: meryanrr@gmail.com 
2 Discente do curso de Direito da UFRR. E-mail: nataliene_cavalcante@outlook.com 
3 Discente do curso de Direito da UFRR. E-mail: sandrorafopi@gmail.com 
mailto:sandrorafopi@gmail.com
152 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
Para iniciarmos a discussão proposta nesse artigo, devemos compreender o conceito de 
imigrante e migrante. O primeiro, de forma geral, é aquele que escolhe deslocar-se de seu país 
de origem para outro por diversos motivos como, por exemplo, o objetivo de trabalhar ou 
estudar. O segundo é aquele que migra de forma forçada por questões internas ou externas, 
geralmente por perseguições, conflitos ou questões de violações de direitos humanos. 
A necessidade de compreender a diferença desses tipos de realidade é que em cada caso 
exigem demandas e necessidades diferentes. Ademais, dependendo da situação do indivíduo 
ele possui direitos e deveres diferentes. Diante disso, devido a essas diversidades, os tratados 
internacionais e as leis que vigoram para cada realidade são diversos. 
O Brasil, nos últimos anos tem recebido imigrantes e refugiados vindos da Venezuela. 
Essa realidade é observada devido a questões políticas, econômicas e humanitárias vivenciadas 
por aquela população. Devido às características dessa migração, grande parte dessa comunidade 
que adentrou no Brasil recebeu o reconhecimento da condição de refugiado. 
O elevado número de indivíduos que adentraram no país e a alta concentração deles no 
estado de Roraima geraram uma crise migratória. O estado não estava preparado para receber 
de forma digna essas pessoas. Dessa forma, devido a situação de refúgio somando por questões 
de saúde, alimentação, segurança, trabalho e todos os âmbitos que norteiam a vida do ser 
humano levou essa população de imigrantes para uma situação de grande vulnerabilidade. 
Diante desse cenário, é necessário compreender as questões históricas relacionadas aos 
direitos humanos que provocaram a compreensão dos direitos aos imigrantes. Devido a 
pandemia do COVID-19 a situação de vulnerabilidade desses indivíduos foram acentuadas haja 
vista que não foram todos que possuíam condições de efetivar as medidas de segurança 
sanitárias divulgadas pelos órgão de saúde. Outrossim, a questão da constitucionalidade 
relacionada ao fechamento das fronteiras foi um tema bastante discutido nesse contexto. 
 
2 CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA IDEIA DE DIREITOS HUMANOS 
RELACIONADOS AOS REFUGIADOS 
 
O processo histórico de construção da ideia de direitos humanos foi longo. Podemos 
classificá-los, hoje, em direitos civis, políticos e sociais. Todavia, nas monarquias antigas o rei 
detinha poder de confiscar bens e sobre, até mesmo, a vida dos seus súditos. 
153 
 
No século XVIII, onde a burguesia surge com mais poder e influência, inaugura-se o 
momento que foi denominado de Iluminismo, onde a liberdade e as garantias individuais foram 
valorizadas e requeridas pela população. Ademais, ideais de que o ser humano detinha direitos 
naturais e que o Estado não poderia interferir neles. Dessa forma, ocorre também o princípio 
do entendimento de que todos são juridicamente iguais. 
Marcos históricos foram relevantes como a Independência Americana e a Revolução 
Francesa mobilizou grande parte da população desses países para assumir um papel de combate 
que visava alcançar direitos básicos. Esses processos geraram o entendimento que o rei não é 
um ser sobrenatural que deve ser obedecido de forma irrestrita. Outrossim, as teorias de 
Montesquieu de que o Estado deveria ser dividido em três pilares sendo eles o legislativo, 
executivo e judiciário ganham força. 
Na revolução industrial, houve o momento em que os operários visando melhores 
condições de trabalho lutaram para que garantias mínimas fossem adquiridas. Todavia, a luta 
por direitos é incessante haja vista que a todo momento em alguma parte do mundo ele é 
questionado. Esses foram momentos marcantes das lutas e das conquistas iniciais por direitos 
mínimos e da compreensão de direitos humanos. 
A luta por direitos é incessante tendo em vista que há grande desequilíbrio na 
representatividade e por ocorrer a perpetuação das mesmas classes no poder político e social. 
Diante desse cenário, existem muitos grupos que ficam em condições de vulnerabilidade social, 
por terem seus direitos negligenciados ou por sofrerem discriminações. 
A Declaração dos Direitos do homem e do cidadão com publicação em 1789 é um marco 
na compreensão da universalização de direitos básicos dos indivíduos. As complicações 
decorrentes das guerras mundiais e das terríveis violações de direitos desse momento gerou a 
necessidade das autoridades internacionais se reunirem e discutirem novamente, quais seriam 
os direitos inalienáveis e invioláveis. Desse modo, surge a Declaração Universal dos Direitos 
Humanos que busca limita quais seriam esses direitos que foi adotada pela Organização das 
Nações Unidas (ONU) em 1948. 
Quando se discute a questão do refugiado, na maioria dos casos, a vida desse indivíduo 
está sendo perseguida. Dessa forma, visualiza-se diversas violações de direitos. Receber esses 
indivíduos e possibilitar garantias mínimas de dignidade é uma questão de humanidade. 
O Brasil reconheceu como refugiados mais de 45 mil venezuelanos. Tornando-se o país 
como o maior número de venezuelanos refugiados na América Latina segundo dados 
disponibilizados pela que é a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR). Todavia, segundo 
154 
 
estimativas das autoridades nacionais mais de 260 mil venezuelanos residem no país que 
migraram por diversos motivos, mas principalmente por questões econômicas e políticas. 
Diante desse quadro, urge a necessidade de criar mecanismos de incorporação desses 
indivíduos no mercado de trabalho e de estudar formas de garantir dignidades para esse 
população migrante. Além disso, esclarecer a população a situação vivenciada por eles para que 
situações de hostilidade, como já ocorridas, não sejam recorrentes. 
No âmbito internacional a ONU no ano de 1951 adotou o Estatuto dos Refugiados e 
Apátridas. Ele apresentou um conceito de quem seriam as pessoas consideradas refugiadas e 
detentoras de proteções em outros países. Em 1984, com a Declaração de Cartagena houve 
maior compreensão e reconhecimentodos desafios enfrentados por aqueles considerados 
refugiados. Ademais, essa declaração amplia a definição adotada no ano de 1951 de refugiado. 
No Brasil, o Programa Nacional de Direitos Humanos inaugurado em 1996 visava 
observar quais seriam os obstáculos que o país enfrentava em garantir os direitos humanos e 
identificar as prioridades. No ano seguinte, em 1997, foi aprovada a Lei do Refugiado (Lei nº 
9.474/1997) que foi elogiada como legislação inovadora para época. Todavia, segundo 
pensadores contemporâneos essa lei necessita de maior amplitude e complexidade para a 
realidade vivenciada na hoje. 
 
3 AGRAVANTES PARA OS REFUGIADOS RELACIONADAS ÀS POLÍTICAS 
PÚBLICAS E O COVID 19 
 
No mês de dezembro de 2019 o governo Chinês anunciou publicamente que uma doença 
de origem desconhecida estava se espalhando entre as pessoas. Rapidamente com o fluxo de 
pessoas que passavam pelo país e os países próximos de modo que a doença foi se espalhando. 
Sendo que depois de alguns meses já estava presente em diversos países. Essa doença passou a 
ser conhecida como COVID-19. 
Causada pelo coronavírus SARS-COV-2, caracteriza-se como uma doença “que 
apresenta um espectro clínico variando de infecções assintomáticas a quadros graves (BRASIL, 
2020), a maioria das pessoas que são infectadas pelo vírus apresentam casos leves, a minoria 
deles apresentam casos graves em especial são pessoas com doenças crônicas e idosos. 
Em fevereiro de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) para muito alto o nível 
de disseminação do coronavírus, nesse momento vários países estavam lidando com a epidemia 
do vírus (EBC, 2020a). No dia 11 de março de 2019, em Genebra a OMS caracterizou a Covid-
155 
 
19 oficialmente como uma pandemia. No pronunciamento foi informado existirem mais de 118 
mil casos em 114 países e 4,2 mil mortes. (OPAS,2020a) 
De fato, a disseminação do coronavírus foi extremamente rápida entre os países na e 
Ásia e Europa, e em outros países do mundo não foi diferente. Segundo a folha informativa 
COVID-19 do Escritório da Organização Pan-Americana da Saúde e da OMS Brasil até 27 de 
Novembro de 2020 haviam 60.524.526 casos confirmados de Covid-19 e 1.426.101 mortes. 
Nas Américas até a mesma data de 27 de novembro de 2020 são 25.552.814 infectados e 
711.358 mortes. (OPAS, 2020b) 
No Brasil o primeiro caso registrado do novo coronavírus foi em 26 de fevereiro de 
2020, um brasileiro de 61 anos, morador de São Paulo, acabara de chegar da Itália e começou 
a demonstrar os sintomas, após exames clínicos a infecção foi confirmada. (EBC, 2020b) Após 
isso novos casos foram aparecendo, primeiro em São Paulo e depois em outras cidades do país. 
No mês de outubro do mesmo ano o Ministério da Saúde registrava 154.176 mortes por causa 
da doença e 5.235.344 casos (EL PAÍS, 2020). 
Como ver-se o crescimento dos casos e de mortes ao redor do mundo, na américa e no 
brasil mostrou-se extremamente rápido, com potencial de transmissão do vírus extremamente 
alto em algumas regiões. Para conter a disseminação do vírus, os países ao redor do mundo 
tomaram as medidas que jugarem adequadas para a situação. Mas a resposta rápida do governo, 
preparo antes da disseminação do vírus se faz imperiosa, países como China, Taiwan e Coreia 
do Sul agiram desde o começo como se a pandemia já estivesse instalada, enquanto alguns 
países da Europa e Estados Unidos agiram tardiamente (PÊGO, Bolívar et al., 2020, p. 08). 
Analisar as políticas públicas e decisões tomadas pelo governo em meio a pandemia da 
Covid-19 importa depreender os impactos delas na população em geral e em especial nos grupos 
minoritários possivelmente são mais afetados. De fato, as políticas públicas são intrínsecas a 
aplicação dos direitos humanos pois “cabe ao Estado a garantia de condições para que as 
políticas públicas sejam plenamente executadas” (SAVY, 2018, p. 5). 
As políticas públicas são um meio para que o governo tome iniciativa mais correta para 
a solução de um problema público, que é o caso da pandemia do Covid-19. Analisaremos a 
frente sem contudo esgotar as questões sobre o tema algumas medidas tomadas pelo governo 
brasileiro em âmbito nacional e estadual com o fim de diminuir os impactos da pandemia. 
Com a determinação por parte do governo de fechamento dos comércios para evitar 
circulação de pessoas muitos ficaram sem renda, alguns foram demitidos, e outros que já viviam 
da informalidade sentiram-se especialmente impactados. 
156 
 
Entre as medidas econômicas previstas e tomadas pelo governo estão adiamento do 
recolhimento de impostos como o simples nacional e redução de outros impostos e liberação de 
5 bilhões pelo Programa de Geração de Renda. (BRASIL, 2020c). As medidas fiscais 
econômicas além de dar auxilio já nesse momento de combate a pandemia refletirá nas questões 
econômicas futuras pós-pandêmica. Com fechamento do comércio foram mantidos os serviços 
essenciais em funcionamento, isto inclui farmácias, comércios e outros indispensáveis à 
população. 
Além disso, assim como em outros países, o Brasil adotou uma política para ajudar as 
pessoas em dificuldade por meio do Auxílio Emergencial de 600,00 a trabalhadores de baixa 
renda afetados pela pandemia. Em abril de 2020, 60%, mais de 126 milhões de pessoas da 
população brasileira já haviam recebido o auxílio do governo (BRASIL, 2020d). 
Porém a maioria das políticas e medidas aplicadas pelo governo Federal não chegou a 
atingir positivamente os imigrantes e os refugiados. “Trata-se de estratos da população em 
situação extrema de precariedade, tanto nas condições de trabalho/emprego quanto de moradia, 
muitas vezes sem acesso a produtos de higiene e remédios” (SOUTO, et. al, 2020, p.82). 
 Com efeito, a pandemia traz as marcas da desigualdade em relação às populações mais 
vulneráveis. Eles normalmente já enfrentavam dificuldades para encontrar trabalho, acesso a 
saúde, e a falta de documentação A falta de documentos pessoais, por exemplo, influencia o 
acesso a saúde dessas pessoas, pois sentem de medo de não serem atendidas pelos médicos, 
sendo portanto um entrave para o acesso à saúde (BERSANI; PEREIRA; CASTELLI, 2020). 
Assim como também afetam a possibilidade de acessarem o auxílio emergencial do governo. 
Em de março de 2020 foi publicada a Portaria nº 47 com determinação da restrição 
excepcional e temporária de entrada no País de estrangeiros, ela proibiu a entrada de não 
nacionais por 30 dias, sendo renovada nos dois meses seguintes, por meio dele proibiu-se a 
entrada por meios terrestre, aéreo e marítimo. No início do mês, o governo do estado de Roraima 
já havia solicitado o fechamento da fronteira sem considerar em especifico, porém, os impactos 
sobre a população imigrante, justamente a fronteira da Venezuela foi a primeira a ser fechada 
em 18 de março (PÊGO, Bolívar et al, 2020, p. 28). 
De fato os venezuelanos foram excluídos das possíveis exceções ao fechamento mesmo 
se estivesse envolvido situação humanitária ou de reunião familiar. Vemos desse modo que “as 
políticas públicas de fronteira restritivas tendem a fragilizar a saúde dos refugiados. 
O estado de Roraima encontra-se em uma situação especialmente complicada em meio 
a pandemia e ao número grande de imigrantes. Para ajudar nessa situação a Agência da ONU 
para Refugiados (ACNUR) juntamente com a Operação Acolhida possibilitaram ajuda aos 
157 
 
migrantes e refugiados em Roraima, atuaram na construção da Área de Proteção e 
Cuidados(APC) com mil e duzentos leitos para tratar casos suspeitos e infecções. A ACNUR 
providenciou também insumos de apoio para atendimento e acolhimento de pacientes e 
refugiados (ACNUR, 2020). 
 
4 QUESTÕES DA FRONTEIRA E A CONSTITUCIONALIDADE 
 
Na época atual, o mundo enfrenta a epidemia do coronavírus, a qual vem solicitando 
aos governos atitudes extremas a serem tomadas para o controle da propagação do mesmo, 
contudo, acabam não levando emconta a situação dos refugiados. A partir das principais 
medidas que vêm sendo adotadas pelos governos dos mais variados países estão o fechamento 
das fronteiras, o que tem sido motivo de grandes especulações a tratar das questões da 
vulnerabilidade que se encontram aqueles que procuram um local melhor para sobrevivência. 
 Embora os estados possam regulamentar quem pode ou não ingressar em seu território 
ou decretar medidas de saúde para a população, impedindo até mesmo a entrada de vítima de 
perseguição, acabam por contrariar as normas internacionais de cooperação. Devido ao 
fechamento de fronteiras, os refugiados acabam concentrando-se em campos com condições 
precárias, as quais são intensificadas quando se tem o grande risco de epidemias. 
Efetivamente a Constituição Federal Brasileira consagra “a dignidade da pessoa 
humana” como fundamento do Estado Democrático de Direito em seu artigo 1º, inciso III, ou 
a “prevalência dos direitos humanos” sendo um princípio em prol das relações exteriores do 
Brasil, conforme o artigo 4º, inciso II, ou ainda como “bem de todos” não tendo a discriminação 
como intuito fundamental da República, de acordo com artigo 3º, inciso IV. 
No Brasil, o fechamento das fronteiras é sustentado pela Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro 
de 2020, que determinou condutas para o enfrentamento do coronavírus. Com base nessa Lei, 
em 27/03/2020, o Governo Federal publicou a Portaria 149, que, além de ter ratificado o 
impedimento de desembarque de qualquer estrangeiro por via aquaviária, expandiu a proibição 
de entrada, por via aérea, de estrangeiros de qualquer nacionalidade quando o país de destino 
ou de sua origem não admitir seu ingresso por via aérea, terrestre ou aquaviária. Contudo, esta 
decisão impediu o acesso ao país, juntamente ao sistema de saúde por pessoas refugiadas, o que 
preocupou o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). 
A crise migratória que é encontrada no estado de Roraima, tem sido em razão do elevado 
fluxo de pessoas vindos da Venezuela. Vale ressaltar que os esforços da Operação Acolhida e 
do Governo de Roraima, entre outras entidades, acarretou para lidar com essa crise migratória 
158 
 
e com a pandemia. A Operação Acolhida, decisão do Exército, que visou tratar com a migração 
venezuelana no Brasil inclui, além das Forças Armadas, diversos órgãos administrativo e 
burocrático brasileiro, organizações internacionais do sistema da ONU, ONGs humanitárias e 
também outras organizações civis (KANAAN; TÁSSIO; SIDMAR, 2018). 
Foi-se elaborado um Plano Emergencial de Contingenciamento para Covid-19 
(OPERAÇÃO ACOLHIDA, 2020). O plano visou programar e efetivar ações sanitárias nos 
abrigos, nas ocupações e demais atividades relacionadas a esse grupo vulnerável. 
Simultaneamente, a Secretaria de Estado da Saúde de Roraima também desenvolveu o seu plano 
de contingência que faz menção à “vulnerabilidade do Estado pela presença de duas fronteiras 
internacionais (Venezuela e Guiana) e pelo intenso fluxo migratório no território” (RORAIMA, 
2020b). 
Pesquisadores apontam que o principal tratado que se abrange ao caso da fronteira de 
Roraima é a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 1951. Em seu artigo 33, prevê 
que “nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou rechaçará, de maneira alguma, um 
refugiado para as fronteiras dos territórios em que a sua vida ou a sua liberdade seja ameaçada 
em virtude da sua raça, da sua religião, da sua nacionalidade, do grupo social a que pertence ou 
das suas opiniões políticas”. 
É perceptível que os problemas de acesso ao sistema público de saúde no país aos 
refugiados não se resumem somente em confronto ao COVID-19. É de extrema necessidade 
que haja uma adequação do atendimento feitos pelos profissionais de saúde em prol das 
necessidades dos refugiados. 
 
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
O presente artigo visou mostrar a respeito de um contexto histórico, elevando-se aos 
motivos que se fazem necessários e aos direitos existenciais mínimos aos refugiados. Também 
demonstrou a situação vivenciada na região norte do Brasil, no Estado de Roraima, após a 
disseminação venezuelana, o que acarretou o fechamento das fronteiras, com a intenção de 
impedir a entrada de venezuelanos em território nacional. 
 Buscou-se analisar o conjunto de problemas relacionados à saúde e aos serviços 
prestados em geral aos mesmos, os meios de se lidar com a saúde e a doença assim como as 
análises dos sistemas que os mesmos recebem ao chegar no país de refúgio. Onde os cuidados 
em saúde acabam por constituir especificidades próprias a esses determinados grupos que 
159 
 
provavelmente são muitas vezes desconhecidas dos profissionais de saúde, bem como os 
mesmos com as suas dúvidas e questionamentos em saber como realmente cuidar. 
Ainda há necessidade de se ter um amplo esforço de pesquisa e intervenções em 
benefício à saúde global, onde haja um mapeamento dos impactos causados e o pensamento de 
estratégias que solucionem o direito à saúde desses grupos tão vulneráveis. Além disso, embora 
essa negligência tenha implicações, seus efeitos são de extrema importância, exige ir muito 
além das políticas públicas, das intervenções e das medidas de saúde pública, é determinar o 
envolvimento desses grupos numa devida implementação para que assim seja garantido a 
efetividade. 
Desse modo, se faz prioridade o impedimento da disseminação do COVID-19 entre os 
refugiados, sendo primordial a instalação de locais para a higienização nos acampamentos em 
que residem, o tratamento humanitário e que seja feito uma realocação dos mesmos, para que 
possa diminuir o número de pessoas aglomeradas, visando a busca de estimular uma boa 
contribuição a partir desses esforços, tendo assim o conhecimento dos impactos que forem 
causados pela pandemia entre todos esses refugiados. 
 
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162 
 
 
 
VULNERABILIDADE DOS IMIGRANTES VENEZUELANOS EM RORAIMA. 
 
 
Warlison Monteiro Mota1 
 
 
RESUMO: 
Os objetivos da pesquisa concentram-se em compreender o surgimento da figura jurídica do sujeito de direito, 
assim como o reconhecimento da situação vulnerabilidade dos imigrantes venezuelanos em Roraima. Para o 
estudo deste tema, será feita uma análise da situação dos imigrantes venezuelanos em relação a uma forma de 
pensar o Direito que tem que se adequar a economia. Ademais, será analisado os desafios enfrentados pelos 
migrantes e as formas de acolhimento. Pesquisa acadêmica realizada utilizando método qualitativo e conceitual, 
através de pesquisa bibliográfica dos materiais publicados sobre o tema na sala virtual da disciplina e dos vídeos 
aulas e pesquisas publicadas em periódicos reconhecidos. 
 
Palavras-chave: Sujeito de direitos; Imigrantes venezuelanos; Direito; Economia. 
. 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
Artigo realizado sob a orientação do Prof. Me. Rafael Reis Ferreira, apresentado como 
requisito para a conclusão da disciplina de Direito dos Grupos Vulneráveis (2020), do curso 
de Bacharelado em Direito da Universidade Federal de Roraima-UFRR. 
Os objetivos da pesquisa concentram-se em compreender o surgimento da figura 
jurídica do sujeito de direito, assim como o reconhecimento da situação vulnerabilidade dos 
imigrantes venezuelanos em Roraima. 
Para o estudo deste tema, será feita uma análise da situação dos imigrantes 
venezuelanos em relação a uma forma de pensar o Direito que tem que se adequar a 
economia. Ademais, será analisado os desafios enfrentados pelos migrantes e as formas de 
acolhimento. 
Justifica-se o estudo do tema pela busca em responder se os direitos dos imigrantes 
estão sendo respeitados pelo Brasil, e meios jurídicos que contribuem para gozo desses 
direitos. São questões atuais para o profissional do Direito em Roraima. 
Pesquisa acadêmica realizada utilizando método qualitativo e conceitual, através de 
pesquisa bibliográfica dos materiais publicados sobre o tema na sala virtual da disciplina e 
dos vídeos aulas e pesquisas publicadas em periódicos reconhecidos. 
 
1 Acadêmico do curso de Bacharelado em Direito da UFRR (warlison.mota@ufrr.br). 
163 
 
 
 
 
2 SUJEITO DE DIREITOS E VULNERABILIDADE 
 
Antes de entrar no tratamento específico da questão da definição dos grupos 
vulneráveis e como podem ser conceituados diante do Direito temos que começar entendendo 
a criação do Direito até chegar ao Direito moderno. Devemos ainda compreender como a 
figura jurídica do sujeito de direitos é levada ao centro do nosso Direito. 
Normalmente somos levados a pensar que o Direito que temos atualmente é um 
Direito atemporal, ou seja, que sempre foi assim. Mas, isso não é verdade. Várias formas de 
ordenação social foram reconhecidas como direitos ao longo da História Humana e são 
reconhecidos como direito hoje. 
 Há várias formas dese pensar o Direito e também existem várias propostas tanto de 
construção quanto de desenvolvimento do mesmo. É necessário atualmente ao contrário de 
uma assimilação passiva realizar a reflexão da tradição herdada que muitos profissionais do 
Direito não sabem a origem. 
 Temos um Direito que tem uma determinada circunstância de criação. E sua 
modernização ocorre via Codificação do Direito Civil, ou seja, o Direito moderno é criado 
pela transformação do Direito Civil. 
 Somente foi possível mudar e desenvolver a estrutura do Direito porque antes existiu 
um Direito chamado de Direito do Antigo Regime, ou seja, o Direito que temos hoje é reflexo 
das mudanças ocorridas ao longo do tempo na forma de ser pensar e executar o Direito. 
O Direito do Antigo Regime refletiu a própria complexidade social do período anterior 
a Revolução Francesa. A sociedade era constituída por diferentes estamentos: clero, nobreza e 
burguesia. Era uma sociedade marcada pela desigualdade. 
O Direito no Brasil até o começo do século XX eram as chamadas Ordenações 
Filipinas. As Ordenações era uma das fontes do Direito. O Direito ainda não era codificado 
nem se impunha totalmente a sociedade. 
A preservação da escravidão no século XIX legítima juridicamente adiou a 
Codificação Civil no Brasil. O problema da compatibilização da escravidão com Direito 
moderno era uma tarefa difícil. 
A figura do sujeito de direitos nasce no código civil quando se estabelece aos homens 
os direitos e obrigações. Ser sujeito de direito no início não era para todos os seres humanos 
164 
 
 
 
pois eram considerados absolutamente incapazes os surdos, os mudos, as mulheres casadas e 
os “silvícolas”. 
Quando estudamos a vulnerabilidade de grupos precisamos da noção da figura do 
sujeito de direito. E também da noção de organização social e sua transformação no 
pensamento jurídico com base na luta por direitos. Dessa tradição do direito moderno que a 
gente vai pensar a noção de vulnerabilidade. 
É criada no direito moderno a figura do sujeito de direitos que seria o núcleo da noção 
de alguém que é sujeito de direitos e obrigações. E daí que a noção de vulnerabilidade vai 
sendo construída a partir de uma perspectiva do Direito. 
Essa relação entre o modelo de um sujeito de direito e o acesso à Justiça não é 
concretizado por várias razões. Dessa relação vem a noção de vulnerabilidade, pois há 
vulnerabilidade no aspecto econômico e no aspecto social que impede que sujeitos e grupos 
não usufruam de direitos e obrigações. 
A noção de vulnerabilidade vem se transformando em relação ao sujeito de direito na 
construção Direito moderno, mas a vulnerabilidade agora é consequência de movimentos 
muito amplos que estão acontecendo em várias partes do mundo de transformação de modelos 
especificamente de modelos de Estado. 
A noção de Bem-Estar Social traz uma ideia de controle social, pois do momento que 
você nasce ao momento que você morre o Estado se propõe a controlar. Trata-se de uma 
resposta do Estado aos movimentos que vinha acontecendo que colocavam em risco o status 
quo. 
O Estado utiliza o Direito para controlar e regular a vida das pessoas. Normalmente 
encontramos o Estado de Bem-Estar Social em Constituição nos países que são do civil law 
ou num conjunto de textos e interpretações dos países que são do common law. 
A criação do Estado de Bem-Estar Social no Brasil ocorre no período chamado Estado 
Novo. Ele faz a utilização de retórica, de manifestações de movimentos político, de 
propaganda. Essa criação ocorre juntamente com fundação da nacionalidade brasileira. 
E criada uma nacionalidade, uma mitologia para estar na base da construção do futuro 
Estado de Bem-Estar Social. Um Estado quer ser grande e quer controlar a relação de 
trabalho, controlar atividades econômicas importantes. 
Na Constituição Federal de 1988 é mantida a ideia de um Estado forte que intervém e 
a perspectiva de construção do Estado de bem-estar social. Parte da população atualmente não 
consegue usufrui dos serviços mínimos desse Estado. 
165 
 
 
 
O movimento chamado neoliberalismo quem tem uma ideia básica que é a de 
desconstrução do Estado de Bem-Estar Social e desconstruir também os grupos dentro da 
sociedade para fortalecer a noção de individualidade. 
O neoliberalismo vai difundir a ideia de que o Direito tem que se sujeitar economia. 
Essa forma de pensar vem dizer que interpretação jurídica tem que seguir aqui o pensamento 
econômico. 
A consequência da diminuição do Direito e aumento do interesse econômico vai 
atingir a individualidade, vai atingindo os movimentos sociais, a noção que a sociedade tem 
da democracia. 
Como consequência também teremos em relação ao acolhimento de imigrantes 
venezuelanos como no caso de Roraima que tem registrados atos de violação de direitos. Pois 
os imigrantes são vistos por alguns como responsáveis pelo agravamento e piora dos serviços 
públicos. 
 
3 A IMIGRAÇÃO FORÇADA VENEZUELANA EM RORAIMA 
 
 
O sociólogo alemão Karl Marx em 1853 produziu um artigo jornalístico com o título 
“Emigração Forçada”. Utilizando dados da Secretaria de Emigração Colonial (1847-1852) 
referentes à emigração da Inglaterra, Escócia e Irlanda, Marx refletiu sobre a “moderna 
Emigração compulsória” que segundo ele, revela uma relação quase oposta às lógicas que 
pressionam os descolamentos populacionais antes do surgimento da propriedade privada no 
período que antecedeu a Revolução Industrial. 
Não há consenso sobre definição do termo migração forçada, nem mesmo sobre a 
definição de migração (SAYAD, 1998). 
É importante relembrar que, na diáspora venezuelana, o Brasil é apenas o quinto 
destino. O quantitativo de migrantes que optaram pelo Brasil não é sequer comparável aos 
quantitativo recebido pela Colômbia, Peru, Argentina e Chile. 
Esses migrantes forçados enfrentam diversos desafios em Roraima, os quais foram 
agravados em função da pandemia da COVID-19 em 2020. Essa situação emergencial, que 
afetou todo o mundo e a todas as pessoas, tem impacto especial em grupos vulneráveis, como 
os migrantes em geral e os Venezuelanos em particular. 
O estado de Roraima, onde se dá a maior parte do fluxo de refugiados e imigrantes 
venezuelanos para o Brasil, é marcado pelo isolamento, pela baixa diversificação de sua 
166 
 
 
 
economia – muito focada no setor público –, e por diversas dinâmicas migratórias ao longo de 
sua história. 
A vinda dos venezuelanos para Roraima era um processo que vinha acontecendo desde 
o início de 2016 que, porém, não era visto como uma crise até o final de 2017. 
A situação de crise ocorre somente após a publicação de um decreto pela então 
governadora Sueli Campos do Progressistas. 
A maioria dos migrantes entra no País pela fronteira norte do Brasil, no Estado de 
Roraima, e se concentra nos municípios de Pacaraima e Boa Vista, capital do Estado. 
Para acolher parte dessa população, onze abrigos oficiais foram criados em Boa Vista 
e dois em Pacaraima. Eles são administrados pelas Forças Armadas e pela Agência da ONU 
para Refugiados (ACNUR). 
 Mais de 6,3 mil pessoas, das quais 2,5 mil são crianças e adolescentes, vivem nos 
locais. Estima-se que quase 32 mil venezuelanos morem em Boa Vista. Projeções das 
autoridades locais e agências humanitárias apontam que 1,5 mil venezuelanos estão em 
situação de rua na capital, entre eles, quase 500 têm menos de 18 anos de idade. 
 
 
4 VULNERABILIDADES DOS IMIGRANTES VENEZUELANOS 
 
Vulnerável significa o sujeito ou grupo social suscetível de ser exposto a danos físicos 
ou morais devido à condição em que se encontra, vulnerabilidade é a qualidade daquela. Ela é 
sintoma não causa das desigualdades entre pessoas. 
Acesso a moradia, renda, a exposição à contaminação pelo coronavírus e o cárcere, 
são situações de vulnerabilidade entre outras vivenciadas pelos imigrantes e refugia 
Em 1960, o Brasil aderiu à Convenção dos