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1 Júlia Morbeck – @med.morbeck Objetivos 1- Discutir a etiologia, epidemiologia e os fatores de risco da endocardite infecciosa; 2- Debater a fisiopatologia da endocardite infecciosa e suas manifestações clínicas; 3- Explicar o diagnóstico e tratamento da endocardite infecciosa; 4- Explanar as medidas preventivas da endocardite infecciosa; 5- Realizar uma breve discussão sobre o atendimento à saúde da população rural. Endocardite Infecciosa DEFINIÇÃO: Endocardite infecciosa é uma doença resultante da colonização de fungos, vírus e principalmente de bactérias causando inflamação e danos é uma infecção localizada nos tecidos internos do coração (endocárdio), bem como estruturas associadas (válvulas) (GALVÃO, 2016). ↠ A endocardite infecciosa (EI) é uma doença causada por microrganismos que se aderem à superfície endotelial do coração ou sobre algum dispositivo, como eletrodos de marca-passos, desfibriladores implantáveis ou próteses cardíacas (SOCESP, 5ª ed.). OBS.: As estruturas mais suscetíveis são as valvas atrioventriculares, podendo também ocorrer no endocárdio dos átrios, ventrículos e grandes vasos (SOCESP, 5ª ed.). ↠ A lesão endotelial é o primeiro evento para o aparecimento da endocardite e ocorre por turbilhonamento do sangue que ocorre nas valvopatias, pelas lesões endoteliais causadas por cateteres ou por lesão bacteriana direta (SOCESP, 5ª ed.). ↠ A EI é doença complexa e grave, de altas morbidade e mortalidade, com grande espectro de manifestações clínicas, de diagnóstico e tratamento difíceis, podendo cursar com várias complicações cardíacas, sistêmicas, imunes e vasculares (SOCESP, 5ª ed.). Etiologia e Fatores de risco da EI ↠ As infecções estafilocócicas recentemente se tornaram a causa líder de EI, com os estreptococos e os enterococos sendo as duas outras causas mais comuns (PORTH, 10ª ed.). ↠ Outros agentes causais incluem o grupo denominado HACEK (espécies de Haemophilus, Actinobacillus actinomycetemcomitans, Cardiobacterium hominis, Eikenella corrodens e Kingella kingae), os bacilos Gram- negativos e os fungos (PORTH, 10ª ed.). IMPORTANTE: Os agentes causais diferem razoavelmente quanto aos principais grupos de alto risco. Por exemplo, o Staphylococcus aureus é o principal agente agressor em usuários de drogas intravenosas, enquanto a EI em próteses valvares tende a ser causada por estafilococos coagulase-negativos (p. ex., Staphylococcus epidermidis). Além disso, o S. epidermidis foi associado à contaminação em dispositivos implantáveis e a infecções relacionadas ao atendimento de saúde (PORTH, 10ª ed.). ↠ O principal fator causador de EI é a contaminação do sangue por microrganismos. A porta de entrada para a corrente sanguínea pode ser: ➢ uma infecção manifesta; ➢ um procedimento odontológico ou cirúrgico que causa bacteremia transitória; ➢ a injeção de uma substância contaminada diretamente no sangue de usuários de drogas intravenosas; ➢ presença de uma fonte oculta na cavidade oral ou no intestino. FATORES DE RISCO (PORTO & PORTO) ➢ Doença valvar (reumática e não reumática); ➢ Cardiopatias congênitas cianóticas (persistência do canal arterial [PCA], comunicação interventricular [CIV], tetralogia de Fallot, valva aórtica bicúspide); ➢ Prótese valvar; ➢ Cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva; ➢ Prolapso da valva mitral com regurgitação; ➢ Endocardite prévia; ➢ Presença de dispositivos intravasculares e/ou intracardíacos (cateteres, fios de marca-passo); ➢ Infecção pelo HIV; ➢ Doença periodontal; ➢ Hemodiálise; ➢ Usuários de drogas ilícitas intravenosas; ➢ Lesões residuais após cirurgia cardíaca. Classificação da EI QUANTO À CLÍNICA ↠ Quanto à clínica, a EI é tradicionalmente classificada nos tipos agudo ou subagudo-crônico, dependendo do início, da etiologia e da gravidade da doença. De modo geral, o início dos casos agudos é rápido e envolve pessoas com valvas cardíacas normais, sadias ou que, eventualmente, apresentam histórico de uso de medicamentos ou drogas intravenosos, ou que se encontram debilitadas (PORTH, 10ª ed.). ↠ Os casos subagudos-crônicos evoluem ao longo de meses, em pacientes comumente portadores de anormalidades valvares. O desenvolvimento de cepas de microrganismos resistentes a medicamentos, em APG 08 – “COUVE-FLOR?” 2 Júlia Morbeck – @med.morbeck consequência do uso indiscriminado de antibióticos e do aumento da população de imunocomprometidos, dificultou a classificação dos casos agudos e subagudos- crônicos (PORTH, 10ª ed.). CLASSIFICAÇÃO (PORTO & PORTO) ↠ Endocardite em valva natural: Infecção microbiana em valvas naturais normais ou anormais. Pode evoluir de duas formas: ➢ Endocardite infecciosa aguda: evolução rápida, com toxemia. O óbito pode ocorrer em poucos dias ou semanas. Em geral é causada por microrganismos mais virulentos (estafilococos, pneumococos, e estreptococos do grupo A). A infecção pode situar-se em valvas normais. O prognóstico é reservado ➢ Endocardite infecciosa subaguda: início insidioso e evolução mais prolongada. Costuma mimetizar outras doenças sistêmicas, pois evolui durante algum tempo com sintomas inespecíficos (febre baixa, sudorese noturna, anorexia, astenia, calafrios, perda de peso). Mais frequente em pacientes com lesões valvares preexistentes. Agentes etiológicos mais comuns: Streptococcus do grupo viridans, S. mutans, S. mitis, S. mitior, S. sanguis, S. salivarius. Outros agentes etiológicos: Streptococcus do grupo D não enterocócico, S. bovis, enterococos (E. faecalis, E. faecium), grupo HACEK (Haemophylus, Actinobacillus, Cardiobacterium, Eikenella, Kingella). ↠ Endocardite infecciosa em usuários de drogas ilícitas: Afeta mais frequentemente a valva tricúspide. As manifestações pulmonares podem dominar o quadro clínico (dor pleurítica, abscesso pulmonar, hemoptise). Os microrganismos mais encontrados são Staphylococcus aureus, Pseudomonas, bacilos gram-negativos e fungos. ↠ Endocardite infecciosa pós-implante de prótese valvar: Forma grave que ocorre em paciente com prótese biológica ou mecânica. Pode ser precoce (até 60 dias) ou tardia (após 1 ano). Os germes comumente isolados na forma precoce são o S. aureus e S. coagulose-negativos, mas pode ser causada por outros microrganismos (S. aureus, bacilos gram-negativos, fungos). Na forma tardia predominam germes semelhantes aos encontrados na endocardite infecciosa de valvas naturais. ↠ Endocardite nosocomial: Infecção associada a internação hospitalar prolongada, procedimentos invasivos e presença de dispositivos intravasculares. Os germes mais encontrados são Staphylococcus aureus, enterococos e bacilos gram-negativos. Menos de 50% têm fatores cardíacos predisponentes e cursam com alta mortalidade. Epidemiologia da EI ↠ Pacientes jovens com EI em geral são portadores de sequela valvar de febre reumática, cardiopatia congênita ou são usuários de drogas endovenosas. Um maior número de casos tem sido observado em idosos, pacientes institucionalizados/hospitalizados e submetidos a procedimentos invasivos, representando cerca de 35% dos casos. A endocardite infecciosa consequente ao implante de próteses valvares corresponde cerca de 10 a 30% dos casos, acomete 1 a 6 % dos pacientes portadores de prótese valvar e afeta igualmente próteses biológicas e mecânicas (SOCESP, 5ª ed.). ↠ Há diferenças geográficas na epidemiologia da EI. Nos países em desenvolvimento, como o Brasil, em razão da alta incidência de portadores de sequela da febre reumática, cuidado inadequado com a higiene dental e deficiência ao acesso aos sistemas de saúde. Por outro lado, nos Estados Unidos e na Europa, endocardite em pacientes com lesões reumáticas ocorre em menos de 5% dos casos (SOCESP, 5ª ed.). ↠ Outros grupos de risco são pacientes idosos, geralmente hospitalizadose com infecções associadas a procedimentos invasivos. Portanto, a endocardite nosocomial é mais comum nos países desenvolvidos, enquanto as nações menos desenvolvidas mantêm o perfil clássico de EI (SOCESP, 5ª ed.). OBS.: O Brasil está em uma fase de transição e observa-se um padrão de infecção endocárdica de países desenvolvidos em grandes hospitais privados e, ao mesmo tempo, pacientes com a clássica endocardite estreptocócica nos estratos menos favorecidos da sociedade. Globalmente, a EI é atribuída a procedimentos invasivos (desde acessos venosos, sobretudo em pacientes em diálise, até biópsias) em quase 25% dos pacientes (SOCESP, 5ª ed.). ↠ No Brasil, a real prevalência das endocardites não é conhecida, mas especula-se que possa até ser maior em razão do contingente ainda elevado de indivíduos portadores de valvopatia reumática crônica, doença que predispõe à endocardite e cuja prevalência diminuiu de maneira acentuada nos países desenvolvidos (SOCESP, 5ª ed.). ↠ A mortalidade intra-hospitalar atual de pacientes com EI é de 15 a 20%, aumentando para até 40%, após 1 ano do diagnóstico (SOCESP, 5ª ed.). 3 Júlia Morbeck – @med.morbeck REGISTRO MULTICÊNTRICO Entretanto, um interessante registro multicêntrico prospectivo da EI é a Colaboração Internacional sobre Endocardite (ICE-PCS). Em estudo produzido com a cooperação de 25 países, incluindo o Brasil, com impacto significativo sobre o conhecimento da doença, foram avaliados 2.781 pacientes admitidos em 58 hospitais de 25 países, entre 2000 e 2005. A idade média dos pacientes foi de 57,9 anos, sendo 72% dos casos em válvula nativa. A maioria (77% dos pacientes) teve apresentação precoce, dentro de 30 dias, com poucas manifestações clínicas. Exposição a cuidados de saúde foi encontrada em 25% dos pacientes. O Staphylococcus aureus foi o patógeno mais comum (31,2%). As valvas mitral e aórtica foram as mais infectadas, com 41,1% e 37,6%, respectivamente. As complicações mais comuns foram insuficiência cardíaca (32,3%), embolização sistêmica (22,6%), AVC (16,9%) e abscesso intracardíaco (14,4%). O tratamento cirúrgico foi realizado em 48,2% dos casos, com mortalidade intra-hospitalar de 17,7% (SOCESP, 5ª ed.). Fisiopatologia da EI ↠ A endocardite resulta de vários eventos independentes: (PORTO & PORTO). ➢ bacteriemia transitória; ➢ superfície endocárdica alterada, funcionando como ponto inicial da infecção; ➢ fluxo sanguíneo turbulento; ➢ depósito de plaquetas e fibrina (trombo estéril); ➢ adesão e proliferação de germes. OBS.: As vegetações (lesões características da endocardite) são constituídas de plaquetas, fibrina, células inflamatórias e colônias de microrganismos (PORTO & PORTO). ↠ O endotélio valvular normal é resistente à colonização e infecção por bactérias circulantes, porém quando ocorre à ruptura mecânica do endotélio leva à exposição da matriz extracelular ao depósito de fibrina e plaquetas, facilitando a aderência bacteriana e causando a infecção (GALVÃO, 2016). O dano endotelial pode resultar de lesões mecânicas provocadas pelo fluxo sanguíneo turbulento, como pelos cateteres intravasculares, inflamação como na cardite reumática ou por alterações degenerativas, como em idosos. Essas degenerações são detectadas por ecocardiográfias em 50% dos pacientes considerados assintomáticos, acima de 60 anos, em uma proporção parecida com pacientes portadores de EI (GALVÃO, 2016). ↠ Geralmente, essa vegetação se desenvolve em regiões em que o endotélio foi lesado devido a jatos anormais de sangue, que se formam quando este passa das câmaras de alta pressão para as câmaras de menor pressão, produzindo um “efeito jato” que exerce ação abrasiva sobre a superfície endotelial provocando desgaste, como por exemplo, em lesões valvares do tipo estenose e insuficiência expondo tecido colágeno, o que desencadeia uma sucessão de eventos fisiopatológicos como: (GALVÃO, 2016). ➢ a formação de um trombo de fibrina, inicialmente asséptico, que tem função de reparar o endotélio; ➢ a eventual colonização desse trombo durante um episódio de bacteremia por microrganismos patológicos; o início de um processo infeccioso nesse local, criando condições para maior adesão plaquetária, mais deposição de fibrina, e eritrócitos e células inflamatórias com o crescimento da lesão. IMPORTANTE: Com o depósito progressivo de mais plaquetas, fibrina e microrganismos há crescimento da vegetação. A bacteremia é um fator importante, sendo que o risco de endocardite infecciosa depende da magnitude da bacteremia e da habilidade do patógeno de atuar nas válvulas lesadas (GALVÃO, 2016). Uma vez infectadas, essas vegetações continuam a crescer por meio do depósito adicional de plaquetas e fibrina, fornecendo às bactérias um santuário contra os mecanismos de defesa do hospedeiro, como leucócitos polimorfonucleares e complemento. Consequentemente, uma vez que a infecção se firma, a vegetação infectada continua a crescer de maneira largamente desimpedida (HAMMER; MCPHEE, 2015). Para haver colonização endocárdica e, portanto, para se desencadear uma endocardite, há necessidade de bacteriemia ou fungemia, Perfil epidemiológico da endocardite infecciosa em diferentes continentes. 4 Júlia Morbeck – @med.morbeck transitória ou duradoura; estas se originam de infecções em diversos locais do organismo (cutâneas, urinárias, pulmonares etc.) ou são secundárias a manipulações dentárias, queimaduras, procedimentos invasivos (hemodiálise, uso prolongado de sondas uretrais e, sobretudo, cateteres intravasculares) ou uso de substâncias injetáveis por usuários de drogas. Indivíduos nas duas últimas situações constituem grupo de risco para endocardite, sobretudo as do lado direito do coração (BOGLIOGO, 10ª ed.). OBS.: Histologicamente, as vegetações são constituídas por inflamação aguda, com predomínio de neutrófilos e número menor de macrófagos e outras células, de permeio a rede de fibrina e produtos da destruição tecidual (BOGLIOGO, 10ª ed.). IMPORTANTE: As lesões vegetativas intracardíacas também apresentam efeitos locais e sistêmicos a distância. A organização frouxa dessas lesões possibilita que os organismos e fragmentos da lesão formem êmbolos, os quais são levados pela corrente sanguínea e causam embolia cerebral, sistêmica ou pulmonar. Os fragmentos podem se alojar em vasos de pequeno calibre, causando hemorragias de pequeno porte, abscessos e infarto tecidual. A bacteremia também pode iniciar respostas imunes supostamente responsáveis por manifestações cutâneas, poliartrite, glomerulonefrite e outros distúrbios imunes (PORTH, 10ª ed.). ↠ Lesões endoteliais inflamadas sem danos valvulares também podem promover o surgimento dessa doença. Inflamação local induz células endoteliais a expressar integrinas do grupo B1 (antígeno tardio). Integrinas são proteínas transmembrana que podem ligar componentes extracelulares ao citoesqueleto celular. Essas integrinas ligam fibronectinas circulantes à superfície do endotélio, enquanto S. aureus entre outros microrganismos causadores da EI que possuem o agente ligante da fribronectina na sua superfície. Consequentemente, quando ativadas as fibronectinas das células endoteliais, elas promovem uma superfície adesiva aos patógenos circulantes, como por exemplo, S. aureus. Uma vez aderido, ele inicia sua colonização nas células das válvulas endoteliais, onde o agente pode executar mecanismos de burlar os mecanismos de defesa do hospedeiro e antibiótico, bem como se multiplicar e se espalhar para órgãos distintos (GALVÃO, 2016). Patógenos clássicos dessa enfermidade compartilham a habilidade de aderir a válvulas danificadas, ativam fator local de coagulação, e nutrem vegetações infectadas as quais eles podem sobreviver. Seguindo sua colonização, necessita escapardos mecanismos de defesa do hospedeiro. Bactérias gram positivas são geralmente resistentes. Contudo, são alvo de proteínas microbicidas plaquetárias (PMPs), as quais são produzidas por plaquetas ativadas e destroem microrganismos por desregular sua membrana plasmática. Bactérias encontradas em pacientes com EI são, na maioria das vezes, resistentes as PMPs (GALVÃO, 2016). Endocardite infecciosa. Vista da face atrial da valva mitral com grande vegetação. Espécime de ressecção cirúrgica. 5 Júlia Morbeck – @med.morbeck Manifestações Clínicas da EI Em mais de 80% dos casos, o período de incubação até o início dos sintomas é de aproximadamente 2 semanas ou menos. Contudo, na presença de infecção por Candida relacionada, o período de incubação pode chegar a 5 meses (PORTH, 10ª ed.). ↠ Os pacientes apresentam quadro infeccioso e septicêmico e, portanto, têm manifestações sistêmicas em geral exuberantes, como febre, mal-estar, cefaleia, anorexia, aumento de linfonodos e hepatoesplenomegalia (BOGLIOGO, 10ª ed.). Importante: A febre é o principal sintoma da EI e está presente em cerca de 90% dos casos (SOCESP, 5ª ed.). ↠ Em consequência de embolia séptica, podem surgir necrose e infecções em outros órgãos, com os sinais e sintomas clínicos correspondentes. Sinais periféricos de endocardite incluem petéquias, nódulos ou pápulas eritematosas muito dolorosas na polpa dos dedos e nos artelhos (nódulos de Osler), hemorragias nas palmas das mãos e na planta dos pés (lesão de Janeway) e hemorragias conjuntivais e na retina (manchas de Roth) (BOGLIOGO, 10ª ed.). Em muitos casos, surgem pequenas petéquias hemorrágicas quando os êmbolos se alojam nos vasos de pequeno calibre da pele, nos leitos ungueais e nas membranas mucosas. É comum haver hemorragias lineares (i. e., linhas vermelhas escuras) sob as unhas das mãos e dos pés (PORTH, 10ª ed.). ↠ Alguns pacientes têm manifestações de nefropatia pela deposição de imunocomplexos nos glomérulos. Certo número de pacientes desenvolve estado de choque, séptico e/ou cardiogênico, podendo, em alguns casos, ter componente hipovolêmico por causa das hemorragias (BOGLIOGO, 10ª ed.). ↠ Tosse, dispneia, artralgia ou artrite, diarreia e dor abdominal ou no flanco podem ocorrer como resultado da embolia sistêmica (PORTH, 10ª ed.). ↠ Pode haver o desenvolvimento de insuficiência cardíaca congestiva em consequência da destruição da valva, embolia em artéria coronária ou miocardite, bem como de insuficiência renal decorrente da destruição ou das toxicidades dos antimicrobianos (PORTH, 10ª ed.). RESUMO DAS MANIFESTAÇÕES (PORTO & PORTO) ➢ Manifestações sistêmicas: febre (ausente em cerca de 5 a 15% dos casos), anorexia, náuseas e vômitos, perda de peso, sudorese noturna, calafrios, fadiga, astenia, dores musculares, artralgias. ➢ Manifestações neurológicas: cefaleia, rigidez da nuca, torpor, delirium, hemiparesia, parestesias, afasia, coma. ➢ Manifestações renais: hematúria ➢ Manifestações cutaneomucosas: petéquias, nódulos de Osler (pequenas formações nodulares dolorosas na polpa e face lateral dos dedos), hemorragia conjuntival, lesões de Janeway (máculas eritematosas ou purpúricas, planas e indolores nas regiões palmares, plantares, eminências tenares e hipotenares das mãos, pontas dos dedos das mãos e superfícies plantares dos artelhos) ➢ Manifestações respiratórias: tosse, dor pleurítica, hemoptise ➢ Manifestações cardíacas: dispneia, ortopneia, dispneia paroxística noturna, mudanças das características dos sopros cardíacos, atrito pericárdico Endocardite bacteriana. A valva mitral apresenta formações vegetativas destrutivas que erodiram a margem livre do folheto valvar. Fundoscopia em paciente com endocardite infecciosa, sendo observada hemorragia retiniana, com palidez central (mancha de Roth). 6 Júlia Morbeck – @med.morbeck ➢ Manifestações abdominais: dor abdominal, esplenomegalia, hepatomegalia ➢ Manifestações oculares: manchas de Roth no fundo de olho. Diagnóstico da EI ↠ A EI continua a impor desafios importantes ao diagnóstico e ao tratamento, apesar dos avanços a respeito da sua epidemiologia e microbiologia. O diagnóstico de EI não pode ser obtido com um único exame, e inclui a consideração das características clínicas, laboratoriais e ecocardiográficas (PORTH, 10ª ed.). EXAMES LABORATORIAIS ↠ Os exames laboratoriais mostram com maior frequência um hemograma com leucocitose e desvio de células jovens para esquerda e aumento de provas inflamatórias (proteína C-reativa e velocidade de hemossedimentação) (SOCESP, 5ª ed.). ↠ A hemocultura permanece como procedimento diagnóstico mais definitivo e é essencial para direcionar o tratamento (PORTH, 10ª ed.). Devem ser coletadas com técnica asséptica três amostras de hemoculturas puncionadas em veia periférica de locais diferentes e antes do início dos antibióticos. A bacteriemia da EI é contínua, portanto não há necessidade de se colher as hemoculturas em vigência de febre (SOCESP, 5ª ed.). ↠ A análise da urina pode mostrar hematúria, proteinúria e até mesmo piúria causada pelas alterações imunológicas da endocardite sobre os rins (SOCESP, 5ª ed.). ECOCARDIOGRAMA ↠ O ecocardiograma é a técnica primária para detecção de formações vegetativas e complicações cardíacas resultantes da EI, constituindo uma ferramenta importante no diagnóstico e no tratamento da doença (SOCESP, 5ª ed.). ↠ O ACC e a AHA recomendam a realização de um ecocardiograma em todas as pessoas com suspeita de EI. Recomenda-se o uso do ecocardiograma transtorácico quando há risco inicial baixo ou uma leve suspeita clínica; e o ecocardiograma transesofágico deve ser utilizado em casos com apresentações clínicas moderada ou altamente suspeitas. Os indivíduos altamente suspeitos incluem aqueles com próteses valvares, EI anterior, doença congênita complexa, insuficiência cardíaca ou sopro cardíaco de início recente (SOCESP, 5ª ed.). ↠ Para auxiliar no frequentemente difícil diagnóstico de endocardite infecciosa, foram criados critérios, chamados de critérios de Duke, subsequentemente modificados (BOGLIOGO, 10ª ed.). Critérios maiores são: ➢ cultura positiva para microrganismos típicos de endocardite ou culturas persistentemente positivas a despeito de terapêutica antimicrobiana; ➢ vegetações valvares, nova insuficiência valvar, abscessos intracardíacos ou deiscência de prótese valvar detectada por ecocardiografia; ➢ cultura positiva para Coxiella burnetti ou título de anticorpos IgG anti-fase 1 ≥ 1:800. Critérios menores são: ➢ condições predisponentes; ➢ febre (T: >38ºC); ➢ sequelas vasculares de endocardite (eventos embólicos); ➢ deficiência imunitária; ➢ culturas positivas para microrganismos menos típicos de endocardite. ↠ O diagnóstico de endocardite envolve a combinação de: ➢ dois critérios maiores; ➢ um critério maior e ao menos três menores; ➢ cinco critérios menores. OBS.: Quando há um critério maior e um menor, ou três menores, a endocardite é considerada “possível”. Imagem de ecocardiograma transtorácico mostrando vegetação em face atrial da valva mitral. 7 Júlia Morbeck – @med.morbeck Tratamento da IE ↠ Tem por objetivo identificar e eliminar o microrganismo causal, minimizar os efeitos cardíacos residuais e tratar o efeito patológico da embolia. A escolha da terapia antimicrobiana depende do organismo cultivado e da sua ocorrência em uma valva nativa ou prótese valvar (PORTH, 10ª ed.). ↠ A terapia é normalmente longa e por via parenteral (SOUSA; PINTO, 2022). ↠ Além de antibioticoterapia, a cirurgia pode ser necessária em casos de infecção sem resolução, insuficiência cardíaca grave e embolia significativa (PORTH, 10ª ed.). TRATAMENTO MEDICAMENTOSO ↠ Deve ser iniciado de imediato, logo após obtençãode hemoculturas, nos casos graves, instáveis, sem condições clínicas para aguardar resultado das hemoculturas ou naqueles cujas hemoculturas foram negativas. Optar por um esquema terapêutico levando em conta o agente etiológico mais provável (PORTO & PORTO). Estreptococos do grupo viridans e S. bovis sensíveis à penicilina ➢ 1ª opção: benzilpenicilina cristalina. ➢ 2ª opção: ceftriaxona. ➢ Pacientes alérgicos à penicilina: vancomicina. Enterococos e estreptococos resistentes à penicilina ➢ Benzilpenicilina cristalina ou ampicilina + gentamicina. ➢ Pacientes alérgicos à penicilina: vancomicina. Estafilococos ➢ Oxacilina. ➢ Pacientes alérgicos à penicilina: vancomicina no lugar da oxacilina. Estafilococos resistentes à meticilina ➢ Vancomicina. Bactérias do grupo HACEK ➢ 1ª opção: ceftriaxona. ➢ 2ª opção: ampicilina + gentamicina. Pacientes portadores de prótese valvar ➢ Estafilococos sensíveis à meticilina: oxacilina + rifampicina, + gentamicina. ➢ Estafilococos resistentes à meticilina: vancomicina + rifampicina + gentamicina. ANTIMICROBIANO ↠ A escolha do antimicrobiano mais apropriado requer o conhecimento: (WHALEN, 6ª ed.). ➢ da identificação do microrganismo; ➢ da suscetibilidade do organismo com relação a um fármaco em particular; ➢ do local da infecção; ➢ de fatores do paciente; ➢ da segurança do fármaco; ➢ do custo do tratamento. OBS.: Entretanto, alguns pacientes precisam do tratamento empírico (administração imediata do(s) fármaco(s) antes da identificação bacteriana e dos testes de suscetibilidade) (WHALEN, 6ª ed.). LOCAIS DE AÇÃO DOS ANTIMICROBIANOS ↠ Os antimicrobianos podem ser classificados de várias formas: (WHALEN, 6ª ed.). ➢ Por sua estrutura química (p. ex., beta-lactâmicos ou aminoglicosídeos); ➢ Por seu mecanismo de ação (p. ex., inibidores da síntese da parede celular); ➢ Por sua atividade contra tipos particulares de microrganismos (p. ex., bactérias, fungos ou vírus). ANTIMICROBIANOS INIBIDORES DA PAREDE CELULAR ↠ Alguns antimicrobianos interferem seletivamente na síntese da parede celular bacteriana – uma estrutura que as células dos mamíferos não possuem (WHALEN, 6ª ed.). ↠ Os inibidores da síntese de parede celular apresentam eficácia máxima quando os microrganismos estão se proliferando. Eles têm pouco ou nenhum efeito em bactérias que não estejam crescendo e se dividindo (WHALEN, 6ª ed.). ↠ Os antimicrobianos que interferem na síntese da parede celular são: (WHALEN, 6ª ed.). ➢ Penicilinas; 8 Júlia Morbeck – @med.morbeck ➢ Cefalosporinas; ➢ Carbapenemos; ➢ Outros antimicrobianos. PENICILINAS MECANISMO DE AÇÃO: interferem na última etapa da síntese da parede bacteriana (transpeptidação ou ligações cruzadas), resultando em exposição da membrana osmoticamente menos estável. Então pode ocorrer lise celular, seja pela pressão osmótica, seja pela ativação de autolisinas (WHALEN, 6ª ed.). ANTIMICROBIANOS INIBIDORES DA SÍNTESE PROTEICA ↠ Muitos antimicrobianos exercem seu efeito antimicrobiano agindo nos ribossomas bacterianos e inibindo a síntese proteica das bactérias. Os ribossomas bacterianos diferem estruturalmente dos ribossomas citoplasmáticos dos mamíferos e são compostos de subunidades 30S e 50S (os ribossomas de mamíferos têm subunidades 40S e 60S) (WHALEN, 6ª ed.). ↠ Em geral, a seletividade pelos ribossomas bacterianos minimiza potenciais consequências adversas resultantes da interrupção da síntese proteica nas células do hospedeiro mamífero (WHALEN, 6ª ed.). TRATAMENTO CIRÚRGICO ↠ O tratamento cirúrgico é indicado: (PORTO & PORTO). ➢ Quando falha o tratamento farmacológico, particularmente nos portadores de prótese valvar com infecção precoce e nos pacientes que desenvolvem insuficiência cardíaca refratária. ➢ Nos casos de endocardite complicada por perfuração de cúspide valvar, ruptura de cordoalha, abscesso de anel e múltiplos episódios embólicos. ➢ Em infecções em que há dificuldade de erradicação do germe com antibióticos (fungos e Pseudomonas aeruginosa). Medidas Preventivas da EI ↠ A cavidade bucal abriga em seu interior uma variedade de espécies bacterianas, e algumas delas estão relacionadas à bacteriemia, que é a presença de microrganismos na corrente sanguínea. Qualquer quebra na barreira da mucosa oral coloca o ambiente interno do corpo em contato com um elevado grau de contaminação, resultando na penetração de microrganismos no sangue (CINTRA, 2015). USO PROFILÁTICO DE ANTIMICROBIANOS ↠ Certas situações clínicas, como procedimentos dentários e cirurgias, exigem o uso de antimicrobianos para prevenir as infecções, em vez de combatê-las. Como o uso indiscriminado dos antimicrobianos pode resultar em resistência e superinfecção, o uso profilático é limitado a situações clínicas, nas quais o benefício supera os riscos. A duração da profilaxia deve ser intimamente monitorada, para prevenir o indesejável desenvolvimento de resistência ao antimicrobianos (WHALEN, 6ª ed.). ↠ A antibioticoprofilaxia está recomendada para pacientes de alto e médio risco, antes de procedimentos odontológicos invasivos que estimulam sangramento (CINTRA, 2015). 9 Júlia Morbeck – @med.morbeck MEDIDAS GERAIS DE PREVENÇÃO DE EI CARDIOPAPERS Higiene oral e cutânea rigorosa; Desinfecção de feridas; Evitar automedicação de antibióticos; Medidas de prevenção de infecções para qualquer procedimento de risco; Limitar cateteres de infusão ou procedimentos invasivos, quando possível. Atendimento à saúde da população rural ↠ Apesar dos avanços da APS, sobretudo na ampliação da cobertura da Estratégia Saúde da Família e no acesso da população aos serviços de saúde, permanece o desafio de garantir o direito e o acesso à saúde da população rural (SOARES et. al., 2020). ↠ Estudos apontam que, quando comparada à população urbana, a situação de saúde da população rural é mais precária, com baixa cobertura de saneamento básico (32,8%) e maior parte da população (67,2%) captando água sem tratamento ou com condições insalubres, o que impacta no número de doenças de veiculação hídrica, parasitoses intestinais e diarreias (SOARES et. al., 2020). ↠ Visando à diminuição das iniquidades em saúde relacionadas à população rural, foi publicada, em 2014, a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta (PNSIPCF), considerada um avanço para a garantia do direito e do acesso à saúde no SUS (SOARES et. al., 2020). ↠ No contexto de saúde da população rural, a Unidade de Saúde da Família (USF) torna-se o principal serviço utilizado pela maioria dos moradores. Contudo, a oferta dos serviços nessas unidades é reduzida, isto é, muitas vezes, não é capaz de suprir as demandas da população adstrita (MAGALHÃES et. al., 2022). ↠ Contudo, as carências encontradas na atenção básica rural, comprometem os atendimentos na unidade, uma vez que sua estrutura física se torna um empecilho para o acesso de pacientes com deficiência física, muitas vezes diante da ausência de rampas de acesso, pisos inapropriados e portas sem largura ideal, o que deixam os usuários desconfortáveis por precisarem do auxílio de familiares ou profissionais para conduzi-los. Devido ao comprometimento da mobilidade e agilidade física dos idosos, esta estrutura também os deixa mais susceptíveis ao risco de queda e lesões, trazendo assim danos para sua saúde (MAGALHÃES et. al., 2022). ↠ Percebe-se que para a maioria dos usuários, o primeiro obstáculo para acessar os serviços de saúde, na zona rural, (seja indo até a unidade, ou recebendo visitas dos profissionais) consiste em falta de algo essencial, o transporte oportuno. Por conta disso, seguem-se diversas dificuldades, desde estruturais a organizacionais, que impactam diretamente no processo saúde-doença dessapopulação (MAGALHÃES et. al., 2022). ↠ Em relação ao acesso aos serviços de saúde, mesmo após o seu processo de descentralização, pode-se notar barreiras enraizadas, as quais vão desde a falta de transporte, longas distâncias até as unidades de saúde, até a baixa renda e, consequente impossibilidade de recorrer mais aos serviços de forma preventiva, o que denota que os fatores socioeconômicos continuam como fortes condicionantes e determinantes da saúde (MAGALHÃES et. al., 2022). ↠ Os problemas de cunho estrutural e organizacional, como a falta de recursos materiais e humanos para atenderem de forma oportuna e em tempo hábil as demandas da população, marcam um problema contínuo de carência de investimentos para o setor saúde, principalmente para o SUS. Esses fatores, portanto, corroboram para a baixa adesão aos serviços e, consequentemente, continuidade do modelo curativista, 10 Júlia Morbeck – @med.morbeck onde o indivíduo procura o serviço em um momento de emergência para tratar um problema já instaurado (MAGALHÃES et. al., 2022). IMPORTANTE: Entende-se que valorizar a integralidade do cuidado, olhando para o território, ouvindo as expressões populares, compreendendo os valores das pessoas e de suas necessidades de saúde, torna-se relevante nas ações dos profissionais de saúde que atuam nesse contexto. Essa construção contribui para alargar espaços dialógicos com as comunidades, inserindo e fortalecendo as ações de saúde, de promoção e prevenção (LIMA et. al., 2019). Referências PORTO, Celmo C.; PORTO, Arnaldo L. Clínica Médica na Prática Diária. Grupo GEN, 2015. FILHO, Geraldo B. Bogliolo – Patologia, 10ª edição. Grupo GEN, 2021. NORRIS, Tommie L. Porth - Fisiopatologia, 10ª edição. Grupo GEN, 202. JATENE, Ieda B.; FERREIRA, João Fernando M.; DRAGER, Luciano F.; et al. Tratado de cardiologia SOCESP, 5ª edição. Editora Manole, 2022 HAMMER, Gary D.; MCPHEE, Stephen J. Fisiopatologia da doença. Grupo A, 2015. GALVÃO, J. L. F. M. Endocardite infecciosa: uma revisão do microrganismo ao tratamento. Trabalho de Conclusão de Curso, João Pessoa, 2016. SOUSA; PINTO. Endocardite infecciosa: ainda mais desafios que certezas. Arquivos Brasileiro de Cardiologia, 2022. CINTRA, J. N. Risco de endocardite bacteriana no tratamento endodôntico. Revista Investigação Saúde, 2015. SOARES et. al. Cuidado em saúde às populações rurais: perspectivas e práticas de agentes comunitários de saúde. Revista de Saúde Coletiva, 2020. MAGALHÃES et. al. Acesso à saúde e qualidade de vida na zona rural. Pesquisa, Sociedade e Desenvolvimento, 2022. LIMA et. al. Necessidades de saúde da população rural: como os profissionais de saúde podem contribuir? Saúde debate, 2019. WHALEN et. al. Farmacologia Ilustrada, 6ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2016.
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