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Caderno de Artigos - Filosofia do direito, Grupo Vulneráveis e Sucessões

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Caderno 
de 
ARTIGOS 
____________________________ 
Filosofia do Direito - Grupos Vulneráveis - Sucessões 
 
 
 
Ars commune 
 
2020.1 
 
 
 
 
 fil 
 
 
 
 
 direito 
21-55336 
Título: 
Caderno de Artigos: Filosofia do 
Direito, Grupos Vulneráveis e Sucessões 
 
 
Organização: 
Rafael Reis Ferreira 
 
 
Editora: 
Ars commune 
Boa Vista - Roraima 
 
 
Volume: 
I – 2021 
 
 
A totalidade ou parte desta obra pode 
ser reproduzida, por qualquer meio, 
desde que referida a fonte. 
 
 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Com grande felicidade apresento o lançamento do primeiro Caderno de 
Artigos 2020.1 que contém artigos dos(as) acadêmicos(as) do Curso de Direito, de 
diferentes turmas, nas áreas de Filosofia do Direito, Grupos Vulneráveis e Sucessões. 
Tratam-se de textos produzidos no contexto da pandemia e do regime de Ensino 
Remoto Especial da Universidade Federal de Roraima, com ampla abrangência de 
temáticas atuais e fundamentais de serem refletidas por quem defende o Direito no 
sentido do justo, em perspectiva de superação da crise do direito legal-normativista. 
Gostaria de agradecer as turmas aqui representadas pela atitude frente 
à pandemia, com a manutenção do distanciamento e respeito ao ser humano. Diante da 
ignorância demonstrada por parcela da população e do comportamento individualista 
inferior até mesmo ao estado de natureza imaginado por Hobbes, os(as) acadêmicos(as) 
tiveram comportamento exemplar que dignificam para sempre o Curso de Direito da 
UFRR. 
Assim, segue o resultado de um esforço coletivo de produção científica 
materializado nesta primeira coletânea de artigos, que espero permaneça como espaço 
de pesquisa e reflexão jurídica diante de nossa sociedade racista, ignorante, violenta e tão 
sofrida. 
 
 
 
Prof. Me. Rafael Reis Ferreira 
ÍNDICE 
FILOSOFIA DO DIREITO Págs. 
ORDEM E PROGRESSO: O POSITIVISMO E SUAS INFLUÊNCIAS NO BRASIL 
Ana Beatriz Silveira Prado; Antonia Lara da Costa Macêdo; Marcia da Silva Oliveira Barata 
6-16 
REPENSANDO A HISTÓRIA ÚNICA DO DIREITO LEGALISTA A PARTIR DA TEORIA 
JURÍDICA FEMINISTA E DA INTERSECCIONALIDADE 
Andrezza Gabrielli Silveira Menezes; Juliana Carolina da Silva Lima; Juliana Fabrícia Correia Orihuela 
17-27 
ANÁLISE JURÍDICA E FILOSÓFICA DO FILME PANTERA NEGRA 
Danyele Beatriz Cavalcante de Oliveira; Isabelly da Silva Rodrigues; Maria Clara Govêia de Oliveira 
28-39 
O DISCURSO JURÍDICO E O DISCURSO FILOSÓFICO: A EVOLUÇÃO DO DIREITO NA 
SOCIEDADE MODERNA 
Darlete Souza do Nascimento; Ícaro Vitório Viana Braga; Yara Ravenna Nascimento do Rosário 
40-48 
A LUTA PELO DIREITO: IHERING E OS TEMPOS DE COVID-19 
Lee Oswald Vito de Medeiros 
49-56 
ARBITRAGEM E INTERPRETAÇÃO JURÍDICA: ANÁLISE DE UMA IMPORTANTE DECISÃO 
DA 2ª VARA DE FAMÍLIA DE BOA VISTA-RORAIMA 
Luane Lopes Salazar; Mariana Schafer Ignatz; Natália Talia Andrade de Oliveira 
57-66 
A CIDADANIA E A TEORIA DA JUSTIÇA COMO EQUIDADE EM JOHN RAWLS 
Luciana Nascimento de Souza; Natálya Nallyja Medeiros; Wesley Tomé da Matta 
67-75 
PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL E SEUS FUNDAMENTOS 
Marília Talia Gabriel da Silva; Ricardo Matheus Gomes Botelho 
76-85 
FILOSOFIA DO DIREITO: AS DIVERSAS FORMAS DE COMPREENSÃO DO FENÔMENO 
JURÍDICO 
Micael Ferreira Menezes; Warlison Monteiro Mota 
86-93 
A INFLUÊNCIA DOS PRECEITOS BÍBLICOS NO DIREITO POSITIVO BRASILEIRO 
Michelly Larrary Araújo Botelho; Saymon Thyago Barbosa Menezes 
94-108 
GRUPOS VULNERÁVEIS Págs. 
O PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO 
BRASIL E A ATUAL VULNERABILIDADE NO CENÁRIO BRASILEIRO 
Carla Johanna Duarte Correia 
109-119 
A TUTELA PENAL AO DIREITO DOS VULNERÁVEIS: A (IN)EFICÁCIA DO DIREITO PENAL 
NA PROTEÇÃO DOS GRUPOS VULNERÁVEIS 120-130 
 
 
Edgard Mauricio Carneiro Coutinho; Francisco Artemízio Silva Freitas 
A NEGAÇÃO DE DIREITOS AOS POVOS INDÍGENAS FACE A CONVENIÊNCIA E 
OPORTUNIDADE DA NARRATIVA JURÍDICA: ESTUDO DE CASO ENVOLVENDO PESSOA 
AUTODECLARADA INDÍGENA EM LITÍGIO CRIMINAL 
Francisco Alves Gomes 
131-142 
EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: A LUTA PELO DIREITO A UMA EDUCAÇÃO ESPECÍFICA 
E DIFERENCIADA 
Mávera Teixeira dos Santos 
143-150 
PANDEMIA DE COVID-19 E FECHAMENTO DA FRONTEIRA BRASIL-VENEZUELA 
MEDIDAS FRENTE À PAMDEMIA E CONSEQUÊNCIAS PARA OS REFUGIADOS 
Merian Pereira da Silva; Nataliene Cavalcante Rodrigues; Sandro Rafael da Fonseca Pinto 
151-161 
VULNERABILIDADE DOS IMIGRANTES VENEZUELANOS EM RORAIMA 
Warlison Monteiro Mota 
162-170 
SUCESSÕES Págs. 
RENÚNCIA À HERANÇA NO PACTO ANTENUPCIAL 
Ana Beatriz Silveira Prado; Itáryk Cardoso Peres; Márcia da Silva Oliveira Barata 
171-181 
SUCESSÃO LEGÍTIMA DA HERANÇA DIGITAL E OS ENFRENTAMENTOS JURÍDICOS POR 
AUSÊNCIA DE LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA 
André Gabriel da Silva Soares; Bruna Vitória Lima Barros; Lee Oswald Vito de Medeiros; Ricardo José da Mota Filho 
182-196 
ANÁLISE SOBRE O RECONHECIMENTO DA MULTIPARENTALIDADE E SEUS REFLEXOS 
PARA O DIREITO SUCESSÓRIO 
Antonia Lara da Costa Macêdo; Fabiane Melo Alencar; Isabelle Campelo Bessa 
197-210 
A SUCESSÃO DOS BENS DIGITAIS E O DIREITO DE HERANÇA 
Beatriz Moura Pinho; Ícaro Vitorio Viana Braga; Matheus Fonteles Fernandes 
211-219 
UNIÃO ESTÁVEL: A EVOLUÇÃO JURÍDICA NAS SUCESSÕES 
Darlete Souza do Nascimento; Juliana de Castro Menezes Rangel; Yara Ravenna Nascimento do Rosário 
220-231 
ANÁLISE DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO SUCESSÓRIO E SEUS 
DESDOBRAMENTOS NO CÓDIGO CIVIL DE 2002 
Dayana Souler Gonzaga Deodato; Marthleen Katrinny Gomes da Conceição 
232-238 
ASPECTOS DA HERANÇA DIGITAL NO DIREITO SUCESSÓRIO 
Gladstton Tiago da Silva Simas; Ítalo Lopes da Silva Teixeira; Mateus de Sousa Lima 
239-250 
SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA EM TEMPOS DE PANDEMIA: UMA ANÁLISE DA 
RELATIVIZAÇÃO DAS FORMALIDADES PREVISTAS EM LEI 
Johana Rainara Ferreira Bispo; Vanessa Thays Kramer da Silva Alves; Victoria Holanda Cavalcante 
251-264 
 
 
AS DÍVIDAS DA HERANÇA E O PRINCÍPIO NON VIRES INTRA HEREDITATIS 
Pedro Augusto Silva Coelho César; Virgínia Gandur Pigari 
265-276 
A EXCLUSÃO DA SUCESSÃO POR INDIGNIDADE ALÉM DAS HIPÓTESES ELENCADAS NO 
CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO 
Valério Graco Dantas de Sousa 
277-286 
 
 
 
 
6 
 
ORDEM E PROGRESSO: O POSITIVISMO E SUAS INFLUÊNCIAS NO BRASIL 
 
 
Ana Beatriz Silveira Prado1 
Antonia Lara da Costa Macêdo2 
Marcia da Silva Oliveira Barata3 
 
 
RESUMO 
O seguinte artigo científico busca examinar, sob o ponto de vista histórico, como o Positivismo ocorreu no Brasil, 
a partir de análise e explanação sobre a teoria positivista proposta por Auguste Comte e sua busca por investigar 
fenômenos sociais através da observância das leis naturais. Comte influencia Kelsen a estabelecer uma proposta 
de abordagem positivista para o Direito para a criação de uma ciência jurídica autônoma com dimensão científica, 
o Positivismo Jurídico. Neste ínterim, surge a ideia da teoria positivista no Brasil, contudo, tal teoria se afastou do 
aspecto sociológico em sua composição, limitando a compreensão do direito ao puro exame da norma, sem 
considerar a realidade fática a qual está inserida. Desse modo, criou-se excessivo formalismo que conduziu à 
fragilidade da ciência jurídica enquanto mecanismo de solução de conflitos sociais. 
 
Palavras-chave: Comte; Positivismo Jurídico; Positivismo no Brasil. 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
A teoria positivista de Auguste Comte iniciou como uma das nuances do Iluminismo e 
ascensão do desenvolvimento intelectual, nas perspectivas política, econômica e social após a 
época do Renascimento. Essa teoria é consequência da decadência do período da Idade Média, 
onde o conhecimento era cerceado pela Igreja e imposição de seus dogmas. 
Comte acreditava que a ciência era o fator norteador para que a sociedade ascendessena ordem social e, por consequência dessa primazia científica e intelectual, as crises política e 
social que ocorriam à época da Revolução Industrial chegariam ao fim. A teoria positivista 
influenciou grandes nomes, como Hans Kelsen, a aplicar tal teoria a outros campos do 
conhecimento, como o Direito. 
 
1 Acadêmica de Direito da Universidade Federal de Roraima (bia.absp@gmail.com). 
2 Acadêmica de Direito da Universidade Federal de Roraima (laracmacedo@hotmail.com.br). 
3 Acadêmica de Direito da Universidade Federal de Roraima (profemarciaoliveira@gmail.com). 
 
 
7 
 
Este artigo objetiva aprofundar sobre a forma que a corrente positivista ocorreu no 
Brasil, a partir do ponto de vista histórico e da teoria Comtiana, além de breve exposição sobre 
o Positivismo Jurídico e Filosófico. Será desenvolvido por meio de revisão doutrinária com 
análise do tema em obras bibliográficas, artigos e material de cunho científico. Será utilizada 
linguagem jurídica de acordo com o âmbito histórico e jurídico da pesquisa. 
 
2 POSITIVISMO 
 
O positivismo nasceu em um contexto em que a religião perdia espaço e se aprimorava 
o conhecimento científico e tecnológico. Assim, a ciência passou a ter lugar de prestígio em 
detrimento ao conhecimento religioso. O pensamento positivista tem por ideal o progresso da 
sociedade de forma contínua. Se atribui a origem da filosofia positivista, que se deu no século 
XIX, ao pensador francês Auguste Comte que foi fortemente influenciado pelas ideias 
Iluministas. 
Para Comte, a essência do positivismo se baseia na ideia de uma sociedade organizada 
onde se almejava uma reforma intelectual do homem. Desta maneira, apregoa tal filosofia a 
primazia da ciência como forma de conhecimento que guiasse a sociedade para a evolução na 
ordem social e, com isso, findaria a crise política e social que estava instaurada no século, 
derivadas da Revolução Industrial que ocasionou a explosão demográfica de forma desordenada 
nos centros urbanos, bem como as desigualdades sociais. Este ideal se inspirou no pensamento 
progressista, onde a progressão da humanidade acontecia de forma constante. 
 
O positivismo se compõe essencialmente duma filosofia e duma política, 
necessariamente inseparáveis, uma constituindo a base, a outra a meta dum mesmo 
sistema universal, onde inteligência e sociabilidade se encontram intimamente 
combinados (COMTE, 1978, p. 229). 
 
O ponto de partida para Comte expor a sua ideia foi a teoria denominada de lei dos três 
estados, a saber, o teológico, metafísico e o positivo. Segundo Comte, o conhecimento humano 
enfrentou estes três estados e afirma que em cada um deles há uma forma de pensar. 
 
[...] em virtude desses três estados existem também três tipos de filosofia, ou três 
modos de conceber o conjunto dos fenômenos, que são totalmente excludentes: a 
primeira, a filosofia teológica, constitui o ponto de partida da inteligência humana; a 
segunda, a filosofia metafísica, destina-se apenas a servir de etapa de transição; já a 
 
 
8 
 
terceira e última, a filosofia positiva, seria o estágio fixo e definitivo da razão humana 
(BRANDÃO, 2011, p. 3). 
 
O primeiro estado é o caracterizado por elementos mitológicos, no qual a sociedade 
buscava explicações por meio de crenças e entidades. Segundo Comte, este estado possui três 
estágios, o fetichismo, politeísmo e monoteísmo. O primeiro refere-se a atribuição de vida e 
poderes a corpos e astros celestes, a segunda ao espírito teológico onde há entrega de objetos à 
seres fictícios e na crença de que estes influenciavam os fenômenos exteriores e humanos. O 
último, em verdade, é o declínio da fase teleológica pois o homem passa a sujeitar os fenômenos 
a leis imutáveis e não mais em seres sobrenaturais. 
No estado metafísico ocorre a substituição dos seres fictícios por entidades abstratas que 
explicam os fenômenos e não há a predominância da observação. O estado positivo é aquele 
onde há uma quebra radical no estado metafísico. Há um “estado de virilidade da nossa 
inteligência” (BRANDÃO, 2011, p. 4). Neste estado, não se faz necessário a explicação dos 
fenômenos, mas sim pesquisar por meio da observação, as leis que existem entre estes. Assim, 
o estado positivo, na verdade, é um conhecimento científico. Neste contexto, o conhecimento 
científico, por meio da observação, alcançou um alto patamar e por isso serve de modelo para 
a organização da sociedade. 
Apesar do avanço do conhecimento científico, este não tinha por objeto os fatos sociais. 
Com a criação da física social Comte pretendia trazer um caráter positivo para a sociologia, o 
que já acontecia com as outras ciências. Comte inclui a sociologia no ramo das ciências 
naturais, assim, sinteticamente, Comte: 
 
[...] pretende unir as ciências do homem às ciências da natureza, em uma 
homogeneização epistemológica. A estabilidade social pretendida decorre exatamente 
deste ponto, ou seja, a invariabilidade das leis da natureza assegura, no campo 
econômico e social, a concentração do capital e a supremacia patronal e industrial 
(OLIVEIRA; GALEB, 2014, p. 4). 
 
Desta maneira, Comte busca investigar fenômenos sociais por meio da observância das 
leis naturais que precisam ser observadas e descobertas pelos cientistas. Tal pesquisa procede 
do geral para o particular e do estático, que se relaciona à ordem, para o dinâmico, que se refere 
ao progresso. 
Comte com sua teoria, influencia o início do século XX as ciências sociais, a partir desta 
influência, as ciências sociais e isso influenciou Kelsen a estabelecer uma proposta de 
 
 
9 
 
abordagem científica, positivista para o Direito para a criação de uma ciência jurídica 
autônoma. 
 
3 POSITIVISMO JURÍDICO 
 
Hans Kelsen utilizando o método positivista procurou atribuir ao Direito uma dimensão 
científica, assim, criando a denominada Teoria Pura do Direito. Na Teoria Pura do Direito, 
Kelsen conceitua o direito como uma: 
 
[...] a técnica social que consiste em obter a desejada conduta social dos homens 
mediante a ameaça de uma medida de coerção a ser aplicada em caso de conduta 
contrária (KELSEN, 2009, apud OLIVEIRA; GALEB, 2014, p. 12). 
 
Oliveira e Galeb (2014) frisam que Kelsen propunha uma concepção pura do saber 
jurídico no qual visava separar o discurso jurídico de elementos de cunho moral, político e 
ideológico. Assim, ao estudar direito, deve ser desvinculado qualquer juízo de valor. 
Kelsen ainda distingue o ser do dever ser, ou seja, as ciências naturais e humanas. Desta 
maneira, os fenômenos humanos, em seu aspecto social, são previsíveis apenas no campo do 
dever ser, pois não há, com exatidão, possibilidade de prever um comportamento social. 
Pelo Direito ser um fenômeno social, regula a conduta do homem e se relaciona com o 
princípio da consequência. Desta forma, nesta teoria, o que interessa para os juristas não são os 
fatos, assim o que estes significam, geram como consequência que se extrai das normas. 
Salienta-se que a teoria pura de Kelsen, por meio desta concepção, tem por válida qualquer 
norma jurídica positivada. 
BITTAR e ALMEIDA (2015) tecem algumas as críticas quanto ao positivismo de 
Kelsen. Pelo fato deste apenas se preocupar com a norma jurídica devidamente positivada, 
vigente e eficaz, abre margem para a aplicação de normas tidas como esdrúxulas, imorais, como 
aconteceu na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial ou até mesmo no Brasil durante a 
Ditadura Militar. Ademais, salientam que, seguindo esta teoria, o aplicador do Direito fazer 
um juízo de valor ao caso e segrega o Direito, haja vista não haver qualquer diálogo com outras 
ciências. 
 
 
 
10 
 
4 POSITIVISMO NO BRASIL 
 
Em linhas gerais, o positivismo no Brasil manifestou-se inicialmente por volta da 
metade do século XIX, ganhando notório espaço nas escolas militares. Dentre os principais 
precursores do movimento nesse período, destaca-se o professorBenjamin Constant como 
sendo um dos mais relevantes adeptos e propagadores das ideias de Auguste Comte no país. 
Segundo ensina João Torres (2018, p. 76), as concepções defendidas por Benjamin 
Constant influenciaram para que Deodoro da Fonseca, ainda que contra sua vontade, depusesse 
D. Pedro II e instalasse a República no Brasil. Defende ainda que a proclamação da República 
está diretamente relacionada ao descontentamento de alguns oficiais com o governo imperial, 
fazendo com que a questão militar adotasse coloração republicana. 
Impulsionados pelos ideais da liberdade do pensamento propagados fortemente por 
Benjamin Constant, os líderes do governo provisório adotaram a divisa do positivismo em nossa 
bandeira, passando a figurar o lema “ordem e progresso” como símbolo da influência do 
movimento positivista na República. 
Arantes (1988, p. 187-188) defende que os ideais positivistas no Brasil serviram para 
assegurar a modernização conservadora, de modo que as elites buscavam a promoção das 
mudanças sem viabilizar, entretanto, modificações nas estruturas sociais. 
Esse comportamento, segundo o autor supracitado, demonstra que o sistema positivista 
no Brasil teve sua função histórica alterada, não servindo como instrumento de produção de 
mudanças nas estruturas sociais. 
Em sentido contrário, Luiz Antonio de Castro Santos (1988, p. 196) entende que a 
filosofia positivista não teve qualquer influência no processo de modernização conservadora. 
Embora presente o conservadorismo, para o autor, o processo não teve o aludido papel 
modernizador. Foi, em suas palavras, “ornamental e descartável”, no sentido que não 
apresentava função específica. 
Santos (1988, p. 198) procura demonstrar que, ao contrário do que se prega, a aplicação 
do sistema positivista no Brasil, no que diz respeito à modernização conservadora, não 
demandou alterações relevantes na estrutura social: 
 
 
 
11 
 
[...] o Positivismo no Brasil não pode, salvo erro, ser julgado como um exemplo de 
doutrina deslocada ou postiça em relação à estrutura social da Província. o ideário 
positivista, no tanto que municiou a nascente elite agrário-exportadora e industrial 
com o necessário instrumento modernizador, não padeceu do anacronismo, do "modo 
de não-ser" (R. Schwarz) característicos de outros modelos culturais importados das 
matrizes. 
 
De modo diverso, os ensinamentos de João Cruz Costa (1956, p. 98) demonstram que 
os ideais importados são moldados pelas características e circunstâncias próprias do país: 
 
Se é certo que a nossa história intelectual tem sido, em grande parte, um variado tecido 
das vicissitudes da importação transoceânica de idéias, não menos certo é que os dados 
dessa importação aqui se conformam ou deformam em face das circunstâncias 
próprias ao ambiente, que é complexo e rico de contrastes. E é para isso que é preciso 
atender e atentar, pois talvez aí resida a nossa originalidade. A história do positivismo 
brasileiro é, cremos, sob êste aspecto, das mais curiosas e das mais interessantes. 
 
O declínio da influência dos ideários positivistas sobreveio a partir do ano de 1891, após 
os primeiros momentos do regime republicano. Os ideais positivistas foram substituídos por 
outras correntes filosóficas de origem europeia gradualmente adotadas pela elite intelectual 
brasileira. 
Conjecturando as possíveis causas para o declínio do movimento, Torres (2018, p. 191) 
aponta como principais fatores: 
 
[...] a evolução da ciência pela aplicação dos métodos positivos (positivismo em 
sentido lato, no qual podemos bem colocar Stuart Mill, Spencer e a corrente empirista 
anglo- -americana) destruindo os resultados de Comte pela aplicação de seus próprios 
princípios; a renovação e arejamento dos princípios da metafísica tradicional: 
neotomismo, neokantismo das escolas de Marburgo e Baden; a revolução operada 
pela nova metafísica: a fenomenologia, a filosofia existencial, o empirismo metafísico 
de Bergson e, por fim, o positivismo evoluído da escola de Viena. 
 
Nesse período, a história mundial é caracterizada pelo surgimento de pensamentos 
filosóficos divergentes das convicções positivistas. Os reflexos da adoção das novas 
concepções – dentre as quais destacam-se o evolucionismo, o novo espiritualismo e o 
espiritualismo tradicional – impactaram diretamente na decadência do positivismo no Brasil. 
Outro fator é assinalado por João Cruz Costa (1956, p. 103), para quem: 
 
A propaganda a favor de uma República Ditatorial, como a que era feita pelos adeptos 
de Comte, não podia inspirar simpatia aos políticos liberais da tradição monarquista 
que se haviam apoderado da jovem República. Os positivistas não atentavam, porém, 
para isso. Seguiam, serenos, a linha traçada por Augusto Comte. As afirmações do 
Mestre bastavam-lhes, desatentos que sempre viveram da realidade que os envolvia. 
 
 
12 
 
 
Diante disso, conclui-se que o progresso das ciências suscitou profundas alterações nos 
sustentáculos da filosofia proposta por Auguste Comte, enfraquecendo, desse modo, os 
postulados do positivismo. 
Conforme já tratado, a doutrina positivista foi muito influente no Brasil até meados do 
século XIX. Quanto à adaptação do pensamento de Auguste Comte ao direito, discute-se que o 
positivismo jurídico implementado no Brasil sofreu muitas distorções em razão de uma 
tendência a se considerar apenas a dimensão científico-positivista do pensamento, afastando 
assim os fundamentos básicos da sociologia Comteana. 
É oportuno recordar que para o teórico, a sociologia deveria ser pensada como uma 
forma de se compreender o desenvolvimento da vida humana em sociedade sempre com o 
objetivo de proporcionar aos indivíduos a melhor adaptação possível ao ambiente social. 
(GONZALEZ; GOMES, 2014, p. 09). 
Ao mesmo tempo em a filosofia positivista serviu de suporte aos republicanos na 
promoção de mudanças na sociedade, tais ideais influenciaram também o chamado legalismo, 
evidenciado a partir de uma necessidade de previsão dos comportamentos em um regras escritas 
que seriam invocadas para a resolução dos conflitos da vida em sociedade. 
Gonzalez e Gomes (2014, p. 09) ressaltam que Luís Pereira Barreto foi um dos primeiros 
positivistas que no Brasil a desenvolver estudos na área jurídica, manejando a filosofia de 
Auguste Comte para fundamentar suas críticas ao direito, aos jurisconsultos e a Academia. 
Pereira Barreto, segundo apontam Gonzalez e Gomes (2014, p. 10), direcionou suas 
críticas aos fundamentos do direito no momento de criação dos cursos jurídicos no Brasil, 
notadamente “a reprodução dos compêndios coimbrãos, as bibliotecas jurídicas importadas, o 
formalismo que não acompanhava os aspectos histórico-sociais do país e a ausência de 
aprofundamento dos estudos filosóficos nas Faculdades de Direito (...)” 
Nesse ínterim, defendia-se a necessidade de reconstrução do direito a partir do 
reconhecimento da dinamicidade da sociedade. Criticava-se, nesse sentido, os juristas que 
negavam a incidência dos apontamentos sociológicos durante a elaboração e aplicação das leis, 
as quais eram apartadas da realidade e firmadas tão somente na razão. (Gonzales e Gomes, 
2014, p. 10) 
 
 
13 
 
Outra importante observação feita pelos autores quanto ao desenvolvimento do 
positivismo jurídico no Brasil diz respeito ao perfil dos bacharéis em direito à época. No 
momento do Segundo Reinado, o título de bacharel garantia ao indivíduo uma posição na elite 
política. Tal fato representava um problema à medida que a formação teórica de tais 
profissionais era insuficiente, bem como não a formação prática era praticamente ignorada. 
Desse modo, conforme os autores, não se verificava, nesse momento, o suporte científico 
necessário à resolução dos problemas sociais existentes. (Gonzales e Gomes, 2014, p. 10) 
Ademais, a insatisfação com o papel ocupado pelos bacharéis na elite política 
desagradava em especial os militares, hajavista que nesse período histórico, tais sujeitos eram 
afastados das funções políticas. Os militares encontraram no positivismo um importante suporte 
para seu descontentamento. 
Nesse sentido, Gonzales e Gomes (2014, p. 11) ensinam que: 
 
Para os militares, todas as críticas à jurisprudência, ao Direito e principalmente aos 
legalistas lhes eram convenientes, para desbancar o prestígio intocável dos bacharéis 
nas mais diversas funções sociais. Dessa forma, a introdução no Brasil da doutrina 
comteana desfrutou de grande admiração por parte da maioria da população instruída, 
incluindo os militares que nela se firmavam para destronar os bacharéis dos postos e 
prestígios alcançados. Instarou-se, então, nesse período de nossa história, uma crise 
entre o elemento militar e os bacharéis denominada por Sérgio Buarque de Holanda 
(apud VENÂNCIO, 1977, p. 280) de a batalha entre “a Farda e a Beca”. Tudo que 
fosse relativo ao bacharelismo passou a ser criticado duramente pelos militares e pelos 
positivistas formadores de opinião, que destacavam a falta de adequação dos juristas 
coimbrãos às questões sociais que se apresentavam; pelo despreparo dos lentes 
contratados pelo Império; pelas obras estrangeiras descompassadas e inúteis ao 
cenário nacional; pela má-formação dos bacharéis – os quais mais se aplicavam à 
literatura, ao jornalismo e à política; pela ausência de estudos práticos e atuais; pela 
falta de vocação jurídica, considerando que ser bacharel era ter um futuro promissor 
nas carreiras públicas, na política ou até mesmo no meio jurídico. 
 
 Por fim, interessa expor que, conforme os referidos autores buscam demonstrar, a 
filosofia Comteana não afastava o direito de seu papel enquanto regulador dos fatos sociais, 
reconhecendo, nesse sentido a relevância da sociologia na formação dos profissionais da área. 
O afastamento dos ensinamentos sociológicos na formação jurídica fez com que o positivismo 
fosse compreendido como cientificismo legalista. (Gonzales e Gomes, 2014, p. 12) 
Ainda segundo eles, os fatores para que não fosse concretizada a construção do direito 
social idealizado por Auguste Comte estão relacionados à ascensão do liberalismo no mundo 
orientado pelo individualismo e crescente teoria da autonomia da vontade. (Gonzales e Gomes, 
2014, p. 12) 
 
 
14 
 
Nesse sentido, o positivismo jurídico no Brasil afastou-se do aspecto sociológico em 
sua composição, o que limitou a compreensão do direito ao puro exame da norma, sem 
considerar a realidade fática a qual está inserida. Desse modo, criou-se excessivo formalismo 
que conduziu à fragilidade da ciência jurídica enquanto mecanismo de solução de conflitos 
sociais. 
 
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
Diante do exposto, infere-se que a teoria positivista não foi desenvolvida no Brasil da 
forma como foi proposta por Auguste Comte. Na teoria originária, a ideia se baseia em uma 
sociedade organizada de forma a primar a ciência como forma de conhecimento norteadora da 
evolução social, inspirando o pensamento progressista. 
O símbolo da influência do movimento positivista na República brasileira foi adotar o 
lema “ordem e progresso” em nossa bandeira. Há quem defenda que os ideais positivistas no 
Brasil funcionavam para tentar promover mudanças sem viabilizar, entretanto, modificações 
nas estruturas sociais e assegurar a modernização conservadora. Demonstrando que o sistema 
positivista no Brasil teve sua função histórica alterada, não servindo como instrumento de 
produção de mudanças nas estruturas sociais. Outros asseveram que a filosofia positivista não 
teve qualquer influência no processo de modernização conservadora, por não apresentar o 
aludido papel modernizador, tratando de processo sem função específica. 
O declínio da influência dos ideários positivistas sobreveio a partir do ano de 1891, após 
os primeiros momentos do regime republicano. Os ideais positivistas foram substituídos por 
outras correntes filosóficas de origem europeia gradualmente adotadas pela elite intelectual 
brasileira. O progresso das ciências suscitou profundas alterações nos sustentáculos da filosofia 
proposta por Auguste Comte, enfraquecendo, desse modo, os postulados do positivismo. 
Do estudo, infere-se que os fatores para que não fosse concretizada a construção do 
direito social idealizado por Auguste Comte estão relacionados à ascensão do liberalismo no 
mundo orientado pelo individualismo e crescente teoria da autonomia da vontade. Nesse 
sentido, o positivismo jurídico no Brasil afastou-se do aspecto sociológico em sua composição, 
o que limitou a compreensão do direito ao puro exame da norma, sem considerar a realidade 
fática a qual está inserida. Desse modo, criou-se excessivo formalismo que conduziu à 
fragilidade da ciência jurídica enquanto mecanismo de solução de conflitos sociais. 
 
 
15 
 
6 REFERÊNCIAS 
 
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um leitor europeu. Estudos CEBRAP, no. 21. 1988. 
 
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São Paulo: Atlas, 2015. 
 
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In Theoria - Revista Eletrônica de Filosofia. Volume 03 – Número 06 – Ano 2011. 
 
CASTRO SANTOS, L. A.. 1988. Meia Palavra sobre a "Filosofia Positiva" no Brasil. 
Novos Estudos CEBRAP, nº. 22. 1988. p. 193-198. 
 
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<https://jus.com.br/artigos/18443/o-positivismo-juridico-de-hans-kelsen>. Acessado em 28 de 
novembro de 2020 às 20h45. 
 
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preliminar sobre o conjunto do positivismo; Catecismo positivista. Os pensadores seleção 
de textos de José Arthur Giannotti; traduções de José Arthur Giannotti e Miguel Lemos. – São 
Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os pensadores) 
 
COSTA, João Cruz. O Positivismo na República: notas sobre a história do positivismo no 
Brasil. Cia. Ed. Nacional, São Paulo: 1956. 
 
OLIVEIRA. Francisco Cardozo Oliveira; GALEB. Maurício. Positivismo e Leitura Histórica 
do Direito de Propriedade e da Posse pelos Juristas. Coleção CONPEDI/UNICURITIBA – 
Vol. 29 – História do Direito – Ano 2014. 
 
QUILICI GONZALEZ, Everaldo T.; GOMES, Agostinho Geraldo. A Transposição do 
Pensamentos de Auguste Comte no Positivismo Jurídico Brasileiro: cientificidade jurídica 
e exclusão da dimensão sociológica. João Pessoa, 2014, p. 3. 
 
RUSSEL, Bertrand. Os Problemas Filosóficos. O valor da filosofia. São Paulo: Almedina, 
2008. 
 
TORRES, João Camilo de Oliveira. O positivismo no Brasil. Brasília: Câmara dos Deputados 
– edições. Câmara, 2018. 
 
https://jus.com.br/artigos/18443/o-positivismo-juridico-de-hans-kelsen
 
 
16 
 
WOLKMER, Antonio Carlos. História do Direito no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 
2003. 
17 
 
REPENSANDO A HISTÓRIA ÚNICA DO DIREITO LEGALISTA A PARTIR DA 
TEORIA JURÍDICA FEMINISTA E DA INTERSECCIONALIDADE 
 
 
Andrezza Gabrielli Silveira Menezes1 
Juliana Carolina da Silva Lima 2 
Juliana Fabrícia Correia Orihuela 3 
 
 
RESUMO 
O Direito é contado por meio de normas supostamente gerais, abstratas e imparciais, explicadas pelo Positivismo 
Jurídico Legalista. No entanto, faz-se necessário ressaltar que tais características são transmitidas por quem conta 
a história, fazendo-o, muitas vezes, de forma a desconsiderar o gênero, a raça e a classe como lentes necessárias 
para se pensar a ciência jurídica. Nesse sentido, tem-se como objetivo demonstrar como as premissas de 
conhecimento pretensamente avalorativo e neutro, postuladas na forma de se enxergar os direitos, mascara a forma 
com que estes atingiram e continuam a atingir as diversas mulheres em suas corporalidades, violentando-as. 
Outrossim, demonstra-se como a incorruptibilidade do Direito à outros âmbitos como a religião, a história e a 
medicina nãopode ser considerada absoluta quando se pensa na forma com que tais discursos de poder 
influenciaram a lei no tratamento de inferiorização postulado às mulheres. A pesquisa foi realizada a partir de uma 
abordagem da teoria jurídica feminista e da interseccionalidade, utilizando-se da metodologia crítica-reflexiva, por 
meio da análise de artigos, livros e legislação considerados pertinentes à temática proposta. Defende-se que, para 
que realmente não se conte uma histórica única do Direito é necessário compreender como este atuou e atua 
contrário as pretensões que postula, a partir das reflexões trazidas pelos feminismos. Somente dessa forma é que 
se torna possível compreender como as leis positivadas, na verdade, refletem o ponto de vista do homem e são 
instrumento para a subjugação das mulheres. 
 
Palavras-chave: Feminismos; Interseccionalidade; Positivismo Legalista. 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
O Direito Positivista é ensinado como avalorativo, tendo o seu surgimento enquanto 
ciência necessitado da abdicação de juízos de valor, devendo reter-se aos juízos de fato. Nesse 
sentido, são abandonados ditames em relação aos valores morais e à justiça, atrelados à busca 
por um direito ideal, própria do Juspositivismo (BOBBIO, 1995). 
Tem-se, portanto, a negação da subjetividade, com o intuito da busca por um 
conhecimento neutro. Deve-se ressaltar que a necessidade de buscar por objetividade também 
 
1 Acadêmica de Direito na Universidade Federal de Roraima (andrezzagabriellim@gmail.com). 
2 Acadêmica de Direito na Universidade Federal de Roraima (julianasilvarr@gmail.com). 
3 Acadêmica de Direito na Universidade Federal de Roraima (julianaorihuela@gmail.com). 
18 
 
passa a ser ideário de outras ciências humanas como, por exemplo, a história, pois “mesmo o 
historiador se esforça em ser objetivo, em reconstruir os fatos, despojando-se de suas paixões 
[…] de modo a explicar os eventos e não julgá-los […]”( BOBBIO, 1995, p. 136). 
Essa construção de cientificismo, própria da Modernidade, replicada nos conhecimentos 
das áreas humanas, foi responsável por justificar diversas violências. Sob esse prisma, 
Chimamanda Ngozi (2009) questiona os perigos de uma história única. A análise feita por ela, 
atrelada ao pensamento decolonial, questiona como a realidade objetiva é apresentada sob o 
ponto de vista do colonizador, considerada a mais racional, a mais avançada, enquanto a visão 
do colonizado, considerada como inferior, seria subjetiva. 
De maneira análoga à construção de Ngozi, tem-se como objetivo questionar o perigo 
de uma história única do Direito, ou seja, aquela que é contada por meio de normas 
supostamente gerais, abstratas e imparciais, explicadas pelo Positivismo Jurídico Legalista. Tal 
questionamento será realizado a partir das perspectivas feministas, que, por muito tempo, foram 
excluídas do âmbito acadêmico por pautarem-se sob o ponto de vista do grupo excluído, frisa-
se, não homogêneo, das mulheres. 
Nesse sentido, utiliza-se dos feminismos, pois tais movimentos contestam de maneira 
assertiva as premissas de conhecimento avalorativo e neutro postuladas pela ciência jurídica na 
forma com que estes atingiram e continuam a atingir as diversas mulheres em suas 
corporalidades. A utilização de Feminismo no plural se dá pelas diversas correntes desse 
pensamento, como o Radical, Liberal, Negro, Decolonial etc, que realizam as críticas a partir 
da própria definição do termo feminismo enquanto categoria hegemônica. Dessa forma, 
somente a partir das óticas feministas, por meio de juízos de valor, é que se torna possível 
compreender como as leis positivadas, na verdade, refletem o ponto de vista do homem e são 
instrumentos para a subjugação das mulheres. 
A pesquisa foi realizada a partir de uma abordagem da teoria jurídica feminista e da 
interseccionalidade, utilizando-se da metodologia crítica-reflexiva, por meio da análise de 
artigos, livros e legislação considerados pertinentes à temática proposta. Por fim, ressalta-se 
que a maioria dos ensinos jurídicos brasileiros desconsidera a relação dos feminismos com o 
Direito, pois, pautando-se somente na letra fria da lei, ocultam as formas com que os 
movimentos feministas lutaram por direitos e para a desconstrução de machismos e moralismos 
legalizados. 
 
2 CONTRAPONDO UMA HISTÓRIA ÚNICA DO DIREITO 
 
19 
 
As críticas feministas “se apresentam como um contraponto à tradição científica 
positivista, que busca a verdade absoluta a partir de uma concepção de ciência marcada, de um 
lado, pela neutralidade e, de outro, por uma metodologia imune às influências sociais” 
(MENDES, 2017, p. 84). Ao analisar tal crítica ao positivismo, pode-se observar a negação de 
pressupostos do Direito baseado em tal corrente, que postula ser neutro, imparcial, geral e 
abstrato. 
Nesse sentido, pontua-se que, em uma análise rasa, o âmbito jurídico poderia ser visto 
unicamente como protetor, garantidor de direitos e instrumento de justiça social, considerando 
nesse recorte, sobretudo, os direitos concernentes ao grupo diverso que se constitui o termo 
mulheres. Evita-se partir de uma concepção homogênea do termo mulher, considerando que 
não se pode considerá-la de maneira a ignorar multiplicidades e complexidades concernentes 
ao gênero, raça, classe e etnia. Para fugir de tais concepções Alda Facio (1999, p. 25) destaca a 
importância de se conhecer o feminismo, não só pela popularidade do Movimento, mas “para 
compreender el rol que ha desepeñado el derecho en la mantención y reproducción de la 
ideologia y estructuras que confirman el patriarcado” (Tradução livre: “para compreender o 
papel que o direito desempenhou na manutenção e na reprodução da ideologia e estruturas que 
confirmam o patriarcado”). 
O Movimento Feminista questiona, desde a Revolução Francesa, a suposta igualdade da 
ciência jurídica. A francesa Olympe de Gouges foi uma das principais representantes a 
questionar a universalidade da Declaração dos Direitos do homem e do cidadão, que claramente 
pressupunha como intrínseco à qualidade de humanidade o gênero masculino, branco e detentor 
de subsídios. Partindo desse pressuposto, as mulheres não eram consideradas cidadãs e, 
portanto, não existiam como sujeitos de direito. Como Cusicanqui ressalta (2010, p. 204) “el 
derecho y la formación histórica moderna […] tienen en Europa un anclaje renacentista e 
ilustrado a través del cual renace el ser humano como Sujeto Universal (y masculino) de la 
noción misma de ‘derecho’” (Tradução livre: “O Direito e a formação histórica moderna […] 
tem na Europa um enclave renascentista e ilustrado através de qual renasce o ser humano como 
sujeito universal (e masculino) de noção mesma de direito”). 
Apesar disso, quando cita-se a relação entre mulheres e Direito, em grande parte das 
abordagens, tem-se o intuito de enfatizar a atuação do Direito não como criador de disparidades, 
mas como salvador, acentuando aspectos concernentes, por exemplo, ao combate à violência 
doméstica, utilizando-se da Lei Maria da Penha, ao homicídio em razão do gênero, utilizando-
se da qualificação do Feminicídio e, mais recentemente, contra os atos que caracterizam a 
Importunação Sexual, tipificada pelo Código Penal. 
20 
 
No entanto, todas essas temáticas supracitadas são apresentadas de forma ineficaz e sob 
à ótica do conhecimento hegemônico, tratando-se de tais direitos de forma a ocultar a sua 
história, como se tivessem surgido magicamente da boa vontade do legislador. Utiliza-se, dessa 
forma, da pretensiosa perspectiva da objetividade, distanciando-se completamente da realidade 
de que foram direitos que surgiram da dor das violências praticadas contra às mulheres, que os 
reivindicaram por meio dos diversos movimentos feministas. 
Tratando-se da Lei Maria da Penha, Fabiana Severi (2018) demonstra como a forma em 
que a história da Lei é contada tende a omitir a atuação das feministas brasileiras que,por muito 
tempo, lutaram para ter a violência doméstica reconhecida além do âmbito privado. Também 
cita a propensão das obras concernentes a tal dispositivo legislativo citarem o movimento 
feminista simplesmente com a finalidade de acusá-lo de punitivista, sendo que o propósito do 
movimento nunca foi simplesmente a criminalização, mas a busca por outras medidas que não 
foram adotadas pelo Estado. 
 
3 A INFERIORIZAÇÃO DA MULHER PELOS DIVERSOS DISCURSOS E A 
IMPLICAÇÃO NO DIREITO 
 
Faz-se necessário ressaltar o fato de não se pontuar como o posicionamento do Direito, 
enquanto Teoria Pura e avalorativa, “parte del punto de vista masculino [...] da respuesta 
exclusivamente a los intereses de los hombres y trata dichas necesidades como universales al 
ser humano y no como próprias de una mitad de los sujetos del derecho (FACIO, 1999, p. 27. 
Tradução livre: “parte de um ponto de vista masculino […] dá resposta exclusivamente aos 
interesses dos homens e trata de tais necessidades como universais ao ser humano e não como 
próprias da metade dos sujeitos de direito”). Portanto, oculta-se que o âmbito jurídico foi 
influenciado por diversos discursos de poder que circundam a sociedade responsáveis por 
solidificar a dominação do homem sobre a mulher. 
Nesse sentido, Silvia Chakian (2019) demonstra em âmbitos como a religião, a história 
e a medicina foram responsáveis por consolidar o tratamento dado às mulheres pelo Direito. No 
mesmo plano expõe Beauvoir (2016, p. 19), “legisladores, sacerdotes, filósofos, escritores e 
sábios sempre se empenharam em demonstrar que a condição de subordinação da mulher era 
desejada no céu e proveitosa na terra”. 
Dessa forma, visa-se atrelar tal construção a como a legislação brasileira, calcada nos 
ideais positivistas, relegava às mulheres uma posição de subordinação e inferiorização. 
Outrossim, busca-se demonstrar como, além de não se falar sobre a luta feminista pelos direitos 
21 
 
conquistados, não se fala na maneira em que o Direito atuou/atua como mecanismo de violência 
contra as mulheres, mesmo partindo de uma concepção legalista. 
 
3.1 Mística cristã 
 
A religião é um dos âmbitos que mais estabelece papéis de gênero dentro do meio social. 
Ao fugir de tais normas comportamentais, a figura feminina é considerada, por vezes, diabólica 
por ser um instrumento de tentação e pecado que corrompe o homem. É interessante ressaltar 
como a visão bíblica é responsável por atribuir às mulheres que decidem não seguir as 
orientações do poder divino pressupostos de serem corruptíveis, ludibriáveis e maldosas. 
Pode-se perceber tais constatações ao analisar as representações das mulheres na Bíblia, 
como expressa Chakian (2019, p.9), citando Maíra Zapater:, “[...] enquanto a mulher é 
representada por duas figuras centrais: Eva e a Virgem Maria: a primeira, responsável pelo 
‘pecado do mundo’, e a segunda, por conceber o filho de Deus ‘sem pecado’”. Nesse sentido, 
a mulher considerada valorosa e digna de respeito é aquela que se adequa às normas de 
castidade, de submissão, de passividade e de obediência. 
Essa percepção de separar as mulheres em grupos diversos, considerando valores morais 
postulados pela religião, sobretudo quanto às ideias de que uma “pureza sexual” feminina 
atrelada à honestidade enquanto ser humano, é absorvida pelo âmbito jurídico na Codificação 
Penal de 1940. O referido código “excluía de proteção jurídica toda aquela cuja reputação não 
correspondesse aos padrões morais de recato, pudor e submissão da época” (CHAKIAN, 2019, 
p. 233). A proteção apenas à “mulher honesta” ainda foi alvo de tentativa de explicação, anos 
depois, por Nelson Hungria, presidente da Comissão Revisora do Anteprojeto do Código Penal 
de 1969, quando declarou: 
 
Como tal se entende, não sòmente aquela cuja conduta, sob o ponto de vista da moral 
sexual, é irrepreensível, senão também aquela que ainda não rompeu com o minimum 
de decência exigida pelos bons costumes. Só deixa de ser honesta (sob o prisma 
jurídico-penal) a mulher francamente desregrada, aquela que inescrupulosamente, 
multorum libidini patet, ainda não tenha descido à condição de autêntica prostituta. 
Desonesta é a mulher fácil, que se entrega a uns e outros, por interesse ou mera 
depravação (cum vel sine pecúnia accepta) (DA SILVA, 2019, p. 229-230). 
 
Nesse sentido pode-se perceber o histórico sexista em que o Código Penal brasileiro 
classificava as mulheres entre honestas e não honestas. Como exemplo, o anterior caput do art. 
215: “ter conjunção carnal com mulher honesta mediante fraude”; sendo o termo “honesta” 
suprimido da redação atual. Na visão de Chakian (2019) a situação poderia ser enxergada até 
22 
 
mesmo como uma forma de classificação atinente à mulheres estupráveis e não estupráveis. Tal 
fato só foi alterado na letra da lei com o advento da Lei n.º 11.106/05, que passa a retirar o 
termo “honesta” da tipificação penal. 
No entanto, deve-se ressaltar que, apesar da alteração legislativa, não necessariamente 
houve câmbio na mentalidade da sociedade e dos juristas, uma vez que ainda tende-se atrelar 
tais condutas para qualificar às vítimas de estupro como passíveis ou não de serem acreditadas. 
Como exemplificação, pode-se citar o caso da influencer Mariana Ferrer, que teve parte da 
audiência divulgada na qual é possível observar como o advogado de defesa utiliza-se dos 
comportamentos da vítima para tentar descaracterizar que esta era virgem, pois na concepção 
da defesa ela não era “pura” o suficiente (THE INTERCEPT BRASIL, 2020), trazendo à tona 
o mesmo pensamento de Nelson Hungria. 
 
3.2 A Idade Média e a Era das Bruxas 
 
No imaginário coletivo existe a imagem construída da bruxaria da Idade Média, 
responsável por levar muitas mulheres à fogueira por seus feitiços, pactos com o demônio, 
heresias e pecados. No entanto a historiadora Silvia Federici (2017, p. 299) demonstra que a 
bruxa era a que “praticava sua sexualidade fora dos vínculos do casamento e da procriação. Por 
isso, nos julgamentos por bruxaria, a má reputação era prova de culpa” 
Importante destacar o Malleus Maleficarum ou Martelo das Feiticeiras, um manual de 
inquisidores da época, no qual “constam afirmações relativas à perversidade, à malícia, à 
fraqueza física e mental, à pouca fé das mulheres, e, até mesmo, a classe de homens que seriam 
imunes aos seus feitiços” (MENDES, 2017, p. 21). Dessa forma, justificando judicialmente a 
caça às bruxas em razão da mulher ter intrinsecamente uma conduta desviante. 
Essa construção que passa a caracterizar as mulheres como seres que deveriam ser 
temidos e, após, aniquilados, ultrapassou a chamada Idade Média. Nesse sentido, as mulheres 
que não seguem as normas prescritas pela sociedade, por exemplo, por não aceitarem a 
maternidade compulsória ou, sobretudo, os ditames da moral sexual, continuam a ser mal vistas: 
 
[...] ainda que tenha passado a ser reconhecida como sujeito passivo, a prostituta 
continua sofrendo, não só com as consequências físicas, psíquicas, econômicas e 
sociais do fato típico (vitimização primária), mas também com a falta de prepara e o 
descrédito das instituições no que diz respeito à sua palavra (vitimização secundária) 
(CHAKIAN, 2019, P. 235). 
 
Dessa forma, observa-se que a figura das bruxas, claramente, faz-se persistente, tendo 
em vista que, a mulher que decide não seguir a conduta prescrita pela sociedade machista e 
23 
 
patriarcal, não é vista da mesma forma pelos julgadores. Portanto, é possível entender que o 
âmbito jurídico não é incorruptível quanto à concepção social pautada, como demonstra 
Chakian (2019), em uma dupla moral sexual, na qual se repudia no comportamento sexual 
feminino o que se aprova no masculino. 
 
3.3 A literatura médica 
 
Do século XIII ao século XIX a mulher passa a ser categorizada por um discurso 
biológico e patologizante que tem como intenção justificar a sua inferioridadede forma 
científica. Nesse plano, Chakian (2019, p. 21) citando Laqueur, demonstra que até mesmo 
utilizavam-se dos fluidos corporais das mulheres contra elas, “os humores frios e úmidos 
considerados dominantes no corpo da mulher eram relacionados com as características de 
“mentira, mutação, instabilidade”. 
Tais discursos eram utilizados para determinar o lugar da mulher na sociedade, muitas 
vezes utilizando do seu sexo para relegá-la a um lugar inferior e transformá-la em um ser menos 
confiável, mentiroso e atribuir-lhe a loucura, retirando-lhe o estado de sanidade mental. 
A influência de tais ideias fica bastante evidente quando analisamos que até o Estatuto 
da Mulher Casada, Lei n.º 4.121, de 1962, no qual as mulheres eram consideradas relativamente 
incapazes ao se casarem. Nesse sentido, o casamento as fazia perder a capacidade, que, como 
se sabe, no Direito Civil está atrelada ao desenvolvimento mental do sujeito. Dessa situação 
jurídica, decorriam importantes limitações: 
 
Entre 1916 e 1962, a chefia masculina permaneceu assim definida, competindo ao 
marido a representação legal da família, a administração dos bens comuns, o direito 
de fixar domicílio e o dever de ‘prover a manutenção da família’. A lei de 1962 
avançou ao retirar do código o direito do marido de ‘autorizar a profissão da mulher 
e sua residência fora do teto conjugal’ (BIROLI, 2018, p. 120). 
 
Dessa forma, o próprio Direito legitimava a infantilização da mulher, que perdia a 
habilidade de tomar as próprias decisões e se autodeterminar. Concepções que ainda perpetram 
o tratamento institucional dado às mulheres que vão em busca da tutela jurisdicional: 
 
[…] a reação vai questionar não apenas os fatos que a mulher afirma, mas também a 
sua capacidade de falar e seu direito de falar. Gerações de mulheres já foram chamadas 
de delirantes, confusas, manipuladoras, malévolas, conspiratórias, congenitamente 
desonestas [...] (SOLNIT, 2017, p. 134). 
 
Nesse sentido, pode-se observar, sobretudo no campo processual penal, como o discurso 
médico se cristalizou, pois muito se fala da mulher mentirosa, sendo incontáveis os 
24 
 
depoimentos em casos de violência de gênero que já foram descredibilizados por não 
acreditarem na palavra da vítima, principalmente, quando se está à frente de um agressor que 
não se encaixa no estereótipo, por ser considerado um homem de família e um cidadão do bem, 
rico, branco e heterossexual. 
 
4 A IMPORTÂNCIA DA INTERSECCIONALIDADE 
 
 Apesar das alterações legais quanto às violências legitimadas contra as mulheres no 
plano jurídico, como pôde-se observar no tópico anterior, e da criação de direitos que tendem a 
caracterizar o Direito como um instrumento de justiça social, faz-se necessário fazer ressalvas. 
Nesse sentido, mesmo que esses direitos se apresentem positivados nas diversas leis e códigos, 
não são todas as mulheres que podem exercê-los de forma equânime e igualitária. 
Alda Facio (1999) demonstra como a maioria das correntes dos feminismos não se 
preocupa somente com a elaboração de mais leis para as mulheres, simplesmente considerando 
um aspecto formal, mas também considera quem vai conseguir exercer tais direitos, 
possibilitando um exercício substancial. 
A autora aponta que, muitas vezes, o feminismo apoia as mudanças legislativas, apesar 
de ter consciência que atingirão em grande parte somente as mulheres de classe média alta, com 
a esperança de talvez haver certa mudança nas estruturas de poder. Nesse viés, Sueli Carneiro 
(2003) relata diversas conquistas do movimento feminista brasileiro, mas, também, demonstra 
como, por muito tempo, tal movimento foi pautado por uma visão homogênea, que 
invisibilizava as pluralidades e as diferenças das diversas mulheres. 
Tal fato pode ser visto nas importantes conquistas pelo chamado Lobby do Batom, que 
liderou diversas conquistas quanto aos direitos das mulheres na Constituinte. No entanto, nos 
direitos conquistados, não se falava na realidade da mulher negra ou indígena. Dessa forma, é 
válido ressaltar que, essa mesma visão de que existe uma figura de mulher homogênea, é 
adotada pelo Direito. 
Desconsiderar as multiplicidades que circundam o gênero é uma forma de ocultar a 
diferença que sempre existiu entre as mulheres de diferentes classes e raças. Isto posto, é 
necessário ressaltar que “enquanto […] mulheres brancas lutavam pelo direito ao voto e ao 
trabalho, mulheres negras lutavam para serem consideradas pessoas” (RIBEIRO, 2016, p. 100). 
O Movimento Feminista Negro enfatiza que, apesar do âmbito jurídico prever 
formalmente direitos relacionados ao gênero, substancialmente não são todas as mulheres que 
usufruem deles. Há de se observar que parte da classe feminina está subordinada a sistemas de 
25 
 
opressão simultâneos ao machismo, como o racismo e a classe social, o que torna mais 
complexo o exercício material de direitos, haja vista a maior vulnerabilidade. 
Assim, considerando a desigualdade histórica do exercício de direitos, sobretudo no 
Brasil, em que há uma fortíssima hierarquia social, faz-se relevante ressaltar o conceito de 
“Interseccionalidade”, que apresenta a forma com que “o racismo, o patriarcalismo, a opressão 
de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as 
posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras” (CRENSHAW, 2002, 277). Em 
analogia, enquanto a mulher branca e rica está firme no combate ao machismo, a preta pobre 
tem que defrontar com o sexismo e preconceito contra a raça diariamente enquanto desempenha 
o papel de trabalhadora. 
Por esse motivo, há necessidade de compreensão da questão de gênero como um 
fenômeno complexo. Observa-se nele a existência de diferentes formas de desigualdade, que 
não apenas a desigualdade entre homem e mulher. Através da interseccionalidade há o estudo 
e contribuição para que mulheres negras, indígenas, imigrantes, transgêneros, homoafetivas, 
com deficiência, pobres, com baixa escolaridade e mulheres brancas, classe média e 
escolarizadas, tenham diferentes experiências que devem ser consideradas motivo pela esfera 
jurídica. 
 
5 CONCLUSÃO 
 
 A partir do que foi exposto é possível perceber que os ideias positivistas quanto à 
neutralidade e à imparcialidade não são observados quando se analisa a história jurídica por 
outra ótica. Nesse sentido, mesmo pautando-se na legislação, observou-se um tratamento que 
visava regular e reprimir determinado gênero, raça e classe, sendo o critério generalista da 
norma inobservado para se alcançar tais fins. 
 Ademais, a pretensa proibição da adequação à valores é rechaçada quando se analisa as 
formas com que o Direito replicou convicções que inferiorizam as mulheres, advindos de 
diversos círculos, como a religião, a história e a medicina. Observou-se, através da presente 
pesquisa, que estas crenças foram responsáveis por solidificar características negativas 
continuamente atribuídas às mulheres de forma a inferiorizá-las. 
 Apesar da esfera jurídica ter legitimado por muito tempo a submissão feminina através 
das leis e códigos, atualmente há uma ênfase ao papel dos direitos ligados ao combate à 
violência de gênero. Contudo, as normativas omitem que tal cambio de perspectiva se deu como 
fruto das mobilizações dos diversos feminismos e não resultou de uma curta batalha. 
26 
 
Nesse sentido, deve-se destacar que apesar das mudanças legislativas, a esfera jurídica 
continua a violentar as diversas mulheres na substancialidade do exercício de direitos. Dessa 
forma, para não contar uma história única do Direito é importante, além de entender como o 
âmbito jurídico subjugava as diversas mulheres por meio das leis, pensar a partir das lentes da 
interseccionalidade. A partir desse pensamento, será possível, então, possibilitar a equidade na 
garantia e segurança dos direitos à multiplicidade feminina existente no mundo, deforma que 
as necessidades de mulheres mais vulneráveis sejam atendidas tais quais são as de mulheres 
brancas, ricas, e escolarizadas. 
 
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
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28 
 
 
ANÁLISE JURÍDICA E FILOSÓFICA DO FILME PANTERA NEGRA 
 
 
Danyele Beatriz Cavalcante de Oliveira1 
Isabelly da Silva Rodrigues2 
Maria Clara Govêia de Oliveira3 
 
 
RESUMO 
O filme Pantera Negra é um longa de Ryan Coogler, que traz como personagem principal um super-herói negro. 
Em consequência desse fato, a obra aborda muitos temas da luta por direitos da comunidade negra e africana. O 
presente artigo pretende realizar uma análise das questões levantadas pelo filme Pantera Negra, utilizando-se de 
um estudo filosófico e jurídico, refletindo sobre como essas críticas impactam o cenário mundial. Utilizando-se o 
método dedutivo aliado ao método crítico-reflexivo e realizando pesquisa bibliográfica doutrinária, tem-se como 
resultado a comprovação de que a película desempenha imprescindível papel na militância antirracista, 
contribuindo com o cenário acadêmico. 
Palavras-chave: Pantera Negra; Antirracismo; Direito; Filosofia. 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
Pantera Negra (2018) é um filme do Universo Marvel e retrata a história do começo do 
reinado do príncipe T’Challa no país africano fictício Wakanda, que é um grande segredo para 
o mundo. Para a sociedade mundial, trata-se de um país de terceiro mundo. No entanto, 
Wakanda é, na verdade, um grande centro de desenvolvimento, cultura e fartura, onde os 
avanços tecnológicos são inimagináveis. Com o novo status real, T’Challa enfrenta um grande 
 
1 Acadêmica em Direito da Universidade Federal de Direito (danybeatriz15@gmail.com). 
2 Acadêmica em Direito da Universidade Federal de Direito (risabelly980@gmail.com). 
3 Acadêmica em Direito da Universidade Federal de Direito (mariaclarinha.rr@gmail.com). 
29 
 
 
problema: os vilões Ulysses Klaue e Erik Killmonger estão roubando o grande metal 
“Vibranium”, típico de Wakanda e um dos principais garantidores do desenvolvimento do país. 
Por ser o primeiro filme que conta a história de um super-herói negro nos cinemas, a 
obra cinematográfica se tornou um marco no que se refere a representatividade para a população 
negra. O filme gerou grande repercussão ao retratar não apenas um super-herói em posição de 
poder, mas uma sociedade onde há respeito mútuo e os negros não são discriminados, não 
passam dificuldades e têm suas origens e cultura valorizadas. A história representa não apenas 
os negros no geral, mas também a comunidade feminina, pois o país fictício de Wakanda tem 
as mulheres como principais guerreiras e defensoras da terra, além da personagem adolescente 
Shuri, irmã do príncipe T’Challa, que coordena e idealiza toda a produção tecnológica do país. 
Em agosto de 2020 o Atlas da Violência, em estudo feito pelo Ipea (Instituto de Pesquisa 
Econômica Aplicada), juntamente com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, tendo como 
base de dados os números indicados pelo Sistema de Informação sobre Mortalidade, do 
Ministério da Saúde (SIM/MS), apontou que a taxa de homicídio de negros cresceu 11,5% e a 
de não-negros caiu 12% no período de 2008 a 2018. Ainda segundo a pesquisa, os negros 
contabilizam 75,9% dos brasileiros assassinados no período estudado, destacando o estado de 
Roraima com a taxa de 87,5 mortos para cada 100 mil habitantes. 
Diante dos fatos mencionados e das recentes manifestações antirracistas que ocorreram 
no mundo, como o movimento “Black Lives Matter”, surgiu a necessidade de analisar como o 
filme impactou a sociedade ao acender uma chama de esperança de dias melhores, com mais 
respeito, igualdade e oportunidade para os grupos que se encontram em situação de 
vulnerabilidade social. 
Tendo em vista essa justificativa e por usufruto do método dedutivo em conjunto com o 
método crítico-reflexivo, realiza-se este artigo com objetivo de construir uma análise das 
críticas feitas pelo longa. Para tal, se faz presente um estudo filosófico e jurídico em que ocorre 
uma reflexão sobre como é impactado o cenário mundial mediante repercussão do filme. 
 
2 PARTICULARIDADES DE PANTERA NEGRA 
 
É possível notar, com a sinopse e o enredo, que o filmeé uma verdadeira aventura e 
fantasia que, em princípio, não se adequaria como objeto de um estudo filosófico e jurídico. 
30 
 
 
Entretanto, a obra utiliza referências reais que representam a população negra de todo o mundo. 
O presente tópico tem por objetivo analisar esses traços que fazem a película se tornar rica para 
ser estudado. 
É relevante citar que o elenco é majoritariamente composto por pessoas negras. O 
protagonista é homem negro que é rei de um país extremamente desenvolvido. Além disso, a 
maioria das personagens coadjuvantes, que estão em volta de T’Challa, são mulheres negras, 
que são retratadas como guerreiras, rainhas e gênias superdotadas. Com essa observação, pode-
se constatar que há uma preocupação em desconstruir estereótipos muito comuns do imaginário 
social, em que se coloca um homem negro em uma posição de destaque e a mulher negra em 
uma função que, em uma sociedade não fictícia, seria ocupada por um homem. 
A ideia do filme é contrária ao que Djamila Ribeiro (2019) ilustra ao citar casos 
brasileiros: 
 
A escrava Isaura, por exemplo, uma adaptação de Gilberto Braga do romance 
homônimo de Bernardo Guimarães (1875), apesar de no livro a personagem-título ser 
uma mulher negra, a atriz que a interpretou foi Lucélia Santos, uma mulher branca. O 
diretor apresenta muitos casos de racismo e critica o lugar subalterno a que 
personagens negros são relegados: para além da reivindicação justa por 
representatividade, também se deve questionar o modo como estamos sendo 
retratados. Muitas vezes atores negros são contratados para atuarem como “bandido” 
ou “bêbado”, no caso dos homens, ou como empregada doméstica ou a “gostosa”, no 
caso das mulheres. (RIBEIRO, 2019, p. 73 e 74) 
 
Além disso, é interessante compreender a construção social e cultural do país Wakanda. 
A nação fictícia é pautada em uma forte tradição baseada na espiritualidade, o que se expressa 
nas cenas dos rituais e da coroação do rei. Uma clara referência à cultura dos povos tradicionais 
africanos. 
Mediante essa reflexão, todavia, pode surgir a dúvida se a utilização dos aspectos no 
filme caracterizaria a existência de uma apropriação cultural, uma vez que se trata de uma 
produção lucrativa. 
O antropólogo Rodney William (2019) traz o seguinte conceito: 
 
Apropriação cultural é um mecanismo de opressão por meio do qual um grupo 
dominante se apodera de uma cultura inferiorizada, esvaziando de significados suas 
produções, costumes, tradições e demais elementos. Tomando como exemplo a 
sociedade de consumo, onde tudo se transforma em produto(...) (WILLIAM, 2019, p. 
29) 
31 
 
 
 
Djamila Ribeiro, escrevendo sobre o assunto, disse: 
 
É importante que se tenha uma preocupação real em não desrespeitar os símbolos de 
outra culturas. Para isso, deve-se nutrir empatia pelos diversos grupos existentes na 
sociedade, um processo intelectual que é construído ao longo do tempo e exige 
comprometimento: quando eu conheço outra cultura, eu a respeito. Então é essencial 
estudar, escutar e se informar. (RIBEIRO, 2019, p. 72) 
 
A partir desses discursos, pode-se constatar que o filme utiliza a tradição africana, por 
meio do veículo do entretenimento, para atingir a massa mundial, trazendo representatividade 
para a comunidade negra. Não se trata de uma opressão, nem ignora as mazelas vividas pelo 
povo africano (RIBEIRO, 2019). Na verdade, essa é uma das reflexões que o filme faz. O povo 
wakandano vive em um país extremamente desenvolvido e repleto de recursos, enquanto a 
população negra de todo o resto do mundo sofre com a escravidão, o racismo e a fome. 
Em face desse fato, é possível compreender a demonstração de que não há lugar perfeito 
e que Wakanda tem uma política extremamente isolacionista proveniente do medo de serem 
dominados, e de se aproveitarem de suas riquezas. Em consequência dessa política, a sociedade 
wakandana é muito preconceituosa com quem é de fora do país e tal traço se revela na figura 
do antagonista principal: Erik Killmonger. 
Na história do filme, se descobre que Erik é o primo renegado do rei T’Challa que 
cresceu às margens da sociedade estadunidense. Sendo um reflexo do sistema (MACHADO, 
2018), ele se revolta com a política exclusivista wakandana e busca tomar o país para si para 
que possa vingar o povo oprimido. Sobre o vilão Ayana Medeiros reflete: 
 
Considerando que o mesmo, foi criado fora de Wakanda, o seu essencialismo se 
igualava ao essencialismo europeu, através da sua experiência de vida no ocidente. O 
mesmo, por não respeitar a hierarquia espiritual própria do essencialismo africano 
acaba se tornando o vilão, no mais seus atos visavam a tornar Wakanda uma nação 
imperialista , assim como alguns países historicamente são. (MEDEIROS, 2018) 
 
Diante de tudo, é claro que que o filme traz muitos pontos importantes, que merecem 
uma ponderação filosófica mais profunda. 
 
3 PANTERA NEGRA, A MODERNIDADE E A PÓS-MODERNIDADE 
32 
 
 
Uma passagem muito marcante do filme é a cena em que Killmonger é derrotado e 
T’Challa demonstra misericórdia, não querendo matá-lo. O antagonista diz que prefere a morte 
e diz a seguinte frase: “Jogue-me no oceano com meus antepassados que pularam dos navios, 
porque sabiam que a morte era melhor do que a escravidão”. Com essa frase, a personagem 
lembra de como era feito o processo de escravização da população africana, que era levada 
pelos países dominantes para as colônias em navios negreiros. 
A partir dessa consideração, é imprescindível ponderar sobre a formação da sociedade 
moderna mundial e de suas influências. A modernidade (LOPES, 2011) surge após eventos 
como a Reforma Protestante e a chegada dos europeus à América, baseada nas correntes 
ideológicas advindas de pensadores como Immanuel Kant (1724-1804) e Georg Wilhelm 
Friedrich Hegel (1770-1831), os quais pregam ideais de liberdade e emancipação (CÂNDIDO; 
JESUS; NEGRI, 2018), no plano filosófico. 
Contraditoriamente, percebe-se que a modernidade se forma a partir de uma influência 
exclusivamente europeia. No entanto, o mundo não é formado apenas pela Europa. O que dizer 
das outras culturas como a da população negra? Elas foram diminuídas e escravizadas, 
resistindo aos colonizadores através de muita luta. Dessa forma, tem-se: 
 
Sendo assim, aquelas formas de pensar e de viver que não se identificavam com as 
formas de pensar e viver europeias eram consideradas como não-humanas, bárbaras 
ou selvagens. E isso justificaria um processo supostamente civilizador e modernizante 
dessas populações e culturas, mesmo que realizado de forma violenta e gerando 
sacrifícios humanos. (CÂNDIDO; JESUS; NEGRI, 2018) 
 
O filme é, portanto, muito eficaz ao abordar essa construção social. Com isso, a Revista 
Movimento (2018) aponta Pantera Negra como uma produção com características fundamentais 
pós-modernistas. Segundo Terry Eagleton: 
 
Pós-modernidade é uma linha de pensamento que questiona as noções clássicas de 
verdade, razão, identidade e objetividade, a ideia de progresso ou emancipação 
universal, os sistemas únicos, as grandes narrativas ou os fundamentos definitivos de 
explicação. Contrariando essas normas do iluminismo, vê o mundo como contingente, 
gratuito, diverso, instável, imprevisível, um conjunto de culturas ou interpretações 
desunificadas gerando um certo grau de ceticismo em relação à objetividade da 
verdade, da história e das normas, em relação às idiossincrasias e a coerência de 
identidades. Essa maneira de ver, como sustentam alguns, baseia-se em circunstâncias 
concretas: ela emerge da mudança histórica ocorrida no Ocidente para uma nova 
forma de capitalismo — para o mundo efêmero e descentralizado da tecnologia, do 
consumismo e da indústria cultural, no qual as indústrias de serviços, finanças e 
informação triunfam sobre a produção tradicional, e a política clássica de classes cede 
terreno a uma série difusa de “políticas de identidade”. (EAGLETON,2011, p.7) 
33 
 
 
 
Em razão dessa explanação, a revista classifica o filme nessa categoria, uma vez que ele 
retrata as consequências de um sistema neoliberal, como a desigualdade e a pobreza, que se 
relaciona com a sociedade capitalista. Além disso, a obra também discute como seria se 
Wakanda, um país tão avançado tecnologicamente, dominasse o mundo, o que também se 
encaixa na ideia pós-moderna. Tal fatos demonstram que as críticas da obra contribuem para o 
cenário acadêmico e bombardeiam a massa com extremas reflexões. 
 
4 QUESTÕES JURÍDICAS LEVANTADAS A PARTIR DA ANÁLISE DO FILME 
 
Conforme já exposto, toda a produção e execução do filme “Pantera Negra” nos faz 
refletir sobre o papel que os negros têm ocupado não só no cinema, como também nos diversos 
setores da sociedade. 
O filme apresenta um país africano extremamente rico com pessoas negras exercendo 
funções de destaque como reis e heróis, muito diferente do que nos é comum em grandes 
produções cinematográficas. Se tornou natural, no âmbito desse meio artístico, retratar esse 
segmento sempre em posição de inferioridade e submissão ou até mesmo como o “mau” que 
deve ser eliminado. 
O que se observa é como produções artísticas reforçam os estereótipos e o racismo 
estrutural presente na sociedade. Ao assistir o longa-metragem ora analisado pode-se 
questionar: quem exerce as posições de poder na nossa sociedade? Todos os segmentos estão 
igualmente representados? O direito à igualdade é uma realidade? 
Cumpre destacar que o tema em questão possui muitos desdobramentos a serem 
discutidos, no entanto, tendo em vista os objetivos delimitados no presente artigo, atém-se a 
uma abordagem meramente jurídica. 
 
5 O DIREITO NA LUTA CONTRA O RACISMO 
 
34 
 
 
No contexto internacional, vemos que o direito à igualdade se tornou uma preocupação 
das nações principalmente após às Segunda Guerra Mundial, quando em 1948 é celebrada a 
Declaração Universal dos Direitos Humanos que em seu artigo primeiro dispõe: 
 
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados 
de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de 
fraternidade. 
 
A partir daí surgiram vários tratados e resoluções importante com o objetivo de pôr fim 
às diversas discriminações incluindo a racial. Destacamos a Convenção Interamericana de 
Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) de 1969, ratificada pelo Brasil por meio 
do Decreto n° 678/1992, cujo art. 24 assim nos apresenta: “Artigo 24. Todas as pessoas são 
iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem discriminação, a igual proteção da lei.” 
No Brasil nossa Constituição Federal em seu art. 5° dispõe: 
 
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos 
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à 
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: 
(...) 
XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades 
fundamentais; 
XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à 
pena de reclusão, nos termos da lei. 
 
Como pode se observar no campo das normas qualquer tipo de discriminação é 
intolerável, sendo que todos devem ser tratados igualmente, entendendo-se que os lugares de 
poder de uma sociedade podem ser exercidos por qualquer cidadão. 
Mais uma vez nos deparamos com o dilema do mundo jurídico de trazer para a realidade 
da população o disposto na norma, tarefa muito árdua e que muitas vezes é dificultada pelo 
Direito quando observamos, por exemplo, o sistema penal e sua seletividade. O que se vê, ao 
contrário do disposto na lei, é o poder de representatividade concentrado nas mãos de apenas 
um segmento da sociedade. 
No entanto, isso não significa afirmar que o Direito seja dispensável na luta por um 
tratamento igualitário. Sobre a relação do direito com o racismo Silvio Luiz de Almeida em seu 
livro Racismo Estrutural, apresenta duas visões: 
35 
 
 
 
1. o direito é a forma mais eficiente de combate ao racismo, seja punindo 
criminal e civilmente os racistas, seja estruturando políticas públicas de promoção da 
igualdade; 
2. o direito, ainda que possa introduzir mudanças superficiais na condição de 
grupos minoritários, faz parte da mesma estrutura social que reproduz o racismo 
enquanto prática política e como ideologia. (ALMEIDA, 2019) 
 
Muito embora seja possível afirmar que o direito como instituição pode, de alguma 
forma, reproduzir o racismo presente na ordem social, entendemos que ele ainda é uma 
ferramenta importante na luta antirracista empreendida por diversos movimentos sociais. 
 
6 HISTÓRICO LEGISLATIVO BRASILEIRO SOBRE QUESTÕES RACIAIS 
 
No ordenamento jurídico brasileiro, a legislação vem tratando da temática racial há 
muitos anos. Em 1951 foi promulgada a Lei Afonso Arinos, Lei 1.390/51, que tornou 
contravenção a prática da discriminação racial. A Constituição de 1988 tratou de forma mais 
eficiente o assunto, no âmbito penal tornou o crime de racismo inafiançável e imprescritível 
como já exposto, tal disposição serviu de base para a Lei n° 7.716/89, lei dos crimes de racismo, 
também conhecida como Lei Caó em homenagem ao parlamentar que propôs o projeto de lei, 
Carlos Alberto de Oliveira, 
Em 1997 a Lei n° 9.459 acrescentou o §3° ao art. 140 do Código Penal instituindo o tipo 
penal da injúria racial ou qualificada. Vale destacar a Lei 10.639/2003, que determina o ensino 
de história da África e cultura afro-brasileira em todas as escolas nacionais, e a Lei 12.288/2010, 
que é também chamada de Estatuto da Igualdade Racial. 
Recentemente no dia 25 de novembro de 2020, foi aprovado no Senado Federal um 
projeto de lei (PLS 787/2015) que altera o Código Penal e inclui a previsão de agravantes aos 
crimes praticados por motivo de racismo. O texto inclui no Código Penal Brasileiro a 
possibilidade de inserir agravante “por motivo de discriminação e preconceito de raça, cor, 
etnia, religião, procedência nacional ou orientação sexual”. O projeto seguiu para a aprovação 
na Câmara dos Deputados. 
 
7 REPERCUSSÃO DO FILME NO ATUAL CENÁRIO RACIAL 
36 
 
 
 
As manifestações antirracistas têm sido cada vez mais frequentes em vários países, seja 
através de protestos nas ruas ou nas redes sociais. Em 2020, tais manifestações ganharam mais 
força e visibilidade após o caso de George Floyd, que foi assassinado em uma abordagem 
policial nos Estados Unidos. Com a repercussão do caso, o movimento Black Lives Matter veio 
à tona e levou várias pessoas às ruas em protestos contra o racismo mesmo diante da pandemia 
de Covid-19. 
No Brasil, só em 2020, houve vários casos de racismo que resultaram em mortes 
circulando nos meios de comunicação. Como por exemplo, o recente caso de João Alberto da 
Silva, homem negro que faleceu na véspera do Dia da Consciência Negra após ser espancado 
por dois seguranças brancos em uma das filiais de uma grande rede de supermercados do país. 
Ocorrências como essa se tornaram rotineiras e desencadearam a necessidade de frequentes 
protestos contra o racismo estrutural que ainda predomina em muitos lugares. 
Nesse sentido, é de extrema importância que haja representatividade de negros em todos 
as áreas da sociedade, seja na política, na universidade, na arte, na saúde, na segurança e entre 
outras. A boa notícia é que, mesmo enfrentando muitas dificuldades, o número de negros e 
pardos tem aumentado em alguns desses setores. O IBGE (BRASIL, 2018) divulgou dados da 
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), que apontou a taxa de 50,3% 
de pretos e pardos nas universidades públicas brasileiras enquanto brancos e outros compõem 
49,7% do total. Em 2019, uma foto com 12 formandos negros da Universidade Federal do 
Recôncavo da Bahia (UFRB) viralizou nas redes sociais ao mostrar a primeira

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