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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO DIREITO AGRÁRIO ESPAÇO FUNDIÁRIO EM RORAIMA E DIREITO AMAZÔNICO 1André Lucas Silva Rodrigues 2Andréia Vitória Souza Da Silva 3Luane Lopes Salazar 4Luiz Cariman Salazar 5Pablo Leonardo Sapara Bento 6Paulo Cesar Fidelis Paulino Coordenador do artigo: Prof. MSc. Gursen De Miranda RESUMO O presente estudo objetiva compreender o espaço fundiário Roraimense e aplicar o direito amazônico, um direito regionalizado, para auxiliar o estado de Roraima nesta crise fundiária, o qual está inserido desde a sua formação. O estado de Roraima foi criado com a constituição de 1988, elevando o território Federal de Roraima à Unidade Federativa Brasileira, constituindo- se em 15 municípios atualmente. No entanto, identificou-se que após a Constituição Federal a questão fundiária se agravou, pois, uma grande parte das terras permaneceu sob o domínio da União. Assim sendo, este trabalho vem mostrar as possiblidades de o estado de Roraima ser o pioneiro em utilizar o Direito Amazônico para regular as suas demandas fundiárias, já que sua capital, Boa Vista, é o berço do Direito Amazônico, devido a especificidade desta região, onde existe vários grupos amazônidas. Foram utilizados os métodos descritivo-exploratório, qualitativo e o crítico-reflexivo para que se chegasse às considerações finais. Por fim, o resultado deste trabalho foi a constatação de vários impasses nas terras Roraimenses, os principais são: o interesse internacional na região amazônica, do qual buscam a exploração dos seus recursos naturais sem promover o desenvolvimento sustentável da região e as políticas inadequadas realizadas ao longo dos anos pelos gestores públicos, bem como os fatores metajurídicos, ambientais, indigenistas e geopolíticos. Palavras-chave: Direito Amazônico. Direito Agrário. Espaço Fundiário. Regularização Fundiária. Roraima 1 Acadêmico de Direito da Universidade Federal de Roraima (andrelukas_silva@hotmail.com). 2 Acadêmica de Direito da Universidade Federal de Roraima (andreiav1997@gmail.com). 3 Acadêmica de Direito da Universidade Federal de Roraima (luanelsalazar@gmail.com). 4 Acadêmico de Direito da Universidade Federal de Roraima (salazarlcs@terra.com.br). 5 Acadêmico de Direito da Universidade Federal de Roraima (pablosapara@gmail.com). 6 Acadêmico de Direito da Universidade Federal de Roraima (paulopaulino29@hotmail.com). 2 RESUMEN El presente estudio tiene como objetivo comprender el espacio territorial de Roraima y aplicar la ley amazónica, una ley regionalizada, para ayudar al estado de Roraima en esta crisis territorial, que se inserta desde su formación. El estado de Roraima fue creado con la constitución de 1988, elevando el territorio Federal de Roraima a la Unidad Federativa Brasileña, constituyendo actualmente 15 municipios. Sin embargo, se identificó que después de la Constitución Federal el tema de la tierra se agravó, ya que gran parte de la tierra quedó bajo el dominio de la Unión. Por lo tanto, este trabajo muestra las posibilidades de que el estado de Roraima sea el pionero en utilizar el Derecho Amazónico para regular sus demandas territoriales, ya que su capital, Boa Vista, es la cuna del Derecho Amazónico, debido a la especificidad de esta región, donde existen son varios grupos amazónicos. Se utilizaron métodos descriptivo-exploratorio, cualitativo y crítico-reflexivo para llegar a las consideraciones finales. Finalmente, el resultado de este trabajo fue la observación de varios impasses en tierras roraimenses, los principales son: el interés internacional en la región amazónica, que busca la explotación de sus recursos naturales sin promover el desarrollo sostenible de la región y la inadecuada políticas realizadas a lo largo de los años por los gestores públicos, así como factores metalegales, ambientales, indigenistas y geopolíticos. Palabras clave: Derecho Amazónico. Derecho Agrario. Espacio Territorial. Regularización Agraria. Roraima. INTRODUÇÃO O estado de Roraima foi criado com a Constituição de 1988, elevando o Território Federal de Roraima à unidade federativa brasileira (Art. 14, ADCT/88). Constitui-se em 15 municípios, sendo 7 criados após a Constituição, que são: Alto Alegre, Amajari, Boa Vista, Normandia, Pacaraima, Bonfim, Uiramutã, Cantá, Caracaraí, São Luiz do Anauá, Caroebe, São João da Baliza, Mucajaí, Iracema e Rorainópolis. Roraima faz fronteira com a Venezuela, ao norte, e com a Guiana, ao leste, e divisa com o estado do Pará, ao sul, e divisa com o estado do Amazonas. No entanto, o Estado vive um impasse desde a sua elevação como Estado: Maior parte do seu território pertence a União, sendo que o governo estadual administra somente 10% do Estado. Ainda, é o Estado Brasileiro do qual mais possui reservas indígenas (ARANTES, 2009). Tudo isso implica no seu desenvolvimento humano, social e econômico, bem como na promoção de um desenvolvimento sustentável. Além disso, este impasse territorial provoca uma crise de segurança jurídica e legislativa da qual agrava ainda mais o seu desenvolvimento, citado anteriormente, prejudicando a sua autonomia como Estado-membro da República. 3 Diversos autores afirmam que o primeiro passo para resolver este impasse é transferir as terras da União ao Estado, realizando, portanto, uma regularização fundiária (BRAGA, 2021; NETO, 2011; ARANTES, 2009). Ademais, afirmam os autores a necessidade se alcançar os objetivos da República previstos no artigo 3º, II e II da Constituição Federal, do qual busca garantir a o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza, da marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais (BRASIL,1988; BRAGA, 2021; NETO, 2011). Dessa forma, o objetivo deste artigo é apresentar o espaço fundiário roraimense, mostrando a sua situação fundiária a partir de 1988, ano em que o Território de Roraima foi elevado a Estado-membro da Federação. A compreensão do espaço fundiário de Roraima ajudará na preservação do meio ambiente, em especial o lavrado, ainda auxiliará na promoção do desenvolvimento humano, social, econômico e sustentável no Estado e, consequentemente, em cumprir os objetivos da República estabelecidos no artigo 3º, incisos II e III da Constituição Federal nesta porção setentrional do Brasil. Outro objetivo que se busca com este artigo é apresentar o Direito Amazônico, um instituto jurídico do qual poderá ser aplicado no espaço fundiário roraimense com a finalidade de ajudar nas lacunas legislativas e jurídicas, já que é um direito regionalizado e especializado no assunto Amazônia (MIRANDA, 2019). Sobre a metodologia, será utilizado o método descritivo-exploratório de abordagem qualitativa. Da mesma forma, o método crítico-reflexivo será usado na construção deste trabalho para se chegar às considerações finais. Os materiais bibliográficos a serem pesquisados são conteúdo da internet, livros impressos, artigos, monografias, teses e dissertações. Utilizou-se os seguintes critérios para a seleção dos materiais bibliográficos: os de relevância com o assunto deste trabalho e os artigos ou livros os quais abordavam sobre Espaço Fundiário em Roraima, Direito Amazônico, Regularização fundiária, Direito agrário e espaço agrário. Ainda, foi feita uma visita à Secretaria do Planejamento e Desenvolvimento do Estado de Roraima (SEPLAN) com a finalidade de trazer os dados mais atualizados sobre o espaço fundiário roraimense. Desse modo, o desenvolvimento deste artigo está estruturado em cinco capítulos: o primeiro capítulo apresenta o conceito de Direito agrário. O segundo capítulo apresenta a contextualização do ordenamento fundiário, apresentado brevemente o seu conceito e o seus elementos. No terceiro capítulo será apresentado os dados gerais do Estado de Roraima. No4 quarto capítulo se adentrará no espaço fundiário de Roraima, mostrando quais são as áreas protegidas, dentre outras. Por fim, o último capítulo apresentará o conceito de Direito Amazônico e sua correlação com o espaço fundiário de Roraima. 1 CONCEITO DE DIREITO AGRÁRIO O sentido principal do direito agrário é o caráter social, ecológico e econômico. O direito agrário é a parte do direito que regula as relações jurídico-agrárias para que seja atingida a maior produtividade do agro, para fornecer alimentos a coletividade (MIRANDA, 2014, p. 93). Os conceitos a respeito do direito agrário variam de acordo com o local, “a estrutura agrária e o ordenamento jurídico de cada país de seus respectivos autores” (MIRANDA, 2014, p. 94). Apresenta-se aqui alguns conceitos de importantes autores nacionais e estrangeiros. Joaquim Luiz Osório (1948, p. 9 apud MIRANDA, 2014, p. 94) conceitua o direito agrário da seguinte forma: O direito Rural, ou Direito Agrário, é o conjunto de normas reguladoras dos direitos e obrigações concernentes às pessoas e aos bens rurais. Por seu turno, Francisco Malta Cardoso (1953, p. 243 apud MIRANDA, 2014, p. 94) diz que o: Direito Rural é o conjunto de normas que asseguram a vida e o desenvolvimento econômico da agricultura e das pessoas que a ela se dedicam profissionalmente. Fernando Pereira Sodero (1948, p. 32 apud MIRANDA, 2014, p. 95) assevera que o Direito Agrário é: conjunto de princípios e de normas, de Direito Público e de Direito Privado, que visa a disciplinar as relações emergentes da atividade rural, com base na função social da terra. Já Otávio Mello Alvarenga (1979, p. 17 apud MIRANDA, 2014, p. 95) conceitua o Direito Agrário como: o ramo da ciência jurídica, composta de normas imperativas e supletivas que rege as relações emergentes da atividade do homem sobre a terra, observados os princípios de produtividade e justiça social. O jusagrarista venezuelano Roman José Duque Corredor (1981, p. 57 apud MIRANDA, 2014, p. 97) apresenta o seguinte conceito: Direito Agrário é o ramo do Direito que tende a ajustar as relações jurídicas de caráter agrário aos ditames de justiça social, com o objetivo de facilitar e criar condições necessárias para levar a termo uma autêntica reforma agrária integral, ou seja, para 5 lograr um aumento de produção agrícola e para fazer possível uma justa e equitativa distribuição da propriedade agrária. Antonio Vivanco apresenta uma conceituação considerada universal. Segundo o jusagrarista argentino o: “direito agrário é o ordenamento jurídico que rege as relações sociais e econômicas, que surgem entre os sujeitos intervenientes na atividade agrária” (VIVANCO, 1967, p. 192 apud MIRANDA, 2014, p. 105). Gursen de Miranda (MIRANDA, 2014, p. 105) compreende que o Direito Agrário é: o ramo jurídico que regula as relações agrárias observando-se a inter-relação pessoa/terra/produção/sociedade. Essa relação engloba não só o ser humano, pessoa física, mas, também o grupo familiar, as comunidades, as cooperativas, os indígenas, os negros e todos as demais pessoas no trabalho com a terra com o fim de produzir e beneficiar a coletividade (MIRANDA, 2014, p. 105). Para o direito agrário tem relevância o trabalho na terra de forma racional, mesmo sem existir um título formal para a execução desse trabalho. É observado, além disso, a importância da preservação, pela pessoa que cuida da terra, dos recursos naturais (MIRANDA, 2014, p. 106). Ao tratar do objeto e conteúdo do direito agrário, Gursen de Miranda (2014, p. 106) destaca que o objeto compreende os fatos jurídicos que “surgem do campo como consequência da atividade agrária, da empresa agrária, da estrutura agrária e da política agrária”. Quanto ao conteúdo do direito agrário, este abrange “as normas jurídicas que regem as relações agrárias” e “toda a matéria dogmática que direta ou indiretamente, seja do interesse da pessoa do campo e da produção agrária” (MIRANDA, 2014, p. 112). 2 CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE O ORDENAMENTO FUNDIÁRIO 2.1 CONCEITO DE ORDENAMENTO FUNDIÁRIO O ordenamento fundiário corresponde à porção do direito em que é estudado a organização do sistema fundiário (MIRANDA, 2014). Essa parte do direito dizer respeito a como é realizado a distribuição da terra no campo, como é dado o acesso à terra e como é feito a legitimação da terra aos que a possuem (MIRANDA, 2014, p. 132). 6 A expressão “fundiário” se refere “à matéria ou às questões de terrenos ou imóveis”. Segundo Gursen de Miranda (2014, p. 132), a expressão “fundiário” ainda compreende “toda área de terra, independentemente que sobre ela se exerça alguma atividade agrária”. 2.2 ELEMENTOS DO ORDENAMENTO FUNDIÁRIO O ordenamento fundiário possui quatro elementos diferentes e fundamentais para o direito agrário, são eles: o Espaço fundiário, a Estrutura Fundiária, o Processo Fundiário e a Legitimidade fundiária (MIRANDA, 2014, p. 136). 2.2.1 Espaço fundiário O espaço fundiário diz respeito à toda área rural do território de um país em que as terras privadas coexistem com a terra pública e devoluta e onde a estrutura fundiária ainda não está estabelecida de forma definida. Não se trata apenas de terra vaga, mas a terra onde a norma agrária pode formar ou reformar a estrutura da propriedade (MIRANDA, 2014, p. 136). Além disso, o espaço fundiário é o território onde o direito agrário institui as suas normas de exploração do solo, delimita a dimensão e a situação da área de acordo com a atividade agrária, e estabelece, ainda, a tutela dos recursos ambientais e o predomínio do interesse social. Corresponde ao espaço onde é desenvolvido as atividades de “produção racional e a conservação dos recursos naturais” (MIRANDA, 2014, p. 136). Por fim, cabe salientar que no espaço fundiário a estrutura fundiária não está, ainda, totalmente consolidada topograficamente e legalmente pela sociedade (MIRANDA, 2014, p. 137). 2.2.2 Estrutura Fundiária A estrutura fundiária, por sua vez, diz respeito à organização da apropriação da terra e sua distribuição e as condições de exploração dessa terra em um dado momento histórico (ANDRADE, 1980 apud MIRANDA, 2014). Trata-se da “forma territorial, como os imóveis rurais estão apropriados pelo particular, em consequências do processo fundiário” (MIRANDA, 2014, p. 138). 7 É observado que a estrutura fundiária é constituída de diversos fatores, como o fator natural e humano, mas o fator principal é a participação estatal que define a estrutura fundiária quando ocorre a venda das terras do Estado para o particular (MIRANDA, 2014, p. 137). Nesse sentido, as relações, no meio rural, de transferência de terras do agricultor ou do trabalhador sem terras diante do proprietário dependerão, assim, da estrutura fundiária (ANDRADE, 1980 apud MIRANDA, 2014). 2.2.3 Processo Fundiário Por seu turno, o processo fundiário corresponde à “tramitação, execução e legalização da divisão territorial da propriedade da terra” (MIRANDA, 2014, p. 138). O processo fundiário é exercido: por meio das posses primárias, da usucapião, das imigrações e migrações voluntárias ou organizadas, das colonizações públicas ou particulares, dos assentamentos, das vendas de terras a pessoas físicas ou jurídicas, ou de qualquer negócio jurídico condicionadas à função social da terra, à conservação dos recursos naturais e à produtividade, na organização do sistema fundiário (MIRANDA, 2014, p. 138). A partir disso pode-se, segundo Gursen de Miranda (2014, p. 138), concluir que “o processo fundiário é o instrumento pelo qual se exerce o direito agrário, enquanto que o espaço fundiário é o campo territorial e social onde se realiza esse processo, consolidando-se na estrutura fundiária”. 2.2.4 Legitimidade Fundiária O último elemento do ordenamentoagrário é a legitimidade fundiária. Esta é fundamental para o processo fundiário e advém “da própria aplicação correta do direito agrário como ramo autônomo do Direito” (MIRANDA, 2014, p. 139). Na ocorrência do processo fundiário é que será configurado a legitimidade fundiária. A legitimidade fundiária deve ser baseada, também, no método de avaliação sócio-ecológico, que é o método característico de aplicação do direito agrário (MONTEIRO, 1980 apud MIRANDA, 2014). 3 DADOS SOBRE RORAIMA 8 Segundo IBGE (2005), o estado de Roraima ocupa uma área de 225.116 km2, equivalente a 5,84% da Região Norte e 2,64% do Brasil. Limita-se a norte com a Venezuela e com a República da Guiana, ao Sul com o Estado do Amazonas, a leste com a Guiana e o Estado do Pará e a oeste com a Venezuela e o Amazonas. Situa-se no extremo norte brasileiro, estendendo-se da latitude 1o 35` 11`` S a 5o 16` 20`` N, o que lhe confere a particularidade de possuir mais de 80% do seu território no hemisfério Norte. É uma das unidades da federação integrante da Amazônia Legal e no Estado encontra-se o ponto extremo norte do Brasil (Monte Caburaí). (IBGE, 2005, p. 13) Possui a maior área contínua de savanas do bioma Amazônia, ocupando uma superfície estimada de 42.706 km2, e tem apostado na agropecuária como suporte para o seu desenvolvimento econômico, perfazendo um total de 17% da área do estado. Figura 1. Mapa do estado de Roraima Fonte: IBGE (2005) A conversão das savanas para usos antrópicos voltados às atividades econômicas no município de Boa Vista, intensificou-se nas últimas décadas do século XX e início do século XXI e tem refletido de forma marcante na modificação de suas paisagens originais (SILVA, 2015). O rio Branco afluente mais importante da margem esquerda do Rio Negro é o principal manancial do estado. O seu curso d’água tem uma extensão de 581 km e o regime fluviométrico da calha principal do rio é bastante influenciado pelo regime pluviométrico de seus principais 9 afluentes: rio Mucajaí, Água Boa do Univini, Catrimani e Xeruini à margem direita e os rios Anauá e Cotaporá à margem esquerda. (IBGE, 2005). Historicamente, Roraima pertenciam à Espanha, no século XVI, e mesmo no século XV, respeitando a linha divisória do Tratado de Tordesilhas (SILVA, 2015). A ocupação e uso das terras que constituem hoje o estado de Roraima se deram, inicialmente, por razões estratégicas, em função das pressões exercidas por espanhóis, ingleses e holandeses, estabelecidos no Caribe, tratou-se de ocupar as terras do rio Branco, principal afluente do rio Negro, construindo-se fortificação na confluência dos rios Uraricoera e Tacutu. (IBGE, 2005. p. 16) Depois de consolidado o domínio, através de criação de povoados, as primeiras atividades exploradas foram as drogas do sertão, e dada as características particulares dessa região da Amazônia, onde além da floresta e os campos limpos, optou-se pela criação de gado, implantando as primeiras fazendas. No início do século XX essas características se modificam com a migração nordestina, como consequência do II ciclo da borracha, e por volta de 1930 o garimpo em Roraima incentiva a fixação do homem na região e a migração (SILVA, 2015). Atualmente a utilização de terras do estado de Roraima por atividades produtivas está composta por diversas culturas, como podemos observar no mapa seguinte. Figura 2. Utilização do solo por produção agrícola por região Fonte: Folha BV (2021) 10 4 ESPAÇO FUNDIÁRIO DE RORAIMA Criado pela Constituição de 1988, o estado de Roraima herdou do ex-Território um complexo espaço fundiário, com diversas territorialidades em que se sobressaíram nas décadas seguintes, grandes unidades de conservação, diversas terras indígenas com complexos processos demarcatórios, áreas militares, projetos de assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e reservas legais. Ao mesmo tempo o estado herdou uma estrutura social com condições institucionais muito precárias e vinculadas a interesses políticos de uma elite local, cujo imaginário foi moldado pela formação histórica da região, desenhada a partir de formas extrativistas levadas à frente no transcorrer da existência do Estado do Grão- Pará e Maranhão, quando, à partir de 1757, a ocupação da Amazônia passou a ser gerida por administradores coloniais, fazendo com que produtos como madeira e salsaparrilha e demais gêneros de extração chegassem a Belém, provenientes do Vale do Rio Branco (FARAGE, 1991). A Constituição Federal de 1988 em seu art. 21, IX, estabeleceu a atribuição à União para elaborar planos de ordenação do território. Destacam-se ainda, na própria Constituição vigente, dispositivos que tratam de meio ambiente, da intervenção do Estado na ordem econômica, dos direitos indígenas, do patrimônio cultural e tantos outros que em seu conjunto conferem ampla sustentação jurídica ao poder público para fomentar o desenvolvimento sustentável do país (LIMA, 2012, p. 15). De acordo com a Lei complementar n.º 143, de 15 de janeiro de 2009, que institui o Sistema de Planejamento e Ordenamento Territorial do estado de Roraima, as áreas do estado são subdivididas da seguinte forma: Savanas, Florestas, Campinaranas e Áreas Protegidas, das quais são classificadas pela lei complementar de áreas das Unidades de Planejamento do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) (RORAIMA, 2009). Da mesma forma, a Lei complementar estadual n.º 143/2009 institui as áreas protegidas existentes em Roraima, bem como o órgão ou ente federativo responsável por elas. As áreas protegidas são as terras indígenas, unidades de conservação federal, áreas militares, projetos de assentamentos, terras rurais privadas, área de proteções ambientais do baixo do Rio Branco e Xeruini. Já os entes responsáveis por cada área são os seguintes: a Funai tutela as terras indígenas, o IBMA tutela as unidades de conservação federal, a área de proteção do Baixo do Rio Branco é de responsabilidade do estado de Roraima, as áreas militares estão sob a tutela do exército e, 11 por fim, a área de proteção do Xeruini é de reponsabilidade do município de Caracaraí, conforme aponta a figura 3. Figura 3. Áreas protegidas de Roraima Fonte: RORAIMA (2022) Percebe-se que a distribuição de terras no estado de Roraima, tem predominância assimétrica e concentrada em virtude das legislações federais, que privilegiaram sua estruturação em terras indígenas (administradas pela FUNAI, 46,68%), reservas ambientais (administrada pelo ICMBio e IBAMA) e áreas militares 1% (Forças Armadas) e faixa de fronteira, restando cerca de 10% de terras para uso autônomo do estado de Roraima, sendo uma completa limitação em caráter de desenvolvimento econômico e uso do território, destacando- se primordialmente aqueles ligados ao agronegócio do estado. 12 4.1 FAIXA DE FRONTEIRA A Constituição Federal prescreve no art. 20, § 2º, a definição de Faixa de Fronteira: como sendo a faixa de até 150 km de largura, ao longo das fronteiras terrestres, consideradas fundamental para a defesa do território nacional, e na parte final, estabelece que a ocupação e a utilização da referida faixa serão reguladas em lei (MIRANDA, 2010, p. 283). Art. 20, §2º A faixa de cento e cinquenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para a defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei. Destaca-se que, nos incisos I e II, do mesmo artigo, estão arrolados os bens pertencentes à União, com destaque ao inciso II, transcrito a seguir: Art. 20, II – As terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei.Como é sabido, a posição geográfica dos estados da Amazônia brasileira é limitada por fronteiras internacionais em grande parte de seu contorno territorial, como é o caso do Estado de Roraima, que têm 89,27% de seu território situado na faixa de fronteira (MIRANDA, 2010, p. 284). Diante dos ensinamentos de Gursen de Miranda (2010), asseverando que, de acordo com previsão constitucional, é de competência do Conselho de Defesa Nacional propor os critérios e condições de utilização de áreas indispensáveis à segurança nacional e opinar sobre seu efetivo uso, especialmente na faixa de fronteira: Art. 91. O Conselho Nacional de Defesa Nacional é órgão de consulta de Presidente da República nos assuntos relacionados com a soberania nacional e a defesa do Estado Democrático, e dele participam como membros natos. § 1º Compete ao Conselho de Defesa Nacional: [...] III – Propor os critérios e condições de utilização de áreas indispensáveis eis à segurança do território nacional e opinar sobre seu efetivo uso, especialmente na faixa de fronteira e nas relacionadas com a preservação e a exploração dos recursos naturais de qualquer tipo. (BRASIL, 1991) Com base em dados de instituições de esfera nacional e estadual e em doutrinas analisadas pode-se registar que o estado de Roraima possui uma extensão territorial fronteiriça de 958 km com a Venezuela e 964 Km com a República da Guiana, perfazendo um total de 1.992 Km de fronteiras com outros países, conforme aponta a figura 4. 13 Figura 4. Diagnóstico do estado de Roraima Fonte: NETO (2011) Diante do exposto, a pesquisa mostra que o Estado de Roraima tem uma área compreendida pela faixa de fronteira de cento e cinquenta quilômetros de largura ao longo dos limites fronteiriços, amparada pela Lei n. 6.634, de 2 de maio de 1979, e regulamentada pelo Decreto n. 85.064, de 26 de agosto de 1980, cujo órgão executor é o Conselho de Defesa Nacional. Conforme a Constituição Federal de 1988, cabe à legislação ordinária a regulamentação de uso dessa faixa, cuja finalidade é resguardar áreas indispensáveis à segurança nacional, definindo formas de povoamento, concessão de terras, investimentos em infraestrutura de vias de transportes, estradas internacionais, instalação de meios de comunicação, campos de pouso e construção. 4.2 TERRAS INDÍGENAS Com a Constituição Federal de 1988, consagrando o princípio de que os indígenas são os primeiros e naturais senhores da terra, houve uma extensa regulamentação. Estabeleceu, no art. 231, dentre outros direitos, o de ocupação pelos indígenas: “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarca-las, proteger e fazer respeitar tosos os seus bens” (RIZZARDO, 2021, p. 288). 14 Considera-se terras indígenas as áreas destinadas, por sua origem e tradição, à permanência dos indígenas. Incluem-se, numa interpretação mais ampla, aquelas que são utilizadas para a habitação e as atividades rurais, e, mormente, para o extrativismo e a caça. Nas localidades, sobretudo, interioranas e afastadas dos centros urbanos, é onde mais se acentua o caráter rural das terras indígenas, embora não tanto no que diz respeito às práticas de trabalhos agrícolas (RIZZARDO, 2021, p. 10). Cabe registrar, que aa áreas indígenas, apesar da presença dos índios é considerada constitucionalmente como área de “preservação dos recursos ambientais”, conforme o art. 231, § 1º, da CF/88, “comprovando dessa forma a perfeita compatibilidade entre preservação ambiental e o modo sustentável que os povos indígenas utilizam seis recursos naturais” (MIRANDA, Themis, 2013, p. 99). Por fim, assim estão dispostas as terras indígenas em Roraima, de acordo com a Figura 5: Figura 5: Áreas indígenas em Roraima Fonte: RORAIMA (2022) 15 4.3 ÁREAS AMBIENTAIS As terras devolutas necessárias à preservação ambiental, definidas em lei, são bens da União, conforme disposição inserte no inciso II, do art. 20, da Constituição federal e o regime jurídico ambiental brasileiro é definido pelo art. 225, CF/88. No mesmo sentido “incumbe ao poder público definir, em todas as unidades da federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidos somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção”, conforme determina o incuso II, do §1º, do art., 225, CF/88 (MIRANDA 2010, p. 267). De acordo com ALMEIDA et al. (2021, p.12) as áreas sem informação de destinação em Roraima representam 34% do seu território, isto é, 7,5 milhões de hectares, sendo que a grande maioria se encontra na zona de fronteira e quase metade dessas áreas sem destinação são de responsabilidade da União, com um percentual de 46%. No entanto, nas terras da esfera estadual apresentam um índice de 8,5% na categoria de terras sem informação de destinação (ALMEIDA et al., 2021). Figura 6. Distribuição das áreas não destinadas em processo de regularização e áreas não destinadas inscritas no Cadastro Ambiental Rural no Estado de Roraima 16 Fonte: ALMEIDA et al. (2021) Figura 7. Áreas não destinadas em processo de regularização e áreas não destinadas inscritas no Cadastro Ambiental Rural do Estado de Roraima Fonte: ALMEIDA et al. (2021) 4.4 UNIDADES DE CONSERVAÇÃO O art. 2o , da Lei nº lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, considera-se, para fins de lei, que unidade de conservação é o espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção. Roraima tem vegetação de floresta a savana, as áreas de Savana ocupam 17% da cobertura vegetal do Estado, encontradas dentro de áreas indígenas e da Floresta Nacional de Roraima; e as áreas de Floresta densa 59,1% e Floresta aberta 18,7%, que tem grande parte em áreas indígenas e de conservação (MIRANDA, Themis, 2013, p. 98). http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%209.985-2000?OpenDocument http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%209.985-2000?OpenDocument 17 No estado de Roraima, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (IcmBio) é o órgão gestor das oito unidades de conservação, três Parques Nacionais e três Estações Ecológicas, duas Florestas Nacionais. O principal é o Parque Nacional do Monte Roraima, as outras sete unidades de conservação, são: Parque Nacional do Viruá, criado em 1989, em Caracaraí; Parque Nacional Serra da Mocidade, criado em 1998, em Caracaraí; Estação Ecológica de Maracá, criada em 1981, em Amajarí; Estação Ecológica Caracaraí, criada em 1982; , criada em 1985; Estação Ecológica Niquiá; Floresta Nacional de Roraima, criada em 1989, em Mucajaí e Alto Alegre e Floresta Nacional do Anauá, criada em 2005, em Rorainópolis (MIRANDA, Themis, 2013, p. 101). As figuras 8 e 9 apresentam as áreas de conservação federal e estadual em Roraima. Figura 8: Áreas de Conservação federal em Roraima Fonte: RORAIMA (2022) 18 Figura 9: Áreas de Conservação estadual em Roraima Fonte: RORAIMA (2022) 4.5 ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE A área de preservação permanente (APP) é uma área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas (art. 3º, II, do CódigoFlorestal). A APP independe da existência ou não de vegetação, o importante é se determinar a localização em função da razão ambiental que deve ser mantido pelo proprietário, quer pessoa física ou jurídica (MIRANDA, Themis, 2013, p. 116). 19 Existe no estado de Roraima duas áreas de preservação ambiental pertencente a particulares: Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) SESC localizada na região de Tepequém, em Amajarí e a segunda RPPN Mani localizada na região de Monte Cristo, Boa Vista (MIRANDA, Themis, 2013, p. 104). Cabe ressaltar, que a preservação dos ambientes naturais não basta a criação de áreas protegidas, sendo fundamental o manejo adequado, com controle da ocupação e das atividades permitidas, das áreas fora das unidades de conservação. Parte desta função é desempenhada pelas RPPN que são a materialização da crescente preocupação da sociedade civil, especialmente de proprietários rurais, com a preservação do ambiente ecologicamente equilibrado. Pois além de preservar o ambiente, o proprietário pode gerar renda com esta proteção de diversas formas (MIRANDA, Themis, 2013, p. 104). 4.6 RESERVA LEGAL Segundo Themis Gursen de Miranda (2013, p. 118) atualmente, o novo Código Florestal, designa reserva florestal como uma área no interior de um imóvel rural (propriedade ou posse), na qual deve-se manter a cobertura de vegetação nativa, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as áreas de preservação permanente. Nesse contexto, o percentual de reserva legal varia de acordo com a localização de cada propriedade, e com o bioma onde estar localizado o imóvel, observados os seguintes percentuais mínimos em relação à área do imóvel situado na Amazônia legal: a) 80% (oitenta por cento) no imóvel situado em área de floresta; b) 35% (trinta e cinco por cento) no imóvel situado em área de cerrado; c) 20% (vinte por cento) no imóvel situado em área de campos gerais. Portanto, a reserva legal tem a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar na conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e da biodiversidade, bem como a proteção da fauna e da flora nativa. 4.7 ÁREA MILITAR O Estado de Roraima, como os demais estados da Amazônia legal, possui algumas unidades militares ao longo da fronteira. A instalação de organizações militares é iniciativa digna de elogios, a qual deve ser incentivada e ampliada, porém, não existe razão para áreas reservadas aos militares sem nenhuma justificativa (MIRANDA, 2010, p. 291). 20 Cabe ressaltar que as áreas militares estão sob a jurisdição do Ministério da defesa, por meio das Forças Armadas de cada área estão vinculadas administrativamente. Diante disso e dentro da ideia de defesa, cabe registrar que o Exército Brasileiro tem algumas instalações militares na faixa de fronteira de Roraima com a Venezuela e Guiana: Pacaraima, Bonfim, Normandia, Uiramutã, Auaris e Surucucu, e várias organizações militares sediadas na capital, todas vinculadas ao Comando da 1ª Brigada de Infantaria de Selva. Figura 10 Áreas Militares em Roraima Fonte: RORAIMA (2022) 21 Figura 11. Instalações militares na faixa de fronteira de Roraima Fonte: MARTINI (2009) 5 DIREITO AMAZÔNICO APLICADO AO ESPAÇO FUNDIÁRIO RORAIMENSE 5.1 CONCEITO DE DIREITO AMAZÔNICO Segundo o criador do instituto, Gursen De Miranda (2004, p. 265-271), o direito amazônico é “uma estruturação supra estatal e transnacional de uma construção sistêmica jurídica da Amazônia. Dentro de uma postura pragmática, um sistema aberto, articulado consoante a uma visão “regionalizada de multidisciplinar”. Ainda, o autor amazônida resume o conceito de direito amazônico como “um conjunto de normas jurídicas que regem e regulam sujeitos (públicos e privados) objeto (coisas, fatos e serviços) e vínculos jurídicos (obrigações)” (MIRANDA, 2006, p. 247). Já Alessandra Mahé Costa Rodrigues (2009), conceitua o Direito Amazônico regional como: Um sistema regional aberto de normas plurais que regulam as atividades, públicas ou privadas, relativas ao conteúdo materialmente instituído no Tratado de Cooperação Amazônica, ou outros que produzam efeito harmônico para os Estados amazônicos, envolvidas nas relações econômicas e sociais mais emergentes destas atividades tipicamente amazônicas, para fins de manutenção e preservação racionais da floresta e suas populações, sob o princípio do desenvolvimento sustentável da responsabilidade intergeracional. (RODRIGUES, 2009, p. 116) O tratado de Cooperação Amazônica, do qual a autora se refere, também chamado de Pacto Amazônico, realizado no dia 3 de julho de 1978, foi uma tentativa de realizar uma base cientifica para Amazônia, criando um instituto jurídico do qual definisse as áreas de conhecimentos de interesse para região (MIRANDA, 2004). 22 Tanto que as áreas jurídicas pertinentes a esta região são: Direito ambiental, Direito agrário, Direito indígena, Direito minerário, Direito fluvial, Direito do comércio exterior, Direito comunitário, Direito cultural e Direito turístico (RODRIGUES, 2009). O autor Jarque (2008 apud RODRIGUES, 2009) afirma que o Direito Amazônico é um conjunto de normas de natureza regional, nacional e internacional do qual tem como finalidade a proteger os amazônidas em dois elementos principais para eles: o território e a sua população. No que se refere a proteção do território, o Direito Amazônico busca proteger os recursos naturais da Amazônia, a sua terra, água, fauna e flora (RODRIGUES, 2009). Do mesmo modo, a finalidade do Direito Amazônico também é de promover o desenvolvimento sustentável na região, como afirma Gursen de Miranda (2004, p. 40): Na visão regionalizada de uma globalização, por certo, deve ser entendida a pretensão de um Direito Amazônico, no âmbito jurídico da ação estruturadora, estratégica e convergente de um projeto amazônico, observando-se os desafios pertinentes: (1) o envolvimento ou comprometimento com o ambiente natural, na chamada questão ecológica; (2) a valorização ou desenvolvimento material e espiritual das populações amazônicas; (3) o entendimento de um desenvolvimento sustentável, a envolver os dois itens anteriores, não apenas no aspecto biológico, mas, também, mental, moral e espiritual; (4) o amansamento das ameaças implícitas ( e explicitas) a seu respeito correntes no contexto mundial, na chamada questão geopolítica. (MIRANDA, 2004, p. 40). Além disso, segundo o mesmo autor, a região amazônica integra um sistema político- administrativo, composto pelos subsistemas executivo, legislativo e judiciário. No caso, o direito amazônico se insere no subsistema judiciário, tendo em vista dele não ser algo novo para os Tribunais Brasileiros (MIRANDA, 2004). Portanto, é necessário incluir o espaço fundiário de Roraima dentro do pensamento do direito amazônico já que a Amazônia como um todo é de interesse internacional, como apontam BRAGA (2021) e MIRANDA (2004), e muitos países e instituições privadas buscam travar o desenvolvimento da região, a fim dela estar submetida aos interesses internacionais e, consequentemente, seus interesses econômicos, dos quais não buscam o melhor interesse para a Amazônia nem seu desenvolvimento sustentável. 5.2 O ESPAÇO FUNDIÁRIO DE RORAIMA E DIREITO AMAZÔNICO Como se depreende de tudo o que já foi apresentado neste artigo, o estudo do espaço fundiário de Roraima constata uma grande concentração de terras por parte da União no Estado, a qual implica em entraves econômicos, sociais, dentre outros, e geram uma grande dependência do Estado de Roraima a União por conta dessa concentração de terras. 23 Por isso, como aponta diversos autores, a solução para esta concentração de terras da União é a realização da regularização fundiária no Estado de Roraima. (BRAGA,2021; NETO, 2011; ARANTES, 2009). No entanto, o estado de Roraima se diferencia dos demais estados amazônicos na questão da regularização fundiária, pois ainda convive com o dilema de transferências das terras da União para o Estado. (BRAGA, 2021). De acordo com BRAGA (2021) isso decorre de decisões políticas desastrosas, das quais preferiram não garantir a autonomia do Estado de Roraima, permitiram o agravamento da falta da transferência das terras união, como afirma o autor: A transferências de terras da União para o estado de Roraima, em uma análise na linha do tempo, iniciando em 1 janeiro de 1991, data da posse do primeiro governador eleito de Roraima, foi tratada mais pela paixão do que pela razão, às vezes com “discursos” políticos equivocados, como “as terras foram transferidas da União para o patrimônio do estado de Roraima pela Constituição Federal de 1988 e/ou de que foram transferidas pela Lei nº 10.204/2001”. Esta afirmação parte da premissa de que as decisões dos gestores públicos de Roraima, no que tange à questão fundiária, na maioria das vezes, são decisões com base na visão política paroquiana roraimense, sem sopesar os fatores jurídicos, fatores metajurídicos, fatores geopolíticos, ambientais e indigenistas (BRAGA, 2021, p.119). Ademais, segundo o autor, a falta da regularização de terras permite que haja a grilagem de terras públicas (BRAGA, 2021). Portanto, sem a regularização fundiária nesta região causa a falta de desenvolvimento sustentável, prejudicando a população que vive na Amazônia, bem como as futuras gerações (MIRANDA, Themis, 2013). Na verdade, a regularização fundiária, especialmente na região amazônica, contribui para que o Brasil venha a ter um controle mais eficiente do desenvolvimento sustentável (BRAGA, 2021, p. 33). Segundo Neto (2011, p. 84) não é possível se pensar no desenvolvimento da região amazônica se não houver uma ação determinada no que tange a regularização fundiária da parte das autoridades competentes e constituídas. Dessa maneira, é necessário que haja ações governamentais e das universidades a fim de se buscar soluções para esta questão (NETO, 2011, p. 162). Portanto, o Direito amazônico pode auxiliar em compreender a complexidade da regularização fundiária, já que é um direito regionalizado do qual estuda as questões da região amazônica (MIRANDA, 2019). Aliás, de acordo com MIRANDA (2004) a estrutura regionalizada é reconhecida pela ordem constitucional brasileira de forma jurídica e administrativa (art. 43) e a Constituição Federal constitui como um dos seus objetivos fundamentais a erradicação da pobreza e a 24 redução das desigualdades regionais e sociais (art. 3º,III) , da qual é de competência da União criar e implementar “planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social” (art.21,IX) (BRASIL, 1988; MIRANDA, 2004). A vocação regionalista que ilumina toda a trajetória política do Brasil, desde a época colonial, não esmaeceu ao longo do tempo, pelo contrário, foi constante na fase imperial, assomou poderosa nos albores da República e hoje está a exigir uma revisão do esquema federativo. Basta ver o mapa do Brasil para constatar o regionalismo, a existência das cinco Regiões geográficas, cada qual com seus traços culturais, políticos, econômicos e sociais. Daí a necessidade imperiosa de reconhecer-se a Região como quarto nível de Governo, institucionalizando-se, destarte, o Poder Regional. O Brasil é uma unidade numa pluralidade regional (MIRANDA, 2004, p. 50). No que se refere a Roraima, este instituto pode ser aplicado, pois, nas palavras do idealizador do direito amazônico, Gursen de Miranda (2004, p. 51) “o Direito Amazônico é uma realidade em Roraima”. Portanto, o direito amazônico pode ser um instrumento para a busca de soluções para questão fundiária roraimense, já que ele é uma realidade no estado, e também pelo fato de ser especializado para as questões da Amazônia (MIRANDA, 2019). CONCLUSÃO Os motivos constatados por este artigo para haver tantos impasses nas terras roraimenses são dois: o interesse internacional na região amazônica, do qual buscam a exploração dos seus recursos naturais sem promover o desenvolvimento sustentável da região, utilizando-se da logica colonialista de exploração e exportação de riquezas para os países mais ricos. Já o segundo, foram decisões políticas inadequadas realizadas ao longo dos anos dos gestores públicos das quais agravaram a crise fundiária, bem como fatores metajurídicos, ambientais, indigenistas e geopolíticos. Por conta desses fatores Roraima possui uma grande quantidade de terras protegidas pela União. Com este artigo, constatou-se que a compreensão do espaço fundiário de Roraima é fundamental para compreensão da polêmica distribuição das terras no Estado, tendo em vista da enorme porção de terras que a União possui, sendo uma necessidade a realização da regularização fundiária no Estado, com a transferências de terras a União ao Estado de Roraima. Além disso, com este estudo foi possível constatar as potencialidades agrícolas que Roraima possui, todavia, não será possível promover o seu desenvolvimento econômico sem a realização da regularização fundiária. 25 Ressalta-se que a promoção de um desenvolvimento econômico no Estado poderá acarretar na melhoria do desenvolvimento humano, todavia, deve-se ser respeitado e seguido os ditames do desenvolvimento sustentável para ocorrer uma melhora em todos os aspectos, tanto econômicos como sociais. Dessa forma, será possível se vislumbrar a concretização dos objetivos da República do qual menciona o artigo 3º da Constituição nesta parte setentrional do país. Sobre o Direito Amazônico, constatou-se que ele pode auxiliar o Estado de Roraima na sua crise fundiária, bem como em proporcionar soluções jurídicas para promover uma segurança jurídica nas terras roraimenses, já que é um direito regionalizado e a região amazônica é integrante de um sistema político-administrativo. Dessa forma, este trabalho buscou apresentar o espaço fundiário de Roraima para que, a partir do conhecimento das delimitações territoriais das áreas que são do Estado e da União, possam ser criadas políticas de regularização fundiária e, do mesmo modo, propõe que seja utilizado o Direito Amazônico para ajudar na elaboração de tais políticas. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Jeferson; AMARAL DE ANDRADE; Roberta; BRITO, Brenda; GOMES, Pedro. Leis e práticas de regularização fundiária no Estado de Roraima. 21 ed. ed. 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